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    ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA EST

    INSTITUTO ECUMNICO DE PS-GRADUAO EM TEOLOGIA

    REGINALDO LEANDRO PLCIDO

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    NA DIMENSO DO ESPRITO

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    REGINALDO LEANDRO PLCIDO

    NA DIMENSO DO ESPRITO:

    UMA LEITURA DO ESPRITO SANTO NA TEOLOGIA PENTECOSTAL EM

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    REGINALDO LEANDRO PLCIDO

    NA DIMENSO DO ESPRITO:

    UMA LEITURA DO ESPRITO SANTO NA TEOLOGIA PENTECOSTAL EM

    INTERFACE COM A TEOLOGIA SISTEMTICA DE PAUL TILLICH

    Dissertao de MestradoPara obteno do grau de Mestre em

    T l i

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    RESUMO

    PLCIDO, Reginaldo Leandro Plcido. Na dimenso do Esprito: uma leitura do EspritoSanto na teologia pentecostal em interface com a Teologia Sistemtica de Paul Tillich. SoLeopoldo: Escola Superior de Teologia/ Instituto Ecumnico de Ps-Graduao, 2008.

    A presente dissertao busca uma interface entre a teologia pentecostal e a TeologiaSistemtica de Paul Tillich tendo como eixo uma leitura sobre o Esprito Santo. Esta leitura delimitada a partir da compreenso sobre o Esprito Santo no contexto da formao teolgica

    da Assemblia de Deus (AD) no Brasil e na Teologia Sistemtica de Paul Tillich. Reconhece-se que a AD a maior expresso numrica do pentecostalismo no Brasil e que o tema EspritoSanto parte integrante de seu discurso enquanto denominao pentecostal. Assim, busca-senesta pesquisa identificar o conceito de Esprito na histria e teologia da AD brasileira. Apartir desta identificao propem-se uma interface com o sistema teolgico de Tillich sobre oEsprito Santo. Paul Tillich, em sua Teologia Sistemtica, dedica mais de um tero de suaconstruo teolgica a questes ligadas temtica Esprito. A interface entre a teologiapentecostal e Tillich abre assim caminho para o dilogo e a construo de uma hermenutica

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    ABSTRACT

    PLCIDO, Reginaldo Leandro Plcido. In the Spirits dimension: a reading of the HolySpirit in the Pentecostal Theology in interface with the Systematic Theology of Paul Tillich.So Leopoldo: Escola Superior de Teologia/ Instituto Ecumnico de Ps-Graduao, 2008.

    The present essay tries to find an interface between the Pentecostal theology and theSystematic Theology of Paul Tillich having as its axis a reading of the Holy Spirit. Thisreading is delimited from the Holy Spirit comprehension in the theological formation of theAssembly of God (AG) in Brazil and in the Systematic Theology of Paul Tillich. It is

    recognized that the AG is the most numerical Pentecostal expression in Brazil and that theHoly Spirit theme is an integrated part of its speech as a Pentecostal denomination. Therefore,this research tries to identify the concept of Spirit in the history and theology of the BrazilianAG. From this identification an interface with the theological system of Tillich about the HolySpirit is proposed, in its Systematic theology, dedicates more than one third of its constructionto questions linked to the Spirit thematic. The interface between the Pentecostal theology andTillich then opens the way to a dialogue and the construction of a Spirit hermeutics. Thisresearch shows its theoretical content in three chapters: 1) All are full of the Holy Spirit []:

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    DEDICATRIA

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    AGRADECIMENTOS

    Aos amigos,que ao perguntarem por meu trabalho, sem saber, estavam sendo estmulo-cobrana;

    A Claiton Ivan Pommerening,companheiro de aula, de trabalho e de ministrio.

    Aos colegas da equipe de pesquisa do CEEDUC,Izabel C. V. Mello, Fernando Albano e Rodrigo de Aquino, seus comentrios foram valiosos;

    A Ailto, Andria, Lucimar e Olvio,

    em diferentes momentos, ajudaram muito;

    Ao pastor Valmor Leonel Batista (in memorian),seu apoio e viso foram importantes;

    Ao pastor Arcelino Victor de Mello;um apaixonado pela Assemblia de Deus;

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    SUMRIO

    LISTA DE ABREVIATURAS...............................................................................................11ASPECTOS INTRODUTRIOS..........................................................................................11

    1 TODOS FICARAM CHEIOS DO ESPRITO SANTO [...]: O ESPRITO NA VIDAE TEOLOGIA DE PAUL TILLICH ....................................................................................17

    1.1 AVIDA DE PAUL TILLICH:RECORTES DA VIDA DEVOCIONAL ....................................181.2ATEOLOGIA DE PAUL TILLICH.....................................................................................28

    1.2.1 A Teologia ...............................................................................................................291.2.2 Mtodo de Correlao .............................................................................................321.2.3 A Teologia Sistemtica............................................................................................33

    1.2.3.1 Teologia Sistemtica: Aspectos introdutrios. .................................................351.2.3.2 Teologia Sistemtica: O ser e Deus..................................................................361.2.3.3 Teologia Sistemtica: A existncia e o Cristo ..................................................371.2.3.4 Teologia Sistemtica: A vida e o Esprito ........................................................381.2.3.5 Teologia Sistemtica: A histria e o reino de Deus..........................................39

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    3 [...] CONFORME O ESPRITO SANTO LHES CONCEDIA: CONSTRUINDO

    UMA INTERFACE ENTRE A TEOLOGIA PENTECOSTAL E A TEOLOGIASISTEMTICA DE PAUL TILLICH A PARTIR DO TEMA ESPRITO SANTO..923.1APALAVRA ESPRITO NA TEOLOGIA PENTECOSTAL ...................................................953.2UMA LEITURA SINTICA DE ATOS 2..............................................................................98

    3.2.1 O relato de Pentecostes na teologia pentecostal ......................................................983.2.1.1 O nascimento da Igreja .....................................................................................993.2.1.2 A experincia exttica no relato de Pentecostes.............................................101

    3.2.1.3 A certeza da f ................................................................................................1033.2.1.4 O amor ............................................................................................................1043.2.1.5 A universalidade.............................................................................................105

    3.2.2 O relato de Pentecostes na teologia de Paul Tillich ..............................................1063.2.2.1 O carter exttico da Comunidade Espiritual.................................................1063.2.2.2 A certeza da f ................................................................................................1073.2.2.3 O amor ............................................................................................................1093.2.2.4 A unidade........................................................................................................109

    3.2.2.5 A universalidade.............................................................................................1103.2.3 A interface da leitura sintica de Atos 2................................................................111

    3.3BATISMO/XTASE NO ESPRITO SANTO ......................................................................1133.3.1 Sentido teolgico de xtase ...................................................................................1143.3.2 Sentido de xtase na teologia tillichiana................................................................1163.3.3 Batismo no Esprito Santo .....................................................................................1193.3.4 Interface Batismo/xtase no Esprito Santo ..........................................................123

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    LISTA DE ABREVIATURAS

    ABEC Associao Brasileira de Escritores Cristos. Fundada em 20 de junho de 1988, na

    cidade de So Paulo.

    AD Assemblia de Deus.

    AGO Assemblia Geral Ordinria das Assemblias de Deus no Brasil.

    CAPED Curso de Aperfeioamento de Professores da Escola Dominical da CPAD.

    CEC Conselho de Educao e Cultura da CGADB.

    CEEDUC Centro Evanglico de Educao e Cultura.

    CGADB Conveno Geral das Assemblias de Deus no Brasil.

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    ASPECTOS INTRODUTRIOS

    O pentecostalismo, apesar de ser um movimento numericamente expressivo no

    contexto do protestantismo brasileiro, possui pouca insero teolgica nos ambientes

    acadmicos. Esta falta de abertura, motivada qui pelos prprios pentecostais, dificulta o

    dilogo e a possibilidade de se estabelecer paralelos ou mesmo o estudo conjunto com outras

    leituras teolgicas ou confessionais. Da mesma forma que o pentecostalismo se limita em sua

    anlise de outras teologias, estas por sua vez se limitam em sua leitura sobre o

    pentecostalismo estudando-o apenas como movimento religioso, esquecendo que h uma

    teologia pentecostal, mesmo que embrionria. No pensar em uma teologia pentecostal

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    academicismo. No entanto, possvel pensar em uma hermenutica pentecostal ou

    hermenutica do Esprito, pois como afirma Bernardo Campos a hermenutica pentecostal

    fundamentalmente uma hermenutica do Esprito6.

    Se ainda incipiente a produo teolgica no pentecostalismo e, no entanto,

    possvel observar a possibilidade da construo desta hermenutica do Esprito torna-se

    patente a necessidade de uma reflexo mais aprofundada que fornea base e sustentao

    terica para a discusso. Nesta articulao com novos referenciais tericos ao pentecostalismo

    surge a pergunta da possibilidade do paralelo de fronteira, ou seja, a construo de uma

    teologia pentecostal dentro e fora do pentecostalismo no dilogo com uma teologia que fale

    do Esprito mesmo estando fora do eixo pentecostal. Aceitando esse desafio, essa pesquisa se

    prope a fazer uma leitura do Esprito Santo na Teologia Pentecostal em interface com a

    Teologia Sistemtica de Paul Tillich.

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    Para que isso de fato acontea a pesquisa percorre a construo tillichiana sobre a

    dimenso do Esprito e o xtase como impacto da Presena Espiritual. Seguindo, a pesquisa

    faz o mesmo exerccio em relao a teologia pentecostal com nfase na Assemblia de Deus

    no Brasil. Por fim, a pesquisa relaciona xtase com batismo no Esprito Santo, em busca de

    uma interface entre a leitura do Esprito na teologia pentecostal e a Teologia Sistemtica de

    Paul Tillich

    A presente pesquisa utilizou o mtodo da pesquisa bibliogrfica com ateno

    especial para a Teologia Sistemtica de Paul Tillich e bibliografia da Assemblia de Deus. A

    leitura da Teologia Sistemtica de Paul Tillich se deu em discusso direta com orientador da

    pesquisa, Dr. nio Ronald Mueller, e o grupo de pesquisa Teologia e

    Inter/Transdisciplinaridade do IEPG/EST. A consulta e catalogao de artigos sobre o

    Esprito nos peridicos da Assemblia de Deus no Brasil ocorreu a partir de pesquisas nos

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    pesquisa ser a Bblia Sagrada Nova Verso Internacional9. Se necessrio for, outra verso

    ser utilizada, e ser prontamente diferenciada. Vale ressaltar que no ser proposta anlise

    exegtica de textos bblicos apresentados nessa pesquisa.

