politic asocial e dsenvolvimento lido parte 1

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    polticas sociais acompanhamento e anlise| 13 | edio especial ipea

    POLTICA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO

    As desigualdades sociais e regionais; a pobreza extrema; a grande concentrao de uxosde renda e estoques de riqueza; a insegurana no trabalho e nas ruas; as discriminaesde raa, gnero e idade; a baixa qualidade dos servios pblicos, entre outros problemasrelevantes da realidade social brasileira, so enmenos inaceitveis. No entanto, emboramuito se tenha avanado na sua compreenso, ainda no possvel vislumbrar uma claraconcertao de interesses que rompa rpida e estruturalmente com as mazelas econmicase sociais que assolam o cotidiano do pas.

    Nesse contexto, o conjunto das polticas sociais brasileiras vive h anos sob orte

    embate entre duas correntes, que envolvem orientaes terico-metodolgicas e ideo-lgicas distintas. De um lado, reconhece-se o aumento da cobertura e do perfl redis-tributivo da poltica social, desde que os dispositivos inraconstitucionais da Carta de1988 comearam a ser implementados; de outro, so atribudas s polticas sociais e aogasto pblico ali comprometido as causas para inmeros males da economia brasileira,desde a pfa perormance econmica da ltima dcada at o aumento da carga tributriae do custo-Brasil.

    Se, de ato, h concordncia com relao necessidade de alteraes no chamadoarcabouo institucional do sistema brasileiro de proteo social, h, por outro lado, umaimensa discordncia em relao ao tipo de reorma que precisaria ser eita. Em meio

    torrente de debates e crticas e contra-crticas ao modelo vigente, bem como s reormasem curso, vemos o pas mergulhado em um ambiente econmico ainda marcado porelementos de desestabilizao (alto endividamento fnanceiro do setor pblico, baixastaxas de crescimento econmico, altas taxas de desemprego), com conseqncias incertassobre as possibilidades uturas de desenvolvimento social sustentado.

    Observar e analisar as polticas sociais em seus processos, resultados e as respec-tivas discusses que as envolvem tem sido a tarea a que o peridico Polticas Sociais Acompanhamento e Anlise vem se dedicando ao longo dos ltimos seis anos. O desafopermanente tem sido no sentido de articular, em uma mesma publicao, uma quantidadegrande e heterognea de temas e reas sociais, com o intuito de acompanhar e analisar,sistematicamente, o desenrolar dos processos concretos que as aetam, abordando questes

    ligadas s condies de vida sob o prisma de cada rea, evoluo do quadro institucionalem cada setor das polticas sociais, anlise dos principais programas/aes combinan-do as dimenses sicas dos indicadores com os nveis de execuo fnanceira sempretendo por base o trabalho cotidiano de pesquisa realizado pelos tcnicos e colaboradoresda Diretoria de Estudos Sociais (Disoc) do Ipea.

    Nesta edio, ao cobrir o perodo que vai de 1995 at 2005, o trabalho de observa-o e compreenso analtica mais geral acerca dos movimentos e grandes tendncias dasdiversas polticas sociais envolve um desafo ainda maior, que os contedos dos captulossetoriais pretendem enrentar.

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    1 O sistema de proteo social brasileiro

    A proteo social no Brasil, que nasce no incio dos anos de 1930 pela vinculao como trabalho, se estruturou em uno da insero na estrutura ocupacional e do acesso abenecios vinculados a contribuies pretritas. No entanto, o capitalismo aqui insta-lado e a atuao regulatria do Estado no campo trabalhista no lograram universalizar

    o enmeno do assalariamento ormal, tornando incompleto o processo civilizatriode um capitalismo minimamente organizado, tal qual levado a cabo nas experinciasdos pases europeus ocidentais.

    Assim, a histria mostra que, alm de nunca ter sido possvel levar o sistema de proteosocial maioria da populao brasileira ocupada deixando desprotegido tanto o contingen-te envolvido na economia de subsistncia no meio rural quanto aqueles empregados na vastavariedade de atividades inormais que prolieram nos centros urbanos comeou a haver, desdeos anos 1980, a expulso de parte do contingente antes incorporado ao sistema. Desse modo,a insero das pessoas no mundo da proteo social pela via do trabalho que, at 1980,constitua a regra para pouco mais da metade da populao ocupada passou a ser umaexpectativa ainda menos crvel para a maioria dos trabalhadores brasileiros no decorrer

    deste ltimo quarto de sculo.

    Nesse contexto, a Constituio de 1988 surgiu como um marco na histriada poltica social brasileira, ao ampliar legalmente a proteo social para alm davinculao com o emprego ormal. Trata-se de uma mudana qualitativa na con-cepo de proteo que vigorou no pas at ento, pois inseriu no marco jurdicoda cidadania os princpios da seguridade social e da garantia de direitos mnimose vitais reproduo social. Nesse sentido, houve uma verdadeira transorma-o quanto ao status das polticas sociais relativamente a suas condies pretritasde uncionamento. Em primeiro lugar, as novas regras constitucionais romperam coma necessidade do vnculo empregatcio-contributivo na estruturao e concesso de

    benecios previdencirios aos trabalhadores oriundos do mundo rural. Em segundolugar, transormaram o conjunto de aes assistencialistas do passado em um embriopara a construo de uma poltica de assistncia social amplamente inclusiva. Em ter-ceiro, estabeleceram o marco institucional inicial para a construo de uma estratgiade universalizao no que se reere s polticas de sade e educao bsica. Alm disso,ao propor novas e mais amplas ontes de fnanciamento alterao esta consagrada nacriao do Oramento da Seguridade Social estabeleceu condies materiais objetivaspara a eetivao e preservao dos novos direitos de cidadania inscritos na idia deseguridade e na prtica da universalizao.

    No entanto, apesar desses avanos de natureza jurdico-legal e da eetiva ampliaoda cobertura, a implementao das polticas sociais oi sendo condicionada, durante adcada de 1990, pela combinao de atores macroeconmicos e polticos, que resulta-ram na confgurao de uma agenda pautada por cinco diretrizes bsicas: universalizaorestrita, privatizao da oerta de servios pblicos, descentralizao da sua implementa-o, aumento da participao no-governamental na sua proviso e ocalizao sobre apobreza extrema em algumas reas da poltica social. Essa agenda comportava reormasde orientao geral liberalizante, em termos da concepo, implementao e gesto daspolticas em vrias reas da proteo e do bem-estar social. Resultantes do embate deoras polticas e ideolgicas presentes tanto na disputa entre os setores pblico e privadocomo intra-setores pblicos, as reormas impuseram um carter pr-mercado s polticas

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    sociais brasileiras, em detrimento do princpio pblico e universalizante que est na basedo captulo constitucional relativo ordem social.

    Nesse sentido, a expresso universalizao restrita tem como reerncia o ato deque a universalidade da cobertura e do atendimento, no que diz respeito ao conjuntodas polticas de educao e de seguridade (sade, previdncia e assistncia social), no se

    frmou totalmente, nem como princpio ideolgico geral e tampouco como prtica doEstado na implementao concreta de tais polticas, passados dezoito anos da promulga-o da Carta Constitucional. Apesar de a oerta de bens e servios pblicos e gratuitos nasreas de sade e do ensino undamental ter alcanado nveis bastante elevados de coberturae, mais importante, ter consolidado ao menos ormalmente o carter universalizante dosprogramas e aes governamentais por todo o territrio nacional, tal oi acompanhadodo avano e concorrncia (muito mais que da complementao) dos setores privados.

