piquenique extraterrestre

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Tradução livre para português da mais famosa obra dos irmãos Arkadi e Boris Strugatsky. Publicado originalmente na URSS na década de 70, e considerado uma das mais famosas obras de ficção científica da literatura soviética.Inspirou o filme Stalker de Andrei Tarkovski e a série de videogames S.T.A.L.K.E.R.

TRANSCRIPT

  • INTRODUO

    Esta traduo fruto do trabalho de um f da srie S.T.A.L.K.E.R., que em seu desejo sese aprofundar em tal universo acabou por descobrir o livro dos irmos Strugatsky. Infelizmente tal obra, embora tenha sido exportada para mais de 20 pases, no possua uma traduo oficial para o idioma portugus.

    Assim, eu me propus o desafio de fazer a traduo eu mesmo, e dediquei parte de meutempo livre entre o final de 2012 e inicio de 2015 a realizar tal empenho que resultou neste atual arquivo. Vale ressaltar que no se trata de uma traduo profissional e muito menos oficial da obra, ressaltando que os direitos autorais pertencem exclusivamente a Bors Strugatski (o nico dos irmos vivo atualmente). Ressaltando novamente que isto um trabalho de f, realizado sem intuito financeiro, feita apenas e justamente por no existir (ao menos de meu conhecimento) uma traduo oficial publicada no Brasil, e destinado a outras pessoas tambm fs da obra que buscam umaverso dela em portugus.

    Sobre a traduo em si, creio que vale ressaltar que est em portugus brasileiro, por ser meu idioma materno e foi baseada (na medida que meus conhecimentos me permitiram) no escrito original em russo feito pelos prprios irmos Strugatsky (ou melhor: ) em 1971, em sua traduo em ingls realizada por Antonina W. Bouis em 1977 pela editora MacMillan Publishing Co; e tambm na traduo para o espanhol realizada por Edith Zilli em 1978 pela EMECE Distribuidora S.A.C.I.

    Porm, como j tido anteriormente, no se trata de um trabalho profissional ou uma traduo oficial, assim houveram pontos cujos meus conhecimentos nos idiomas no tenham me permitido uma traduo concisa, alm do mais, como f da srie de jogos, optei propositalmente por alterar alguns termos com a finalidade de criar uma maior ligao entre as duas obras, alm de gerar tambm alguns sincronismos no textos que, ao menos a meu ver, tornariam a histria mais compreensvel a leitores modernos. Tal atitude tambm me levou a uma extensa lista de notas de rodap, que podero ser vistas no corpo do texto. Mas busquei manter-me o mais fiel possvel a obra original, mantendo-a no formado original, de quatro histrias independentes, em torno dos mesmos personagens, que se completam em diversos pontos; mantendo tambm a confusa forma da primeira parte ser escrita em primeira pessoa e as demais em terceira (caracterstica que, sinceramente confesso, planejei alterar por mais de uma vez).

    Finalizando, novamente reintegro que se trata de um trabalho de f feito para outros fs, caso desejem contribuir com melhorias para a traduo, ou mesmo para a concesso do texto deixo livre para entrarem em contato atravs de meu e-mail.

    Espero que esta traduo seja de alguma valia e possa servir ao menos de entretenimento para qualquer que por ventura venha a se dispor a l-la.

    Dinho [email protected]

    Salto, 28 de junho de 2015

  • preciso tirar o bem do que mal;Pois isto tudo o que se pode fazer.

    Robert Penn Worren

    Parte da entrevista realizada pelo enviado especial da rdio Harmont com o Dr. Valentine Pilman,ganhador do Nobel de Fsica.

    - Pelo que sei, Dr. Pilman, seu primeiro descobrimento de importncia foi o que foi batizado comoFoco Irradiador de Pilman.

    - Eu acho que no. O Foco Irradiador de Pilman no foi o primeiro, e nem foi importante; nemsequer foi um descobrimento. E to pouco foi uma descoberta minha.

    - Deve estar brincando, doutor. O Foco Irradiador de Pilman um conceito muito conhecido, atmesmo entre os que esto iniciando os estudos agora.

    - E isto no surpresa. Segundo minhas fontes, o Foco Irradiador de Pilman foi descoberto porum estudante, que, infelizmente, agora, no me lembro seu nome. Mas basta buscar em A Histriadas Visitaes, de Stetson; ali tem todos os detalhes. Ele conta que o foco irradiador foi descobertopor um estudante universitrio, que foi quem primeiro publicou as coordenadas, mas, por algummotivo, que no conheo, lhe deram meu nome.

    - Bem, com qualquer descobrimento acontecem coisas surpreendentes. O doutor se incomodaria emexplicar para nossos ouvintes o que de fato seria este foco irradiador?

