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POETAS POPULARES 

CONCELHO DE BEJA 

BEJA 1987 (1989)

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TituloPoetas Populares do Concelho de Beja

Coordenação, apoio e colaboraçãoConcelhia DGAEE (Direcção-Geral de Apoio e Extenção Educativa)

ADPCRB (Associação para a Defesa do Património Cultural da Regiãode Beja)Câmara Municipal de Beja / Divisão Sócio-Cultural da Câmara Municipal deBeja

Coordenação da recolhaAbílio Teixeira, da Concelhia da DGAEE

Arranjo gráfico, paginação, trahalho em processador de textoe revisões do original

J. R. Gaspar, M. P. Salgado e F. Fanhais

Introdução, selecção e intr. Anexos e Estudo final (Décimas)José Rabaça Gaspar

Processamento de texto e impressão do originalAmstrad PCV82S6 JORAGA Penedo Gordo Beja

Direitos de AutorCâmara Municipal de Beja e Coordenação Concelhia da D.G.A.E.E.

Autor da Capa e arranio gráficoAntonio Carrilho

TipoprafiaAssociação de Municípios do Distrito de Beja

EditoraCâmara Municipal de Beja

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POETAS POPULARES

CONCELHO DE BEJA

BEJA

1987

CONCELHIA DGAEE (DIRECÇÃO-GERAL DE APOIO E EXTENSÃO EDUCATIVA) - REJA/1987

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ÍNDICE 

Introdução .................................................................................. 7FREGUESIA DE ALBERNOA ............................................................2ILuís Correia ...............................................................................23

Perpétua das Dores Mateus .......................................................... 27Isabel Guerreiro .....................................................................3I

Bartolomeu Arsénio .................................................................... 35Ana Rita da Graça .....................................................................39BEJA - SEDE DOCONCELHO (com 4 freguesias) ........................... .....43

Maria Guiomar Rodeia Peneque ................................................... 45Florival Peleja............................................................................ 55

Carlota Ramos Caixinha ...........................................................61Ana Maria das Neves .................................................................................................... 71Iolanda Guerreiro ...................................................................... 77

FREGUESIA DE BERINGEL ...........................................................81Rosa Helena Moita Rodrigues .................................................83FREGUESIA DA CABEÇA GORDA .................................................... 91

Alfredo Sebastião José .............................................................. 93PENEDO GORDO (Freguesia de Santiago Maior- Beja) .................... 111

Joaquim Silva ......................................................................... 111FREGUESIA DE QUINTOS ............................................................ .117

Francisco Manuel Luis ............................................................... 119José Mestre ............................................................................. 123

FREGUESIA DE SANTA CLARA DE LOUREDO (BOAVISTA) ................. 129Maria Helena Severino .............................................................131Mário da Conceição .................................................................. 133Jose Joaquim Inácio ................................................................. 139Bárbara dos Santos Madeira ..................................................... 145

José Jacinto .............................................................................. 151

FREGUESIA DE S. MATIAS ................................................... · ... · 155Joaquim António Piriquito Junior. ........................................ ...... 157Joaquim António Ruaz ................................................................ 163FREGUESIA DE SANTA VlTÓRIA ................................................... .167

Francisco de Encarnação .......................................................... 167

CONCURSO 85 - OBRAS OBRIGADAS A UM MOTE"Que importa perder a vida”  ................................................173

João Batista Cavaco (Beringel) .................................................. 175Alfredo Sebastião José (Cabeça Gorda) ...................................... 179José Jacinto (Santa Clara de Louredo / Bosvista) ......................... 180Maria Guiomar Rodeia Peneque (Beja. Freg. de Santiago Maior) .... 181

Ana Rita da Graça (Albemoa) .................................................... 182ANEXOS - (Nota explicativa) ........................................................183

Quadras do Cancioneiro PopularPortuguês .................................. 185Poesia "0 PRETO", recolha de M. Joaquim Delgado ..................... 187Lista de Poetas Populares de Albemoa, recolha de A. Barros ......... 188

BREVE ESTUDO SOBRE A ORIGINALIDADE E VALOR DAS DÉCIMAS .. 189Índice dos Poetas por ordem alfabética ......................................... 195ÍNDICE GERAL DOS POETAS E POEMAS ......................................... 197

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INTRODUÇÃO

A poesia inspiradaTem atraente beleza;Inspirações cativames

Encerras tu, Natureza.

Francisco da EncarnaçãoSanta Vitória

Em tudo sinto poesiaDesde o insecto à planta...Tudo me diz sinfonia

E tudo me prende e encanta.

Manuel de CastroCuba

Alguns POETAS POPULARES do CONCELHO DE BEJA procuram uma forma de se fazer OUVIR.Este LIVRO, portanto é para OUVIR, caro leitor.Não, não procure o disco no final, nem a cassete inccluída, porque não tem.

É isso mesmo. Isto é um LIVRO que você vai OUVIR se você é do Alemejo ou está noAlentejo e/ou é capaz de se deixar penetrar pelo "halo mágico" que envolve o Alentejo e pro-duziu e produz: estes CANTADORES do CANTE alentejano que cantam com o ventre comoque sugando a vida do seio da terra, como o  trigo e as flores; estes CONTADORES deHISTÓRIAS que captam da Terra e da Vida e do Espaço a sua arte de encantar; e os

DEZEDORES de quadras, de décimas, de poesia, que como os outros cantarn e encantamporque as criam, encarnam e/ou DlZEM como artistas e, com os outros, são expressão daCULTURA POPULAR do ALENTEJO.

Os poetas populares, como, aliás, a cultura oral e tradicional, são como a terra, ou a água,ou o sol... Ou se ignoram e desprezam, embora toda a gente saiba que existem e se contecom eles como indispensáveis à  vida da comunidade; ou são objecto de investigação eanálise, até de estudiosos ou investigadores sérios, mas que depois usam a sua arte, depoisde convenientememe "expurgada"-"seleccionada", para promoção, exibição ou proveitopessoal.Há tentativas no sentido de fazer mudar as coisas.

