arretche a reforma de programas sociais lido

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  • 8/14/2019 Arretche a Reforma de Programas Sociais LIDO

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    A literatura comparada contempornea considera que as caracte-rsticas institucionais dos estados federativos operam no senti-doderestringiraspossibilidadesdemudanadostatus quo.Aafirma-ocentralqueanaturezadasrelaesverticalehorizontalemesta-dos federativos dispersa a autoridade poltica e potencializa o poderde veto das minorias.

    No plano das relaes verticais, Lijphart afirma que o federalismo

    [...] pode ser considerado o mais tpico e drstico mtodo de divisodo poder [pois] divide o poder entre nveis inteiros de governo. [...]Em todas as democracias, o poder necessariamente dividido em al-guma extenso entre governos centrais e no centrais, mas esta divi-

    so inteiramenteunilateral nas democracias majoritrias. Para man-

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    * Agradeo ao Grupo de Poltica do CEBRAP e aos participantes do Seminrio TemticoFederalismo, Instituies e Polticas Pblicas no Brasil da ANPOCS de 2001 as crticase comentrios primeira verso deste texto, particularmente a Argelina Figueiredo,Maria Hermnia Tavares de Almeida, Fernando Limongi, Celina Souza, Eduardo Mar-ques, Vera Schattan Coelho e Haroldo Torres. Agradeo a Mara Roberta de Souza, bol-sista PIBIC/CNPq, o competente trabalho de coleta de dados estatsticos. Finalmente,os comentrios dos pareceristas annimos de Dados foram fundamentais para a eIabo-

    rao da verso final deste artigo.DADOS Revista de Cincias Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 45, n 3, 2002, pp. 431 a 458.

    Federalismo e Relaes Intergovernamentais noBrasil : A Reforma de Programas Sociais*

    Marta Arretche

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    ter a regra majoritria no modelo majoritrio puro, o governo centraldeve controlar no apenas o aparato do governo central mas tambmtodos os governos no centrais, potencialmente competitivos. O go-

    verno majoritrio , portanto, ao mesmo tempo unitrio (no federal)e centralizado. O modelo consensual inspirado no objetivo oposto.Seus mtodos so federalismo e descentralizao isto , no apenasuma diviso garantida de poder entre os nveis de governo central eno central, mas tambm, na prtica, fortes governos no centrais queexercem uma poro substancial do total do poder disponvel em am-bos os nveis (1999:185-186).

    Abaixaintegraoverticalimplicarialimitescapacidadedecoorde-

    nao do governo central, pois[...]governosprovinciaisefederaispodemterautoridadeparainter-viremumareadepolticasempermissodooutronveldegoverno.[...]estetipodefederalismo[...]correoriscodeosdiferentesnveisdegoverno tenderem a impor conflitos entre programas, a elevar os cus-tos da implementao e a tornar o problema da coordenao de objeti-vos ainda mais difcil. (Weaver e Rockman, 1993:459)

    No plano das relaes horizontais, a representao dos estados emuma Cmara Federal, juntamente com as restries para emendar aConstituio e os poderes da Suprema Corte, operam no sentido deassegurar a diviso federal de poder (Lijphart, 1999:187-188), reite-rando, assim, a disperso da autoridade poltica. O poder de veto dasminorias pode variar de acordo com os poderes constitucionais daCmara Alta e com o grau de super-representao dos estados meno-res (Lijphart, 1984), mas, de qualquer modo, a presena de um maiornmero de veto players institucionalizados nas arenas decisrias au-

    menta o potencial de estabilidade das polticas existentes (Tsebelis,1997).

    A disperso da autoridade afeta tambm o contedo das decises to-madas, na medida em que as garantias institucionais dos Estados-membros no processo decisrio tendem a produzir deliberaes pol-ticas com base no mnimo denominador comum (Pierson e Leib-fried, 1995)1.

    Comparadocomoutrasfederaescontemporneas,oBrasilestariajuntamentecomosEUAnoextremodaescaladedemos-constraining,isto , um tipo de federalismo cujas instituies polticas conforma-

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    riam processos decisrios fortemente restritivos manifestao davontade da maioria (expressa na escolha do presidente). Em primeirolugar, a super-representao dos estados menores na Cmara dos De-

    putados, combinada aos excessivos poderes legislativos do Senado,exponenciariam o poder de veto dos estados menores2. Alm disso, opoder residual dos estados nos casos de omisso constitucional, o ex-cessivo detalhamento da Constituio de 1988 e a exigncia de super-maiorias para as emendas constitucionais ofereceriam aos estadosoportunidades adicionais de veto s iniciativas de reforma da Presi-dncia (Stepan, 1999)3. A conseqncia dessa engenharia institucio-nal que

    [...] mesmo ao se defrontar com a oposio da sociedade, os presi-dentes [brasileiros] puderam implementar as polticas de sua prefe-rncia quando encontraram baixa resistncia institucional, mas noforam capazes de faz-lo quando o Congresso e/ou os governos fo-ram jogadores decisivos (Mainwaring, 1997:102).

    Os presidentes brasileiros ficariam imobilizados nas reas de polticaem que o Congresso e os governadores so veto players decisivos(idem; Abrucio, 1998; Stepan, 1999; Samuels, 2000; Ames, 2001). Seri-

    am, assim, duas as situaes mais provveis nas iniciativas de refor-ma que afetariam os interesses dos estados no Brasil: (a) impasse ouparalisia decisria e/ou (b) subordinao das preferncias do gover-no federal quelas dos governos estaduais e/ou municipais.

    Essas previses no so confirmadas pelas evidncias apresentadasaqui. Em quatro reas de poltica social educao fundamental, sa-de,habitaoesaneamento,ogovernofederalencontrouresultadosdiversos na implementao da agenda de reformas que afetavam di-

    retamente os interesses de estados e municpios. Entretanto, nem oimpasse nem a subordinao do governo federal s preferncias dosgovernoslocaiscaracterizaramoscasosexaminados.Emoutraspala-vras, diferentemente das previses da literatura que enfatiza o poderde veto dos governos subnacionais no federalismo brasileiro, estesltimos no representaram um ponto de veto intransponvel imple-mentao da agenda de reformas do governo federal nessas polticasparticulares.

    Este artigo pretende demonstrar que, (i) na ausncia de imposiesconstitucionais, a autonomia poltica dos governos locais inerenteaosestadosfederativos,defato,potencializaopoderdevetodesses

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    governos implementao de polticas propostas pelo Executivo fe-deral. Isto implica que, para obter a adeso dos governos locais, oExecutivofederaldeveincorporarsuasdemandasspolticasqueen-

    volvam relaes intergovernamentais. A incorporao de pelo me-nos uma parte dessas demandas, somada ao compromisso crvel decumpri-las, permite ao Executivo federal contornar o poder de vetodos governos locais no plano das relaes verticais.

    No plano das relaes horizontais, (ii) a literatura que enfatiza o po-der de veto dos governos locais na arena congressual brasileira mini-miza a importncia dos recursos de poder do Executivo federal, taiscomoospoderesdeagendaedeveto,assimcomoocontrolesobrere-

    cursos necessrios sobrevivncia poltica dos parlamentares (Fi-gueiredoeLimongi,1999;2002).Almdisso,aocontrriodoqueafir-ma Stepan (1999), (iii) no Brasil, a aprovao de emendas constitucio-naismuitomaisfcildoquenosEstadosUnidos,porque,comonos-sas regras no incluem a necessidade de ratificao das assembliasestaduais,aautoridadeconstitucionaldosestadosbrasileirosmuitomais reduzida do que a dos estados norte-americanos. Nos EstadosUnidos, emendas Constituio, mesmo que no afetem a distribui-o federal de poderes, exigem a ratificao de trs quartos dos Esta-

    dos-membros,ehmesmotiposdeemendasquenopodemserapro-vadas sem a ratificao de 49 dos 50 estados (Duchacek, 1970:231)4.

