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IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 PISTAS DE LEITURA EM SITES DE HUMOR: AVALIAÇÃO DAS LEITURAS QUE NÃO SE COMPLETAM Kátia CORTEZ (UEM) Vanessa Dos SANTOS (UEM) Tânia Braga GUIMARÃES (Orientadora) (UEM) Introdução Atualmente, a internet tem se tornado cada vez mais presente no cotidiano das pessoas, possibilitando inúmeras atividades, tanto profissionais quanto pessoais. Uma delas é a leitura, foco do presente artigo. De acordo com Santaella (2007), as redes virtuais cresceram exponencialmente nos últimos anos, fazendo surgir um universo paralelo ao universo físico onde vivemos, e tornando a internet essencial para as pessoas. Para compreender melhor esse outro universo, que a autora denomina como ciberespaço, é preciso explanar seu funcionamento. Afinal, o que é ciberespaço? Como ele funciona? Segundo Santaella (2007), o funcionamento da internet depende: (...) não apenas do papel capital desempenhado pela informática e pelos computadores, mas da comunicação que se institui entre eles por meio da conexão em rede. As duas forças principais da informática, capacidade de armazenamento e processamento da informação, multiplicam-se imensamente na medida em que as máquinas podem se beneficiar umas das outras. (2007, p. 38) Ou seja, quanto mais computadores estiverem interligados em uma rede, melhor será o funcionamento da internet. Uma vez que informações estarão sendo incluídas, transmitidas e armazenadas em vários computadores ao mesmo tempo. Ainda de acordo com Santaella (2007), o ciberespaço consiste em uma realidade multidirecional, artificial ou virtual incorporada a uma rede global, sustentada por computadores que funcionam como meios de geração de acesso e deve ser concebido como coerente, independente do modo como o usuário tem acesso e navega nele. O usuário pode ter acesso a esse universo de várias formas:

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IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares

05, 06 e 07 de junho de 2013

ISSN: 1981-8211

PISTAS DE LEITURA EM SITES DE HUMOR: AVALIAÇÃO DAS LEITURAS QUE NÃO

SE COMPLETAM

Kátia CORTEZ (UEM)

Vanessa Dos SANTOS (UEM)

Tânia Braga GUIMARÃES (Orientadora) (UEM)

Introdução

Atualmente, a internet tem se tornado cada vez mais presente no cotidiano das pessoas,

possibilitando inúmeras atividades, tanto profissionais quanto pessoais. Uma delas é a leitura, foco

do presente artigo. De acordo com Santaella (2007), as redes virtuais cresceram exponencialmente

nos últimos anos, fazendo surgir um universo paralelo ao universo físico onde vivemos, e tornando a

internet essencial para as pessoas. Para compreender melhor esse outro universo, que a autora

denomina como ciberespaço, é preciso explanar seu funcionamento. Afinal, o que é ciberespaço?

Como ele funciona?

Segundo Santaella (2007), o funcionamento da internet depende:

(...) não apenas do papel capital desempenhado pela informática e

pelos computadores, mas da comunicação que se institui entre eles

por meio da conexão em rede. As duas forças principais da

informática, capacidade de armazenamento e processamento da

informação, multiplicam-se imensamente na medida em que as

máquinas podem se beneficiar umas das outras. (2007, p. 38)

Ou seja, quanto mais computadores estiverem interligados em uma rede, melhor será o

funcionamento da internet. Uma vez que informações estarão sendo incluídas, transmitidas e

armazenadas em vários computadores ao mesmo tempo.

Ainda de acordo com Santaella (2007), o ciberespaço consiste em uma realidade

multidirecional, artificial ou virtual incorporada a uma rede global, sustentada por computadores que

funcionam como meios de geração de acesso e deve ser concebido como coerente, independente do

modo como o usuário tem acesso e navega nele.

O usuário pode ter acesso a esse universo de várias formas:

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(...) pelas animações sensíveis de imagens no monitor do vídeo controlado

pelo mouse, passando pela tecnologia da realidade virtual, que visa recriar o

sensório humano tão plenamente quanto possível, até os eletrodos neurais

diretos. (SANTAELLA, 2007, p. 41).