Os artistas populares tomam consciência do seu valor e querem ser reconhecidos e respeitados,ouvidos e vistos como tal;

O Património cultural duma determinada Região não é tesouro perdido à disposição dequalquer explorador com espírito patemalista ou intenções mais ao menos colonizadoras quedão bolinhas de vidro e panos coloridos em troca do ouro e das fabulosas riquezas indígenas.

Estes parecem-me ser os pontos base, para alicerçar a introdução·que me pediram. Trata-se pois de uma introdução/prefácio para uma recolha de POET AS POPULARES do CONCELHODE BEJA que foi e está a ser realizada por um grupo de professores encarregados-e-empenhados na ALFABETlZAÇÃO, neste concelho, desde 1979.

São analfabetos esles poetas? Pode ser analfabeto quem sabe, assim, ler a realidade equem sabe usar com esta arte a linguagem que têm à sua disposição? O que é   seranalfabeto?

Mais grave. O que é então alfabetizar? Se for para matar essa cultura e essa arte, então,podemos chamar-lhe - urn crime.

Com esta inlrodução, a mim, compete-me abrir pistas ou sugerir linhas de leitura quepossam ajudar os interessados a tomar parte nesta festa de poesia.

Não aceitei propriameme o  papel de juiz. Não tinha que ser rigoroso e exigente na

selecção, armado de erudição e de saber dogmático. É  um mundo especial esle o da poesiapopular para nos atrevermos a ser juízes implacáveis que decidem com segurança o que é bom e o que não presta.

Como diz a poeta Carlota Caixinha, de Beja: "Eu não quero ser poeta / Não tenho tal pre-tensão. / Apenas quero exprimir / A minha imaginação". E, como diz Francisco daEncamação, de Santa Vitória, que anda agora pelos 65 anos, em poema desta antologia e o poeta Manuel de Castro da Cuba que morreu por volta de 1973 com uns 81 ou 82 anos,estes poetas populares, como, aliás, os poetas, sentem, bebem, vêem a poesia nas"inspirações cativantes" que "encerras tu, Natureza", ou para melhor dizer: em tudo, "Desdeo insecto à planta / Tudo me diz sinfonia / E tudo me prende e encanta".

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É este afinal, mais ou menos, o pensamento de todos eles. Cantam como as fontes; dão cor comoas flares do campo; fazem poesia para dizer o que vivem... para dizer que vivem.

A CULTURA E 0 ANALFABETISMO

Estamos na região do país com a mais elevada taxa de analfabetismo, e num país em que o índicede analfabetismo ronda ainda múmeros escandalosos, para um pa´ss que, na era de quinhentos, foi"cabeça da Europa" e que em finais do século XX se empenha para entrar na Comunidade EconómicaEuropeia! (Económica?!)

Que vai ser deste paás e desta região, se não souber, se não puder afirmar os seus valores e a suacultura?Que problemas e que esta pergunta levanta?

O í ndice de analfabetismo oficial é, de facto, indicador da falta de Cultura? Indica, de facto , faltade capacidade para saber ler a realidade e intervir decisivameme no desenvolvimento? e de o fazerde um modo correcto sem agredir o mundo-universo que nos "foi dado de empréstimo" e vamos terde iegar aos nossos filhos?

E, no meio da complexidade deste problema, quem e que afinal tem autoridade e poder para dizero quê?O que é e o que não é Cultura? O que tem e não tem valor?

Normalmeme, como e verificável pela História, é a cultura dominante, são os que detêm o poder epor conseguinte dominam a cconomia (ou vice-versa), que dominam por sua vez a Cultura. Mesmo emregimes democráticos, em que receberam o mandato de a pôr ao serviço da comunidade, são elesque têm os instrumentos de recolha, de selecção, de estudo e de divulgação. Os instrumentos e osmeios...

A CULTURA POPULAR / SUAS LEIS E MECANISMOS

Ora apesar de tudo isto, a CULTURA POPULAR TRADICIONAL, existiu, sobreviveu, manteve-se ereproduziu-se pelas suas próprias leis até que o ritmo do progresso e a ruptura da cullura erudita aameaçou, como se pudesse prescindir dela, como se a Cullura pudesse sobreviver, se dividida!

Aparece então com os românticos o grande grito de alerta para "salvar o grande livro nacionalque é o  povo e as suas tradições" no dizer do genial Almeida Garrett, esse mesmo que dizia:"Romântico?! Deus me livre de o ser!" e nos legou o  Romanceiro e aquela "ingénua menina dos

rouxinóis" incrustada nas "Viagens da minha Terra" que do Vale de Santarém e do pinhal daAzambuja espera a hora de tomar "outra vez o  bordão de romeiro, e vá peregrinando por essePortugal fora, em busca de histórias para te contar.”... 

Não será Garrett a continuar a Viagem. Já o  fizeram muitos e muitos outros estão a fazêlo.Citamos Teófilo Braga e José Leite de Vasconcellos para citarmos só os que nos deixaram essamilagrosa panorâmica do grande Livro Nacional que está a ser organizada pelos seus continuadores evão desde o Dr. Orlando Ribeiro, ao Dr. M. Viegas Guerreiro, ao Dr. A. Machado Guerreiro, aos Drs.AIda e Paulo Soromenho e Drª M. A. Zaluar Nunes.

Quantos, na linha destes, estão a dar conta que nos está a faltar o ar e a água, e a terra!?Muitos já deram conta, e há muito tempo, que o Desenvolvimemo não se pode fazer sem a

Cultura e que o Desenvolvimento e a Cultura não podem continuar numa corrida desenfreada semdarem conta que nao se pode progredir perdendo as raízes ou destruindo as fontes!

O ALENTEJO E OS SEUS VALORES CULTURAIS

Situando-nos aqui e agora, no Alentejo, em vez de palavras minhas, passo a citar Manuel JoaquimDelgado in "Subsídio para o Cancioneiro Popular do Baixo Alentejo" II vol. que na introdução p. 8diz:

"É a nossa província uma das mais ricas e características por sua fonte inesgotável de materiaisfolclóricos". Tão rica que podem ainda ser observáveis / audíveis no seu ambiente.