    Entretanto,(iv)acategoriafederalismoinsuficienteparadefiniropotencial de estabilidade de polticas particulares. Este condiciona-do pela forma como esto estruturadas as relaes intergovernamen-taisnaspolticasespecficas5.Emoutraspalavras,opoderdevetodosgovernos locais s iniciativas federais varia de acordo com as polti-cas.Maisparticularmente,(v)regrasconstitucionais,legadosdepol-

    ticasprviaseociclodapolticaestruturamdiferentementeasarenasdecisrias, condicionando as estratgias e as chances de sucesso dosatores federativos6.

    AS REFORMAS NAS POLTICAS SOCIAIS BRASILEIRAS E SUAS ARENAS

    Polticas de Habitao e Saneamento

    Nas reas de habitao e saneamento, a mudana do paradigma depoltica pblica7 do regime militar somente ocorreu no governo Fer-nando Henrique Cardoso. Nenhum dos governos democrticos ante-

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    riores tinha uma agenda de reformas que visasse modificar radical-mente o modelo de poltica anterior.

    Quer para a poltica de habitao social quer para o saneamento bsi-co, o modelo do regime militar era simultaneamente estatal e centrali-zado.Aofertadebenseserviosfazia-seviaproduopblicaaha-

    bitao social e os servios de saneamento bsico eram geridos porempresas estatais. No plano federal, havia uma agncia que centrali-zava a formulao das polticas e a arrecadao da principal fonte definanciamentodapoltica,oFundodeGarantiaporTempodeServioFGTS.Combasenessemodelo,constituiu-senopasumaredede44empresas pblicas municipais e estaduais de habitao social, assim

    como 27 companhias estaduais de saneamento8.

    A agenda de reformas do governo Fernando Henrique Cardoso visourever esse paradigma: descentralizar a alocao dos recursos federaiseintroduzirprincpiosdemercadonaprovisodeservios,maispar-ticularmente abrir espao para a participao do setor privado nessarea e introduzir uma poltica de crdito para o muturio final.

    Esses objetivos de reforma decorriam de uma avaliao negativa dos

    resultados do modelo anterior. O Executivo federal avaliava que acorrupo e ineficincia administrativas das gestes civis preceden-tes foram possveis graas centralizao federal9; por conseguinte,era forte a concepo, derivada desta primeira, que associava positi-vamente descentralizao a formas mais geis, democrticas e efici-entesdegesto.Adefesadadescentralizaoeraaindareforadapelaavaliao de que a burocracia federal estava viciada nos padres ad-ministrativos prvios. Alm disso, o Executivo federal consideravaque o modelo anterior gerava incentivos ineficincia das prestado-ras estaduais e municipais. Polticas tarifrias voltadas a satisfazer oeleitorado, renegociao sistemtica das dvidas com o governo fede-ral, empreguismo e uma burocracia ativa na defesa de seus prpriosinteresses eram o resultado do modelo anterior. A separao entre re-gulao (estatal) e proviso (privada ou pblica com padres priva-dos de eficincia) seria a alternativa mais adequada.

    Por fim, na poltica social de habitao, o financiamento produodo modelo anterior implicava que o crdito hipotecrio s podia serobtido para imveis cuja produo tivesse sido financiada pelo siste-ma.Comonessemodelonoomuturioquemtemofinanciamento,

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    esimoimvelqueserobjetodacompra,aconseqnciadiretaare-duzida margem de escolha do muturio final no mercado imobili-rio, assim como a impossibilidade de ativar o mercado de imveis

    usados. A ausncia de financiamento direto ao muturio final, habili-tando-o a adquirir um imvel diretamente no mercado, era uma dasprincipais crticas inclusive de setores da esquerda ao modelo an-terior.

    Desestatizao das empresas pblicas de habitao e saneamento

    Em 1995, j no primeiro ano da gesto do ministro Jos Serra no Minis-

    triodoPlanejamentoeOramento,osgovernadoresdeestadoforamcontemplados com a possibilidade de ter grande autoridade sobre aalocaodesuasrespectivasparcelasdofundopblicofederalparaodesenvolvimento urbano, o FGTS10. Para aderir ao programa, os go-vernadores deveriam constituir comisses estaduais, com represen-tao paritria entre governo do estado, governos municipais e socie-dade civil. Eles contavam com grande autonomia na composio des-sas comisses, o que permitiu um comportamento generalizado de

    montagem de comisses passveis de controle no processo decisriode seleo de projetos.

    Na histria das polticas pblicas no Brasil, esse deve estar entre osprogramas com maior velocidade de implantao: em apenas quatromeses, todos os estados brasileiros haviam aderido a ele. Na base des-se sucesso esto suas regras de operao: a definio de uma estrutu-ra de incentivos que tornou extremamente atraente a adeso dos go-vernadores ao programa federal.

    A descentralizao da autoridade para alocao desses recursos, en-tretanto, foi combinada com um endurecimento das exigncias para aobteno dos emprstimos federais. Mesmo que aprovada pela co-misso estadual, por uma empresa pblica estadual ou municipal, oumesmo um governo estadual ou municipal, somente poderia receberum financiamento caso comprovasse capacidade de endividamento.Assim, no quadro de endividamento generalizado de meados dosanos 90, somente aquelas empresas pblicas que tivessem sucessonas medidas de saneamento de suas finanas obteriam os emprsti-mos federais.

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    Essa medida dividia os governadores entre aqueles que estavam fa-zendo a sua lio de casa e aqueles que resistiam a adotar medidasde conteno do dficit pblico; bem como criava incentivos para a

    reestruturao das empresas pblicas de habitao e saneamento.Empresas pblicas j excessivamente endividadas com o governo fe-deral que tinha sido de longe o maior emprestador at ento passa-ram a ser objeto de uma poltica de desfinanciamento.

    Nodebatepblico,ogovernofederalargumentavaqueoFGTS,base-ado na folha de salrios e destinado tambm a indenizar trabalhado-res demitidos sem justa causa, sofria as conseqncias do desempre-go e do baixo nvel dos salrios. Seu carter pr-cclico erodia a possi-

    bilidade de realizar a universalizao dos servios exclusivamentecom base em recursos pblicos. Para isto, seria necessrio atrair re-cursos do setor privado, abrindo as empresas estatais particular-mente as de saneamento a formas de terceirizao e privatizaodos servios.

    Entretanto, por causa do endurecimento das condies de emprsti-mo e da poltica de desfinanciamento, acumulava-se um saldo muitoelevado de recursos no aplicados do FGTS. Em 1997, este saldo era

    de R$ 9,5 bilhes (Pinheiro, 1998), algo equivalente a mais da metadeda arrecadao bruta anual do Fundo em 1996 e 1997.

