política e jornalismo na imprensa alternativa

Upload: tatiana-vargas

Post on 29-May-2018

218 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/9/2019 Poltica e jornalismo na imprensa alternativa

    1/12

    65

    Poltica e jornalismo na imprensaalternativaElosa Joseane da Cunha Klein

    ResumoO artigo reete sobre as relaes entre o campo da polticae da comunicao, a partir da imprensa alternativabrasileira que atuou na contestao do regime militar,entre os anos 1960 e 1980. Para tanto, trabalha noesbsicas sobre o que a imprensa alternativa desteperodo, quais suas caractersticas e de sua construocomo ao social, com determinao na formao doespao pblico. O texto pontua aspectos da aproximaoentre o campo do jornalismo e da poltica e discute apossibilidade de escapar da tendncia imediata depressupor a instrumentalizao da comunicaopelos grupos que atuavam nos alternativos. Analisa a

    participao da comunicao na construo da esferapblica e na armao da democracia. Argumenta,por m, com base nas consideraes expostas, que aimprensa alternativa, em vez de servir a uma colonizaodo campo do jornalismo pela poltica, contribui para asua armao.

    Key words:

    alternative press, public sphere

    AbstractThis paper considers the relations between politicaland communications elds while studying Brazilianalternative press the one that struggled againstmilitary regime from 1960 to 1980. In doing so, itbrings questions such as what means alternativepress in this period, which are its characteristics andits construction as social action within public space.The text points out aspects of the elds of politics and journalism and it discusses possibilities to escapefrom the immediate tendency that takes for grantedthat communication becomes an instrument for thosealternative press working groups. The paper analyses

    the participation of communication in building publicsphere and supporting democracy. It concludes thatalternative press contributes for politics, instead ofbecoming a journalistic eld colonized by politics.

    Palavras-chave

    imprensa alternativa, esfera pblica

  • 8/9/2019 Poltica e jornalismo na imprensa alternativa

    2/12

    Estudos em Jornalismo e Mdia

    Vol. III No 1 - 1o semestre de 2006

    66

    A reexo sobre a imprensa alternativatraz concomitante a idia de uma vinculaodo jornalismo poltica, do que normalmentese subentende a existncia de uma relao naqual o campo poltico visa o campo jornalsti-co para obter algum efeito, ou seja, uma rela-

    o de instrumentalizao da comunicao.Esta idia aparentemente naturalizada precisaser debatida, a partir justamente da interfaceentre comunicao e poltica, com a nalidadede problematizar o fenmeno social da im-prensa alternativa.

    Tomemos, como ponto de partida, umanoo de campo do jornalismo trabalhada porWilson Gomes: o jornalismo representa umaforma imanente de controle e distribuio depoder material e simblico e, ao mesmo tempo,caracteriza-se como um sistema de conito nabusca, controle e distribuio de poder materi-al e simblico do campo (2004: 53). desdeestas caractersticas que o campo jornalsticodialoga com outros campos e constri proces-sos de produo, circulao e recepo que setransformam a partir do jogo complexo com oscontextos dos quais participa. Dada a marca do

    conito, h momentos de maior aproximaoou distanciamento, de troca, inuncia ou re-cusa entre seus agentes e os agentes de outroscampos. Uma aproximao emblemtica como campo poltico ocorreu quando do surtoda imprensa alternativa, como se acostumouchamar o fenmeno do surgimento de vrios jornais com o objetivo principal de construiruma ampla frente de oposio e contestaoao regime militar.

    Estudar a dimenso poltica da imprensaalternativa que se dedicou a fazer oposioe contestao ao regime militar exige que setome o cuidado apontado por Gomes de trab-alhar com uma perspectiva relacional entre oscampos da comunicao (neste caso, especi-

    camente do jornalismo) e da poltica, sem bus-car um plano de causa e efeitos. Isso porque, sea abordagem se restringir procura pela pre-sena de elementos do campo poltico na im- prensa alternativa, os resultados sero bviosna conrmao do objetivo. A complexidade

    caracterstica da relao entre comunicaoe poltica est presente nos alternativos, quemanifestam casos de dilogo e tensionamentoentre os dois campos.

    Antes de tomar o rumo da ardilosa teiadesta relao entre campos, cabe uma consid-erao inicial. Neste texto, a expresso imp-rensa alternativa remonta ao contexto espec-co das dcadas de 1960 at 1980, durante aditadura militar brasileira. Esta delimitao importante porque alternativo pode ser consi-derado o jornalismo feito em diversas partesdo mundo, em tempos variados, a partir demeios de comunicao de sindicatos, de mino-rias, de associaes de bairros, de grupos re-volucionrios ou de partidos mas no esteo interesse em questo. O enfoque aqui paraa imprensa criada justamente para contestar oregime ditatorial vigente no Pas e seus pilares

    de sustentao (ou a imprensa que j existia,mas volta sua ateno a esta problemtica).Ao fazer o recorte pela imprensa alternativa

    se demarca, de partida, um entrelaamento como campo poltico, que complexo. De modosimplista, a tentao seria considerar a imprensaalternativa como mera extenso da atividade poltica. Porm, notrio que jornais comatenuado cunho poltico no fazem propagandaou no se detm a dar visibilidade a grupos

    polticos, no restringem sua preocupao esta temtica, no fazem a descrio simplistadas atividades, prerrogativas ou vislumbres detais grupos, no constituem, resumidamente,um veculo institucional do partido, seja ele

    A complexidadecaracterstica

    da relao entrecomunicao e

    poltica est presente

    nos alternativos,que manifestam

    casos de dilogo etensionamento entre os

    dois campos

  • 8/9/2019 Poltica e jornalismo na imprensa alternativa

    3/12

    67

    qual for. claro que a caracterstica de con-testao ao regime militar indica um posi-cionamento esquerda e um elo com o par-tido de oposio (consentida), o MovimentoDemocrtico Brasileiro. Mas preciso con-siderar o carter relacional, resgatando a idia

    recm exposta de Wilson Gomes, e superareste raciocnio causal.

