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JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 50 Abr/Jun 2012 >> 2,50 Euros TEMA A DILUIÇÃO DO JORNALISMO NO CIBERJORNALISMO ANÁLISE WATERGATE 1972-2012 ENTREVISTA JORGE PEDRO SOUSA MEMÓRIA HOMEM CRISTO IMAGENS DO REPÓRTER RODRIGO CABRITA FEDRA SANTOS

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JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 50 Abr/Jun 2012 >> 2,50 Euros

TEMA

A DILUIÇÃODO JORNALISMO NO CIBERJORNALISMO

ANÁLISEWATERGATE

1972-2012ENTREVISTA

JORGE PEDROSOUSA

MEMÓRIAHOMEM CRISTO

IMAGENS DOREPÓRTER

RODRIGOCABRITA

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Director

Direcção Editorial

Conselho Editorial

Grafismo

Secretária de Redacção

Propriedade

Tratamento deimagem

Impressão

Tiragem deste número

Redacção,Distribuição,

Venda eAssinaturas

Mário Zambujal

Eugénio AlvesFernando Correia

Fernando CascaisFrancisco MangasJosé Carlos de VasconcelosManuel PintoMário MesquitaOscar Mascarenhas

José Souto

Palmira Oliveira

CLUBE DE JORNALISTASA produção desta revista sóse tornou possível devido aosseguintes apoios:l Caixa Geral de Depósitosl Lisgráfical Fundação Inatell Vodafone

Pré & PressCampo Raso, 2710-139 Sintra

Lisgráfica, Impressão e ArtesGráficas, SACasal Sta. Leopoldina,2745 QUELUZ DE BAIXO

Dep. Legal: 146320/00ISSN: 0874 7741Preço: 2,49 Euros

2.000 ex.

Clube de JornalistasR. das Trinas, 1271200 LisboaTelef. - 213965774 Fax- 213965752e-mail:[email protected]

N.º 50 ABRIL/JUNHO 2012

SUMÁRIO

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS SÓCIOS

DO CLUBE DE JORNALISTAS

Site do CJ www.clubedejornalistas.pt

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TEMAA DILUIÇÃO DO JORNALISMONO CIBERJORNALISMOO aparecimento da Internet e a subsequenteemergência do ciberjornalismo proporcionou aojornalismo a exploração de novos territórios e diferenteslinguagens. Directa ou indirectamente, foram afectadosnas suas práticas, papéis e questionamentos de ordemética. Por Maria Helder Bastos

ANÁLISE

ÁGOR@Encontro de Media, Proximidade eParticipaçãoPor Patrícia Posse e Pedro Jerónimo

Como salvar o jornalismo? Por Carla Baptista

Os media e a crisePor Ana Jorge

Um olhar sobre o jornalismo e a Seleção NacionalPor Francisco Pinheiro

Watergate 1972-2012Por Patrícia Fonseca

ENTREVISTAJORGE PEDRO SOUSA“O jornalismo deve ser configurado como umcampo específico”Por Maria José Brites

JORNAL

[42] Livros Por Carla Baptista e Silas Oliveira

[44] Sites Por Mário Rui Cardoso

MEMÓRIAHOMEM CRISTOJornalista e panfletárioPor Álvaro Costa de Matos

IMAGENS DO REPÓRTERPor Rodrigo Cabrita

CRÓNICAPor António Oliveira e Silva

JJ|Abr/Jun 2012|3

Colaboram neste número

Álvaro Costa de Matos (HEMER. MUNIC. LISBOA; CIMJ)

Ana Jorge (U. NOVA; CIMJ)

António Oliveira e Silva (FREELANCER)

Carla Baptista (U. NOVA; CIMJ)

Fedra Santos (FREELANCER)

Francisco Pinheiro (C.E.I.S. 20 DA U. COIMBRA)

Helder Bastos (U. PORTO; CIMJ)

Lucília Monteiro (VISÃO)

Maria José Brites (U. LUSÓFONA PORTO; CIMJ)

Mário Rui Cardoso (RTP/ANTENA 1)

Patrícia Contreiras (CIMJ)

Patrícia Fonseca (VISÃO)

Patrícia Posse (FREELANCER)

Pedro Jerónimo (OBCIBER - OBSERVAT. DE CIBERJORNALISMO)

Rodrigo Cabrita (JORNAL I)

Silas Oliveira (FREELANCER)

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JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 40 Outubro/Dezembro 2009 >> 2,50 Euros

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TEMA A REPORTAGEM NA RÁDIOEntre o investimentoe a ameaça

ENTREVISTA MINO CARTA ANÁLISE MÉDIA E PUBLICIDADE MEMÓRIA ADOLFO SIMÕES MÜLLER

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A diluiçãodo jornalismo no ciberjornalismo

O aparecimento da Internet e a subsequente emergênciado ciberjornalismo proporcionou ao jornalismo aexploração de novos territórios e diferentes linguagens.Surgiram narrativas inovadoras e práticas inéditas.Nasceram novos géneros jornalísticos. Entre outraspotencialidades, o hipertexto, o multimédia, ainteractividade, a ubiquidade e a instantaneidadelevaram os média noticiosos a reconfigurar-se de modo aresponder às exigências do novo meio, às tendências domomento e ao crescimento e sofisticação das audiênciasonline. Os jornalistas não ficaram imunes àstransformações provocadas pela adaptação aociberespaço. Directa ou indirectamente, foram afectadosnas suas práticas, papéis e questionamentos de ordemética. Olhando de modo retrospectivo, talvez se possaafirmar, com alguma dose de risco, que o jornalismonunca mais foi o mesmo.

Texto Helder Bastos Ilustração Fedra Santos

TEMA

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Na última quinzena de anos, o ciberjor-nalismo foi crescendo, nuns paísesdepressa e de modo assertivo,noutros, como Portugal, mais deva-gar, com hesitações pelo meio epouco sentido de risco. Pelo caminho,o novo ramo do jornalismo foi con-

sagrando um conjunto de modelos, regras e práticas quese começam a normalizar, isto é, a tornar-se num conjun-to de normas mais ou menos partilhadas pela tribo ciber-jornalística. Ora, chegados aqui, o que se pode questionaré se esta normalização não tem vindo a afastar o ciberjor-nalismo de um conjunto de valores, práticas e papéis con-sagrados ao longo da história da profissão pelos jornalis-tas um pouco por todo o mundo. Neste ensaio argumen-ta-se que temos vindo a assistir a uma gradual diluição(leia-se, enfraquecimento) de pilares essenciais do jorna -lismo no ciberjornalismo e, em paralelo, a uma sobreva -lorização de aspectos acessórios.

PILARES DILUÍDOS

Otrabalho de produção jornalística própria, isto é,levado a cabo pelo próprio ciberjornalista, paradepois levar a sua assinatura, estará entre as

práticas mais diluídas na transição do jornalismo para ociberjornalismo. É certo que se trata de uma tendênciatambém observável no jornalismo em geral - em particu-lar na imprensa, que atravessa uma forte crise - mas nociberjornalismo atinge muitas vezes proporçõesextremas. Quando passa a trabalhar numa redacção digi-tal, o jornalista tende a ser enquadrado num conjunto depráticas e rotinas, mais de carácter técnico do que propri-amente jornalístico, que o afastam da possibilidade derecolher informação pelos seus próprios meios, de selec-cioná-la, de redigi-la, de colocá-la em contexto, depreparar os seus textos ou montar as suas peças. Emsuma, de fazer o trabalho jornalístico típico, pelo menostal como o conhecíamos até há bem poucos anos. Comoefeito negativo colateral, o cultivo de fontes próprias,uma mais-valia profissional tradicionalmente valorizadae, nos melhores casos, compensada, vê-se também relega-da para segundo plano, quando não esvaziada por com-pleto, face às múltiplas urgências do imediato. Nestecenário, trabalhos de maior fôlego, que por normaexigem grande dispêndio de tempo, como acontece nochamado "jornalismo de investigação", tornam-se quaseuma miragem para o ciberjornalista. Quantas "cachas" derelevo foram dadas, ao longo dos últimos anos, por ciber-jornalistas?

Em vez de produção jornalística própria, muitos profis-sionais - não poucas vezes enquadrados em equipas deserviços mínimos, onde faltam meios humanos, técnicos efinanceiros - passam boa parte do seu tempo laboral a

transpor e a adaptar para a Web e outras plataformas con-teúdos produzidos por outros (colegas da redacção "tradi-cional", das agências de informação ou profissionais dosgabinetes de imprensa), a tratar fotografia ou vídeo, emgeral produzidos por outros, a moderar comentários dosutilizadores, a gerir a participação dos seus média nasredes sociais, e até mesmo a resolver problemas informáti-cos. É de notar que esta espécie de alienação do jornalista,e consequente afastamento das práticas e papéis jornalís-ticos tradicionais, foi, não apenas tolerada, mas aceitequase como inevitável logo desde o início, quando nasce-ram as primeiras redacções digitais. Afinal, não havia maisninguém para executar aquelas tarefas que foram surgin-do e impondo-se "naturalmente" no quotidiano dos ciber-jornalistas.

O rigor na verificação dos factos foi outro dos pilaresdiluídos. Proceder à verificação de factos num ambientede deadline contínuo, como é aquele que marca o ritmoinformativo na Web, torna-se uma tarefa sobremaneiradifícil de levar à prática e de rotinizar. Verificar exige pro-ceder a contactos com colegas e fontes, pesquisas docu-mentais, consultas de arquivos, cruzamentos, tudo tare-fas que consomem muito tempo. Ora, também porpressão concorrencial, em que "ganha" aquele que derprimeiro, tempo é o que menos dispõe o ciberjornalista,que, como agravante, tem por vezes vários ecrãs abertosem simultâneo no seu monitor a exigir-lhe resposta eacção imediata. O imperativo da instantaneidade somadoàs multitarefas dificilmente propicia as condiçõesnecessárias a uma disciplina de verificação eficaz. Darprimeiro e confirmar depois tornou-se, nos piores casos,um postulado pernicioso em voga. Acresce que a maiorparte do material usado nas secções de notícias de "últi-ma hora" é proveniente de agências noticiosas. Emmuitos casos, as notícias entram automaticamente nossites, sem qualquer tratamento. Cria-se, deste modo, doisproblemas em simultâneo: o da verificação nula e o davalidação cega.

O tradicional papel de gatekeeper, outrora monopóliodos jornalistas, que decidiam, a partir de determinadosvalores-notícia, aquilo que era noticiado ou não, tem tam-bém vindo a sofrer alterações, no sentido do enfraqueci-mento, provocadas pelo ambiente informativo da Web. Aentrada em cena de novos actores, desde entidades eempresas não jornalísticas a cidadãos, agora produtores,disseminadores e comentadores de informação, confron-tou os jornalistas com a necessidade de reavaliarem assuas rotinas de filtragem e de valorização das notícias. Osciberjornalistas terão sentido ainda com mais intensidadeesta necessidade, quanto mais não seja para atender àespecificidade das características das suas audiênciasonline e pela capacidade que estas têm de, sobretudoatravés das redes sociais, empolar determinadas notícias,obrigando, por vezes, os ciberjornalistas a uma mudançade atitude em relação às mesmas. Além disso, a possibili-

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dade de acompanhamento emtempo real do comportamento dasaudiências online leva, em certoscasos, a alterações dos valores-notí-cia, uma vez que se tende a dar maisdestaque às notícias que obtém me -lhor feedback por parte dos ciber-leitores. Por último, a desmultipli-cação de sítios e fontes na rede, àsquais os utilizadores podem acedersem barreiras, veio contribuir paraum certo esvaziamento do papel degatekeeper do jornalista. No entan-to, este relativo esvaziamento pro-porcionou, em particular aos ciber-jornalistas, a oportunidade de, porum lado, reafirmar uma competên-cia tradicional, que é a de seleccionarinformação, e, por outro lado, de desenvolver mapas denavegação na Web para os leitores. Daí se ter começado afalar no ciberjornalista como gateopener, alguém que abreas cancelas aos leitores e indica os melhores sítios para seir buscar informação fidedigna.

O ciberjornalismo tem, por outro lado, exacerbadouma tendência já visível no jornalismo tradicional, que é ada crescente sendentarização dos jornalistas, cujas saídaspara o exterior são cada vez mais esparsas. Se há um fortetraço comum entre as redacções dos cibermédia umpouco por todo o mundo é o da sedentarização dos ciber-jornalistas. As saídas em reportagem são, em muitos casos,praticamente nulas. Quase todo o trabalho é feito à

secretária e computador. Ir para arua, falar com as pessoas, bater àsportas, ver as cores, sentir os cheiros,testemunhar o acontecimento. Ensi -na mentos da tarimba jornalística,transmitidos de geração em geraçãopelos jornalistas mais velhos, pas-saram para o terreno do virtual.Concorde-se ou não com aquelesensinamentos, o certo é que tambémneste particular assistimos à diluiçãode um traço histórico da cultura dojornalismo.

O somatório das diluições acimareferidas torna muito difícil tanto aassunção como o cumprimento, porparte dos ciberjornalistas, de algunspapéis consagrados do jornalismo e

que têm a ver com a relação deste com a sociedade: a vi -gilância dos poderes instituídos, o sentido de participaçãono debate público e a consciência do papel social do jor-nalista.

A vigilância dos poderes instituídos implica, desdelogo, que o ciberjornalista tenha uma consciência profis-sional robusta e uma pro-actividade jornalística forte, aomesmo tempo que pressupõe disponibilidade de tempopara a investigação. Ora, estes pressupostos são muitasvezes sufocados pelas múltiplas solicitações urgentes doimediato. O ciberjornalista é um profissional sujeito a umagrande dose de dispersão de esforço e de atenção. Alémdisso, a cristalização de certas rotinas e modos de fazer

Numa redacção digital,o jornalista tende a ser

enquadrado num conjuntode práticas e rotinas, maisde carácter técnico do quepropriamente jornalístico

Se há um forte traçocomum entre as redacçõesdos cibermédia um poucopor todo o mundo é o da

sedentarização dosciberjornalistas

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acabou por levar o ciberjornalismo a não equacionarsequer a necessidade de cumprir este papel ou a consi -derá-lo inalcançável. Por força das circunstâncias, o papelde watchdog acaba assim secundarizado, nuns casos, eesquecido por completo, noutros.

O mesmo para se compreender a atrofia, quer do sen-tido de participação no debate público, quer da consciên-cia do papel social do jornalismo em geral e dos (ciber)jor-nalistas em particular. As prioridades destes profissionaistendem a ser de outra natureza, mais virada para a va -lorização de factores, que poderíamos designar de curtoalcance, relacionados com a instantaneidade, a adaptaçãoe tratamento (de conteúdos), a forma, a disseminação, amonitorização, a concorrência e o multimédia.

A DILUIÇÃO DA "IDEOLOGIADO JORNALISMO"

A lguns autores, como MarkDeuze, caracterizam o con-junto de valores e papéis par-

tilhados pelos jornalistas espalhadospelo mundo como constituindo a"ideologia do jornalismo". Esta "ide-ologia" tem como sustentáculos prin-cipais as noções de serviço público(os jornalistas prestam um serviçopúblico como watchdogs e dissemi-nadores de informação); a objectivi-dade (são imparciais e logocredíveis); a autonomia (são livres eindependentes no seu trabalho); ainstantaneidade (têm um sentido deinstantaneidade, actualidade evelocidade); e a ética (os jornalistastêm um sentido de ética, validação elegitimidade).

Com diferentes níveis de intensidade, estes pilares cen-trais do jornalismo clássico têm vindo a ser desafiados,quer pela evolução recente do jornalismo, exercido emcondições cada vez mais difíceis e complexas, quer pelociberjornalismo, que exacerbou algumas tendências, entreas quais, como foi referido acima, a da diluição da noçãode serviço público e do jornalista como vigilante dospoderes instituídos.

O ideal da objectividade, constituinte clássico da iden-tidade profissional dos jornalistas, também atravessa umperíodo de crise. Como escreveu Jim Hall, "a objectividadeestá a ser largamente abandonada pelo ciberjornalismo".Por vários motivos: aumento da desprofissionalização edo amadorismo nas práticas jornalísticas, ou para-jornalís-ticas; emprego crescente de "empacotadores de notícias";proliferação de novas fontes de informação duvidosasnum ambiente de competição veloz na Web, também

entre profissionais e amadores. Em certas paragens, jor-nalistas e ciberjornalistas são incentivados a terem "voz", adeixarem de se "esconder" por detrás da aparente neutra -lidade das notícias, para assim poderem "competir" comoas vozes, carregadas de subjectividade, que escrevem nosblogues mais influentes.

A autonomia dos ciberjornalistas, por outro lado, éposta em causa pela crescente precarização das relaçõeslaborais nas empresas jornalísticas, mas também pelofacto de aqueles profissionais, a quem se exige que pro-duzam mais em cada vez menos tempo, trabalharem emequipas reduzidas no seio de redacções digitais com faltade meios, em especial financeiros, próprios. Comexcepção dos cibermédia de raiz, a subordinação dasredacções digitais às rotinas e conteúdos das "redacções-mãe" pode revelar-se um factor limitativo. Acresce que,

em muito casos, a interpenetração,por vezes estimulada pelas hierar-quias das empresas, entre ciberjor-nalismo, marketing e publicidadeacaba também por condicionar aautonomia dos ciberjornalistas.

São, pois, de vária ordem os cons -trangimentos que acabam por inter-ferir no quadro ético e deontológicodos ciberjornalistas. Note-se, a pro -pósito, que o balizamento das suastarefas e rotinas predominantes podeconstituir em si mesmo um entrave,quer à autonomia, quer ao question-amento ético: o profissional debate-se com dilemas éticos sobretudoquando cumpre os seus papéis epráticas tradicionais enquanto jor-nalista. É pouco provável que de roti-nas de empacotamento noticioso,gestão de conteúdos ou "corta e cola"multimédia nasçam questões ética e

deontologicamente relevantes. Que os conceitos de velocidade e de instantaneidade

sempre estiveram associados ao jornalismo é um factodifícil de contestar. Mas, no ciberjornalismo, em que odeadline é contínuo e não se espera pelas horas do noti-ciário, a instantaneidade foi elevada ao estatuto de culto.

ASPECTOS SOBREVALORIZADOS

A instantaneidade tornou-se o centro de gravidadedo ciberjornalismo. De tão valorizada, tornou-seuma espécie de obsessão, traduzida na constante

monitorização das reacções das audiências ao fluxo dasnotícias online. A voracidade dos ciberleitores pelas "últi-mas notícias", a par da necessidade de não ficar atrás daconcorrência, levou os cibermédia a acelerar os ciclos noti-

TEMA A di luição do jornal ismo no ciber jornal ismo

Ensinamentos da tarimbajornalística, transmitidos

de geração em geraçãopelos jornalistas maisvelhos, passaram para

o terreno do virtual

A cultura do deadlinecontínuo instalou-se emdefinitivo e acabou por

absorver, qual efeitoeucalipto, grande partedas energias e tempos

de trabalho dosciberjornalistas

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ciosos com actualizações cada vez mais rápidas, mais cur-tas e menos intermitentes. Nesta vertigem, os riscos mul-tiplicam-se e o preço paga-se, por vezes, em perda decredibilidade. É já longa e triste a lista das esparrelas emque caíram reputados média noticiosos internacionais porquerem competir com a instantaneidade desenfreada eviral de fenómenos como o Twitter. A cultura do deadlinecontínuo instalou-se em definitivo e acabou por absorver,qual efeito eucalipto, grande parte das energias e temposde trabalho dos ciberjornalistas.

A instantaneidade implica que o ciberjornalista tenha,ou desenvolva, aptidões de tratamento rápido e contínuode informação. A par disso, numa redacção digital, será

tanto mais apreciado quanto mais desenvolvidas forem assuas aptidões multimédia, ou seja, a sua capacidade detrabalhar em simultâneo com vários média (áudio, vídeo,fotografia, texto), dominando as suas linguagens e aprópria narrativa hipermédia. Até aqui, nada de preocu-pante, uma vez que a Web é, por natureza, multimédia ehipertextual. O problema começa quando as aptidõesmultimédia dos ciberjornalistas, por norma muito va -lorizadas por quem os contrata, não são acompanhadasde aptidões jornalísticas tradicionais básicas, tais comosaber o que é ou não notícia, ter "faro" para a descobrir,obter informação em primeira mão, investigar e reportar.Este desequilíbrio entre aptidões técnicas e qualidades jor-

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nalísticas é muitas vezes acompanhado, e agravado, pelaincipiente consciência ética e deontológica típica do iníciode carreira. Nos piores casos, o resultado é a criação de umprofissional híbrido, a meio caminho entre o técnico deempacotamento de notícias multimédia e o jornalista dealcance limitado.