Em vista da importância do ciberespaço, as questões de leitura no ambiente virtual,

envolvendo principalmente o entendimento por parte do leitor, são o foco deste artigo, que pode

servir posteriormente como ferramenta no auxílio de navegação para alunos, professores,

comunidade escolar e sociedade, aprimorando assim, suas habilidades de leitura no ambiente virtual.

1. Leitura

1.1 Leitura, compreensão e objetivos

De acordo com Solé (1998), a leitura é um processo de interação entre o leitor e o texto; esse

processo tem como objetivo extrair uma informação que seja relevante ou de interesse ao leitor, isto

é, ele sempre terá um motivo para realizar determinada leitura. Diante disso, “é possível que dois

leitores com finalidades diferentes extraiam informações distintas do mesmo [texto]” (SOLÉ, 1998,

p. 22).

Mas como ocorre o processo de leitura? Nas palavras de Solé:

Quando o leitor se situa perante o texto, os elementos que o compõe geram

nele expectativas em diferentes níveis (o das letras, das palavras...), de

maneira que a informação que se processa em cada um deles funciona como

input para o nível seguinte; assim, através de um processo ascendente, a

informação se propaga para níveis mais elevados. Mas simultaneamente,

visto que o texto também gera expectativas no campo semântico, tais

expectativas guiam a leitura e buscam sua verificação em indicadores de

nível inferior (léxico, sintático, grafo-tônico) através de um processo

descendente. (1998, p. 24)

A autora ainda aponta que o significado que o texto tem para determinado leitor não condiz

com aquele que o autor quis lhe dar, uma vez que tal significado depende dos conhecimentos

prévios do leitor e de seus objetivos no momento da leitura. Para ela “nesta compreensão intervêm

tanto o texto, sua forma e conteúdo, como o leitor, suas expectativas e conhecimentos prévios”

(SOLÉ, 1998, p. 23).

A respeito dos conhecimentos prévios, Kleiman (1997) afirma:

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A compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela utilização

de conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o

conhecimento adquirido ao longo de sua vida. É mediante a interação de

diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento linguístico, o textual,

o conhecimento de mundo, que o leitor consegue construir o sentido do texto.

(1997, p. 13)

Para a autora, o conhecimento linguístico engloba o saber que um falante tem de sua língua,

isto é, o vocabulário, pronúncia, regras de construção sintática etc. Já o conhecimento textual está

relacionado às várias estruturas por meio das quais um texto pode se apresentar; quanto maior a

variedade de textos à qual o leitor está exposto, melhor é sua compreensão, uma vez que a estrutura

textual determina em grande parte suas expectativas com relação à leitura.

Por fim, o conhecimento de mundo (ou conhecimento enciclopédico), que pode ser adquirido

tanto formal quanto informalmente, engloba as informações às quais o leitor está exposto durante

toda a sua vida e é adquirido por meio de suas experiências e convívio em sociedade.

No que toca ao autor, Kleiman (1997) o define como o detentor da palavra, sendo claro,

objetivo e relevante; deixando pistas que leve o leitor a percorrer o mesmo trajeto realizado por ele.

Assim, o leitor deve acreditar na relevância da mensagem transmitida e, em caso de obscuridades,

buscar auxílio em seus conhecimentos prévios. Uma vez que:

Na interação face a face, elementos do contexto ajudam a compreensão (...).

Por outro lado, a interação via texto é descontextualizada: (...) não há o

confronto que permita esclarecimento, nem a simultaneidade dos processos

de compreensão e produção que permita reajustes constantes do autor, como

o falante faz em relação a seu ouvinte. (KLEIMAN, 1997, p. 66)

Diante disso, para que a compreensão adequada de um texto se realize, é necessário que

conhecimento prévio do leitor a cerca do texto a ser lido esteja ativado, ou seja, seus conhecimentos

linguísticos, textuais e enciclopédicos devem estar em funcionamento no momento da leitura.