    - O Foco Irradiador de Pilman uma das coisas mais simples que existe. Suponhamos fazer umgrande globo girar e ento lhe disparamos com uma arma. Os buracos destes tiros no globo semostraro com uma suave curva. A base do que voc chamou de meu primeiro e mais importantedescobrimento consiste no simples fato de que as Seis Zonas de Visitao esto dispostas nasuperfcie do planeta como se algum tivesse disparado seis tiros contra a Terra com uma armadisposta em algum ponto da linha Terra-Deneb. Deneb a estrela alfa da constelao de Cisne.Assim, o ponto do espao de onde proveriam estes disparos chamado Foco Irradiador dePilman.

    - Muito obrigado, doutor. Amigos harmonitas, est ai, finalmente recebemos uma explicao clarado que seria o Foco Irradiador de Pilman. A propsito, antes de ontem se cumpriram trinta anos daVisitao. Dr Pilman, gostaria de dizer algumas palavras sobre o evento aos cidados de nossacidade?

    - H algum tema especfico que lhe interesse? Devo lembrar que no estava em Harmont na pocado ocorrido.

    - Por isso que ser ainda mais interessante o que o senhor sentiu ao saber que sua cidade natal era ocentro de uma investigao de seres de uma civilizao extraterrestre.

    - Para lhe ser totalmente sincero, no incio pensei que tudo no passaria de uma fraude. Era difcilpara eu acreditar que algo assim poderia acontecer em nossa pequena cidade. Teria sido maisplausvel se fosse em Gobi ou na Terra Nova.

  • - Mas, no final, teve que acreditar.

    - Bem, sim, no final...

    - E ento?

    - De repente, percebi que Harmont e as outras cinco zonas de Visitao... Desculpe-me, eu estouequivocado, pois na poca havia apenas outras quatro zonas conhecidas. Percebi que todas elasestavam em uma leve curva. Calculei as coordenadas e as enviei ao Instituto.

    - E o senhor no se preocupou em nenhum momento com o destino de sua cidade natal?

    - Na verdade, no. Veja, mesmo que eu estivesse acreditando na Visitao em Harmont, no estavaconvencido de que eram verdadeiras as informaes histricas sobre bairros incendiados, monstrosque escolhiam devorar apenas velhos e crianas, e as sangrentas batalhas entre os invasoresinvulnerveis e tanques tripulados por humanos vulnerveis, mas valentes e esforados.

    - E o senhor tinha razo, Pelo que me lembro, nossos jornalistas corromperam bastante asinformaes. Mas voltemos a cincia. O descobrimento do Foco Irradiador de Pilman foi oprimeiro, mas, provavelmente, no foi o ltimo de seus contatos com o estudo das Visitaes.

    - No, ele foi o primeiro e o ltimo.

    - Mas, sem dvida, o senhor se mantm a par da investigao internacional que est sendo realizadanas Zonas de Visitao.

    - Sim. De vez em quando, eu leio alguns informes.

    - Se refere aos informes do Instituto Internacional de Culturas Extraterrestres?

    - Sim.

    - E em sua opinio, qual foi o descobrimento mais importante nestes ltimos 30 anos?

    - A Visitao em si.

    - Me desculpe, mas eu no entendi.

  • - A Visitao, em si, o descobrimento mais importante, no apenas dos ltimos 30 anos, mas simde toda a histria da humanidade. No nos importa tanto saber quem foram estes Visitantes. Nonos importa saber de onde vieram, por que vieram, por que ficaram to pouco e nem aonde estodesde que foram embora; o que importa que a humanidade agora pode estar segura de algo: noestamos sozinhos no universo. Creio que o Instituto de Culturas Extraterrestres jamais ter a boasorte de realizar um descobrimento mais importante do que este.

    - O que o senhor diz fascinante, Dr. Pilman, mas, na verdade, eu me referia a descobrimentos eprogressos de ndole tcnica. Aos descobrimentos que nossos cientistas e engenheiros possamaproveitar na prtica. Muitos cientistas famosos tm argumentado que os descobrimentos feitos nasZonas de Visitao poderiam mudar todo o curso de nossa histria.

    - Bom, eu j no estou de acordo com esta opinio. E no tocante a descobrimentos, falandoespecificamente, eles no so minha especialidade.

    - Porm, j fazem dois anos que o senhor o assessor canadense da comisso das Naes Unidasque estuda as questes sobre as Visitaes.

    - Sim, mas no tenho nada a ver com o estudo das culturas extraterrestres. Na Comisso, meuscolegas e eu representamos a comunidade cientfica internacional quanto surgem problemas em sepr em prtica as decises da ONU com respeito a internacionalizao das Zonas. Resumindo emoutras palavras: nossa funo garantir que todo o material extraterrestre encontrado nas Zonas semantenham em posse do Instituto Internacional.