    Paralelamente, dois bancos federais de fomento abriram linhas decrditoparafinanciarasprivatizaesnareadesaneamento.OBan-co Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social BNDES finan-ciou algumas das privatizaes municipais e adiantou recursos paraa privatizao de uma companhia estadual, e a Caixa Econmica Fe-deralCEFfoiautorizada,em1997,peloConselhoCuradordoFGTS,a criar um programa por meio do qual os recursos do Fundo poderi-am ser utilizados para financiar as privatizaes das companhias desaneamento.

    A estratgia do desfinanciamento decorreu, simultaneamente, da im-possibilidade de interferncia direta do Executivo federal nas empre-sas pblicas de saneamento e habitao e de sua funo de principalfinanciador da poltica, ambas herdadas do modelo anterior. Na fasede expanso e consolidao da rede prestadora de servios, ao longodosanos70,haviaseconstitudoumarededeempresasdeproprieda-de pblica estadual e municipal. Dada a autonomia poltica dos go-

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    vernos locais, qualquer poltica do governo federal nessarea teria decontar com a adeso deles. Entretanto, a funo de financiador doExecutivo federal permitiu-lhe adotar a estratgia do desfinancia-

    mento, cujos efeitos seriam indiretos e pouco visveisao debate pbli-co.

    Na rea de habitao, entre 1995 e 2000, doze das 44 Companhias deHabitao COHABS declararam falncia ou diversificaram suas ati-vidades, passando a operar como institutos de desenvolvimento ur-

    bano e no mais como agncias de promoo pblica de habitaespara baixa renda11.

    Na rea de saneamento, a privatizao das empresas estaduais erauma alternativa atraente para certos governadores e prefeitos.Algunscompartilhavamdamesmaavaliaonegativadogovernofe-deral em relao prestao pblica de servios, especialmente dofato de essas empresas terem gerado burocracias autnomas e politi-camente ativas sobre as quais a autoridade poltica tinha reduzidopoder de controle. Outros, premidos por problemas fiscais, viam navenda de suas empresas uma alternativa seja para reduzir o dficitpblico seja para arrecadar recursos que poderiam ser empregados

    com maior liberdade alocativa. Iniciou-se, assim, na segunda metadedos anos 90, uma onda de tentativas de privatizao de companhiasmunicipais e estaduais de saneamento12 nos estados do Rio de Janei-ro, Esprito Santo, Paran e Cear, bem como em algumas cidadescomo Fortaleza (CE), Limeira (SP) e Cajamar (SP).

    Nos municpios, o nico ponto de veto privatizao das empresasmunicipais seria a Cmara Municipal. O reduzido nmero de pontosde veto associado ao interesse dos prefeitos nas privatizaes permi-tiriam esperar uma significativa taxa de sucesso dessas iniciativas.No entanto, Sanchez (2000) demonstra que, no Estado de So Paulo,entre1995e1998,apressodaopiniopblicaedacompanhiaesta-dual interessada em disputar esse mercado com as possveis presta-doras privadas sobre as Cmaras Municipais inviabilizou a maiorparte das tentativas municipais de privatizao.

    As tentativas de privatizao das empresas estaduais, cuja iniciativacabia aos governadores, foram enormemente dificultadas pela confi-gurao de arenas decisrias caracterizadas por um elevado nmerode pontos de veto e baixa coeso dos atores envolvidos. Grande parte

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    dos obstculos para a privatizao ou flexibilizao dos servios (isto, a transferncia de apenas parte dos sistemas a um prestador priva-do) decorreu da pulverizao de titularidade no setor saneamento, a

    qual, por sua vez, derivada de uma regra constitucional.

    A interpretao dominante sobre o artigo 30 da Constituio Federalde 1988 a de que as atividades de saneamento bsico so de respon-sabilidade municipal13. As empresas estaduais de saneamento ope-ram os servios como concessionrias, com base em contratos firma-dosaolongodosanos70e80.Assim,aindaqueumacompanhiaesta-dual possa vender seus ativos, este ato no implicaria a autorizaopara um terceiro operar os servios concedidos pelos municpios s

    companhias estaduais. Neste caso, com base na interpretao domi-nante sobre a regra constitucional, a privatizao de uma companhiaestadual de saneamento (ou de um sistema ou subsistema de servi-os) dependeria da aprovao de todas asCmarasMunicipaisondeacompanhia concessionria. As tentativas de privatizao das em-presas estaduais foram marcadas pelas dificuldades de os Executivosestaduais superarem o recurso ao princpio de titularidade por partede empregados das empresas estaduais, de prefeitos e de vereadoresdas diversas Cmaras Municipais14.

    Em1996,oentosenadorJosSerraencaminhouaoSenadoumproje-todelei(PL266/96)que,casoaprovado,dispensariaogovernodoes-tado da autorizao dos municpios nas privatizaes em conurba-es e regies metropolitanas. Entretanto, este projeto foi considera-doinconstitucionalnaComissodeConstituioeJustiadoSenado.

    Nessas condies, caso a privatizao na rea de saneamento estives-seentreasprioridadesdoExecutivofederal,opassoseguintedeveria

    ser o encaminhamento de uma proposta de emenda constitucional.Mas esta iniciativa no foi tomada.

    A mudana do modelo de poltica social de habitao

    Na rea de habitao social, o Executivo federal criou duas linhas definanciamento em 1995. A primeira, o Programa Pr-Moradia, podeser considerada uma continuao do modelo anterior. Voltado para apopulaodeattrssalrios-mnimos,esteprogramacontariacomaintermediao de agentes promotores pblicos, prefeituras e rgosda administrao direta e indireta para a construo ou melhoria de

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    unidades habitacionais ou para a execuo de modalidades diversasde infra-estrutura urbana. O desenho institucional da segunda linhade financiamento, o Programa Carta de Crdito Individual, entretan-

    to, rompia com o paradigma do modelo anterior. Dirigido popula-o de at doze salrios-mnimos, deveria conceder financiamentosdiretamente ao muturio final para que este pudesse adquirir umamoradia nova ou usada, ou mesmo construir ou reformar a sua. Tra-ta-sedeumprogramadefinanciamentodemandahabitacional,cujaprincipalcaractersticapermitiraomuturioadquirirumimveldi -retamente no mercado imobilirio.

    Entre 1995 e 1998, a rede de empresas pblicas de habitao recebeu

    11,5% dos recursos do FGTS, via Programa Pr-Moradia, e 28% dosrecursos destinados ao Programa Carta de Crdito Associativo. OPrograma de Carta de Crdito Individual, por sua vez, recebeu 76%dessesrecursos,utilizadosmajoritariamenteparaaaquisiodeim-veis usados (Tabelas 1, 2 e 3). Portanto, via gesto seletiva das linhasde crdito, ocorreu uma inflexo significativa na poltica habitacio-nal: de um modelo centrado no financiamento produo de habita-es novas, e assentado em uma rede de prestadoras pblicas, paraum modelo centrado no financiamento ao muturio final e, particu-larmente, destinado aquisio de imveis usados.

    A alterao radical do modelo de financiamento aquisio da casaprpria contou com o apoio dos muturios, pois a nova modalidade uma antiga reivindicao de diversos crticos do modelo anterior amplia significativamente a liberdade de escolha do pretendente no

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    Tabela 1

    Distribuio dos Recursos do FGTS por Programa Habitacional

    (1995-1998)

    (em R$ 1.000,00)

    Programa Valor Contratado %

    Pr-Moradia 772.953,00 11,41

    Carta de Crdito Individual 5.136.520,00 75,80

    Carta de Crdito Associativo 821.207,00 12,12

    Apoio Produo 45.197,00 0,67

    Total 6.775.877,00 100

    Fonte: Base de Dados da Caixa Econmica Federal 30/6/1999.Extrado de: USP/EESC/FIPAI (2000).

