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O QUE SÃO PARTIDOS POLÍTICOS? NILDO VIANA

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  • O QUE SO PARTIDOS POLTICOS? NILDO VIANA

  • Outros livros do autor:

    Inconsciente Coletivo e Materialismo Histrico

    A Filosofia e Sua Sombra

    Violncia Urbana: A Cidade Como Espao Gerador de Violncia

    A Conscincia da Histria

    Escritos Metodolgicos de Marx

    Estado, Democracia e Cidadania

    A Elaborao do Projeto de Pesquisa

    A Questo da Causalidade nas Cincias Sociais

  • O QUE SO PARTIDOS POLTICOS? NILDO VIANA

  • Todos os direitos reservados para esta edio a Edies Germinal Capa: Nildo Viana Edies Germinal Goinia - Gois 2003

    Edies germinal http://www.edicoesgerminal.hpg.com.br/

    [email protected] Caixa Postal 10006 CEP:74025-970

    Goinia - Gois

  • NDICE

    Introduo ..............................................................................07 O Conceito de Partido Poltico...............................................11 O Partido Poltico Como Expresso Poltica de Classe..........23 Origem e Formao dos Partidos............................................41 Partidos, Eleies e Democracia Burguesa............................51 Partidos e Golpe de Estado....................................................67 O Fetichismo do Partido........................................................79 Bibliografia...........................................................................87

  • Nildo Viana O Que So Partidos Polticos? 7

    Introduo O partido poltico um dos principais temas da cincia

    poltica e da sociologia poltica e, no entanto, ainda no conseguiu ser objeto de tratamento sistemtico e adequado nestas disciplinas cientficas. As demais cincias sociais, por sua vez, com exceo da historiografia, pouco se ocuparam com a questo dos partidos polticos.

    Os trabalhos realizados sobre os partidos polticos so extremamente descritivos, inclusive os textos clssicos de Robert Michels, Sociologia dos Partidos Polticos, e de Maurice Duverger, Os Partidos Polticos. O livro de R. Michels tem o mrito de esboar alguns elementos tericos e explicativos, onde se destaca sua tese da lei frrea da oligarquia. O livro de Duverger mais descritivo e o seu aspecto explicativo todo baseado em R. Michels. Ele possui, entretanto, duas vantagens: trata de outros tipos de partidos que no o social-democrata tipo enfatizado por Michels e mais recente, fornecendo, assim, uma maior quantidade de material informativo.

    Outros trabalhos importantes sobre partidos polticos foram realizados por Ostrogorski, Max Weber, Umberto Cerroni, entre outros, mas que no produziram uma teoria ou tentativa de teoria satisfatria sobre os partidos polticos.

    Por outro lado, no meio poltico propriamente dito, somente o marxismo e suas deformaes se debruaram sobre a questo do partido. Marx e Engels viveram numa poca em que ainda no existiam partidos polticos modernos e somente

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    no final de suas vidas que os primeiros partidos social-democratas surgiriam. Eles criticaram os partidos polticos existentes em sua poca e, certamente, o posterior desenvolvimento de tais partidos, o qual eles no viram, certamente os deixariam ainda mais desiludidos.

    O debate entre Rosa Luxemburgo, integrante do partido social-democrata alemo, e Lnin, lder do partido bolchevique na Rssia, marcaria os primeiros passos de uma teoria marxista do partido poltico atravs de Rosa Luxemburgo, que coincide em muitos pontos com as observaes de R. Michels.

    Posteriormente, houve a obra de Stlin, Gramsci, Togliatti, Lukcs, entre outros, voltados para o partido como sujeito da histria, tal como preconizado por Lnin e sua ideologia da vanguarda, segundo a qual o partido deveria dirigir a classe trabalhadora para conquistar o poder estatal. No lado oposto, Otto Rhle, Paul Mattick, entre outros, seguindo, radicalizando e aprofundando as teses de Rosa Luxemburgo, demonstraram o papel conservador dos partidos polticos e, por conseguinte, negaram a ideologia da vanguarda.

    Portanto, a histria das idias sobre os partidos polticos longa, ampla e s vezes contraditria. Aqui apresentaremos uma assimilao do que h de mais importante escrito sobre os partidos polticos e ao mesmo tempo esboaremos uma teoria do partido poltico fundamentada nestes escritos, nos recursos proporcionados pelo mtodo dialtico e ainda pela minha prpria observao dos partidos polticos.

    seguindo esta trajetria que iremos analisar os partidos polticos. Antes de iniciar, porm, torna-se til esclarecer um problema de terminologia. Existem trs grandes tipos de partidos polticos que, entretanto, no possuem nos diversos pases e perodos histricos o mesmo nome. Por isso, tivemos

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    que nome-los arbitrariamente, no no sentido de no haver nenhuma conexo com a realidade e sim no sentido de no haver conexo com os nomes reais dos partidos polticos.

    Esses trs grandes tipos de partidos polticos so os que denominamos partidos burgueses, partidos social-democratas e partidos bolchevistas. Os demais tipos de partidos so o partido fascista (que engloba o partido nazista alemo e todos os outros considerados nazistas) e o que chamamos de pequenos partidos, que agrupa uma variedade ampla de partidos com caractersticas prprias e tendo como elemento comum o fato de serem pequenos.

    Qual o motivo que nos leva a adotar esta terminologia? Por que falar em partido bolchevista ao invs de partido comunista? Partidos burgueses ao invs de partidos de direita? Partido social-democrata e no partido socialista ou ento de esquerda?

    O motivo muito simples: no o nome que define o carter de um partido. Existem partidos intitulados comunistas em quase todos os pases do mundo. Ocorre, porm, que o significado das palavras comunismo e comunista, tal como elaborado por Marx, no se aplica a eles. A eles se aplica a palavra bolchevismo, pois sua forma de organizao, ideologia, estratgia de conquista do poder, segue o modelo do partido bolchevique russo, bem como seu carter de classe, que o mesmo que o do bolchevismo.

    Alm disso, partidos inspirados no bolchevismo, tal como os de ideologia trotskista, geralmente se intitulam socialistas revolucionrios, socialistas dos trabalhadores, etc. Partidos intitulados comunistas, como os da Europa Ocidental, e que so expresso da corrente chamada eurocomunista, assumem uma posio muito mais social-democrata que bolchevista.

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    Os partidos social-democratas, por sua vez, muitas vezes se intitulam operrios, trabalhistas, socialistas, dos trabalhadores, etc. Alguns se intitulam social-democratas e expressam exatamente essa posio poltica enquanto outros de social-democrata s possuem o nome, tal como o PSDB Partido da Social-Democracia Brasileira.

    Outra forma de classificao a que distingue os partidos de direita dos partidos de esquerda. Tal classificao insuficiente para definir o carter de um partido e o uso corrente dos termos direita e esquerda oferece mais confuses que esclarecimento. Por fim, resta dizer que estes tipos de partidos existem na realidade tal qual so apresentados aqui, mas tambm existem alguns raros casos de partidos que possuem elementos de um ou outro tipo, embora predomine o carter de um dos tipos colocados. Aps estes esclarecimentos podemos iniciar a nossa caminhada.

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    O Conceito de Partido Poltico O que so os partidos polticos? Esta uma pergunta

    difcil de responder. A dificuldade surge, em primeiro lugar, da diversidade de partidos polticos que carregam inmeras diferenas entre si. Em segundo lugar, a relao e semelhana entre partido poltico e outras instituies que exercem funes polticas podem ofuscar a compreenso da especificidade desta forma de organizao poltica.

    Iniciaremos nossa definio de partido poltico colocando em evidncia uma concepo comum mas equivocada. Alguns confundem partido poltico com parte poltica. Sem dvida a palavra partido possui uma ligao indissolvel com a palavra parte. Partido derivado de parte. Porm, ocorre que, como colocou o italiano Umberto Cerroni, se um partido poltico uma parte poltica, nem toda parte poltica um partido poltico1. O movimento ecolgico, por exemplo, pode ser considerado uma parte poltica mas no um partido.

    Portanto, necessrio compreender a especificidade do partido poltico moderno, ou seja, preciso descobrir em que ele se distingue das demais organizaes polticas e sociais. Podemos ler em livros de histria referncias ao partido de Csar ou ao partido de Napoleo, mas isto no quer dizer que existiam partidos polticos nestas pocas. Em primeiro lugar, devemos ter em conta que os partidos polticos so

    1CERRONI, Umberto. Teoria do Partido Poltico. So Paulo, Cincias

    Humanas, 1982.

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    fenmenos modernos, ou seja, so produtos tpicos da sociedade moderna, capitalista. com a formao do modo de produo capitalista e do Estado que lhe correspondente, o Estado burgus, que surge os partidos polticos.

    A noo de partido que se manifesta na expresso partido de Csar demasiadamente ampla e significa o mesmo que posio. Quando Marx escreveu o famoso Manifesto do Partido Comunista no se referia aos partidos comunistas existentes hoje, pois no utilizava a noo moderna de partido. Tal Manifesto se referia posio dos indivduos que se denominavam comunistas.

    Portanto, partido poltico no nem parte nem posio poltica. Tambm no um grupo cujos membros se propem a agir de comum acordo na luta de concorrncia pelo poder poltico (Schumpeter), pois um grupo de guerrilheiros no um partido poltico e possui estas mesmas caractersticas. Tambm no pode ser compreendido simplesmente como uma mquina organizativa mais um programa poltico (Cerroni), pois inmeras organizaes da sociedade civil (por exemplo, sindicatos, movimentos sociais) podem possuir, e muitos efetivamente possuem, tais elementos em sua composio. Mas, afinal, o que um partido poltico?

    Os partidos polticos so organizaes burocrticas que visam conquista do Estado e buscam legitimar esta luta pelo poder atravs da ideologia da representao e expressam os interesses de uma ou outra classe ou frao de classe existentes. Assim, os quatro elementos principais que caracterizam os partidos polticos so: a) organizao burocrtica; b) objetivo de conquistar o poder do Estado; c) ideologia da representao como base de sua busca de

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    legitimao; e d) expresso dos interesses de classe ou frao de classe.