    Esta dissertao composta por cinco partes, incluindo aspectos introdutrios e

    consideraes finais. Para desenvolvimento do tema proposto sero utilizados os captulos

    um, dois e trs, que foram nominados a partir do texto de Atos 2.4: (...) Todos ficaram cheios

    do Esprito Santo e comearam a falar noutras lnguas, conforme o Esprito lhes capacitava.10

    A seqncia proposta nestes captulos tm a seguinte concepo: 1 Todos ficaram cheios do

    Esprito, a partir da Teologia Sistemtica de Paul Tillich destacar a universalidade do

    Esprito e uma teologia do Esprito no restrita teologia pentecostal; 2 (...) e comearam a

    falar em outras lnguas, destacar e sistematizar a contribuio pentecostal, especificamente

    da AD brasileira, para a compreenso das experincias extticas resultantes do impacto da

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    construo e identidade teolgica da AD no Brasil. Neste captulo buscar-se- uma

    compreenso do Esprito Santo na teologia da AD brasileira.

    No terceiro captulo, (...) conforme o Esprito Santo lhes capacitava, so

    apontados caminhos para interface entre a leitura pentecostal sobre o Esprito Santo e a

    Teologia Sistemtica de Paul Tillich. Esta interface proposta a partir de uma leitura sintica

    de Atos 2 e do estudo dos conceitos xtase e batismo no Esprito Santo. A proposta caminha

    no sentido de construir uma teologia ou hermenutica do Esprito tendo o xtase/batismo no

    Esprito Santo como eixo semntico e compreendendo a pentecostalidade como sendo

    universal.

    No se pretende nesta pesquisa analisar exegeticamente o sentido de Esprito,

    tampouco analisar exaustivamente as manifestaes extticas no pentecostalismo. No

    objetivo tambm exaurir as formas de interpretao possveis para a relao entre Esprito e

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    1 TODOS FICARAM CHEIOS DO ESPRITO SANTO [...]: O ESPRITO NA VIDA E

    TEOLOGIA DE PAUL TILLICH

    Ser religioso significa interrogar-se apaixonadamenteacerca do sentido da vida e estar abertos s respostas,mesmo quando estas nos abalam profundamente.11A religio uma experincia do incondicionado, e issosignifica a experincia da realidade ltima [...].12[...] a religio no uma funo como as outras, mas uma orientao, que sustenta todas as funes doesprito na direo do incondicionado.13

    Paul Johannes Oskar Tillich, da mesma forma como muitos pensadores e vultos

    importantes da histria, alvo de numerosas anlises e descries biogrficas14. Alm das

    anlises e descries biogrficas escritas por admiradores ou crticos, encontramos os prprios

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    My Travel Diary: 1936 Between two worlds16; On the boundary: an autobiographical

    sketch17; e Autobiographical Reflections18.

    Como possvel verificar existe um farto material biogrfico sobre Tillich. Por

    isso, neste captulo no h a pretenso em expor os dados biogrficos de Paul Tillich de

    maneira extensiva, mas destacar os aspectos biogrficos que possam estar relacionados

    temtica da pesquisa19. Assim, a abordagem biogrfica sugerida uma tentativa de destacar

    recortes da vida devocional do referido telogo.

    1.1A vida de Paul Tillich: recortes da vida devocional

    A leitura dos contedos biogrficos sobre Paul Tillich conduz o pesquisador a

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    olha, com desconfiana, estranhando sua linguagem, que mais parece a ela secular do que

    religiosa.23 esta situao de estar na fronteira que caracteriza toda a vida de Tillich, do

    seu nascimento sua morte. Segundo a Sociedade Paul Tillich no Brasil:

    Passou para a posteridade como telogo da cultura em sentido amplo, pois voltou asua hermenutica para os setores mais variados da cultura. Escassamente conhecidono Brasil (mesmo com vrias de suas obras vertidas para o portugus), Paul Tillich,

    entretanto, com seu pensamento profundo e sistemtico, tem contribudo naformao de quadros pensantes nesta virada de sculo.24

    Paul Tillich nasceu em 20 de agosto de 1886, cerca de quinze anos aps a

    unificao alem por Von Bismarck25, na pequena cidade de Starzeddel, na regio do antigo

    territrio independente da Prssia, na poca de Tillich pertencente Alemanha e atualmente

    faz parte da Polnia. Assim possvel perceber que a expresso estar na fronteira, to

    caracterstica de sua biografia, foi uma realidade presente desde o seu nascimento.26

    Tillich morreu no ano de 1965, no entanto, mais de quarenta anos se passaram e as

    concluses do telogo e filsofo ainda continuam a inquietar professores e estudantes das

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    asseverar sem precipitao que ele a figura mais impressionante da teologia protestante

    hodierna [...]28

    Apesar de todos os mritos atribudos a Tillich como pensador acadmico, sua

    vida como telogo cristo foi marcada por grande ambigidade. Alguns autores admiravam

    seu pensamento, outros manifestavam ceticismo pelo estilo de vida que levava. Stanley

    Grenz, em sua obra Teologia do sculo 20, o descreve nos seguintes termos:

    Ele era constantemente perturbado por dvidas sobre a prpria salvao e temiagrandemente a morte. Ele promovia o socialismo ao mesmo tempo gozava osbenefcios de um estilo de vida de classe mdia alta. Era conhecido como umcristo ecumnico, mas raramente ia a igreja e, ao que parece levava uma vida umtanto quanto promscua.

    Tas ambigidades, dvidas, ilustram bem as descries das tenses destrutivasque, de acordo com Tillich, so inerentes existncia finita. Para ele, a dvida umelemento essencial; a f e alienao e afastamento encontram-se nos lugares maisprofundos da existncia humana.29

    At mesmo o prestgio que Tillich havia angariado nos crculos teolgicos

    estadunidenses o perturbava, lanando-o de modo muito intenso e pessoal a uma ambigidade

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    ser.31 Rollo May, aluno e amigo de Tillich, descreve a espontaneidade com que Tillich

    deixava transparecer seus sentimentos:

    Paulus nunca tentava esconder seu constrangimento ou desconforto a ponto decorar-se, o que me surpreendia, pois eu estava habituado com pessoas eminentes,especialmente professores que encobriam suas emoes ntimas. Na condio deestudante, eu vi Paulus em muitas reunies em grupo, corando ou olhando de um

    jeito meio desesperado ou andando de um lado para o outro no hall durante umrecesso na discusso. E perguntava a mim mesmo porque ele no controlava suasemoes de maneira mais efetiva.32

    Esta forma de viver com intensidade as emoes e poder deix-las transparecer

    permitia que Tillich, como disse Walter Leibrecht, pudesse[...] expressar com clareza o que

    outros sentiam apenas confusamente e em libertar a percepo por meio da definio

    correta.33 Talvez fosse sua conscincia de estar na fronteira que oportunizava Tillich

    enfrentar o temor do no-ser. E exatamente esta imagem da fronteira que, segundo Frederick

    J. Parrella, (...) leva as pessoas a se identificarem com ela e adaptarem muitas de suas

    fronteiras tessitura de suas prprias vidas.34

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    Proveniente de uma famlia protestante, tendo como pai um pastor que chegou a

    galgar importantes posies na estrutura eclesistica em que estava inserido, Tillich conheceu,

    desde sua infncia, a contemplao e reflexo tpicas do contexto protestante.

    Teve influncia do romantismo alemo e estabeleceu uma relao com a natureza

    na qual prevalecia a atitude esttico-medidativa. A vida numa casa pastoral, o contato com a

    natureza, a simplicidade da vida rural, bem como as muitas idas e contemplaes da igreja de

    estilo gtico, levaram-no a uma admirao pelo sagrado. De posse dessa experincia dos

    primeiros anos de vida, a metodologia utilizada por ele na filosofia da religio constitui-se em

    partir da noo do sagrado, desenvolvendo-a at chegar a de Deus.36

    Em sua juventude, aos 17 anos, Tillich teve uma experincia de perda com a morte

    de sua me. Observar sua me, com quem tinha fortes laos de afeto, lutar obstinadamente

    contra o cncer at ser corroda pela morte, deve ter causado forte impacto sobre a vida do

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    pela filosofia. Na verdade, desde os 8 anos, talvez por influncia do pai, ele se interessava

    seriamente pelas duas coisas. Com isso ele deixa claro sua caracterstica vocacional.38

    nos anos acadmicos, entre 1904 e 1912, quando graduou-se (1904-1909) e

    doutorou-se (1910-1912) em Filosofia e em Teologia, que atravs de seus escritos deixa

    evidente sua contemplao pelo religioso e pelo mstico. Ainda na graduao escreveu dois

    trabalhos com base no Evangelho de Joo, o mais mstico dos evangelhos com sua nfase no

    logos e nos milagres. Suas teses de doutorado reforam esta pista de sua predileo pelo

    religioso e pelo mstico. Sua tese para o doutorado em filosofia A Construo da Histria da

    Religio na Filosofia Positiva de Schelling, seus Pressupostos e Princpios39

    , esboa as

    distintas religies numa linha de desenvolvimento histrico com destaque para a religio

    crist como a plenitude da revelao. Sua tese em teologia foi Mstica e Conscincia de

    Culpa no Desenvolvimento Filosfico de Schelling40.

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    posteriormente, em sua atividade como pastor assistente em Berlim (1912-1914), sua

    identidade enquanto telogo. Alm disso, como a vida acadmica na Alemanha era por

    demais solitria, isso gerou nele um anseio por expresses de vida mais comunitrias e

    grupos de fraternidade.43

    As experincias da atividade pastoral nas comunidades luteranas de Nauem e

    Berlim foram importantes e contriburam para construir a identidade teolgica de Tillich, mas

    foi uma experincia subseqente que mais marcou sua vida. Em 1914, quando a Alemanha

    entrou em guerra, Tillich ingressou no exrcito como capelo. As situaes vividas por Tillich

    na atividade como capelo durante a Primeira Guerra Mundial deixaram marcas indelveis em

    sua vida, ocorrendo-lhe o que ele chamou de transformao. Segundo uma entrevista sua

    revista Times:

    A transformao ocorreu durante a batalha de Champagne, em 1915. Houve umataque noturno. Durante toda a noite, no fiz outra coisa seno andar entre feridos e

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    vez os temas relacionados ao mstico e ao sobrenatural aparecem em seus escritos. Mas a

    guerra o levou novamente fronteira de seus pensamentos.