    Na rea de previdncia social, a universalidade da cobertura oi limitada ao longodos anos 1990. De ato, no Regime Geral de Previdncia Social (RGPS) houve aumentode cobertura no atendimento aos benefcirios, especialmente com a implementao doregime de previdncia rural. Entretanto, a ampliao da cobertura ainda no oi suf-ciente para cobrir toda a populao do espao urbano. Isto se deve, undamentalmente, concesso de benecios mediante contribuio prvia, em um contexto de grandeinormalidade das relaes de trabalho no pas. Alm disso, como a estrutura de remu-neraes vinculadas ao RGPS historicamente baixa, abriu-se espao para a atuao deum setor de previdncia complementar com grande potencial de captura junto s ranjasmdia e superior da distribuio de rendimentos.

    No caso da assistncia social, embora constitua rea de atendimento voltada ex-clusivamente s camadas pobres e em situao de vulnerabilidade e incapacidade para oprovimento de sua prpria renda, esta possui poder limitado de ampliao da coberturaem razo, basicamente, dos estreitos limites estabelecidos pelos critrios de renda domi-

    ciliarper capita que so utilizados como condio de elegibilidade aos benecios. Emum pas onde um contingente muito grande da populao recebe rendimentos muitobaixos, critrios restritivos para a concesso de benecios assistenciais acabam sendo aorma de regular o gasto social nessa rea, minimizando as presses sobre a estrutura defnanciamento pblico.

    Pelo exposto, pelo menos duas questes devem ser ressaltadas. A primeira delas queo esoro de gasto para uma estratgia social universalizante, no caso brasileiro, teria deser superior quele realizado pelo Estado ao longo dos anos de 1990. A segunda a mu-dana de patamar nas relaes pblico-privado para a implementao de polticas sociaisno Brasil. Trata-se aqui do crescimento acelerado e, em alguns casos, o ortalecimento

    do setor privado lucrativo na composio total das polticas sociais desde 1988.Paralelamente, outras trs caractersticas complementares s anteriores tambm

    oram se ortalecendo ao longo da dcada de 1990: descentralizao, ocalizao daspolticas e ampliao da atuao de organizaes no-governamentais. A descentrali-zao nasceu na esteira da redemocratizao poltica, no incio dos anos de 1980, e seconsolidou como um dos princpios undamentais na discusso constituinte acerca donovo ormato institucional que as polticas sociais deveriam ter. A idia de constituir umsistema poltico e administrativo em que as atribuies na rea social ossem comparti-lhadas pelas dierentes eseras de governo requeria, no entanto, a coneco de inmerospactos polticos entre a Unio, os estados e os municpios no sentido de consolidar as

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    respectivas responsabilidades concernentes ormulao, ao fnanciamento, execuoe fscalizao das aes. Contudo, ainda que a idia da descentralizao, como umprincpio undamental de gesto pblica, tenha se mantido no discurso ofcial, e as expe-rincias na sade e no ensino undamental sejam positivas em termos gerais, avanou-sequase que exclusivamente na descentralizao do gasto, com transerncia massiva dasresponsabilidades de implementao das aes aos estados e municpios.

    Outra caracterstica importante do perodo oi a ocalizao das polticas sociaisno combate direto pobreza. Essa particularidade nasceu e se consolidou como novoprincpio orientador da atuao do Estado ao longo dos anos de 1990, afrmando-se, em vrios sentidos, na contramo dos preceitos universalizantes impressos naConstituio de 1988. importante atentar para o ato de que, ao deslocar o oco dadiscusso do desenvolvimento com incluso social para o tema do combate pobreza via supostamente mais efcaz e efciente de aplicao dos recursos ofciais a oca-lizao complementa de orma coerente o conjunto da estratgia social que se impsnos anos 1990.

    Observa-se ainda a construo de certo nvel de comprometimento de setorespblicos no-estatais ou setores privados no lucrativos em relao execuode aes sociais voluntrias ou compartilhadas com o prprio setor pblico estatal.O aumento da participao social organizada na estratgia geral de atendimento socialao longo da dcada de 1990 esteve originalmente ligado idia de maior envolvimentoe participao da sociedade civil na ormulao, implementao, gesto, controle e ava-liao das polticas sociais. Contudo, o sentido dessa atuao, bem como os resultadosalcanados at o momento, no so ainda sufcientemente conhecidos para se anteciparqualquer avaliao neste momento.

    2 Estrutura tributria e padro fscal-fnanceiro do gasto pblico ederal

    As caractersticas do padro de implementao das polticas sociais ao longo dos anos1990 concorrem, conjunta e estruturalmente, para limitar as necessidades de fnancia-mento do gasto pblico social, notadamente em mbito ederal, o que tambm coerentecom a estratgia mais geral de conteno fscal do governo diante dos constrangimen-tos macroeconmicos (auto)impostos pela primazia da estabilizao monetria sobrequalquer alternativa de poltica econmica. A universalizao restrita e a ocalizaona pobreza de uma parte das polticas signifcam reduo de gastos sociais potenciais,com rebatimentos incertos em termos da cobertura e atendimento social populao.Enquanto isso, a privatizao da oerta de servios pblicos , ao contrrio, uma ormade transerir parte signifcativa do fnanciamento de bens e servios sociais diretamentes prprias amlias, que so obrigadas a assumir custos crescentes e reduo da renda

    disponvel em razo da ausncia ou precariedade da proviso pblica, em especial nasreas de sade, previdncia e educao.

    Por isso, um tema permanente dos debates na rea social o do fnanciamento egastos pblicos. Esse debate tem sido dominado por um vis ideolgico que az a anliseisolando-se as duas dimenses principais do problema receitas e gastos de modoque parece que o lado da receita, que decorre de um determinado modelo tributrio,no guarda relao com o do gasto, que viabiliza aes e programas sociais. De incio,cabe ressaltar que uma estratgia de universalizao das polticas sociais, que obviamenteenvolve gastos, teria eeito redistributivo muito mais potente se estivesse associada auma estrutura de arrecadao tributria mais justa e progressiva. Raciocinar dessa or-

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    ma equivale a colocar na agenda pblica a necessidade de uma reorma tributria quecaminhe em direo a uma estrutura tributria centrada sobre o estoque de riqueza reale fnanceira, tanto de pessoas sicas como jurdicas, e que seja progressiva no que tangeaos uxos de renda. Embora seja necessria toda uma engenharia tcnica e poltica paraalterar a estrutura de fnanciamento pblico, posto tratar-se de mecanismo por meiodo qual a sociedade interere na distribuio primria da renda, undamental atentarpara o princpio que justifcou mudanas tributrias no passado, qual seja, o princpioda vinculao entre base nacional da acumulao capitalista e base tima de tributao.

    A diversifcao das ontes de tributao, aliada a uma simultnea ampliao dasbases de incidncia, resposta necessria do poder pblico diante da complexifcaodo sistema econmico. Parte dos problemas atuais do sistema tributrio brasileiro estrelacionada a uma situao de descompasso entre a dinmica da economia real e o arca-bouo institucional existente. Trata-se de um descompasso entre a base principal sobrea qual se processa a acumulao capitalista numa era global fnanceirizada e a estruturade fnanciamento pblico anacrnica, a qual ainda onera proporcionalmente mais ossetores econmicos de base industrial e comercial, em avorecimento relativo aos setores

    de base fnanceira e de servios, a inclusos os setores de entretenimento e de serviostecnolgicos e de comunicao.