    Uma organizao burocrtica se caracteriza por funcionar atravs da relao dirigentes-dirigidos. Aqueles que dirigem, os burocratas, tomam as decises e controlam os dirigidos. Na sociedade contempornea, existem diversas organizaes burocrticas alm dos partidos polticos, tais como: os sindicatos, as igrejas, as escolas, o prprio Estado, etc.

    Por que os partidos polticos so organizaes burocrticas? Eles so organizaes burocrticas devido seu objetivo de conquistar o poder poltico, pois para realiz-lo necessrio ter eficcia, o que pressupe recursos humanos e financeiros, disciplina, unidade, etc. Os partidos polticos que buscam conquistar o poder atravs da democracia representativa (processo eleitoral) precisam movimentar enormes quantias de dinheiro para financiar a campanha eleitoral, precisam de um quadro de funcionrios eficientes e disciplinados, precisam de uma unidade de ao, sem os quais uma vitria seria quase impossvel.

    Os partidos polticos que buscam conquistar o poder atravs de golpe de Estado precisam de uma slida estrutura organizativa, financeira. Como o meio escolhido para se chegar ao poder ilegal, ento a clandestinidade ou semiclandestinidade necessria. Uma disciplina de carter militar, um controle da burocracia sobre os demais membros, so fatores indispensveis.

    Portanto, a eficincia e a eficcia exigem a burocratizao dos partidos polticos. Isto mais forte ainda nos partidos que buscam representar a classe trabalhadora. Os motivos disto veremos mais adiante. Pode-se dizer que medida que o partido moderno evolui para uma forma de

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    organizao mais slida, vemos acusar-se muito mais a tendncia a substituir os chefes ocasionais por chefes profissionais. Toda organizao partidria, mesmo pouco complicada, exige certo nmero de pessoas que lhe dediquem toda a sua atividade. A massa delega, ento, o contingente necessrio, e os delegados, munidos de uma procurao formal, representam a massa de forma permanente e abandonam suas outras atividades2.

    Cria-se, assim, no interior do partido, uma diviso entre dirigentes e dirigidos, entre chefes, lderes, por um lado, e massas, liderados, por outro. Estes dirigentes formam a burocracia partidria. Esta burocracia comanda o partido, embora existam variaes de grau na burocratizao entre os diferentes partidos. Neste sentido, perfeitamente correta a tese de Robert Michels da lei frrea da oligarquia, segundo a qual em todos os partidos uma oligarquia de burocratas monopoliza o poder. Nos partidos conservadores, que recruta sua liderana na classe capitalista, ou seja, naqueles que possuem uma riqueza acumulada maior, no existe confronto entre a base social do partido e sua camada dirigente, ou seja, a burocratizao no um processo problemtico para tais partidos.

    Assim, o partido poltico uma organizao burocrtica porque isto necessrio para atingir o seu objetivo, que a conquista do poder do Estado. A burocracia partidria ao conquistar o poder remete grande parte de seus membros para os quadros da burocracia estatal. Mas nenhum partido pode conquistar o poder do Estado sem uma base social, ou seja,

    2MICHELS, Robert. Sociologia dos Partidos Polticos. Braslia, UNB,

    1982, p. 23.

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    sem o apoio das massas ou de classes e fraes de classes. Na democracia representativa somente se conquista o poder do Estado atravs do processo eleitoral, ou seja, somente conquistando o apoio de um nmero considervel de eleitores que se pode ascender ao poder. Num golpe de Estado, necessrio possuir um mnimo de apoio popular e ter o respaldo de foras militares (estatais ou no).

    No primeiro caso, um partido conservador para ganhar a eleio deve dissimular (esconder algo que efetivamente existe) seus reais interesses e simular (fingir algo que no existe) ser o representante do povo, das massas. Esse processo de dissimulao-simulao tambm se encontra presente nos partidos conservadores que tentam conquistar o poder por via do golpe de Estado. Dissimula-se o verdadeiro interesse de manter a ordem capitalista baseada na explorao de uma classe social por outra, que de interesse da classe dominante, e simula-se representar o povo, a nao, etc.

    Aqui se observa duas coisas: por um lado, a existncia de um interesse declarado, mas falso, juntamente com a existncia de um interesse real, verdadeiro, mas omitido no discurso e por outro lado, a ideologia da representao.

    O processo de dissimulao-simulao, marcado pela declarao de um interesse falso e pela omisso do verdadeiro interesse, tem sua raiz no carter de todo partido poltico. A sociedade capitalista, que onde emerge os partidos polticos e a democracia representativa, marcada pelo conflito entre as diversas classes sociais existentes, sendo que as classes fundamentais so a classe capitalista e a classe operria. Somente compreendendo este conflito que se pode entender o processo de dissimulao-simulao realizado pelos partidos polticos.

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    A classe capitalista se caracteriza por ser a proprietria dos meios de produo (terras, fbricas, mquinas, ferramentas, etc.) e a classe operria por ter como nica propriedade sua fora de trabalho (capacidade fsica e intelectual de executar atividades). Assim, a classe operria est destituda de qualquer outra propriedade e por isso tem que vender sua fora de trabalho ao capitalista.

    O operrio cede sua fora de trabalho e em troca o capitalista lhe paga um salrio. Este salrio serve para satisfazer as necessidades, historicamente determinadas, do trabalhador. Atravs da satisfao de suas necessidades bsicas, o operrio poder continuar trabalhando para o capitalista.

    O operrio ganha o salrio. E o capitalista? Este ganha o lucro. O que o lucro? o produto da explorao do operrio. Como isto ocorre? O processo de explorao capitalista ocorre pelo simples fato de que os meios de produo (terras, fbricas, etc.) no acrescentam valor s mercadorias. As mquinas sozinhas no produzem nada, pois necessrio o trabalho humano para que elas se movimentem. Mais importante do que isso o fato de que mquinas apenas repassam seu valor s mercadorias enquanto que o trabalho humano acrescenta valor a elas.

    O lucro do capitalista vem deste valor acrescentado mercadoria pelo trabalhador. Este mais-valor acrescentado mercadoria apropriado pelo capitalista que cede uma pequena parcela deste aos trabalhadores, como forma de pagamento, ou seja, como salrio. Portanto, a que reside a explorao do trabalhador pelo capitalista.

    A classe operria, mesmo quando no tem conscincia da explorao, resiste e luta contra ela. Uma das formas de luta se

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    encontra na busca de aumentos salariais e a arma mais eficaz que ela utiliza a greve. Entretanto, aumentos salariais significam uma diminuio na taxa de lucro do capitalista. Por conseguinte, este luta para manter estabilizado os nveis salariais.

    Mas a classe capitalista pode utilizar outros meios para evitar a queda da taxa de lucro, tal como a expanso do processo inflacionrio. Neste caso, os aumentos salariais so concedidos mas so repassados aos preos dos produtos e, por conseguinte, no aumentam o nvel de renda dos operrios e nem diminui a taxa de lucro do capitalista.

    Outra forma que a classe capitalista utiliza para manter e se possvel aumentar a taxa de lucro atravs do aumento de produtividade. Este aumento de produtividade significa que o operrio ir produzir mais durante o mesmo perodo de tempo de trabalho, ou seja, ele ir produzir em oito horas de trabalho no mais dez unidades e sim quinze, por exemplo. Se no houver aumento de salrio ou se este for proporcionalmente menor ao aumento de produtividade, ento aumentar-se- a taxa de lucro do capitalista, ou seja, a taxa de explorao do trabalhador.

    Entretanto, a classe operria no luta apenas para diminuir a explorao mas tambm para aboli-la. Em determinadas circunstncias histricas, o proletariado se organiza nas fbricas atravs de movimentos grevistas e da formao de conselhos operrios e passam a autogerir a produo e colocar em questo a explorao e dominao capitalista.

    A luta entre a burguesia e o proletariado no se limita ao local de produo. Ela se expande para o conjunto da sociedade e se complexifica devido ao envolvimento de outras

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    classes sociais (campesinato, burocracia, etc.). O Estado capitalista, expresso poltica da classe dominante, busca controlar as classes e conflitos e para fazer isto canaliza as lutas polticas em sua direo.

    O Estado busca institucionalizar a luta de classes e assim amortec-la. A democracia representativa o principal instrumento utilizado para isto nos regimes democrticos e a represso assume a forma de principal meio de amortecimento da luta de classes nos regimes ditatoriais.

    Os partidos tambm so envolvidos pela luta de classes e pela ao estatal. A liberdade jurdica garante, ficticiamente, a todos os indivduos e classes a sua organizao em partido poltico. Ocorre, porm, que existe uma legislao sobre partidos que dificultam a formao de partidos sem recursos financeiros, estrutura burocrtica, etc.

    Alm dos limites legais, existem os limites reais, que so mais importantes. Quais so estes limites? So os limites financeiros, intelectuais, entre outros, que impedem que as classes exploradas (classe operria, campesinato, etc.) participem em condies de igualdade na disputa poltica com a classe capitalista e suas classes auxiliares (burocracia, por exemplo).

    As classes sociais se organizam em diversas instituies, entre as quais os partidos polticos. A maioria dos partidos polticos so representantes exclusivos da classe dominante e o restante so hegemonizados por suas classes auxiliares. A burocracia ocupa um lugar especial neste contexto pois ela no s participa nos partidos polticos (saindo dos quadros do Estado, dos sindicatos, das empresas, etc.), como tambm constituda neles, formando uma nova frao de classe da burocracia, a burocracia partidria. Nos partidos polticos esto

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    presentes no s a burocracia estatal, sindical, universitria, como tambm e principalmente a burocracia partidria.