    Alternativo, o que ?Antes de tecer as consideraes sobre a

    relao entre os campos da comunicao e da poltica tomando como foco o jornalismo al-ternativo, preciso convencionar o que estealternativo. H interpretaes diferentes paraa tipicao da imprensa alternativa, mesmoquando considerado o recorte temporal e con-textual acima exposto. Os diversos autoresque tratam de denies para o termo levamem considerao quem fazia estes jornais, opblico a quem se destinava, as caractersticasdo produto e as condies econmicas de sus-tentao das propostas. Em geral, o consensose estabelece em torno da denio de algu-mas caractersticas: engloba jornais feitos por

    grupos de esquerda (ligados a vrias tendn-

    cias polticas), impressos em formato tablide(e at mini-tablide), contra o padro standardda imprensa de referncia e da a alcunhananica , em geral com circulao limitada,organizao empresarial decitria, parcosanncios e tempo de circulao muito curto.

    Algumas destas caractersticas so anali-sadas por Paolo Marconi, no livro A censurapoltica na imprensa brasileira: tiragem re-

    duzida de cada impresso; repercusso redu-zida, excees como O Pasquim, Movimento,Em Tempo; falta de esquema empresarial comtrabalho semi-artesanal na maioria dos rgos;ausncia de suporte nanceiro adequado, car-acterizada pela inexistncia de anncios com-

    erciais, etc. (1980: 309). Itens seme-lhantesso listados por Srgio Caparelli, que tomaos jornais alternativos como micromeios deoposio: so jornais de pequena tiragem,produzidos por prossionais que utilizam suashoras de lazer na luta por uma ideologia e por

    isso, sem objetivos de lucros pessoais.H aqui algumas descries, que ainda

    no formam uma noo sobre o fenmeno.Este entendimento do que o alternativo podeser buscado a partir do questionamento deMximo Simpson Grimberg: alternativo fr-ente a que? Grimberg responde que a opo sempre frente aos grupos que usufruem, emproveito de setores privilegiados (econmicose/ou polticos) a propriedade e/ou controledos meios de informao (1987: 21). Trata-se, salienta, de uma opo frente ao discursodominante (1987: 30) e por isso seu maior dife-rencial est justamente no contedo, apesar dehaver outros fatores de distino. O autor tratada imprensa alternativa de forma distendida,incluindo especialmente os meios de comunica-o populares, ligados a grupos de moradores,associaes e outros. De todo modo, sua com-

    preenso de alternativa a um discurso dominanteencontra anidade com a circunscrio da imp-rensa alternativa como aquela que agiu na con-testao do regime militar.

    Este entendimento tambm uma formade driblar a idia de que os alternativos ofe-receriam uma opo frente imprensa dereferncia, por exemplo. Fosse, assim, comoressalta Perseu Abramo (1998), o leitor de umjornal alternativo o escolheria em detrimento

    de outros jornais da imprensa de referncia.O que os alternativos fazem oferecer umaopo frente a um tipo de discurso, pocadominante. E por isso, o interessante no eraque o leitor deixasse de procurar a imprensade referncia, mas que lesse os alternativos

    O que os jornais

    alternativos fazem oferecer uma opofrente a um tipo dediscurso, poca

    dominante

  • 8/9/2019 Poltica e jornalismo na imprensa alternativa

    4/12

    Estudos em Jornalismo e Mdia

    Vol. III No 1 - 1o semestre de 2006

    68

    para saber quais ngulos eram eliminados porum discurso dominante. Ou seja, faz a crticada imprensa de referncia, mas toda a crtica feita em relao a algo que precisa ser co-nhecido para que haja sentido em propor umacoisa diferente.

    Para avanar na construo de uma noosobre a imprensa alternativa necessrio obser-var quais jornais podem ser considerados alter-nativos. Kucisnki divide os alternativos em duasclasses, os polticos e os existenciais1. Sua pes-quisa aponta que, entre 1964 e 1980, nascerame morreram cerca de 150 peridicos que tinhamcomo trao comum a oposio intransigente aoregime militar (1991: 13). Estes jornais sur-giam, normalmente, associados ao fechamentode espaos na imprensa de referncia, o que lan-ava uma gama de jornalistas procura de novaatuao prossional.

    Jos Luiz Braga observa que a imprensaalternativa preenche um espao deixado vagopelas grandes empresas nas condies polticasdos anos 70. As maneiras de ocupar esse espaovo caracteriz-la, e tornam-se, por sua prtica,uma crtica imprensa indstria (1991: 22).

    Ento, agrega-se um outro elemento, que tam-

    bm oriundo da crtica imprensa de refern-cia: no s se criticava um discurso dominante,como tambm uma padronizao industrial daproduo. por isso que os jornais alternativosso feitos em pequenas empresas, onde no h adualidade entre patro e empregados, como bemnota Braga, e onde se estabelece uma relao pluralista de troca de idias espao acertado para a incorporao de jornalistas-intelectuais

    que saam da imprensa de referncia. Estespersonagens so os responsveis por duas carac-tersticas interessantes da imprensa alternativa: aprocura por perspectivas mais globais sobre osocial e o poltico e um certo tom acadmico,que faz com que se produza, com freqncia,

    uma viso terica das coisas (BRAGA, 1991: 293). Tal teor vai direcionar a construo dosdestinatrios, geralmente estudantes, jornalistas,professores, prossionais liberais.