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Sublinha depois, esse autor, como a poesia e o  cante estão ligados à vida "que não ésenão manifestação externa da própria vida, forma de expressão dos sentimentos epensamentos do povo que a cria, reflexos da alma que sente, pensa e quer".

E não é só a poesia e o  cante que reflectem a alma deste povo. São os provérbios,anexins, contos, lendas, adivinhas, romances, orações... a pronúncia especial de certosvocábulos, as expressões próprias... os nomes locais, os nomes de família, as alcunhasperpetuadas já oficialmente em muitos apelidos de registo... que revelam as caraclerísticas eas maneiras de ser de um povo e nos dão as bases para sabermos como se situam narealidade, como pensam e a analisam e como podem caminhar para o dcsenvolvimento.

Vale a pena citar ainda mais urn parágrafo de M. Joaquim Delgado que nos alerta para o "misterioso" processo que é o registo das manifestações da Cultura Popular-oral.

O QUE É SELECCIONADO, COMO E PORQUÊ?

"É possível, em dado momento, inquirir do ror de produções que o  povo há criado.Criações que serão recentes, umas; outras antigas, e que pela força da tradição chegaramaté nossos dias por via oral, transmitidas de pais para filhos, de avós a netos, de geração emgeração no decurso dos tempos. Passado, porém, esse momento, surgem novas criações,outras se perdem, (outras "esquecidas" se recuperam) tudo isto numa evolução contínua,

que não cessa, e de que não se pode precisar bem nem o começo nem o fim. Eetee poderde criação contínuo, tão ligado está à vida que, integrando-se em si próprio, outra coisa nãoé senão aquilo que Bergson chamaria com justificada razão "L'evolution créatrice".

Parece-me que não é demais citar M. Joaquim Delgado, quando se trata de umacolectânea de Poetas Populares do Concelho de Beja, pois, a meu ver, não Ihe tem sido dadaa importância a que tem jus. Não é possível medir por enquanto, o valor da obra que temlevado a cabo, em recolhas, estudos, comentários e notas que este amante das tradições doseu povo tem feito sobre esta região. Será fundamental recorrer a ele quando se quiser teruma visão completa deste fenómeno da manutenção ou desaparecimento das manifestaçõesda Cultura Tradicional.

Porque aparecem e desaparecem estas manifestações? Quem as regista e porquê? Quaisas consequências destes registos e recolhas actuais?

Ever como o poeta Joaquim Silva, do Penedo Gordo, em quatro décimas, prefere dizerduas do conhecido poeta Manuel de Castro, da Cuba, que ele aprendeu de cor e reproduz

com fidelidade espantosa como se estivéssemos a ouvir o próprio autor!A que leis obedece este lipo de gravação, como o de Joaquim Cabaça, da Cuba que, em

80/81, 7 anos depois da morte do saudoso poeta da Cuba, diz as suas décimas de cor comose o estivesse ainda a ouvir: "Em todo o momento a gente o gostava de ouvir, fosse denoite, fosse de dia, fosse na taberna, fosse na rua, a gente "entretia-se" com esse homemaqueles "cadinhos" que não dávamos por mal empregados". Foi através dele que nos chegoua décima cujo mote escolhemos para abrir esta introdução.

Urn pouco, como isto, aconlece com Alfredo Sebastião José, da Cabeça Gorda, que, paraalém de inúmeros poemas seus, repele, inventa, reproduz outros do Cancioneiro Popular oude outros poetas, sem que seja muito possível discernir onde começa a originalidade ou acriatividade... e, sem nos podermos atrever a falar de plágio porque se trata de difundir eperpetuar a poesia popular que é património comum e não costuma ter honras depublicação... Podemos dizer que se trata do fenómeno da interlextualidade e/ou da

divulgação acessível e possível aos que não têm acesso aos meios de comunicação, cujosmecanismos não dominam.

A ALFABETIZAÇÃO / INSTRUÇÃOou A ALFABETlZAÇÃO / CONSCIENTlZAÇÃO

Já houve alguém - um ilustre alfabetizado que tinha muito para dizer e para escrever -que afirmou não se atrever a escrever e a publicar, enquanto a percentagem de anaJfabetosfosse tão grande no seu país. Para que publicar, se a grande maioria não o podia ler?!

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Perante esta colectânea de Poetas Populares do Concelho de Beja, feita a partir de umaturado trabalho de alfabetização, podemos talvez afirmar que estamos a tocar o cerne doproblema.

Nao se trata de dar voz a uns quantos Poetas Populares que, "coitadinhos" não têmacesso aos meios de difusão. Nao se trata de substituir o trabalho de abnegados carolas,aventureiros ou especialistas que esforçadamente recolheram e publicaram PoetasPopulares. Quem somos nós para criticar o seu meritório trabalho?

Trala-se da publicação de poemas de 24 poetas de 8/9 localidades / freguesias doConcelho de Beja: Albernoa, Beja (Santiago Maior e S. João Batista), Beringel, CabeçaGorda, (Penedo Gordo), Quintos, Santa Clara do Louredo, S. Matias, Santa Vitória. Além dasfreguesias da cidade, Santa Maria da Feira e Salvador, faltam aqui ainda representantes deBaleizão, Mombeja, Neves, Salvada, S. Brissos, Trigaches e Trindade.

Porque citamos os que fatam? Por causa do título desta colectânea e porque os poetasora publicados não se consideram únicos nem suficientes. Porque é  preciso e urgente quecada povo / região tome consciência dos seus valores culturais, as assuma e divulgue e, apartir daí, crie incentivos para um progresso / desenvolvimento devidamenle enraizado.

Estes poetas que constam desta publicação, situam-se entre os 48 e os 86 anos.Cantam-nos histórias que vêm desde a prirneira Grande Guerra. A maioria são jareformados, como que considerados já fora da vida activa e interventora, mas que são parteintegranle e válida da Comunidade como reservas da memória e da sabedoria acumuladas ao

longo dos tempos.São uma amostra das Bibliotecas vivas que andam espalhadas não só pelo concelho deBeja, como por todo o Alentejo e pelo país e pelo Mundo e é imperioso que essas Bibliotecasnão ardam devoradas par incêndios que cada verão destróiem milhares de hectares deflorestaa, ou são destruídas par buldozeres que desastradamente pretendem abrir caminhosde inviesado progresso.