    Um segundo aspecto importante da relao entre arrecadao tributria e gastospblicos est relacionado perversidade da imensa transerncia de renda que est se pro-cessando no Brasil, dos setores produtivos para os fnanceiros e das classes trabalhadoraspara as classes rentistas. Tal enmeno, alis, observvel tambm em mbito mundial,pode ser visto de pelo menos duas maneiras para o caso brasileiro. De um lado, a estruturavigente de arrecadao distorce ainda mais a disputa j desigual entre capitais produtivos efnanceiros por aplicaes rentveis, pois, ao onerar proporcionalmente mais os primeirosem relao aos ltimos, ajuda a tornar a efcincia marginal do capital produtivo menor

    que a efcincia marginal do capital fnanceiro, tudo o mais constante.De outro lado, observa-se que se cresce a carga tributria brasileira em relao ao

    PIB, crescem bem menos que proporcionalmente os aportes fscais para o gasto social epara investimentos diretos. A dierena de crescimento dessas variveis pode ser explicadapelo peso crescente dos juros sobre a dvida pblica. Com isso, tem-se uma situaoexplcita de transerncia de renda do lado real da economia para o lado fnanceiro, que,alm de no oerecer contrapartidas sufcientes em termos de ampliao dos crditos ouvalorizao do mercado de capitais, tende a ser to mais grave quanto maior o supervitprimrio supostamente destinado a demonstrar a capacidade de pagamento do pasrente a seus credores, nacionais e estrangeiros.

    Formando uma outra dimenso de anlise sobre o fnanciamento e o gasto, im-portante salientar que os aumentos reais do salrio mnimo que baliza grande partedos benecios sociais tm um duplo eeito sobre as fnanas pblicas. De um lado, oimpacto fscal decorrente do aumento dos gastos pblicos em geral; de outro, o impactotributrio decorrente do aumento da arrecadao de impostos e contribuies sociaisligado ampliao do consumo. Essas duas dimenses caminham juntas e precisam sertratadas simultaneamente para fns de uma anlise mais isenta e precisa do assunto.

    Quanto aos impactos fscais (praticamente o nico aspecto que considera-do em grande parte das anlises correntes), haveria que se analisar no s o pesode aumentos reais do salrio mnimo nos gastos sociais, mas tambm o peso des-

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    ses aumentos no oramento pblico como um todo, a im de se ponderar cor-retamente as prioridades de gasto em curso na economia (gastos sociais, dvidapblica, juros, investimentos, gastos com pessoal etc.). Quem ganha? Quem per-de? Que deslocamentos esto se processando no interior do oramento pblico?

    As respostas a essas perguntas so importantes para se verifcar os eeitos redistributivosdos gastos pblicos em sua integralidade e conront-los com aqueles que esto associadosa aumentos reais do salrio mnimo.

    Quanto aos impactos tributrios (aspecto praticamente ignorado no debate corrente),haveria que se analisar os eeitos potencialmente virtuosos sobre a economia e sobrea arrecadao de impostos e contribuies sociais provenientes de aumentos reais dosalrio mnimo. Esses aumentos, incorporados s estruturas de custos das empresas,convertem-se paulatinamente em aumento da massa salarial tributvel e em expanso doconsumo corrente tambm tributvel. Em ambos os casos, a despeito da regressividadeda estrutura de arrecadao ainda vigente no pas, trata-se, em grande medida, de ontesde fnanciamento constitucionalmente criadas e vinculadas aos gastos sociais que soimpactados por aumentos reais do salrio mnimo, quais sejam, benecios mnimos da

    previdncia, assistncia e seguro-desemprego.A partir dessas observaes, trs questes cruciais ganham relevo. Primeiramente,

    que questionvel a viso em voga acerca do suposto dfcit explosivo da previdncia,uma vez que, constitucionalmente, os gastos previdencirios, assistenciais e do seguro-desemprego possuem ontes explcitas de fnanciamento e, de ato, vm sendo cobertospelo conjunto de recursos a eles destinados pelas contribuies sociais vinculadas segu-ridade social. Segundo, que os dados de desempenho corrente das fnanas sociais ederaisdemonstram que o movimento de disputa distributiva no interior do oramento pblicoederal se d a avor dos juros e encargos da dvida pblica, em detrimento de todas asdemais categorias de gasto. Por ltimo, constata-se que a rea social vem sustentando

    esse processo de concentrao fnanceira da renda, pois a arrecadao tributria para oOramento da Seguridade Social (OSS) vem crescendo sistematicamente rente dogasto social ederal, mas esses recursos no chegam s polticas sociais. Desse modo, no possvel avaliar adequadamente os impactos sociais dos gastos pblicos sem considerartambm como dimenso crucial dos problemas de eetividade e efccia distributivasessa ampla viso do fnanciamento e gasto das polticas e programas governamentais,particularmente os da rea social.

    3 Desafos e perspectivas setoriais

    Se as polticas sociais em seu conjunto enrentam questes importantes que aetam di-retamente o sentido geral de sua implementao, as reas setoriais tm que azer rente a

    temas especfcos que, em cada caso, confguram perspectivas no menos desafadoras.Nas polticas da Seguridade Socialdestacam-se duas ordens de questes. Uma diz

    respeito insegurana jurdica que desde a promulgao da Constituio de 1988 acometeesse sistema. Originalmente concebido para dispor de um Ministrio nico, aglutinadordas polticas de previdncia social, assistncia e sade, de um conselho de participaodefnidor das prioridades alocativas e de um oramento prprio, autnomo da rea fscal,tal sistema nunca chegou a se estabelecer plenamente. Apenas tomou orma o Oramen-to da Seguridade Social, a ltima daquelas instituies inicialmente previstas e, aindaassim, mais como parte contbil do oramento pblico que como mecanismo especfcode fnanciamento a compor uma estratgia mais ampla de eetivao das polticas de

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    seguridade social. No toa, portanto, que essa pea oramentria tenha atravessadoos ltimos dez anos, pelo menos, sob ataque permanente daqueles que vislumbram acompleta supresso dessa pequena autonomia, inteno esta explicitamente declaradanas reormas da seguridade social que o campo conservador pressiona para que sejamadotadas a partir de 2007, ato que remete segunda ordem de questes anunciada.

    Como se poder ver no captulo da Seguridade Social, a estrutura de fnanciamentodas polticas de previdncia social, assistncia social, sade pblica e seguro-desempregotornou-se, ao longo do perodo 1995-2005, quase exclusivamente dependente das con-tribuies de empregados e empregadores ao Instituto Nacional de Seguridade Social(INSS) e das demais contribuies vinculadas ao Oramento da Seguridade Social.

    A participao de tributos voluntrios, ou no-vinculados explicitamente ao fnancia-mento deste sistema, caiu de 34,8% para 7,4% entre 1995 e 2005. Ainda assim, as ontesfnanceiras remanescentes conseguiram azer jus s necessidades globais de fnanciamentodessas polticas, tal qual previsto no escopo jurdico da Seguridade Social. Haveria mesmouma olga fnanceira maior para a garantia da aplicao dos direitos sociais constitucio-nais, no osse a aplicao recorrente das desvinculaes de recursos via Fundo Social

    de Emergncia (FSE), Fundo de Estabilizao Fiscal (FEF) e Desvinculao de Receitada Unio (DRU) para a Unio compor sua estratgia de supervit fscal primrio. Porisso, o texto destaca como preocupantes as propostas de reorma que buscam destruiro esquema de fnanciamento da Seguridade Social, seja desvinculando as contribuiessociais desse oramento, seja desvinculando o salrio mnimo como piso dos beneciossociais, sem apresentar nenhuma alternativa fscal garantia dos direitos consagradospela Constituio de 1988.

    Esse debate do fnanciamento, que geral s polticas da seguridade social, sedesdobra nos captulos subseqentes, de Previdncia Social, Assistncia Social e Sade,cada qual com suas especifcidades. No captulo da Previdncia Social, a questo do f-

    nanciamento particularmente importante, pois, como se sabe, essa poltica o ncleocentral do sistema brasileiro de proteo social, tanto em termos de cobertura como derecursos fnanceiros envolvidos. No obstante os avanos obtidos desde a implementaodos dispositivos constitucionais de 1988, ainda reina uma grande desproteo previden-ciria no pas, que atinge algo em torno de 45% da populao economicamente ativa,ortemente localizada em atividades no-agrcolas, residentes sobretudo no meio urba-no. Alm disso, h um srio problema de aderncia entre o modelo bsico de proteovinculado a contribuies sobre a olha de salrios e a trajetria de desassalariamentoormal da mo-de-obra ativa, ato que se nota pela queda da relao entre contribuintesativos sobre benefcirios totais, que passou de 1,86 para 1,78 entre 1995 e 2005.