O empenho na forma, em detrimento do investimentona substância, do contexto, da profundidade ou da infor-mação própria e exclusiva, é outros dos aspectos sobreval-orizados no ciberjornalismo. Mais do que a apresentaçãode notícias ou reportagens bem trabalhadas do ponto devista jornalístico, tem vindo a privilegiar-se a procura domelhor grafismo, das melhores opções de usabilidade dossites, de preferência imitando os melhores sites noticiososinternacionais, do melhor efeito visual e narrativo nas(escassas) reportagens multimédia, do último grito emprodução Flash, do vídeo de curta duração que comple-mente o texto da agência, dos ícones ou aplicações damoda visíveis na homepage.

Em paralelo, tem vindo a ganhar força a tendênciapara a disseminação dos mesmos conteúdos através demúltiplas plataformas e dispositivos. A palavra deordem "ir a todas, estar em todo o lado", produzir ver-sões em todos os formatos (papel, web, pdf, e-paper,

mobile, etc.) coloca o acento tónico na forma e eficáciada distribuição, na proeza técnológica, e não tanto naqualidade da informação distribuída. A quantidade nadifusão multiplataforma disfarça muitas vezes a falta dediversidade noticiosa e uma homogeneização gritantedos "conteúdos", palavra em voga de significado amploque permite pôr no mesmo saco a produção feita porjornalistas e a que tem origem em áreas tão diversascomo a publicidade, o marketing ou mesmo o entrete -nimento.

Por último, seguir as modas, as últimas tendências daWeb, tudo o que seja "do momento", tornou-se um mustnos cibermédia. Das redes sociais às aplicações (vulgoapps), dos blogues e do "jornalismo do cidadão" às versõespara iPad e iPhone, as empresas de média procuram nãoperder o alucinante comboio do ciberespaço. Pelo meio,tentam, não sem algum grau de ansiedade, encontrar nosnovos média o modelo de negócio que lhes permita com-pensar, sobretudo no caso dos jornais, a perda de leitorese de anunciantes no papel. A adesão entusiástica às novastecnologias parece ter como principal combustível acrença na salvação futura do negócio e não parece seracompanhada pela concepção de estratégias de fundo.Vai-se navegando à vista.

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A diluição de pilares centrais da actividade jornalísticano ciberjornalismo teve como principal consequência aperda generalizada da qualidade do jornalismo produzi-do nas redacções digitais. Quando boa parte do tempolaboral e das energias dos profissionais é dirigido paratarefas de alto teor técnico de rotina e baixa densidade jor-nalística, não poderíamos esperar que aquelas redacçõesfossem um centro de produção permanente de notíciasem primeira mão, de reportagens no terreno ou de traba -lhos de fundo.

Este processo de afastamento de práticas e papéistradicionais do jornalismo e de assunção de novas práti-cas e de novos e diferentes papéis acabou por provocaruma diluição da identidade profissional dos jornalistasda Web. A pergunta é feita, umas vezes pelos próprios,outras vezes por vozes críticas exteriores às redacções: oque fazem no dia-a-dia (alimentação de fluxos contínuosde última hora, adaptação de conteúdos, copy/paste,moderação de comentários, edição multimédia, gestão deredes sociais, etc.) é jornalismo? A pergunta acompanhao ciberjornalismo desde o seu deal-bar e, na prática, conduziu aoavolumar de preconceitos emrelação ao novo ramo do jornalismonascido com a Internet. Os própriosciberjornalistas queixam-se de o seutrabalho não ser devidamente va -lorizado, quer pelos seus pares dasredacções tradicionais, quer pelasempresas jornalísticas, quer aindapor instituições e organizações exte-riores ao jornalismo. O ciberjornalis-mo tende a ser visto, tanto internacomo externamente, como jornalis-mo "de segunda", algo que, não pou-cas vezes, se reflecte na auto-estimade quem nele trabalha.

RAZÕES PARA A DILUIÇÃO

Como se explica a aparenteerosão de práticas e valorestradicionais do jornalismo na

transição para o ciberjornalismo? Aexplicação passa por uma conjugação ampla de factores,que aqui podemos apenas esboçar, ligados sobretudo ànatureza dos novos média, às empresas jornalísticas,nomeadamente as portuguesas, aos modelos de negócio eaos próprios jornalistas.

No cômputo geral, as empresas parecem nunca tertido uma percepção clara da Internet e das suas impli-cações e, menos ainda, das estratégias a adoptar con-soante as circunstâncias e o momento histórico. Nãopoucas vezes acusadas de conservadorismo e falta de

arrojo, revelaram, salvo algumas excepções, dificul-dades em entender a rede mundial, as suas modalidadescomunicacionais, os seus espaços, tribos e culturas, mastambém o que era suposto estimular em termos de jor-nalismo na Web, algo que dificultou o posicionamento ea optimização dos seus média online. Daí as inúmerashesitações, em particular quando se fala na necessidadede investir. A estratégia predominante foi, pois, a denavegar à vista. As empresas mantiveram, quase sem-pre, reduzido ao mínimo o contingente das redacçõesdigitais, constituídas, em geral, por profissionais poucoexperientes e, em não poucos casos, precários em ter-mos de vínculo contratual. O comportamento hesitanteda generalidade das empresas jornalísticas é indisso-ciável da questão do modelo de negócio, ou seja, dofacto de não terem encontrado formas de rentabilizar oinvestimento nas edições Web. Em suma, o enquadra-mento empresarial dos ciberjornalistas foi-lhes sobre-maneira desfavorável e criou as condições para umacerta atrofia profissional.

Os ciberjornalistas, por sua vez,viram-se muitas vezes incompreen-didos, com dúvidas sobre quaiseram, ou deveriam ser, os seuspapéis. Confrontados com novosdilemas éticos e deontológicos, semformação específica para o exercíciocabal do ciberjornalismo - em parti -cular no que às competências multi-média diz respeito - e inseridos emequipas reduzidas, foram desdecedo colocados perante a exigênciade produzir cada vez mais em quan-tidade e instantaneidade. O preço apagar foi o declínio da qualidade eda profundidade. Poder-se-ia tam-bém argumentar que acabaram pordesenvolver uma espécie de subcul-tura profissional própria, mais emlinha com certos traços da cibercul-tura, em que se valoriza sobretudo ainstantaneidade, a partilha, o multi-média, a mobilidade (em termos deacesso e dispositivos), a monitoriza-ção permanente do comportamento

das audiências. Assinale-se aqui o paradoxo: apesar que -rerem saber ao minuto a adesão dos leitores a esta ouaquela notícia, parecem, no entanto, investir poucotempo e esforço na interactividade com os leitores/uti-lizadores, que são uma parte importante a ter em contaquando se quer compreender o modo como trabalham osjornalistas.

A agravar estes factores, a quase completa ausênciade formação profissional dos ciberjornalistas, fosse provi-denciada pelas empresas, fosse procurada no exterior, em

Produzir versões em todosos formatos (papel, web,pdf, e-paper, mobile, etc.) coloca o acento tónico na

forma e eficácia da distribuição, na proeza técnológica, e não tanto

na qualidade da informação distribuída

Como será o jornalismo see quando todos os

jornalistas produzirem para todas as plataformase acabar por se diluir por

completo a distinção entrejornalismo

e ciberjornalismo?

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escolas ou universidades, pelos próprios profissionais.Entre jornalistas e ciberjornalistas, poucos foram os quepuderam beneficiar de formação que os preparasse me -lhor para enfrentar os desafios colocados pela vertiginosaaceleração provocada pela expansão da Internet e achegada dos paradigmas da convergência.

PERGUNTAS PARA O FUTURO

Ocaminho traçado pelo ciberjornalismo ao longodos anos e o rumo que parece estar a tomar susci-tam inúmeras interrogações. A primeira: como

será o jornalismo se e quando todos osjornalistas produzirem para todas asplataformas e acabar por se diluir porcompleto a distinção entre jornalismo eciberjornalismo?

A aposta de muitos grupos de médiana convergência, que tem, nos últimosanos, passado pela integração deredacções e cruzamentos de conteúdosmultimédia, torna possível anteciparum cenário de convergência total: tec-nológica, empresarial, profissional e deconteúdos. Se aí chegarmos, que restarádo jornalismo da era pré-Internet? Terápassado em definitivo à história?Perguntado de outro modo: terá entãoo jornalismo clássico sido diluído por completo nos para-digmas em construção do ciberjornalismo? Investigar, cul-tivar fontes próprias, dar notícias em primeira mão, darvoz a grupos sociais, contextualizar, reportar, vigiar os

poderes instituídos - de modo a, na certeira síntese de BillKovach e Tom Rosenstiel, "dar aos cidadãos a informaçãode que necessitam para serem livres e autogovernarem-se" - serão consideradas práticas e papéis anacrónicos ouincompatíveis com a "hipermodernidade" jornalística?

O jornalismo encontra-se numa encruzilhada impor-tante na sua história. A via da velocidade e da superficial-idade, para já não falar da espectacularidade ou da levian-dade, conquista terreno todos os dias. O novo ambientemediático e jornalístico a isso é cada vez mais propício. AWeb e outras plataformas impulsionam novos modos deestar e de fazer nas redacções. Como em todas as grandesmudanças, algo se perde e algo se ganha. Mas o jornalis-

mo de referência (porque "jorna -lismos" há muitos) parece estar asair vencido. Há mesmo quemvaticine o "fim do jornalismo talcomo o conhecemos". O problemaé que o "jornalismo tal como oconhecemos" continua a ser indis-pensável a um funcionamentosaudável das sociedades democrá -ticas. Donde, se o jornalismo "talcomo o conhecemos" se tornarirreconhecível, talvez seja dearranjar um novo nome para o ofí-cio que lhe suceder.

Resta saber se o jornalismo e osjornalistas conscientes do seu

importante papel social estão interessados em reafirmaros seus valores de sempre ou vão, por falta de força, von-tade ou alternativas, assistir à crescente diluição da suarazão se ser.

TEMA A di luição do jornal ismo no ciber jornal ismo

Há quem vaticine o "fim do jornalismo tal como o conhecemos". O problema

é que o "jornalismo tal como o conhecemos"

continua a ser indispensável a um

funcionamento saudável das sociedades democráticas

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Ágor@Encontro de Media, Proximidade e Participação

Práticas e usos na imprensaregional off e onlineReflectir sobre os diferentes contextos regionais foi o mote parareunir, na Universidade da Beira Interior (Covilhã, 19 e 20 de Abril),responsáveis de jornais, jornalistas e investigadores. O projectoAgenda dos Cidadãos (ver entrevista com João Carlos Correia) estevena base do encontro, do qual resultou ainda a criação de um grupode investigação de jornalismo regional.

Texto e Fotos Patrícia Posse e Pedro Jerónimo

ANÁLISE

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«Até que ponto a imprensa regional reflec-te as preocupações dos cidadãos?” Aquestão foi levantada na abertura doencontro por Paulo Serra, investigadorna UBI, tendo presentes os eixos mobili-

zadores: media, proximidade e participação. O primeirodia do Ágor@ contou ainda com outros motivos de refle-xão, desde logo com a conferência de Zvi Reich(Universidade Ben-Gurion, Israel), onde se questionou opapel do jornalista e a participação do cidadão. “Yes wecan... what?” Para o investigador israelita, a experiênciaem determinados assuntos confere ao cidadão o título deespecialista, algo que só acontecerá com os jornalistas casoacumulem anos de cobertura da mesma matéria.Recuperando os dados de um estudo que colocou escrito-res e poetas a fazerem cobertura noticiosa, Zvi Reichdefende que “os jornalistas permanecem largamenteinsubstituiveis”.

Já Carlos Camponez (Universidade de Coimbra) abor-dou a “ética da proximidade” na perspectiva dos valores-notícia, da deontologia do jornalismo e das práticas naimprensa regional. Para o investigador, é importante colo-car em prática esta temática face às particularidades querevestem a imprensa regional e o jornalismo de proximi-dade e que decorrem nos territórios dos distritos, concel-hos, freguesias e localidades. Um exemplo que apresentouestá relacionado com a deontologia do jornalismo “queprivilegia mais a distanciação do que a proximidade”, oque por vezes motiva uma “tensão proximidade/distan-ciamento mal percebida e muito menos resolvida”. Trata-se de uma realidade sobre a qual é necessário reflectir,uma vez que no seu entender “o jornalista de proximida-de está directamente implicado na educação para osmédia”.

“Estratégias online para a imprensa regional” foi atemática escolhida pela organização para ser abordadapor dois investigadores espanhóis e um português. XoséLópez Garcia (Universidade de Compostela) destacou queé fundamental considerar simultaneamente os meiospapel e digital, bem como garantir modelos de gestão deconteúdos, de participação do cidadão e do próprio pro-duto informativo. Formar e garantir uma comunidade éigualmente vital para a imprensa regional em rede, para aqual entende haver espaço para vários modelos de negó-cio. Por sua vez, Gil Ferreira (Universidade de Coimbra)reforçou a necessidade dos meios possibilitarem a partici-pação do cidadão, recordando que o jornalista é, ou deve-ria ser, um “facilitador da acção dos cidadãos”. Por fim,Juan Pedro Molina Cañabate (Universidade Carlos III deMadrid) alertou para o facto de no novo ecosistemamediático existirem “novos líderes de opinião”, apresen-tando como exemplo o perfíl no Twitter de um actorespanhol que conta com mais de 300 mil seguidores. Épara essa nova realidade que muitas empresas de comuni-cação olham actualmente, disponibilizando toda a infor-mação possível aos jornalistas, num ambiente 2.0. Já sobrea reduzida participação dos cidadãos na generalidade dosmédia, o investigador prefere questionar se há estratégiae meios por parte dos média, bem como se os utilizadorestêm disponibilidade e recursos para tal.

O último painel do dia foi ocupado pelas oportunida-des de participação na imprensa regional, debatidas porJoão Carlos Correia, Ricardo Morais e João Sousa (todosda UBI) e Patrícia Posse, jornalista freelancer. O primeirogrupo de investigadores apresentou alguns dados do pro-jecto “Agenda dos Cidadãos”, enquanto que a investiga-dora abordou a temática da interactividade, a partir dosresultados da sua tese de mestrado, relacionada com o

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ciberjornalismo praticado na imprensa regional deBragança e de Vila Real. Tratam-se de dois distritos ondeo aproveitamento dessa pontencialidade é reduzido (com21,6%). “A ausência de uma estratégia bem delineada parao website também ajuda a perceber que o produto impres-so é a principal prioridade, logo, catalisador de todas asatenções e investimento”, pode ler-se nas conclusões dasua tese.

O segundo dia do encontro arrancou com um paineldedicado ao ciberjornalismo de proximidade. Luísa TeresaRibeiro (Universidade do Minho) inquietou a assistênciacom uma questão pertinente: “o que significa estar próxi-mo?” Para a investigadora, o principal desafio da informa-ção de proximidade passa, justamente, por conseguirmanter esse laço de relacionamento próximo com ascomunidades, seja através dos assuntos abordados ou dasplataformas. “Neste momento, muitos dos órgãos de infor-mação local e regional têm equipas com algumas limita -ções e estão a fazer todos os possíveis para conseguir man-ter as edições em papel e marcar também uma presençacada vez melhor na Internet. Este desafio não é fácil, espe-cialmente num contexto difícil em termos económicos.”

Pedro Jerónimo (Universidade do Porto) debruçou-sesobre as origens e a evolução da imprensa regional naInternet. Se o ano de 1996 se distingue pelo pioneirismode alguns jornais na Internet, o período entre 1998 e 2003conheceu um boom. “A imprensa regional no online émuito reaccionária. Vai vendo o que os nacionais fazem e,depois, tem uma atitude muito de deslumbramento. Emrelação às redes sociais, houve um boom de adesão em2010, porque era moda. O que agora estão a fazer nasredes sociais é o que que fizeram inicialmente na Internet:shovelware”, frisou.

A Internet confere novas dimensões à interactividadedo meio radiofónico, como demonstrou Luís Bonixe(Escola Superior de Portalegre). “O desafio é que a rádioconsiga transportar para o meio online essa sua capacida-de genética, apropriando-se de alguns mecanismos queexistem na Internet para promover essa participação”,afirmou. Contudo, verifica-se que, ainda hoje, muitossites de rádios não permitem comentários nas notícias eexistem poucos fóruns de discussão. “Essa participaçãoestá a ser direccionada para o Facebook, o que cria umtipo de participação mais espontânea, menos argumenta-tiva, mais informal e que não ajuda tanto à criação de umespaço de debate”, concluiu.

Seguiu-se a intervenção de Catarina Rodrigues (UBI),que apresentou alguns projectos de jornalismo hiperlocal.Ficou claro que “algumas destas ideias não têm consegui-do ir avante mesmo que ligadas a grandes jornais, como ocaso do Washington Post ou o The Guardian”. Emborasejam disponibilizados espaços para a opinião do leitor, ainvestigadora sublinhou a inexistência de uma estratégiaeditorial que os enquadre.

“A imprensa regional: que futuro” abriu a sessão da

ANÁLISE Ágor@

“O jornalista de proximidadeestá directamente implicado na educação para os média”

O jornalista é, ou deveria ser, um “facilitador da acçãodos cidadãos”

O principal desafio da informação de proximidade passa por conseguir manter laços de relacionamento próximo com as comunidades, seja através dos assuntos abordados ou das plataformas

“O desafio é que a rádio consiga transportar para o meio online a sua capacidade genética, apropriando-sede alguns mecanismos que existem na Internet para promover a participação”

“O mundo está a mudar e nãopodemos continuar a fazer omesmo. Uma informação deserviço público, estóriashumanas e interacção são aschaves do sucesso”

“O que continua a dardinheiro é o papel e isso nãopode ser negligenciado”

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tarde. Luis Izquierdo Labella (Universidade Carlos III deMadrid) assumiu como essencial a escolha de um itinerá-rio: papel, site ou os dois? Grátis, pago ou misto? Aberto àparticipação ou não? Com conteúdos globais, locais ouambos? “O mundo está a mudar e não podemos conti-nuar a fazer o mesmo. Uma informação de serviço públi-co, estórias humanas e interacção são as chaves do suces-so”, sustentou. Já José Ricardo Carvalheiro (UBI) defen-deu que “há um contexto débil para a participação delibe-rativa”, embora a maioria dos jornalistas valorize a parti-cipação. Por outro lado, Vítor Amaral (Instituto Poli -técnico da Guarda) destacou a ruptura do gatekeeping tra-dicional e a necessidade de “ousar fazer caminho”. “Faceao contexto global, onde há uma descentralização comu-nicativa que é teoricamente ameaçadora, o posicionamen-to da imprensa regional será manter-se fiel aos princípiosdo bom jornalismo e manter a sua postura de mediaçãoprofissional. As novas tecnologias são uma forma de dar

força aos projectos de informação regional, projectando--os no espaço global”, sublinhou.

O encontro terminou com uma mesa redonda que reu-niu directores de jornais regionais e jornalistas. FernandoPaulouro, director do Jornal do Fundão, foi assertivo quantoà função primordial dos média regionais: “apesar dosavanços tecnológicos, o que interessa aos leitores é a reali-dade social. Por outro lado, a sua participação deve serdecisiva na produção noticiosa, porque essa é a grande vir-tualidade da imprensa regional”. O mesmo responsávelvincou ainda que “sem jornalistas não se podem fazer jor-nais, isso é fatal a longo-prazo”. Patrícia Duarte, directorado Região de Leiria, referiu o caminho que continua a serseguido: “o que continua a dar dinheiro é o papel e issonão pode ser negligenciado”. No que respeite ao ciberjor-nalismo, Joaquim Duarte, do jornal O Ribatejo, assegurouque os média regionais vão “atrás do caminho que os gran-des façam. Não vamos ser nós a desbravá-los”.