    O interesse da burocracia partidria assumir o poder. Os partidos burgueses possuem o interesse de conquistar o poder e, ao mesmo tempo, garantir a reproduo do modo de produo capitalista. Isto, entretanto, contradiz os interesses da classe operria. Ocorre, porm, que os eleitores provenientes da classe burguesa so numericamente insignificantes e por isso se torna necessrio conquistar os votos dos eleitores das demais classes sociais, em especial da classe operria e dos demais setores explorados, devido ao fato deles serem a maioria esmagadora. por isso que os partidos burgueses, mas no s estes, como veremos adiante, apresentam um interesse declarado que falso (representar o povo) e omitem o seu verdadeiro interesse (conquistar o poder para distribuir cargos entre a burocracia partidria e reproduzir o modo de produo capitalista e alguns interesses especficos de fraes da burguesia ligados a um ou outro partido poltico)3. 3 Amitai Etzioni observou a existncia de dois tipos de objetivos em

    uma organizao: o objetivo declarado (falso) e o objetivo real. Segundo ele, existem, pelo menos, duas razes pelas quais o chefe de uma organizao pode dizer que a organizao aspira a determinados objetivos que, de fato, diferem dos que realmente procura atingir. Em alguns casos, o chefe pode no estar consciente da discrepncia, a situao real no lhe indicada. Os chefes de alguns departamentos universitrios, por exemplo, s contam com informao muito imprecisa a respeito do que ocorre com a maior parte de seu produto, isto , os estudantes formados. Por isso, um chefe de departamento e sua equipe podem acreditar que o departamento se dedica a preparar futuros nobelistas em fsica, embora, na prtica, funcione principalmente como fornecedor de competentes pesquisadores de cincia aplicada em indstria

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    Assim, se produz o processo de dissimulao-simulao nos partidos polticos. Isto se reproduz at nos partidos que dizem combater o capitalismo, notadamente o socialista, o comunista, o operrio, etc., mas de forma diferente, tal como ser visto posteriormente. Desta forma, os partidos polticos utilizam a ideologia da representao para buscar ascender ao poder. Esta ideologia surge com a prpria formao da democracia burguesa, que, ao contrrio da democracia escravista grega, se fundamenta na idia de representao.

    Representar significa tornar novamente presente. O representante deve, em seus atos, tornar novamente presente o representado. Isto, na democracia representativa, mera fico, devido, entre outras coisas, ao processo j referido de dissimulao-simulao realizado pelos partidos polticos. O eleitor, aps escolher seu representante, no exerce nenhum controle sobre ele. Tal como colocou Pierre-Joseph Proudhon, Os representantes do povo mal conquistam o poder e logo procuram consolid-lo e refor-lo. Eles cercam incessantemente suas posies com novas trincheiras defensivas, at conseguirem se libertar por completo do

    eletrnica. mais freqente que lideres de organizaes exprimam, conscientemente, objetivos que diferem dos que so realmente procurados, porque esse mascaramento auxilia os objetivos que a organizao de fato deseja atingir. Uma organizao cujo objetivo real obter lucro pode ter vantagens se puder passar por uma organizao educacional, no-lucrativa. E uma organizao cujo objetivo seja derrubar o governo legtimo de um pas, provavelmente, se beneficia se puder passar por legtimo partido poltico (ETZIONI, Amitai. Organizaes Modernas. 7a edio, So Paulo, Pioneira, 1984, p. 9).

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    controle popular. um ciclo natural percorrido por todo representante: oriundo do povo ele acaba por cima do povo4.

    Na verdade, na democracia representativa, o eleitor ao escolher seu representante delega o poder a este e de soberano passa a sdito. Delegao de poder significa transferncia de poder. Terminadas as eleies, termina tambm o poder dos eleitores sobre os seus eleitos5. Mas, para se manter no poder, a burocracia partidria, tanto nas questes internas do partido quanto nas externas, precisa apelar para a ideologia da representao. por isso que a democracia representativa tambm chamada de democracia burguesa, pois nela prevalece os interesses e a hegemonia da classe burguesa, reforada pela ajuda de sua classe auxiliar, a burocracia.

    Outro elemento definidor dos partidos polticos o seu objetivo de conquistar o poder do Estado. Mesmo os pequenos partidos sonham com a conquista do poder estatal e enquanto isto um horizonte quase impossvel de se atingir, buscam conquistar espaos atravs das eleies, s vezes aliando-se aos grandes partidos em troca de cargos pblicos.

    Portanto, os partidos integrados na democracia burguesa aspiram, em maior ou menor grau, a aquisio do poder. Mas existem partidos que buscam conquistar o poder estatal atravs de golpe de Estado, tal como os partidos nazistas, fascistas, stalinistas, leninistas, entre outros. Os objetivos so os mesmos, os meios que so diferentes. Entretanto, ainda se apela para a ideologia da representao, os partidos stalinistas e leninistas dizem representar a classe operria e o partido

    4Cit. por: MICHELS, Robert. Ob. cit., p. 24. 5MICHELS, Robert. Ob. cit., p. 25.

  • 22 Nildo Viana O Que So Partidos Polticos?

    nazista a raa ariana e assim por diante. Todo partido poltico expresso poltica de uma ou

    outra classe social. Ocorre, porm, que a ideologia da representao ofusca a viso de qual classe o partido representa realmente. Apesar disso, o fato do partido ser expresso poltica de classe fundamental, e por isto que lhe dedicaremos o captulo seguinte. Enfim, os partidos polticos modernos possuem estas caractersticas e outras que lhe so derivadas. Estas so as suas caractersticas fundamentais e que expressam o que eles so.

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    O Partido Poltico Como Expresso Poltica de Classe

    Os partidos polticos, tal como foi dito anteriormente,

    expressam os interesses de uma ou outra classe ou frao de classe.

    A relao entre partido e classe pode ser observada sob dois ngulos principais: o da sua composio social e o da hegemonia. Outro aspecto, menos importante, que est envolvido com a relao entre partido e classe o seu pblico alvo, para utilizar linguagem dos especialistas em relaes pblicas. O pblico alvo a parte da populao ao qual o partido privilegia no seu discurso poltico, o qual ele diz ser representante.

    Do ponto de vista da composio social, existem partidos mais homogneos e menos homogneos. Os partidos burgueses, os pequenos partidos, os partidos fascistas e os partidos bolchevistas so mais homogneos, enquanto que os partidos social-democratas so mais heterogneos.

    A homogeneidade na composio social dos partidos burgueses, fascistas, pequenos e bolchevistas no significa que no interior deles existam indivduos pertencentes a uma nica classe e sim que existe apenas uma classe social que possui conscincia de seus interesses gerais e que os indivduos de outras classes presentes no partido esto envolvidos pela ideologia desta classe.

  • 24 Nildo Viana O Que So Partidos Polticos?

    Os partidos burgueses, por exemplo, tambm possuem no seu interior indivduos proletrios, pequenos proprietrios, etc., que no entanto, no manifestam os interesses de sua classe e sim a da classe hegemnica no partido. O mesmo ocorre com os demais partidos homogneos.

    Os indivduos proletrios que se encontram no interior dos partidos burgueses manifestam seus interesses individuais definidos a partir da ideologia e mentalidade burguesas. Se o interesse de classe do proletariado abolir o modo de produo capitalista e instaurar a autogesto social, o interesse destes indivduos distanciados de sua classe a ascenso social, ou seja, conquistar uma melhor posio no interior da sociedade burguesa.

    O mesmo ocorre com os indivduos proletrios integrados nos partidos bolchevistas, embora sob forma diferente. Como os partidos bolchevistas so dirigidos pela frao mais extremista da burocracia, que busca implantar sua prpria forma de dominao em substituio dominao burguesa, o que predomina neles a ideologia da vanguarda, segundo a qual os intelectuais bolchevistas seriam os representantes do proletariado. Estes indivduos proletrios introjetam esta ideologia e a reproduzem.

    Os partidos social-democratas, que muitos pesquisadores tomaram como modelo de partido poltico (Michels, Cerroni), so aqueles que podemos qualificar de heterogneos. Isto ocorre no s porque no seu interior existe uma maior variedade de classes e fraes de classe como tambm pelo motivo de que estas manifestam, mesmo que contraditoriamente, os seus interesses de classe.

    Esta a razo da existncia de tendncias e luta entre elas no interior deste tipo de partido. A classe operria, o

  • Nildo Viana O Que So Partidos Polticos? 25

    campesinato, os pequenos proprietrios, a burocracia, entre outras, de forma unificada ou dividida em suas fraes, lutam pela hegemonia no interior do partido. O que predomina neste partido a burocracia, no s por que o seu principal suporte a burocracia sindical como tambm e principalmente pelo fato de que o prprio partido cria uma frao da burocracia, que a burocracia partidria.

    Portanto, do ponto de vista da composio social, todos os partidos polticos possuem no seu interior indivduos pertencentes a diversas classes sociais. Entretanto, existe uma diferena entre partidos homogneos e heterogneos, pois nos primeiros a classe hegemnica no partido reina absoluta enquanto que nos ltimos a luta pela hegemonia se torna uma constante no seu interior.

    Podemos dizer, ento, que o problema da hegemonia fundamental para definir o carter de classe de um partido. Nos partidos homogneos (burgueses, pequenos, bolchevistas) reina a hegemonia absoluta de uma classe. Neste sentido, podemos dizer que estes so partidos monoclassistas.

    Pode-se, entretanto, perguntar: mas no existem disputas internas nestes partidos? E as notcias que ouvimos cotidianamente nos jornais sobre grupos que apiam candidatos diferentes presidncia da repblica ou de cises e fuses entre partidos que podem ser considerados burgueses?

    Realmente existem disputas internas, mas estas no so disputas entre classes sociais e sim no interior de uma nica classe, seja entre suas fraes ou entre grupos de interesses. Na linguagem de Duverger, seriam disputas entre cls1. Essas

    1 Cf. DUVERGER, Maurice. Os Partidos Polticos. 2a edio, Rio de

    Janeiro, Zahar, 1980.

  • 26 Nildo Viana O Que So Partidos Polticos?

    disputas se do por divergncias entre interesses de fraes de classe ou de grupos. No primeiro caso, tomando como exemplo os partidos burgueses, fraes diferentes de classe burguesa podem em determinado momento entrar em contradio. A burguesia industrial pode, por exemplo, propor reforma agrria para aliviar os conflitos no campo e garantir a harmonia social, enquanto que a burguesia agrria, devido seus interesses, ir se opor radicalmente a esta proposta. No segundo caso, forma-se, no interior dos partidos burgueses, grupos que quando chegam no poder distribuem os principais cargos, bem como sua maioria, aos seus integrantes, em detrimento dos demais grupos. Isto cria um conflito entre grupos no interior do partido. Em nenhum dos dois casos se v disputa entre classes e sim no interior de uma mesma classe.