    Na viso de Caparelli, os alternativosgeralmente reetem as ideologias dos grupos

    que esto por trs desses projetos (1989: 96).Este entendimento comum ao de Kucinski,que argumenta que este foi um dos fatores decrise e esgotamento de vrios jornais alterna-tivos. preciso ter em conta, entretanto, umalerta de Braga, de que, apesar deste cartermilitante, os alternativos so tambm infor-mativos e necessitam manter-se como empre-sa para sobreviver, j que no so sustentadospor um partido.

    parte, por hora, a movimentao emtorno das tendncias polticas e suas re-solues e determinaes para com os jornais(que comeam a se manifestar, sobretudo,aps 1977), este carter agrega um sentido deprotagonismo e engajamento atividade, quetambm revelado pela pluralidade e diversi-dade das opinies que participam da discussodo jornal. Neste sentido, Kucinski observa que

    os jornais se conectam inteno das esquer-

    das de protagonizar as mudanas desejadas econstituem um espao para a produo jor-nalstica e intelectual alternativa quela quetrazia a marca do controle autoritrio. Comesta idia concorda Grimberg, ao reetir queos alternativos surgem a partir de uma ativi-dade que os transcendem, que o propsitode mudar o mundo em algum sentido (1987:24). Esta relao, tensional e de troca, encon-

    tra seus limites especialmente na discusso do papel poltico dos jornais. Braga argumentaque a intensidade dos engajamentos, o nvelemocional da participao, os esforos paraobteno da hegemonia interna levam muitasvezes a cises (1991: 232).

    1 Kucinski classica como polticos

    os jornais com caractersticas

    pedaggicas ou dogmticas que

    se baseavam ou no marxismo

    religioso ou no conservadorismo

    moral do PC do B, e que tinham

    razes nos ideais de valorizao

    do nacional e do popular ou no

    marxismo dos meios estudantis dos

    anos 1960. J os existenciais so

    os jornais que fogem ao discurso

    ideolgico e centram sua atuao

    na contracultura, na crtica de

    costumes e do moralismo da classe

    mdia e adotam o existencialismo

    mais como uma fuga do dogmatismo

    da esquerda. Ambos, porm, tmuma tonalidade profundamente

    poltica (advinda, em boa medida,

    do fato de muitos de seus jornalistas

    e colaboradores serem ou militantes

    ou trabalharem por ideologia) e de

    contestao ao regime.

  • 8/9/2019 Poltica e jornalismo na imprensa alternativa

    5/12

    69

    Escrevendo sobre a crise da Agncia CartaMaior no ano corrente (2007), Kucinski ob-serva que o alternativo diferente no snas suas idias contra-corrente, mas tambmna sua organizao, em que predominam ovoluntarismo e a cooperao no monetria,

    e no envolvimento emotivo dos seus jornalis-tas. Neste artigo, o alternativo usado paraentender toda a comunicao que se colocacomo opo a algo, como, no caso especco,a Agncia Carta Maior, mas novamente asnoes empregadas contribuem para pensar aimprensa alternativa que atuou na contestaoda ditadura. No alternativo, jornalistas e in-telectuais no so pagos para defender idiasdos outros, so mal pagos para dizer exata-mente o que pensam. No alternativo, a not-cia no mercadoria: valor de uso e no detroca. No h nada mais anticapitalista do queisso, ainda que o alternativo tenha que pagaralguns salrios e aluguis, usar alguma publi-cidade (KUCINSKI, 2007: 1).

    Tomando as idias recm expostas, pode-mos convencionar algumas particularidades para a noo de jornalismo alternativo aqui

    empregada: trata-se do jornalismo exercido apartir de uma inconformidade com a atividadelevada cabo na imprensa de referncia (dada aexistncia da censura, auto-censura ou conser-vadorismo), que se manifesta na organizaode um grupo unido pela construo de propos-tas jornalsticas diferenciadas, as quais devemaludir novas angulaes para a abordagem docotidiano (portanto, constituindo uma alterna-tiva frente ao discurso dominante), ao mesmo

    tempo em que, por traduzir um sentimento demudana e de tentativa de engajamento, estasmesmas propostas consistem, em si, numa aoespecca para chegar mudana pretendida. com base nestes elementos que se d a argu-mentao que se segue.

    Jornalismo alternativo e ao socialAs noes de protagonismo e de espao

    para o exerccio pensante (alternativo aos es- paos controlados) remetem ao social. Aimprensa alternativa no se resume criaode produtos com alguma inteno fechada,

    mas igualmente um fenmeno social comimplicaes na construo do espao pblico.A imprensa alternativa pode ser vista, no seuconjunto, como sucessora da imprensa pane-tria dos pasquins e da imprensa anar-quista,na funo social de criao de um espao p-blico reexo, contra-hegemnico. (...) Os jor-nais alternativos criaram um espao pblicoalternativo (KUCINSKI, 1991: 21). Ao mes-mo tempo, este movimento se inscreve nummbito maior de disputas no s no campo da poltica como tambm nas relaes de trab-alho, organizao popular, urbanizao e reor-ganizao do espao da cidade, entre outros.