Outro fator importante, abordado pela a autora, para a compreensão de textos é a delimitação

de objetivos, pois já é comprovado que nossa memória melhora exponencialmente quando nos é

dado um objetivo para determinada tarefa. Nas palavras de Kleiman: “Na leitura de textos mais

previsíveis, de não ficção, a leitura com objetivos bem definidos permitirá lembrar mais e melhor

aquilo lido” (1997, p. 34).

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Ainda sobre a importância dos objetivos, a estudiosa aponta que quando o leitor tem um

objetivo, ele acaba por criar hipóteses tanto sobre o conteúdo quanto sobre a estrutura do texto, antes e

durante o processo de leitura, quase ao mesmo tempo em que vai testando essas hipóteses, com intuito de

verificar sua veracidade. Diante disso, ele pode manter as hipóteses anteriores ou substituí-las por outras mais

plausíveis durante o processamento do texto.

Solé (1998) também considera o estabelecimento de objetivos como uma tarefa crucial para

a compreensão de um texto, pois determina tanto as outras estratégias utilizadas no processo quanto

o controle que, inconscientemente, vamos tendo sobre o que compreendemos.

Com esses apontamentos, delimitamos, portanto, como ocorre o processo de leitura e

algumas das estratégias utilizadas nesse processo.

1.2 Leitura nos documentos oficiais

Após identificar o conceito de leitura para Kleiman (1997) e para Solé (1998), partimos para

a verificação da abordagem dada a esse tema nos documentos oficiais, a saber, as Diretrizes

Curriculares da Educação Básica e os Parâmetros Curriculares Nacionais (Terceiro e Quarto Ciclos

do Ensino Fundamental).

Nas Diretrizes (PARANÁ, 2008), verifica-se que o conceito de leitura é bem parecido com o

utilizado por Kleiman (1997) e Solé (1998), ou seja, entende-se a leitura como um ato dialógico

entre o leitor e o texto, sendo que nesse processo interveem as experiências do leitor e seus

conhecimentos prévios (PARANÁ, 2008).

É interessante ressaltar que nas Diretrizes Curriculares da Educação Básica (2008) o conceito de

leitura se estende para além do texto verbal (tanto oral quanto escrito), isto é, a leitura de imagens (fotos,

cartazes, propagandas, imagens digitais e virtuais, entre outros) também é considerada e recomendada como

prática em sala de aula.

Da mesma forma, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), percebe-se que a leitura é

definida de forma semelhante ao que já foi exposto neste artigo:

A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de

compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu

conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a

linguagem etc. (...). Trata-se de uma atividade que implica estratégias de

seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível

proficiência. É o uso desses procedimentos que possibilita controlar o que vai

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sendo lido, permitindo tomar decisões diante de dificuldades de

compreensão, avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto

suposições feitas. (1998, p. 69-70)

Ainda em se tratando de leitura nos PCNs, notamos que é aconselhado aos professores que

eles contribuam com a o desenvolvimento de determinadas habilidades nos alunos, tais como:

explicitação de expectativas quanto à estrutura e ao conteúdo dos textos, seleção de estratégias de

leitura de acordo com os diferentes objetivos do leitor, formulação de hipóteses antes e durante o

processo de leitura, articulação de conhecimentos prévios e informações textuais com o intuito de

sanar possíveis ambiguidades no texto.

Partindo, agora, para uma questão mais especifica e relevante para o trabalho aqui

desenvolvido, verificamos também como os PCNs abordam o tema “ciberespaço” (ou internet).

Nota-se que tal assunto quase não é mencionado no documento, e quando é, o foco está mais na

escrita nesse ambiente do que na leitura. Vejamos o que é explicitado a respeito:

Um outro aspecto interessante é a possibilidade de, estando conectado com

alguma rede, poder destinar os textos produzidos a leitores reais, ou interagir

com outros colegas, também via rede, ampliando as possibilidades de

interlocução por meio da escrita e permitindo acesso on line ao conhecimento

enciclopédico acumulado pela humanidade. (BRASIL, 1998, p. 90)

Ou seja, o ambiente virtual é abordado apenas em relação à possibilidade de troca de

informações a respeito de textos produzidos pelos alunos e à oportunidade de adquirir

conhecimentos universais disponíveis na rede. Entretanto, não á apontada nenhuma diferença entre o

navegar no ciberespaço e a pesquisa em uma biblioteca, por exemplo.