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    mercado imobilirio. Desse modo, a estratgia de desfinanciamentodasempresaspblicas,viagestoseletivadosfinanciamentoshabita-cionais, encontrava suporte poltico entre os beneficirios da polticahabitacional.

    A gesto seletiva das linhas de financiamento no foi um resultadono intencional, derivado da exigncia de adimplncia junto ao go-

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    Tabela 2

    Programa Carta de Crdito Individual

    Valores Contratados Globais por Modalidade

    (1995-1998)

    (em R$ 1.000,00)

    Modalidades Valor Contratado %

    Ampliao 48.944,00 1

    Lotes 55.856,00 1

    Concluso 27.741,00 1

    Construo 311.325,00 6

    Cesta 347.259,00 7

    Usado 3.486.910,00 68

    Novo 352.402,00 7

    Terreno + Construo 504.798,00 10

    Remanescentes 1.279,00 0

    Total 5.136.514,00 100

    Fonte: USP/EESC/FIPAI (2000).

    Tabela 3

    Programa Carta de Crdito Associativo

    Distribuio das Contrataes por Tipo de Agente Promotor

    (1995-1998)

    (em R$ 1.000,00)

    Promotor Valor doEmprstimo

    % N Unidades %

    Companhias habitacionais 173.233,00 21 15.155 28

    Entidades associativas 647.974,00 79 38.593 72

    Total 821.207,00 100 53.748 100

    Fonte: USP/EESC/FIPAI (2000).

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    vernofederalparaobtenoderecursosdoFGTS,isto,odesfinanci-amento das empresas pblicas no foi resultado apenas das taxas deinadimplncia das prestadoras pblicas. A meta de prioridade de

    aplicao de recursos no Programa de Carta de Crdito em detrimen-to do Programa Pr-Moradia foi objeto de uma resoluo do Conse-lho Curador do FGTS (n 246) j em 1996. Assim, o desfinanciamentodas empresas pblicas fez parte de uma estratgia cujo objetivo cen-tral era introduzir mecanismos de mercado na gesto das polticas dedesenvolvimento urbano.

    A principal arena para aprovao das medidas necessrias imple-mentao dessa estratgia foi o Conselho Curador do FGTS. Confor-

    melegislaoaprovadanofinaldosanos80 15,esteConselhoorgoencarregado de estabelecer as diretrizes e os programas de alocaode recursos do Fundo. Ele conta com uma representao de emprega-dos e empregadores, mas no possui representao de estados e mu-nicpios. Em outras palavras, ainda que suas decises sejam funda-mentais para o financiamento das polticas de desenvolvimento ur-

    bano dos governos locais, o Conselho no uma arena com represen-tao federativa16, o que significa que estados e municpios no tmpoderdevetonessaarenadecisria.Naverdade,estaumaarenacu-

    jos custos de negociao so bastante reduzidos para o governo fede-ral17.

    Reforma Constitucional para o Ensino Fundamental

    Entre 1997 e 2000, ocorreu no Brasil uma significativa redistribuiodas matrculas no nvel fundamental de ensino. A matrcula total dosetorpblicocresceu6,7%noperodo,aopassoqueasmatrculasofe-recidas pelos municpios aumentaram 34,5% e as estaduais tiveramcrescimento negativo (-12,4%) (ver Tabela 4). Isto significa que ocor-reu uma expressiva transferncia das matrculas at ento oferecidaspelos governos estaduais para os governos municipais. Os governoslocais tambm alteraram seu comportamento para com os docentes:noperodo,ocorreuumcrescimentoglobalde10%nonmerodepro-fessores e um aumento mdio de 29,5% em sua remunerao. Na re-gio Nordeste, esta elevao mdia foi de 59,7% e, na regio Norte, de35% (Semeghini, s/d).

    O sbito interesse dos municpios em oferecer matrculas no ensinofundamental e em aumentar os salrios dos professores deveu-se a

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    Tabela4

    C

    omparativodeMatrculasdaEducaoFundamentalp

    orRegioeEsferadeGove

    rno

    (1997-2000)

    1997

    2000*

    TaxasdeCrescimento(%)

    Estadual

    Municipal

    Estadual

    Municipal

    Municipal

    EstadualTo

    tal

    Nde

    Alunos

    Participao

    Nde

    Alunos

    Participao

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    Alunos

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    Alunos

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    Nde

    Alunos

    Participao

    Totalde

    Alunos

    (a)

    (a/c)

    (b)

    (b/c)

    c=a+b

    (a)

    (a/c)

    (b)

    (b/c)

    c=

    a+b

    1.7

    89.0

    65

    63

    ,1

    1.0

    45.9

    98

    36,9

    0

    2.8

    35.0

    63

    1.4

    12.6

    06

    45,1

    1.7

    22.3

    08

    54,9

    3.1

    34.9

    14

    64,7

    -21,0

    1

    0,6

    te

    4.2

    33.4

    78

    42

    ,7

    5.6

    78.5

    16

    57,3

    9.9

    11.9

    94

    3.9

    80.6

    81

    34,5

    7.5

    64.9

    48

    65,5

    11.5

    45.6

    29

    33,2

    -6,0

    1

    6,5

    Oeste

    1.5

    46.7

    16

    69

    ,4

    680.4

    43

    30,6

    2.2

    27.1

    59

    1.4

    83.1

    03

    62,8

    879.5

    83

    37,2

    2.3

    62.6

    86

    29,3

    -4,1

    6,1

    8.1

    70.5

    69

    71

    ,4

    3.2

    71.6

    46

    28,6

    11.4

    42.2

    15

    6.7

    78.5

    73

    59,1

    4.6

    92.4

    67

    40,9

    11.4

    71.0

    40

    43,4

    -17,0

    0,3

    2.3

    58.7

    16

    57

    ,3

    1.7

    59.9

    25

    42,7

    4.1

    18.6

    41

    2.2

    08.1

    77

    54,2

    1.8

    69.4

    79

    45,8

    4.0

    77.6

    56

    6,2

    -6,4

    -1,0

    L

    18.098.544

    59

    ,3

    12.436.528

    40,7

    30.535.07215.863.140

    48,7

    16.728.785

    51,3

    32.5

    91.925

    34,5

    -12,4

    6,7

    MEC(CensoEscolar1997

    /2000).

    ode:Semeghini(s/d).

    usivealunosdaEducao

    EspecialFundamental.

  • 8/14/2019 Arretche a Reforma de Programas Sociais LIDO

    14/28

    uma minirreforma tributria de mbito estadual, produzida pelaaprovao da emenda constitucional que criou o Fundo de Manuten-o e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorizao do

    Magistrio FUNDEF. A Constituio Federal de 1988 havia estabele-cido que a oferta de matrculas no nvel fundamental deveria ser uni-versal e oferecida preferencialmente pelos governos municipais. Almdisso,obrigavagovernosestaduaisemunicipaisagastar25%desuasreceitas de impostos e transferncias em ensino. Essa regra de vincu-lao de gastos deu origem a uma expanso generalizada por partede governos estaduais e municipais da oferta de matrculas em to-dos os nveis de ensino infantil, fundamental, mdio e, at mesmo,superior.Almdisso,aflexibilidadedaregraconstitucionalpermitiu

    que a expanso desse gasto se direcionasse para outras atividadesafins, tais como financiamento de bolsas de estudo, transporte esco-lar etc. Particularmente nas regies Sul e Sudeste, onde os governosestaduais j tinham uma participao importante na oferta de matr-culas no ensino fundamental, a expanso de gastos dos municpiosvoltou-se vigorosamente para o ensino infantil.