    Da a importncia, no mbito dos desafos nessa rea, de novas polticas de incluso

    previdenciria, sobretudo para segmentos de trabalhadores historicamente alijados dosprocessos de incluso social pelo trabalho regulado. Isto porque difcilmente tero condi-es atuariais de cumprir longos perodos de contribuio ao sistema, mas que necessitam,tais quais os demais trabalhadores, de proteo no s na velhice como tambm na aselaboral, contra eventos como desemprego, acidentes de trabalho, doenas, invalidez,maternidade, recluso etc. O desafo da incluso previdenciria aponta que o problemade fnanciamento nessa rea vai alm da manuteno das vinculaes atuais; envolveria,na verdade, uma discusso sobre o aporte de recursos adicionais, preerencialmente deontes fscais progressivas, se o objetivo da proteo social or de ato algo presente no

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    horizonte das prximas decises polticas. Por isso, ainda que parte do problema defnanciamento possa ser enrentada com a ampliao programada dos limites de idadepara aposentadoria e com um processo contnuo de melhoramentos em gesto, comodeendido no captulo sobre Previdncia, novos requerimentos em termos de recursossero necessrios para enrentar os desafos da incluso previdenciria.

    Situao semelhante a que se descortina no captulo daAssistncia Social, que rea-liza um amplo balano das polticas de assistncia orjadas com base na Constituio de1988, bem como daquelas iniciativas nos campos da segurana alimentar e nutricionale das transerncias condicionadas de renda. Essa abrangncia de escopo se explica peloato de que o pblico-alvo desse grupo de polticas no mais identifcado apenas comoaquele caracterizado pela insufcincia de renda. Incluem-se tambm aqueles que, emsituao de vulnerabilidade social (pela idade, defcincias ou outras condies) ou emsituao de violao de direitos (por violncia, abandono, trabalho inantil, entre outros),necessitam da oerta de determinados servios pblicos. Ainda assim, o captulo ressaltaque o contexto da pobreza que az que, no Brasil, as polticas de assistncia social esegurana alimentar tenham uma grande amplitude, devendo atender parte expressiva da

    populao, ao mesmo tempo em que impe a necessidade de implementao de amploprograma de transerncia de renda, com implicaes importantes no que diz respeito consolidao de direitos e ao fnanciamento pblico.

    Em relao consolidao de direitos sociais, o captulo mostra que os bene-cios no-contributivos da Lei Orgnica Assistncia Social (Loas) o Benecio dePrestao Continuada (BPC) para idosos e pessoas com defcincia ampliarama proteo social brasileira. Tais resultados, que tambm so importantes na re-duo da pobreza observada nos ltimos anos, devem-se no apenas adequadagesto do programa, benefciando as populaes de idosos e pessoas com defcin-cias nos extratos de mais baixa renda, como tambm ao valor do benecio pago.

    A vinculao dos benecios assistenciais ao salrio mnimo adotada pela Constituiode 1988 um ator determinante no impacto positivo observado por esse programa e,assim, entende-se que deve ser mantida. Contudo, essa cobertura ainda no se encontrauniversalizada, havendo parte expressiva da populao que, apesar de sujeita a riscosou em condies de vulnerabilidade social, no contribuinte da Previdncia Social etampouco est dentro da aixa de renda que permitiria acesso ao BPC. Essa populaotende a pressionar, no uturo, a demanda por benecios sociais, ou a engrossar o nme-ro de amlias em situao de pobreza nos casos de inatividade provocadas por doena,velhice, desemprego ou invalidez. Nesse sentido, necessrio avanar na universalizaoda cobertura de toda a populao inativa por meio de programas de garantia de renda, ar-ticulando uma poltica de incluso previdenciria s estratgias de cunho assistencial.

    Do mesmo modo, estudos realizados tendo por base a Pnad 2004 tm permitidoobservar o eeito positivo dos programas de transerncia de renda, unifcados pelo Bol-sa Famlia, no combate indigncia e pobreza e na queda da desigualdade de renda.

    A consolidao desse programa como poltica pblica e direito do cidado depende,contudo, de seu reconhecimento como direito social vinculado condio de insuf-cincia de renda. Esse seria um passo importante para eetivar a garantia de proteosocial a ser dada pelo Estado brasileiro a todos os seus cidados que estejam ou venhama estar em situao de extrema pobreza, permitindo ainda que o Bolsa Famlia passassea integrar de orma permanente a poltica de seguridade social.

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    Do ponto de vista do fnanciamento, a progressiva ampliao da proteo socialoertada pelas polticas de Assistncia Social, Segurana Alimentar e Transerncia deRenda tem colocado na agenda pblica a questo de como proteger (e at mesmo am-pliar) o montante atualmente gasto nas polticas sociais. Dos resultados desse embatedependem tanto a capacidade de ampliar a proteo social populao brasileira comoa manuteno de sua efccia no enrentamento e preveno das situaes de extremapobreza e vulnerabilidade.

    No captulo da Sade, ressalta-se que os avanos oram signifcativos, ainda quenovos e velhos problemas permaneam espera de soluo. A questo do fnanciamentodas polticas pblicas de sade no Brasil que compreendem no s a Ateno Sade,mas tambm aes de Vigilncia, Promoo e Preveno um desses problemas. Emparte, devido orma pela qual o Oramento da Seguridade Social (OSS) oi imple-mentado, as polticas pblicas de sade enrentam problemas de fnanciamento desdeo incio do Sistema nico de Sade (SUS) com destaque para a crise em 1993. Esteproblema oi apenas parcialmente equacionado com a criao da CPMF, em 1997, e, demodo mais consistente, com a aprovao da Emenda Constitucional no 29 (EC 29), em

    2000. Contudo, a demora na regulamentao da EC 29 gera toda uma srie de questesde interpretao que vem prejudicando sua implementao.

    Desta orma, ainda que a emenda tenha promovido o crescimento dos recursosaplicados por estados e municpios que tenha conerido maior estabilidade aos aportesda Unio, o resultado fnal fcou aqum do esperado. O patamar de gastos pblicosem Sade ainda claramente insufciente para cumprir a misso que a Constituio de1988 se props: estabelecer um sistema de sade pblico, universal, integral e gratuito.De acordo com Organizao Mundial da Sade (OMS) o Brasil gasta apenas 3,45% doPIB com polticas pblicas de Sade, muito menos que os 5,1% da Argentina, os 6,9%da Inglaterra ou os 7,2% da Frana. De outro lado, o setor privado de planos e seguros

    de ateno sade atende cerca de 43 milhes de pessoas, movimentando recursos que,somados ao gasto das amlias com medicamentos, alcana 4,1% do PIB. A chamadaSade Suplementar, portanto, exige uma regulao frme e um monitoramento constante um inescapvel desafo para as polticas pblicas de sade.

    Outra ordem de questes surge das mudanas em curso no quadro de sade da po-pulao brasileira. Apesar de o declnio da mortalidade inantil ser um processo contnuoem todo o pas nas ltimas dcadas, no s a taxa de mortalidade inantil se mantmem nveis inaceitveis acima de 26 bitos por mil nascimentos como os dierenciaisentre as grandes regies e entre os diversos grupos sociais continuam bastante elevados.

    A taxa de mortalidade inantil na regio Nordeste ainda mais que o dobro da observadana regio Sul; a taxa de mortalidade de crianas com at um ano cujas mes tm at trs

    anos de estudo tambm mais que o dobro que a ocorrida com crianas cujas mes tmoito anos ou mais de estudo; o risco de mortalidade inantil da populao preta e parda signifcativamente mais elevado que o da populao branca, e assim por diante.