    No caso dos partidos bolchevistas, onde o processo de dissimulao-simulao assume um papel mais importante e tido como verdadeiro pela maioria de seus agentes, as disputas internas se manifestam principalmente sob a forma de divergncias poltico-ideolgicas referentes a como atuar junto ao pblico alvo, (no caso, a classe operria), ou seja, so provocadas por diferenas de anlise da realidade (em especial no que se refere conjuntura) e no planejamento de atividades (ttica e estratgia) que comandam a ao partidria. Os motivos para tal disputa se encontra em ambies pessoais, disputa de fraes da burocracia, carreirismo burocrtico, vontade individual de ascenso ao poder, etc., provocados pela mentalidade burguesa e/ou burocrtica de seus membros.

    A disputa pela hegemonia se torna mais importante e complexa nos partidos social-democratas. A composio social diversificada destes partidos possibilita uma ampla luta pela hegemonia que envolve diferentes classes e fraes de classe.

  • Nildo Viana O Que So Partidos Polticos? 27

    A hegemonia, entretanto, geralmente pertence direo burocrtica do partido. a que funciona a lei frrea da oligarquia. Evidentemente, existe uma disputa e diversas tendncias buscando conquistar o controle do partido. Resta saber o motivo do predomnio da dominao burocrtica.

    Em primeiro lugar, devemos lembrar que a burocracia inseparvel do partido poltico moderno. De acordo com os objetivos a que se prope o partido poltico, ele deve se organizar necessariamente de forma burocrtica. Por isso, a burocracia partidria , ao mesmo tempo, uma necessidade e uma caracterstica do partido poltico.

    preciso, entretanto, descobrir a origem dessa burocracia partidria na social-democracia. Os chefes partidrios so recrutados, obviamente, junto aos prprios integrantes do partido, que so provenientes das mais diversas classes sociais. Ocorre, porm, que a burocracia partidria composta principalmente por pequeno-burgueses, sindicalistas e intelectuais. Sem dvida, elementos provenientes do proletariado e de outras classes sociais tambm possuem cargos de direo no partido.

    A presena de indivduos de origem proletria em cargos de direo nos partidos social-democratas no quer dizer nada. Neste sentido, os dois pesquisadores clssicos dos partidos polticos (Duverger e Michels) foram exatos: a elevao de um operrio ao cargo de dirigente significa que ele alterou sua condio de classe e se tornou um burocrata. Existe uma metamorfose psicolgica nos indivduos oriundos da classe operria quando eles chegam ao poder.

    O mesmo ocorre com indivduos provenientes de outras classes sociais que no a burocracia. Assim, o partido social-democrata, tal como demonstrou R. Michels, criador de

  • 28 Nildo Viana O Que So Partidos Polticos?

    novas camadas pequeno-burguesas, embora, diramos hoje, com mais exatido conceitual, de uma nova frao de classe da burocracia: a burocracia partidria.

    A origem social dos membros da burocracia partidria encontra-se nas diversas classes sociais que compem o partido, inclusive no proletariado. Mas os membros da direo do partido que so oriundos da classe operria so numericamente insignificantes.

    A maioria dos componentes da burocracia partidria surge da burocracia sindical, dos pequenos proprietrios e de outras classes auxiliares da burguesia.

    Uma vez formada, a burocracia partidria se torna uma fortaleza quase impossvel de ser derrubada. Alm disso, com o apoio das demais fraes de classe da burocracia, ela se torna a classe hegemnica no partido.

    As razes deste predomnio de indivduos provenientes das classes privilegiadas na direo do partido e da hegemonia da burocracia nos remetem novamente questo da composio social do partido.

    Uma parte considervel dos filiados dos partidos social-democratas proveniente da classe operria. Sem dvida, a maioria pertence s classes e/ou fraes de classes exploradas (proletariado, lumpemproletariado, campesinato, etc.). No entanto, apenas uma pequena minoria participa da direo do partido. Como se explica isto?

    A explicao s pode ser encontrada nas condies de vida destas classes e fraes de classe. Sem dvida, a vida marcada pelo cansao, falta de tempo, preocupaes imediatas, um dos principais motivos do afastamento dos proletrios e indivduos de outras classes que vivem do trabalho da direo do partido, pois os membros das classes privilegiadas se

  • Nildo Viana O Que So Partidos Polticos? 29

    encontram numa situao de vantagem, j que podem dedicar mais tempo e se empenhar mais na luta cotidiana.

    Outra vantagem destes se encontra nos recursos financeiros superiores de que dispem. Isto lhes permite manter suas contribuies em dia com o partido, comprar livros e textos para aperfeioar sua formao intelectual (o que muito importante em um partido que supervaloriza o saber e marcado por disputas ideolgicas, embora predomine a retrica sobre o saber real).

    Outro motivo existente para se formar esta hierarquia de classes sociais no partido poltico se encontra no que Michels qualificou de superioridade intelectual dos chefes profissionais, que completada pela incompetncia formal e real das massas2. Na verdade, R. Michels est correto apenas em parte. Realmente o saber assume grande importncia na dominao burocrtica, mas, entretanto, devemos distinguir entre as formas do saber e a questo de sua relao com a capacidade dos indivduos.

    No existe nenhuma incompetncia formal e real nas massas do ponto de vista intelectual. As massas possuem a mesma capacidade intelectual que os chefes do partido. A diferena se encontra no direcionamento em que se d o desenvolvimento intelectual dos indivduos e no grau de complexidade formal com que se manifesta. Alm disso, pode-se falar em nveis de desenvolvimento intelectual, mas que so pequenos e no surgem de nenhuma incapacidade, seja de origem biolgica ou gentica, e sim de bloqueios provocados por desinteresse ou problemas psquicos. Estes, por sua vez, so produzidos socialmente e so superveis.

    2MICHELS, Robert. Ob. cit.

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    Devemos, pois, focalizar os dois aspectos mais importantes acima assinalados, o do direcionamento e da complexidade, e deixar de lado a questo do bloqueio ao desenvolvimento intelectual, que se manifesta mais em casos individuais limitados.

    O direcionamento do desenvolvimento da conscincia de um indivduo provocado pela sua experincia e pelo seu interesse. Trabalhos etnogrficos revelaram, por exemplo, que em algumas sociedades indgenas os indivduos desenvolveram um complexo sistema classificatrio de plantas que so comparveis aos realizados pelos pesquisadores em botnica em nossa sociedade3. As razes disto so a experincia e o interesse destes indivduos por estas plantas e que so produtos da importncia que elas possuem para tais sociedades, pois so utilizadas como uma das principais fontes de alimentao e de remdios.

    Os trabalhadores no possuem a mesma experincia e nem os mesmos interesses que os chamados intelectuais, ou que os burocratas do partido. Os intelectuais profissionais possuem interesse em armazenar dados, informaes, livros e idias tanto para utilizar em sua profisso quanto para a luta poltica cotidiana, dentro e fora do partido. Sua experincia (educao escolar, atividades profissionais) tambm colabora neste sentido.

    Os trabalhadores, mesmo aqueles que possuem uma conscincia de classe desenvolvida a ponto de compreender a necessidade de acumular saber, no possuem o mesmo grau de experincia, tal como, por exemplo, o hbito de leitura, o

    3Cf. LVI-STRAUSS, Claude. O Pensamento Selvagem. Campinas,

    Papirus.

  • Nildo Viana O Que So Partidos Polticos? 31

    que dificulta seus estudos. Alm disso, muitos trabalhadores demonstram, por diversos motivos, desinteresse pelo que se chama geralmente de acumulao de conhecimento.

    A complexidade das formas de expresso est ligada linguagem utilizada para se referir realidade, ou seja, existem discursos simples e discursos complexos em sua forma de manifestao. O discurso cientfico, por exemplo, se caracteriza pela utilizao de uma linguagem complexa organizada sob a forma de sistema. J o discurso popular realizado atravs de uma linguagem simples e sem haver, necessariamente, uma viso de conjunto da realidade.

    A utilizao de palavras difceis pode provocar a iluso de que se fala com conhecimento de causa ou fornecer a imagem de autoridade cientfica para quem faz o discurso. A linguagem simples, por sua vez, pode expressar a realidade e parecer, justamente devido sua simplicidade, que no reflete as coisas como elas so. O fato que uma linguagem complexa pode expressar um saber falso e uma linguagem simples um saber verdadeiro.

    Ocorre, porm, que isto consegue convencer a muitos e tem uma grande influncia nas disputas ideolgicas no interior do partido. Isto mais forte ainda tendo-se em vista o culto autoridade existente na nossa sociedade. As autoridades intelectuais (cientistas, professores, tcnicos, etc.) ganham respeito, simpatia e notoriedade pelo simples status profissional, que nem sempre corresponde a uma real competncia e saber.

    Estes dois aspectos facilitam o predomnio dos burocratas no partido, mas alm deles existe um outro de importncia fundamental: realmente existe uma superioridade dos chefes partidrios sobre as massas que expressa no s no

  • 32 Nildo Viana O Que So Partidos Polticos?

    direcionamento e na complexidade de seu discurso. Este se encontra na eficcia poltica de tal discurso.

    Tal eficcia surge do saber funcional acumulado pelos lderes do partido. Sem dvida, estes possuem um grande domnio sobre os estatutos e regimentos adquirido no parlamento, nos sindicatos, nas universidades ou em qualquer outra instituio burocrtica existente.

    Pode-se dizer que os parlamentares tornaram-se mestres na arte de dirigir as assemblias, de aplicar e de interpretar os regulamentos, de propor moes no momento oportuno, enfim, de usar toda sorte de artifcios para evitar a discusso de pontos controvertidos, para arrancar de uma maioria hostil um voto que lhes seja favorvel, ou, pelo menos, e no caso mais desfavorvel, para reduzir essa maioria ao silncio. E para atingir este fim no faltam meios: desde a maneira hbil e, s vezes, ambgua do voto, at a ao sugestiva que se exerce sobre a multido atravs de insinuaes que, embora no tenham nenhuma relao com a questo, no deixam de impressionar a audincia4.

    O saber funcional acumulado vai alm deste tipo de competncia tcnica e manipulatria embora o englobe. Ele tambm inclui o instrumental necessrio para o seu prprio desenvolvimento, tal como o domnio da linguagem e de informaes necessrias, a erudio (falsa ou verdadeira, sendo que a falsa se caracteriza pela superficialidade e/ou dizer saber enquanto que a verdadeira, muito rara em partidos polticos, se fundamenta num real saber), as tcnicas matemticas e cientficas, etc.