ESTE LIVRO - UMA HOMENAGEM AOS POETAS QUE SOMOS

Desde os primórdios da nossa língua como nação que somos um país de poetas quevão de reis a campaneses abrangendo todas as classes sociais e temos a rara felicidade dever isto incarnado no rei-poeta-lavrador dos cantares de amigo e que sabia sermos melhoresque os poetas provençais.

Perante esta mostra de 24 poetas com uma centena de poemas, em que predominam

as décimas (52 décimas em 107 - vide estudo final) considerada a arte maior, pelo menospara os poetas populares situados mais ao Sul do país, não sei, sinceramente, o que maisdevo salientar.

Primeiro evidentemenle, a arte espontaneameme encantatória a atingir muitas vezes o génio/ingénuo da performance que muilos apelidarão de palavrório sem sentido, de gente dopovo que se atreve a artes que não domina, e que muitas vezes tem de interromper o discurso e meter uma qualquer palavra só porque rima para obedecer mais à caída do que aoconsoante. É ver quantas insinuações estão, por vezes, escondidas nessa aparente falta dedestreza, onde afinal a vida se cruza na sua inextrincável e indizível complexidade.

E que dizer da arte do povo que sabe como ninguém dizer o que Ihe convém e sabe o que os outros gostam/querem ouvir, sobretudo quando se sentem deles dependentes! E sãoeles, na sua grande maioria, considerados anaIfabetoos!

Permito-me citar aqui a título de exemplo"o

gravador" de Luís Correia, de Albernoa"onde eu gravo as propagandas / sejam feitas por quem for.”... e a liberdade poética de AnaMaria Neves, de Beja, que não obedece a estruturas formais, com métricas caóticas e rimasesporádicas, mas que, por exemplo em "O Jardim de Beja" desenha magistravelmente avariedade de canteiros, de flores... com arte semelhante à   do jardineiro que sabe que abeleza não pode ficar encerrada oa monotonia de formas esteriotipadas...

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Podíamos citar exemplos de todos, como por exemplo, Guiomar Peneque, de Beja, quevai desde a história da sua vida e da sua poesia, à  sua viuvez e profissão, até passar pelacidade e pelas festas populares e chegar à  emigração e à  reforma agrária num ímpetodesesperadamente épico.

Nem sequer nos atrevemos a excluir (não somos os donos dos poetas) o único pequenopoema de Maria Helena Severino, da Boavista "Eu quero quando morrer" em que se despededa vida, não temendo a morte "pois só morrendo se pode / viver o eterno sonho". E isto aos22 anos!...

Tern-me impressionado sempre a segura autoridade dos mestres que têrn feito recolhas eafirmam ter excluído poemas, por falta de qualidade, ou por serem demasiadoautobiográficos! Juízo de quem? Cedencias a quem?

É alias esse o segredo de todos. Cantando a sua autobiografia, a sua vida, sabem quecantam a vida dos que os ouvem. É a arte do imortal autor / artista / actor de "o poeta eum fingidor" - finge dor - que leva os leitores / ouvintes / espectadores a ler "não as duasque ele teve / mas só a que eles não têm"... É a poesia que "Assim, nas calhas da roda/gira aentreter a razão”... 

Se homenagear estes poetas é importante, conhecê-Ios e dá-Ios a conhecer é comcerteza obra meritória, um serviço prestado à Comunidade.

Esta introdução tem de sublinhar, por isso, o trabalho desinteressado dos professores

  / animadores empenhados na alfabetização que, ao descobrirem o  Tesouro de Poesia,leitura, escrita, análise da sociedade e da vida que anda na boca do povo-poeta, não temdescansado até o dar a conhecer.

Fica por isso, aqui, em segundo lugar, a homenagem a estes POETAS, em que acultura dita erudita não matou a capacidade de ver, de olhos e ouvidos bem abertos, essemanancial de clareza, pureza, verdade e revolta com que os olhos desses poetas popularesolham o mundo e a realidade que os rodeia, e o modo como exercem esta arte cada vezmais difícil de comunicar, encantando.

Neste grupo de POETAS, além dos já citados, cabe evidentemente voc, caro leitor,que, mesmo que viva na cidade e absorvido pela engrenagem trepidante da vida, aindasente, de vez em quando, ao menos em férias, o desejo irreprimível de regressar um poucoà sua terra e às suas raízes, para que, ao regressar, Iimpo e desintoxicado, a vida tenha outro sabor eoutro sentido.

Aqui fica, por tudo isto, a minha homenagem a TODOS OS POETAS que podem fazer

esta terra mais humana e, de mãos dadas, construir o progrcsso urgente e gratificante semter de eliminar minorias e destruir os poetas.

A HISTÓRIA DESTA COLECTÂNEA

Como foram recolhidos e escritos estes poemas é uma história que compete aosprofessores que nela estiveram empenhados com a coordenação do professor Abílio Teixeira.É uma história bem simples e normal - dizem eles.

Será importante contá-Ia porque a sua normal simplicidade talvez contenha o segredo quenos dê a conhecer a fronteira entre o paternalismo do instruído que dá uma ajuda à qual osanalfabetos ficam veneradamente gratos e obrigados e o gesto libertador do animador que,comprometendo-se, "ensina a pescar" mesmo que tenha dado o peixe pescado, uma vez. É a diferença / ténue / infinita, entre o ensino – instrução – instrumentalização – 

domesticação, que cria dependências e a educação - tomada de consciência - Ieitura críticada realidade que, dando origem à  expressão-palavra, vai levar o seu autor/poeta a agir eintervir na sociedade e no seu meio, transformando-o e, por vezes, subvenendo-o.

A mim, que não estive directamente empenhado neste trabalho e sou oriundo doutrasserras e doutros montes, mas como professor de português aqui no Alentejo, cumpre-me tãosó sentir o peso e tentar medir o valor e a dimensão deste trabalho a que muitos outrosterão de se seguir, neste e noutros campos da Literatura Oral Tradicional.