Assim, parece-nos importante ressaltar as dificuldades encontradas pelos professores em sala

de aula para lidar com o ensino nesse ambiente virtual, visto que nos Parâmetros Curriculares

Nacionais encontram pouco ou nenhum suporte em relação às estratégias de leitura e navegação

nesse outro universo.

Já as Diretrizes Curriculares da Educação Básica (PARANÁ, 2008) dedicam um espaço

maior ao tema “ciberespaço”, abordando a importância da leitura nesse ambiente:

Não se pode excluir, ainda, a leitura da esfera digital, que também é diferente se

comparada a outros gêneros e suportes. Os processos cognitivos e o modo de ler

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nessa esfera também mudam. O hipertexto – texto no suporte digital/computador –

representa uma oportunidade para ampliar a prática de leitura. Através do hipertexto

inaugura-se uma nova maneira de ler. No ambiente digital, o tempo, o ritmo e a

velocidade de leitura mudam. Além dos hiperlinks, no hipertexto há movimento,

som, diálogo com outras linguagens. (2008, p. 74)

Em outras palavras, as Diretrizes apontam a leitura na esfera digital como uma leitura

diferenciada e tão importante quanto a tradicional. O modo com que o texto é apresentado nesse

ambiente permite que o leitor leia de outra forma, em outra velocidade e interagindo com outros

tipos de linguagens, como o som, a imagem etc.

Encontramos nas Diretrizes também um breve comentário a cerca do comportamento

esperado do leitor no ciberespaço: ele deve ser dinâmico, condizente com a dinamicidade do

ambiente, e deve saber escolher quantitativa e qualitativamente as informações desejadas, uma vez

que é o responsável por escolher o trajeto a ser seguido no momento da leitura, além de possui a

liberdade de delimitar quando se iniciará, ou terminará sua leitura, por meio dos hiperlinks

disponíveis no ambiente virtual.

Portanto, embora as Diretrizes apresentem de forma mais elaborada a leitura no ciberespaço,

ainda não percebemos uma orientação mais palpável para o professor no que concerne ao trabalho

em sala de aula.

1.3 Leitura e leitores no ciberespaço

Para iniciar esta seção, é relevante explicitarmos como se realiza a navegação no

ciberespaço, pois a forma de “manusear” esse suporte influenciará na leitura realizada nele.

Santaella (2007) afirma que a navegação se fundamenta em dois processos principais: a

compreensão do estado das coisas e a busca para se chegar a um alvo. Nesse sentido ela compara a

navegação com o procedimento utilizado para a resolução de problemas. Ou seja, tem-se o

ambiente, o ciberespaço, e nele pretende-se realizar alguma atividade. Para isso é necessário saber

como alcançar esse objetivo.

A autora aponta que embora os programas procurem criar interfaces intuitivas, nas quais o

usuário naturalmente sabe como e para onde ir, os primeiros contatos com o ciberespaço não são

fáceis, já que a capacidade de navegar não é semelhante à de ler ou escrever, para aquela é

necessário outro tipo de alfabetização, a qual não é contemplada pela escola.

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Apresentada, então, como é a navegação nesse novo ambiente, trataremos agora dos tipos de

leitores e usuários definidos por Santaella (2007).

1.3.1 Tipo de leitores: contemplativo, movente e imersivo

De acordo com Santaella (2007), o leitor meditativo, ou contemplativo, é aquele da era pré-

industrial (mas que existe até hoje), da era do livro impresso e da imagem estática. Esse tipo de

leitor realiza uma leitura individual, solitária, privada e, normalmente, silenciosa.