Um caso raro de sobrevivência online

Pedro Brinca dirige há 14 anos aquele que foi oprimeiro jornal digital do País - o Setúbal naRede - e não tem dúvidas de que o factor crítico

de sucesso está no financiamento. “Na última década,houve períodos difíceis e só uma grande persistênciafez com que o projecto se mantivesse. Depois, é ousar,é inovar, é arrojar, é tentar encontrar novas formas dechegar às pessoas.” Com 60 mil visitas únicas por mês, o setubalnarede.ptestá a passar por uma fase “de grande redefinição”para enveredar por “novos caminhos, novos tipos deconteúdos, novos tipos de receitas”. “A única forma delutar contra as adversidades é não assumir nenhummodelo como garantido, é estar permanentemente aprocurar novas soluções”, acrescentou.A estratégia deverá passar também pela aposta naprodução de conteúdos: “há que ter alguma aberturade espírito para perceber que há diferentes formatosque podem conviver. Por um lado, o Setúbal na Redesempre teve informação pura e dura, mas há umconjunto muito grande de outros conteúdos quepodem ser produzidos”. “Há informações úteis quepodemos prestar à população, mas que podem sertrabalhadas do ponto de vista jornalístico e isso podeser feito em parceria com uma série de entidades quetêm interesse que essa informação chegue às pessoas”,elucidou Pedro Brinca.

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JOÃO CARLOS CORREIA, COORDENADOR DO PROJECTO AGENDA DOS CIDADÃOS

Há jornais regionaisque “ainda andam à procura da sua vocação”Sob a chancela da Universidade da Beira Interior (UBI), o projecto “Agenda dos Cidadãos:Jornalismo e participação cívica nos media portugueses” descobriu a existência de práticasjornalísticas na imprensa regional que contribuem para reforçar o compromisso dos cidadãoscom a comunidade. “O objectivo principal era tentar identificar algumas práticas que dessemnota de uma certa orientação para a proximidade com os públicos e as audiências e foiplenamente atingido”, sublinha o coordenador do projecto, João Carlos Correia, com quem aJJ conversou, à margem do “Ágor@ – Encontro de Media, Proximidade e Participação” (UBI,Covilhã, nos dias 19 e 20 de Abril).

Texto Patrícia Posse Foto Pedro Jerónimo

Em estreita colaboração com os órgãos decomunicação social envolvidos no projecto,construiu-se uma “agenda do cidadão” basea-da em temas considerados prioritários pelospúblicos e procurou-se estimular o desenvol-

vimento de trabalhos jornalísticos que fossem ao seuencontro. Em paralelo, incentivaram-se práticas de parti-cipação dos cidadãos na discussão desses mesmos assun-tos. “O objectivo de fomentar práticas foi parcialmenteatingido nalguns locais e não foi atingido noutros”, revelaJoão Carlos Correia.

UMA AGENDA A DUAS VOZESO projecto levado a cabo pela UBI e o Laboratório deComunicação e Conteúdos Online (LabCom), em parceriacom a Associação Portuguesa de Imprensa, o Grupo LenaComunicação e a Controlinveste, contou com a participa-ção dos jornais O Grande Porto, Jornal da Bairrada, Jornal doCentro, As Beiras, O Ribatejo, Vida Ribatejana, Região de Leiria,Jornal do Fundão, O Interior e O Algarve.

Da análise aos mesmos, João Carlos Correia traça umacorrelação entre as dificuldades de envolver os cidadãosno processo informativo e o contexto histórico e sociocul-tural. “Há algumas idiossincrasias que têm de ser tidas emconta. O facto de, durante muito tempo, termos tido umaditadura e o facto de o nosso desenvolvimento económicoser relativamente tardio, com a chegada à União Europeia20 anos depois dos fundadores, fizeram com que tenha-

mos uma sociedade relativamente frágil, um públicopouco participativo e também empresas de comunicaçãosocial que, muitas vezes, ainda andam à procura da suavocação.”

Daí que seja possível identificar órgãos de comunica-ção “extremamente modernos, cheios de vontade de per-correr caminhos que permitam uma ligação profundacom as comunidades e a criação de um modelo de negó-cio que tenha em conta diversas tendências actuais”como empresas com várias dificuldades a esses níveis.Por outro lado, encontram-se públicos com uma tendên-cia para “mais facilmente se envolverem na leitura do jor-nal e passar para um qualquer tipo de acção e outros têmmais dificuldades em fazê-lo”. “Isso também passa poralguns cruzamentos que, sociologicamente, se podemidentificar através de um corte entre o rural e o urbano,entre o Interior e o Litoral”, acrescenta o investigador.Contudo, até dentro do mesmo distrito se podem encon-trar realidades heterogéneas: “jornais muito paroquialis-tas, jornais muito ancilosados, com redacções antiquadas,e podemos encontrar exactamente o oposto, assim comoilhas de participação em concelhos que parecem bastantepassivos”.

NOVOS TRILHOS DE INVESTIGAÇÃO NA AGENDAAtendendo ao volume de informação produzido (análisede conteúdo aos jornais em estudo, duas sondagens a umuniverso de 1600 leitores, três focus group e entrevistas a

ANÁLISE Ágor@

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jornalistas), João Carlos Correia entende que o “Agendados Cidadãos: Jornalismo e participação cívica nos mediaportugueses” não devia ser interrompido.

“Para já, vamos sistematizar e melhorar as nossas prá-ticas de observação dos média com os quais encetámoscontacto. Em segundo lugar, vamos aproveitar o conheci-mento que obtivemos para lançar um segundo projectoque tem a ver com práticas de comunicação de proximida-de mais viradas para o desenvolvimento sustentável dasregiões, designadamente, como utilizar os cidadãos paraacções em determinadas áreas onde a participação deles éfundamental. Por exemplo, no ambiente com a detecçãode agressões e o envolvimento em práticas não poluentes,no campo da cultura com a identificação do patrimónioimaterial.” A longo prazo, não se descarta a possibilidadede criar um observatório de meios regionais.

O coordenador do projecto sustenta ainda que um dosprincipais defeitos da política de investigação em Portugalé ser “pensada demasiado descontinuadamente”, ou seja,não existe nenhum mecanismo que avalie o final de umprojecto como “um passo possível e uma mais-valia parase executar outro”. “Esse output pode ser um elementoaltamente diferenciador para que um projecto de conti-nuidade seja aprovado com uma seriação menos exigentedo ponto de vista burocrático”, salienta.

CRIADO GRUPO DE INVESTIGAÇÃOEM JORNALISMO REGIONALNa agenda do Ágor@ constava um business meeting quetinha por objectivo criar um grupo de pesquisa relaciona-do com as temáticas que motivaram o encontro. Tal comofoi sublinhado ao longo dos dois dias por vários investiga-dores, os poucos trabalhos académicos que existem sobreimprensa regional e jornalismo de proximidade emPortugal são, na sua maioria, desconhecidos. Por outrolado, os investigadores que se têm debruçado sobre oscontextos regional e local dos media e do jornalismo estãodispersos geograficamente.

Aproveitando o encontro de cerca de duas dezenasdeles na UBI, foi dado o primeiro passo para começar acolocar, com regularidade, as temáticas na agenda dainvestigação. Para João Carlos Correia, o evento foi“muito profícuo em termos de troca de ideias e em termosde resultados práticos”. “Desde logo com a provável cria-ção de um grupo sobre comunicação regional e o lança-mento de um livro, uma vez que não há assim tanta inves-tigação dentro desta área em Portugal e a que há conheceuma fragmentação muito grande. É importante tambématar esses fios que andam aí um pouco soltos”, concluiu.

O grupo deverá ser fundado em breve, pois “as exigên-cias burocráticas não são muito dificultosas” e o livro seráeditado dentro de três meses. Após o business meeting, ficoudecidido submeter à Sociedade Portuguesa de Ciências daComunicação (SOPCOM) a proposta de constituição dogrupo de trabalho em Jornalismo Regional.

A política de investigaçãoem Portugal é “pensada

demasiadodescontinuadamente”,

não existe nenhum mecanismo que avalie o final de um

projecto como “um passopossível e uma mais-valia

para se executar outro”.

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Como salvar o jornalismo? Oferecem-se debates mensais, muita informação e algum idealismo

Texto Carla Baptista Fotos Patrícia Contreiras

Não é um jogo de futebol mas nestemomento, em Portugal, há duas equipas atentar salvar o jornalismo. Uma chama-seProjecto Jornalismo e Sociedade, está alojadano ISCTE e tem um perfil mais académi-

co; a outra chama-se Fórum dos Jornalistas e organizoudebates na Casa da Imprensa que pretendem alargar eenriquecer a discussão sobre o futuro da profissão. Asregras do jogo são: temos de jogar depressa porque nãohá muito tempo; se um perder, perdem todos; não existemárbitros e todas as ideias valem, menos acreditar que o jor-nalismo morreu. A melhor maneira de seguir este desafioé entrando nele, como jornalista ou como consumidor denotícias. Mas, para aquecer, existe um blogue -http://forumjornalistas.wordpress.com/noticias/ - e umsite - http://futurojornalismo.org/np4/home.html - ondeos novos jogadores podem ir vestindo a camisola paracombater o deprimente mundo dos jornais em crise.

Quando se juntam dezenas de jornalistas numa sala,

como aconteceu nos debates organizados pelo Fórum dosJornalistas, é certo que vai haver muitas perguntas, poucasrespostas, uma dose suficiente de discórdia e, em geral,um consenso razoável em torno de três premissas: o jor-nalismo está em crise, as causas são estruturais e conjun-turais, é preciso salvá-lo porque disso depende também aqualidade da democracia e da participação cívica na socie-dade.

Está garantida uma boa conversa, mas nenhuma certe-za quanto ao bom caminho a seguir a não ser que, algures,deve haver uma fórmula mágica que reúna sustentabili-dade financeira e respeito pelos princípios da profissão,definidos resumidamente como a busca pela verdade,contada numa narrativa centrada nos factos relevantes ecom interesse público e, de preferência, em várias plata-formas e de forma convergente. Com um diagnóstico tãobem traçado, e tantas pessoas inteligentes a fazer o seumelhor, porque é que a imprensa em Portugal não dácerto?

ANÁLISE

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A primeira precisão importante é que a crise não é igualpara todos. Segundo um estudo elaborado por AnaSuspiro, Catarina Almeida Pereira e Bruno Faria Lopes,membros do Fórum dos Jornalistas, que apurou os resulta-dos dos grupos de media entre 2006 e 2010 (os númerosde 2011 ainda não estão disponíveis), a imprensa despor-tiva foge à regra e os três diários desportivos - Bola, Recorde Jogo - fecharam 2010 com lucros superiores a cinco mi -lhões de euros. O segredo está na fidelização dos leitoresjá que, neste segmento, as vendas têm maisimportância do que a publicidade.

Num universo de 12 grupos de mediaanalisados, metade sofre prejuízos e metadegera lucros. Na linha vermelha estão aControlinveste (Global Notícias e TSF),Económico SGPS (a holding teve prejuízos,mas a empresa do Diário Económico tevelucro), Rádio Renascença, Sol e jornal I.

A Cofina, Impresa, RTP, Lusa, Bola eMedia Capital fecharam 2010 com resulta-dos positivos. O jornal Público também apre-sentou lucros mas, retirado o efeito de uma mais-valiaextraordinária, resultante de uma operação financeira devenda a uma empresa do mesmo grupo, atinge 4,2 mi -lhões de euros de prejuízos.

A explicação principal é a queda de 18% nas receitaspublicitárias que, entre 2006 e 2010, provocou uma redu-ção de 35 milhões de euros nos encaixes das empresas.Esta tendência foi severa na imprensa (com excepção daPresselivre, do grupo Cofina, detentora do Correio daManhã e da Sábado, que registou em 2010 lucros de 15,75milhões de euros) e na rádio, onde os prejuízos dos trêsprincipais grupos privados (Renascença, Media Capital eTSF) atingiram os 9,5 milhões de euros.

Pedro Norton, número 2 da Impresa, um dos oradoresno debate do dia 31 de Março, dedicado à questão desaber se a informação ainda é um bom negócio, salientoua velocidade de queda do mercado publicitário televisivo:“desde 2008, já perdemos 26% e, a este ritmo, no final de

2012 provavelmente irá valer menos 40%”. A conjugaçãode mudanças profundas com impactos negativos ao níveldas receitas – envolvendo tecnologias, hábitos de consu-mo e lógicas de funcionamento do negócio – geraram uma“tempestade perfeita”, segundo o vice-presidente dacomissão executiva da Impresa, e inúmeras contradições:vivemos um tempo de “desalavancagem” financeira, demedo, de respostas a necessidades de curto prazo detesouraria, numa altura em que nunca foi tão importante

investir, arriscar, poder serinovador e criativo, experi-mentar e pensar em estraté-gias de médio e longo prazo.

O ponto de partida para asessão do dia 14 de abril foipensar como os novos media,com o seu imediatismo ecapacidade de reacção, estãoa mudar o jornalismo. Asquestões na mesa eram:quanta flexibilização pode

haver perante pressões de rapidez ou de produção para asmúltiplas plataformas? As plataformas mudam. E os prin-cípios do jornalismo?

Paulo Querido, que o moderador da mesa apresentoucomo “o nosso enviado especial ao admirável mundonovo das tecnologias de informação”, referiu 5 palavraspara caracterizar o futuro do jornalismo: será social, direto,inovador, desconcentrado e computadorizado. Em resumo, asredes sociais são incontornáveis, habituem-se às narrati-vas em fluxo contínuo (e, portanto, às histórias sem fim esem moral), ao consumo desagregado (e desembalado)das peças que serão vistas em lugares muito distintos dosítio onde foram produzidas e, se um dia, alguém lhe ofe-recer emprego, será provavelmente uma micro marca ouum blogguer em evolução e expansão. Quanto ao compu-tador, é vital saber usá-lo como um instrumento de pes-quisa.

António Granado, coordenador da redacção online da

Cinco palavras para caracterizar o futuro do jornalismo: será social, direto, inovador, desconcentradoe computadorizado

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RTP, excluiu os novos media como uma parte doproblema da crise no jornalismo: “é uma profissãoem desagregação, com um mercado de trabalhodesregulado. Já não sabemos quem é o nossopatrão nem a quem respondemos”.

Enumerou uma série de práticas erradas: “anão notícia ridícula que abre o noticiário, os arti-gos que se confundem com propaganda, as fontesanónimas que desmentem notícias dadas por fon-tes anónimas” e traçou um diagnóstico severo:“há cada vez menos discussão interna nas redac-ções. Colocar uma questão é levantar um proble-ma à organização. Quem manda não é quem defende ocódigo deontológico mas quem aceita as responsabilida-des atribuídas pela administração. O jornalismo tornou-se uma profissão onde é praticamente impossível dizernão”.

Neste cenário, a solução passa por não deixar sacrificaro essencial: os jornalistas continuarão a ser contadores dehistórias, competindo num ambiente aberto, onde nãoexiste espaço para os generalistas mas continua a serimportante assegurar a credibilidade da informação, obti-da de forma eticamente consciente. Por isso, voltando àpergunta sobre a flexibilidade adequada: alguma, se pen-sarmos que temos de incluir os cidadãos na produção deinformação, aceitar as suas correcções e inovarmos nasformas de apresentação da informação; nenhuma, se asopções forem escrever sem ter a certeza da veracidade edo rigor da informação, manipular factos ou reduzir aindependência face aos poderes.

À PROCURA DE UMA CARTA DE PRINCÍPIOS O Projeto Jornalismo e Sociedade (PJS) arrancou no iniciodo ano, coordenado por Gustavo Cardoso, José JorgeBarreiros e Susana Santos, do ISCTE, e conta com um con-selho consultivo do qual fazem parte inúmeros jornalistas.Tem como missão desenvolver informação académicasobre a performance do jornalismo português, através da

monitorização perma-nente dos vários meios decomunicação social e daprodução de relatóriosmensais sobre o estadodo jornalismo, sendo fi -nanciado pela FLAD,Fun dação EDP, FundaçãoCalouste Gulbenkian eISCTE.

Na primeira fase, háuma carta de Princípiosdo Jornalismo em Por-tugal em discussão, inspi-rada nos dez “manda-mentos” definidos em1997 pelo Committee ofConcerned Journalists, umaorganização norte-ameri-cana administrada peloProjet for Excellence inJournalism, do Pew Re -search Center.

Os organizadores têmpercorrido as universida-des portuguesas que ofe-recem formação na área,alargando a participaçãono debate a públicos

diversificados, incluindo jornalistas, estudantes e cida-dãos. Os contributos podem ser enviados para o email:[email protected], e existe um inquérito emcurso, que também pode ser respondido online, emhttp://futurojornalismo.org/np4/principios.html

No debate que decorreu, em Março, na FCSH-UNL, sehouvesse pontos a serem distribuídos, talvez tivesseganho o princípio número 3: “a essência do jornalismoassenta numa disciplina da verificação”. A maioria dosintervenientes concordou que este é o maior fator de dife-renciação do jornalismo profissional face aos contributosde outros atores que também distribuem conteúdos infor-mativos no espaço público.

Quando Adelino Gomes, atual investigador do ISCTE eum dos dinamizadores da iniciativa, pediu “palavrasnovas” para enriquecer o léxico dos princípios, surgiramvárias ideias: para além da independência e da verdade,que ninguém contestou, o jornalismo devia tambémincorporar as noções de complexidade, profundidade,especialização, diversidade, responsabilidade, exigência ejustiça. Mas, e para rematar, nas palavras de Pedro Coelho,jornalista da SIC, se não resolvermos primeiro o problemada sustentabilidade financeira, acabamos a falar uma lín-gua que ninguém quer, em que as palavras mais usadassão jornalismo low cost, desvalorização, descredibilização efragilidade.

ANÁLISE Como salvar o jornal ismo?

Quem manda não é quem defende o código deontológico mas quem aceita as responsabilidades atribuídas pela administração

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ANÁLISE

Os media e a criseUm debate do Centro de Estudos Sociais em Lisboa reflectiusobre as formas em que a crise tem afectado os media

Texto Ana Jorge

Os media e o jornalismoestão no centro do processode crise, quer sofrendo assuas consequências quercontribuindo para algumas

transformações. Foram esses impactos emudanças que estiveram no foco do debateque aconteceu a 26 de Fevereiro no pólo doCentro de Estudos Sociais em Lisboa, noâmbito de um ciclo de debates mais amplosobre democracia e austeridade. Juntandoacadémicos, jornalistas, editores e profis-sionais de diferentes áreas, este eventoprocurou compreender o impacto da crisenos media e a forma como se dá a cobertu-ra jornalística deste período recessivo.

José Luís Garcia, do Instituto de CiênciasSociais, foi o analista mais radical, ao consi-derar que, nesta altura de crise, os mediacontribuem para uma “propaganda siste-mática” que se tem vindo a consolidardesde os anos 80, reduzindo várias áreas da vida pública àeconomia. Apoiando-se nos economistas como especialis-tas, o jornalismo acaba por ficar também refém desse dis-curso: embora a “lógica comercial dos media date do finaldo século XIX”, nas últimas décadas a autonomia dos jor-nalistas, que se opunha a essa lógica, “tem vindo a ser alvode uma grande erosão”.

Contudo, os novos media podem representar um espa-ço de partilha e de um contradiscurso e isso explica queseja aí que se encontram “discursos diametralmente opos-tos” aos dominantes sobre a altura que se vive, emboraalguns deles sejam também comerciais.

O historiador e editor da Editora D. Quixote JoãoTibério também é da opinião que é nos novos media,como os blogues, que se pode debater a situação actualcom maior pluralismo, assumindo-se ideologias de umaforma que os media comerciais não fazem.

Esses media convencionais foram tocados pela crise,que se manifesta tanto “na queda de vendas como no queapresentam como conteúdos”: reportagens mais utilitá-rias, como “sobreviva com €1” ou “30 dias, €30”, têmpopulado os media como forma de responder às necessi-

dades dos leitores. Exemplo disso é a revista Nota Positiva,local e gratuita, cuja coordenadora, Rute Barbedo, caracte-riza um projecto como contrariar o pessimismo e tambémde abandonar a “falsa isenção” dominantes nos mediaconvencionais.

Alison Roberts levantou questões que considera quecomplicam um retrato jornalístico mais objectivo da crise:por um lado, a vontade de “ser patriótico” dos colunistasface ao agravamento da crise em Portugal; por outro, asmanifestações contra a austeridade com pouca adesão sãomostradas, sobretudo pelas televisões, como tendo muitosmanifestantes mesmo com pouca adesão, e em geral háausência ou pouco rigor sobre os números das adesões àcontestação.

Por seu lado, Jonas Van Vossole, um cientista político deorigem belga, completou este olhar de fora ao sublinharcomo os media do Norte da Europa retratam a crise comoligada a países do Sul, “menos produtivos, com maiscorrupção”. Os media “não são autónomos nem objecti-vos”, mas não o devem ser, de forma a trazer reflexão paraa sociedade, quer pelos mais convencionais quer pelosalternativos e críticos.