Cumpre-me dar conta da vacuidade e hipocrisia do ensino da Língua Materna armado deGramáticas e Literaturas, sem ter em conta, como base fundamental, indiscutivel, as bases e

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os fundamemos da Língua Materna profundamente enraizados porque bebidoscom o leitematerno.

Durante quanto tempo ainda será possível ouvir, no ensino oficial, alunos responderem, quando selhes pergunta pelas modas, pelo cante, pelas décimas, contos e lendas traclicionais... "Ah issosão coisas de analfabetos incultos que não têm nada a ver com a Escola"!

Permito-me lembrar aqui a história / símbolo / figura que tem servido como base dediscussão  em vários encontros com professores com a missão de "ensinar" a Língua Materna e atéserve para "chumbar" e marginalizar.

Dão-nos uma flor, uma roseira; confiam-nos uma pequena árvore silvestre para que a tor-nemos mais bela e produtiva. Que fazemos? Que temos feito? Que tem feito a Escola, o  En-sino Orieial? Corta-a. Desenraiza-a. Metemo-la talvez num belo vaso... "Isso não se diz! Isso não valenada! Vocês são uns burros! Aqui só se fala mal!"... e depois... tentamos colar belos ramospreciosos da nossa mais hela literatura em hastes desenraizadas e mortas!

Resultado? Embutidos preciosos numa estrutra que já não existe. Às vezes pérolas autên-ticas em armações de plástico ou de barro mal amassado que se esboroa.

Não é simples o problema. Não basta armarmo-nos em cultores ou defensores do popu lar, como seaí estivesse a solução mágica dos problemas. Não há soluções mágicas, sobretudo nestaépoca em que os desafios do desenvolvimento são urgentes e as seduções de facilidades são

tremedamente ilusórias e enganadoras.Mais complexo ainda o problema, quando cada um, na sua especialidade, se dá conta doslimites e incapacidade de, sozinho, encontrar soluções válidas e eficazes. Até para a TeoriaLiterária, dizem os entendidos, é preciso recorrer a especialidades que vão da epistemologia, à filosofia epsicologia e às ciências sociais, para eitar só os principais campos de inter-relação.

É por isso que a hislória desla recolha, não é um princípio, porque muitos desde a Tradiçãoao Arquivo de Beja ja desbravaram muito terreno, mas não pode ser urn fim porque há umimenso trabalho a realizar e podia tomar forma no que chamámos o INSTITUTO ALEN-TEJANO DE CULTURA / DESENVOLYIMENTO (IACD) e não pode nascer por decreto dos deuses,sob pena de ser mais um agente de colonização ou decoração do que de valorização e afirmação dosnossos valores culturais.

Em que consistiria afinal um IACD? Encontrar, organizar e coordenar um grupo queabranja as várias especialidades do saber humano que, num trabalho cíclico, coordenadocom associações, escolas, animadores locais, organize por sua vez um trabalho sistemático,

cientificamente seguro, de recolha, estudo, divulgação, recolha, estudo... para que atravésdos elementos coligidos se possam ler correctamente as características reais duma região e de um povoe, a apartir daí, se abram caminhos para um acertado e global descnvolvimento sem ter de parar a vidaque não pára, mas devidamente enquadrado ao ritmo do progresso que a Humanidade deHoje precisa.

Material de estudo para ponto de partida? Só o lavantamento do que há publicado desde aTradição, de Serpa, ao Arquivo de Beja com os legados de Abel Viana e das recolhas e estu-dos de M. Joaquim Delgado, ao Cancioneiro Alentejano de Vítor Santos e diversasMonografias como a de V. V. Ficalho, de Francisco M. Machado que guarda nos seus arquivos aindarnuitas preciosidades, e a "Literatura Popular do Distrito de Beja" da DGEA, como tantos etantos... outros. 0 material de base para o  arranque espera só por uma correctametodologia...É urgente este trabalho no Alentejo para não se correr o risco de um genocídio cultural.

Para não ser preciso fazer cedências humilhantes a povos e culturas ditas mais dcsenvolvidas. Sem terde obrigar "povos" e "regiões" ditas "em desenvolvimento" (quais é que não estão?) a perdera sua identidade.

O importante, como já disse, é que as populações tomem consciência dos seus valores eda sua cullura, até dos seus defeitos; se exprimam e progridam, reforçando e valorizando asua identidade.

Da variedade polícroma de cada região e de cada povo, A CULTURA UNIVERSAL, em vezde um padrão único, homogeneizante, monótono, aparecerá, nesta Era do Espaço, como ummosaico de espantosa beleza.Compete à Comunidade defender estes valores. É preciso que haja pessoas que o façam.

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Há trabalhos de tal envergadura que não basta boa vontade ou mesmo só a vontade para osfazer. Não podemos viver eternamente dependentes, à espera de milagres como os do Prof.J. Leite de Vasconcellos, Giacometti, ou entre nós, como os do Prof. Abel Viana, M. J. Delga-do, etc.

Cabe às Autarquias, Escolas, e Autoridades por imposição e missão; e às Associações,Grupos Corais e outros por vocação, uma responsabilidade inalienável.

JUÍZO DE VALOR SOBRE ESTA COLECTANEA?

ALGUMAS CARACTERÍSTICAS GERAIS E TEMAS PRINCIPAlS

Tentar urn juízo de valor sobre esta colectânea é arriscado, embora, como é evidente nãotenha feito outra coisa. É arriscado porque, quer se queira quer não, está-se constantemente a jogarcom uma ambígua escala de valores, como gostos e sensibilidades diferentes... com o popular e o  erudito como se fossem opostos... com o  peso maior da oralidade que umapublicação à partida não contempla e por isso se apela para a criatividade e imaginação doleitor/ouvinte...

Tentarei deixar aqui no final urn resumo das características gerais e uma espécie de índice dosprincipais temas e deixar o  juízo de valor a cada um.