Esse tipo de leitura nasce da relação íntima entre o leitor e o livro, leitura do

manuseio, da intimidade, em retiro voluntário (...). É uma atividade de

leitores sentados e imóveis em abandono, desprendidos das circunstâncias

externas. (SANTAELLA, 2007, p. 23)

Dessa, forma, o leitor contemplativo é aquele que não se preocupa com as urgências do

mundo externo, que pode ler ao seu tempo, voltando às páginas quando necessário, lendo, relendo,

refletindo. Esse tipo de leitor “tem diante de si objetos e signos duráveis, imóveis, localizáveis,

manuseáveis: livros, pinturas, gravuras, mapas, partituras” (SANTAELLA, 2007, p. 24)

Já o segundo leitor, chamado de movente ou fragmentado, é caracterizado pela autora como

um leitor do mundo em movimento, dinâmico, rodeado de signos de todos os tipos. Esse leitor, que

surgiu após a Revolução Industrial é o homem na multidão. Por esse motivo, teve que se acostumar

às distrações do mundo agitado no qual está inserido. Nas palavras de Santaella:

É o leitor que foi se ajustando a novos ritmos da atenção, ritmos que passam

com igual velocidade de um estado fixo para um móvel. É o leitor treinado

nas distrações fugazes e sensações evanescentes cuja percepção se tornou

uma atividade instável, de intensidades desiguais. É, enfim o leitor apressado

de linguagens efêmeras, híbridas, misturadas. (Santaella, 2007, p. 29)

O terceiro e último tipo de leitor definido pela estudiosa é o leitor imersivo, ou virtual, que se

caracteriza por estar “imerso” no ciberespaço, transitando pelas redes e navegando nesse outro

universo. O leitor imersivo se destaca dentre os outros dois tipos citados, entre outros motivos, por

se mostrar mais livre, uma vez que pode escolher por que meios realizará sua leitura e pode fazer

ligações com outras leituras no mesmo momento em que processa determinado texto.

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É interessante expor que a autora ressalta o fato de o leitor da tela guardar certos traços

semelhantes aos do leitor da Antiguidade, pois como nos antigos papiros, o texto corre verticalmente

na tela. Além disso, o leitor imersivo também não se desvincula totalmente do leitor de livros

impressos, já que pode utilizar referências como a paginação e o índice. Entretanto,

(...) as semelhanças não podem nos levar a menosprezar o fato de que se trata

de um modo inteiramente novo de ler, (...) [pois o] leitor (...) navega numa

tela, programando leituras. [É um] leitor em estado de prontidão, conectando-

se entre nós e nexos, num roteiro multilinear, mutissequencial e labiríntico

que ele próprio ajudou a construir. (SANTAELLA, 2007, p. 33)

Diante disso, nota-se a importância de se estudar esse novo tipo de leitor (imersivo), pois

ainda não existem muitos trabalhos abordando suas características e não é preciso se esforçar muito

para perceber como ele é importante para a sociedade atual e que a tendência é que ele vá se

tornando cada vez mais presente em nosso cotidiano.

1.3.2 Tipos de usuários: novato, leigo e experto

Santaella (2007) classifica os usuários do ciberespaço em três tipos: novatos, leigos e

expertos, e os relaciona com três tipos de navegação: errante, detetivesca e previdente.

O usuário novato é aquele que navega de forma aleatória, sem compreender como o

ambiente virtual funciona. Por esse motivo, sua navegação é errante; o usuário “vai clicando meio

sem rumo em um campo de possibilidades abertas. Sua experiência e típica de um explorador. Sem

começo, meio e fim claramente definidos, a navegação é uma aventura” (SANTAELLA, 2007, p.

102).

Em seus estudos, a autora identificou alguns traços característicos dos usuários novatos, tais

como: desorientação diante da tela, ansiedade e insegurança nas operações de navegação e certa

impaciência quanto esforços dedicados à compreensão do processo de navegação.