    O conceito tradicional de Deus, que ele havia aprendido e tinha sido ensinado aprezar, foi por terra. [...] Se Deus no tivesse que ser finalmente declarado morto,nossa percepo dele teria que ser renovada. A leitura de Nietzche o ajudou a acertarcontas com este conceito de Deus. [...] Mais tarde, Tillich conseguiu explicar o fatode no ter abandonado Deus em meio guerra de diferentes maneiras. Uma delas que na verdade nunca podemos abandon-lo, e que isso de fato nem o que mais

    importava, importa que ele no nos abandona. Outra que a ele estava diante dasuprema implicao do paradoxo cristo: o paradoxo da f sem Deus, que seriaconseqncia da justificao pela f levada s suas concluses radicais.46

    Aps a guerra Tillich enfrentou grandes mudanas em sua vida pessoal como, por

    exemplo, o divrcio com Margarethe Wever em 1921 e o casamento com Hannah Werner

    Gottschow em 1924. Entre o fim de um casamento e o incio do outro, Tillich viveu

    intensamente o clima intelectual liberal e bomio da Berlim da Repblica de Weimar.47

    Nesta poca o nvel de produtividade intelectual de Paul Tillich foi extremamente alto. O

    perodo do entre-guerras considerado como um dos mais importantes na vida de Tillich.

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    Ao chegar aos Estados Unidos, Tillich teve que se adaptar a novos conceitos,

    inclusive a adaptao a uma nova lngua. Neste novo contexto se sentia muitas vezes solitrio,

    mas encontrava refgio e fora em suas meditaes e contemplaes. Sua secretria Grace

    Cal recorda destes momentos de contemplao de Tillich:

    Eu chegava geralmente s 10 horas. Tillich chegava antes porque sempre fazia

    questo de ter um precioso momento de solido durante pelo menos meia hora. Eus vezes imaginava o que ele fazia durante esse tempo em que ficava sozinho noescritrio fechado [...] mais tarde descobri que ele lia a Bblia e meditava nela e emtextos budistas, de religies orientais ou em obras de msticos. Sua sala particularera decorada com cones, quadros e algumas esttuas de deusas, o que criava umaaura de misteriosa sabedoria e serenidade [...] Seu perodo de silncio e renovaocada manh era inviolvel antes de comear os trabalhos e atividades do dia. Eleme recomendava no lhe passar ligaes telefnicas durante esses momentos. 51

    O prprio Tillich descreve este momento de isolamento como sendo o momento

    em que nos encontramos no campo de batalha entre a criatividade e a destrutividade, entre

    Deus e os demnios. Afirma Tillich que:

    Deus quer que faamos a pergunta que pode nos isolar da maioria dos homens eque pode ser feita somente em solido. Ele quer que rompamos com os modos

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    Muitas vezes, uma orao que comea invocando a Deus como Senhor ou como Paise estende depois para uma contemplao do mistrio do fundamento divino. E umameditao sobre o mistrio divino pode terminar numa orao a Deus como Senhore Pai.55

    A partir destas citaes, conclui-se que Tillich, com sensibilidade, valoriza a

    orao e no a banaliza, pois no a interpreta como sendo mero recurso mgico a ser

    empregado com fins meramente utilitaristas.

    importante destacar que Tillich nunca deixou de lado, em suas reflexes, os

    aspectos mais universalizantes do fenmeno mstico, ao qual podemos incluir o

    pentecostalismo. A explicao que ele expe sobre as manifestaes da Presena Espiritual

    so muito parecidas com as definies pentecostais da ao do Esprito no homem:

    As manifestaes da Presena Espiritual tm, desde os tempos mais remotos, assimcomo na literatura bblica, carter de milagre. O Esprito apresenta efeitoscorporais: transferncia de uma pessoa de um lugar a outro; alteraes no interiordo corpo, como a gerao de uma nova vida; penetrao de corpos slidos, etc. OEsprito tambm apresenta efeitos psicolgicos de carter extraordinrio querevestem o intelecto ou a vontade de poderes acima da capacidade natural dapessoa, tais como conhecimento de lnguas estrangeiras, acesso aos pensamentos

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    1.2 A Teologia de Paul Tillich

    A educao humanstica e a tradio religiosa alem tiveram forte impacto sobre o

    pensamento teolgico de Tillich. O legado do pensamento alemo do sculo dezenove, com

    destaque para o idealismo, levou Tillich a fundamentar sua teologia na sntese, seguindo o

    pensamento filosfico de Kant e Hegel. Tillich descreve a escolha da sntese e a tenso entre a

    educao humanstica e a tradio religiosa alem nos seguintes termos:

    O problema da educao humanstica a sua relao com a tradio religiosa que,mesmo sem uma instruo religiosa especial, onipresente na histria, na arte e naliteratura. Enquanto que nos Estados Unidos o conflito espiritual bsico aquele

    entre religio e o naturalismo cientfico, na Europa a tradio religiosa e a tradiohumanstica (da qual a cosmoviso cientfica to somente parte) tm estado emcontnua tenso desde o Renascimento. O ginsio humanstico alemo era um doslugares em que esta tenso era mais manifesta. Enquanto ramos introduzidos antiguidade clssica em classes por dez horas semanais durante oito anos,encontrvamos a tradio crist em casa, na igreja, no ensino religioso formal naescola e fora da escola, e na informao religiosa indireta na histria, na literatura ena filosofia. O resultado desta tenso era ou uma deciso contra uma ou outra, ouum ceticismo geral, ou uma conscincia dividida que levava a gente a tentar superar

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    Para Tillich a cultura tem uma leitura diferente daquela que ter para a

    antropologia da segunda metade do sculo vinte, que inclui a produo humana em toda a sua

    riqueza e diversidade. Para ele, cultura a produo da intelectualidade ilustrada, e por baixo

    das manifestaes culturais especficas se faz presente a religio. Assim, segundo Tillich, a

    religio expressa o incondicionado, dando margem a manifestaes especiais que se

    apresentam enquanto cultura. Da seu interesse em manter um permanente dilogo com

    artistas, escritores e com o mundo social-democrata da poca. Dessa maneira, durante toda

    sua vida Tillich ser um telogo da cultura e um filsofo da religio.

    1.2.1 A Teologia

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    Ao partir da filosofia da religio Tillich desconstri o conceito restrito de teologia,

    afirmando o que ela no , ou seja, a teologia no a cincia de um objeto 66especfico (neste

    caso: Deus), ao lado de outros campos com seus prprios objetos. Sendo assim, a religio, da

    mesma forma que a teologia, no pode ser um objeto ao lado de outros, pois a falsearia no que

    ela tem de mais essencial. Tillich adverte que isto seria um erro fatal. A teologia tambm no

    uma exposio sistemtica de um corpo especfico de revelao67, ou seja, um corpo fixo de

    doutrinas que se pretendem reveladas. A revelao seria congelada num corpo doutrinrio,

    este por conseqncia, s precisaria ser desdobrado e explicado em seus detalhes, situado

    num espao-tempo concreto.Teologia sempre teologia a partir de um ponto de vista individual e concreto.

    Significando que ela sempre existencial, atingida pela revelao divina, e partindo da

    mesma, e contextual feita na interao com contextos scio-histricos concretos.68 O

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    A teologia confessional trata da revelao nos textos normativos e nos smbolos

    do cristianismo.71 Subdivide-se em teologia sistemtica organizada dentro da lgica e do

    sentido filosfico, correlacionando revelao do Deus Trino e a realidade inteira, e em

    teologia pastoral, mais proftica e ocasional, concentrando-se nos discursos religiosos.

    Tillich enfatiza o ambiente confessional com uma das fontes do telogo sistemtico:

    O telogo sistemtico encontra na vida concreta de sua denominao, em sualiturgia e hinos, seus sermes e sacramentos, aquilo que o preocupa ultimamente: oNovo Ser em Jesus como o Cristo. Portanto, a tradio denominacional uma fontedecisiva para o telogo, por mais ecumenicamente que a use.72

    A teologia confessional ausculta a revelao no mbito dos smbolos cristos. O

    objetivo, portanto, uma interpretao dos smbolos cristos, desde um ponto de vista

    apologtico, ou seja, [uma teologia sistemtica que procura falar inteligivelmente ao grande

    grupo de pessoas cultas [...] para quem a linguagem tradicional se tornou irrelevante].73

    Outro desdobramento da teologia tillichiana a teologia da cultura. Seu ponto de

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    O terceiro desdobramento na teologia de Tillich a teologia das religies. Esta

    teologia observa a revelao do incondicional76, ou preocupao religiosa no mbito das

    religies. A teologia da religio, segundo Tillich,

    [...] deveria interpretar teologicamente o material produzido pela investigao eanlise da vida pr-religiosa e religiosa da humanidade. Ela deveria elaborar osmotivos e tipos de expresso religiosa, mostrando como derivam da natureza da

    preocupao religiosa e, portanto, aparecem necessariamente em todas as religies,inclusive no cristianismo, na medida em que uma religio.77

    , portanto, uma teologia que se relaciona com a teologia da cultura e a teologia

    confessional, pois o elemento religioso est presente nos trs desdobramentos teolgicos de

    Tillich.

    1.2.2 Mtodo de Correlao

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    verdade eterna deve ser recebida.80Isto significa que a teologia tambm construda no calor

    do contexto histrico. O prprio Tillich tem a influncia do seu contexto histrico, que ele

    aplica a si mesmo como estando na fronteira, como forja de sua teologia.

    Os horrores da Primeira e Segunda Guerra mundiais mostraram a Tillich o quanto

    a humanidade est imersa nas angstias, no vazio e na ameaa do nada. O mundo, a cultura e

    a existncia humana estavam sendo constantemente ameaados pela falta de sentido, pela

    apatia, pelo medo. A teologia deveria se lanar como contrapartida essa situao e propor

    alternativas a essas ameaas. Por isso, a anlise da vida sob o ngulo de uma perspectiva

    essencialista e existencialista foram constantes dentro da teologia tillichiana.Com o princpio da correlao a reflexo teolgica desenvolve-se, como visto

    anteriormente, entre dois plos: a verdade da mensagem crist e a interpretao dessa

    verdade, que deve levar em conta a situao em que se encontra o destinatrio da mensagem.

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    sistemtica.81 Foi esta inquietao que o levou a escrever a sua Teologia Sistemtica, uma

    teologia que, segundo Gibellini, foi uma das mais completas obras de teologia do sculo

    XX82.

    Em sua Teologia Sistemtica Tillich prioriza o carter apologtico em detrimento

    do carter querigmtico, pois a teologia querigmtica, para ser completa, necessita da

    teologia apologtica.83Para ele a teologia aquela que responde s perguntas implcitas na

    situao com o poder da mensagem eterna e os meios oferecidos pela situao a cujas

    perguntas ela responde.84Portanto, as respostas oferecidas pela teologia brotam exatamente

    das perguntas. Por isso, Tillich utilizava o mtodo de correlao desenvolvendo sua teologiasempre em dois plos: a verdade crist e a interpretao desta verdade levando em conta o

    contexto do destinatrio da verdade.