    A imprensa alternativa forjou-se num con-texto em que as lutas polticas eram travadasno panorama de fortes tenses sociais (con-guradas nos embates de empregados versuspatres, por exemplo), quando os movimentos

    sociais organizavam os dominados contra seusexploradores, quando as vtimas descobriamque deveriam sair de seu lugar puramente devtima e ocupar um espao de fala e, nestaagitao toda, o jornalismo cumpriu um pa- pel fundamental. Era o momento em que asminorias criavam subjetividades e tambm osfeitores dos jornais construam sua subjetivi-dade atravs do jornalismo alternativo. Claroque cabe sempre perguntar: em que medida

    estes jornalistas e colaboradores ou pesqui-sadores se aproximavam ou se afastavam dacondio de sujeitos?

    Esta fabricao dos sujeitos2 envolvidosna produo dos jornais ocorre justamente

    2 Para invocar uma nominao

    dada por Alain Touraine ao contexto

    contemporneo.

  • 8/9/2019 Poltica e jornalismo na imprensa alternativa

    6/12

    Estudos em Jornalismo e Mdia

    Vol. III No 1 - 1o semestre de 2006

    70

    pela participao na atividade de resistncia. Arespeito do m da socializao dos indivduospelas instituies, como atores sociais, Dubet(1996) coloca uma questo: como as pessoasconstroem uma experincia, um caminho sdelas, e como se socializam fabricando esta

    experincia? Em linha semelhante, Touraine(2006) faz a reexo sobre a construo de sicomo sujeito e a defesa dos direitos como umpressuposto para um novo modelo de moder-nizao, com base na razo e num sujeito quej no assume mais um papel pronto e molda-do, mas est disposto a dialogar, diferenciar-se, resistir s imposies, armar-se.

    Tais estudos contemporneos da Socio-logia (sobre o distanciamento da experincia

    dos indivduos da orientao das instituies) podem contribuir muito para compreendero que ocorria quando a participao numcontexto formal e institucional era decisiva para o desenrolar das atividades cotidianas. No momento em que as instituies for-mais (como a escola) seguiam cartilhasdoutrinrias dos governos, em que espiesobservavam as atividades nas universidades

    e permaneciam mesmo nos cinemas, o exer-ccio do jornalismo no era s uma formade publicizar e analisar as desigualdades, aviolncia institucionalizada do Estado, naforma de supresso de direitos e mesmo detorturas e violaes, mas tambm um grito deliberdade, um espao para respirar e tentarpropor algo novo, que provocasse ssuras natentativa de controle cultural empreendidapela ditadura.

    precisamente por esta caracterstica, deencontro e de organizao coletiva, que os al-ternativos preservam uma dimenso poltica para alm da forma de construir os acontec-imentos abordados e que tambm uma di-menso cultural. Os grupos responsveis pela

    fabricao dos alternativos se encontravamna poltica, no ambiente acadmico, nas dis-cusses realizadas em lugares sociais (ses-ses de lme, escuta de msica, bares, shows,teatro etc) e precisamente no trabalho de fazeros jornais.

    O surgimento da imprensa alternativaocorreu como resultado de uma comuni-cao de resistncia (BERGER, 1991: 15),que existiu mesmo nos momentos mais durosdo regime militar, com base na msica, nadiscusso de lmes, nas leituras e reexesacadmicas, que ocorriam nos mais variadosespaos. A comunicao de resistncia, con-forme Christa Berger, indcio da acumula-o de foras pelos grupos de oposio. Na

    imprensa alternativa dos anos 1970, muitosgrupos se encontram para pr toda a aspi-rao democrtica em textos, notcias, crti-cas literrias. Es en la prensa alternativa endonde los intelectuales y donde los militantesde los partidos polticos van a buscar mate-rial para sus anlisis de coyuntura. Este tam- bin la lectura predilecta de los estudiantesde ciencias sociales y el nico espacio de

    trabajo para muchos opositores del rgimen(BERGER, 1991: 15).

    A relao com o campo poltico:instrumentalizao ou interao?

    possvel que o carter de ao social emobilizao cultural, que repercute na for-mao do espao pblico, modique umapercepo que reduz a ao de alguns jornaisalternativos instrumentalizao3 da comu-

    nicao. Pois longe de ser to somente um produto destinado pelo campo poltico parao convencimento de outrem, os alternativosso parte de um amplo processo de interaessociais, de conversaes, articulaes nan-ceiras e, inclusive, disputas polticas claro,

    3 A caracterizao como

    instrumento parte de umalocalizao da comunicao na

    idia de superestrutura, com

    decorrente assimilao ideologia;

    sua contrao a uma dimenso

    tecnolgica ou tcnica, e sua

    caracterizao de mero instrumento,

    atravs do entendimento de que

    seu ato de mediao, tomado

    por interesses prprios e regimes

    gramaticais especcos de

    funcionamento, garante uma

    possibilidade, formal ou real a

    depender de situaes de campos de

    fora, de funcionar como ator que

    ocupa um lugar de fala para dizer e

    fazer (RUBIM, 2000: 44).

  • 8/9/2019 Poltica e jornalismo na imprensa alternativa

    7/12

    71

    porque no se pode perder de vista o lugarde fala, colocado precisamente ao lado da re-sistncia ditadura.

    Uma avaliao de Antnio Rubim apontaao fato de que a relao entre comunicao epoltica quase sempre foi marcada pela instru-

    mentalidade: a comunicao sempre foi per-cebida e utilizada como mero instrumento docampo poltico. Assim, jornais da RevoluoFrancesa ou do sculo XIX do Brasil atua-vam como meros amplicadores das opiniese idias polticas e no como meios submeti-dos a alguma lgica oriunda da comunica-o, a no ser aquela elementar que garantea comunicabilidade. A rigor, tais publicaesca-racterizam-se, antes de tudo, como exten-

    ses da (dinmica) poltica (2000: 19). Estasituao pode ser semelhante a que ocorre emalguns meios de comunicao da imprensa dereferncia. E claro que, em boa medida, semanifesta na imprensa alternativa emborano seja possvel caracterizar, de forma deni-tiva, que um meio de comunicao se encontraou no numa tica instrumental.