    4MICHELS, Robert. Ob. cit., p. 55.

  • Nildo Viana O Que So Partidos Polticos? 33

    A caracterstica fundamental do saber funcional acumulado que ele , como o prprio nome diz, funcional, o que significa que ele possui uma funcionalidade relativa a algo, que, no caso aqui tratado, a sociedade capitalista ou a setores de atividades especficos existentes no seu interior. O pensamento mtico, por exemplo, funcional nas sociedades indgenas, pois no s fornece uma explicao do mundo como til para a reproduo da sociedade e do indivduo socializado. Quando um mito, por exemplo, retrata o incesto como a origem de algum mal social, ele tem a utilidade de servir para a reproduo de determinadas relaes sociais que probe o intercurso sexual entre determinadas pessoas.

    Por conseguinte, o saber funcional caracterizado por ser til sociedade e aos indivduos que vivem nela. Este o tipo de saber valorizado pela sociedade. O saber no-funcional, ao contrrio, desvalorizado por ela, tal como o caso, tomando como exemplo a nossa sociedade, do folclore, da religio, do pensamento mtico, entre outros.

    Existem outras formas de saber que so socialmente teis mas que no so teis para a reproduo da sociedade e dos indivduos integrados nela, ou seja, de indivduos cuja reproduo refora a existncia dela.

    Resta explicar o uso da palavra acumulado no que se refere ao saber funcional. Todo indivduo possui um processo histrico de vida e nele vai adquirindo uma certa quantidade de saber funcional.

    Os indivduos oriundos da classe burguesa ou da classe burocrtica possuem um saber funcional acumulado em seu processo histrico de vida maior do que os provenientes das classes exploradas.

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    Tal quantidade a mais acumulada de saber funcional inicia-se na prpria famlia que repassa parte do saber funcional acumulado dos pais aos filhos. A escola freqentada pelas crianas das classes privilegiadas refora isto e as crianas das classes exploradas, devido seu saber funcional acumulado em sua famlia ser menor, encontram mais dificuldades em obter um sucesso escolar, sendo que geralmente lhe resta o fracasso escolar.

    Foi partindo desta constatao que os socilogos franceses Bourdieu e Passeron elaboraram a tese do capital cultural e do capital lingstico que os indivduos levam para a escola5. O grau de escolaridade tambm aumenta a quantidade de saber funcional acumulado pelo indivduo. O acesso a determinados bens culturais e simblicos tambm serve ao seu acrscimo.

    A linguagem um instrumento tcnico e manipulatrio poderoso. Um indivduo comum possui um repertrio de aproximadamente 300 palavras enquanto que um cientista pesquisador dispe de aproximadamente 30.000 palavras.

    Portanto, no resta dvidas de que os indivduos provenientes das classes privilegiadas possuem um saber funcional acumulado superior aos pertencentes s demais classes sociais e, por conseguinte, possuem melhores condies de entrarem para a burocracia partidria e conquistar a hegemonia no interior do partido.

    A dominao burocrtica tem outro elemento importante que lhe favorece: a reproduo da sociabilidade capitalista no

    5BOURDIEU, Pierre & PASSERON, Jean-Claude. A Reproduo

    Elementos para uma Teoria do Sistema de Ensino. 2a edio, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1982.

  • Nildo Viana O Que So Partidos Polticos? 35

    interior do partido. Esta forma histrica e especfica de sociabilidade se caracteriza pela burocratizao e mercantilizao das relaes sociais e pela competio social.

    A mercantilizao das relaes sociais produto da expanso das relaes de produo capitalistas que passa a penetrar no conjunto da vida social. Tudo passa a ser considerado uma mercadoria e a ser medido pelo seu valor de troca. Com a expanso da produo de bens de consumo a partir da segunda guerra mundial (que muitos socilogos identificaram com a formao de uma sociedade de consumo) e com o processo de expanso do setor de servios, tanto estatais quanto privado, se produz uma verdadeira mercantilizao das relaes sociais. O acesso ao servio de sade, ao lazer, aos estudos, entre outros, passam a ser mediados pela troca comercial. O consumismo, incentivado pelos meios de comunicao de massas, se torna uma realidade cada vez mais presente.

    A competio social tem sua origem no carter competitivo da produo capitalista. Os empresrios competem entre si na busca de um mercado consumidor para os seus produtos e os trabalhadores competem entre si por uma melhor colocao na hierarquia da empresa ou por um lugar no mercado de trabalho. Capitalistas e trabalhadores competem entre si para ficar com uma fatia maior do excedente produzido.

    Esta competio se reproduz nas demais relaes e cria indivduos altamente competitivos. Os jogos de competio so formas de se inculcar na mente das pessoas o esprito competitivo. Isto se reproduz no conjunto das relaes sociais e cria a competio social. A competio gira em torno da busca de status, ascenso social, etc.

  • 36 Nildo Viana O Que So Partidos Polticos?

    A burocratizao das relaes sociais tambm tem sua origem na produo capitalista que produz uma diviso entre direo e execuo do trabalho. A diviso entre trabalho intelectual e manual reforada na sociedade capitalista. Ocorre, no capitalismo, uma expanso da diviso social do trabalho e uma centralizao do poder poltico que no existia nas sociedades escravista antiga e feudal, entre outras.

    A partir do fim da segunda guerra mundial ocorre o processo de expanso da produo de bens de consumo, do setor de servios e da interveno estatal no processo de produo e distribuio, o que provoca um alargamento da burocratizao das relaes sociais6.

    Tudo isto se reproduz nos partidos polticos e, em especial, nos partidos social-democratas. A competio social, a burocratizao e a mercantilizao esto presentes no partido e se reproduz, assim como a ideologia e a mentalidade burguesas, junto maioria dos filiados e isto refora a hegemonia da burocracia, pois facilita o processo de corrupo e cooptao de indivduos e dificulta a ao dos dissidentes.

    O partido poltico torna-se, para muitos indivduos oriundos das classes exploradas e tambm das classes auxiliares, um meio de ascenso social. Isto pode ser conquistado tanto atravs de um cargo no partido quanto

    6 Trata-se da instaurao de um novo regime de acumulao, o inten-

    sivo-extensivo, sendo intensivo no bloco imperialista e extensivo no bloco subordinado do capitalismo. Este novo regime de acumulao est intimamente ligado com a nova fase imperialista do capitalis-mo, marcado pela expanso transnacional e aumento da explorao internacional (cf. VIANA, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania. A Dinmica da Poltica Institucional no Capitalismo. Rio de Janei-ro, Achiam, 2003).

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    atravs de uma candidatura a cargo pblico ou nomeao por parlamentares e/ou membros do poder executivo que so do partido, o que faz surgir pequenos grupos em torno destes lderes.

    A liderana em movimentos sociais, instituies, organizaes fornece no s status como tambm um maior poder de barganha dentro do partido, pois assim no s se conquista recursos (financeiros, entre outros) como tambm se pressupe que tal pessoa que assume algum tipo de liderana possui respaldo e influncia junto a setores da populao, o que pode significar um retorno considervel em matria de votos.

    A burocratizao das relaes sociais se reproduz no partido no s no sentido de produzir indivduos de personalidade autoritria quanto no de produzir pessoas submissas, que possuem medo de tomar iniciativas e realizar inovaes e que reproduzem o culto autoridade.

    A mercantilizao das relaes sociais se revela na valorao que os indivduos do partido do ao ter em detrimento do ser, ou seja, o critrio utilizado para se medir as coisas e pessoas puramente mercantil. Isto refora a valorao dos chefes do partido, pois so estes que possuem o melhor carro, a melhor roupa, etc.

    Isto tudo provoca a reproduo do racismo, do sexismo e de outras formas de preconceito e discriminao contra indivduos, pois as lutas internas, a competio social e a ideologia e mentalidade burguesas reforam tais prticas.

    A burocracia partidria, reforada pela burocracia sindical e demais classes auxiliares da burguesia, diante da reproduo da sociabilidade e da mentalidade burguesas conquista a hegemonia absoluta no partido. O saber funcional

  • 38 Nildo Viana O Que So Partidos Polticos?

    acumulado, os diferentes nveis de renda, entre outros fatores, colaboram com a predominncia desta hegemonia.

    A questo dos recursos financeiros inferiores dos indivduos pertencentes s classes exploradas maior nos pases de capitalismo subordinado (terceiro mundo) do que nos pases de capitalismo superdesenvolvido (EUA, Europa Ocidental, Japo). Isto visvel no fato de que a questo financeira das contribuies dos filiados ao partido muitas vezes colocada em discusso.

    Resta, para concluir esta parte sobre os partidos social-democratas, deixar claro que isto tudo que foi exposto no significa que a prtica da burocracia partidria e de outros integrantes sempre realizada de forma planejada. Embora o maquiavelismo esteja bastante e amplamente presente nestes partidos, existem excees, que so as pessoas bem intencionadas que executam tais prticas sem ter conscincia delas.

    Os partidos social-democratas, que se dizem socialistas ou de esquerda, so aqueles que atraem um maior nmero de trabalhadores e jovens que buscam efetivar uma transformao social ou que so influenciados pela teoria marxista da sociedade. por isto que surgem as tendncias de esquerda, inspiradas no bolchevismo, no marxismo ou na sua prpria experincia prtica na luta cotidiana.

    Entretanto, estas tendncias so carregadas pela ambigidade, pois no reconhecem a essncia do problema. Geralmente acusam os lderes de traio, corrupo, direitizao e prope como soluo a mudana no quadro de dirigentes-dirigidos e por isso apelam para a crtica moralista e/ou pessoal.

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    Tal fato expressa que as tendncias de esquerda so ineficazes nos partidos social-democratas. Muitas vezes elas entram no jogo e em troca da permanncia no partido ou do apoio eleitoral passam a ocupar cargos no partido, no parlamento ou nas instituies estatais dirigidas por ele. Outras vezes, conseguem uma influncia considervel no partido e um nmero de cargos elevados na burocracia partidria, mas no conseguem alterar o quadro, nem interno nem externo, terminando por se corromper, seja atravs de sua extino enquanto tendncia ou atravs de sua ciso interna, sendo que os dissidentes continuam na oposio.