    Na correlao mensagem e situao Tillich desenvolve seu sistema teolgico com

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    1.2.3.1 Teologia Sistemtica: Aspectos introdutrios.

    Tillich inicia sua teologia sistemtica discutindo as questes fundamentais do seu

    mtodo e estrutura. O autor deixa explcito que a estrutura de seu sistema teolgico ir se

    alicerar no mtodo de correlao:

    A estrutura do sistema teolgico vem determinada pelo mtodo de correlao. Estemtodo requer que cada parte do sistema inclua uma seo em que se desenvolve apergunta mediante anlise da existncia em geral e uma seo em que se d aresposta teolgica com base nas fontes, no meio e na norma da teologia sistemtica.Esta diviso deve ser mantida. Ela a espinha dorsal da estrutura do presentesistema.86

    A correlao que Tillich faz na introduo de sua Teologia Sistemtica a

    correlao entre razo e revelao, onde a revelao apresentada como uma resposta

    razo. Para a teologia tillichiana a razo pergunta pela revelao, ela [...] no se ope a

    revelao. Ela a requer, pois a revelao significa a reintegrao da razo87.

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    destri a razo: a razo que suscita a pergunta pela revelao. 92 Esta revelao tem suas

    marcas (mistrio, xtase e milagre); seus meios (natureza, histria, palavra e Palavra de

    Deus); e sua dinmica (revelao original e revelao dependente).

    1.2.3.2 Teologia Sistemtica: O ser e Deus

    Depois dos aspectos introdutrios da Teologia Sistemtica, Tillich passa para o

    primeiro momento propriamente dito de sua teologia: O Ser e Deus. Neste captulo o telogoconcentra-se nos conceitos de ser e Deus, desenvolvendo seu mtodo de correlao. Ele

    faz a relao entre a filosofia e a Bblia e expe a idia de Deus como sendo o fundamento

    do ser. Deste modo Deus no compreendido como um ser que existe perto de outros seres,

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    A conscincia da finitude leva a uma pergunta explcita ou implcita por Deus, a

    qual Tillich responde argumentando como os smbolos cristos respondem a ela: Deus a

    superao da finitude, em seu carter mltiplo: Deus como ser, como o Deus vivo, como o

    Criador e como o Deus-relao que ele .96

    1.2.3.3 Teologia Sistemtica: A existncia e o Cristo

    No terceiro captulo da Teologia Sistemtica Tillich desenvolve o tema AExistncia e o Cristo. Tambm neste captulo Tillich pe em correlao a mensagem crist

    com a situao humana: o evangelho anuncia o aparecimento em nosso mundo de um Novo

    Ser, o Cristo, e de uma realidade nova, a Graa, que vence a alienao existencial do ser

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    Assim, a doutrina de salvao para Tillich : regenerao, a participao no Novo

    Ser; justificao, a aceitao do Novo Ser; e santificao, a transformao pelo Novo Ser.

    Com seu conceito de essencializao, Tillich subverteu a compreenso da existncia e de seus

    conflitos ao mostrar que estes servem para enriquecer o ser essencial. Ao voltar-se para o que

    eterno, a existncia derrotada em sua reivindicao de ser positiva, ou seja, o eterno nega

    finitude sua reivindicao de infinitude. Desta forma, Jesus, finito, tornou-se Cristo no seu

    auto-sacrifcio e morte, recusando a tentao demonaca inerente existncia finita de

    reivindicar infinitude.

    Dessa maneira, a ontologia, atravs da anlise da essncia, existncia e daessencializao, conduziu a uma releitura da compreenso de Deus na f crist. Por isso,

    Tillich, afirmou que Deus no tem existncia, j que ele alm da essncia e da existncia.

    Falar de Deus enquanto existncia neg-lo, porque existncia alienao e finitude, mas no

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    As principais partes deste captulo so: a vida, suas ambigidades e a busca da

    vida sem ambigidade; a Presena Espiritual; o Esprito divino e as ambigidades da vida; os

    smbolos trinitrios.99

    A correlao substituda neste captulo pela imanncia mtua. Para o telogo da

    cultura: Na relao essencial do Esprito humano com o Esprito divino, no existe

    correlao, mas imanncia mtua.100

    1.2.3.5 Teologia Sistemtica: A histria e o reino de Deus

    Na ltima parte de seu sistema teolgico, Tillich enfrenta o problema da dimenso

    histrica da vida humana e de suas ambigidades da relao com o smbolo cristo do "Reino

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    indica a conscincia de que, embora a dimenso histrica esteja presente em todosos mbitos da vida, ela s alcana o seu prprio na histria humana. 102

    Em sua anlise das ambigidades da histria o telogo da cultura pergunta pelo

    sentido da mesma. A resposta a esta pergunta representada pelo Reino de Deus, no estando

    acima da histria, mas relacionando-se com ela. Por isso, Tillich afirma que o fim do seu

    sistema conduz de volta ao incio.

    103

    A manifestao do Reino de Deus na histria d-se com a compreenso da Igreja,

    como Comunidade Espiritual, sendo um instrumento do Reino de Deus, fora diretriz do

    movimento em direo plennitude da histria.

    Quanto ao fim da histria, em sua abordagem escatolgica, Tillich diz: passado

    em futuro se encontram no presente e ambos esto includos no eterno agora.104Assim o fim

    da histria a elevao do temporal para dentro da eternidade, juzo final e a superao

    das ambigidades.105

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    teolgico entre existncia e essncia ao discutir sobre vida. Estamos, aqui, usando a palavra

    vida no sentido de uma mistura de elementos essenciais e existenciais.107Assim, em um

    primeiro olhar, a vida pode ser vista como unidade multidimensional108.

    Nesta unidade multidimensional, Tillich concebe a vida como um processo

    evolutivo onde possvel encontrar uma simultaneidade de dimenses109: dimenso do

    inorgnico, a dimenso mais bsica, a primeira dimenso110; dimenso do orgnico,

    dimenso na qual surge a vida no sentido mais normal do termo111; dimenso do psquico, a

    percepo de si112; dimenso do esprito, contm em si todas as outras dimenses.

    Analogicamente, poderamos dizer que, como o esprito humano a vida se auto-contemplando, tambm a razo humana a razo csmica refletindo sobre si prpria113.

    A preocupao com a vida e suas dimenses, refletida neste captulo da Teologia

    Sistemtica, serve para introduzir a reflexo tillichiana sobre a Vida e o Esprito.

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    da palavra vida, em que se distingue orgnica de inorgnica, o sentido tambm pode indicar

    essncia vital, dotada de propriedade misteriosa, sem a qual a vida biolgica no poderia

    submeter-se. A vida pode ser encarada tambm do ngulo de uma existncia consciente e

    inteligente, o que sugere que as entidades orgnicas inferiores no possuem vida verdadeira.

    Esta variedade de definies lxicas torna compreensvel o fato de muitos filsofos evitarem

    o termo ou restringirem o uso do mesmo ao mbito dos seres vivos, implicando assim o

    contraste entre vida e morte.114

    Na leitura do texto de Paul Tillich possvel observar como no emprego da

    palavra vida h uma complexidade que leva a ambigidade da ao etimolgica. Nestesentido possvel empregar o termo no sentido de que seres vivos so seres que esto

    morrendo. Esta afirmao levou Paul Tillich formulao do conceito ontolgico de vida.

    De qualquer forma, a polaridade de vida e morte sempre coloriu a palavra vida.Este conceito polar de vida pressupe o uso da palavra para designar um grupoespecial de seres existentes, isto , os seres vivos [...] A observao de uma

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    Na teologia de Tillich o esprito visto como uma dimenso da vida, uma

    compreenso que, segundo ele, uma necessidade teolgica119, pois a dimenso do esprito

    a dimenso dominante no ser humano120. Tal dimenso, segundo Tillich, caracteriza o ser

    humano como ser humano e [...] se efetiva na moralidade, na cultura e na religio121.

    O sentido de esprito, enquanto uma dimenso especfica da vida, suscita um

    importante problema terminolgico122. Na Lngua Portuguesa esta questo mais evidente

    devido derivao de Esprito com letra maiscula e esprito com letra minscula, ambos

    distinguindo compreenses diferentes e especficas vida humana. Na teologia tillichiana as

    palavras Esprito e Espiritual, com E maisculo, so utilizadas para designar o Espritodivino e seus efeitos no ser humano, enquanto esprito, com e minsculo, designa uma

    dimenso especfica da vida humana.123 importante observar que Tillich rejeita utilizar a

    palavra esprito em conotao com um mundo espiritual ou reino dos espritos124, pois

    125

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    relao, na teologia tillichiana, se torna realidade por meio da Presena Espiritual que cria no

    ser humano vida sem ambigidade.

    Embora o carter exttico da experincia da Presena Espiritual no destrua aestrutura racional do esprito humano, ela realiza algo no esprito humano que esteno poderia fazer por si mesmo. Quando ela se apodera do ser humano cria vida semambigidade. O ser humano, em sua autotranscendncia, pode ansiar por ela, masno consegue alcan-la, a no ser que primeiro seja possudo por ela.128

    1.3.2 O Esprito e a Presena Espiritual

    Na dimenso do esprito o homem experimenta a si mesmo como humano, com a

    conscincia de ser determinado, em sua natureza, pelo esprito129. Esta experincia

    imediata torna possvel falar simbolicamente de Deus como Esprito e do Esprito divino.130

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    Mesmo que esta experincia no destrua a estrutura racional do ser humano, uma

    vez impactado pela Presena Espiritual, o esprito humano tem todas suas dimenses

    mobilizadas, pois a Presena Espiritual cria vida sem ambigidade.

    Embora o carter exttico da experincia da Presena Espiritual no destrua aestrutura racional do esprito humano, ela realiza algo no esprito humano que esteno poderia fazer por si mesmo. Quando ela se apodera do ser humano, cria vidasem ambigidade.134

    O impacto da Presena Espiritual atinge todas as dimenses da vida. A unidade

    multidimensional da vida significa que o impacto da Presena Espiritual sobre o esprito

    humano , ao mesmo tempo, um impacto sobre apsyche, as clulas e os elementos fsicos que

    constituem o ser humano.135

    No apenas a dimenso do esprito efetivada, mas tambm asdimenses do inorgnico, do orgnico e da autoconscincia. Os relatos de milagre136,

    encontrados na histria e na religio, demonstram o impacto da Presena Espiritual em todas

    as dimenses da vida.

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    Palavra e dos sacramentos139, sendo ambos meios da Presena Espiritual.