Tada a colectânea foi gravada em diskette num processador de textos para arquivo, possí-veis emendas que os autores reclamem, para futuros estudos que se julguem oportunos...ou modificação de paginação ou outros trabalhos que a leitura em visor permite e aspossibilidades da máquina facilita.

DADOS GERAIS

1. A colectânea está servida com três índices: Freguesias e poetas, p. 5; poetas por ordemalfabética, p. 195; índice geral com todos os poemas, p. 197.As freguesias do concelho que não estão representadas estão indicadas atrás, p. 11.

2. Estão aqui poemas de 24 Poetas, sendo 14 Homens e 10 Mulheres. A diferença não ésignificativa e não é de arriscar comparações sendo nítido que os despiques e rambóias sãomais dos homens e o encanto perante a Natureza e o sofrimento tem nas mulheres maissensibilidade, embora não exclusiva.

3. Os poetas têm idades compreendidas entre os 48 e 86 anos. Na sua maioria sãoreformados, alguns a viver em lares da 3ª ldade. Do significado disto e da importância das"velhas amas", dos avós, dos velhos contadores de histórias, que são referidas por grandenúmero de grandes escritores como tendo exercido influência decisiva na sua arte podemosavaliar o poder e importância destes "avós" na formação da Língua dos "netos".

CARACTERISTICAS GERAIS DOS POEMAS

Total de poemas podemos considerar: 107, embora alguns sejam por exemplo quadrassoltaS, ou conjuntos de estrofes não subordinados ao mesmo tema.

I - ESTRUTURA FORMAL

Desses 107 poemas:- 52 DÉCIMAS (Mote + 4 décimas - versos de 40/44 pontos; Ver Estudo final).

- 34 poemas de QUADRAS (uns constituídos por quadras soltas: 20/25 sendo a maioria doCanc. Popular; e outras subordinadas a um tema que variam entre 3/4 e 10/11 quadras).- 4 poemas são de QUINTILHAS (dois são de 8 quintilhas; "0 Preto em regalia" tem 5quintilhas e 4 quadras (?); e um de 4 quintilhas;

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- 3 poemas sao de SEXTINAS (SEXTILHAS) (poemas com 6, 6, 7 estrofes, todas de RosaHelena de Beringel);- 2 poemas são em OITAVADAS (OITAVAS) (um de 3 outro de 2 oitavas);- 12 são poemas de construção estrófica irregular, com estrofes que vão dos dísticos,tercetos, quintilhas, sextinas, oitavas, décimas, aparecendo mesmo urn monóstico, e sétimas e nonase, estâncias que chegarn a 14 versos. Ver especialmente os poemas de Ana Maria Neves deBeja que, em todos os poemas usa o mais variado leque de estrofes com métrica e rimairregulares, liberdade poética pouco comum em poelas populares.

2 - ASPECTO FÓNICO (métrica e rima)

MÉTRICA - A grande maioria dos versos das Quadras como das Décimas, são, como éTRADICIONAL, "0 portuguesíssimo verso de sete sílabas" – a redondilha maior.

E uma característica digna de nota a ter em conta como fenómeno linguístico, a "forte ma-neira como se encontra arreigada a REDONDILHA MAIOR na expressão popular" que além dapoesia é usada quase na maneira comum de falar, verificável em muitos provérbios,expressões e até anúncios e reclames. Citando Afonso Lopes Vieira, isto já é sublinhado pelaDrª M. A. Zaluar Nunes nas notas ao Cancioneiro Popular em Portugal.

Acontece que em muitas quadras, e sobreludo nas décimas, aparecem versos hipérmetros

(com sílabas a mais) e alguns, menos, com falha de sílabas. Este fenómeno é de somenosimportância para os poetas populares, que suprem esta falha na musicalidade, com elipsesou prolongamento da entoação à medida que as vão declamando.

Os que não obedecem a esta regra geral são dois poemas de Florival Peleja que utilizaquadras com versos de dez sílabas e outro poema com versos que vão de 9 a 13 sílabas, co-mo acontece com Alfredo Sebastião José em "O António que marchara para a Guerra".

O que acontece nas quadras e décimas acontece nas quintilhas e sextinas. Das sextilhas,só "O vagabundo" de Rosa Helena, de Beringel é de Redondilha Menor (cinco sílabas). Asoitavas de Maria Guiomar Peneque em "Lusíadas do Alentejo" tentam evidentemente a cadência dosversos heróicos de dez sílabas, com o acento rítmico na 6ª e 10ª, mas vai frequentemente,como e natural, até às doze sílaabas.

A RIMA - Como diz o Prof. João Correia "a rima domina o poeta, o popular como o culto,obrigando-o a criar palavras, a adulterar construções, a torcer sentidos".

A rima mais frequente das QUADRAS é a popular cruzada no 2º e 4º versos, com o 1º e 3ºbeancos: ABCB.

Só cinco poetas conseguem a chamada QUADRA QUADRADA de rima ABAB em diversospoemas, e mesmo nos MOTES das décimas, só as do Aleixo e Manuel de Castro são Quadrasde rima ABAB.

Nas QUINTILHAS, a rima normal e ABAAB, mas notam-se falhas. Só no poema dedicado aBeringel é que Rosa Helena consegue a rima perfeita desde o princípio ao fim.

Nas três SEXTILHAS, que são também de Rosa Helena, ela consegue o  jogo mais melodiosoque consisle em ABBAAB.

Nas OITAVAS, poucas e dispersas, não vale a pena assinalar as irregularidades. Nenhumasegue a escolha de Camões dos seis primeiros versos cruzados com as dois últimos emparelhados:ABABABCC.

As DÉCIMAS, como consta do Estudo final, seguem a regra geral: ABBAACCDDC, havendo

só a assinalar o caso de Ana Rita da Graça, de Albernoa que nas suas duas Décimas, usa o

 

esquema rimático ABABBCCDDC.As considerações que se poderiam fazer a partir destes dados sobre a estrutura formal e

fónica, só teriarn significado a respeilo de cada poema. Duma maneira geral, verifica-se queos poetas populares se exprimem preponderantemente através de quadras e décimas e comversos de Redondilha Maior, com a cadência mais ao gosto da musicalidade da nossa língua.