    Para promover a municipalizao e a valorizao salarial dos profes-sores (vale dizer, aqueles que exercem diretamente atividades em

    sala de aula nesse nvel de ensino), tcnicos do Ministrio da Educa-osemconsultaounegociaocomestadosemunicpioselabora-ram um projeto de emenda constitucional que previa que, pelo prazode dez anos, estados e municpios deveriam aplicar, no mnimo, 15%de todas as suas receitas exclusivamente no ensino fundamental.Alm disso, 60% desses recursos deveriam ser aplicados exclusiva-mente no pagamento de professores no efetivo exerccio do magist-rio. Para garantir padres mnimos de gasto em educao, a emendaconstitucional tambm determinava que deveria ser estabelecido acada ano um valor mnimo nacional de gasto por aluno, sendo estecomplementado pelo governo federal nos estados onde o valor mni-mo nacional no fosse alcanado.

    Na prtica, a implementao dessa emenda constitucional implicavauma minirreforma tributria de mbito estadual, na medida em que,acadaano,15%dasreceitasdeimpostosdeestadosemunicpiosseri-am automaticamente retidas e contabilizadas em um fundo estadual,o FUNDEF18, e redistribudas, no interior de cada estado, entre gover-nos estaduais e municipais proporcionalmente ao nmero de matr-culas oferecidas anualmente19.

    Marta Arretche

    444

  • 8/14/2019 Arretche a Reforma de Programas Sociais LIDO

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    A proposta de emenda constitucional penalizava diretamente osnoveestadosdaregioNordesteeoRiodeJaneiro,umavezquenelesa matrcula j era predominantemente municipal (ver Tabela 4).

    Entretanto, favorecia outros estados que ou receberiam receitas adi-cionais ou obteriam adeso de seus respectivos municpios para amunicipalizao da matrcula. Por conseqncia, a proposta do Exe-cutivo federal dividia os governadores entre perdedores e ganha-dores.

    A estratgia formulada por tcnicos do Ministrio da Educao almde obter a aprovao da Presidncia fez com que o Executivo federalmobilizasse sua coalizo de apoio para aprovar a emenda cons-

    titucional no Congresso. As perdas fiscais dos estados do Nordeste queprovocaramaresistnciadesuasbancadasaprovaodaemen-da foram compensadas com a incluso do auxlio federal ao ensinomdio nos estados da regio por um perodo de cinco anos no ProjetoAlvorada.

    Adicionalmente,aausnciadaregraderatificaodosestadosparaaaprovaodeemendasConstituio, mesmo em decises que afetam di-retamente as receitas de estados e municpios, limitou significativamente

    o potencial de veto dos estados e municpios diretamente penaliza-dos pela reforma. A emenda foi aprovada e regulamentada em 1996 eimplementada a partir de 199820.

    Para o Executivo federal, a estratgia de emendar a Constituio de-correudofatodeaofertadeensinofundamentalestardistribudaen-tre governos estaduais e municipais, em decorrncia de diferentestrajetrias estaduais de expanso dessa oferta, ocorrida particular-menteentreosanos70e90.exceodeumprogramanoParanen-tre meados dos anos 80 e 90, e de alguns poucos esforos no Nordestedurante o regime militar, as tentativas de municipalizao por partede governos estaduais tinham sido em geral fracassadas. Elas defron-tavam-se com as resistncias dos governos municipais a assumir no-vas atribuies. Alm disso, nessa poltica particular, diferentementedas polticas de desenvolvimento urbano e de sade, o governo fede-ralnodetinhaafunodeprincipalfinanciador,oquelimitavamui-to seus recursos para induzir o comportamento dos governos locais.

    O acelerado processo de alterao dos padres prvios de distribui-o das matrculas no mbito dos estados, assim como de elevao

    Federalismo e RelaesIntergovernamentais no Brasil...

    445

  • 8/14/2019 Arretche a Reforma de Programas Sociais LIDO

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    dos salrios docentes, explica-se em grande parte pelo interesse dosgovernos locais em aumentar suas receitas. Isto , uma vez aprovadaa emenda constitucional, aumentar a oferta de matrculas na rede de

    ensino fundamental passou a ser uma estratgia racional para obterreceitas adicionais. Trata-se, assim, do resultado da estrutura de in-centivos da nova legislao sobre a deciso dos governos subnacio-nais. A oferta de matrculas no ensino fundamental permitiu combi-nar ganhos de receita com a ampliao da oferta de servios popula-o, bem como a elevao dos salrios dos professores.

    Descentralizao da Poltica de Sade

    Ao longo da dcada de 90, o governo federal foi muito bem-sucedidoem transferir para os municpios brasileiros a responsabilidade pelagesto dos servios pblicos de sade.

    AdescentralizaoeauniversalizaodapolticafederaldesadeeaconseqenteconstruodoSistemanicodeSadeSUSpassaramaser normas constitucionais na Constituio Federal de 1988. Emborao princpio do direito universal de acesso aos servios pblicos de sa-de passasse a ter validade imediatamente aps a promulgao daConstituio, a municipalizao destes implicava um processo de re-estruturao do arcabouo nacional dos servios, cuja principal con-seqncia seria a transferncia de atividades at ento desempenha-das no mbito federal para os municpios21. Esse novo modelo estariaassentado na separao entre financiamento e proviso dos servios(Costa et alii, 1999), ficando o financiamento a cargo das trs esferasde governo e a proviso dos servios sob a responsabilidade dos mu-nicpios.

    A municipalizao da gesto dos servios de sade foi o elementocentraldaagendadereformasdogovernofederalaolongodadcadade 90, e pode-se afirmar que, deste ponto de vista, a reforma foi umsucesso. Em 2000, 99% dos municpios estavam habilitados junto aoSUS, aceitando, assim, as normas da poltica de descentralizao dogoverno federal (ver Tabela 5).

    A agenda da reforma tinha como objetivos universalizar o acesso aosservios e descentralizar sua gesto, isto , a reforma visou, simulta-neamente, romper com o modelo prvio assentado sobre o princpiocontributivo e transferir aos municpios responsabilidades de gesto

    Marta Arretche

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  • 8/14/2019 Arretche a Reforma de Programas Sociais LIDO

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    da prestao de servios, mantendo a participao federal no finan-ciamento da poltica. Tratava-se, portanto, de uma reforma que en-volviaoprincpioordenadordodireitosadeeomodelocentraliza-do de prestao de servios.

    A universalizao dos servios implicava a ampliao da abrangn-cia de direitos dos cidados, uma vez que o princpio contributivo domodelo anterior exclua do acesso aos servios camada significativadapopulaocombaixosrendimentosoucomformasprecriasdein-

    sero no mercado de trabalho. Esse objetivo da reforma elevar onmero de beneficirios da poltica , seguramente, representou umforte estmulo para a adeso dos municpios ao SUS. Os crditos pol-ticos derivados do aumento da oferta de servios de sade criaramnas administraes locais incentivos para assumir sua gesto22.