Da esquerda para a direita: Jonas Van Vossole, Alison Roberts, José Luís Garcia,

Juliana Mello e Souza (moderadora), João Tibério, Rute Barbedo (foto: Liliane Carvalho)

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Um olhar sobre o jornalismo e a Seleção NacionalNo dia 23 de abril realizaram-se na Faculdade de Letras daUniversidade de Coimbra as I Jornadas de Comunicação e Desporto,subordinadas ao tema Jornalismo e Futebol - Portugal, a SeleçãoNacional.

Texto Francisco Pinheiro

Criadas para dinamizar a reflexãosobre o fenómeno mediático àvolta do desporto, estas jornadascentraram-se na figura da SeleçãoNacional de Futebol, que comem-

ora 90 anos de história. Em 2011, a SeleçãoNacional foi líder de audiências em Portugal,com o jogo de qualificação para o Euro 2012,contra a Bósnia, em 15 de novembro, a ser oprograma de televisão mais visto do ano. E, deacordo com a lista dos 20 programas mais vistos,11 deles foram jogos da Seleção Nacional (dadosda Marktest). Assim, analisar este fenómenomediático, bem como recordar a sua história,foram os dois principais objetivos das jornadas,organizadas pelo CEIS20 - Centro de EstudosInterdisciplinares do Século XX da Universidade deCoimbra.

A primeira conferência da manhã, proferida pelo histo-riador Francisco Pinheiro, centrou-se nos primeiros anosda Seleção, apresentando dois breves filmes documentaisde 1928 e 1929, que permitiram mostrar a raiz histórica dapopularidade da Seleção Portuguesa. Esta contextualiza-ção deu alguns motes para o painel que se seguiu, queanalisou a forma como é feita a cobertura jornalística àSeleção Nacional. Manuel Queiroz, comentador desporti-vo da TVI e Antena 1, que desde 2002 acompanha aSeleção, defendeu a ideia de que os jornalistas portugue-ses mantêm alguma isenção nos comentários que fazem,ao contrário, por exemplo, dos brasileiros, que "chegam àsbancadas de imprensa de cachecol e camisola da suaseleção". Referiu ainda que o mediatismo da Seleção "nemsempre reverte em maiores tiragens dos jornais", sendo aexceção o Euro 2004 ou as polémicas que envolvem aSeleção. Foi então recordado o "caso Saltillo", durante oestágio da Seleção no México, em 1986. Manuel PedroGomes, ex-internacional dos anos 1960 e comentadordesportivo da TSF, afirmou que esse foi "um dos pioresexemplos de cobertura jornalística em Portugal", defen -

dendo também que em Portugal "não existe uma ver-dadeira crítica desportiva".

Um outro Mundial, o de 1966, em Inglaterra, seria recor-dado na sessão da tarde pelo sociólogo João Nuno Coelho,que refletiu sobre os media e a Seleção Nacional, cujadimensão "ultrapassa em muito o plano puramentedesportivo, assumindo significados mais vastos e profun-dos, relacionados com o orgulho pátrio, a visão do valor dopaís no quadro das nações e a identidade e culturanacionais." Estas diferentes dimensões seriam retomadas, deuma forma muito animada e perante uma jovem assistên-cia, no painel seguinte, formado por Toni (ex-internacionaldo SL Benfica), Humberto Coelho (ex-internacional, ex-sele-cionador e agora vice-presidente (para as Seleções daFederação Portuguesa de Futebol) e pelo médico MárioCampos (ex-internacional pela Académica nos anos 1960).

No âmbito destas jornadas foi também lançado o livroRepública, Desporto e Imprensa - O Desporto em 100primeiras páginas, 1910-1926, de Francisco Pinheiro e JoãoNuno Coelho, apresentado pelas historiadoras IreneVaquinhas e Isabel Vargues. Esta obra apresenta umaseleção de 100 primeiras páginas de jornais desportivos daI República.

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Watergate1972-2012

O escândalo revelado nas páginas doWashington Post forçou a renúncia de Nixone quarenta anos depois ainda é sinónimo domelhor jornalismo de investigação mundial.Como seria hoje tratada esta história?Existiriam condições para investigá-la?Haveria a coragem de publicá-la? Asrespostas possíveis, a partir de um debatecom os jornalistas Bob Woodward e CarlBernstein

Texto Patrícia Fonseca

"Cinco homens, um deles dizendo ser um ex-agente da CIA,foram presos às 2.30 da madrugada de ontem, no âmbito do queas autoridades descreveram como um elaborado plano para colo-car sob escuta os escritórios do Comité Nacional do PartidoDemocrata [nos edifícios Watergate]".A ssim começava a notícia que viria a

revolucionar a política e o jornalis-mo norte-americanos, publicada naedição de domingo do WashingtonPost de 18 de Junho de 1972, assina-da pelo jornalista veterano Alfred E.Lewis. No final do artigo, assi-

nalavam-se os contributos de Bob Woodward, CarlBernstein, Bart Barnes, Kirk Scharfenberg, Martin Weil,Claudia Lery, Abbott Combes e Tim O'Brien. Para ahistória ficarão sobretudo os nomes dos dois primeirosjovens repórteres, que desse dia em diante assumiram ainvestigação - e não a largaram nos dois anos seguintes.

Cuidadosamente editada, esta primeira notícia caberiahoje no espartilho dos 140 caracteres de um tweet. Mascomo se faria a cobertura posterior - e sobretudo a inves-tigação - deste caso, actualmente? Essa foi uma das per-guntas dirigidas à mais famosa dupla de repórteres doPost, num debate promovido durante o congresso anualda Sociedade de Editores de Notícias dos Estados Unidosda América (ASNE), no passado mês de Abril, sob o tema"Watergate 4.0: How Would the Story Unfold in theDigital Age?" (Watergate 4.0: Como se desenvolveria ahistória na era digital?)

Woodward e Bernstein começaram por desvalorizar asdiferenças existentes entre os good old days do jornalismoamericano, que as novas gerações estudam com nostalgia,e as limitações impostas nas redacções actuais, onde hámenos gente, menos tempo e menos dinheiro. Masacabaram por apontar o dedo - e colocá-lo na ferida. Sehoje o caso Watergate não fosse investigado tal não sedeveria apenas à falta de meios, desabafaram. A história

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Diagrama e alguns dos

apontamentos feitos por

Bob Woodward e Carl

Bernstein e fotografia do

complexo de Watergate

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talvez não se desenvolvesseporque os jornalistas, dizBernstein, "agora estãomais preocupados com asnovas tecnologias do quecom os protagonistas dainformação", havendo pou -co tempo e disponibilidade

para entrevistas pessoais, o que pode comprometer aobtenção de informação crucial.

É preciso lembrar que só existiu uma história paraescre ver porque, depois de uma dica de um polícia, falan-do do que parecia ser apenas um comum assalto, o editorBen Bradlee decidiu enviar o jovem Bob Woodward, queentrara no jornal oito meses antes, para ir "cheirar" o tribu-nal. E foi lá, durante o primeiro interrrogatório do juiz,que ouviu um dos ladrões detidos em flagrante declarar:"Sou um ex-funcionário de uma agência do governoamericano". O repórter agradeceu aos deuses quando ojuiz insistiu: "Mas de que agência?". O homem sussurrou"CIA" e Woodward não conteve o espanto: "É pá, temoshistória!"

Por isso, o jornalista ficou especialmente irritado quan-do um grupo de estudantes universitários de Yale defen -deu que uma investigação deste tipo seria, nos dias dehoje, realizada apenas em frente a um computador."Vamos lá a ver se nos entendemos: a verdade do que se

passa na vida real não está na Internet! A Internet podecomplementar a nossa informação; pode ajudar-nos aavançar na investigação; mas a verdade está na cabeça ena boca das pessoas: nas fontes humanas. É preciso nãoesquecer isto."

Se não houver tempo para estar com todos os entre-vistados cara a cara, "pelo menos que se fale ao tele-fone", continuam a defender estes jornalistas, que já em1972 faziam muito trabalho à secretária. Mas todos osdias saíam à rua, conheciam gente nova, faziam novasfontes.

A revelação do caso Watergate só foi possível, aliás,graças a uma fonte de Woodward - o famoso "GargantaFunda". O seu nome foi mantido em segredo durante 33anos e só em 2005, por vontade do próprio, a sua identi-dade foi revelada, num artigo publicado na Vanity Fair. Ohomem que passou as informações confidenciais que afas-taram Richard Nixon da Presidência dos Estados Unidosda América era William Mark Felt, à época vice-directordo FBI.

O nome desta fonte, que Woodeard começou por de -signar como "meu amigo" antes de aceitar a alcunha dadapelo seu director, que falava sempre num "GargantaFunda", nunca foi sequer rabiscado nos cadernos de notasde Woodward - hoje arquivados na Universidade doTexas, que comprou à dupla de jornalistas todos os blocosde notas e documentos recolhidos durante a investigação

ANÁLISE watergate: como ser ia hoje?

Bernstein e Woodward com Katharine Graham, proprietária e editora do Washington Post, que deu luz verde e apoiou a investigação

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Os protagonistasBob WoodwardGanhou fama e o Prémio Pulitzer com o caso Watergate, poderia tertrabalhado onde quisesse. Recusou todos os convites dizendo que oWashington Post, onde iniciou a carreira, em 1971, era o melhorjornal do mundo. Aos 69 anos ainda tem o seu nome na fichatécnica, como editor executivo. Voltou a ganhar um Pulitzer com asua cobertura dos atentados do 11 de Setembro de 2001 e escreveu12 livros de não-ficção, em torno da investigação que marcou a suacarreira mas também de outros homens e outros Presidentes quepassaram pela Casa Branca, como George W. Bush e Barack Obama.Casou três vezes e tem duas filhas.

Carl BernsteinEntrou para o Washington Post em 1966, com 22 anos. Três anosdepois de ter vencido o Pulitzer com o caso Watergate, deixou ojornal. Passou pela televisão ABC e pela revista Time, deu aulas naUniversidade de Nova Iorque, namorou estrelas como ElizabethTaylor, casou três vezes, tornou-se alcóolico e perdeu todo o seudinheiro. Ter-se-á recuperado na última década, escrevendo doislivros sobre o Papa João Paulo II e Hillary Clinton. É um colaboradorregular da revista Vanity Fair.

Garganta FundaFoi depois de fazer 90 anos que William Mark Felt sentiu que nãopoderia morrer sem revelar ao mundo que tinha sido ele a famosafonte de Bob Woodward no caso Watergate. Ele era, em 1972, vice-director do FBI. Woodward conhecera-o quando era assistente doalmirante Thomas Hinman Moorer e entrava na Situation Room(sala de crise) da Casa Branca para distribuir documentação. Felt foiuma das pessoas a quem Woodward telefonou quando começou atrabalhar no jornal, pouco antes do início do caso Watergate. MarkFelt mostrou-se disponível para ajudá-lo, desde que o jornalistanunca revelasse a fonte da informação. E assim foi durante mais detrês décadas. Além de Woodward, só Carl Bernstein, co-autor dosartigos sobre o caso Watergate, e o editor Ben Bradlee, conheciam asua identidade. O Garganta Funda morreu em 2008, na sua casa daCalifórnia, com 95 anos.

Richard NixonFoi vice-presidente dos EUA durante oito anos e quando já sentiater ganho o direito a sentar-se na cadeira do Presidente, perdeu aseleições para John F. Kennedy. O povo deu-lhe o cargo em 1968 mas,temendo não ser re-eleito, em 1972, ordenou escutas telefónicas nosescritórios do Partido Democrata. Saiu vitorioso, embora não pormuito tempo. O escândalo revelado pelo Washington Post deu inícioa um processo de impeachment no Senado americano. Para evitarmais humilhação pública, Nixon renunciou ao cargo. Morreu aos 81anos, em 1994, e foi sepultado sem honras de Estado, a seu pedido.

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do caso Watergate, por cinco milhões de dólares... Mas énum desses blocos que está escrita uma das suas enigmáti-cas frases, que se tornaria numa máxima do jornalismocontemporâneo: Follow the money (Segue o rasto do di -nheiro). Esse foi um dos momentos vitais da investigação,conduzindo às notas marcadas e aos cheques passadospara serem usados na campanha de re-eleição de Nixon eque acabaram depositados na conta bancária de um dosladrões de Watergate. Hoje, mesmo com todos os recursostecnológicos disponíveis, essa investigação nunca poderiater sido realizada online.

No debate da Sociedade de Editores de Notícias dosEUA ficou também claro que hoje dificilmente oWashington Post manteria o exclusivo da história. Podia -e deveria - continuar a revelar informação nova todos osdias, mantendo-se no pelotão da frente da cobertura doescândalo político. Mas depois de publicada a primeira"bomba", todos os meios de comunicação social iriam atrásdo seu quinhão de audiências. "Depressa se instalaria acacofonia noticiosa que define os nossos dias...", lamentouBernstein.

Em 1972, os leitores do Post puderam acompanhar osartigos publicados de forma ordenada e sequencial, numjornal atrás do outro, tal como era tradicional. Hoje, issoseria impossível. Woodward e Bernstein teriam de lidarnão só com a concorrência de dezenas de títulos em papele online, rádios e televisões, fazendo entrevistas e mesas-redondas sobre o caso, como teriam de competir com mi -lhares de bloguers publicando as suas versões da reali-dade. A estes juntar-se-iam ainda os milhões de "cidadãosinteressados" que, em redes sociais como o Twitter e oFacebook, inundariam a internet com as suas opiniões dis-farçadas de factos, boatos e contra-informação.

"Que pesadelo...!", desabafou Woodward, a certaaltura. O único lado positivo de tamanha exposição, con-cedeu, "seria a rapidez com que Nixon teria de afastar-se

dos palcos políticos". Hoje pareceimpensável mas o presidente norte-americano foi reeleito cinco mesesdepois da primeira notícia sobre oassalto à sede do Partido Democrata,em 1972. O caso Watergate nemsequer foi um tema quente da cam-panha. Só dois anos depois se ini-ciou o processo de impeachment,levando ao afastamento de Nixonda Presidência.

Não foi um processo demasiadolento? "Levou o tempo que tinhaque levar", considerou Bob Wood -ward, já a fechar o debate. "Nós fize-mos o nosso trabalho, como jornalis-tas. Depois a polícia fez o seu e ostribunais também. Foi um casoexemplar de não-sobreposição de

papéis. Não era a mim que competia prender criminososou acusar um Presidente."

E hoje, com tantas alterações nas estruturas accionistasdos jornais, seria possível investigar uma história tão com-prometedora, com protagonistas tão poderosos? BobWoodward quer acreditar que sim: "Que eu saiba, o jor-nalismo ainda não morreu."

ANÁLISE watergate: como ser ia hoje?

Redford regressaa WatergateDepois de ter vestido a pele de Bob Woodward, nofilme Os Homens do Presidente, o actor RobertRedford vai retomar o tema Watergate comorealizador de um documentário sobre o escândalodos anos 70. All The President's Men Revisited é otítulo do projecto, que retratará a influência destainvestigação jornalística na política e imprensaamericanas, com exibição prevista para 2013, noDiscovery Channel.

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Jorge Pedro Sousa à JJ

“O jornalismo deve como um campo esp

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e ser configuradospecífico”

Texto Maria José Brites Fotos Lucília Monteiro

A investigação sobre o jornalismo e acomunicação em Portugal evoluiuconsideravelmente, sobretudo nosúltimos 20 anos. Jorge Pedro Sousa,docente na Universidade FernandoPessoa (UFP) e investigador do Centrode Investigação Media e Jornalismo(CIMJ), acompanhou e foi ator nestepercurso. Especialmente dedicado àinvestigação da história e da teorizaçãodo jornalismo, defende que o campodeveria ser mais definido, "específico,com as suas fronteiras", invertendo atendência de esbatimento dos limitesentre as diferentes áreas dacomunicação. As universidades, diz,deveriam "ser o lugar onde seexperimenta o que é novo". Eleito emdezembro coordenador do Grupo deTrabalho (GT) de Jornalismo eSociedade da Sociedade Portuguesa deCiências da Comunicação (SOPCOM)(em conjunto, como faz questão delembrar, com Helena Lima e Isabel Reis,docentes da Universidade do Porto),indica como metas principais a criaçãode um revista científica e a organizaçãode um encontro de investigadoresainda este ano.

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JJ - Como se pode caracterizar a evolução destes últimos 20

anos relativamente ao panorama da investigação do jornalis-

mo em Portugal?

JPS - Houve uma figura nuclear nos estudos jornalísticosem Portugal, o Professor Nelson Traquina. Nós temos osestudos jornalísticos pré-Nelson Traquina e pós-NelsonTraquina. O facto é que embora eu nunca tenha sido dire-tamente aluno do professor Nelson Traquina, foi graças àobra dele, em parte, que eu comecei a perceber o que eramos estudos jornalísticos. De alguma formasou um discípulo dele e reconheço o papelfulcral que teve nos estudos jornalísticos emPortugal. E houve um outro professor, oRichard Zimler, que para o grande público émais conhecido como escritor, que veio paraEscola Superior de Jornalismo com uma per-spetiva completamente diferente do queeram os estudos jornalísticos. Estas duaspersonagens foram cruciais: a obra do pro-fessor Nelson Traquina em português e otrabalho excelente e de abertura de hori-zontes que teve o professor Richard Zimlerna Escola Superior de Jornalismo. Foi graçasa eles que eu comecei a perceber o que eramos estudos jornalísticos. Aliás, foi o professor RichardZimler que me levou pela primeira vez a fazer um traba -lho de investigação no âmbito da disciplina dele, no qualusei as metodologias que são comuns na área dos estudosjornalísticos hoje em dia.

A evolução deu-se graças ainda à emergência de cursossuperiores de comunicação social em que se começa a terum bom corpo docente, bem formado. Estou a lembrar-me por exemplo da Universidade do Minho, daUniversidade da Beira Interior, da Universidade Nova deLisboa. Tudo isto cria um contexto favorável ao sucessodos estudos jornalísticos.

Há um progresso comparando com o que havia em 1997,se não estou em erro, não deverei andar muito longe da ver-dade se disser que a minha tese de doutoramento é uma dasprimeiras cinco teses em jornalismo que há em Portugal,feita por autores portugueses. Estamos a falar de um campoque se foi consolidando significativamente ao longo destes20 anos. Certo é que têm aparecido colegas que eu reputo debrilhantes. A Isabel Ferin… a Carla Baptista, a Ana Cabrera,na História do Jornalismo, obviamente também deve serreconhecido o papel, pelo pioneirismo, da tese do professorPaquete de Oliveira. Há tanta gente! O João Carlos Correia,também o João Canavilhas, o Helder Bastos, na área dociberjornalismo, recentemente o Fernando Zamith. Tambéma Cristina Ponte, o Rogério Santos. Tem aparecido umacomunidade de investigadores muito sólidos, muito bri -lhante, muito perseverante.

Para o bem e para o mal, escrevemos em Português eesse é um fator limitativo, infelizmente. Embora eu con-sidere que em ciência o que vale é o que é dito e não a

forma como é dito, há que reconhecer que o facto de seescrever ou não em inglês potencia a projeção interna-cional da nossa comunidade de pesquisadores em jornal-ismo. Eu acho que a nossa comunidade é muito conheci-da e reconhecida no mundo lusófono, mas fora do mundolusófono já não o é, precisamente por causa da barreira dalíngua, porque nós temos dos melhores pesquisadoresque já vi em termos de consistência e de interesse na pro-dução. Como conclusão, foi uma evolução exponencial e

muito positiva. JJ - Tiveste o privilégio de acom-

panhar esta evolução desde o

início, ainda há muito para fazer?

JPS - À medida que o própriojornalismo vai evoluindo eque os media e a comunicaçãosocial vão evoluindo obvia-mente vão-se encontrandonovos objetos que despertamo interesse. Basta pensar nofenómeno do aproveitamentode sinergias nas redaçõeshipermediáticas, nas novasresponsabilidades, competên-

cias e conhecimentos que são reconhecidos e exigidos aosjornalistas. Temos aqui um manancial de estudo fantásticoe possível. Oxalá haja abertura dos órgãos de comunicaçãosocial para aceitarem que os estudiosos vão para asredações e tentem perceber o que se passa.