    As Doenas Crnicas No Transmissveis (DCNTs) vm aumentando a sua im-portncia, com destaque para o crescimento dos bitos causados pelo diabetes e porneoplasias e para os nveis elevadssimos das doenas do aparelho circulatrio. Isto remeteobrigatoriamente para uma mudana na interveno da poltica pblica de sade, quetambm dever ser cada vez mais preventiva e educativa, promovendo novos e melhoreshbitos cotidianos na populao, como reeducao nutricional e o estmulo a atividades

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    sicas, por exemplo. Concomitantemente, no se pode descuidar da vigilncia sobre asdoenas transmissveis, como a malria e a dengue, por exemplo, que ainda apresentamnveis signifcativos de morbidade, nem enraquecer a estratgia implementada para ocombate Aids, que tem apresentado bons resultados. Esses desafos, somados aos im-pactos dos inumerveis acidentes de trnsito e da escalada da violncia, requerem da rea

    da sade uma ao mais integrada com outras polticas pblicas, de orma a promoverum enrentamento mais efcaz desses problemas.

    Para enrentar tal agenda, alm das questes supracitadas, melhorias na gesto doSUS so necessrias e urgentes. A disseminao da estratgia da Ateno Bsica no apenasacelerou a descentralizao do SUS, mas trouxe consigo tambm a rpida expanso doprograma Sade da Famlia (PSF). Promover estratgias desse tipo permite consolidar apreveno e a promoo da sade e reduzir a presena do modelo hospitalocntrico, oque tornaria o sistema como um todo no s menos caro fnanceiramente, mas tambmmais efcaz principalmente diante do crescimento das DCNTs. Contudo, para que essepotencial seja concretizado, a resolutividade da Ateno Bsica, bem como o seu papelcomo porta de entrada do sistema de ateno sade, tm que merecer maior ateno.Nesse sentido, so urgentes aes que promovam os seguintes resultados: a melhoria daintegrao da Ateno Bsica e do PSF com os outros nveis da rede hospitalar e ambula-torial alta e mdia complexidade; a reduo da instabilidade nas relaes de trabalho dosprofssionais do PSF; a ampliao da cobertura do PSF nas grandes cidades; e a acilitaodo acesso dos pacientes aos demais nveis de atendimento e aos medicamentos, undamen-talmente aqueles de uso contnuo.

    O captulo que trata da Educao apresenta um quadro educacional em que houveampliao do acesso a quase todos os nveis e modalidades de ensino e em que o acessoao ensino undamental oi praticamente universalizado. Apesar disso, no ensino unda-mental apenas 57% dos alunos matriculados conseguem conclu-lo. Como agravante,

    observa-se que a escolaridade mdia do brasileiro permanece abaixo da escolaridadeobrigatria no pas, que de oito anos. Destaca-se, ainda, a persistncia de ortes desi-gualdades educacionais entre regies do pas, entre o campo e a cidade, bem como entrebrancos e negros, em que pesem os avanos observados. Entretanto, a baixa qualidadeda educao bsica continua sendo um dos mais graves problemas da educao escolarno Brasil, mas a ela se somam o analabetismo, que atinge ainda parcela expressiva dapopulao brasileira, e o acesso restrito aos nveis de ensino no obrigatrios: inantil,mdio e, sobretudo, superior.

    Esses resultados comprovam que o reconhecimento da natureza estratgica da educa-o, seja para o desenvolvimento econmico-social, seja para a consolidao da cidadania,ainda que parea ter-se constitudo em consenso nos vrios segmentos sociais da Nao,no tem sido sufciente para a superao dos problemas educacionais brasileiros. Nessesentido, o primeiro grande desafo o de transormar esse consenso em um pacto na-cional pela educao, cuja eetividade depender da co-participao das diversas eseras degoverno e da sociedade civil, mediante a fxao de metas claras e exeqveis, com respeito erradicao do analabetismo, ampliao do acesso aos nveis de ensino no-obrigatriose melhoria da qualidade em todos os nveis e modalidades de ensino.

    Outro desafo que deve ser enrentado diz respeito aos problemas de eetividade daatuao das diversas eseras de governo, principalmente em decorrncia do rgil exercciopelo governo ederal de sua uno de coordenao da poltica educacional nacional,

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    e da pequena ou quase inexistente interveno dos diversos atores sociais nas decises.Nesse sentido, az-se necessria a implementao eetiva do regime de colaborao entreeseras de governo, mediante a criao de instncia colegiada de deciso sobre polticaspara a educao bsica.

    A garantia de acesso e permanncia da populao brasileira na educao bsica de

    boa qualidade, ou seja, nos seus trs nveis (educao inantil, ensinos undamental emdio), inclusive daqueles que no tiveram esse acesso na idade prpria o que implicaa incluso da educao de jovens e adultos torna necessria a implementao de umnovo mecanismo de fnanciamento que seja capaz de suprir os recursos necessrios.Os dados mostram que os gastos do Ministrio da Eduao fcaram constrangidos du-rante quase todo o perodo. Em parte, a perspectiva de enrentamento desse desafo jest em andamento com a aprovao do Fundeb. No entanto, pr-condio de sucessodesse mecanismo que ele siga pelo menos duas orientaes: i) que a complementao derecursos pelo governo ederal signifque de ato recursos adicionais, e no uma subs-tituio de ontes; e ii) que se busque garantir um padro mnimo de investimento poraluno, baseado em padres de qualidade adequados (custo aluno qualidade). Essas duas

    orientaes implicam um necessrio e eetivo aumento dos gastos pblicos direcionadosa rea, principalmente com maior comprometimento do governo ederal.

    O captulo de Trabalho e Renda, por sua vez, mostra que o mercado de trabalhonacional passou por algumas modifcaes proundas ao longo do perodo 1995-2005,quase todas inuenciadas pelo cenrio macroeconmico. Os dados ali apresentadossugerem que a situao dos trabalhadores, em termos de ocupao e rendimentos, noest hoje muito melhor do que em 1995. A combinao entre crescimento da taxa dedesemprego, manuteno de um baixo grau de ormalizao e reduo da renda mdiaimplicou uma massa salarial reduzida. Isso no apenas contribui para a diminuio dacobertura da proteo social, na medida em que menos pessoas azem jus aos critrios

    de acesso aos benecios contributivos, como tambm implica a reduo da sua base defnanciamento. Esse amplo conjunto de situaes no passou desapercebido do MTE,que tentou ir adequando o desenho de seus programas aos problemas mais srios domercado de trabalho, embora sempre de orma reativa, com meios insufcientes parainuir decisivamente na defnio da poltica macroeconmica, responsvel, em ltimainstncia, pelos principais determinantes do nvel e qualidade das ocupaes e rendi-mentos dos trabalhadores. Alie-se a isso a nase conerida pelo MTE a polticas queatuam sobre as caractersticas da oerta de trabalho (seguro-desemprego, intermediaode mo-de-obra e qualifcao profssional), as quais, por si mesmas, so incapazes deengendrar a abertura de novas vagas.

    No caso do seguro-desemprego, h um desafo imenso no sentido de tornar esse tipo

    de programa mais efcaz, num contexto de grande desproteo da populao economica-mente ativa e de tipos muito diversos de desemprego, que aetam mais uns grupos queoutros, e que so de tendncia mais duradoura que a prpria vigncia do benecio. Nocaso da qualifcao profssional, em razo da sua importncia estratgica para um melhordesempenho coletivo da ora de trabalho, o desafo reside basicamente em ampliar aescala de operao por meio da coordenao de esoros do MTE e suas contrapartesestaduais, municipais e no-governamentais, da rede de educao profssional regulare das entidades de aprendizagem (Sistema S), evitando a atuao paralela que tem sidoa regra at o momento. Mas o texto tambm mostra que, para alm da necessidade de

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    apereioar a integrao dessas polticas, h que estend-las para segmentos desde sempreexcludos, a exemplo de iniciativas como os programas de gerao do primeiro empregopara jovens e a recente constituio de um programa-piloto de qualifcao para traba-lhadoras domsticas. No mbito mais geral, porm, a ronteira possvel de expanso dosistema est centrada na estruturao de polticas ativas de criao de trabalho e renda,atuando pelo lado da demanda por mo-de-obra, o que certamente implicar grandetenso sobre os recursos existentes.