    Noentanto,essavarivelointeressedaseliteslocaisnavisibilidadepoltica da universalizao dos servios de sade no suficientepara explicar a adeso dos municpios poltica federal nem o ritmoemqueestaocorreu.Oobjetivodauniversalizao,anormaconstitu-cional da municipalizao dos servios, a competio eleitoral e ascondies institucionais para a barganha federativa j estavam pre-sentes no cenrio poltico brasileiro em 1988. Estes fatores explicam,por exemplo, por que o nmero de estabelecimentos municipais desade cresceu de 2.961 para 18.662 entre 1981 e 1992, passando de umpercentualde22%para69%dototaldeestabelecimentosdosetorp-

    blico no mesmo perodo (Costa et alii, 1999:37).

    Todavia, eles no explicam por que os municpios aceitaram a transfe-rncia da responsabilidade pela gesto dos servios, tarefa razoavel-mente mais complexa do que a sua simples oferta. Observe-se que a

    Federalismo e RelaesIntergovernamentais no Brasil...

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    Tabela 5

    Habilitao dos Municpios ao SUS segundo Anos Selecionados

    Brasil (1988-2000)

    1988 1993 1996 2000

    Municpios Habilitados 0 1.090 3.127 5.450

    Total de Municpios 4.179 4.974 4.973 5.507

    Habilitados/Total (%) 0 22 62,87 98,96

    Fontes: Dados sobre municipalizao da sade: Costa et alii (1999); Guimares (2001). Dadossobre nmero de municpios: IBGE.Obs.: Na NOB/91 foram habilitados 420 municpios, e na NOB/92, 670 (Guimares, 2001).

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    instalao de capacidades de gesto envolvia custos elevados, tendoem vistaa quase ausncia destas nas administraes municipais, resul-tado da centralizao das funes no Executivo federal desde a era

    Vargas. Aquelas variveis tambm no so suficientes para explicarpor que esse processo de aceitao da transferncia de responsabilida-desseacelerouapenasnasegundametadedosanos90(verGrfico1).

    A adeso dos municpios ao SUS e, particularmente, o seu ritmo noplano nacional so explicados pela estratgia de descentralizao dogovernofederalconsubstanciadaemportariaseditadaspeloMinist-riodaSade.Osarrancosdeadesoestodiretamenteassociadosedio das Normas Operacionais Bsicas. A NOB/91 introduziu o

    princpio da habilitao ao SUS, mecanismo mediante o qual os esta-dos e municpios poderiam aderir poltica federal de descentraliza-o, subordinando-se s regras federais e capacitando-se a receber astransferncias oriundas dessa esfera de governo. Entre 1991 e 1992,sob o governo Collor, ocorreu um primeiro impulso de adeso sob asNOB/91 e NOB/92, que regulamentavam a sistemtica de transfe-rncia de recursos para os estados e municpios. No governo Collor,entretanto, essas portarias ministeriais estabeleciam regras de trans-

    Marta Arretche

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    0

    1000

    2000

    3000

    4 000

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    6000

    CF88 NOB 91 NOB92 NOB93 NOB96

    Regulamentaes Federais

    NmerodeMunicpios

    Hab

    ilitados

    Seqncia1

    Grfico 1Evoluo da Habilitao Municipal do SUS

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    ferncia de recursos que conferiam um carter incerto e politizado smesmas, razo pela qual a adeso municipal ao SUS, nesse perodo,permaneceu em 22% (ver Tabela 5). Essas NOBs foram fortemente

    combatidas pelo movimento sanitarista e foram mais conhecidas peloque no avanaram do que pelo que implantaram (Guimares, 2001:49).

    O segundo grande arranco, entre 1993 e 1995, ocorreu sob a vignciada NOB/93, durante o governo Itamar Franco. Resultado de um am-ploprocessodeconsulta,estaPortariadoministrodaSadeabriaumleque de escolhas aos municpios, que poderiam optar entre trs mo-dalidades distintas de habilitao de acordo com suas capacidadesadministrativas, vindo a receber recursos federais diretamente vin-

    culados s funes de gesto assumidas. Nesse segundo momento,ainda marcado pela incerteza quanto capacidade de o Ministrio daSade efetivamente realizar a totalidade das transferncias por causada escassez de recursos, 63% dos municpios brasileiros aderiram aoSUS23.

    O processo de municipalizao completou-se sob a NOB/96, cuja im-plantao ocorreu somente a partir de 1998. A adeso dos municpiosfoi superior s metas do prprio Ministrio da Sade. Duas so as

    principais razes para este resultado. Em primeiro lugar, as novas re-gras de transferncia federais acrescentavam recursos aos cofres de66% dos municpios brasileiros e eram fiscalmente neutras para 22%deles (Costa et alii, 1999:45). Em segundo, o Ministrio da Sade fezcrer que as transferncias seriam efetivamente realizadas.

    No caso da poltica de sade, a passagem da fase de definio dos ob-jetivos da reforma para a etapa de implementao implicou um deslo-camento da principal arena decisria: do Parlamento para o Executi-vo, transferindo poder decisrio para as burocracias deste ltimo. Asdeterminaes constitucionais j haviam sido estabelecidas em 1988,cabendo ao Ministrio da Sade a edio de normas operacionaispara colocar em prtica o processo de transferncia de funes a esta-dos e municpios.

    Entretanto, os conflitos com o Executivo federal durante o governoCollor tornaram visvel ao movimento sanitarista principal articu-lador do processo de descentralizao que a concentrao de recur-sos de autoridade no Ministrio da Sade via funes de financia-mento e de coordenao das relaes intergovernamentais limitava

    Federalismo e RelaesIntergovernamentais no Brasil...

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    a representao de interesses de estados e municpios na arena deci-sriadeformulaoeimplementaodareforma.NogovernoItamarFranco, a oportunidade institucional oferecida por um ministro com

    fortes ligaes com o movimento sanitarista, Jamil Haddad, permitiua institucionalizao de uma arena federativa para a formulao dapoltica de sade: todas as medidas da descentralizao deveriam seraprovadas por uma Comisso Intergestores Tripartite, composta porrepresentantes dos Executivos federal, estaduais e municipais. Aconstituio dessa arena federativa permitiu a incorporao parcialdas demandas dos governos locais s regras da poltica federal.Assim, as portarias editadas pelo Ministrio da Sade adaptaram su-cessivamente as regras de operao da poltica para obter a adeso

    dos municpios.

    O contedo das sucessivas normas operacionais expressa um proces-so de aprendizagem (policy-learning) no mbito das burocracias doMinistrio da Sade. Por seu intermdio, foram alteradas, no prazode menos de uma dcada, as regras da poltica federal de descentrali-zao, sem que fossem modificados seus instrumentos e nem sequerseus objetivos. Neste processo, a burocracia do Ministrio da Sadeincorporou no s demandas dos atores com potencial capacidade de

    veto poltica federal (particularmente estados e municpios), comotambm a participao institucionalizada desses atores na formula-o das regras federais.

    CONCLUSES

    Nosquatrocasosdepolticasocialaquianalisados,ogovernofederalalcanou diferentes graus de sucesso, mas, exceo da privatizaodas empresas estaduais de saneamento, no encontrou obstculos in-transponveis para implementar sua agenda de reformas.