    Assim, tais tendncias de esquerda reforam a credibilidade e legitimidade do partido tanto no que se refere ao pblico interno quanto ao pblico externo. Elas colaboram tambm com a manuteno de indivduos insatisfeitos com o partido e com a entrada de novos militantes por intermdio delas. Desta forma, elas so teis ao partido. Quando sua oposio muito frontal, pode ocorrer a expulso. Este foi o caso dos grupos trotskistas expulsos do Partido dos Trabalhadores, no Brasil (Causa Operria e Convergncia Socialista).

    Enfim, aps todas estas consideraes podemos dizer que o carter de classe de um partido no pode ser definido por estatsticas referentes origem de classe dos indivduos filiados. Tal concepo apenas uma forma de escamotear as questes realmente importantes e que podem dar respostas a este problema.

    Um terceiro elemento que pode colaborar com a compreenso do carter de classe de um partido, que , no entanto, o menos importante, a do seu pblico alvo. Este

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    aspecto ser tratado no captulo sobre Partidos, Eleies e Democracia Burguesa.

    O homem dividido: Ter ou Ser?

  • Nildo Viana O Que So Partidos Polticos? 41

    Origem e Formao dos Partidos A origem dos partidos polticos modernos ocorre num

    contexto histrico preciso que o da luta de classes no sculo 19, quando ocorre mudanas nas formas capitalistas de regularizao das relaes sociais (Estado capitalista, democracia burguesa, etc.)1. Estes so os partidos de origem primria, surgidos nos primeiros pases capitalistas, na Europa Ocidental.

    Nos pases em transio para o capitalismo ou de capitalismo retardatrio (Rssia, Amrica Latina, etc.), eles surgem como cpias dos modelos da Europa Ocidental devido influncia cultural que os pases centrais exercem sobre os pases perifricos.

    Os partidos polticos modernos surgem no sculo 19. Em 1850, nenhum pas do mundo (salvo os Estados Unidos) conhecia partidos polticos no sentido moderno do termo: encontravam-se tendncias de opinies, clubes populares, associaes de pensamento, grupos parlamentares, mas nenhum partido propriamente dito. Em 1950, estes

    1Utilizamos o conceito de formas de regularizao das relaes

    sociais como equivalente da noo de superestrutura, tal como utilizada na tradio marxista. Sobre tal conceito, veja-se: VIANA, Nildo. A Conscincia da Histria Ensaios Sobre o Materialismo Histrico-Dialtico. Goinia, Edies Combate, 1997.

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    funcionavam na maior parte das naes civilizadas, os outros se esforavam por imit-las2.

    No contexto histrico marcado pela consolidao das instituies burguesas e pelo fortalecimento do movimento operrio surgem as pr-condies necessrias para o surgimento dos partidos polticos na Europa Ocidental. Isto ocorreu durante a derrubada das instituies feudais e/ou de seus resqucios, quando a burguesia hegemonizou o movimento oposicionista e criou sua semelhana novas instituies. Entretanto, na sua luta contra a nobreza a burguesia possua um aliado incmodo: o proletariado.

    O proletariado combatia o mundo feudal lado a lado com a burguesia, mas buscava se autonomizar e defender seus prprios interesses. Na Revoluo Francesa, por exemplo, os sans-cullotes, o brao pobre da revoluo, ensaiava o processo de autonomizao da classe operria.

    Em 1871, a autonomizao do proletariado adquiriu seu pice, ensaiando a primeira revoluo proletria. Trata-se da experincia herica da Comuna de Paris, onde autogesto social tornou-se realidade e foi quando se esboou os primeiros conselhos operrios.

    A feroz e violenta represso burguesa abateu-se sobre os operrios parisienses e o sangue tomou conta das ruas, em substituio s barricadas. A burguesia aprendeu muito com a Comuna de Paris e passou a buscar controlar a classe operria no s atravs da represso e da ideologia, mas atravs tambm de instituies sociais que enquadrassem a classe operria.

    2DUVERGER, Maurice. Os Partidos Polticos. 2a edio, Rio de

    Janeiro, Zahar, 1980, p. 19.

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    A crise do regime de acumulao extensivo, dominante desde a Revoluo Industrial, expresso na luta dos trabalhadores pela diminuio da jornada de trabalho e na Comuna de Paris, provocou a constituio de um novo regime de acumulao, o regime de acumulao intensivo, que se caracterizou por provocar mudanas nas relaes de trabalho (generalizao do taylorismo), nas relaes internacionais (o neocolonialismo) e no Estado (o Estado Liberal-Democrtico). Estas mudanas provocaram alteraes nas demais formas de regularizao das relaes sociais. A democracia censitria, baseada no nvel de renda, substituda pela democracia partidria, gerando assim o sistema de partidos polticos3. A nova formao estatal recuava diante do proletariado, fazia concesses, mas simultaneamente buscava retirar a eficcia delas e criar mecanismos de integrao desta classe no seu processo de reproduo.

    Tal tentativa, entretanto, j existia antes da Comuna de Paris. O proletariado criava suas prprias instituies buscando se proteger da explorao capitalista, que assumia nveis elevados neste perodo histrico (durante a Revoluo Industrial Inglesa e at nos Estados Unidos de 1936, era comum homens, mulheres e crianas trabalharem at 16 horas por dia sob pssimas condies de trabalho oferecidas pelas nascentes indstrias capitalistas).

    Os sindicatos, as ligas polticas, entre outras formas de organizao, foram as primeiras instituies de resistncia proletria e que contavam com diversas pessoas oriundas de

    3 VIANA, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania. A Dinmica da

    Poltica Institucional no Capitalismo. Rio de Janeiro, Achiam, 2003.

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    outras classes sociais. So estas pessoas, juntamente com alguns proletrios, que iro produzir o socialismo utpico (Babeuf, Owen, Fourier, Wetling, Saint-Simon, entre outros), o anarquismo (Proudhon) e posteriormente o marxismo (Marx, Engels).

    Nascia, assim, o movimento socialista. O socialismo utpico se caracterizava por propor uma sociedade ideal em substituio a atual sociedade capitalista e propunha como meios a educao, a razo, as tentativas de criar cidades ou cooperativas modelos, ou seja, meios muito pouco realistas. O socialismo utpico logo seria superado pelo anarquismo e pelo marxismo. O anarquismo combatia o Estado, a autoridade e toda e qualquer forma de poder e propunha a instaurao da anarquia (sociedade sem governo, autogerida). O anarquismo, posteriormente, se dividiria em diversas correntes, inspiradas nas concepes de Bakunin, Malatesta e Kropotkim mas sempre negariam a participao nas instituies burguesas (Estado, partidos, democracia representativa).

    O marxismo, por sua vez, centralizava seu ataque na explorao capitalista. A abolio da explorao s ocorreria com a instaurao da autogesto social, tal como no exemplo histrico da Comuna de Paris. Posteriormente, o marxismo seria deformado e dividido em duas correntes: a social-democracia, que formaria os partidos social-democratas e socialistas e o bolchevismo, que formaria os partidos leninistas, trotskistas e stalinistas (comunistas).

    A social-democracia abandona a idia de revoluo e de substituio da sociedade capitalista por uma sociedade autogerida, pois a sua proposta seria a de reformar o capitalismo e, atravs disto, produzir o bem estar social. Da

  • Nildo Viana O Que So Partidos Polticos? 45

    vem o nome que as demais correntes qualificam a social-democracia: reformismo.

    O bolchevismo surge na Rssia e hegemoniza a revoluo de 1917. Se declarando comunistas, instauram um regime de capitalismo de Estado e influenciam todos os partidos no-reformistas (comunistas) tanto na forma de organizao quanto na ideologia e nos objetivos. Os principais lderes do bolchevismo foram Lnin, Trotski e Stlin, que formariam a suas trs correntes principais. Outras correntes ditas marxistas surgiram defendendo posies prximas a estas duas.

    A nica exceo se encontra no luxemburguismo (Rosa Luxemburgo) e no conselhismo (Gorter, Pannekoek, Korsch, Mattick, etc.) e em mais algumas poucas correntes polticas da poca. Estas duas correntes retomariam a proposta de autogesto social e, no caso do esquerdismo, romperiam com a idia de participao nas instituies burguesas e na formao de partidos polticos.

    Aps esta descrio das correntes polticas ligadas ao movimento operrio, podemos retomar a questo do surgimento dos primeiros partidos polticos. As organizaes operrias (sindicatos, por exemplo) e socialistas forneceriam a base e seriam o embrio da formao dos primeiros partidos social-democratas (tambm chamados de socialistas, trabalhistas, operrios, dos trabalhadores, etc.). O primeiro grande partido de massas da histria seria o partido social-democrata alemo, formado pela fuso de lassalistas (seguidores de Ferdinand Lassale, idelogo reformista) e marxistas (seguidores de Marx, que foram criticados por ele, ainda vivo nesta poca). Em 1914, este partido possua mais de um milho de filiados.

  • 46 Nildo Viana O Que So Partidos Polticos?

    A formao de vrios partidos social-democratas na Europa Ocidental ocorria no contexto de inexistncia de democracia representativa-partidria. A luta pelo sufrgio universal e a radicalizao do movimento operrio e a necessidade da classe capitalista de legitimar sua dominao, alm da necessidade de racionalizao advinda do processo de produo, provocaria o surgimento da democracia burguesa partidria. No incio ela funcionava de forma restrita, s podendo votar quem tinha um certo nvel de renda, que exclua as classes exploradas (proletariado, campesinato, etc.) e as mulheres e jovens. Esta a chamada democracia censitria, que seria substituda pela democracia partidria liberal4. O critrio da renda, devido a presses populares, seria abolido, mas o de idade e sexo, entre outros, permaneceriam. Somente na dcada de 30 do sculo 20 que as mulheres conquistaram o direito ao voto.

    As sociedades de pensamento, os comits eleitorais, os clubes polticos formavam a base e o embrio dos futuros partidos burgueses.

    A democracia burguesa at o incio do sculo 20 no havia conquistado sua estabilidade. Isto quer dizer que a classe burguesa e o Estado capitalista no haviam ainda organizado ela no sentido de evitar qualquer possibilidade de mudana real e impedindo o surgimento de qualquer brecha revolucionria. somente aps a segunda guerra mundial que a democracia burguesa fecha totalmente o cerco e se torna uma garantia para a reproduo do modo de produo capitalista. A partir de ento, qualquer tentativa de revoluo social s poder ocorrer contra a democracia burguesa.