    Do ponto de vista do fnanciamento do sistema, particularmente importante seria oestabelecimento de maior convergncia de atuao entre o BNDES e os objetivos de geraode emprego e renda presentes nos programas do MTE, pois dentre outros motivos,h o ato de que a maior parte do oramento anual daquele banco provm do repasseconstitucional de 40% da arrecadao PIS/Pasep. Sendo esta a principal onte de fnan-ciamento do BNDES como do Ministrio, caberia aprimorar os mecanismos de controlepblico no uso desses recursos, alm de maior segurana contra injunes promovidasem nome, por exemplo, da DRU, que tem subtrado anualmente 20% da arrecadaodo PIS/Pasep dos oramentos fnais dos dois rgos. Apenas no caso do MTE, essa arti-

    manha fscal tem sido responsvel por perdas anuais de mais de R$ 2 bilhes no perodorecente, azendo que o volume de recursos disponveis seja sufciente para cobrir apenasos programas constitucionais do FAT (seguro-desemprego e abono salarial). Todos osdemais programas fnalsticos da pasta fcam na dependncia dos retornos fnanceirosprovenientes das aplicaes do FAT junto aos bancos ofciais, no restando, dessa ma-neira, quase nenhum espao de manobra para as reormas de carter modernizador eincludente que se azem necessrias.

    Os dois captulos seguintes abordam um tema que vem ganhando espao no debatesocial recente, qual seja, a questo da transversalidade nas polticas pblicas. Impulsionadopela criao das Secretarias Especiais de Polticas para as Mulheres (SPM), de Promoo

    da Igualdade Racial (Seppir) e de Direitos Humanos (SEDH), em 2003, o princpioda transversalidade tem por objetivo assegurar que as perspectivas de gnero, raa e di-reitos humanos estejam presentes em todas as instncias executoras e ormuladoras daspolticas pblicas, em especial das polticas sociais. Procura-se, dessa maneira, asseguraros princpios constitucionais de no-discriminao e de igualdade de tratamento, deoportunidades e de acesso aos servios pblicos oertados pelo Estado.

    O captulo Direitos Humanos, Justia e Cidadania discute alguns dos intricados as-pectos envolvidos na incorporao de temas transversais s polticas pblicas. O principalobjetivo do texto apresentar um balano da poltica ederal nessa rea, o que eitosob trs prismas: primeiro, resgata a trajetria da incorporao dos direitos humanos naagenda poltica brasileira; segundo, trata da ateno a grupos populacionais especfcos

    que ganharam institucionalidade na poltica brasileira de direitos humanos, tais comocrianas e adolescentes, mulheres, pessoas com defcincia, idosos, gruposgays, lsbicas,travestis, transgneros e bissexuais e pessoas ou grupos que reconhecidamente atuam nadeesa dos direitos humanos; fnalmente, aborda as aes ederais na rea de SeguranaPblica, enocando as questes que respondem pela promoo de condies avorveisao pleno exerccio e deesa dos direitos humanos.

    Em linhas gerais, o captulo mostra que houve, entre 1995 e 2005, avanos na cons-truo do arcabouo normativo e do aparato poltico-institucional que garantem os direi-tos undamentais de cidadania no pas e que zelam pelos grupos sociais mais vulnerveis.

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    Tendo como marco as duas edies do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH),a prouso legislativa nesta rea busca atender aos princpios de universalidade, indivisibilidade einterdependncia dos direitos humanos, havendo incorporado, alm das metas relacionadas garantia do direito vida, segurana, liberdade de opinio e expresso, igualdade, justia, educao para a cidadania e insero do pas nos sistemas internacionais deproteo aos direitos humanos (temas centrais da primeira verso do programa, em 1996),tambm aes voltadas para a garantia do direito educao, sade, previdncia e assistncia social, ao trabalho, moradia, a um meio ambiente saudvel, alimentao, cultura e ao lazer (temas incorporados segunda verso do PNDH, em 2002).

    Embora o arcabouo normativo-institucional seja bastante amplo e consideravel-mente avanado quando comparado aos demais pases da Amrica Latina, vrios so osatores que tendem a difcultar a concretizao dos direitos ali garantidos. O texto destacatrs ordens de questes. A primeira diz respeito s insufcincias quanto exigibilidade e justiciabilidade dos direitos dos cidados brasileiros. Nesse sentido, alta conhecimentogeneralizado da populao sobre os direitos legalmente assegurados (alm daqueles temasque ainda no oram debatidos e consagrados em direitos exigveis); ademais, as reduzidas

    chances de acesso Justia por grande parte dos brasileiros representam um obstculoeetivo reivindicao das medidas que do concretude a esses direitos perante o rgoencarregado de azer cumprir a lei.

    A tal questo relaciona-se o segundo problema levantado, o qual diz respeito con-cretizao dos direitos econmicos, sociais e culturais diante de sua dependncia em rela-o implementao de polticas pblicas em diversas reas. parte a discusso sobre osproblemas que aetam cada uma das dierentes reas sociais, as difculdades institucionaisenrentadas pelo rgo encarregado da poltica de direitos humanos em nvel ederal sooutro elemento complicador. Embora j tenha sorido vrias alteraes em seu statusinsti-tucional, o rgo enrenta difculdades para inuenciar o conjunto das polticas pblicas e,

    com isso, garantir a incorporao transversal dos direitos humanos como princpio orien-tador da ao do Estado. De outra parte, dentro da prpria poltica de direitos humanosobserva-se uma baixa articulao das aes voltadas para grupos especfcos, o que tende asetorializar a poltica e as instituies criadas para implementar os dispositivos legais.

    Tem-se como terceiro problema o ato de que a eetivao de muitos dos princpiospositivados nas normas legais e incorporados nas polticas pblicas ainda esbarram emobstculos de ordem cultural, particularmente no que se reere aos direitos de grupossociais especfcos. Nesse caso, uma estratgia de educao em direitos humanos essen-cial. A primeira iniciativa governamental na rea tomou orma apenas em 2003, com acriao do Comit Nacional de Educao em Direitos Humanos. Dadas as caractersticashierrquicas, autoritrias e discriminatrias de muitos dos reerenciais culturais brasilei-

    ros amplamente sustentadas pelas grandes desigualdades econmicas e sociais do pas vislumbra-se um longo caminho ainda por ser percorrido nessa rea.

    A seo do captulo reerente ao tema da segurana pblica d tons mais ntidos aalguns dos desafos que se apresentam para promover a cidadania, prevenir a violnciae combater as violaes dos direitos humanos no pas, em particular no que se reere ssituaes engendradas seja pela atuao do crime organizado ou de agentes pblicos.O texto traa um panorama da insegurana pblica no pas a partir do crescimento dacriminalidade urbana e da atuao inefcaz dos rgos pblicos na preveno da violn-cia e na aplicao da lei, apresentando ainda um apanhado das mudanas institucionais

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    ocorridas entre 1995 e 2005 no nvel ederal. Um dos desafos mais undamentais narea o de azer avanar determinadas reormas legislativas, tais como a implantaode polcia de ciclo completo ou a desconstitucionalizao das polcias. Outro desafoimportante o da implementao dos programas ederais, cuja misso conerir maiororganicidade atuao dos estados na rea. Nesse particular, alguns elementos da agendaso: construir programas sobre diagnsticos e que contem com monitoramento e avalia-o permanentes; desenhar programas capazes de induzir mudanas nas polcias e nossistemas prisionais, de modo que o respeito aos direitos humanos possa ser incorporadoa seu cotidiano; e tratar a segurana pblica principalmente pela chave da preveno,levando em conta que a ao da polcia depende da cooperao da populao e que acapacidade de punio da justia criminal limitada.