    - E h algum mais interessado nestes materiais?

    - Sim

    - Suponho que esteja falando dos stalkers1?

    - Desculpe, mas no sei o que isso.

    - assim que chamamos, pelo menos aqui em Harmont, aos ladres que arriscam a vida entrandona Zona com o propsito de pegar o que encontrarem de valor l. Muitos tornaram isso uma espciede profisso.

    - Compreendo. Mas no, isto j no est dentro de nossa jurisdio.

    1 Optei por manter o termo stalker, em vez de tentar uma traduo, apenas por questo esttica e pela tradio que se criou em torno do termo.

  • - Bem, de fato, isto responsabilidade da polcia. Mas eu gostaria de entender, Dr. Pilman, o queexatamente est em sua jurisdio.

    - H uma constante perda de materiais provenientes das Zonas de Visitao que caem em mos depessoas ou organizaes particulares irresponsveis. Ns temos que nos responsabilizarmos pelasconsequncias destas perdas.

    - Poderia se explicar melhor, doutor?

    - Por que no falamos de arte, no seria melhor? No acha que os ouvintes gostariam de saber aminha opinio sobre o incomparvel Godi Mller?

    - Sim, claro! Mas, antes, eu gostaria que terminssemos com a parte cientfica. Como cientista, osenhor no gostaria de ter um contato direto com estes tesouros extraterrestres?

    - Bem, como posso dizer? Creio que sim.

    - Ento, podemos esperar que um dia destes os harmonitas possam ver o nosso famoso concidadocaminhando pelas ruas de sua cidade natal?

    - Pode ser que sim...

  • 1. REDRICK SCHUHART, 23 ANOS, SOLTEIRO, AJUDANTE DE LABORATRIO DADIVISO HARMONT DO INSTITUTO INTERNACIONAL DE CULTURASEXTRATERRESTRES.

    Na noite anterior, eu e ele estivemos no depsito. J estava anoitecendo; eu poderia tirar o jaleco eir ao Borscht, colocar uma ou duas gotas de algo forte em meu corpo. Mas continuei ali, encostadona parede, com o trabalho terminado e um cigarro na mo. Morria de vontade de fumar, faziamumas duas horas que no dava uma tragada. E ele no deixava de repetir tudo aquilo. J haviaenchido, fechado e lacrado uma caixa e estava comeando a fazer outra. Tirava os vazios dotransportador, os examinava um a um minuciosamente (e os malditos eram bem pesados, pelomenos uns sete quilos cada um) e depois voltava a coloc-los cuidadosamente no estande.

    Ele havia passado a vida lidando com estes vazios, a meu ver, sem benefcio algum, nem para ahumanidade, nem para ele mesmo. No seu lugar, eu j haveria mandado tudo para o inferno hmuito tempo e me dedicaria a trabalhar com outra coisa ganhando o mesmo. Claro que, se pensarbem, um vazio algo misterioso, poderia se dizer que at mesmo incompreensvel. Eu tive muitosdeles nas minhas mos, mas no deixo de me surpreender cada vez que vejo um. No passam dedois discos de cobre, do tamanho de um pires e de, mais ou menos, meio centmetro de espessura,separados entre si numa distncia de uns 45 centmetros. Nada alm disso. Nada mesmo, apenas umespao vazio. Pode-se passar a mo por entre eles e at pr a cabea ali, se assim quiser; no hnada mais que espeo vazio, puro ar. claro que tem que haver alguma fora entre os dois, eu acho,por que no se pode junt-los e nem separ-los mais do esto.

    Na verdade, amigos, muito difcil descrev-los a algum que no os tenha visto. Soextremamente simples, principalmente quanto os veem bem de perto e se acredita no que v. como acabar de descobrir o vidro, uns gesticularo com as mos e xingaro, devido a frustrao.Bem, vamos supor que tenham entendido; mais fcil para aqueles que tinham acesso a uma cpiados Informes do Instituto, em qualquer um deles h um artigo sobre os vazios, com fotos e tudomais.

    Kirill, j estava a quase um ano quebrando a cabea com os vazios, eu estava trabalhando com eledesde o princpio, mas ainda no tinha certeza do que ele estava tentando descobrir, e, para sersincero, no estava me esforando muito para saber. Que, primeiro, ele descubra sozinho, depois, nomelhor das hipteses, me chamaria para fazer a prova. Neste momento s entendia uma coisa: Kirillqueria, a todo custo, descobrir como funcionavam estes vazios; ele os perfurava com cidos, osforava em prensas, os tentava derreter no forno. Assim esperava compreender tudo, e isto oencheria de aplausos e honrarias; faria o mundo da cincia explodir de alegria. No meu ponto devista, ainda faltava muito para isso. Ainda no havia descoberto nada e j estava exausto. Andavatriste e calado, com um olhar doente, at lagrimejante. Se fosse outra pessoa, eu simplesmente oembebedaria e o deixaria nas mos de alguma garota esperta para que o distrasse. E no diaseguinte, voltaria a deix-lo bbado e com outra garota. Em uma semana ele estaria como novo,seus olhos at brilhariam. Mas para Kirill estas solues no funcionariam. Nem mesmo me atreviaa lhe sugerir isto, ele no era destas coisas.