Todos sabemos que a área da comunicação está nummomento de transformação acentuada por causa do digi-tal. Tal como nos últimos 20 anos se alterou imenso o par-adigma dos estudos jornalísticos, também mudou imensoo panorama da comunicação. Ao ponto de nos question-armos: é jornalismo ou produção de conteúdos? Eu pensoque o jornalismo deve ser configurado como um campo.Específico, com as suas fronteiras, de contrário há umaperda ou uma diluição da sua identidade.JJ - Há pouco, referiste a importância da abertura das reda-

ções aos investigadores, por vezes esse é um problema, a

relação entre investigadores e jornalistas…

JPS - Quando fiz a minha tese de doutoramento, fiz doisperíodos, um de 15 dias e outro de três semanas, de obser-vação participante em redação. Houve um jornalista que medisse: Você é um espião! Eu não o quero cá! Penso que essetipo de resistência já está um pouco ultrapassada, atéporque os jornalistas cada vez mais se formam em cursos decomunicação e compreendem melhor a necessidade dessaaproximação. Mas nessa altura o facto é que fui entendidocomo um espião e não como alguém que estava ali pararealizar um trabalho de investigação com um objetivo muitosimples, tentar compreender melhor o processo de pro-dução, neste caso específico na área do fotojornalismo.

Já existe uma abertura, como disse, decorre do facto deos jornalistas terem crescentemente uma formação uni-

ENTREVISTA Jorge Pedro Sousa

"Quando fiz a minha tese de doutoramento, fiz dois períodos, um de 15 diase outro de três semanas,de observação participante em redação.Houve um jornalista queme disse: Você é umespião! Eu não o quero cá!"

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versitária e até uma formação específica em ciências dacomunicação - desejaria eu que fosse em Jornalismo. Aliás,eu até sou adepto da obrigatoriedade do diploma paraexercício da profissão. Eu penso que isto faz parte dasocio logia das profissões. Tal como um médico precisa dodiploma, o jornalismo entendido como profissão liberaldeveria exigir um diploma específico. Isto tem que vercom a trajetória do campo, só nos anos 40 tivemos umsindicato que começou a distinguir especificamente quemera jornalista profissional dos jornalistas por ocupação.Acho que a obrigatoriedade do diploma traria muitas van-tagens identitárias e de definição do campo. Mas sei queeste é um assunto polémico.JJ - Aludiste à língua e à dificuldade de em português os

investigadores portugueses conseguirem uma projeção

internacional. Decorrendo dessa linha de pensamento, que

comparação te ocorre fazer entre a investigação internacio-

nal e a portuguesa?

JPS - Eu acho que a nossa é tão boa quanto as melhores.Como disse, temos excelentes protagonistas no campo dainvestigação em jornalismo e nos estudos dos media. Pensoque a nossa competência e capacidade para fazer coisasnovas está gradualmente a ser reconhecida pelos nossospares. Embora numa primeira fase sobretudo no mundolusófono, e estamos a falar de um grande universo.

Isto é uma vantagem ou um inconveniente?Escrevermos na nossa própria língua? Eu acho que nuncapoderemos abdicar de produzir conhecimento na nossaprópria língua. Há um espaço que poderemos explorarproduzindo na nossa própria língua, que é o espaçodaqueles que nos entendem mesmo que não falem anossa língua, todo o espaço ibero-americano, que é bas-tante vasto. Grande parte da minha atuação enquantoinvestigador e responsável por eventos tem sido nessadireção, apostar no espaço ibero-americano. Podemos nãofalar as mesmas línguas, falamos línguas próximas eentendemo-nos. Estou con-vencido de que este tambémpoderá ser um caminho pos-sível para a projeção interna-cional da investigação que sefaz em Portugal.

Agora, à escala de todo omundo, aí é inevitável: temde ser em inglês. Há quemdiga que com o avanço dostradutores automáticos nofuturo não vai ser precisodominar outras línguas! Ostradutores automáticos farão tudo! Mas não é um cenáriopróximo. JJ - Relativamente aos caminhos a curto prazo na investiga-

ção em Portugal, é possível identificar três áreas prioritárias

e inevitáveis em termos de investigação?

JPS - Prioritárias e inevitáveis? Eu acho que há muito a

fazer na área da história da comunicação e do jornalismoem particular. Além da obra pioneira e fulcral do JoséTengarrinha sobre a imprensa no período da monarquia,surgiu recentemente uma história da imprensa desportiva,do Francisco Pinheiro. Mas outras obras de grande pro-jeção e globais sobre a história da imprensa… não surgiunenhuma. Há obras particulares. Por exemplo, a CarlaBaptista tem um trabalho muito interessante sobre a políti-ca nos jornais e as relações entre jornalistas e políticos emPortugal ao longo do tempo. Há também algumas obrascomo a da Rosa Sobreira, sobre os jornalistas durante oEstado Novo. Mas faltam histórias de jornalismo de publi-

cações, uma história de jornalismo naPrimeira República, no Estado Novo, até àatualidade. Eu próprio, bem como o profes-sor Eurico Dias, tenho-me debruçado sobre ahistória dos primeiros jornais portugueses, aGazeta, alcunhada da Restauração, e oMercurio Portuguez. Ninguém estudou afundo a Gazeta de Lisboa.

Uma segunda área que me pareceinevitável e de interesse relevante é estudarestas transformações que o jornalismo está aenfrentar hoje. Os desafios que se colocam àidentidade dos jornalistas, à formação dos

jornalistas. Isto parece-me também vital. Como é que o di -gital, o hipermédia, a formação de redações que trabalhamao mesmo tempo a rádio, a televisão, a imprensa, o online,como é que isso está a afetar o jornalismo, que novasmodalidades de formação exige? Quais as alterações nasrotinas produtivas? Esta parece-me uma área inevitável.

Jorge Pedro Sousa

Jorge Pedro Sousa, poucos saberão, cursou Biologia naUniversidade do Porto e optou posteriormente porprosseguir estudos em Jornalismo, acabando por sedoutorar (1997) em Ciências da Informação naUniversidade de Santiago de Compostela, emEspanha. Iniciou a carreira universitária como docentena Escola Superior de Jornalismo (1992) e transitoupara a UFP em 1994. Coordenador dos estágios na área de jornalismo naUFP, leciona Teoria da Comunicação e dos Media,Teoria e História do Jornalismo, Metodologias deAnálise de Dados Qualitativas, JornalismoEspecializado II e Cultura e Media. É autor de diversos livros e gosta especialmente detrabalhar em equipa. Por isso, destaca a relevância dasobras coletivas: A Gazeta "da Restauração", PrimeiroPeriódico Português: Uma Análise do Discurso (2011),António Rodrigues Sampaio: Jornalista (e) Político noPortugal Oitocentista (2011), O PensamentoJornalístico Português: Das Origens a Abril de 1974(2010) e As Relações de Manuel Severim de Faria e aGénese do Jornalismo Lusófono (2006).

"Acho que a obrigatoriedade do diploma traria muitas vantagens identitárias e de definição do campo. Mas sei que este é um assunto polémico"

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Uma terceira área que me parece muito relevante paraos estudos jornalísticos tem que ver com jornalismo e políti-ca, jornalismo e economia, jornalismo e poder, em suma.Parece-me fundamental continuar a perceber-se como éque o jornalismo se interliga, conecta, influencia e é influ-enciado pelos poderes, eu até diria neste momento tambémpelo poder desportivo. Também tem de se ponderar opoder das instituições desportivas, sobretudo do futebol.Parece-me importante como ocorre no presente e historica-mente quais as consequências que tem. Estas três áreas,uma mais voltada para o passado e duas parao presente, parecem-me fundamentais.JJ - A tua área de estudo fundamental é a his-

tória do jornalismo….

JPS - Agora é, mas nem sempre foi. É ahistória do jornalismo e também a história dopensamento jornalístico em Portugal. O queeu tentei provar é que já se pensa o jornalis-mo em Portugal desde o século XVII. Aprimeira obra de que eu tenho conhecimen-to, e que li, onde se teoriza sobre o jornalis-mo, e neste caso sobre a verdade e a mentiraem jornalismo em Portugal, é uma obra doséculo XVII escrita no contexto das guerrasda restauração da independência. Há teoriza-ção sobre o jornalismo em Portugal desde que há jornalis-mo. Entender o que foi o pensamento jornalístico por-tuguês explica muito do que foi o jornalismo em Portugalao longo de séculos até 1974. Perceber o pensamento jor-nalístico português, como ele se constituiu e como evoluiu,permite ver que há produção intelectual portuguesa sobrejornalismo muito interessante e relevante ao longo dostempos. É pena é que muitas vezes estas obras ficam a gan-har pó nas bibliotecas. Escreveu-se muito e de forma muitointeressante sobre jornalismo em Portugal. JJ - E a partir daqui, é para prosseguir com o projeto dos jor-

nais do século XVII?

JPS - O projeto que tenho neste momento é o dos jornais doséculo XVII em Portugal e na Europa. Mas a parte daEuropa é um termo de comparação, porque a ênfase é clarono jornalismo português. Devo dizer que em termos com-parativos não há muitas diferenças entre os nossos periódi-cos e os europeus, a ênfase é no que toca à periodicidade.Os nossos periódicos são mensais, mas em países como aAlemanha no século XVII já temos diários. Essa é umadiferença significativa. A informação no século XVII fluiuem Portugal de uma forma mais lenta do que fluía noutrospontos da Europa, designadamente na Alemanha. Emrelação a Inglaterra a diferença ainda é maior, porque emInglaterra já temos jornais políticos, sobretudo a partir dofinal do século XVII. Embora os nossos periódicos tenhamum carácter político, não são estruturalmente políticos. Elespublicam essencialmente notícias, que são enquadradas deforma a favorecer causas, ideologias, personagens. Quer aGazeta quer o Mercurio Portuguez defendem aRestauração, com notícias que são enquadradas de deter-

minada maneira. São periódicos noticiosos com um papelpolítico, propagandístico, que é inegável. Mas emInglaterra são assumidamente políticos. O nosso modelo éo modelo francês, o modelo da Gazette, de Renaudot.JJ - Em que estado está o ensino do Jornalismo em Portugal?

JPS - O problema é que não nos estamos a adaptar à con-juntura, as universidades deveriam ser o lugar onde seexperimenta o que é novo. Não veria com maus olhos terengenheiros a ensinar nos cursos de jornalismo, a ensinardeterminado tipo de ferramentas. Acho que os cursos de

jornalismo têm de aceitar eorientar-se um pouco paraesta tecnologização, usandoeste neologismo, da socie -dade. É inevitável que os cur-sos de jornalismo não se limi -tem a adaptar-se, têm de ir àfrente. É isso que eu não vejoa universidade portuguesa afazer nos cursos de jornalis-mo. Podemos ter excelentesinvestigadores, mas precisa -ríamos de ter excelentes pro-fessores, que fossem capazesde testar aquilo que venham a

ser as soluções de futuro. Não sei se a universidade por-tuguesa com os seus arcaísmos está preparada para aceitaresses fatores, mas é isso que vai fazer progredir a própriaprofissão, o jornalismo. As universidades deveriam ser la -boratórios onde se ensaiassem essas soluções. O papel dauniversidade é ir à frente e ensaiar soluções, mesmo quesejam soluções e ideias que não resultem, mas é este opapel. As universidades devem ser o local onde se produzconhecimento e não apenas o local onde se transmite co -nhecimento. Isso consegue-se pela investigação e pelainvestigação aplicada a novas ideias. A nossa investigaçãotem sido reconhecida, mas é sobretudo em matéria deexplicação do campo. Se calhar no tempo presente isso nãobasta e temos de partir para uma investigação que procureaplicar novas ideias em ambiente laboratorial e ensinar. JJ - Qual o papel dos alunos? Eles estão preparados para a

necessidade do empreendedorismo e até para as novas tec-

nologias?

JPS - É mais o esquema mental do que a competência tec-nológica, eles são mais competentes tecnologicamente.Familiarizam-se com a tecnologia desde pequenos. Mas secalhar não estão muito preparados para estas ruturas quea universidade tem de fazer, isso também tem que vercom a própria cultura do país. É difícil mudar a forma dever, quando essas formas estão consolidadas. E há umacultura universitária no país e é difícil mudar. Mas pensoque tal como nas faculdades de engenharia se ensaia, emáreas como a comunicação, que não são puramentehumanidades, não são puramente ciências sociais, quetêm, ou deveriam ter, uma componente tecnológica subs -tancial e forte, também nos deveríamos comportar como

ENTREVISTA Jorge Pedro Sousa

"Não veria com maus olhos ter engenheiros a ensinar nos cursos de jornalismo, a ensinar determinado tipo deferramentas. Os cursos de jornalismo têm de aceitar e orientar-se um pouco para esta tecnologização"

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as faculdades de engenharia e propor novas formas defazer. E há universidades onde isso se faz, estou a pensarno MIT, onde se testam soluções. Por exemplo, robôs quefazem notícias! Este tipo de ideias… espero que nuncavenham a ser aplicadas, mas não deixam de ser um ensaioque mostra que a universidade vai à frente da própriaindústria. Penso que a universidade deveria ir à frente eseguir de guia. Mas há muita coisa que se faz bem nas uni-versidades portuguesas, levar os alunos a criticar, a com-preender melhor o seu trabalho, como fazer melhor umareportagem. Nisso tudo a universidade vai se calhar àfrente da indústria, mas na tecnologia não. O que fazemosé dar rotinas às pessoas, para que consigam desenvenci -lharem-se quando chegam ao trabalho.

GT DE JORNALISMO E SOCIEDADEPREPARA REVISTA E ENCONTRO

JJ - Que atividades estão a ser preparadas pelo GT de

Jornalismo e Sociedade da SOPCOM?

JPS - O GT de uma sociedade científica, primeiro, não sevai substituir a centros de investigação, nem é esse opapel. O papel é criar mais um interface que agrupe todosos investigadores portugueses na área do jornalismo eque sejam sócios da SOPCOM, a sociedade que represen-ta todos os investigadores portugueses na área da comu-nicação. Esta é a associação que nos deve apadrinhar atodos. O GT é uma plataforma que pode agrupar os inves-tigadores portugueses na área do jornalismo, todos inde-pendentemente dos centros de investigação, agrupar etentar criar espaços de aproveitamento de sinergias. E ten-tar projetar a investigação que se faz em Portugal. O queo GT pode fazer? Além de ter o seu espaço que sempreteve nos congressos da SOPCOM, o que pretendemosfazer são duas ou três coisas simples.

Primeiro, vamos constituir uma comissão científicacom os doutores em jornalis-mo ou na área do jornalismoque são membros da SOP-COM e do GT. Esta comissãovai ter dois espaços de atu-ação fundamentais: vai arbi-trar comunicações e moderarmesas em congressos e vai sera comissão científica de umarevista de estudos jornalísti-cos que vai ser criada. Aindanão tem nome, até poderá serJornalismo e Sociedade, que éa designação do GT, mas cer-tamente será online, isso éfundamental. Nos anos em que não houver congresso,pretendemos organizar um encontro do GT. Foi isto quenos propusemos a fazer e é o que vamos fazer, a comissãocientifica, a revista e ter um encontro em 2012.

JJ - Até agora, falámos mais da investigação sobre o jorna-

lismo. Para terminar, quais são os grandes desafios que se

colocam ao jornalismo e como é que a investigação poderá

ajudar a colmatar algumas dificuldades?

JPS - O grande desafio que se coloca ao jornalismo é todoeste processo desencadeado pela digitalização que vaireconverter as redações, as práticas profissionais, a relaçãodos jornalistas com o seu ecossistema. A investigação de -verá, por um lado, compreender o que se está a passar e,por outro, eventualmente seguir naquela ideia de farol a

apontar caminhos. Esse parece-me natural-mente o grande desafio que se coloca ao jor-nalismo na atualidade, a superação destagrande mudança de paradigma que está adesenvolver-se a uma velocidade vertiginosae às vezes sem que os jornalistas tenhamtempo para pensar e os responsáveis pelasempresas tenham tempo para pensar nelas.

A universidade tem esse papel de pensar ede esclarecer como é que as coisas estão aocorrer e eventualmente apontar possíveiscaminhos que possam ser seguidos. As uni-versidades terão competências para issomesmo, pois são constituídas por corposdocentes com pessoas de diferentes áreas.

Voltaríamos ao que disse há pouco, não me repugnaria queos engenheiros tivessem um papel nos cursos de jornalismoe que trabalhassem em cooperação. Mas também há quereconhecer, não há muitos meios e financiamentos!

"As universidades devem ser o local onde se produz conhecimento e não apenas o local onde se transmite conhecimento. Isso consegue-sepela investigação e pelainvestigação aplicadaa novas ideias"

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Deus vem a público - entrevistas sobre atranscendência - I volumeANTÓNIO MARUJO Pedra Angular, 473 pp. 2011

Texto Silas Oliveira

Começar por três teólogosalemães - um católico, umprotestante e um judeu -

pode ser o modo de abrir este livro.Nascidos nos anos 20 do séculofindo, eram adolescentes noprincípio da II Guerra, que lhesmarcou as vidas e o pensamento. O católico Johann Baptist Metz e oprotestante Jurgen Moltmann foramincorporados no exército com 16 e 18anos, viram morrer os companheirose despertam para a teologia pornecessidade de compreender aviolência, o sofrimento e a culpa, queconduzem à questão que atravessa aBíblia, dos Salmos a Job e às últimaspalavras de Jesus: “Meu Deus, porque me abandonaste?” O judeu Albert Friedlander escapacom a família em 1939, passa porLisboa a caminho dos EUA, onde faza sua formação teológica, vindo a serprofessor e rabi em várias sinagogasamericanas, mais tarde em Londres.Todos três deixam uma obra compontos comuns: uma teologia daresponsabilidade política, da defesada justiça, da atenção ao sofrimentohumano e, por este lado, daesperança. Os dois primeiros tiveraminfluência no nascimento da Teologiada Libertação, na América Latina.Albert Friedlander fez o seu percursono espaço do judaísmo liberal, estevena luta pelos direitos cívicos dirigidapor Martin Luther King e no diálogointer-religioso. Mas este não é só um livro sobre ofenómeno religioso e a sua maior oumenor presença no espaço público,como pode sugerir o título. É sobre opoder da palavra, do silêncio, damemória, da música. Crentes oudescrentes de diversas linhas vêmaqui a público. Como o escritor Erri

Jornal | Livros

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O jornalistaAntónio Marujoreuniu neste volumemais de meia centenade entrevistas que fez parao Público ao longo de vinteanos, com personalidadesestrangeiras

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de Luca, que estudou o hebraicoantigo para começar os dias comtextos da Bíblia: “As palavras que liade manhã, especialmente quandotrabalhava como operário, tinha-ascomo companhia para o resto do dia.Remastigava-as no trabalho dasobras e fazia como se fosse um

caroço de azeitona que me ficavana boca.”

Ou como Jordi Savall: “O sentidodo sacro - que não significa

necessariamente religioso - é que ohomem é sagrado, as palavras sãosagradas (…). Se utilizamos apenas abeleza, estamos a perverter,utilizamos algo somente exterior esuperficial. Esse é o princípio dadecadência.” Ou como o realizadorPhilipp Groning, autor de O GrandeSilêncio, filmado na Grande Cartuxade Grenoble: “Um filme conseguidoabre o espaço às pessoas para queencontrem a sua própria questão;(…) coloca-nos num campo detensão entre o silêncio, o barulho, oritmo, a ausência das palavras, aausência de Deus, a presença deDeus, e cada um pode procurar oseu caminho por dentro.” O livro contém uma reflexão(oportuna) sobre o significado daEuropa. Rémi Brague, autor deEurope, la Voie Romaine, lembra que aEuropa é sobretudo uma “identidadeexcêntrica”, isto é, os valores emrelação aos quais se definiu vêm deoutro lugar, são periféricos: Atenas,Jerusalém, mais tarde Bizâncio. Aestrada (aqueduto) da civilizaçãoromana limita-se a transportar aágua que vem dessas fontes. Eoutra, não menos oportuna, sobre aPalestina. Elias Chacour, palestinianocristão, expulso da sua aldeia comoito anos, hoje Arcebispo da IgrejaCatólica Melquita, disse a ShimonPeres que, se os judeus esperaramdois mil anos para regressar, ospalestinianos estão dispostos aesperar outros dois mil.Outra ainda sobre a economia; PedroMeca, dominicano basco quetrabalha com os sem-abrigo de Paris:“Na nossa sociedade, alguém que

não trabalhe não tem identidade,não conta. Porquê? Há muitos quenão trabalham e que contam. (…)Um especulador não trabalha, nãoproduz. (…) Todavia, é muitoconsiderado.” Há os teólogos católicos silenciadospela sua própria Igreja, aqui bemrepresentados, incluindo teólogasdefensoras do acesso da mulher aosacerdócio. E pessoas como AgaKhan, líder dos muçulmanos datradição xiita ismaili; o Dalai Lama,do budismo tibetano; Asma Barlas,teóloga muçulmana que critica aexegese patriarcal do Alcorão.O jornalista António Marujo reuniuneste volume mais de meia centenade entrevistas que fez para o Públicoao longo de vinte anos, compersonalidades estrangeiras. Temquase pronto o segundo volume,com entrevistas feitas a portugueses.