    4 VIANA, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania. Ob. cit.

  • Nildo Viana O Que So Partidos Polticos? 47

    A instaurao da democracia partidria gera o processo de criao de partidos polticos. Os partidos burgueses (que se nomeiam liberais, republicanos, democratas, democratas cristos, catlicos, nacionalistas, sociais, progressistas, conservadores, etc.), os partidos social-democratas e os pequenos partidos se expandem e se organizam no interior do regime democrtico representativo.

    Fora da Europa Ocidental, com exceo dos Estados Unidos, cujos partidos polticos surgiram quase que simultaneamente com os da Europa, surgem os partidos de origem secundria. Nos pases em transio para o capitalismo ou de capitalismo retardatrio, as classes sociais e foras polticas copiam os modelos de partido poltico existentes na Europa Ocidental e os adaptam sua realidade nacional.

    Em muitos destes pases, os partidos polticos surgem antes da democracia partidria. No Brasil, por exemplo, os partidos burgueses surgiram antes da consolidao de uma democracia partidria. Mas o grande exemplo a Rssia, onde surge o partido social-democrata da Rssia, que reproduz, inicialmente, o modelo da social-democracia alem. A ciso interna entre dois grupos, os mencheviques (liderados por Martov e ainda preso ao modelo alemo) e os bolcheviques (liderados por Lnin, levava ao extremo o vanguardismo da social-democracia alem e propunha um partido semi-clandestino formado por revolucionrios profissionais) marca o surgimento de um novo modelo de partido: o bolchevista. Este um partido extremamente burocratizado e centralizado que busca conquistar o poder atravs do golpe de Estado e no da democracia representativa.

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    A formao dos partidos polticos especficos depende de condies histricas e sociais concretas mas podemos distinguir entre dois tipos, tal como sugeriu o cientista poltico Maurice Duverger. Estes dois tipos distinguem por um tipo possuir origem interior e outro por possuir origem exterior. Os partidos polticos de origem parlamentar e eleitoral so de origem interior e os partidos cuja origem ocorre em movimentos ou entidades da sociedade civil so de origem exterior.5

    Aos partidos de origem interior, acrescentaramos os de origem estatal e/ou militar, produtos de cises em regimes ditatoriais. Os partidos de origem parlamentar e eleitoral seriam aqueles que surgiriam de grupos parlamentares ou comits eleitorais no perodo de formao da democracia burguesa. Aps a consolidao desta, tais partidos s surgiriam a partir de cises, fuses ou retorno (no caso de passagem de um regime ditatorial para um regime democrtico representativo, onde se retoma as antigas organizaes representativas) de partidos polticos j existentes. Podemos citar como exemplo os casos dos partidos brasileiros, o PFL Partido da Frente Liberal e o PSDB Partido da Social-Democracia Brasileira , pois o primeiro foi produto de uma ciso do PDS Partido Democrtico Social e o segundo do PMDB Partido do Movimento Democrtico Brasileiro.

    Os partidos de origem exterior possuem como grande exemplo os partidos social-democratas. Estes, na maioria das vezes, surgem a partir dos sindicatos operrios, tal como no caso do Partido Trabalhista Ingls e do Partido dos Trabalhadores, no Brasil, que surgiu a partir do novo

    5Cf. DUVERGER, Maurice. Ob. cit.

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    sindicalismo do final dos anos 70, incorporando tambm setores da igreja e de pequenos grupos polticos (principalmente trotskistas). Outros podem surgir atravs de associaes patronais (partidos burgueses), movimentos sociais (tal como os partidos verdes, que surgem do movimento ecolgico), categorias profissionais ou sociais (tal como o partido dos aposentados, no Brasil), de grupos intelectuais (tal como a Reunio Democrtica Revolucionria na Frana, incentivada pelo filsofo existencialista Jean-Paul Sartre), entre outras formas de origem exterior.

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    A Auto-Imagem dos Sans-Cullotes: Artesos Nobres

    A forma amvel como a burguesia retratava os sans-cullotes...

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    Partidos, Eleies e Democracia Burguesa A democracia partidria exerce uma influncia

    considervel sobre os partidos polticos. Ela influencia no s no processo de formao e de funcionamento como tambm no seu prprio carter de classe.

    A democracia partidria funciona atravs do sistema eleitoral, parlamentar e partidrio. Ela se fundamenta e se legitima na legalidade imposta pelo Estado. Em outras palavras, o Estado capitalista impe determinadas leis que regem a democracia representativa.

    Mas no no parlamento que se produz as leis? Isto verdade mas no toda a verdade. Na origem da democracia burguesa e na redemocratizao burguesa aps a existncia de um regime ditatorial j existe um conjunto de leis, que, inclusive, determinam a forma de funcionamento desta democracia.

    A redemocratizao burguesa no Brasil, no final dos anos 70 e incio dos anos 80, por exemplo, no foi realizada num vcuo legal. J existiam leis que regulamentavam a existncia dos partidos, o processo eleitoral, as funes e poderes do parlamento, etc. At 1982 funcionou o sistema do bipartidarismo, ou seja, s podiam existir dois partidos (na poca eram a ARENA Aliana Renovadora Nacional e o MDB Movimento Democrtico Brasileiro). A partir de 1982 passou a funcionar o regime pluripartidrio que, entretanto, apresentava inmeras restries para o registro de partidos. Foi neste perodo que surgiram o PDT Partido

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    Democrtico Trabalhista , o PT Partido dos Trabalhadores e o PTB Partido Trabalhista Brasileiro. Alm destes, existiam a ARENA, que mudou de nome para PDS Partido Democrtico Social , e o MDB que mudou de nome para PMDB Partido do Movimento Democrtico Brasileiro.

    Com o avano do processo de redemocratizao as restries diminuram e muitos outros partidos foram criados ou legalizados, sendo que a ttulo de exemplo se pode dizer que o PCB Partido Comunista Brasileiro , e o PC do B Partido Comunista do Brasil foram legalizados (pois j existiam na ilegalidade) e muitos outros foram criados.

    A nova Constituio Federal alterou algumas regras e manteve outras. Ocorre, porm, que ela foi produzida a partir do sistema legal anterior. As limitaes que este ltimo provocou na convocao e instalao da assemblia constituinte so irrecuperveis, a no ser que se convoque uma nova assemblia, sob uma nova situao.

    As novas leis, entretanto, conservaram algumas das exigncias produzidas casusticamente pelo regime militar. Isto se v claramente na exigncia que o regime imps aos novos partidos no que diz respeito ao nome: todos deveriam ter na sigla o nome partido. O governo militar pretendia com isso recuperar o espao eleitoral perdido para o nico partido de oposio, o MDB. A disputa se resumia em situao (ARENA) versus oposio (MDB) e o fim do bipartidarismo foi uma estratgia visando retirar este carter plebiscitrio das eleies e dividir os votos da oposio e a mudana de nome tinha como objetivo confundir os eleitores, pois criaria uma alterao radical nos nomes dos partidos.

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    Os dois grandes partidos, a ARENA e o MDB, teriam que colocar em seu nome a expresso partido e isto deveria confundir os eleitores. A ARENA, querendo apagar das mentes dos eleitores o seu passado, passou a se chamar PDS Partido Democrtico Social , o MDB, por sua vez, que queria manter viva na mente dos eleitores o seu passado oposicionista, apenas acrescentou a palavra partido ao MDB e se tornou, assim, o PMDB, e diminuiu a eficcia da estratgia governista.

    Isto, entretanto, permaneceu na legislao eleitoral e partidria em vigor. Este exemplo apenas confirma o efeito e as limitaes que o sistema legal anterior provoca no atual.

    O parlamento (poder legislativo) possui a funo de elaborar as leis e por isso aparenta ter uma certa autonomia em relao ao governo (poder executivo) e ao poder judicirio. A realidade contradiz a aparncia. O parlamento sofre, sem dvida, a presso da sociedade civil (grupos de presso) e da opinio pblica (eleitores), mas tambm a do governo, que no s pressiona o parlamento como possui seus prprios representantes presentes nele, que so os parlamentares do partido no governo e de seus partidos aliados.

    As leis aprovadas so o resultado do confronto entre foras de presso que so a opinio pblica, os grupos de presso, as diretrizes dos partidos e a burocracia partidria, as alianas partidrias, os meios de comunicao de massas, a presso do governo. Alm disso, as leis aprovadas devem estar em concordncia com a constituio, o que lhe impe uma limitao legal. O parlamento, na verdade, possui uma autonomia bastante restrita.

    Todas estas foras de presso no esto agindo com objetivo de atingir o bem estar geral da populao, mas, ao

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    contrrio, agem de acordo com os seus interesses particulares. Os lobbies de empresrios, os partidos polticos, o governo, etc., que so as mais fortes foras que atuam sobre o parlamento, defendem interesses particulares que contradizem os interesses das classes exploradas, que formam a maioria esmagadora da populao.

    As demais foras de presso, tal como os sindicatos, movimentos sociais, etc., possuem um poder de presso muito restrito. A opinio pblica, por sua vez, exerce uma presso fraca e muitas vezes o parlamento aprova o que a agrada mas sabendo que certamente ela ser vetada pelo poder executivo ou no ser colocada em prtica por este. O poder de presso da opinio pblica s aumenta e se torna uma fora determinante quando incentivada (e s vezes manipulada) pelos meios de comunicao de massas.

    Portanto, este parlamento de autonomia restrita que ir produzir a legislao eleitoral e partidria. O parlamento mantm uma relao forte com o governo. O Estado, por sua vez, o poder coletivo da classe dominante, e isto se aplica ao governo. O parlamento pode ser palco de contradies sociais que podem opor classes e fraes de classes, principalmente em situao de crise. O governo e o poder judicirio passam a representar as leis j institudas, que so coisificadas, petrificadas, pois quando foram produzidas refletiam uma determinada correlao de foras que j foi superada. O parlamento s pode produzir modificaes desde que no alterem este quadro legal estabelecido que a constituio.