    Os casos apresentados revelam, em primeiro lugar, que no existe re-lao necessria entre a radicalidade das reformas pretendidas peloExecutivo federal e a arena decisria em que so aprovadas as medi-dasindispensveissuaimplementao.Reformasradicaiseprofun-das no modelo de uma poltica pblica no implicam, obrigatoria-mente, que as decises que lhe so correlatas devam ser tomadas emuma arena decisria cujos custos de aprovao sejam mais elevadospara o Executivo federal como, por exemplo, a aprovao de refor-mas constitucionais no Congresso. Das quatro polticas em tela, em

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    apenas uma a municipalizao da educao bsica a aprovao deuma emenda constitucional foi a estratgia adotada pelo governo fe-deral.

    Os quatro casos tm em comum o fato de o sucesso das reformas de-pender da capacidade do Executivo federal para superar o poder deveto implementao de polticas decorrente da baixa integraovertical de estados federativos. Em razo da sua autonomia poltica efiscal, os governos subnacionais adotam as polticas federais apenaspor adeso voluntria ou obrigao constitucional. Nas quatro polti-cas, verifica-se que o governo federal excluiu a possibilidade de atri-

    buir competncias exclusivas ou obrigaes constitucionais aos go-

    vernos subnacionais, buscando a aprovao de medidas cuja estrutu-ra de incentivos tornasse atraente a subordinao de estados e/oumunicpios a seus objetivos de reforma.

    A estratgia do Executivo federal, em cada poltica particular, foi con-dicionada pelos objetivos da reforma e pelo modo como estavam es-truturadas as relaes intergovernamentais, que, por sua vez, socondicionadasporregrasconstitucionais,legadodepolticasanterio-res e o ciclo da poltica.

    No caso da educao fundamental, o objetivo da reforma envolvia ainterveno em distintas configuraes estaduais de distribuio dematrculas e nos sistemas de pagamento de professores. Dado que aoferta de servios era, e ainda , inteiramente controlada por estadose municpios e o Executivo federal estava insuficientemente dotadoderecursosparainfluirnasescolhasdosgovernoslocaistaiscomoopapel de financiador nas polticas de sade e desenvolvimento urba-no,arealizaodeumaminirreformatributriadembitoestadual,

    via aprovao de uma emenda constitucional, foi a estratgia adota-da.Estaminirreformaafetavadiretamenteasreceitasfiscaisdosesta-dos da regio Nordeste, o que no impediu, todavia, sua aprovao,tendo esta sido viabilizada graas ao poder de agenda e ao uso de re-cursos disposio do presidente, coalizo de apoio parlamentar doExecutivo federal e ausncia da regra de ratificao dos estadospara emendas constitucionais no Brasil. Tais caractersticas do presi-dencialismo e do federalismo brasileiros deslocaram para a arena doPoder Executivo a parte mais importante do processo de formulaoda reforma, tal como previsto por Immergutt (1996) para os Estadosunitrios e parlamentaristas. Uma vez aprovada a emenda, a adeso

    Federalismo e RelaesIntergovernamentais no Brasil...

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    dosgovernoslocaisfoiumresultadodiretodosincentivosfiscaisem-butidos nas regras de operao da nova poltica.

    A descentralizao da ateno sade no envolvia uma reformaconstitucional, mas a obteno da adeso dos municpios a normasconstitucionais j aprovadas em 1988. Neste caso, a estratgia passoupelaediodeumconjuntosucessivodeportariasministeriais,apar-tirdasquaisaburocraciadoMinistriodaSadefoiprogressivamen-te organizando uma estrutura de incentivos destinada a obter a ade-sodosmunicpiosaosobjetivosdareforma.Aestratgiafoiemgran-de parte condicionada pelas possibilidades de veto dos municpios implementao das medidas pretendidas. A fase de implementao,combinada s funes do Ministrio da Sade, transformou o Execu-tivo federal na principal arena decisria, muito embora tenha sidoinstitucionalizadaumaarenafederativa,atravsdaqualosinteressese a representao de estados e municpios foram incorporados ao pro-cesso de formulao das regras federais.

    Finalmente, a desestatizao progressiva das empresas pblicas dehabitao, assim como a modificao radicalda poltica federal de ha-

    bitao, foram resultado de uma estratgia de desfinanciamento viamudana das exigncias legais para obteno de financiamentos fe-derais bem como da gesto seletiva da liberao de recursos fede-rais. No que se refere s polticas de habitao e saneamento, a arenadecisria para a aprovao das medidas de reforma no inclua a re-presentao de estados e municpios, o que favoreceu a aprovaodos objetivos de reforma do Executivo federal. Formulada a estrat-gia pela burocracia do Ministrio do Planejamento e Oramento, osobstculos institucionais seriam praticamente irrelevantes.

    Conforme vimos, a aprovao de medidas no Congresso uma dasetapas de um processo de reformas. Uma vez aprovada uma legisla-o reformadora na arena parlamentar, sua implementao envolve aadoodemedidasquedeslocamparaaarenadopoderExecutivofe-deral a autoridade decisria sobre o contedo das polticas a seremefetivamente concretizadas. Isto significa que as burocracias encarre-gadas da implementao das reformas aprovadas passaram a disporde inmeras oportunidades institucionais para tomar decises inde-pendentemente de autorizao legislativa. Posteriormente aprova-o legislativa, essas burocracias tm autoridade para traduzir leis

    Marta Arretche

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    em polticas efetivas, simplesmente pela definio das regras de im-plementao das polticas.

    (Recebido para publicao em novembro de 2001)

    NOTAS

    1. Weir et alii (1988) demonstram o papel da estrutura federativa dos EUA na emer-

    gncia do sistema de proteo social norte-americano. Pierson (1994) mostra comoas instituies federais foram um obstculo s reformas descentralizadoras deReagan.

    2. Alm do poder para aprovar todas as leis e emendar a Constituio, a Cmara Altadispe de doze reas de exclusividade legislativa (Stepan, 1999).

    3. O controle dos governos locais sobre a sobrevivncia eleitoral dos candidatos aoLegislativo federal seria o mecanismo atravs do qual os governos subnacionaiscontrolariam o comportamento parlamentar no Congresso (Abrucio, 1998; Stepan,1999; Samuels, 2000; Ames, 2001).

    4. Para um exemplo, ver Mansbridge (1986), que analisa as razes pelas quais o EqualRights Movement ERA fracassou em aprovar a emenda constitucional que garanti-ria direitos iguais a homens e mulheres. Embora tenha sido aprovada no Senadodos Estados Unidos com uma votao de 84 contra 9, e diversas pesquisas de opi-nio tenham revelado forte apoio da opinio pblica emenda constitucional, estano foi aprovada porque em apenas 35 estados as Casas Legislativas a aprovaram,quando seria necessrio que 38 estados o tivessem feito.

    5. Agradeo a compreenso da importncia da distino entre federalismo e estrutu-rao das relaes intergovernamentais insistncia de Celina Souza. Para umadiscusso sobre o tema, ver Souza (2002).

    6. Para uma anlise sobre as reformas constitucionais recentes no Brasil, com base em

    estudos de caso que consideram as variveis especficas das arenas decisrias, verMelo (2002).

    7. O conceito de paradigma de poltica de Peter Hall (1993), que compreende simul-taneamenteahierarquiadeobjetivosdeumapoltica,bemcomoseusinstrumentosde operao.

    8. Por efeito nodesejadoda poltica anterior, existem ainda centenas de companhiasmunicipais de saneamento.

    9. O emprego de recursos do FGTS para obter apoio no Congresso pelo presidenteSarney na Constituinte e pelo presidente Collor no episdio do impeachment so osexemplos mais citados.