Trabalhos e paixões de FernandoAssis PachecoNUNO COSTA SANTOSTinta da China, Lisboa, 2012

Texto Carla Baptista

Nuno Costa Santos, escritor eguionista, refere naintrodução deste livro que o

mesmo se desenvolveu ao longo dequatro anos de pesquisas econversas com familiares e amigosde Assis Pacheco e que não resultoulongo (212 pp) "para respeitar oretratado, que não admitiria que seescrevesse um calhamaço sobre asua sempre auto-irónica figura".

O texto assume-se como uma"crónica biográfica", devolvendosobretudo "o Assis luminoso, o Assisfamiliar, o Assis dos prazeres, o Assissem fardas, mas também o Assis dastruculências de ocasião", numavontade firme de resistir ao estiloépico de certas biografias e sintonizar-se com a personalidade exuberante de

alguém que "gramava andar por cá"mas sabia que iria, com uma "saudadeburra", dizer adeus a tudo isto.

É portanto um livro que deseja"não chatear ninguém e celebrar oFernando Assis Pacheco", que se lêcom grande prazer pelo encontroque proporciona com essa figura queoscilava entre o sol dos dias e ocrepúsculo das noites, escritor, poeta,jornalista, gastrónomo, que queriaviver "com um pé na primavera", a"abrir janelas ao sol de Maio".

O gosto pela alegria só cedeu àmelancolia nos últimos meses devida, já consumido pela doençacardíaca que o iria matar de formafulminante, apenas com 58 anos, eque lhe foi vazando o mel dos olhose alimentando visões da morte,algumas delas vertidas em poemaspremonitórios, sobretudo emRespiração Assistida, o seu últimolivro de poesia, editadopostumamente em 2003.

Nas suas próprias palavras, foi um"pasmado sem cura. Tudo meespanta, gramo a vida, quero morrermais lá para o Verão". Autor de 12livros de poesia, dois de ficção, um dejornalismo (Memórias de um craque,compilando as crónicas futebolísticasque escreveu n' A Bola) e tradutor deGarcia Marquez e Pablo Neruda. Semcontar com as centenas? milhares? detextos espalhados por dezenas dejornais e revistas.

Tudo feito "sem palavreadograndiloquente", com um humorfortíssimo dizem que herdado damãe, por alguém que andava deautocarro e a pé, almoçava nastascas, passeava um casacodemasiado velho para um jornalistasénior que até ganhava bem, mas,literariamente falando, "sabia detudo". Nas palavras de um amigo:"achava o luxo obsceno", e fazia dissouma preocupação tão visceral que adeixou escrita no Soneto aos filhos:"não peço nada usai meu nome/sevos apraz lembrai-me/o que forcostume/mas livrai-vos do luxo e dasoberba".

Dizia que era "um versejador, não

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um poeta" ou "a versão em verso deum narrador e de um jornalista",uma vocação atribuída ao facto de,em Coimbra, ter nascido narua Guerra Junqueiro,vivido na Antero deQuental e, em Angola, naBarbosa do Bocage.

O jornalismo foi a sua"profissão dominante".Começou no Diário de Lisboaem 1965, propriedade dafamília da mulher, na alturadirigido pelo cunhado, AntónioPedro Ruella Ramos, tendo VítorDireito como chefe de redacção.A memória desse começo ficouescrita pelo próprio: "Fui para umsítio correcto onde pude pôr arender os meus conhecimentosnarrativos mínimos, uma culturageral acima da média, um certo gostopela cidade - sempre gostei de andarà pata pela cidade, a falar compessoas - e um ouvido de tísico".

Não demorou muito a criar "oestilo assis pachequiano", feito defrases geniais que iluminavam otexto todo, enraizado no quotidiano,visto com sentimento e lirismo,cultivando a metáfora elegante. Assuas personagens, diz o biógrafo,"não eram os homens públicos. Eramas pessoas de apelido simples ecoração anónimo. Não as tratava àmaneira heróica do neo-realismo.Fazia-as falar e respirar".

Acabou por sair do DL em 1971,juntamente com uma fornada dejornalistas que foram renovar (e nãofundar, como erradamente se lê napágina 65) a redacção do República,na sequência de desentendimentoscausados pela mudança para o offset.

O DL foi o primeiro a fazer essatransição técnica, vivida comdramatismo, que acabou com ostipógrafos nos jornais, atrasou ediçõese pôs toda a gente mal disposta. Pelomeio, colaborava com a revista Ele e ojornal Musicalíssimo e, mais tarde,seria director adjunto do Sete.

Talvez o auge da sua carreirajornalística tenha acontecido n' OJornal, do qual foi fundador, em 1979,

juntamente com José CarlosVasconcelos, Pedro Rafael dos Santos,José Silva Pinto, Afonso Praça e outrosdo mesmo calibre. Tornou-seassumidamente um jornalista cultural.Assinava a coluna Bookcionário, ondefalava das suas paixões literárias, naantítese "do sangue frio e da quietudetáctica de um lagarto dos muros", mastambém foi pivô de informaçãocultural na RTP, em programas comoEscrever é Lutar e Ao Vivo.

Derreteu-se muitas vezes, aospedaços, pelos textos. Ele próprioassim se definiu: "deita-se namoulinex e tira-se um caldo: sou eu".Deixou resumido o segredo da suaarte jornalística: "para um jornalistao conhecimento dos outros homens,isto é, do homem, se não for paixãonão é coisa nenhuma e então de quevale a pena ser jornalista?".

Jornal | Livros

JJ

As suas personagens,diz o biógrafo, “não eramos homens públicos.Eram as pessoasde apelido simplese coração anónimo”

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Jornal|SitesPor Mário Rui Cardoso > [email protected]

www.huffingtonpost.com

O primeiro Pulitzer para uma p

Ao fim de oito anos de existência, o Huffington Post

conquistou o seu primeiro Pulitzer, ganhando,desta forma, a legitimidade que lhe faltava junto

de uma classe jornalística muito crítica relativamenteaos procedimentos adoptados pela publicação fundadae dirigida por Arianna Huffington. O prémiodistinguiu, na categoria de reportagem nacional, otrabalho de David Wood(www.huffingtonpost.com/news/beyond-the-battlefield) sobreas dificuldades que enfrentam os soldados americanosno Afeganistão e no Iraque ao regressarem a casa, apósterem sofrido ferimentos graves. Para um “site”noticioso – sem edição em papel – que se constituiu emvertiginoso sucesso de audiências mas a que faltava oreconhecimento dos pares, o Pulitzer foi a cereja emcima do bolo.

Justifica-se, por isso, dar atenção ao magnífico textoassinado por Michael Shapiro, na Columbia Journalism

Review

(www.cjr.org/cover_story/six_degrees_of_aggregation.php?page

=all), sobre a ascensão e ascensão – por enquanto, não se

vislumbram sinais de queda – deste fenómeno dasnotícias na Net. Shapiro relata, de forma exaustiva, comouma ideia do antigo vice-presidente executivo da AOL,Kenneth Lerer, para travar as aspirações da NationalRifle Assotiation acabou por tornar-se na página denotícias mais visitada na Web, nos EUA, com 1,2 milmilhões de “pageviews” por mês. O que sobressai dotexto de Shapiro é a constatação de que o êxito doHuffPost não foi fruto do acaso, pelo contrário, resultoude uma combinação feliz de vontades, talentos e muitoestudo, assim como da aplicação determinada do métodode tentativa e erro.

Em 2003, tendo já abandonado a AOL, Lererconvenceu-se de que conseguiria evitar que a interdiçãode armas de assalto, decretada por Bill Clinton, expirasseno ano seguinte. Entrou em contacto com Jonah Peretti,um “guru” dos media virais, que, anos antes, expusera aNike a uma intensa humilhação pública, ao denunciar autilização, pela multinacional, de crianças asiáticas para ofabrico dos “sneakers” vendidos no Ocidente. Para oefeito engendrou um “ovo de colombo”, que se

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a publicação controversapropagou rapidamente, primeiro pelos e-mails, na Net, edepois por todos os principais media americanos.

A parceria Lerer-Peretti fracassou com a National RifleAssociation – a proibição viria mesmo a expirar –, masLerer não prescindiu dos serviços do seu novo amigopara outro desafio. À semelhança de boa parte dasociedade americana, Lerer acreditava que era possívelimpedir a reeleição de George W. Bush, em 2004. E quisdar o seu contributo, criando algo que pudesse servir decontraponto liberal à influência de Matt Drudge(www.drudgereport.com). O Drudge Report era – e continuaa ser – um poderoso agregador de notícias de inspiraçãoconservadora. Lerer sonhava com alguma coisa domesmo estilo para o campo da esquerda.

Assim, foi por intermédio de Kenneth Lerer quePeretti, na altura já com um sólido conhecimento teóricodo fenómeno da propagação em redes – era tambémproprietário de um laboratório de “Contagious Media”,em Nova Iorque –, conheceu Arianna Huffington, umaamericana de ascendência grega conhecida pela extremafacilidade com que fazia amizades e montava redes decontactos, nomeadamente em Los Angeles, a Meca dascelebridades.

O HuffPost nasceu numa reunião, em 2004, em casa deArianna, na qual participaram cerca de 30 personalidadesda vida pública norte-americana envolvidas nacampanha contra Bush. A ideia inicial assentou em criaruma plataforma de blogues – um género em ascensãorápida, na altura – e tirar o máximo partido do contextoentão emergente, em que o modelo vertical de difusãode informação, seguido pelos meios tradicionais,começava a perder terreno em favor de uma novarealidade na qual “mesmo um tipo todo o dia de pijamapodia publicar”. Lerer reuniu o dinheiro. Perettidesenhou o conceito: o “site” teria de ser viral efidelizador; os utilizadores teriam de sentir vontade devoltar e de partilhar os conteúdos do HuffPost; e, paraisso, os primeiros “bloggers” teriam de ser celebridades.Aqui entrou Arianna. Arthur Schlesinger, Larry David,John Cusack e Harry Shearer, todos amigos de AriannaHuffington, inauguraram a publicação e o impacto foiimediato. Atrás vieram centenas de “bloggers”, uns

anónimos e outros mais ou menos célebres, queencontraram no HuffPost uma plataforma parapublicarem e serem lidos. Em 2006, Arianna já apareciaincluída na lista das 100 personalidades mais influentesda revista Time, juntamente com… Matt Drudge.

Desde então, o “site” teve uma escalada imparável, atéà sua aquisição pela AOL, em 2011, situação a que não foialheia a entrada para a direcção, a dada altura, de PaulBerry, um antigo aluno de Peretti especializado emmedição de tráfego. Berry tornou-se um elemento crucialpara o HuffPost, ao instituir um modelo que privilegiava,acima de tudo, a popularidade dos conteúdos e em quese podia apostar em qualquer coisa para publicar, semmedo de errar. Aos jornalistas da redacção cabiafundamentalmente seleccionar blogues, “slideshows”,“takes” de agências e “links” para notícias de outrosmeios e aferir, a cada momento, a popularidade dessesconteúdos, através de sofisticados meios de medição de“pageviews” e comentários. A competição por“pageviews” e comentários tornou-se numa espécie dejogo entre os jornalistas, na maioria muito novos e quasesempre em trânsito no HuffPost, dado que muitoscansaram-se de não estar a produzir trabalhosjornalísticos originais e acabaram por sair. Foi sempreessa, aliás, a principal crítica à publicação de AriannaHuffington, nos meios jornalísticos: limitar-se a serpouco mais do que um agregador de notícias – e fazermuito dinheiro com isso.

A verdade, também, no entanto, é que, apesar de tercontinuado sempre a funcionar essencialmente damesma maneira, à medida que foi crescendo oHuffington Post alargou a produção própria, entregue ajornalistas experientes contratados a meiosestabelecidos, como o New York Times ou a Newsweek.David Wood, por exemplo, é jornalista desde 1970 eescreveu para publicações como a Time ou o Los Angeles

Times. E o facto de se ter mudado para a redacção deArianna “não mudou nada” na sua forma de trabalhar,segundo afirmou, após ter recebido o Pulitzer. A únicadiferença foi ter tido no Huffington Post, pela primeiravez na sua carreira, “oito meses para trabalhar numahistória”.

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Jornal|Sites

www.poynter.org/latest-news/media-lab/mobile-media/168545/aol-websites-give-best-stories-a-second-life-in-

weekly-ipad-magazines

O novo fôlego da AOL

AAOL (antiga America Online, www.aol.com) estápara a Internet nos EUA como a Telepac para aWeb nacional. Foi essencial nos primórdios da

comercialização desta tecnologia, mas perdeuimportância nos anos seguintes. Porém, a mítica marcaamericana tem procurado uma segunda vida, primeirocom a bem sucedida aquisição do Huffington Post e agoratentando explorar da melhor forma as novasplataformas iPad e Android.

Como explica Jeff Sonderman, no “site” do Poynter

Institute, a AOL parece estar a desbravar um caminho desucesso para um modelo híbrido de informação queconjuga a velocidade estontetante e a natureza efémeradas notícias na Net com a leitura paciente e demoradacaracterística dos meios impressos, em particular daspublicações semanais. A primeira experiência chama-seDistro. Trata-se de uma app para iPad e Android quepega em conteúdos seleccionados do blogue detecnologias Engadget (www.engadget.com, pertencente aouniverso AOL) e apresenta-os de uma formaaprofundada. O Engadget contém, quase exclusivamente,notícias breves do mundo das tecnologias. Na Distro,semanalmente, são escolhidos alguns desses materiais e

submetidos a um tratamento diferente, que pode passar,por exemplo, por entrevistas ou análises técnicasdetalhadas de produtos. A abordagem é diferentetambém ao nível da apresentação gráfica dos materiais,que é muito simples no caso do Engadget eextremamente cuidada no que se refere à Distro. Esta emnada fica a dever, do ponto de vista gráfico, a revistasimpressas de reconhecido mérito no género, como aWired.

Os responsáveis da AOL rejubilam com os números,para já. Enquanto as visitas “online” à Engadget duram,em média, menos de um minuto, com a Distro os leitoresperdem mais de dez minutos. E as críticas são muitopositivas. De modo que, na empresa, já se pensa emexpandir o modelo para outros “sites” do universo AOL,a começar pelo Huffington Post, também ele repleto deconteúdos efémeros e tratados pela rama. Por enquanto,a AOL disponibiliza estas apps de forma gratuita e pensacontinuar a fazê-lo, mas o objectivo é vendê-las um dia.Até porque, como sublinha David Temkin, vice-presidente para a área de conteúdos móveis da AOL, “aDistro tem realmente ar de alguma coisa que pagámospara ter”.

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http://www.pulitzer.org/works/2012-Breaking-News-Reporting?tw_p=twt

Como o Twitter ajudou a ganharum Pulitzer

Não terá sido desta, ainda, que se chegou ao consenso sobre asvirtudes do Twitter para o desempenho da profissão de jornalista.Mas a atribuição do Pulitzer, na categoria de Breaking News, ao

Tuscaloosa News (www.tuscaloosanews.com), pela cobertura em tempo real dosefeitos de um furacão no Alabama, foi mais um degrau na afirmação dessaferramenta que se vai tornando omnipresente no mundo das notícias.

Quando o tornado passou por Tuscaloosa, em Abril de 2011, a regiãopermaneceu vários dias sem energia nem telefones, pelo que a redacçãodo Tuscaloosa News ficou limitada a apenas alguns computadoresalimentados por geradores e aos envios de “tweets” pelos seus repórteresnos locais. Recorrendo a fotografias e aos textos de 140 caracteres, osjornalistas contaram a catástrofe de fio a pavio, em tempo real, sendoque, em muitos casos, puderam inclusivamente ser úteis aos serviços desocorro, que confiaram nos relatos desses “tweets” para decidir aondeacorrer primeiro. Obviamente que o Pulitzer não premiou apenas estavertente, mas sim todo o conjunto do trabalho efectuado, que incluiureportagem clássica, fotojornalismo e até um localizador que ajudoucentenas de pessoas a encontrarem os seus familiares, depois daintempérie. Mas a forma como o Twitter se tornou no canal detransmissão em contínuo dos acontecimentos, desde que o furacão seabateu sobre Tuscaloosa até à limpeza dos destroços, foi determinantepara a decisão de atribuir o prémio.

www.zite.com

“O” agregadorde notícias

Éo melhor agregador de notícias que existe actualmentepara “tablets” e “smartphones”. O Zite funciona atravésda definição prévia de um perfil de utilizador que

possibilita a apresentação dos materiais de acordo com osgostos e interesses que foram pré-definidos. Os conteúdosagregados não são textos “toca e foge”, são materiais deprimeira água, produzidos pelas melhores publicações domundo. O Zite é gratuito. E continua a evoluir.

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HomemCristoJornalista e panfletário1

Por Álvaro Costa de Matos 2

I.INTRODUÇÃO

Oque trazemos aqui são os primeiros resultadosduma investigação para um estudo que se preten-de mais aprofundado. Por outras palavras, uma

primeira aproximação histórica à actividade de FranciscoManuel Homem Cristo (HC) como panfletário e jornalis-ta. Este artigo abordará os seguintes pontos:

1) algumas, breves, considerações teóricas sobre ogénero biográfico;

2) uma nota biográfica de HC;3) o percurso de HC como jornalista e panfletário e sua

relação com a imprensa da época;4) algumas notas conclusivas.

II.DA TEORIA

Nesta aproximação histórica à sua vida como jorna-lista e panfletário, HC deve ser visto e analisadocomo produto e produtor do meio sociocultural

em que está enraizado. Pretende-se que o estudo de uma personalidade indi-

vidualizada, neste caso de HC, estabeleça pontes para a

compreensão político-ideológica da I República, concreta-mente da história do jornalismo e dos jornalistas nesteperíodo. Não se quer um mero inventário de factos políti-cos ou traçar um esboço panegírico; pelo contrário, ahistória é aqui tratada como problema e não enquantorelato do passado. Desta forma, o resultado alcançadopode dar-nos um retrato que provavelmente os seus con-temporâneos não conheceram ou mesmo estabelecer rup-turas com as representações correntes, com a doxa domi-nante.

Torna-se, assim, também necessário tentar descortinaro significado que os indivíduos dão aos seus actos, perce-ber as suas opiniões individuais, ou seja, à biografia juntaruma abordagem baseada no método "compreensivo".3

III.NOTA BIOGRÁFICA

HC nasceu em Aveiro, a 8 de Março de 1860. Alémde jornalista e panfletário, foi oficial do Exército,político, deputado e professor de História na

Faculdade de Letras do Porto. Desde muito cedo que professou ideias republicanas. No

Exército, a partir de 1876, merecerá dos comandantes dasunidades apreciações positivas e negativas: entre estas, láestavam as "acusações" de "homem perigoso" ou de "propagan-dista de ideias irrequietas", leia-se republicanas. Mas HC con-

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MEMÓRIA Homem Cristo

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seguirá manter-se no Exército até 1909, terminando a sua car-reira militar como capitão. Pelo meio, salientamos 3 aspectos:

1) a fundação, em Aveiro, do semanário O Povo deAveiro, a 29 de Janeiro de 1882 (aspecto que será detalha-do no ponto seguinte);

2) a actividade de HC como professor do ensinoprimário, dentro dos quartéis, nas horas vagas dainstrução militar, em jeito de resposta pessoal ao analfa-betismo que encontrou entre os soldados, atitude que lhevaleu um louvor em Ordem do Exército: para HC, "instru-ir e aprender é a primeira e a mais urgente necessidade danação", pelo que as questões da educação acompanharam-no durante toda a sua vida;

3) o envolvimento de HC no movimento republicanodo 31 de Janeiro de 1891, enquanto membro do directóriodo Partido Republicano Português - embora ele não tenhaapoiado a revolta do Porto (condenada ao fracasso, segun-do o próprio), por 3 ordens de razão:

i) a revolta é feita sem a preparação militar necessária,logo, trouxe apenas derramamento de sangue inútil;ii) o relacionamento com o Império Britânico, ao tempoao rubro devido ao Ultimatum de 1890, não aconselha-va o avanço do movimento republicano;iii) a situação das finanças portuguesas que, então,apresentavam um défice aparentemente sem controlo,desaconselhava igualmente a realização da revolta.