    Entendendo que a imprensa alternativa en-

    contra-se num nvel relacional intenso com ocampo poltico, necessrio colocar algumasquestes. Como fugir da tomada da comuni-cao instrumental? Ser que a criao de ummeio de comunicao inscrito no mbito dapoltica necessariamente localiza a comunica-o como instrumental? Ou ser que por com- preender o meio como participante de umasemiose j no se quebra esta idia do instru-mento (tendo em conta a diferena existente

    entre a ao de lanar idias para o debatepblico e a orientao dogmtico-pedaggicapara agir desta ou daquela maneira)?

    Tomando a dimenso poltica, pode-sefazer algumas reexes. No momento em queforas hegemnicas apelam violncia e no

    poltica na disputa pelo poder e na tentativade mant-lo, recorrer poltica como modode sustent-la como instncia legtima de ne-gociao, argumentao, sensibilizao noparece ser uma forma de colonizao do jor-nalismo, mas de sua prpria armao, j que

    o jornalismo se sustenta na armao da so-ciedade capitalista e organizada politicamente por meio do Estado, aqui entendido comodemocrtico e republicano.

    De outra forma, considerando que o campodo jornalismo4 no estava claramente denido(em termos de deontologia, gramticas deproduo e de recepo, especicidade da for-mao e atuao de agentes responsveis pelaesfera da produo) e, portanto, a relao com

    o campo no era tambm muito clara, a opo por criar novos meios de comunicao, queso tambm um local de exerccio poltico,pode ser vista como necessidade ou procura deespao. Quer dizer, quando o campo est soli-damente constitudo, aqueles que procuram serelacionar com ele precisam estabelecer umdilogo a partir de regras que lhe so prprias.Do contrrio, podem pre-valecer as regras ex-

    teriores ao campo, como a simpatia do propri-

    etrio por este ou aquele grupo ou pessoa, porexemplo. A se entende a colocao de outrosgrupos interessados em organizar um meio decomunicao que perceba e publicize fatos so-ciais por outra angulao. Mas, ento, retornaa preocupao com a instrumentalizao dacomunicao.

    No momento em que os jornais passama tratar das divergncias internas do MDB

    ou das vises sobre democracia, poltica, ci-dadania , avanam em direo ao interior docampo poltico. E, neste sentido, pode parecerque h uma aspirao da poltica em utilizar ojornalismo como meio para alguma coisa, que divulgar um tipo de pensamento. Porm, h

    4 O jornalismo se estabelece como

    campo quando determina quais so

    os propsitos dos jornalistas, quais

    so os problemas jornalsticos,

    quais os mtodos e as estratgias

    jornalsticas (GOMES, 2004: 56).

  • 8/9/2019 Poltica e jornalismo na imprensa alternativa

    8/12

    Estudos em Jornalismo e Mdia

    Vol. III No 1 - 1o semestre de 2006

    72

    outro lado: ao tratar das questes internas aomundo poltico pode-se justamente tentar maisque oferecer uma imagem de candidato ou par-tido, mas domnios polticos que tornem o p-blico capaz de participar mais ativamente emum processo poltico, reforando, ento, a idia

    de esfera civil como mandante e no como p-blico a ser consultado pela esfera poltica paraobter aprovao de suas deliberaes.

    Esta questo dialoga com os principaiselementos que denem a poltica moderna,vistos por Rubim (2000: 47) como o carterformalmente no excludente, a amplitude dadimenso pblica, e o carter representativo.O primeiro elemento refere-se cidadaniamoderna e contempla a formalizao dos dire-

    itos civis, polticos e sociais, se recorrermos auma concepo de Marshall (1967). Na socie-dade contempornea, o acesso informaofoi se mostrando essencial. E, igualmente, ainformao sobre o campo poltico. que coma complexicao da sociedade, cou cadavez mais inatingvel aquele ideal de dilogoface a face que caracterizaria a esfera pblica.Esta passou a ser composta por outros elemen-

    tos, precisamente a crescente participao dasdiversas formas de mdia. E a imprensa aquiatua no s como informante, mas como con-strutora de um espao pblico, portanto inter-ferindo diretamente na articulao da esferapblica.

    Para o contexto contemporneo (que se d,sobretudo, com a modernizao da mdia, au-tonomizao do campo da mdia e a participa-o do audiovisual na vida coletiva), Gomes

    sugeriu que se pensasse a equao esferapblica com a cena poltica (1998: 181). Aprimeira, considerada a partir do pensa-mentode Habermas, com a ressalva de que o conceitodeve ser entendido como normativo e no de-scritivo. A segunda, uma proposta oriunda de

    Lipovetsky. A relao estabelecida por Gomespretende consertar a brecha entre esfera pbli-ca e a interpenetrao entre mdia e poltica:para ele, longe de acabar com a poltica, a m-dia oferece formas diferentes para seu exerc-cio. A esfera pblica muda, mas no perde o

    aspecto da poltica.Este raciocnio importante para perce-bermos as movimentaes em torno da mdiae que tm em vista o campo poltico. precisoter em conta a observao de Rubim, de que anovidade nos relacionamentos entre comuni-cao, poltica e cultura pressupe um ambi-ente democrtico, ainda que em processo, e, principalmente, exige a congurao da co-municao enquanto campo social especco

    (1999: 8). Portanto, a apropriao da noopara um contexto precedente exige certos cui-dados. Ocorre que esta crescente penetraoda mdia na vida cotidiana e seu entrelaa-mento com os demais campos sociais estavamem pleno curso nos anos 1970.