    Os termos palavra e sacramento designam os dois modos de comunicao emrelao Presena Espiritual. Palavras que comunicam a Presena Espiritual setornam Palavra (com Pmaisculo) ou, em termos tradicionais, a Palavra de Deus.Objetos que so veculos do Esprito se tornam materiais e elementos sacramentaisnum ato sacramental.140

    A realidade sacramental uma funo religiosa da dimenso do esprito e quando

    o sacramento, enquanto smbolo concreto, participa do poder daquilo que simboliza [...]

    pode ser um meio do Esprito.141 Por isso, na anlise da quantidade de sacramentos, o que

    caracteriza a validade religiosa de um sacramento no sua tradio ou solenidade, mas a

    questo decisiva se ele possui e capaz de preservar seu poder de mediar a Presena

    Espiritual.142

    Um objeto ou ato sacramental, embora seja em si completamente silencioso,

    possui palavra de forma implcita, isto porque o sacramento, enquanto smbolo, comunica

    aquilo que simboliza. Assim, o sacramento no pode subsistir sem a palavra, mesmo que esta

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    Nenhuma palavra Palavra de Deus a menos que seja palavra de Deus para algum;tampouco o , em nossa presente terminologia, se no for um meio pelo qual oEsprito entra no esprito de algum. Isto amplia o nmero de palavras que podem setornar Palavra de Deus.147

    O critrio contra a falsa alegao de que qualquer palavra pode se tornar Palavra

    de Deus a Bblia, pois ela o documento da revelao central. O impacto que ela produz na

    igreja e na vida das pessoas e a forma como ela participa da dimenso do esprito como meio

    do Esprito indicam seu papel canonizador das palavras enquanto Palavra de Deus.

    Reiteremos, contudo, que preciso estabelecer um critrio contra a falsa elevao depalavras humanas dignidade de Palavra de Deus. As palavras bblicas representameste critrio. Elas so a pedra de toque ltima para aquilo que pode ou no pode setornar Palavra de Deus para algum. Nada que contradiga a f e o amor, que soobra do Esprito e constituem o Novo Ser tal qual se manifestou em Jesus como o

    Cristo, pode ser considerado Palavra de Deus.148

    Como resultado da ao do Esprito a Presena Espiritual, atravs da f e do

    amor149, eleva o ser humano a vida sem ambigidade criando o Novo Ser para alm do

    abismo entre essncia e existncia e, conseqentemente, das ambigidades da vida.150 O

    151

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    religio a substncia da cultura153; moral se relaciona com a religio medida que, num ato

    de f, a tica do Reino de Deus padro para tica nas igrejas e na sociedade 154; a moral se

    relaciona com a cultura na medida que a cultura fornece o material da moralidade e a

    moralidade confere seriedade a cultura155. A unidade das funes da dimenso do esprito, na

    Comunidade Espiritual, revela que a Presena Espiritual se apodera de toda a realidade, de

    cada funo, de cada situao,156 lutando contra todas as ambigidades que surgem da

    separao de religio, cultura e moralidade.

    Esta descrio da Comunidade Espiritual mostra que ela , ao mesmo tempo, ocultae manifesta, como o o Novo Ser em todas as suas expresses. Ela to manifesta eto oculta quanto a manifestao central do Novo Ser em Jesus como o Cristo; to

    manifesta e oculta quanto a Presena Espiritual que cria o Novo Ser na histria dahumanidade e, indiretamente, no universo como um todo. Este o motivo para o usodo termo Comunidade Espiritual, pois tudo que Espiritual manifesto em seucarter oculto. acessvel apenas f como estado de ser possudo pela PresenaEspiritual. Conforme dissemos antes: to somente o Esprito discerne o Esprito.157

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    2 [...] E COMEARAM A FALAR EM OUTRAS LNGUAS [...]: ASSEMBLIA DE

    DEUS NO BRASIL E A DOUTRINA DO ESPRITO SANTO

    O Movimento Pentecostal no deve sua origem a algumgrande lder ou personagem, mas sim a um avivamentoespontneo, que apareceu simultaneamente em vriaspartes do mundo. Instintivamente relacionamos aReforma ao nome de Lutero, o Metodismo a JohnWesley e o Exrcito da Salvao ao General Booth. Osprprios lderes do Movimento Pentecostal so elesmesmos o efeito do Movimento. Alguns deles tm sido

    grandemente usados por Deus para estender a amplitudedo Movimento e em alguns casos foram os fundadoresde determinados grupos pentecostais. Mas precisa-seregistrar o fato de serem relacionados ao MovimentoGeral.158

    O Movimento Pentecostal no Brasil ainda no completou 100 anos de histria e

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    Dreher descreve a fora numrica e o crescimento do pentecostalismo como algo

    impressionante, segundo o telogo luterano:

    impressionante o crescimento acelerado das igrejas pentecostais. Em 1930, eram10% do protestantismo, em 1950, eram 2/3 e, em 1965, eram 68,5%. De 244.800passaram a 2.239.000 adeptos (...) De 1960 a 1970, o pentecostalismo cresceu101%; o restante do protestantismo, 44%.162

    Esta representativa presena e crescimento tornam o pentecostalismo alvo de

    estudo e pesquisa, por isso comum a meno dos pentecostais como um fenmeno

    presente no pas, mas visto apenas sob o aspecto antropolgico ou religioso. Poucas so as

    pesquisas que discutem o aspecto teolgico do pentecostalismo. At mesmo a histria do

    pentecostalismo parece passar despercebida na histria do protestantismo brasileiro. Comoafirma Paul Freston:

    A Histria documental do Protestantismo Brasileiro (Reily 1984) dedica apenas17 de suas 400 pginas aos pentecostais. No h nada sobre a Assemblia de Deus,a maior igreja protestante, depois do episdio da fundao. Souza (1969) e Rolim(1985) tratam da variedade de grupos pentecostais, mas quase toda evoluohistrica lhes escapa. Essa negligncia acadmica da dimenso histrica talvez

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    pregador.165Nas igrejas pentecostais a tradio oral est no mesmo nvel de importncia que a

    literatura, pois como afirma MacGee:

    Da mesma forma que outros pentecostais, os membros das Assemblias de Deusforam caracterizados por cinco valores implcitos: a experincia pessoal, acomunicao oral (tambm refletida nos testemunhos, revistas e livretes da igreja, naliteratura da Escola Dominical, nos panfletos e folhetos evangelsticos), aespontaneidade, o repdio ao mundanismo e a autoridade das Escrituras.166

    Isto significa que a pesquisa da histria e teologia pentecostal em solo brasileiro

    deve considerar os relatos orais e os escritos em peridicos, sendo estes ltimos, segundo

    MacGee, reflexo da comunicao oral.

    Para a realizao da presente pesquisa, realizou-se em 2007 e 2008, nos arquivos

    da Casa Publicadora da Assemblia de Deus (CPAD), no Rio de Janeiro, uma consulta aos

    peridicos Voz da Verdade167, Boa Semente168, Som Alegre169 e Mensageiro da

    Paz170. Durante a realizao da pesquisa nos arquivos da CPAD foi possvel, alm da

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    consulta a todas as edies dos peridicos, uma entrevista com Isael de Arajo171, pesquisador

    sobre a histria do Movimento Pentecostal, particularmente a histria da Assemblia de Deus.

    A leitura dos peridicos e o acesso s pesquisas de Isael fornecem base para parte do material

    exposto sobre a histria e teologia da Assemblia de Deus neste captulo da dissertao. Em

    ambas as fontes de pesquisa h acentuada nfase na ao do Esprito Santo sobre a histria e

    crescimento da Assemblia de Deus no Brasil. Esta nfase marca o carter pneumatolgico da

    teologia pentecostal, algo que analisado com especial ateno na histria e teologia da

    Assemblia de Deus, e desenvolvido na presente pesquisa.

    2.1 Incio do Movimento Pentecostal nos Estados Unidos

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    origem as primeiras denominaes pentecostais.173 A partir do Movimento de Santidade,

    Hollenweger aponta duas possibilidades para o possvel fundador do Movimento Pentecostal.

    A primeira tendo como elo de ligao o racista americano Charles Fox Parham, e a segunda

    focada no afro-americano Willian J. Seymour.

    Se o movimento pentecostal for caracterizado sobretudo pela experincia do batismo

    no Esprito (com o falar em lnguas), ento o fundador Charles Fox Parham. Masse a atuao do Esprito Santo for entendida no apenas numa experincia religiosade crise, mas for vista tambm na fora do Esprito, reconciliadora e criticamenteoposta mentalidade da poca, ento seu fundador William J. Seymour.174

    Pentecostais do Terceiro Mundo, dentre eles a Assemblia de Deus, decidiram-se

    pela segunda possibilidade sem, no entanto, se olvidar que Seymour fora ex-aluno175 de

    Parham. Por isso, comum nos relatos da histria do Movimento Pentecostal a citao a

    ambos, onde Parham aparece como o responsvel pelas primeiras questes teolgicas e

    Seymour como o pregador que deu notoriedade mundial ao movimento176.

    Charles Fox Parham fundou no ano de 1901, na cidade de Topeka, a Igreja da F

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    do Esprito Santo no fim dos tempos, porque tal fenmeno fora prometido como mtodo

    funcional para um avivamento em todo o mundo.178

    No Texas, por volta de 1905, Parham fez amizade com Warren Fay Carothers, um

    jovem advogado que tambm era um pregador metodista autorizado. Os dois fundaram uma

    Escola Bblica na qual participaram vrios dos que mais tarde se tornaram pentecostais

    proeminentes. Provavelmente o mais conhecido ex-aluno que passou pela escola de Parham

    foi William Seymour, que atendeu (contra a vontade de Parham) ao convite para levar a

    mensagem do movimento a Los Angeles.

    William Seymour no somente repetiu a mensagem de Parham, mas tambm

    adotou o nome do movimento e chamou sua mensagem e seu jornal de The Apostolic Faith (A

    F Apostlica). O Reverendo Seymour alugou um antigo templo metodista na Rua Azusa.

    Seymour, em suas pregaes, afirmava com base em Atos 2.4 que Deus tinha uma terceira

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    Angeles Timesque publicou uma matria sobre a nova e bizarra religio que se expandia na

    cidade de Los Angeles.180Segundo Horton:

    (...) os jornais publicavam matrias dando um tom de indecncia no que estavaacontecendo em Azusa. Eles estavam especialmente contra o fato de que brancos e negrosestavam se misturando novamente em esprito de amor e unidade no Esprito Santo (...)todavia, nada parou o mover de Deus na misso da Rua Azusa.181

    Mesmo sob acusaes de heresia e aberrao o Movimento da F Apostlica se

    espalhava e o nmero de seguidores continuava aumentando de forma considervel. Foi a

    partir do trabalho de Seymour, na Azusa Street, em Los Angeles, que o Movimento

    Pentecostal comeou a ganhar notoriedade alcanando outros pases e chegando ao Brasil em

    1910.Flower182 considera que a partir desta expanso que o termo Movimento

    Pentecostal passou a designar todos os grupos que enfatizavam a recepo do batismo com

    o Esprito Santo acompanhado do sinal de falar em outras lnguas, segundo a inspirao

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    procedentes de igrejas pentecostais independentes de todo o pas186. Na ocasio foi

    produzido um documento chamado Declarao de Princpios de Igualdade, de Unidade e de

    Cooperao. A Declarao garantia s igrejas participantes do Conclio liberdade, soberania

    de todas as igrejas filiadas e enfatizava os princpios claros referentes aos laos de comunho

    e cooperao que governariam as relaes entre ministros e entre as congregaes187.