Mas apesar de não ter participado nele HC foi preso nasequência do movimento do Porto e levado a julgamento,

tornando-se inclusivamente numa das figuras centrais doprocesso: acabou por ser absolvido por se provar a suaoposição à revolta militar republicana.

A reforma do Exército, em 1909, por decisão de umajunta militar, teve como pano de fundo o célebre episódiodo duelo com Afonso Costa, por sua vez fruto de uma vio-lenta polémica nos jornais entre este e HC. Demoramo-nos um pouco neste episódio porque ele será determi-nante ou explicativo das acções futuras de HC como jor-nalista, panfletário e polemista.

Tudo começou com Bernardino Machado, que procla-mara a necessidade duma religião republicana (suben-tende-se, na linha da religião católica, mas para a substi-tuir, por uma espécie de religião civil). Ora, para HC, aidolatria era incompatível com a democracia, "que é con-trária a todos os cultos e a todos os dogmas". HC era total-mente contra o culto da personalidade, a idolatria em vidaou nos partidos. A réplica de HC, no Povo de Aveiro de 10de Fevereiro de 1907, tudo precipitou: Afonso Costaintromete-se na polémica e publica no jornal O Mundo, a14 de Março, um violento artigo contra HC, não contra ojornalista ou o republicano, mas contra o militar, a quemfere no orgulho ao afirmar que "deveria usar saias". Oduelo acabou por não se verificar, com a contenda a serresolvida por um Tribunal de Honra constituído pelodirectório: lavrou-se então uma sentença de tom concili-atório que acabou por não agradar a Afonso Costa, quedesejava uma condenação formal do seu antagonista. Ogoverno monárquico é que não esteve pelos ajustes: pre-

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visivelmente fez tábua-rasa da sentença do directório esobrepôs-lhe a do Conselho Superior de Disciplina doExército, após chamar HC a julgamento. Ao aceitar,enquanto militar e na vigência da Monarquia, o directóriodo PRP como Tribunal de Honra, só podia esperar o pior.E o pior aconteceu. O tribunal reformou-o do Exército,alegando que se recusara a bater em defesa da honra mi -litar.

Depois deste episódio, ressentido e incompatibilizadocom toda a gente, monárquicos e republicanos, a todosacusando de cumplicidade na reforma compulsiva dosseus galões de capitão, HC começa a sua fase de ver-dadeiro panfletário.

Apesar de serem contra os tribunais militares, os repu -blicanos nunca anularam aquela sentença. Isto, natural-mente, magoou profundamente HC, mas para tal terácontribuído, também, a sua política de total intransigênciae de afrontamento sistemático do novo poder triunfante(republicano) .4

Neste percurso biográfico de HC destacamos ainda osseguintes acontecimentos:

1) a sua nomeação para a Faculdade de Letras do Porto,como professor catedrático de História, em 1918: lugarque desempenhou até atingir o limite de idade, emboracom alguns anos de interrupção da docência, motivadapor incompatibilidades com outros professores (porexemplo, com Leonardo Coimbra, com quem manteveuma violenta polémica);

2) a sua eleição como deputado ao Congresso daRepública, pelo círculo de Timor, a 3 de Agosto de 1919 -eleição que constituiu tal surpresa que, ao princípio, opróprio nem queria acreditar, uma vez que não havia sidoconsultado sobre a candidatura. N'O Povo de Aveiro,escreveria: "Um caso raro, creio que único na nossahistória constitucional, o ser eleito deputado um cidadão,sem o desejar, sem o esperar, sem ser consultado, pormero arbítrio dos eleitores" (20 de Março de 1921). Mas asua estreia parlamentar apenas ocorreria volvidos 20meses após a eleição, a 27 de Janeiro de 1921. Como oCongresso foi dissolvido no final de 1921, a sua passagem

pela Câmara dos Deputados foi curta, embora com umaactividade parlamentar relevante e corajosa;

3) a sua candidatura a deputado nas eleições gerais de1922 pelo círculo de Aveiro, integrado numa lista extra-partidária, denominada Aliança Regionalista, juntamentecom Jaime Duarte Silva e Manuel Alegre, e Augusto deCastro, como candidato a senador: o movimento regiona -lista seria vencido pela coligação de António Egas Monizcom Barbosa de Magalhães, não elegendo qualquer de -putado ou senador. No entanto, no ano seguinte, naseleições gerais de Janeiro de 1923, voltou a candidatar-se efoi eleito deputado pelo círculo de Aveiro, de novo pelaAliança Regionalista;

4) a presidência, em Aveiro, da Associação Comercial eIndustrial de Aveiro e da Junta Autónoma dos Portos daRia e da Barra de Aveiro, de Fevereiro de 1925 até 10 deDezembro de 1930, onde teve uma acção notável em proldo ressurgimento portuário e económico da regiãoaveirense;

5) por último, a obra literária que deixou, para além daobra estritamente jornalística: desde logo, as suasmemórias, Notas da Minha Vida e do Meu Tempo, publi-cadas em 7 volumes, em 1936; depois, Os Acontecimentosde 31 de Janeiro e a Minha Prisão, em 1891; Pró-Pátria, de1905; Banditismo Político. A Anarquia em Portugal, de1912; O Bolchevismo na Rússia, de 1919, e Monárquicos eRepublicanos, de 1928; finalmente, as obras dedicadas àsquestões da educação e do ensino: Cartas de Longe. AInstrução Secundária em Portugal e França, de 1915, e EmDefesa da Instrução do Povo, publicada em 1922.

HC morreu na sua terra natal, Aveiro, a 25 de Fevereirode 1943, com 83 anos. Segundo o jornal O Século, devido auma "síncope cardíaca", deixando como legado umanotável obra como jornalista, panfletário e polemista. Aolongo da sua vida revelou-se um apóstolo convicto e entu-siasta da democracia e da instrução popular, realizandoobra valiosa contra o analfabetismo, especialmente nosquartéis onde esteve colocado .5

IV.HOMEM CRISTO,JORNALISTA E PANFLETÁRIO

Num processo individual de 1897, além de "homemperigoso no Regimento", HC é rotulado de "orgu-lhoso" e de pretender "impor-se a todos pelo terror

jornalístico". Nesta altura, em 1897, HC levava já 16 anos dejornalismo que, pelos vistos, tinham feito muitos estragos, eque tanto pavor iriam ainda causar aos seus inimigos.

Mas tudo começara muito antes, concretamente numacolaboração para O Trinta, periódico de Aveiro. HC tinha

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então 17 anos, e iniciava uma carreira na imprensa queduraria mais de 50 anos. Com 21 anos (1881), entra para OSéculo, a convite de Sebastião Magalhães Lima, que fun-dara o jornal em 1881. HC passa a assegurar a secção doestrangeiro e habita por cima da direcção do diário,almoçando assiduamente com Magalhães Lima e outroscolaboradores do jornal, como Silva Graça, que mais tardeassumirá a direcção e propriedade do matutino.

Em 29 de Janeiro de 1882 funda O Povo de Aveiro,semanário com que vai passar a identificar-se completa-mente, assumindo-se, durante mais de meio século, comoo único redactor; descontando os primeiros anos (por seencontrar em Lisboa), em que conta com a colaboraçãocategorizada de Teófilo Braga, Sebastião de MagalhãesLima, Carlos Faria, Silva Graça, Anselmo Xavier, AlbertoBessa, Alves da Veiga, Heliodoro Salgado, Alexandre daConceição, entre outros, HC quase que redige o jornal deuma ponta a outra, assumindo a orientação e a direcçãodo semanário. Por outras palavras, O Povo de Aveiro é o jor-nalista HC.

A folha aveirense nasce num contexto de crescimentoda militância republicana, iniciada por volta de 1876,expresso no aumento de organizações, na fundação dejornais e revistas de informação e doutrina, e num maiorempenhamento eleitoral. Nesta altura, a polémica fazia-sesobretudo nos periódicos: debater as questões políticas,culturais ou religiosas tornava-se uma rotina no quotidi-ano da imprensa escrita. Era, até, um sinal de prestígio in -telectual: ao escritor que acreditasse na justeza dos seusideais competia "fazer do jornal uma arena e da palavra afarpa implacável que derrubasse a "tolice com cabeça detouro"", como recordava Eça de Queirós, na advertênciaao leitor de Uma Campanha Alegre - aspectos que ajudamtambém a compreender as razões que levam HC a criar OPovo de Aveiro em 1882 e a atenção, empenho e paixão quededicou ao semanário.

Na vida deste jornal, foi crucial a decisão visionária deHC de não ter transformado O Povo de Aveiro num órgãode propaganda regional ou de defesa dos interessesregionais. Pelo contrário, o semanário toma o carácter deum contundente panfleto, virulento, e, como tal, atingiuextraordinária difusão e popularidade. Ganhou mesmouma aura excepcional, atingindo tiragens assombrosaspara um hebdomadário da província: em 1908 tirava10000 exemplares, no ano seguinte alcançava os 15000 eem fins de 1910, já ascendia aos 35000 exemplares,6 maisou menos a tiragem de hoje dos jornais diários de referên-cia, como o Público ou o Diário de Notícias!

Com uma linguagem violenta, crítica, vigorosa e sar-cástica, O Povo de Aveiro era lido por milhares de portugue-ses, pelos que estavam de acordo e lhe aplaudiam as vee-mentes campanhas, como por aqueles que eram visadospela pena do aguerrido polemista político. O Povo deAveiro, procurado em todo o país, tinha ainda a caracterís-tica de ter uma especial incidência em Lisboa onde fazia

furor,7 quer pelo seu estilo, singular e cáustico, quer pelasua independência e desassombro, quer ainda porque amaior parte dos seus alvos trabalhava ou vivia na capital.

Foi neste jornal que HC se realizou plenamente; foieste jornal que fez dele o mais temido jornalista epolemista do seu tempo; foi deste jornal que nasceu a tri-buna que O Século não podia ser, enredado em compro-missos e intrigas de toda a espécie. Logo no primeironúmero O Povo de Aveiro apresenta-se francamente repub-licano, denunciando "a sucessão súbita e incompreensívelde partidos que se dizem antagonistas fora do poder, masque quando senhores dele se copiam com uma exactidãoflagrante e escandalosa". Neste combate inicial, assestabaterias exclusivamente contra a Monarquia e os seus ser-ventuários, os "partidos do patrocínio típicos do liberalis-mo monárquico no poder".

Mas O Povo de Aveiro funcionará como "a tribuna a par-tir da qual HC vai zurzir em toda a gente: no poder, noscorreligionários do Partido Republicano Português e nosadversários e inimigos, que tinha um pouco por todo olado".8 Consequentemente, o jornal irá ter uma vida bas-tante atribulada. Vejamos:

i) no terceiro ano de existência, O Povo de Aveiro sofreum incêndio que devora as máquinas, valendo-lhe naaltura a colaboração doutro jornal, o Campeão dasProvíncias, e da Imprensa Aveirense, que disponibi-lizaram as respectivas tipografias; ii) é suspenso em 1894, na sequência duma campanhaque pretendia denunciar alguns escândalos cometidospor funcionários da Câmara Municipal de Lisboa - de -vido a esta decisão vamos encontrá-lo, uns anosdepois, como redactor dos Debates, de Lisboa, numaexperiência jornalística curta, entre 1889 e 1891; iii) reaparece em 1899, apenas como Povo de Aveiro,sem o artigo definido, já que o título anterior havia sidosuprimido por sentença judicial - sobre esta alteração,escreveria HC nas suas Notas da Minha Vida e do MeuTempo: "Povo de Aveiro só era novo no cabeçalho e naempresa. No resto era velho em tudo. Sempre castigan-do, com toda a independência, todos os patifes, dequalquer partido que eles fossem, sempre advogando epropagando a doutrina democrática"; iv) em Outubro de 1910, já implementada a República,HC é preso e o jornal suspenso novamente. ODemocrata, jornal republicano, na sua edição de 28 deOutubro de 1910, não deixou de comentar o aconteci-mento: "Sem a menor resistência, foi anteontem presoo famigerado bandido que semanalmente vomitava osmaiores impropérios contra o partido republicano (…).Como consequência lógica, o Pulha d'Aveiro foi tam-bém suspenso, desaparecendo assim da circulação omais imundo pasquim que durante anos se publicouem terras de Portugal" - esta rudeza de linguagem só éperceptível, e, de certa forma, compreensível, se aten-tarmos na maneira desabrida como HC tratava os

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opositores, que respondiam na mesma moeda: AfonsoCosta era o "ligório"; Dantas Baracho, o "generalBorracho"; Bernardino Machado, o "BombardinoRachado"; Brito Camacho, o "cabrito macho"; LeonardoCoimbra, "Imbra, o prostituto, poltranaz-mor e cana -lhão máximo". HC ultrapassava, invariavelmente, comtais epítetos, as normas do mais elementar decoropolítico. Apesar disso, muitos dos próprios inimigoseram assinantes fiéis do jornal, como era o caso deGuerra Junqueiro, que chamava a HC "um bruta-montes com ideias". Isto levou a uma espécie de Lei deTalião na imprensa periódica, que está na origem dafundação, em Portugal, da imprensa de pendor sensa-cionalista, ou do jornalismo popular, de que são exem-plos O Mundo, de França Borges (conhecido em Lisboa,pelo "Mundo imundo"),9 a Justiça Portuguesa, deHenrique Santos Cardoso, um dos chefes da revolta de31 de Janeiro de 1891, e O Século,10 sobretudo a partir de1895, quando Silva Graça transforma este diário numaempresa "respeitável", atenuando a sua tendênciarepublicana e enveredando também pelo jornalismopopular - jornais que não hesitavam em publicar todoo tipo de calúnias, insinuações e escândalos, e queeram lidos por milhares de pessoas. Ora, não nosparece despiciente a hipótese que propomos de incluirO Povo de Aveiro de HC na lista dos jornais que emPortugal vão criar a imprensa popular, sem filiação par-tidária, por oposição à imprensa de opinião, onde sóaquilo que pudesse ser dramatizado e serializado inte -ressava - jornais que têm com o público-alvo a peque-na e média burguesia, e as camadas mais baixas dapopulação, que manifestam uma preferência pelainformação objectiva, mais rigorosa, e mesmo pelopendor sensacionalista que a informação começa atomar, em vez do tradicional artigo de fundo;11

v) nova interrupção do Povo de Aveiro, em 1911, após ogoverno provisório obrigar HC a exilar-se, para não serpreso: a pena do jornalista tornava-se cada vez mais insu-portável para os republicanos recém-chegados ao poder.Havia já muitas feridas abertas e HC nem sequer dava aogoverno provisório o benefício da dúvida. Antevendo,dias antes, a queda da Monarquia Constitucional, excla-mava no Povo de Aveiro, num artigo intitulado "FatalDilema": "Vamos então cair nos braços dessa formidávelquadrilha (…) que ainda não estão no poder e já o maiordever cívico nesta terra é combatê-los" (2 de Outubro de1910). E, quatro dias depois da revolução republicana, HCvoltava à carga: "A República vai ser ditatorial, autoritária,imoral, tem todos os defeitos e todos os vícios que atribuià Monarquia, (mas) para pôr tudo em relevo aindarestará, ao menos, uma pena. É a que traça estas linhas"(Povo de Aveiro, 9 de Outubro de 1910, in "A Revanche").Quando toma conhecimento da constituição do GovernoProvisório HC vai escalpelizar um por um "os redentores

que vão levantar a pátria dos escombros", que considera-va honestos, mas incapazes da missão que se propunhamcumprir: Basílio Teles, apesar de "literariamenteinteligente (…) não é um homem de tacto, de tino, desenso, enfim, de horizonte e de acção governativa";António José de Almeida, "também inteligente é a antíteseperfeita do estadista (…), o bondoso coração, já consagra-do há muito, pela bacoquice indígena"; BernardinoMachado é "esse tartufo, que sendo tido geralmente comoum imaculado, é um dos velhacos mais completos que eutenho conhecido"; finalmente, Teófilo Braga "é a síntesede nefelibatice deles todos. É perigosíssimo. Se se põe aespinotear pelo positivismo, não só atira de cangalhas ogoverno provisório como enche de Redículo" (O Povo deAveiro, 9 de Outubro de 1910). Quanto a Afonso Costa,afirmava não o conhecer, embora mais tarde lhe reser-vasse um ódio de estimação!Escrever tais afirmações num contexto de vitória eeuforia republicana exigia muita coragem, mas erapouco prudente, pois desafiava abertamente o podertriunfante. A par da demarcação (política) pela radica -lidade da linguagem, que era total e esclarecedora, HCcontrapunha à visão messiânica que envolvia o novoregime, a República, uma visão pessimista e decaden-tista da sociedade portuguesa, que mantém até ao fim.O novo governo não esteve para contemplações, mascomo seria controverso para a República exilar umrepublicano, fazia-se notar ao indesejado, que a sua

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presença irritava os patriotas e HC, para escapar à vio-lência, demandava outras paragens onde o exílio lheera consentido. Foi o que ocorreu, num quadro derestrição das liberdades, antes amplamente prometi-das. Relativamente à imprensa, a República vai proce -der de forma expedita: não suprime a liberdade deimprensa de direito, pois reintroduzir a censura préviaseria motivo de grande escândalo, mas vai atentar con-tra ela de facto, com as massas indignadas a dar umaajuda, assaltando jornais, destruindo oficinas tipográfi-cas ou ameaçando e espancando os jornalistas queousavam "pôr tudo em relevo". Ou mesmo quando asautoridades preveniam os redactores e outros colabo-radores de que não garantiam a sua segurança. Nesteprocesso, ficaram célebres as acções das "púrrias", oudas "carrapatas", bandos armados ao serviço dos par-tidos políticos, que exercem o terror nos bairros sob seucontrolo. Entre as vítimas destas quadrilhas políticasestavam naturalmente os jornais monárquicos (oCorreio da Manhã, por exemplo, que viu a sua redacçãoassaltada e destruída pela plebe, em 1911), mas tam-bém republicanos, na sequência de revoltas ou pro-nunciamentos entre facções políticas rivais (OIntransigente, de Machado Santos, cuja redacção foiarrasada, após a "revolta constitucionalista de 14 deMaio de 1915, que colocou um ponto final na ditadurade Pimenta de Castro);vi) é neste contexto que surge em Paris, em 1912, O Povode Aveiro no Exílio, com colaboração, também, deHomem Cristo Filho: o jornal passa então a encetaruma campanha violenta contra os republicanos (o alvopredilecto era o radicalismo jacobino) e monárquicos,lançando igualmente uma feroz campanha contra JoãoChagas, que levou este, ministro de Portugal em Paris,a pedir ao governo francês a expulsão dos dois compa-triotas portugueses. O Povo de Aveiro no Exílio publicou-se entre 14 de Outubro de 1912 e 8 de Agosto de 1914;vii) em Março de 1916 o jornal reaparece com um novotítulo, O de Aveiro, assim se mantendo até Setembro de1926. No ano seguinte, em 1927, Maio, readquire o títu-lo inicial e só vai acabar em 1941, em Abril, quando HC,naturalmente cansado dos desencontros com dife -rentes poderes e censores, contava já com 81 anos deidade.

Antes de terminarmos este ponto, uma referência àcolaboração de HC na Ideia Nacional, publicada em 1915-1916. A Ideia Nacional era uma revista política bissemanal,fundada em Lisboa, que funcionava como ponto deencontro do tradicionalismo e do modernismo, dosdoutrinários integralistas e dos conspiradores, mas tam-bém dos inovadores que, como Almada Negreiros, com-patibilizaram a apologia ideológica da "direcção única"com uma pesquisa estética variada e inconformista. Além

de Almada Negreiros e HC, a revista contou ainda compena de Aires de Ornelas, Alberto Pinheiro Torres, AlfredoPimenta, Conde de Sabugosa, João do Amaral, José deAzevedo Castelo Branco, Luís de Magalhães, RamalhoOrtigão e de Victor Falcão, na sua primeira série.

A colaboração de HC na Ideia Nacional, que se verificaantes dele regressar a Portugal, é solicitada pelo própriofilho, que lhe impõe algumas condições: a de mandar arti-gos sobre questões estrangeiras ou internas; a de manter a"forma vigorosa e violenta" para "despertar muito inte -resse"; a de "sempre que puder dar pancada aos republi-canos" porque convinha para "a venda da revista" e, aspec-to importante, sem referências aos monárquicos, com osquais HC se incompatibilizara por causa da guerra.12

HC aceita as condições do filho, limitando-se a publicarna Ideia Nacional textos sobre a guerra, a educação e ainstrução, nunca atacando os monárquicos - reunirá pos-teriormente estes artigos em 2 volumes, sob o título Cartasde Longe. Logo, com todas estas reservas, é um erro colarHC ao ideário da Ideia Nacional, nacionalista e ultra-reac-cionária, inspirada directamente no jornal dos nacionalis-tas italianos de Corradini.