    10. Segundo decises anteriores do Conselho Curador do FGTS, instncia colegiadafederal, os recursos do Fundo deveriam ser aplicados de modo a destinar 60% para

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    habitao popular e 40%para as reas de saneamento bsico e infra-estrutura urba-na. Cada unidade da federao deveria ter um oramento anual, calculado com

    base na arrecadao lquida do Fundo e em critrios de distribuio entre os esta-dos que atribuem pesos distintos s variveis arrecadao do FGTS, populao ur-

    bana e dficit habitacional e de gua e esgoto. Este oramento estabelece o valormximo que pode ser emprestado para cada estado anualmente.

    11. Entrevista com dirigente da Associao Brasileira de COHABS ABC.AsCOHABS doCear, Alagoas, Rondnia, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Esprito Santo,MatoGrossoeGoisforamfechadas.AC OHAB doRioGrandedoSulhaviadeclara-dofalnciaantesde1995.AsempresasestaduaisdaBahia,DistritoFederaleRiode

    Janeiro transformaram-se em agncias de desenvolvimento urbano.

    12. Na verdade, a naturezadas relaes entre os governadores e as burocracias das em-presasestaduaisdesaneamentofoiumfatordeterminantenadefiniodasestrat-gias estaduais de privatizao ou preservao das empresas estaduais de sanea-mento. Ver, a este respeito, Arretche (1999).

    13. Artigo 30 Compete aos Municpios: [] V Organizar e prestar, diretamente ousob regime de concesso ou permisso, os servios pblicos de interesse local, in-cludo o de transporte coletivo, que tem carter essencial.

    14. NoRiodeJaneiro,apsumalongabatalhajurdicaepolticaqueconsumiuquaseatotalidade do governo Marcelo Alencar, o consrcio privado interessado na com-pra da empresa desistiu da operao por causa das incertezas quanto possibilida-de de poder vir a operar efetivamente a companhia.

    15. Leis 7.839/89, 88.036/90 e Decreto 99.684/90.

    16. Agradeo a Fernando Limongi e Eduardo Marques a sugesto para a importnciado carter no federativo dessa arena decisria.

    17. Na verdade, o Conselho Curador em diversas situaes aprovou adhoc medidas deaplicao de recursos j implementadas pela Caixa Econmica Federal, as quaiscontrariavam regulamentaes prvias do prprio Conselho (USP/EESC/FIPAI,2000). Alm disso, a prpria representao da Central nica dos Trabalhadores CUT aderiu estratgia de reforma da burocracia do Ministrio do Planejamento eOramento.

    18. As receitas do Fundo de Participao dos Municpios FPM, Imposto sobre Circu-lao de Mercadorias ICMS e Imposto sobre Produtos Industrializados Proporci-

    onal s Exportaes IPI/Exp so automaticamente bloqueadas quando da reali-zao dos crditos.

    19. O nmero de matrculas oferecidas calculado anualmente atravs do Censo Esco-lar.

    20. por essa razo que seu impacto se inicia depois de 1997.

    21. O artigo 30 da Constituio de 1988 estabelece que o municpio o nico ente fede-rado a quem atribuda a misso constitucional de prestar servio de atendimento sade da populao.

    22. Pesquisasdeopiniorevelamsersignificativaasatisfaodosbrasileiroscomrela-

    o a esses servios (Costa et alii, 1999:50). Aliteratura comparada aponta que o in-teresse dos governos na visibilidade da responsabilidade pela oferta de benefciossociais foihistoricamenteuma das razes de sua expanso. Pierson (1994) demons-

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    tra que, no contexto de expanso do welfare state, a concentrao da autoridade po-ltica implica a concentrao da accountability pela ampliao de benefcios. Ban-ting(1995)demonstraque,noCanad,adisputaentregovernofederaleprovnciaspelos crditos polticos derivados da ampliao de servios sociais contribuiu paraa expanso do welfare state canadense.

    23. Em 1994, o ministro Antonio Britto (do Ministrio da Previdncia e Assistncia So-cial) suspendeu as transferncias constitucionais de 30% dos recursos do Fundo daPrevidncia e Assistncia Social para o Ministrio da Sade, abrindo uma crise dedesfinanciamento no setor.

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    ABSTRACTFederalism and Inter-Governmental Relations in Brazil: Social-ProgramReforms

    The article analyses the process of reform in four areas of social policies thataffect directly the interests of sub-national governments: basic education,social housing programs, basic sanitation and health. As the study reveals,despite the varying degree of success achieved in the various policyinitiatives and contrary to the expectations of the prevailing interpretationsof the nature of Brazilian federalism, the federal government faced noinsurmountable hurdles in implementing their reform agenda. The studyaimsatdemonstratingthat(i)intheabsenceofanyconstitutionalmandatoryrequirement, the political autonomy of local governments typical of

    federative States actually enhances the veto power of local governmentsover policy initiatives proposed by the federal Executive branch. However,(ii) power resources available to the federal Executive branch such asagenda definition and vetoing powers in addition to control over resourcesthat are essential to the political survival of the representatives increase thechances of success of the federal government. Furthermore, (1999), (iii) theconstitutional authority of Brazilian states is far more limited than that of theNorth-American states; (iv) the category federalism, however, is notsufficient to define the potential stability of specific policies, which dependsupon how inter-governmental relations are structured in each particularpolicy. Specifically, (v) constitutional rules, legacies from previous policiesand the political cycle frame the decision arenas in various ways, thusconditioning both the strategies and chances of success of the federativeplayers.

    Keywords: federalism; inter-governmental relations; social policies

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    RSUMFdralisme et Relations Intergouvernementales au Brsil: La Rformedes Programmes Sociaux

    Dans cet article, on analyse le processus de rforme dans quatre domaines dela politique sociale atteignant directement les intrts des gouvernementsrgionaux: ducation lmentaire, logement social, assainissement ssentielet sant. On y voit que le gouvernement fdral a russi dans ces domaines diffrents degrs, mais que, contrairement lattente des interprtationsdominantes sur la nature du fdralisme brsilien, il na pas trouvdobstacles infranchissables la mise en place de son programme derformes. Ici on essaie de montrer que (i) en labsence de contraintes issues dela Constitution, lautonomie politique des gouvernements locaux propre

    aux tats dune fdration rend effectivement plus puissant le veto que cesgouvernements locaux opposent la mise en place de politiques proposespar le gouvernement fdral. Cependant, (ii) les ressources du pouvoir delexcutif fdral, tels que le pouvoir de fixer les priorits et dopposer desvetos, ainsi que le contrle des fonds ncessaires lexistence politique desparlementaires favorisent plutt le gouvernement fdral. De surcrot,(1999), (iii) lautorit constitutionnelle des tats brsiliens est bien plusrduite que celle des tats nord-amricains. Cependant, (iv) la catgoriefdralismenesuffitpaspourdfinirlepotentieldestabilitdespolitiquesparticulires. Ce potentiel est soumis la manire dont sont structures lesrelations intergouvernementales dans les politiques particulires. Enparticulier (v) des rgles constitutionnelles, hrites de politiquesprcdentes ainsi que les cycles de la politique structurent diffremment lesarnes de dcisions, dterminant les stratgies et les chances de succs desacteurs fdratifs.

    Mots-cl: fdralisme; relations intergouvernementales; politiques sociales

    Marta Arretche