    No que diz respeito Promoo da Igualdade Racial, importante destacar que este um tema que veio ganhando espao ao longo do perodo analisado neste peridico,tanto no tratamento institucional recebido, quanto no debate acadmico, miditico egovernamental. Sob orte presso do movimento negro, o governo ederal passou deuma interveno ainda tmida no fm da dcada de 1990, para uma atuao mais inci-

    siva em prol da populao negra e que se desenvolveu tendo como suporte a criao deuma Secretaria com statusministerial para tratar do tema. De ato, as primeiras aeslevadas a cabo pelo aparato pblico tinham como oco central o combate ao racismo e sdiscriminaes por meio da legislao punitiva, alm da promoo de aes afrmativasna burocracia estatal (que, de ato, apresentaram pouqussima eetividade), do inciodo processo de titulao das terras quilombolas e de algumas iniciativas de valorizaoda cultura negra.

    A partir de 2003, com a criao da Seppir, h uma alterao no rumo das polticasadotadas. Tendo por base a Poltica Nacional de Promoo da Igualdade Racial, passa-seda atuao pela via da punio para uma interveno marcada pela promoo da trans-versalidade e pelo desenvolvimento de aes que objetivam assegurar a igualdade entrebrancos e negros nos mais dierentes espaos da vida social. Desse modo, amplia-se eintensifca-se a atuao para a populao quilombola, por meio no apenas da garantiada titularidade da terra, mas de aes que buscam assegurar o usuruto dos direitossociais a educao, sade, alimentao e habitao, entre outros. So implementadas,tambm, polticas na rea de sade, de educao (especialmente no que se reere aoacesso ao ensino superior), bem como aes que tm por objetivo produzir inormaese conhecimento sobre as condies de vida da populao negra a partir da introduodos quesitos de raa/cor nos registros administrativos.

    Ao longo da dcada em oco, possvel observar uma reduo nas dierenas entrenegros e brancos no Brasil, em especial no que tange ao acesso educao pr-escolar

    e nas taxas lquidas de matrcula para os dois ciclos do undamental. O hiato salarialcaiu quase cinco pontos percentuais, o que ez que a renda domiciliar aumentasse maisentre negros e, assim, a pobreza casse mais intensamente para esse grupo populacional.

    As dierenas, porm, ainda so bastante grandes. Negros ainda saem do sistema educa-cional em desvantagem em relao populao branca e, em parte como conseqnciadisto, ganham apenas 53% do que ganham brancos, apresentando o dobro da chancede viver na pobreza.

    De ato, se muito se avanou na interveno pblica estatal, muito ainda h que sereito para reverter o atual quadro de desigualdades e discriminaes na sociedade brasi-leira. O primeiro desafo que se coloca a ainda baixa capacidade institucional da Seppir

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    para executar sua misso de promover a transversalidade, a articulao e a coordenaode aes por todo o governo ederal. Vencer a estrutura tradicionalmente vertical daadministrao pblica, organizada em termos estritamente setoriais, e a cultura vigenteque atribui menor valor simblico a tais temas quando comparados s polticas sociaistradicionais so enormes obstculos para a eetivao de uma real poltica de promooda igualdade.

    Contribui, tambm, para esse quadro, o estado de insufcientes recursos fnancei-ros, materiais e humanos disponveis para a atuao da Secretaria. O parco oramentodisponibilizado a cada exerccio para a Seppir, que sore, ainda, com contingenciamentosconstantes, difculta at mesmo a realizao das atividades de omento e articulao depolticas. Por fm, h que se lidar com os embates que o tema provoca. Estes vo desdeo dicil reconhecimento da prtica da discriminao ainda mais complexo em umasociedade que insiste em reconhecer-se como uma democracia racial at a enormetarea de rompimento com uma cultura tradicional e com bases escravocratas que segue(re)produzindo concepes equivocadas sobre o que ser negro e sobre quais so osseus lugares e unes na sociedade.

    Por fm, o captulo de Desenvolvimento Ruralmostra que houve uma diminuio daPopulao Economicamente Ativa (PEA) rural ocupada, seja nas atividades agrcolas, sejaem atividades no-agrcolas, mas, ao mesmo tempo, observou-se certa estabilidade na suadistribuio regional. Com relao aos rendimentos, os dados mostram a prevalncia demaiores remuneraes mdias para os que se dedicam s atividades rurais no-agrcolas,para os empregadores, empregados com carteira de trabalho assinada e trabalhadorespor conta prpria no ramo agrcola, o que reora o entendimento de que as melhoresremuneraes fcam com os que tm melhor acesso aos meios de produo. No geral,as condies de vida, moradia, trabalho e remunerao no campo tm apresentado me-lhorias gradativas, embora ainda prevaleam situaes extremamente graves para alguns

    segmentos, como a existncia de mais de 200 mil amlias acampadas espera de seremassentadas pela reorma agrria, os inmeros agrantes de trabalho em condies anlogas de escravos ou o elevado ndice de conitos no campo. Alm disso, os sem-terra oucom pouca terra ainda vivem e trabalham sob condies adversas, com acesso limitadoaos bens e servios essenciais.

    Na anlise sobre as principais polticas em curso para o mundo rural, o captuloreora a importncia da reorma agrria e de polticas de crdito e de assistncia tcnica agricultura amiliar, alm de iniciativas como as do Programa de Aquisio de Alimen-tos (PAA), que busca apoiar a comercializao agropecuria dos agricultores amiliares,estimulando a produo de alimentos, alm de acilitar o acesso a esses alimentos pelasamlias em situao de insegurana alimentar.

    Em relao reorma agrria, o captulo mostra que esta , em si mesma, umaorte poltica de incluso social e a nica que redistribui um ativo undamental para aconstruo da cidadania no campo: a terra. Contudo, condio necessria, o acesso terra no sufciente em si. Deve ser acompanhado de uma srie de medidas que possi-bilitem a construo de um novo patamar de vida aos seus benefcirios. Da decorremdois tipos de restries ao programa de reorma agrria tal como vem sendo executado:no massivo e no tem conseguido propiciar as condies necessrias ao pleno desen-volvimento das reas reormadas. O principal problema que o aumento do nmerode projetos e de amlias assentadas gera orte demanda por obras de inra-estrutura e

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    assistncia tcnica, e grande parte dos projetos ainda tm pendncias variveis para ocumprimento dos respectivos processos de implantao e emancipao. Por isso, vinteanos aps a publicao do I Plano Nacional de Reorma Agrria, em 1987, a agenda dareorma agrria ainda no est esgotada e nem h evidncias de que vai exaurir-se tocedo. O desmonte do sistema pblico ederal de assistncia tcnica levado a eeito noincio dos anos 1990 deixou os agricultores pobres margem do desenvolvimento: semormas de capacitao, sem meios de transormarem atividades precrias, do ponto devista tecnolgico e de mercado, em atividades sustentveis. Por outro lado, os assenta-mentos da reorma agrria que avanaram em termos de estruturao produtiva tmsido responsveis pela elevao da renda das amlias rurais e pela melhora signifcativade sua condio de vida em relao poca em que eram sem-terra. Essa melhora aetapositivamente o desenvolvimento econmico e social do pas e tem eeitos multiplica-dores de emprego e renda nas respectivas regies.