    O governo tambm pode apresentar projetos de lei, no apenas diretamente como tambm atravs dos membros dos partidos que lhe do apoio. A lei eleitoral e partidria

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    produzida, desta forma, de acordo com os interesses da classe dominante.

    Cabe ao Estado manter a ordem legal, ou seja, o Estado atravs de seus aparelhos repressivos (exrcito, polcia), possui o suporte legal para exercer a violncia fsica com o objetivo de defender a permanncia da execuo das leis, seja por parte dos cidados (cumprindo com os deveres e exigindo os seus direitos), seja por parte do prprio governo.

    Isto parece um crculo vicioso: o Estado, investido de legitimidade pelo sistema legal, realiza represso para manter a ordem social (que definida tendo como critrio as leis estabelecidas e isto quer dizer que a ordem social a ordem legal, embora muitos indivduos especialmente da classe dominante e, em menor grau, das suas classes auxiliares infligem as leis e isto, na maioria dos casos, no provoca nenhuma represso. Esta se dirige a indivduos pertencentes s classes exploradas e principalmente ao coletiva destas). por isto que o socilogo Max Weber afirmou que o Estado possui o monoplio do uso legtimo da fora.

    Portanto, um conjunto de leis estabelece as regras de participao na democracia representativa. A legalizao dos partidos e o processo eleitoral esto a includos. Em quase todos os pases do mundo, na atualidade, um indivduo, maior de idade, possui o direito de votar e ser votado. Alis, isto fica evidente na maioria dos sistemas legais do mundo. O que a lei no diz imediatamente que para ter o direito de se candidatar (ser votado) s pode ser exercido atravs da mediao de um partido poltico, ou seja, somente filiando-se a um partido poltico e convencendo os integrantes deste a aceit-lo como candidato que poder exercer o seu direito de ser votado.

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    Acontece que no qualquer indivduo que consegue tal feito, tendo em vista o jogo de interesses e a organizao burocrtica dos partidos. Mas este o objetivo desta lei: reduzir o nmero de pessoas com possibilidades de se candidatar e garantir que aqueles que conseguem isto j se adaptaram s regras do jogo (reproduzidas pelo partido, que quem sanciona as candidaturas).

    Sem dvida, pode-se questionar: que outra forma poder-se-ia proceder, j que a possibilidade de qualquer um se candidatar poderia criar uma quantidade extraordinariamente grande de candidatos? Tal procedimento, ento, parece racional e inevitvel, mas no . Isto ocorre por dois motivos: a) o critrio da mediao da candidatura pelo partido poltico um critrio burocrtico; b) podem existir outros critrios, no-burocrticos, para possibilitar o exerccio mais amplo e no controlado pelo sistema burocrtico de exercer este direito.

    Que critrios seriam estes? Poder-se-ia criar vrios critrios neste sentido, como, por exemplo, o de um indivduo que queira se candidatar apresente uma ficha contendo assinatura de apoio de um por cento dos eleitores para o cargo que pretende ocupar. Assim, como este, outros critrios podem ser elaborados para permitir condies mais igualitrias de participao na democracia representativa.

    O critrio de mediao da candidatura pelo partido poltico burocrtico por qual motivo? Alm dos motivos anteriormente colocados, podemos acrescentar o seguinte: tomando como exemplo a lei que regulamenta a legalizao dos partidos no Brasil, que um pas de dimenses continentais, v-se que s podem existir partidos que conseguem se estruturar num nmero X de estados (atualmente a lei estabelece nove estados). Em cada Estado o partido deve

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    estar estruturado num nmero X de municpios e ter um nmero mnimo de filiados e assim por diante. Isto significa, entre outras coisas, que para se estruturar um partido preciso possuir recursos financeiros considerveis. O que impede que agrupamentos de pessoas com baixo nvel de renda (das classes exploradas) formem um partido sem contar com elementos provenientes das classes privilegiadas.

    Um indivduo para se candidatar tem que entrar em uma organizao nacional, que possui seu programa, estatuto e manifesto decididos por instncias que um indivduo (principalmente proveniente das classes exploradas e, portanto, sem recursos financeiros, entre outros fatores) no poder influir em nada.

    Por isso, podemos dizer que a democracia burguesa realiza uma restrio participao devido necessidade de mediao de uma candidatura pelo partido poltico. Os limites impostos no atingem apenas os indivduos mas tambm aos processos de criao de partidos e aos partidos bolchevistas (que tambm so, na maioria dos casos, pequenos) e social-democratas, embora existam diferenas de grau e tambm se tornam mais fortes ou menos fortes dependendo do contexto histrico. Num pas com as dimenses espaciais do Brasil, a exigncia de carter nacional aos partidos um obstculo quase que intransponvel para foras polticas que se pretendem tornar partidos e so fortes em um Estado mas que no possuem representao em outros.

    A disputa eleitoral entre os partidos tambm marcada pela desigualdade. A disputa eleitoral no possui apenas limitaes legais, pois existem os fatores reais do poder, como diria Ferdinand Lassale.

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    A razo de ser da disputa eleitoral pelos partidos se encontra na busca da vitria eleitoral e, por conseguinte, do poder. Tomando como exemplo o Brasil, vemos que o prprio sistema eleitoral pressiona os partidos polticos a buscarem a vitria. Isto se v claramente na legislao sobre o uso do horrio gratuito em rdio e televiso. Segundo a legislao, somente os partidos que possuem um determinado nmero de cadeiras no parlamento que podem utilizar o horrio gratuito e o tempo dividido proporcionalmente pelo nmero de deputados de cada partido, o que significa que o partido mais forte, que o que conseguiu mais vitrias eleitorais, e, por conseguinte, elegeu mais deputados, ter maior espao no tempo do horrio gratuito.

    A vitria ento o objetivo dos partidos polticos. Mas para conseguir esta vitria, na sociedade capitalista contempornea, preciso possuir recursos financeiros, pois uma disputa eleitoral na atualidade no se faz sem propaganda de massas, cabos eleitorais, discurso planejado e divulgado para ampla camada da populao, etc. Os partidos burgueses possuem uma vantagem considervel neste ponto. Os partidos pequenos, bolchevistas e social-democratas ficam em desvantagem e os partidos fascistas, por serem partidos burgueses e, sendo assim, financiados por burgueses, no sofrem nenhuma perda neste terreno. O efeito dessa necessidade eleitoral reforar a corrupo e burocratizao dos partidos social-democratas e diminuir a fora da participao dos setores explorados da sociedade.

    Os partidos burgueses possuem muito mais recursos financeiros para realizar propaganda de massas e tudo que lhe acompanha (panfletos, outdoors, comits, cabos eleitorais, automveis, aparelhagem de som, adesivos, estrutura para

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    produzir jornais e programas de rdio e televiso e at mesmo distribuio de brindes, tais como camisetas, bons, chaveiros, canetas, etc.).

    Os grandes centros urbanos tornam necessrio, devido sua extensa populao, a propaganda de massas. O maior nmero possvel de pessoas deve ter acesso ao nome dos candidatos. Os outdoors e adesivos, ao lado da propaganda nos meios de comunicao de massas, cumprem esta funo.

    Os panfletos, por sua vez, geralmente cumprem a mesma funo. Eles, no entanto, apresentam, alm do nome, nmero e partido, a foto e uma breve biografia do candidato. Roland Barthes afirma, em uma breve considerao sobre a fotogenia eleitoral, que a fotografia retoma o fundo paternalista das eleies, que equivalente sua natureza representativa, obscurecendo assim a poltica. Isto ocorre por que atravs dela o que se v no um projeto poltico e sim um conjunto de bens, status social, valores (tal como a famlia, a xenofobia) e uma pose que reflete uma posio social (de intelectual, pai, etc.) e at mesmo traos erticos, tal como se v nas fotografias de mulheres belas, de acordo com o padro dominante de beleza, e homens de porte atltico1. Alguns destes panfletos apresentam algumas propostas, geralmente genricas e demaggicas.

    Esta funo de divulgao de massas possui mais eficincia atravs da distribuio de brindes, pois estes so conservados por possurem alguma utilidade e assim realiza uma divulgao permanente do candidato. O que se v na propaganda de massas uma mensagem despolitizada, ou,

    1BARTHES, Roland. Mitologias. 8a edio, Rio de Janeiro, Bertrand

    Brasil, 1989.

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    seria melhor dizer, uma despolitizao da mensagem poltica. Isto reproduzido por todos os partidos polticos, inclusive os social-democratas e bolchevistas. ilustrativo o caso de um partido bolchevista do Brasil que sempre lana uma candidata s eleies e sempre apresenta uma mesma fotografia, apesar do passar dos anos, e assim a fotografia reflete a sua imagem de juventude que j no existe mais.

    devido propaganda de massas que surge uma verdadeira indstria eleitoral, que ganha milhes nos anos de eleio e apesar de seu parentesco com um dos temas clssicos da sociologia, a indstria cultural, no recebeu nenhum estudo aprofundado at hoje. So grficas, agncias de publicidade, institutos de pesquisa, etc., que comercializam os bens eleitorais e fazem fortunas. Alis, os setores da sociedade ligados indstria eleitoral so defensores extremados da democracia representativa, pois ela uma fonte de renda indispensvel.

    O sistema eleitoral condiciona tambm o discurso dos partidos polticos. O voto um ato individual e as classes sociais, principalmente as exploradas, no produzem, por diversos motivos, uma unidade suficiente para apresentar nas eleies um voto de classe. O que impossibilita o voto de classe pelos setores explorados? Existem vrios motivos mas o principal reside no fato de que os partidos que dizem represent-los (os partidos social-democratas e bolchevistas) no os representam na realidade e, alm disso, realizam um discurso que condicionado pelo sistema eleitoral.

    Qual este discurso? Tendo em vista que as classes exploradas no produzem um voto de classe e que os partidos burgueses no podem falar em nome de sua classe, ento o

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    discurso eleitoral torna-se um discurso policlassista e, portanto, despolitizante. Esta a natureza do discurso eleitoral.

    Tal discurso policlassista por razes diferentes em partidos polticos diferentes. Os partidos burgueses utilizam o discurso policlassista pelos seguintes motivos: a) eles no podem assumir que representam apenas a classe dominante, pois isto significaria reconhecer a existncia das classes e a sua posio de representante da clas