    Mauro Salles (1985: 21), em congressoda Intercom em 1985, observou que, naqueladata, 25 a 30% da populao era alcanada

    pela mdia impressa, 65 a 70% tinha acesso televiso, e entre 85 e 90% era alcanada pelordio. Este acesso da populao mdia vinhanum crescente desde os anos 1970, por algunsfatores correlacionados: a urbanizao, a con-centrao populacional em grandes cidades emetrpoles, a modernizao dos meios de co-municao (com adoo de novas tecnologiase procedimentos editoriais) o que diminuao custo dos produtos, o aumento da renda de

    parte da classe mdia, o crescimento da publi-cidade e os incentivos do governo para setoresestratgicos para a comunicao, como os in-vestimentos na estrutura de cabos e microon-das, que permitiu o avano da televiso. E interessante notar que justamente

    A imprensa atua nos como informante,

    mas como construtorade um espao pblico,interferindo, portanto,

    diretamente naarticulao da esfera

    pblica

  • 8/9/2019 Poltica e jornalismo na imprensa alternativa

    9/12

    73

    no mesmo momento de expanso e moder-nizao da mdia que o governo exercia umpoder autoritrio, controlando os meios de co-municao por diversas formas, como censura prvia, censura por intimidao, presso pormeio do cancelamento de anncios. Ento, h

    dois eixos: participao cada vez mais funda-mental da mdia na formao/discusso da es-fera pblica e o controle autoritrio exercido pelo Estado. Estes itens so centrais para aobservao da imprensa alternativa.

    Para alm, ento, da problemtica imposta pela censura e poltica de comunicao dogoverno militar, a abordagem da poltica deuma forma diversa daquela da imprensa ref-erencial tornou-se uma constante em alguns

    meios de comunicao alternativos. No traba-lho cotidiano do jornalismo, o ritmo normal,ordinrio, de seus longos processos prelimin-ares de estudo e de debates, de seu dia-a-dia deconversas e contatos, de incansveis discursose discusses, mesmo de pequenos atos de pro-testo e de realizaes, parece no estar emsintonia com um ritmo que exige velocidadee novidade. Para Rubim, a mdia mostra-se

    mais sensvel aos momentos deliberativos(...), ou a instantes de ruptura do funciona-mento regulamentar da poltica, quando acon-tecem crises, deposies, golpes, denncias,etc. (RUBIM, 2000: 63).

    A imprensa alternativa percorre um camin-ho paralelo, ao publicizar anlises e posicio-namentos de lideranas de movimentos e or-ganizaes sociais, de membros de partidos,de deputados ou vereadores, ao te-matizar as

    propostas polticas para a conquista da de-mocracia (tomada em sentido potencial), ao propor a reexo histrica, sociolgica e -losca sobre o Estado. evidente que, paratanto, a imprensa alternativa lana mo do rolde possibilidades oferecidas pelo jornalismo

    a cobertura noticiosa de acontecimentos, asreportagens sobre cotidiano e de elementosanalticos e pedaggicos oriundos de outroscampos, como o campo poltico e o cientco.Mas qual a pertinncia deste enfoque ou destaintromisso em meandros prprios do campo

    poltico? De que forma isto se relaciona coma noo de esfera pblica? E por que isto importante para o jornalismo?

    Ao social, esfera pblica edemocracia: a autonomia dojornalismo em movimento

    A esfera pblica, pontua Gomes, o m-bito da vida social em que interesses, vontadese pretenses que comportam conseqncias

    concernentes a uma coletividade apresentam-se discursivamente e argumentativamente deforma aberta e racional (1998: 155). Estaesfera consiste na discusso entre pessoasprivadas reunidas num pblico, pessoas quese caracterizam simplesmente como ser hu-mano sujeito de razo e conscincia, sem ne-cessidade de pertena a tradies, e que fazemum uso pblico desta razo para uma negocia-

    o de argumentos. Pois justamente a crise dasinstituies (como a famlia, a escola, a Igrejae at mesmo o Estado), a diluio dos contornosdas esferas pblica, privada e ntima, a partici-pao maior da mdia, nas mais diversas formasde vida, agregaram importantes transformaesnesta acepo original (e normativa, ainda as-sim) da esfera pblica.

    Gomes observa que a anlise de Habermasse direciona ao entendimento de que ocorre

    uma alterao do dilogo entre pessoas parao convencimento por meio de seduo, o quese d principalmente pela ao dos meios decomunicao. Mas, trazendo a contribuiode Lipovetzky, o autor defende que a nova di-menso da esfera pblica se caracteriza pela

    H dois eixos:participao cada vezmais fundamental da

    mdia na formao ediscusso da esferapblica e o controleautoritrio exercido

    pelo Estado

  • 8/9/2019 Poltica e jornalismo na imprensa alternativa

    10/12

    Estudos em Jornalismo e Mdia

    Vol. III No 1 - 1o semestre de 2006

    74

    secularizao do poder (destitudo de paixesou dogmatismos, dessacralizado) e pela exi- bilizao dos posicionamentos, uma vez queas opinies se tornam mais inconstantes e osindivduos tm atitudes mais maleveis. Estatendncia a ser mais exvel se justica pela

    mudana nas instituies, a formao das in-dividualidades, e por uma penetrao do cam-po da mdia e da difuso em escala gigantescade informaes. Tal abertura dos indivduospossibilitaria no o m (como via Habermas),mas a facilitao da argumentao. Ento, acaracterstica fundamental da esfera pblica preservada, embora se apresente uma al-terao intensa nas formas de agregao eengajamento. Gomes, transitando por estas

    reexes, prope pensar o espao deliberativocomo esfera pblica poltica, que dife-rente de uma cena poltica, que inclui, porexemplo, a preocupao com a construo deimagens de polticos.