    No mbito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar(Prona), embora venha aumentando o contingente de benefcirios potenciais e osmontantes de recursos disponibilizados e aplicados, alguns desafos crticos ainda so

    perceptveis. Em primeiro lugar, a prolierao de linhas e sub-linhas prejudica o ocooriginal do programa. A introduo de novos grupos e a maior segmentao das linhasde crdito tornaram mais complexo o gerenciamento do programa como um todo, epossivelmente agravaram a disputa pelos recursos entre os vrios grupos. Comparandoa distribuio de recursos e o perfl do pblico benefcirio, verifca-se, de um lado, agrande discriminao dos agricultores de menor renda na alocao dos recursos do Pro-na-Crdito, e de outro, a incorporao de novos segmentos da agricultura amiliar comnveis de renda superiores, sem ter claro seus possveis pontos de disuno. Um problemaevidente e ainda mal equacionado que, em ltima instncia, a lgica bancria comandaa distribuio do crdito, isto , so preerencialmente benefciados os agricultores commenor risco bancrio, que apresentam capacidade de pagamento, resultado da melhor

    performanceeconmica. Assim, o Prona, ao invs de contribuir para a diminuio dasdesigualdades regionais e sociais, pode estar levando a um acirramento destas.

    Por fm, quanto ao Programa de Aquisio de Alimentos (PAA), o captulo en-atiza que o suporte dado ao ortalecimento da agricultura amiliar por esse programaainda mais virtual que real. Ou seja, sua importncia reconhecida, sobretudo, comoinstrumento de retomada do controle, pelo Estado, de um importante instrumento depoltica agrcola, mas sua reduzida dimenso impossibilita uma avaliao mais eetivade seus resultados.

    Em suma, o texto destaca que a superao dos nveis mais graves de pobreza e

    excluso social no campo e a consolidao de um padro de desenvolvimento ruralno excludente passam necessariamente pela concluso do processo de reorma agrriae da capacitao dos agricultores a fm de obter padres mais elevados de produo eprodutividade e insero nos mercados com garantia de preos compensatrios, almde garantia de acesso a todos os bens e servios necessrios a todas as comunidades,urbanas ou rurais (educao de qualidade, sade, transporte, saneamento bsico e se-gurana, entre outros). Isso porque no adianta transerir renda ao agricultor, supondoque o mercado ir atender suas demandas por bens e servios, tais como assistnciatcnica, comercializao, capacitao e pesquisa, entre outros. Por isso, um caminho aser percorrido o da recuperao dos servios de extenso e fnanciamentos a programas

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    regionais de desenvolvimento rural, de modo programado, ou seja, com metas sicasanuais e qinqenais e custos fnanceiros claramente dimensionados.

    O tratamento mais detalhado das questes aqui enunciadas de orma sinttica paracada rea da poltica social apresentado nos respectivos captulos. Com isso, imagina-secontribuir para a composio de um panorama multiacetado da poltica social brasileira,

    que contempla alguns dos elementos undamentais tanto para o debate na rea quantopara a orientao da ao estatal no perodo vindouro.

    4 Consideraes fnais

    A evoluo e o panorama atual colocados para a poltica social mostram que, no perodoem anlise, um dos atos mais importantes a ser destacado que o conjunto de restriesmacroeconmicas impostas sociedade brasileira por conta da estratgia de estabiliza-o monetria adotada em 1994 e das escolhas realizadas desde ento pela gesto dapoltica macroeconmica, imps srios constrangimentos expanso do crescimentoeconmico, da renda e do emprego, alm de ter representado um entrave permanente auma expanso mais robusta das polticas sociais. Tanto que os gastos com as polticas

    sociais, embora tenham crescido em relao ao PIB no perodo 1995-2005, o fzerambem menos que proporcionalmente ao crescimento observado em outras itens do gastopblico (leia-se despesa fnanceira total, inclusive juros e encargos).

    Alm disso, no oi pequeno o preo cobrado pelos caminhos que oram adotadospela poltica macroeconomica, principalmente os que recaram sobre a poltica social, quese encontrava em processo de afrmao e construo. Essas polticas se viram oradas etensionadas a tratar com uma ampliao das contradies sociais e com a conseqenteexpanso das necessidades sociais insatiseitas, advindas da queda do rendimento e donvel do emprego ormal e da ampliao da pobreza, entre outras mazelas sociais.

    Destaca-se tambm que, aps 1999, para sustentar a manuteno dos supervits

    primrios elevados e crescentes que garantiriam o refnanciamento da dvida pblica ea sensao de credibilidade e de governabilidade em prol da estabilizao monetria, osgastos com as polticas sociais oram permanentemente tratados como mais um dos ele-mentos para gerao do supervit primrio. Tal parece ser, alis, o objetivo das constantespropostas acerca da desvinculao do salrio mnimo como indexador dos beneciosda Previdncia e da Assistncia Social e da desvinculao que as contribuies sociais edemais impostos possuem em relao aos principais componentes da poltica social.

    Por outro lado, a ao dos movimentos sociais e de parcela da classe poltica com-prometida com a afrmao da cidadania brasileira permitiu at agora resistir, em parte,ao discurso e prticas desconstrutivas das regras constitucionais e, at mesmo, realizaravanos, na cobertura e nos benecios, em diversas reas que compem a proteo social

    brasileira. No entanto, para seguir com a construo de um sistema de proteo socialque seja capaz de combater o perverso quadro de desigualdades e pobreza do pas e ga-rantir de ato, a todos os brasileiros, uma vida digna, ainda existe uma srie de desafosa ser enrentados em diversas reas, tais quais os que aqui j oram enumerados.

    Em termos gerais, para o enrentamento dos desafos sociais brasileiros reconhece-seque a universalizao das polticas sociais a estratgia mais indicada, uma vez que, numcontexto de desigualdades extremas, a universalizao possui a virtude de combinar osmaiores impactos redistributivos do gasto com os menores eeitos estigmatizadores queadvm de prticas ocalizadas de ao social. Alm disso, a universalizao a estratgia

  • 8/14/2019 Politic Asocial e Dsenvolvimento LIDO PARTE 1

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    polticas sociais acompanhamento e anlise| 13 | edio especial24 ipea

    condizente com os chamados direitos amplos e irrestritos de cidadania social, uma idiaque est muito alm do discurso reducionista e conservador sobre a pobreza.

    Tambm necessrio incluir na tarea transormadora a dimenso do fnanciamentodo gasto pblico em geral, e dos gastos sociais em particular, com vistas a um tratamentocompleto do esoro redistributivo da sociedade brasileira. Principalmente ao se levar em

    conta a particular estrutura de desigualdades sociais e econmicas do pas, no basta queos gastos sociais sejam redistributivos; preciso tambm que a orma de fnanciamentodos gastos possua alta dose de progressividade tributria, sobretudo incidindo sobre oestoque de riqueza e os uxos de renda real e fnanceira. Isso implicaria a pactuao de umareorma tributria que no s permitisse ampliar o crescimento econmico, mas tambmgarantisse maior sustentabilidade e progressividade ao fnanciamento do Estado.

    Por fm, cabe salientar, ainda, que o enrentamento dos problemas sociais brasilei-ros no pode prescindir do Estado como ator central na coordenao e na execuo dapoltica. Para exercer essas unes e, ao mesmo tempo, assegurar a sustentabilidade dasaes, necessrio redesenhar a relao que se estabelece entre Estado, em suas trs eseras,e a sociedade civil, na perspectiva de consolidao da prpria democracia brasileira. Esseredesenho to mais relevante quando se considera que, apesar de terem sido ampliadoso escopo e a cobertura das polticas sociais, ao longo da ltima dcada, os benecios daadvindos ainda oram insufcientes para garantir a cidadania e a dignidade dos cidadosbrasileiros, bem como para assegurar a construo de uma sociedade livre, justa e solidria,conorme determina a Constituio de 1988 logo em seus primeiros artigos.