Em relação ao segundo tipo de usuário, o leigo, Sataella (2007) afirma:

Este usuário é aquele que já tem um conhecimento específico de algumas

rotas e que vai se virando para encontrar outras. É aquele que examina a

situação a cada passo e já sabe eliminar alternativas falsas e escolher as

corretas. (...) Percebe-se, nesse usuário, a capacidade de examinar o lugar

mais provável para clicar, avançando por tentativa e erro. (2007, p. 65)

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A autora relaciona esse tipo de usuário com o tipo de navegação detetivesca, pois, de acordo

com a estudiosa, uma das principais características de um detetive é foco mantido na busca por algo.

Nesse sentido, o internauta detetive está sempre à procura de um sentido, fazendo experimentações

com base na coerência do universo virtual. Seu método de busca vai se constituindo durante a

navegação por meio do estado de alerta incorporado pelo usuário em direção às pistas que durante o

processo vão surgindo no hipertexto.

Por fim o último tipo de usuário definido por Santaella (2007) é o experto. O que o difere

dos outros dois usuários, é que ele tem conhecimento do funcionamento do ciberespaço como um

todo, e, por esse motivo, consegue executar suas atividades com destreza e rapidez. Ele consegue

alcançar o que procura porque compreende os caminhos disponíveis para esse fim. Sobre isso, a

autora aponta:

Assim, o usuário experto pode ser definido como aquele que possui

estratégias globais afinadas e precisas, mas também, e, sobretudo, como

aquele que detém o conhecimento do conjunto, o que lhe permite tomar

prontas decisões em pontos em que escolhas devem ser feitas.

(SANTAELLA, 2007, p. 68)

Dessa forma, o usuário experto não apresenta dificuldades de navegação, cumprindo

satisfatoriamente todas as demandas às quais se propõe.

Seguindo com os estudos de Santaella (2007), ela caracteriza a navegação desse terceiro

usuário como sendo previdente, pois “o disparo mental de um esquema navegacional ocorre antes

mesmo que a situação, que se apresenta na tela, tenha sido inteiramente varrida pela percepção”

(SANTAELLA, 2007, p. 119). Isto é, a navegação previdente ocorre de forma automatizada, não é

necessário estar em contínuo estado de alerta, pois o usuário experto já possui uma memória de

longa duração a cerca dos processos desempenhados nesse ambiente, devido à prática adquirida com

a frequência de utilização do ciberespaço. Entretanto, a autora faz uma ressalva:

[Isso] não pode nos levar a pensar que o internauta previdente deixe por

completo de realizar procedimentos de busca. Estes se fazem necessários

quando o previdente se defronta com uma situação fora da rotina.

(SANTAELLA, 2007, p. 120)

Diante das caracterizações realizadas no que concerne aos tipos de usuários do ciberespaço,

podemos perceber que eles se constituem na medida em que frequentam esse ambiente, ou seja, os

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usuários vão passando por estágios (fases) até chegar a um nível mais alto de intimidade com a

internet (usuário experto), por isso é importante que haja um direcionamento no momento da

aquisição desse novo tipo de alfabetização, com o intuito que essa “evolução” aconteça de forma

mais rápida e produtiva.

2. Análise

Como corpus da análise, utilizamos a notícia Facebook permitirá que o namorado tenha

acesso à conta da namorada e vice-versa, que foi publicada pelo site de humor G17 em Agosto de

2012.

Considerando o que foi dito anteriormente e tendo como objetivo identificar as pistas de

leitura da noticia selecionada, procedemos a fim de verificar se as teorias antes expostas cumprem,

também, a demanda da leitura na internet, uma vez que, com o surgimento desse suporte, novas

formas de leitura passaram a existir e, consequentemente, a exigir habilidades novas.

Se fizermos uma retrospectiva acerca da leitura tendo em mente a questão da veracidade do

texto, perceberemos que essa é uma problemática inédita, já que há tempos não precisaríamos nos

perguntar se ele era falso ou não. Obviamente nos questionávamos acerca da imparcialidade, das

intenções por trás de um escrito, mas só agora somos bombardeados com uma quantidade

exorbitante de informações e notícias que podem ser ou não verdadeiras.

Tendo isso claro, partimos para a análise. Esta é a manchete da notícia selecionada:

Figura 1 – Manchete da notícia do site G17.