    Aps a formao do Conclio das Assemblias de Deus muitos missionrios

    pentecostais, com atividades em vrias partes do mundo, solicitaram apoio e passaram a

    receber assistncia do Conclio. A partir de 1919, o Conclio comeou a enviar missionrios

    para outros pases atravs do recm criado Departamento de Misses Estrangeiras.188

    2.2 Classificao do Pentecostalismo no Brasil

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    institucional, considerando as mudanas ocorridas na mensagem religiosa (...) e no seu modo

    de insero na sociedade.190 Ou seja, o que justifica a classificao do pentecostalismo

    brasileiro so as considerveis distines de cunho doutrinrio e comportamental, bem como,

    as formas de incluso na sociedade. De acordo com o socilogo Ricardo Mariano, a

    dificuldade de se classificar o pentecostalismo decorrente das rpidas e espantosas

    transformaes que aconteceram nas ltimas dcadas. A uniformidade nunca foi uma

    caracterstica do pentecostalismo brasileiro, pois desde os primrdios as diferenas internas

    eram visveis. A Congregao Crist e Assemblia de Deus, pioneiras do pentecostalismo no

    Brasil, sempre apresentaram distines doutrinrias e eclesisticas, que geraram, ao longo dos

    anos, estratgias evangelsticas e de insero bem diferentes.191Devido a mutao constante

    no pentecostalismo brasileiro, no que diz respeito diversidade teolgica, eclesiolgica,

    institucional e social, principalmente a partir da dcada de 50, sua classificao tornou-se

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    1 onda (1910-1950)

    Congregao Crist 1910Assemblia de Deus 1911

    2 onda (1950-1975)

    Igreja do EvangelhoQuadrangular 1951O Brasil Para Cristo 1955Igreja de Nova Vida 1960Deus Amor 1962Casa da Bno 1964Conveno Batista Nacional 1965Igreja Metodista Wesleyana

    1967Renovao Carismtica 1967Sinais e Prodgios 1970Igreja Socorrista 1973Presbiteriana Renovada 1975

    3 onda (a partir do final dadcada de 70)

    Igreja Sara Nossa Terra 1976Universal do Reino de Deus 1977Internacional da Graa 1980Renascer em Cristo 1986Igreja do Senhor Jesus Cristo 1996Igrejas independentes

    O socilogo Ricardo Mariano divide o pentecostalismo em trs ondas: 1)

    pentecostalismo clssico (Assemblia de Deus e Congregao Crist); 2)

    deuteropentecostalismo (igrejas organizadas a partir de 1951) e 3) neopentecostalismo

    (igrejas organizadas a partir da segunda metade dos anos 70). Sobre essa classificao

    Mariano afirma:

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    evangelizao, na 3 onda, principalmente com a Igreja Universal do Reino de Deus (1977) e

    a Igreja Internacional da Graa de Deus (1980).

    2.3 Assemblia de Deus no Brasil

    A Assemblia de Deus no Brasil foi resultado do empreendimento inicial de dois

    suecos que viviam como imigrantes nos Estados Unidos, Gunnar Vingren (1879-1933) e

    Daniel Berg (1884-1963). Eles se conheceram em 1909 por ocasio de uma conveno de

    igrejas batistas reavivadas, em Chicago, e comearam a compartilhar ideais missionrios. Do

    desejo comum dos dois batistas suecos surgiu a deciso de viajar para o Brasil.

    Quando chegaram a Belm, Berg foi trabalhar como fundidor para sustentar os

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    marginalizao cultural. Freston faz tambm uma importante observao quanto a formao

    da identidade da Assemblia de Deus no Brasil, resultante destes fatores:

    (...) a AD foi produto do esforo missionrio de um grupo pequeno e marginalizadode um pas ainda relativamente pobre. Os missionrios no tiveram condies deinundar a igreja com dinheiro, criando instituies poderosas que permanecessemnas suas prprias mos ou que se tornassem palco de brigas internas. Forosamente,suas vidas pessoais foram marcadas pela simplicidade, um exemplo que ajudou aprimeira gerao de lderes brasileiros a ligar pouco para a ascenso econmica.Assim o ethos da AD evitou um aburguesamento precoce que antecipasse ascondies oferecidas pela prpria sociedade brasileira aos membros da igreja.Outro fator que o modelo sueco rejeitava a nfase no aprendizado formal quereforava o status do missionrio frente aos adeptos nacionais. Os missionriossuecos eram bblicos (nfase no conhecimento da Palavra escrita, mais do que nainspirao direta) porque eram de um pas protestante, mas por serem culturalmentemarginalizados, resistiam pretenso e ilustrao. Assumiam que estavamformando uma comunidade de gente socialmente excluda (seja na Sucia luteranaou no Brasil catlico) que no precisava de um clero diferenciado.200

    Dessa forma, comeam a se abrir novos caminhos na histria religiosa brasileira

    num momento em que as classes populares comeam a ganhar sentido e a influenciar as

    alternativas das classes dominantes em um momento de transio da histria do Brasil no

    201

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    2.3.1 Gunnar Vingren

    Gunnar Adolf Vingren nasceu numa regio agrcola do sudeste da Sucia, em

    1879, filho de um jardineiro batista. Teve que interromper a educao formal com 11 anos de

    idade. Trabalhou como jardineiro at 1903, quando seguiu o rumo de parentes para os Estados

    Unidos. Teve vrios empregos manuais e freqentou uma igreja batista sueca. Possivelmente

    com a ajuda financeira desta igreja Vingren estudou quatro anos no seminrio da

    denominao em Chicago204. Em seguida, pastoreou em igrejas batistas.

    Ele buscava novas experincias religiosas, especialmente o batismo no Esprito

    Santo, e foi a Conferncia da Primeira Igreja Batista Sueca, onde conheceu Berg, com o

    propsito de receber tal batismo:

    E, louvado seja Deus, depois de cinco dias de busca, o Senhor Jesus me batizou como Esprito Santo e com fogo! Quando recebi o batismo, falei novas lnguas,

    justamente como est escrito que aconteceu com os discpulos no dia de Pentecoste,

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    Santo. No total, foram quase vinte pessoas batizadas com o Esprito Santo naquele vero.207

    Assim, a igreja em South Bend tornou-se uma igreja pentecostal.

    Vingren deixou o ministrio da Igreja South Bend no dia 12 de outubro de 1910,

    mas continuou freqentando as reunies de orao na casa de membros da igreja. Em uma

    destas reunies de orao, Adolfo Uldin fez predies sobre o trabalho missionrio de Gunnar

    Vingren. Vingren em seu dirio relata esta experincia:

    Entre outras coisas o Esprito Santo falou atravs deste irmo que eu deveria ir parao Par. O que faltava era saber onde estava situado o Par. Nenhum de ns oconhecia. No dia seguinte eu disse ao irmo Adolfo: Vamos a uma biblioteca aquina cidade para saber se existe algum lugar na terra chamado Par. Nossa pesquisanos fez saber que no Norte do Brasil havia um lugar com esse nome. Confirmamosmais uma vez que Deus nos tinha falado. Aceitei minha chamada com inteiraconvico de sua origem divina. Glria a Jesus!208

    2.3.2 Daniel Berg

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    vida, fundador de um partido poltico que integra o governo.210Influenciado por Pethrus, Berg

    passou a buscar a experincia pentecostal do batismo no Esprito Santo.

    Em 1909, Daniel retorna aos Estados Unidos e se dedica a sua busca espiritual.

    Berg recebeu o batismo no Esprito Santo e passou ento a freqentar cultos pentecostais e

    tornou-se membro da igreja de Durham. Ainda em 1909, por ocasio de uma conferncia em

    Chicago, Daniel encontrou-se com o pastor batista Gunnar Vingren, que tambm fora

    batizado no Esprito Santo. Os dois conversaram sobre as convices que tinham; uma delas

    que tanto um como o outro acreditava que tinha uma chamada missionria. A partir deste

    encontro os dois se uniram em seu ideal missionrio.

    2.3.3 A unio missionria de Gunnar Vingren e Daniel Berg

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    dia, e ficaram em dvida sobre a revelao ser ou no divina:

    Certo dia, o dono da casa onde Gunnar Vingren se hospedava recebeu de Deus umarevelao e profetizou para ns que iramos para o Par. [...] A melhor maneira desabermos se realmente era essa a vontade do Senhor era orar. E foi o que fizemosdurante uma semana, dia e noite. Finalmente, Deus confirmou que devamos ir parao Par.212

    Outro fato que merece destaque que Vingren estava afastado da Igreja Batista e

    decidido a empreender a viagem ao Brasil, segundo o prprio Vingren: Eu havia sacrificado

    o privilgio de ter cursado durante quatro anos no seminrio batista, e renunciado de ser

    enviado a India. E o Daniel tambm no tinha nada. Ali estvamos os dois sem nenhum

    recurso, sem pretencer a nenhuma denominao.213Mas Berg entendia, naquele momento de

    deciso sobre a viagem missionria ao Brasil, a necessidade de estar ligado Igreja Batista

    local. Segundo Berg:

    Logo que tivemos essa certeza, levamos o fato ao conhecimento do pastor e dealguns irmos membros da igreja. Eles no se mostraram muito entusiasmados.Mencionaram dificuldades de clima, e predisseram que quando chegssemos l evssemos e sentssemos a situao, voltaramos sem demora. Por isso, no nos

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    O pastor da igreja batista de Belm era precisamente um sueco emigrado dosEstados Unidos aos 7 anos de idade. Tratava-se de Erik Nilsson (ou Eurico Nelson),

    que desde 1897 implantava igrejas em toda a Amaznia (Leonard 1963:319).Embora houvesse vindo por conta prpria ao Brasil, inicialmente com vistas a umacarreira de pecuarista, provvel que o nome Par j tivesse aparecido em relatosseus enviados comunidade batista sueca nos Estados Unidos.215

    Vingren e Berg partiram de Nova Iorque, rumo ao Brasil, no dia 05 de novembro

    de 1910. Vingren comenta ao lembrar da partida: Saimos como se estivssemos fazendo uma

    partida qualquer216, ou seja, sem comemoraes ou beno da igreja local. Chegaram ao Par

    no dia 19 do mesmo ms, sem cerimonia de recepo, ningum os esperava aps quatorze

    dias de viagem.