    Mas isso tudo permeia a esfera pblica. E, para Gomes, a democracia moderna, aquelaque conhecemos, no pode ser pensada semesfera pblica (1998: 184). E onde se inserea mdia? Bem, s h esfera pblica se asinformaes ganham circulao entre as pes-soas que querem acess-las. Ento, a mdiaparticipa como instituio, que intermedia oraciocnio das pessoas privadas reunidas numpblico, como instrumento para a reunio depblicos, e como ambiente e uxo de informa-es contnuo. O controle do acesso infor-mao, signica, ento, a tentativa de controlee submisso da esfera pblica.

    Aqui, cabe uma precisa observao: ocontexto dos anos 1970, no Brasil, ainda marcado por posicionamentos extremados, dedireita e de esquerda, por conservadorismos,de um lado, e causas apaixonadas, de outro.Ento, preciso considerar com ressalvas esta

    maleabilidade da qual fala Gomes pela anlisede Lipovetsky. At porque a participao damdia no cotidiano vai se desenvolver precisa-mente neste embrulho, que rene conserva-dorismo (inclusive de alguns proprietrios demeios de comunicao), censura e controle da

    informao (exercido pelo Estado ditatorial) ecriao de um novo ambiente de mdia e es-pao pblico pela imprensa alternativa.

    um desao pensar como se processa odilogo tensional entre a poltica e a comuni-cao num ambiente em que as aes se ba-lizam pela gesto das grandes tenses sociais(e onde os movimentos expressam a luta pelaqual os dominados se revoltam contra seussenhores, as minorias criam subjetividades, as

    vtimas descobrem um lugar de fala), mas queao mesmo tempo comea a revelar a neces-sidade da armao de si, da autonomia, dedireitos humanos individuais e sociais. Umambiente onde o social ainda percebido eorientado pelo paradigma poltico5, mas noqual o mesmo social redescoberto pela pers- pectiva cultural (questionamento de valores,interculturalismo), sobretudo a partir da avas-saladora presena da mdia, que redene osmodos de ver e agir no mundo.

    Ento, parece sintomtico que a im- prensa alternativa apresente este movimentodinmico: ora tomada numa perspectivainstrumental (para motivar a reunio de p-blicos e a tematizao de certos assuntos), oracomo parte de um movimento de armaoda diversidade cultural, ou como defesa dosdireitos individuais e, ainda, como prprio

    ambiente poltico e cultural. Claro que, comoassinala Kucinski, o eixo est na oposio aoregime militar e, portanto, h este enfoquepoltico permeando as suas atividades.

    Mas retornando noo de esfera pblica,que para realizar-se necessita da democracia,

    5Para analisar o contexto

    contemporneo, Alain Touraine

    (2006) prope que pensemos no

    paradigma cultural.

  • 8/9/2019 Poltica e jornalismo na imprensa alternativa

    11/12

    75

    e, ademais, arma-se pela circulao de in-formaes, pode-se entender que a imprensaalternativa, ao enlaar questes especcasdo campo poltico, no se subordina a este.Arma, outrossim, o imperativo da existn-cia de um uxo contnuo de informaes, que

    possibilite (e isto o que, ao mesmo tempo,seus prprios agentes fazem) a discusso pblica das temticas relevantes ao coletivo.Assim, apesar de muitas vezes apresentar umvnculo estreito com o campo da poltica (e,diga-se, de um setor especco, que o campoda oposio ao regime), a imprensa alternativa tambm uma contribuio para a armaodo campo da mdia, justamente por discutir asrelaes de poder entre mdia e Estado, denun-

    ciar a censura e a violao de direitos, den-tre os quais o de livre expresso, e publicizaropinies de grupos e indivduos tolhidos de terseu acesso manifestao pblica garantido.

    Para esta avaliao contribui o entendi-mento de Rubim (1999:11), o de que a con-solidao do campo da mdia, no Brasil, en-contrava obstculo no tendencial monopliodo poltico pelo Estado ditatorial e na brutalproibio de trnsito livre da poltica na so-ciedade (civil) e, inclusive, na mdia. Issoocorre porque a proibio da negociaolivre entre a mdia e a poltica inibia, em um patamar gramtico-lingstico, a formaode modalidades mediticas especcas e ex- pressivas de veiculao da poltica. Almdisso, o controle da mdia pelo Estado militarreduzia drasticamente sua relativa autonomiae, em conseqncia, seu potencial de exerccio

    do poder de publicizar a poltica e de exprimirseus particulares interesses scio-econmi-cos. Como se no bastasse esta defasagem,em boa parte do perodo militar houve umaconvergncia de interesses entre o governo di-tatorial e a mdia.

    H, por m, um ltimo aspecto a salientar,que remonta s noes at ento trabalhadas. Osalternativos marcam a tentativa de democratiza-o do acesso mdia, que tambm ocorre, emoutro momento, na articulao de associaes demoradores, de movimentos sociais, de sindica-

    tos e grupos diversos quando da criao de seus prprios meios de comunicao6. Se a livre cir-culao de informaes e a participao de diver-sos setores na tematizao das questes postas namdia so fundamentais para a esfera pblica, e,por conseguinte, para a democracia, o acesso daspessoas e grupos mdia tambm precisa ser ga-rantido aos mais variados segmentos sociais.