Em relação à manchete e à sua estrutura, percebemos que o título é semelhante aos de sites

de notícia, pois destaca a informação principal do texto que será apresentado. Dessa forma, não há

nada, além do próprio conteúdo, que nos alerte em um primeiro momento. Já em relação à imagem

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posicionada abaixo, junto com a frase “Recurso chamado de transparência no relacionamento evitará

traições virtuais”, notamos que a disposição das informações também se assemelha com a forma

utilizada por sites jornalísticos.

Já no corpo da notícia falsa, temos:

Figura 2 – Corpo da notícia do site G17.

Após a leitura, nota-se que mais uma vez a estrutura usada por sites de notícias se repete, o

texto segue as regras gramaticais, não comete nenhum equívoco em relação à ortografia - exceto

pelo erro de digitação na quinta linha do texto (ao invés de conta, temos contra) - e, ainda, utiliza-se

de terminologia típica do ciberespaço, como internauta.

Já acerca do layout, vejamos:

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Figura 3 – Layout do topo da página da notícia do site G17

O layout lembra o site G1 (da Globo), pois são utilizadas as mesmas cores e basicamente a

mesma estrutura em relação a disposição dos links na página. Um internauta desatento e que não

frequenta constantemente o G1 poderia facilmente confundir os dois sites, não levando em

consideração as diferenças míninas.

2. 1 Pistas que indicam a não veracidade das notícias veiculadas no site

Após apontarmos os itens que levariam o leitor a acreditar que a notícia é verdadeira,

trataremos agora das pistas de leitura que o site apresenta para indicar que suas notícias são falsas e

visam entretenimento e humor. Abaixo a Figura 4:

Figura 4 – Layout do final da página na notícia do site G17.

Após rolar a página até o fim, passando pelos comentários dos leitores e por um trecho em

branco, temos um aviso destacado em vermelho na figura acima, o que suficiente para os leitores

verificarem as intenções do site, porém muitos não chegam a rolar a página até o fim.

Outra pista de leitura, que depende do empenho do leitor em encontrá-la, está localizada logo

abaixo do aviso que tratamos anteriormente, o link tem o título de Sobre o G17 e está ao lado dos

links Anuncie, Entre em Contato e G17 no seu Site/Blog.

Ao clicar em Sobre o G17, o leitor é redirecionado a uma página com os seguintes dizeres:

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G17 é um jornal de humor que faz sátira dos acontecimentos do dia-dia,

publicando notícias fantasiosas, fictícias, humorísticas e também, às vezes,

irônicas.

As notícias publicadas neste site não devem ser levadas a sério, pois são

elaboradas para entreter o leitor ao invés de informar. Não use o G17 como

fonte de informação. (G17)

Além disso, temos, na página inicial do site, o slogan: “UM PORTAL DE HUMOR,

SÁTIRA E ENTRETENIMENTO!”, que funciona também como aviso; e para ser visualizado, basta

clicar no link “Página Inicial” que está posicionado logo acima da manchete da notícia.

Em relação ao usuário e às habilidades necessárias para que ele possa encontrar esses links, a

teórica Santaella (2007) apresenta a definição de três tipos de usuário mencionados anteriormente: o

novato, o leigo e o experto.

Levando em consideração o estudo da autora, podemos afirmar que o leitor que fica em

dúvida quanto ao sentido da notícia e não consegue efetuar sua verificação, está diretamente ligado

ao usuário novato ou leigo, pois estes não têm conhecimento suficiente a respeito do funcionamento

do ciberespaço para explorar o site em sua totalidade, buscando pistas que comprovem a

confiabilidade do site como um portal de notícias.

Assim, é possível afirmar, também, que aquele cujas dúvidas foram sanadas por meio das

pistas, é um usuário experto. Dessa forma, todas elas serviriam de apoio para que o leitor pudesse

sanar suas dúvidas de forma definitiva em relação à veracidade da notícia, porém a suspeita só

permaneceria caso ele desconfiasse do sentido do texto. Saímos agora do aspecto visual, de layout e

de domínio da internet e passamos para o conteúdo do que está internet.