    2.3.4 Os primeiros trabalhos missionrios de Gunnar Vingren e Daniel Berg no Brasil

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    batista Jernimo Teixeira de Souza218que ofereceu alojamento no poro da igreja por dois

    dlares dirios. De acordo com Berg acertaram tambm alguns trabalhos como auxiliares na

    igreja.

    Iniciamos as atividades no Brasil, dirigindo cultos e pregando na Igreja Batista. claro que no fazamos reservas quanto doutrina pentecostal que havamosaceitado. Quando nos sentamos dirigidos a pregar acerca dessas verdades, ns ofazamos com toda a franqueza.219

    O pastor batista Erik Nilsson220 argumentava com Berg e Vingren que, nas

    pregaes, deixassem de lado passagens bblicas que pudessem propagar divises. Vingren

    no recebeu a recomendao do pastor batista como um conselho oportuno, antes julgou a

    atitude do pastor como sendo contrria doutrina pentecostal.

    No princpio pensvamos que estivssemos tratando com um verdadeiro cristo, masdepois agradecemos a Deus por Ele nos ter livrado das garras daquele homem. Oinimigo havia preparado uma cilada muito astuta para nos desviar da vontade deDeus, e dessa maneira desfazer completamente o plano do Senhor para a obrapentecostal no Brasil por nosso intermdio.221

    A despeito da recomendao de Nilsson e da oposio de alguns diconos da

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    insustentvel a presena deles na PIBPA. No dia 13 de junho de 1911, aps o culto de orao,

    o evangelista Adriano Nobre, apoiado pelos diconos presentes, convocou uma sesso

    extraordinria para excluso dos participantes do movimento pentecostal trazido por Vingren

    e Berg que ficou registrada na ata 222 de 13-06-1911.

    Em seguida o irmo secretrio pediu a palavra verberando contra o procedimento

    dos irmos solidrios com os missionrios pentecostais, que aps o cultodesapareceram do templo fugindo para um lugar ignorado, deixando de dar apoio aseus partidrios.O irmo Antunes pediu a todos que aderiram ao movimento pentecostal que semanifestasse para a Igreja exclu-los por incompatibilidade doutrinria. Levantaram-se 13 pessoas [...] O irmo secretrio depois de anotar os nomes, deixou para o fimos nomes das irms Celina Cardoso de Albuquerque e Maria Jesus de Nazar, queao mencion-los fez com este aditivo: as profetizas e os chefes da seita, GunnarVingren e Daniel de tal, que no compareceram a sesso.223

    Alm das pessoas excludas na sesso extraordinria da PIBPA em 13-06-1911,

    posteriormente, outros membros e congregados foram expulsos do templo por terem aderido

    s doutrinas pentecostais. Com esses excludos Vingren e Berg organizaram em 18 de junho

    de 1911, na residncia de Henrique Albuquerque, na Rua Siqueira Mendes n 67 224, no bairro

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    conversa informal com um grupo de irmos da congregao de Vila Coroa, onde Vingren

    explicou que nos Estados Unidos o movimento havia adotado o nome de Assemblia de

    Deus ou Igreja Pentecostal226. O livro Histria da AD em Belm relata a informalidade em

    que foi adotado o nome Assemblia de Deus:

    Quanto a denominao Assemblia de Deus, o pioneiro Manoel Rodrigues

    lembrava, em fim dos anos setenta, sobre a primeira vez que se ventilou o assunto.Um grupo de irmos saa da congregao Vila Coroa e se encontrava na parada dobonde de Bernal do Couto. Vingren indagou a respeito da questo e informou quenos Estados Unidos haviam adotado o nome Assemblia de Deus ou IgrejaPentecostal. Houve unanimidade em torno do primeiro nome. Em 11 de janeiro de1918, o ttulo Assemblia de Deus foi oficialmente registrado.227

    O termo Assemblia de Deus, no singular, empregado quando se quer destacar a

    unidade doutrinria ou uma igreja local, enquanto que plural Assemblias de Deus refere-se

    ao conjunto de igrejas locais. No singular ou no plural a Assemblia de Deus desde sua

    fundao foi crescendo em nmero de membros, missionrios e obreiros.

    Em 1930, dezenove anos aps o incio do movimento pentecostal brasileiro, a AD

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    a primeira Conveno Geral das Assemblias de Deus do Brasil.228 No artigo do pastor

    Francisco Gonzaga, no Mensageiro da Paz, h uma descrio, sob o ponto de vista da

    liderana da AD, de como foi o ambiente desta conveno:

    (...) Todos os assuntos foram discutidos com inteira liberdade, tanto pelostrabalhadores brasileiros como pelos missionrios, fazendo-se ouvir sempre o pastorLewi Pethrus, da Sucia. Como sempre se dava liberdade ao Esprito Santo e emtudo se consultava a Palavra do Senhor, toda a Conveno correu maravilhosamente

    bem. Glria a Jesus! Aleluia!Foram resolvidos, com aprovao de todos, os pontos mais necessrios, que peloEsprito Santo nos devero assegurar um trabalho sadio e prspero. O Senhor faloupor meio de profecia, animando seus servos. Notava-se entre os presentes grandesatisfao.Todas as noites, falavam vrios irmos, conforme o Esprito Santo os dirigia. Opastor Lewi Pethrus falou com intrpretes todas as noites. As mensagens foramsimples, mas acompanhadas da graa do Esprito Santo. Durante os dias deConveno, entregaram-se a Jesus 29 pecadores, e os crentes ficaram animados e

    alegres. (...)229

    Esta conveno teve um carter especial, pois alm de ser a primeira conveno

    das Assemblias de Deus com a participao de todos os pastores do Brasil, na mesma deu-se

    a transmisso dos trabalhos das Assemblias de Deus no Brasil uma liderana nacional.

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    Na pauta da 1 AGO constavam: 1) o relatrio do trabalho realizado pelos

    missionrios; 2) a nova direo do trabalho pentecostal do Norte e do Nordeste; 3) a

    circulao dos jornais Boa Semente e o Som Alegre; 4) e um tema polmico, que estava

    gerando atrito e divergncias entre os missionrios, obreiros, Berg e Vingren: o trabalho

    feminino na igreja232.

    2.3.6 Peridicos na Assemblia de Deus

    A Assemblia de Deus em suas primeiras dcadas no teve o ensino teolgico

    formal como a sua prioridade bsica233. Por isso, o jornal teve participao fundamental

    preenchendo a falta de instruo teolgica formal, pois ao mesmo tempo em que era um meio

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    um meio de uniformizar o ensino e a compreenso das doutrinas pentecostais para os obreiros

    da ento nascente Assemblia de Deus. Desta forma, o intuito da imprensa proposta por

    Vingren no era propriamente a notcia, e sim a divulgao doutrinria236.

    Como foi ventilado os peridicos nos primeiros anos das Assemblias de Deus

    assumiam, alm do papel informativo, uma caracterstica uniformizadora da denominao. A

    importncia dos peridicos tambm pode ser observada quando lemos a pauta da primeira

    conveno das Assemblias de Deus no Brasil, onde entre os assuntos abordados estava a

    questo relacionada circulao dos jornais Boa Semente e Som alegre, bem como a

    unificao dos dois jornais na formao do Mensageiro da Paz.237

    A criao e oficializao do MP, em 1930, como jornal oficial da denominao foi

    importante na consolidao da AD. Considerando-se as dimenses geogrficas do Brasil e a

    viabilidade de comunicao na dcada de 30, um jornal era o que poderia existir de mais

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    Assemblias de Deus no Brasil.

    2.3.7 A Criao da Casa Publicadora das Assemblias de Deus e o Conselho Editorial

    O presidente Getlio Vargas criou em dezembro de 1939 o Departamento de

    Imprensa e Propaganda (DIP). Este rgo centralizava e coordenava a propaganda do governo

    e era tambm um servio de informaes e censura. O DIP tornou-se o rgo coercitivo

    mximo da liberdade de pensamento e expresso durante o Estado Novo e o porta-voz

    autorizado do regime.239Na dcada de 40 o governo de Getlio Vargas decretou que todos

    os jornais que circulassem no pas fossem registrados no DIP. O mesmo decreto tambm

    exigia que somente as instituies com personalidade jurdica, ou ento pessoa fsica

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    deliberou em carter de urgncia a criao da Casa Publicadora das Assemblias de Deus

    (CPAD) que passou a ser automaticamente proprietria do jornal Mensageiro da Paz243.

    Alm de fundar a CPAD, que seria a responsvel pelo MP credenciando-lhe junto

    ao DIP, a mesma Conveno estabeleceu critrios para a publicao de contedos do seu

    peridico. Esses critrios no apenas protegeriam a igreja sobre os textos e imagens

    publicados no jornal quanto ao controle governamental imposto por Getlio Vargas, como

    tambm tornariam o jornal cada vez mais controlado pela Conveno e lideranas das

    Assemblias de Deus. A obra de Silas Daniel que estuda a histria das convenes das

    Assemblias de Deus no Brasil transcreve os critrios:

    A Conveno aprovou as medidas de emergncia que a comisso da CasaPublicadora das Assemblias de Deus tomou, no sentido de integrar as publicaesperidicas na legislao vigente. Ainda no mesmo sentido, a Conveno aprovou asseguintes normas para o Mensageiro da Paz, o que, alis, vem sendo observadodesde h muito tempo:1) O alvo do Mensageiro deve ser glorificar a Deus, promover a evangelizao,instruo prtica e doutrinria, e unificar ainda mais as Assemblias de Deus; e fazerconhecidas as atualidades espirituais da Igreja Universal

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    de Literatura, foi formado pelos pastores Paulo Leivas Macalo245, Samuel Nystrn, Nils

    Kastberg e Ccero Canuto de Lima. A resoluo da Conveno Geral que inclui esta comisso

    determinava o seguinte:

    A Conveno Geral na Bahia houve por bem nomear uma comisso de literatura aqual fica incumbida de examinar e opinar os artigos a serem publicados noMensageiro da Paz. Assim sendo, dita comisso cabe decidir a publicao ou noda matria enviada Redao.246

    A Conveno afirmava que a criao de critrios e de uma comisso de literatura

    era impedir que algum texto viesse a infringir as leis de publicaes impostas pelo governo

    Vargas. possvel que esta tenha sido a principal preocupao da Conveno, no entanto,

    esta atitude impediu um jornalismo de autocrtica dentro da denominao e vaticinou o carter

    dogmtico do MP que passou a ter suas publicaes com o sotaque da liderana.