Apesar de tudo, apesar do perigo da monotonia que se pode tomar cansativa, há umarazoável variedade. Podemos recorrer afinal à  imagem sugestiva da planície alentejana: unsraros campos ou tufos de papoilas, azedas ou margaridas, a pincelar os extensos eondulantes campos de imensas searas. 

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Os TEMAS / algumas expressões e símbolos

Tentar abordar os temas desta centena de poemas e um  atrevimento, pois precisaria deoutro lempo e outro espaço. Fica entretanlo um esboço dum futuro trabalho correndo o riscode não citar os poetas todos o que poderá parecer menos correcto. Apresento desde já asdesculpas antecipadas preferindo pôr em relevo algumas expressões e símbolos que deixamadivinhar a frescura com que estes poetas abordam temas como: a ALFABETIZAÇÃO, aCRÍTICA SOCIAL, a EMIGRAÇÃO, a GUERRA e a PAZ, a HISTÓRIA DE PORTUGAL, a NATU-REZA, o RELATO DE CASOS INSÓLITOS e os TOPONÍMICOS, os que são EXPRESSÃO DESENTIMENTOS LÍRICOS, os AUTOBIOGRÁFICOS, a própria POESIA...POESIA o que é? Donde, e como vem a inspiração e para que serve?

"Um poema inopinado / Encerras tu Natureza"."Os meus versos a ninguém / Conseguiram convencer / Só eu é que sinto bem / O que bem

não sei dizer".Nos AUTOBIOGRÁFICOS cada poeta sabe que conta: "a vida do povo cantada pelo povo",

como diz Alves Redol. "Descubro a qualquer pessoa": o  nome, as agruras da vida, asrambóias pelas feiras e balhos, e a vida dos pobres... "Manifesto a toda a gente / ... Porqueeu sempre fui roubado / Pelo fascismo avarento / Desde o meu procedimento / Até à datapresente". "... como era... como sou... como estava... como estou".

A ALFABETlZAÇÃO pode resumir-se em expressões como "Eu mal aprendi a ler... / Ao meupai ouvi dizer / Tens qu'ir ganhar p'ra comer... / Fui umas cabras guardar” ... Mas para quem"É pobre e não sabe ler", aprender é um ARCHOTE, "já não sou um moribundo"... "É sair daobscuridade... / Transformar a noite em dia /... Não sou pedra que rebola"... "Não tem limitede idade / Para se valorizar /"... "Eu sou um analfabeto... / Nao sou esperto nem bruto ” ...A CRÍTICA SOCIAL que aparece nos autobiográficos e nos anteriores, aparece também aretratar em três, quatro pinceladas: "No tempo de Zalasar/ Nesse tempo até os mortos / Eraquem ia votar / Ninguém podia piar / Reinava este organismo.../ Punha a guardaperseguindo / Os que pediam esmola... / Alguns que tinham mais vista / A pide não osdeixava / O patrão ‘té lhe chamava /Refilão e comunista / Muitas vezes terrorista” ...

Mas como era dantes, agora: "Há muito dinheiro mal gasto / Em apitos e flautas / Levamouro e trazem latas... / Todos anos um padrasto / E todos se querem encher..." ou então "Háquem queira ser senhor / Da luz divina do sol..." mas para isso o poeta diz: ".. .Já eu tenhoum gravador / Onde eu gravo as propagandas / Sejam feitas por quem for".

E não se critica só o  governo, mas também "A voz do sino indolente... / Repicadasvibrações / Só trazem desilusões / Ao triste povo indigente... Teu hino celeslial / Aviva-lhesdor aguda / Para eles tão absurda” ...

Vem também a sátira à má-lingua e às faladeiras "Eu sou Perpétua de nome / E perpétuano falar..." ...e as que se dedicam à  má-lingua: "Parecem umas telefonias /, ...Qualquerdaquelas senhoras / Parecem umas emissoras / ...São das tais estrelas de rabo / Que do céuchegam ao chão... Todas são abelhas mestras / Para mandar no exame... "; e a denúnciados abusos dos senhores que abusaram das criadas e enjeitaram os filhos: "Sou bisneta dumVisconde / ...Enjeitaram o menino / Sendo pessoa nobre / Como se fosse dum pobre."; e oretrato do "homem carrasco" e do "homem fera"; e o retrato cheio de força, ternura, revolta,ódio (?) da "Mulher multi facetada / Mae, madrasta / amante e ama / Esfregão panelacama..."

E a Reforma Agrária pode ser retratada em 4 versos: Antes eram "Cardos, coutadas,

aramados, ortigões" mas "A gente transtagana num lampejo / De liberdade e justiça, torce afome / E lança à terra que o suor ganhou... " E pode retratar assim a opressão dum povo: "Ador, o pranto, a opressão e a mágoa / Sentidas na carne criada a pao e água / Cheirando aalhos coentros e poejos / Da açorda toda a vida repisados..."; e podemos ver ainda pessoasque passam... "pisando a fome no chão".

A EMIGRAÇÃO - "Abalei como emigrante / ...Vejam o que um homem pena / Para a vidamelhorar..."; um outro glosa a conheeido fado de frei Hermano da Ciimara; mas convém vera mestria com que outro poema relata: "... parti... chorei... TRISTEZA.. SAUDADE... TOR-MENTO... AMBIÇÃO... ILUSÃO... NOSTALGIA... SAUDADE... regressei ... de alegria chorei..."em sete sextilhas.

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A GUERRA E A PAZ - "P'ra que existe tanta guerra? / ...Deve-se à louca ambição / ...Emvez de distribuir pão / Semeia apenas rancor..." "Maldita seja a guerra / Maldita, cheia dehorrores / ...Lágrimas, tormentos e dores / ...Perdição de muita gente" ... ou então ocomovente caso do "António que marchara para a guerra / ...Levava o seu pombimho decorreio / Para saber notí cias de Leanora... "; ou o caso "Estando um preto em regalia / Num país altivoe forte...” ou o retrato de "0 exército dos 'tados unidos /Chegou todo em aviões”... e "A bordodum submarino alemão / Estava o maior obuz do mundo/ ...Fazia tremer o chão são as imagens daGrande Guerra que ficaram no nosso imaginário.