Por outro lado, HC não colaborará na segunda série darevista, em 1916, quando a Ideia Nacional abre as portas aosteóricos do Integralismo Lusitano (António Sardinha,Conde de Monsaraz e Luís de Almeida Braga). Por estaaltura, já tinha entrado em ruptura com o filho. A própriarevista não se coibiu de informar que a sua acção política"não tem nem podia ter ligação ou solidariedade de qual-quer espécie" com aquele "jornalista republicano". A pardo Integralismo Lusitano, a revista mostra-se particular-mente sensibilizada para a arte, reunindo a colaboraçãoartística de dois intervenientes em Orpheu, José Pachecoe Almada Negreiros, e de outros artistas de vulto, comoAntónio Soares, Jorge Barradas e Stuart Carvalhaes. Acolaboração literária desta segunda série foi asseguradapor Alfredo Pimenta, António Carneiro, Artur Bívar,Manuel da Silva Gaio, Rocha Martins, Ruy Coelho,Tavares Proença Júnior, e pelos teóricos integralistas acimareferidos. Possuía delegação em Paris.13

V.ALGUMAS CONCLUSÕES

Politicamente, mais do que um democrata, julgo quepodemos sustentar que HC era um individualista,um liberal radical. Encarna o ideal republicano mas

para ir além da República, do regime. O que HC preten-de, no íntimo, é ser uma espécie de consciência crítica doregime republicano. Mais do que estabelecer pontes como novo poder, defende, acima de tudo, o ideal mais radi-cal de liberdade, a liberdade individual, o seu exercício

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contra tudo aquilo que agride a liberdade do indivíduo.Prefere claramente a ruptura em vez dos consensos políti-cos, nunca cedendo à pressão, nunca temendo as conse-quências, nunca vergando a pena - o que revela um enor-me sentido ético da Política.

Jornalisticamente, sem dúvida que HC se excedeu,vezes sem conta, nos desmandos da linguagem; ninguémpoderá negar a violência dos seus ataques nem a cruel-dade dos seus combates; ao imprimir nos escritos um tomvincadamente panfletário, dava necessariamente umavisão parcial e deformada de factos e personalidades; masimporta não esquecer que o que caracteriza o panfletárionesta altura é isso mesmo: o estilo apaixonado e violento,a visão parcial e nem sempre objectiva, o ataque pessoal ea fulanização dos acontecimentos.

Por outro lado, isto acontece num tempo em que aimprensa de diferentes quadrantes (políticos, e outros)espelhava uma verdadeira dialéctica de irracionalidade,em que eram usuais - e diferentes dos de hoje -, os padrõesde injúria pública, e onde a debilitação verbal de muitosdesses textos acabava por arrastar a debilitação daquiloque exprime. Além disso, há ataques e defesas pessoaisque são legítimos quando estão em causa questões éticas:"O conflito travado entre mim e os repu blicanos tem sidoum eterno conflito de processos e ideias. O conflito de pes-soas não foi mais do que uma simples derivante do confli-to de ideias", registaria HC no seu livro Monárquicos eRepublicanos (Porto, 1928).

Apesar dos excessos, ou por causa deles, HC foi consi -derado por alguns contemporâneos (Raul Brandão eRocha Martins) como o maior panfletário portuguêsdepois de José Agostinho de Macedo. Segundo RochaMartins, HC "possuía todos os predicados da profissão:boa prosa, mesmo ao empregar a violência castigadora àJosé Agostinho; estudioso, sabedor, o que revelava nosseus artigos de erudição, possuía coragem até ao denodo,altivez e desprendimento. O seu nome guindar-se-ia à cul-minância do jornalismo, a troco de milhares de ini-mizades, mas também de muitas admirações".14 Numnúmero único de homenagem que O Povo de Aveiro lhededicou, de 25 de Fevereiro de 1944, Rocha Martinschama-lhe mesmo "panfletário arrebatado, escritor bri -lhante e mestre jornalista". Para Raul Brandão, HC era "omaior jornalista português e um panfletário que só temoutro na nossa literatura que se lhe compare - JoséAgostinho de Macedo".15

Ambos, HC e José Agostinho de Macedo, possuíam aarte do sarcasmo e o manejo fácil do látego da ironia. Masum abismo os separava: o frade miguelista era um acirra-do defensor da aliança entre o trono e o altar; ideologica-mente, o jornalista aveirense HC estava nos antípodas:terçava armas pela pedagogia republicana e reagia comviolência quando tais princípios eram postergados. Comefeito, só na linguagem impetuosa, audaz, viva e ardentese assemelhavam. "Moralmente era a sua contradição; ide-

ologicamente o seu condenador", defendeu RochaMartins naquele número único evocativo de HC.

HC protagonizou no jornal O Povo de Aveiro aquilo quevulgarmente se designa por sacerdócio da imprensa. Hánele uma declarada vocação missionária do jornalismo.16 OPovo de Aveiro, com diferentes designações ao longo dumaexistência atribulada, é uma verdadeira "catedral depapel", erguida à margem das tendências partidárias, dosinteresses privados, das oligarquias reinantes. É também o

1)Versão melhorada da conferência, com o mesmo título, apresentada

na Biblioteca Museu República e Resistência - Espaço Cidade

Universitária, realizada no dia 4 de Outubro de 2011, e integrada no

programa conclusivo das comemorações municipais de Lisboa do

centenário da República.

2)Director da Hemeroteca Municipal de Lisboa. Investigador do Centro

de Investigação Media e Jornalismo e Investigador colaborador de

Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais

e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

3)Para aprofundar estas considerações teóricas sobre o género

biográfico ver, entre outros, os estudos de José Amado Mendes, "O

contributo da biografia para o estudo das elites locais", in Análise

Social, V. 37 (116/117), 1992; Amadeu Carvalho Homem, A Ideia

Republicana em Portugal. O Contributo de Teófilo Braga, Coimbra,

Minerva-História, 1989; e José Mattoso, "Breves reflexões sobre o

individual e o colectivo em história", in A Escrita da História. Teoria e

Métodos, Lisboa, Estampa, 1988.

4)Na compilação destas notas biográficas foi incontornável a leitura

das Notas da Minha Vida e do Meu Tempo, de HC, Lisboa, Guimarães,

1936, vols. 1 e 2, e de Percursos de Homem Cristo. Ideologia e Política

na "República Velha" (1910-1917), de Carlos Manuel Braga da Costa,

Lisboa, ICS, 1996 (Texto Policopiado).

5)Em linhas gerais eram estas as palavras que O Século lhe dedicou,

em jeito de homenagem, numa notícia intitulada "O funeral do

jornalista Homem Cristo (…)", publicada na edição de 26 de Fevereiro

de 1943, na página 2.

6)Confirmadas, por exemplo, por Rocha Martins, quando afirma que O

Povo de Aveiro "atingiu tiragens formidáveis no período do Regicídio e

no reinado de D. Manuel II, pois proclamava verdades que ninguém se

atrevia a escrever nem mesmo a balbuciar", in Pequena História da

Imprensa Portuguesa, Lisboa, Editorial Inquérito, 1941, p. 79.

7)O Povo de Aveiro, com os seus excitantes ingredientes, atingiria uma

divulgação extraordinária em Lisboa. Só a Tabacaria Mónaco, no

Rossio de Lisboa, vendia 3000 exemplares. O jornal vendia-se em 74

localidades e na capital em 26 quiosques e tabacarias. Rui Ramos, A

Segunda Fundação, 1890-1926, 6.º vol. da História de Portugal (dir. de

MATTOSO, José), Lisboa, Editorial Estampa, 1994, p. 51.

8)Carlos Manuel Braga da Costa, Percursos de Homem Cristo.

Ideologia e Política na "República Velha" (1910-1917), Lisboa, ICS, 1996

(Texto Policopiado), p. 23.

9)O Mundo, "o jornal republicano de maior projecção e mais larga

influência no período de propaganda", teria nos primeiros anos de

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existência, segundo notas de João Chagas, apenas 3000 leitores, para

em 1906 já ser lido por 40000 a 50000. V. José Tengarrinha, História da

Imprensa Periódica Portuguesa, 2.ª ed. revista e aumentada, Lisboa,

Editorial Caminho, 1989, pp. 237-239, nota 1.

10)Sobre este jornal, diz-nos Rui Ramos: "O Século, o segundo maior

jornal de Lisboa, órgão republicano desde 1881 até cerca de 1895,

lançou então as edições dominicais de oito páginas, com gravuras.

Quebrando tradições, O Século adoptou para a sua primeira página o

aspecto que tinham os cartazes de publicidade e as proclamações,

destacando a principal ocorrência com um título em letras garrafais".

E mais adiante acrescenta: "Na década de 1880, O Século prosperou,

tornando-se o campeão do sentimento anti-inglês. Em 11 de Janeiro

de 1890, numa atitude característica, electrizava os seus leitores

sugerindo-lhes que Lisboa estava na iminência de ser bombardeada

pela esquadra inglesa. O Século, mais do que da propaganda da

República, prosperou no ataque à Inglaterra e no tom sensacionalista

e irreverente. Isso era tão evidente, que, em 1895, Silva Graça pôde

neutralizá-lo politicamente sem lhe afectar a clientela". In Op. Cit., p.

50-51.

11)A este propósito, diz-nos José Tengarrinha: "Prefere-se cada vez

mais a informação objectiva à discussão e à opinião, as notícias

sensacionais aos editoriais reflectidos. Na necessidade de encontrar

um público mais largo, o jornal procura manter uma atitude

imparcialmente objectiva, dirigindo-se assim a todos, e não a um

grupo de leitores ideologicamente afins, necessariamente muito mais

restrito. Nesse período, portanto, os jornais não ficam apenas

reservados à classe relativamente pouco numerosa de eleitores

censitários, mas pretendem dirigir-se a todos os que sabem ler, cujo

número vai crescendo gradualmente. Embora sem esquecer a camada

mais instruída, que fornece ainda o grosso dos assinantes, dirigem-se

também ao novo público, menos abastado e instruído, com gostos

menos exigentes e requintados". In Op. Cit., p. 219.

12)Citações retiradas de Carlos Manuel Braga da Costa, Percursos de

Homem Cristo (…), notas 741 e 742, pp. 205-206.

13)Para saber mais sobre as duas séries da Ideia Nacional ver o

respectivo verbete, em Daniel Pires, Dicionário da Imprensa Periódica

Literária Portuguesa do Século XX (1900-1940), Lisboa, Grifo, 1996, pp.

193-194.

14)In Pequena História da Imprensa Portuguesa (…), p. 79.

15)In Memórias (Tomo I). Obras Completas, Vol. 1, Lisboa, Relógio de

Água, 1998, p. 202 (Edição de José Carlos Seabra Pereira).

16)Devido à qual terá sido "alvo duma grande manifestação de

jornalistas de todo o país em 1938", nas palavras de Rocha Martins,

Op. Cit., p. 79.

17)Op. Cit., p. 79.

BIBLIOGRAFIA PRIMÁRIA:

l O Povo de Aveiro, 1882-1941;

lHOMEM CRISTO - Notas da Minha Vida e do Meu Tempo, Lisboa,

Guimarães, 1936, vols. 1 e 2;

lIDEM - Monárquicos e Republicanos: apontamentos para a história

contemporânea, Porto, Livraria Escolar Progrédior, 1928.

BIBLIOGRAFIA SECUNDÁRIA:l BRANDÃO, Raul - Memórias (Tomo I). Obras Completas, Vol. 1,

Lisboa, Relógio de Água, 1998, (Edição de José Carlos Seabra Pereira);

l COSTA, Carlos Manuel Braga da - Percursos de Homem Cristo.

Ideologia e Política na "República Velha" (1910-1917), Lisboa, ICS, 1996

(Texto Policopiado);

l MACEDO, Jorge Borges de, "A opinião pública na História e a

História na opinião pública", In Estratégia. Revista de Estudos

Internacionais, Lisboa, N.º 1, 1986, pp. 47-59;

l MARTINS, Rocha - Pequena História da Imprensa Portuguesa,

Lisboa, Editorial Inquérito, 1941;

l OLIVEIRA MARQUES, A. H. de - Guia de História da 1.ª República

Portuguesa, Lisboa, Estampa, 1981;

l PAIVA, Vitor Fernando Pedrosa de Carvalho, "Francisco Manuel

Homem Cristo", in Aveirenses Ilustres. Retratos à minuta, Aveiro,

Edição do X Encontro de Professores de História da Zona Centro, 1992,

pp. 11-13;

l PIRES, Daniel, Dicionário da Imprensa Periódica Literária Portuguesa

do Século XX (1900-1940), Lisboa, Grifo, 1996;

l RAMOS, Rui - A Segunda Fundação, 1890- 1926, 6.º vol. da História de

Portugal (dir. José Mattoso), Lisboa, Circulo de Leitores, 1994;

l TENGARINHA, José, História da Imprensa Periódica Portuguesa, 2.ª

ed. revista e aumentada, Lisboa, Editorial Caminho, 1989;

l Dicionário Cronológico de Autores Portugueses. Vol. 2, Mira-Sintra -

Mem Martins, Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro/Publicações

Europa América, 1990;

l O Povo de Aveiro. Número único de homenagem à memória de

Homem Cristo, no primeiro aniversário da sua morte, Aveiro, 25 de

Fevereiro de 1944.

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contributo do jornalista para a história do seu tempo: neleencontramos largo espaço dedicado à vida pública por-tuguesa, sem descurar o que ia acontecendo na Europa.Rocha Martins já o havia sustentado, ao dizer que a históriad'O Povo de Aveiro era também a história da "vida nacional".E, na mesma linha, afirmou Raul Brandão que "quem quis-er conhecer a história contemporânea tem de ler e consul-tar a colecção d'O Povo de Aveiro. É indispensável. Essavoz tremenda e colérica prega, há anos, sem um desfalec-

imento, meia dúzia de verdades essenciais ao país".Assenta-lhe bem, em nosso entender, alguns equivalentes

zoológicos que os seus contemporâneos lhe atribuíram, como ode "Dragão de Aveiro": perpetua-lhe o temperamentoindomável, uma vida inteira de protesto… de um homem quefoi, mais do que tudo, medular e inalienavelmente, um jornal-ista, um "jornalista de raça", como lhe chamou RochaMartins.170

Lisboa, 25 de Abril de 2012. JJ

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Rodrigo CabritaRodrigo Cabrita foi Prémio Gazeta de Jornalismo de 2010, com umaimagem de José Saramago publicada no Diário de Notícias.Depois de ter estudado fotografia no AR.CO de 1999 a 2001,estagiou 3 meses no Diário de Notícias e a seguir em O Jogodurante mais 3 meses, aqui permanecendo como colaborador atéinicio de 2002. Regressa ao DN onde fica até inicio de 2010. É entãotransferido para a agência Global Imagens, que congrega todas assecções de fotografia do grupo Controlinveste. Em 2008 entra para ocolectivo fotográfico 4SEE photographers. Desde Setembro de 2010trabalha no jornal i. Venceu e obteve menções honrosas em vários prémios de

fotojornalismo. Tem trabalhos publicados, nomeadamente, na Volta aoMundo, Evasões, A Bola, Visão, AP, AFP, Le Monde, ABC, Les Temps, ESPNMagazine e uma foto nas melhores da semana no site da TIME.

IMAGENS DOREPÓRTER

Eleições Presidenciais 2006. Cavaco Silva durante um comício no Coliseu dos Recreios, no Porto. 12-01-2006

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Eleições Legislativas 2005. José Sócrates beija uma senhora durante uma arruada na cidade de Setúbal. 12-01-2005

13 de Maio. Imagem de Nossa Sra de Fátima é transportada até á Capelinha das Aparições. 13-05-2006

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IMAGENS DOREPÓRTER Rodrigo Cabri ta

Retrato do escritor José Luis Peixoto. 26-10-2011

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Retrato do escritor António Lobo Antunes. 03-02-2009

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IMAGENS DOREPÓRTER Rodrigo Cabri ta

Velório do prémio Nobel da

Literatura José Saramago.

20-06-2010

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Vida nocturna. Senhor limpa automóvel num bairro nos arredores de Nova Iorque. 18-11-2008

Sem abrigo. A comunidade Vida e Paz de Sobral de Monte Agraço proporciona aos sem abrigo uma segunda

oportunidade através da formação profissional por forma a reintegrá-los no mercado de trabalho.

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Habitação. Ciganos vivem em condições precárias nos arredores de Beja. 18-10-2010

Hóquei Subaquático. Treino na piscina do Jamor da primeira equipa de hóquei subaquático,

o Grupo Sportivo de Carcavelos. 23-11-2007

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Todos estes momentos de ficçãoíntima, autênticos flashes na minhacabeça, tinham pontos em comum:imaginava a vida na corda bamba e

contra o tempo, com papéis por todo o lado, emuita gente em secretárias, dando o seumelhor naquela orquestra de máquinas deescrever que já não há.

Essas máquinas de escrever que se foramparecem ter levado com elas outras coisas.Levaram mares de gente. De editores, dejornalistas com três décadas de investigação àscostas, de repórteres que tudo fizeram parasaber sempre um bocadinho de tudo e tudosobre algo em concreto. As máquinas de

escrever levaram também os revisores, peloque me dizem. Fantástico.

Dizem que a culpada foi a malvada deInternet, ajudada pela Crise. Entretanto,desapareceram os papéis que se amontoavamnas redacções. São agora links e files e folderse dezenas de outras coisas, cujos nomesinsistimos dizer em inglês.

Há uma grande solidão nisto tudo. Umasolidão que parece relacionar-se com aambição desmesurada da chamada contençãode custos. Ambição de quem gere essasempresas e de quem poucas vezes teve deconter custos a título pessoal. E a verdade éque a crise caiu no cesto de alguns dessesgestores como pão bento. Ideal para despedire acabar com rádios e jornais. Entretanto, os

meios que sobrevivem sofrem amputaçõessucessivas.

Despede-se quem acumulou experiênciaporque se tornou caro. Corta-se nas rubricas eno jornalismo de terreno. Como maçarico,talvez faça demasiadas análises, mas confessoque é complicado viver com esta permanentesensação líquida de não trabalhar, mas de irtrabalhando. Como maçarico, achei estranhoque me dissessem (já vamos na terceira vez)que era o correspondente deste ou daquelemeio e que tinha "exclusividade total," quandoo contrato para essa dedicação a tempo inteironunca apareceu. E como maçarico, confessoque me decepciona ver que aquela redacçãocaótica ao sabor das orquestras das máquinasde escrever se reduziu ao meu quarto e aocomputador a cinco metros de uma televisão.O mais estranho é que, à medida que nosvamos dispersando, cada um em sua casa,longe dos outros, há toda uma concentraçãodos fluxos de informação que se opera.Andamos por aí com uns aparelhos queacabaram com o telex, para saber o queaconteceu já e agora. No entanto, esse já eagora tem cada vez menos narrativas que nosajudem a entender a realidade e a interpretá-la. Com Lusa, com Reuters, com AFP, compoucos recursos e com pouca gente. Muitosartigos deveriam contar com essa observaçãono início.

Rodeado de tecnologia, sinto que sempretrabalhei por minha conta, tirando algumasensaboadelas via telefone. Talvez faça parte deuma geração destes órfãos de Editor, nascidospara a profissão DC e DI (depois de Cristo edepois da Internet). Tenho pena de sentir quefaço parte não de uma classe profissional masde um mar de maçaricos, que vai navegandopor aqui à deriva, ao desbarato. Que bom seriase a realidade fosse um bocadinho menoscinzenta e um pouco mais emocionante, comonos filmes da fábrica de Hollywood de que meservi, mal ou bem, para construir o meuimaginário.

Um Maçarico em HollywoodDesde pequeno, nutri o meu imaginário jornalístico com cenas produzidas pelafábrica de Hollywood. Passou-me de tudo pela cabeça: a gabardine do repórterda Associated Press, o microfone metálico do locutor de rádio com três relógiosem fusos horários diferentes atrás de si, ou ainda as mesas dos telejornais queforam esticando e ganhando cor com o tempo, como se tivessem vida própria. ANTÓNIO

OLIVEIRAE SILVA

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