Relacionando o tema da notícia com as teorias já apresentadas, pressupõe-se que um leitor

autônomo, crítico e ativo perante o texto – como mostrado por Solé (1998) e Kleiman (1997); e

previsto pelo PCN’s (1998) e Diretrizes (2008) – questionaria de início o fato de o Facebook lançar

um recurso tão polêmico e controverso como este.

A dúvida seria fomentada pelo conhecimento prévio do leitor, mesmo que este tivesse como

objetivo de leitura extrair uma informação verdadeira do texto. As expectativas seriam postas em

cheque logo na manchete, e se quebrariam totalmente ao final do texto, uma vez que a explicação do

fato confirmaria que a notícia é falsa.

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05, 06 e 07 de junho de 2013

ISSN: 1981-8211

2.2 Repercussão

Em relação às reações dos internautas, vários postaram comentários engraçados, dizendo que

o site era de humor, outros não deixavam claro se sabiam que a notícia era falsa e, ainda, tivemos

aqueles acreditaram e postaram comentários indignados a respeito. Como demonstrado abaixo:

Figura 5 – Comentários feitos na notícia.

Percebemos pela figura que os dois primeiros comentários não deixam claro o conhecimento

acerca da não veracidade da notícia, pois eles apenas apresentam opinião em relação ao tema, já os

dois últimos claramente acreditaram, pois repudiam a ação do site, o que não aconteceria caso eles

soubessem que a notícia é falsa. Já na Figura 6, vemos algo interessante:

Figura 6 – Comentários feitos na notícia.

Foram vários os comentários como o primeiro da imagem, muitas pessoas disseram que o

site era de humor, por vezes usando caps lock (letras maiúsculas), e mesmo assim poucos foram os

que se atentaram para isso. Ignorando outra pista, que é a opinião de outras pessoas.

Portanto, analisando os comentários feitos a respeito da notícia, percebemos que muitos

usuários não foram capazes de realizar as estratégias de verificação da veracidade da notícia,

apontadas durante a presente análise.

IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares

05, 06 e 07 de junho de 2013

ISSN: 1981-8211

Considerações Finais

Com base nas teorias apontadas e na análise realizada, notamos que muitos leitores do site

não conseguiram identificar a não veracidade da notícia selecionada, o que se constitui em um

empecilho para a completa compreensão do texto nesse novo suporte: o ciberespaço. Assim,

percebemos a importância de se explorar esse tema e trabalhar com o novo tipo de leitor, o imersivo,

visto que a tendência é o aumento da utilização da internet para a maioria das atividades cotidianas,

inclusive a leitura.

Dessa forma, é importante que os usuários sejam capazes de compreender o que lêem nesse

ambiente, levando em consideração estratégias de leitura (conhecimento prévio, objetivos,

delimitação de hipóteses etc. (KLEIMAN, 1997 e SOLÉ, 1998)) e o suporte, pois a leitura no

ambiente virtual ocorre de forma diferenciada, como é discutido por Santaella (2007).

Por fim, considerando o que é previsto nos PCN’s (1998) e nas Diretrizes (2008),

concluímos que mais do que nunca é necessário uma atenção maior no que toca o processo de

ensino-aprendizagem quando tratamos do ciberespaço, pois os professores não estão recebendo a

formação necessária para orientar esse tipo de leitura, uma vez que eles mesmos estão sujeitos a se

equivocarem quando deparados a notícias semelhantes à analisada.

Referências Bibliográficas

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e

quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa/ Secretaria de Educação

Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.

PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação Básica:

Língua Portuguesa. Curitiba, 2008.

KLEIMAN, A. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. 5ª edição. Campinas, SP: Pontes.

1997.

G17. Um jornal de humor sem compromisso com a verdade. Disponível em:

http://www.g17.com.br/ Acesso em: 17/03/2013.

SANTAELLA, L. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo:

Paulus. 2007.

SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. 6.ed. Porto Alegre: ArtMed, 1998.