    Pedrinho Guareschi e Osvaldo Biz, ao pesquisarem o que os cidados compreen-

    dem pelo direito informao, notam que a participao na comunicao condio in-dispensvel para a cidadania (2005: 13). Osautores trabalham justamente com a idia dainformao como direito, o que implica quesobre ela no pode haver um controle pelo poder exercido seja pelo governo, seja pelosproprietrios dos meios de comunicao. Im- plica, de outra forma, que haja possibilidadede acessar e produzir informao diversa.

    A procura pela democratizao dene umcarter peculiar a este tipo de mobilizaorealizada no mbito da imprensa alternativa,a partir dos prprios agentes do campo damdia, relacionados com outros sujeitos, eque encontra similitude com outras formasde busca pela autonomia. Sobre o exemploda luta das mulheres, Touraine observa: ao mesmo tempo a conscincia da domina-

    o sofrida e a de uma existncia particular,e portanto de direitos particulares, que fazemda mulher um sujeito, que dirige sua aoprincipal para si mesma, para a armao desua especicidade e ao mesmo tempo de suahumanidade (2006:112).

    6A exemplo do que estuda Luiz

    Gonzaga Mota e Ceclia Peruzzo,

    dentre outros.

  • 8/9/2019 Poltica e jornalismo na imprensa alternativa

    12/12

    Estudos em Jornalismo e Mdia

    Vol. III No 1 - 1o semestre de 2006

    76

    Fazendo uma ponte imaginria entre acondio de sujeito e a organizao de ummovimento pela sua autonomia, pode-se ler aimprensa alternativa mais ou menos desta ma-neira: descoberta da dominao, conrmaode sua existncia particular, armao de sua

    autonomia. Os jornais alternativos desaaram-se a encontrar formas distintas de produo demateriais. Alguns se dedicaram a trabalhar coma charge, desenhos, contos, crnicas, histriasde vida de pessoas variadas. Desaaram-se abuscar um espao que estava fechado e, em boamedida, impulsionaram grandes aberturas.

    Elosa Joseane da Cunha Klein jornalista.Mestranda, aluna do Programa de Ps-Gradu-

    ao em Cincias da Comunicao da Univer-

    sidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos.

    Bolsista CNPq - Conselho Nacional de Desen-

    volvimento Cientco e Tecnolgico. Graduada

    em Comunicao Social pela Universidade

    do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul

    Uniju. [email protected]

    BibliografiaABRAMO, Perseu. Imprensa Alternativa: alcancee limites. Revista Tempo e Presena, n. 233, agostode 1988. Boletim Periscpio Internacional.BERGER, Christa. Movimientos sociales ycomunicacion en Brasil. In CENTRO DE ESTUDOSDE LA INFORMACIN Y LA COMUNICACIN.Comunicacin y sociedad. n 9, mayo-Agosto 1990.Guadalajara: Universidad de Guadalajara, 1990.

    BRAGA, Jos Luiz. O Pasquim e os anos70: mais pra epa que pra oba. Braslia:Universidade de Braslia: 1991.CAPARELLI, Srgio. Comunicao de massasem massa. So Paulo: Cortez Editora, 1980.CAPARELLI, Srgio. Ditaduras e indstrias

    culturais no Brasil, na Argentina, no Chile e

    no Uruguai.Editora UFRGS, 1989.DUBET, Franois. Curso sobre excluso social.Conferido na Universidade de So Paulo, 9 a 13de setembro de 1996.GOMES, Wilson. Esfera pblica poltica e media:

    Com Habermas, contra Habermas. In RUBIM,Antonio Albino Canelas; BENTZ, Ione Maria;PINTO, Milton Jos (org). Produo e recepo dossentidos miditicos. Petrpolis/RJ: Vozes, 1998.PINTO, Milton JosTransformaes da poltica na erada comunicao de massa.So Paulo: Paulus, 2004.GRIMBERG, Mximo Simpson. Comunicaoalternativa: dimenses, limites, possibilidades. Acomunicao alternativa. Petrpolis: Vozes, 1987.GUARESCHI, Pedrinho; BIZ, Osvaldo. Mdia e

    democracia. Porto AlegreP.G/O.B, 2005.KUCINSKI, Bernardo.Jornalistas e revolucionrios.So Paulo: Editora Pgina Aberta, 1991.KUCINSKI, Bernardo. Algumas reexes sobrea crise de Carta Maior. Agncia CartaMaior. Colunistas, 03/04/2007. Disponvel em: Acesso em mai 2007.MARCONI, Paolo. A censura poltica naimprensa brasileira (1968-1978). So Paulo:Global editora, 1980.MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social estatus. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.MATOS, Sergio. O controle econmico. InMELO, Jos Marques de (org). Comunicao etransio democrtica. Porto Alegre: Mercadoaberto/ Intercom, 1985.RUBIM, Antonio Albino Canelas. Comunicaoe poltica. So Paulo: Hacker Editores, 2000.

    RUBIM, Antonio Albino Canelas. Mdia epoltica no Brasil. Joo Pessoa: EditoraUniversitria, 1999.TOURAINE, Alain. Um novo paradigma: paracompreender o mundo de hoje; traduo deGentil Avelino Titton. Petrpolis, RJ: Vozes: 2006.

    Sobre a autora