A HISTÓRIA DE PORTUGAL serve aqui para três ou quatro poetas falarem por exemplo dosReis e dos cognomes dos Reis de Portugal, das Grandes Figuras, da Pátria, dos Descobri-mentos e do 25 de Abril. "Houve ilustres portugueses / Que se notabilizaram / ...O primeirorei de Portugal / Chamou-se "conquistador"... ou aparecem-nos avisos de uma Sibila: "Nestaterra Lusitana /Eu vejo dos altos montes..."e anuncia desconexas profecias. "Pelos maresflutuou / A bandeira portuguesa..."; e vem "O vinte e cinco de Abril / Desvendando sonhosmil.." que pela voz de outro poeta da Liberdade é "Como uma flor do Prado / Que dê cheiro atoda a geme..."

A NATUREZA - "Inspirações cativantes / Encerras tu, Natureza / ...Um poema inopinado"

...e então os poetas cantam o Alentejo: "És obra da natureza / Que não se pode igualar /...As searas a bailar / ...São como o mar baloiçando..."; depois interpelam o MAR:"sedutor... inconstante... Berço gigante... assobiando... ceifando vidas... Espelho demagia..." "A onda conta segredos /Se a tentamos apanhar / Esvai-se por entre os dedos... "enas marés "Vai outras praias beijar..." ou "Fui-me um dia a ver o mar / ...Das ondas semprea bater/ Em contínuo, sem cessar / Eu tenho ouvido contar.../

E há quem diga que não se pode pintar o vento mas o poeta diz: "Pus-me a espreitar o vento /Seus mistérios desvendando..." e dá-nos todo urn poem a de dança e movimentopara nos mostrar que "Os ramos se iam beijando / Como pares de namorados...", tudo porartes do vento.

Das Estações do Ano, estes poetas falam-nos d"o Outono e muito triste... / Árvores despi-das / Folhas que morrem... " e "É tão linda a Primavera / ... cor... flor... espigas douradas...O campo só  tem beleza / Para quem o sabe ver...” e um paeta de etrofes e versos irregulares, enche-nos a Primavera de flores, de aves, e jovens a falar de amores... com cor, som, amor... vida; e canta-

nos a variedade dos canteiros e dos cantos do jardim de Beja com a variedade das estânciase da métrica; aparecem-nos ainda "As papoilas encarnadas / A brilhar entre os trigais..." e oSol nascente que "Dá vida, cor, calor" e o poente "Faz nuvem de toda a cor...” ; e sãocantadas as "Andorinhas negras", a Seca dos últimos anos em que "A Água é o sangue daterra..." e "As plantas sem alegria...", e se cantam ainda "O pastor", "O campo", "aenxada"...

Os RELATOS DE CASOS INSÓLITOS, que apareciam em folhas volantes pelas feiras, osdesafios e inlerpelações para DESPIQUES OU DESGARRADAS, têm aqui alguns exemplos evale a pena salientar os que o poeta chama de QUADRAS DE UM SÓ PÉ, em que, com duplo  jogo de Décimas ele se despede dos filhos e os filhos dele; noutro, o  antigo namoradodesinquieta a rapariga casada e a rapariga responde... numa aproximação de teatro emverso.

Poemas que exprimem SENTIMENTOS são todos ou não fosse poesia lírica. Numa rápidaleitura, talvez seja importante ver como são manifestados:A DESGRAÇA, A SOLIDÃO, A AMARGURA, A PERDIÇÃO, por exemplo, num fato roto; oimaginário das crendices populares trazendo-nos o diabo bêbado a fugir de medo, o tétricoespanto do terror que põe uma caveira a falar no cemitério onde também aparece urnesquelório que toma o tétrico, quase cómico não fosse a carga de ultrarromantismo...; o espanto perante os paradoxos da vida; mas também o fatalismo e o conforrnismo; o amor, aadmiração, a comtemplação perante "As mais belas coisas do Mundo / Música, Luar,Mulheres e rosas..."; a solidão, amargura, trissteza, esquecimento, ingratidao... sinais de morteperante a velhice; mas também "Não tenho medo da morte / Nem ela de mim suponho..."; 0sonho; a saudade e a ansiedade pelo regresso; a ternura pelos filhos e pela beleza; ...araiva, a revolla até o ódio de morte frente às injustiças acumuladas; e até a ingenuidade atrevida,aliradiça, do velho poeta perante a graça simpática da enfermeira jovem; enfim... urn vasto

mar de sentimentos como as searas do Alentejo.

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Poetas Populares do Concelho de Beja

TOPONÍMICOS - Os poemas que falam das tenas, ruas e lugares, são evidentementerelratos do Alentejo, de Portugal, de Festas...

Vale a pena assinalar talvez algumas imagens /signos do Alentejo: "O pastor, O rebanho eo cão" ... "Ó meu povo camponês / Levas a vida cansada / Agarrado a um arado / Ou aocabo de uma enxada"... "Fui nova cortante enxada"... "O frio... O Calor"... a já citada "Carnecriada a pão e água / Cheirando a alhos coentros e poejos / Da açorda toda a vidarepisada..." ..."O teu cante compassado"... "As tuas casas caiadas / Parecem pombaspousadas / À  beirinha da estrada /..." ... "O castelo de sonho / Em sonhos lembrado... eainda as festas como o  "O Mastro de S. João, onde aparecem barrtes, mentrastosperfumados, cana verde e faia, ginjas, seromenhos e popias caiadas..."

Desejaria saber pintar, para tentar apanhar a alma deste povo. Como não sei, tento, à maneira dos poetas populares, em duas quadras com leixa-pren (a deixa), dizer o resto quenão consegui:

A poesia é popularSe canta a alma durn Povo;Quem 'na souber encarnarVai criando um Mundo Novo.

Vai criando um Mundo NovoPar'integrar no UniversoA Região, este PovoQue vive p'r'Aquem do Tejo.

Penedo Gordo

BEJA1987Maio/Junho

José Rabaça Gaspar