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    Estocolmo de que no Brasil igrejas da AD no tinham independncia, pois havia uma

    centralizao na tomada de decises e uma organizao eclesistica em nvel nacional.247A

    fala de Pethrus tornou a deciso de uma organizao eclesistica no modelo

    congregacionalista mais patente aos obreiros nacionais.

    Todos expuseram a sua perfeita aprovao sobre o pensamento bblico de igrejaslocais livres e independentes. certo que entre as quais deve haver colaboraoespiritual, mas sem seguir este modelo do qual os missionrios agora tinham sidoacusados de seguir, e at de praticar uma organizao em nvel nacional.248

    Mendona, referindo-se organizao eclesistica da AD, considera e reafirma o

    esprito congregacionalista:

    A teologia das Assemblias de Deus conversionista e nisto se iguala s Igrejas

    protestantes brasileiras em geral. Seu sistema de governo eclesistico est maisprximo do congregacionalismo dos batistas por causa das igrejas locais e dalimitao de poderes da Conveno Nacional. Todavia, a diviso em ministriosregionais semi-autnomos lembra um pouco o sistema presbiteriano. Mas, acima detudo, as Assemblias de Deus representam o pentecostalismo clssico.249

    A 1 AGO marcou a transio dos trabalhos dirigidos pelos missionrios para os

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    a iniciativa leiga na expanso da igreja, mas no no governo da mesma, produz as tenses

    tpicas do caudilhismo, como as cartas annimas contra os caciques, as acusaes de

    gerontocracia e os cismas250.

    Entretanto, este modelo caudilhista cada vez mais desafiado por alguns pastores

    jovens que so produtos, no apenas da escada de aprendizado prtico, mas da rota alternativa

    e solitria de uma formao teolgica em seminrio teolgico. Apesar disto, so poucos

    aqueles que conseguem obter espao para a contestao. A crise do modelo se revela mais

    nitidamente no cisma da Conveno de Madureira251e, nas cerca de 47 convenes estaduais

    e ministrios filiados (muitos Estados tm mais de uma conveno, devido a

    desentendimentos histricos). Ao que parece a Conveno Geral das Assemblias de Deus do

    Brasil (CGADB), no tem qualquer poder legal sobre essas convenes estaduais. O fato

    que os lderes ministeriais da AD detm enorme controle sobre as congregaes, o que

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    sua influncia teolgica nas primeiras cinco dcadas da denominao. Os norte-americanos

    exercem sua influncia teolgica no pentecostalismo brasileiro j h 50 anos.

    2.4.1 Influncia Escandinava

    Ao ler a histria da Assemblia de Deus brasileira percebe-se que da dcada de 10

    at os anos 40 os missionrios suecos eram soberanos na orientao doutrinria. A voz da

    teologia assembleiana estava nos artigos dos jornais Boa Semente, Som Alegre eMensageiro

    da Paz, e na srie Lies Bblicaspara as escolas bblicas dominicais. Embora a maioria dos

    artigos dos peridicos fosse de brasileiros, somente eram publicados aqueles que passavam

    pelo crivo teolgico dos missionrios escandinavos que eram os editores dos peridicos.

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    como o grande nome da teologia pentecostal no Brasil. Em muitos casos, questes

    doutrinrias eram dirimidas, at em reunies de Conveno Geral das ADs, depois de ser

    ouvido Nystrm. necessrio ressaltar que Nystrm foi eleito presidente da CGADB por

    nove vezes (1933, 1934, 1936, 1938, 1939, 1941, 1943, 1946 e 1948).254

    Numa busca nas edies do jornal Mensageiro da Paz do final dos anos 30 e

    incio dos 40, v-se que o nome de Nystrm era quase onipresente nas escolas bblicas de

    obreiros pelo pas. Estes estudos foram transformados em livro publicado pela CPAD: Jesus

    Cristo, nossa glria; a obra uma exposio sobre as doutrinas da redeno, santificao e

    justificao, e vendeu, somente na dcada de 30, cerca de 5 mil exemplares.255

    Destacam-se ainda do lado escandinavo os nomes dos missionrios Nels Nelson e

    Lars Erik Bergstn, este ltimo conhecido como Eurico Bergstn. Com o retorno de Samuel

    Nystrm para a Sucia, Nels Nelson e Eurico Bergstn passaram a ser presena constante nas

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    2.4.2 Influncia Norte-Americana

    A partir do final dos anos de 1930 comearam a aportar no Brasil missionrios da

    Assemblia de Deus dos EUA que aos poucos se notabilizaram na orientao teolgica dos

    primeiros obreiros brasileiros. Na verdade, a Misso Livre Sueca se opunha entrada das

    Assemblias de Deus norte-americanas no Brasil, tendo sugerido que os americanos

    trabalhassem na Argentina, Uruguai e em outros pases da Amrica do Sul. Na Conveno

    Geral das Assemblias de Deus, realizada na AD de Belm (PA), de 13 a 20 de junho de

    1936, foi lida para todos os presentes uma carta da misso pentecostal dos Estados Unidos

    propondo a discusso da vinda de missionrios americanos para o Brasil. A Conveno

    decidiu criar uma comisso para redigir uma resposta aos Estados Unidos. Essa comisso

    ficou composta pelos pastores Samuel Nystrm, Nils Kastberg, Jos Morais, A. A.

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    tornaram a referncia teolgica dos obreiros brasileiros. Alm das tradues, muitas obras

    foram escritas por estes missionrios. Entre os missionrios desta poca que merecem

    destaque, tanto na traduo de obras em ingls como na produo de livros teolgicos, o mais

    importante foi Orland Spencer Boyer, que alm de escrever livros inspirativos, fundou duas

    editoras independentes (Livros Evanglicos e Emprevam). Boyer publicou 131 obras em

    portugus, sendo 16 livros de sua autoria, entre os quais se destacam: Espada Cortante,

    Pequena Enciclopdia Bblica eHeris da F.263

    Alm das obras de Orlando Boyer merecem destaque Conhecendo as doutrinas da

    Bblia, de Myer Pearlman, e O plano divino atravs dos sculos(1956), de Lawrence Olson,

    sendo que cada uma vendeu mais de 100 mil exemplares. A primeira foi, durante muito

    tempo, a Teologia Sistemtica dos obreiros pentecostais brasileiros264, enquanto que a

    segunda obra popularizou o dispensacionalismo no Brasil.

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    dos anos 90, ao lado doMensageiro da Paze dasLies Bblicas,passaram a ser a referncia

    teolgica da AD brasileira.

    O passo mais significativo dos missionrios estadunidenses para a formao

    teolgica dos obreiros pentecostais brasileiros foi a criao de institutos bblicos. Inicialmente

    a idia de institutos bblicos no foi aceita pelos obreiros da AD brasileira, satisfeitos apenas

    com o modelo das escolas bblicas de curta durao, implantado pelos suecos e que at hoje

    fazem parte da tradio assembleiana no Brasil.266 A principal crtica que se fazia aos

    institutos bblicos a de que eram fbricas de pastores267.

    Mesmo sob severas crticas os missionrios insistiram com o projeto de

    estabelecer institutos bblicos no Brasil. Em 1959, com o apoio de seu tio, missionrio norte-

    americano J. P. Kolenda, o brasileiro Joo Kolenda Lemos, que havia estudado nos EUA, e

    sua esposa, a missionria norte-americana Ruth Drris Lemos, fundaram o Instituto Bblico

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    Mensageiro da Paz, nota-se que os suecos eram mais prticos, enquanto os norte-americanos

    eram mais sistemticos.

    Outro ponto a ser frisado que os missionrios escandinavos, por chegarem

    primeiro ao Brasil, gastaram mais tempo procurando estabelecer as bases teolgicas da igreja

    brasileira e reforando as doutrinas bblicas distintivas do pentecostalismo, muito atacadas

    pelas igrejas tradicionais nas primeiras dcadas. A maior parte dos textos doutrinrios dos

    primeiros 30 anos do Movimento Pentecostal brasileiro era de carter apologtico, em defesa

    das doutrinas pentecostais, com nfase especial sobre o Esprito Santo. Por isso, quando os

    missionrios estadunidenses vieram, corroboraram essas bases, mas, sobretudo, erigiram um

    edifcio sobre elas, aprofundando esses pontos doutrinrios e salientando outros menos

    abordados at ento.

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    Brasil, em 1911, o resultado do visionarismo dos missionrios suecos Daniel Berg e Gunnar

    Vingren e adeso emocionada de dezoito batistas por causa de uma cura e glossollia, ou seja,

    a fundao resultado de um cisma provocado devido a compreenso teolgica sobre o

    Esprito Santo e sua ao sobre os indivduos. justo que tal compreenso, at ento

    incomum no protestantismo brasileiro, fosse alvo de crticas.

    Numa tentativa de se defender de outras denominaes, e s vezes atac-las, a AD

    brasileira se obrigou, em seus mais de 90 anos de histria, a justificar sua compreenso sobre

    o Esprito Santo. O resultado foi a composio e traduo de vrios artigos, estudos bblicos

    nos peridicos e nas lies de Escola Dominical da AD e livros editados pela CPAD. Esta

    pesquisa resultado de uma varredura nos principais peridicos desde 1917 at 2007 273, nos

    estudos bblicos e nos livros editados pela CPAD, bem como outras fontes de pesquisam que

    contriburam para o estudo da teologia pentecostal no Brasil, destacando a compreenso que a

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    Gunnar Vingren ao editar o primeiro jornal oficialmente274 assembleiano, Boa

    Semente, estampa na primeira edio como artigo principal: Baptismo no Esprito

    Sancto275. Este artigo uma prola da doutrina pentecostal no Brasil, pois trata-se de um

    artigo assinado pelo prprio Vingren, onde ele explica o significado do Batismo no Esprito

    Santo e a evidncia das lnguas estranhas, sob a tica pentecostal. Vingren iniciou o artigo

    com as seguintes palavras:

    Tratando-se de assumpto to importante como este, certamente no devemos lanara menor ponderao que seja, sem primeiro abrir a Bblia Sagrada e ler algunsversculos que tm relao ntima e indivisa com a doutrina do baptismo no EspritoSanto.276

    A preocupao de Vingren no era pedaggica, mas apologtica. Em todo o artigo

    ele tem a preocupao de demonstrar o quanto era bblica a doutrina que os pentecostais

    enfatizavam.

    O jornalBoa Sementeem todas as suas edies, desde a fundao em 1919 at o

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    Esprito Sancto e ns no temos desculpa se o rejeitarmos. Se