    - Escuta eu disse -, Kirill...

  • E ele estava ali, com o ltimo vazio na balana, quase como se estivesse disposto a subir encimadele.

    - Me escute insisti Kirill! O que acharia se encontrasse um vazio cheio, hein?

    - Um vazio cheio? - ele replicou, fazendo cara de no entender.

    - Sim, sua armadilha hidromagntica, como se chama... o objeto 77B. Tem uma espcie de coisaazul dentro.

    Vi que ele comeava a entender. Me olhou, pensou um pouco, e um brilho de razo, como elegostava de dizer, surgiu por trs do olhar de doente.

    - Espera um pouco - ele disse Cheio? Igual a estes, s que cheio?

    - Sim, foi o que eu disse.

    - Onde?

    Kirill estava curado, inclusive com um brilho no olhar.

    - Vamos fumar um cigarro?

    Colocou o vazio em sua caixa, fechando a porta com fora, trancando com umas trs voltas dachave, depois voltamos ao laboratrio. Ernest paga quatrocentos redondo por um vazio vazio,poderia lhe tirar at a ltima gota de sangue por um cheio, que grande filho da me, mas, acreditemou no, isto nem me passou pela cabea, porque Kirill havia voltado a vida perante os meus olhos.Ele desceu as escadas de quatro em quatro degraus, sem nem mesmo me deixar terminar de fumar.Eu lhe contei tudo: como era, onde era e qual a melhor maneira de chegar at l. Ele pegou ummapa, procurou a localizao da Garagem e me mostrou com o dedo. Imediatamente se imaginouque era eu, mas, e de fato; como no entenderia?

    - Voc um cachorro ele disse, sorrindo Bem, vamos busc-lo. o primeiro que faremosamanh. Pedirei dois passes e o equipamento para as nove, assim sairemos as dez, sendo otimistas.Tudo certo?

    - Tudo certo, eu respondi mas quem ser o terceiro?

  • - Para que um terceiro?!

    - Oh, no, senhor exclamei -, este no ser um piquenique com mocinhas; e se lhe acontecer algo?Estar na Zona, temos que obedecer aos regulamentos.

    Ele riu um pouco e bateu com os ombros.

    - Como quiser, voc sabe mais dessas coisas do que eu.

    claro que eu s tratava de cumprir as regras. Eu concordava com ele, um terceiro apenasatrapalharia. Se fossemos apenas os dois tudo sairia bem e ningum suspeitaria de nada sobre mim.Mas havia um porm: os do Instituto no entravam em duplas na Zona. As regras ditavam que doistrabalhariam enquanto um terceiro vigiaria, para que, depois, pudesse lhes responder as perguntas.

    - Por mim, levaria a Austin disse Kirill Mas voc no gosta muito dele, ou est tudo bem?

    - No respondi Qualquer um, menos Austin. Pode lev-lo na prxima, ok?

    Austin no de todo mal, tem a mistura exata de coragem e covardia, mas acho que est perdido.Era algo que no podia explicar a Kirill, mas eu sabia. Aquele homem acredita que conhecia e sabiatudo sobre a Zona, em seus mnimos detalhes. Isto significa que logo quebrar a cara. E que sejaassim, mas no ao meu lado.

    - Bem, e o que acha de Tender?

    Tender era seu segundo ajudante. Um daqueles tipos calados, que no se metem com ningum.

    - Ele j velho. E tem filhos. - respondi.

    - Isto no importa; ele j foi a Zona antes.

    - Est bem ento, levemos a Tender.

    Enquanto ele continuava estudando o mapa, eu fui embora. Fui diretamente ao Borscht; estavamorto de fome e com a garganta seca.

    Na manh seguinte cheguei ao laboratrio como sempre, por volta das nove horas, e mostrei o

  • crach. O vigilante do turno era um polons narigudo, no qual eu havia dado uma boa surra no anopassado, por se engraar com Guta enquanto estava bbado.

    - Que bom! - ele disse Esto te procurando por todo o Instituto, Red.

    Respondi-lhe rispidamente:

    - Que negcio esse de Red?! Voc no tem essa intimidade comigo, seu chucrute imbecil.

    - O que isso, Red? Todos te chamam assim.

    Eu estava bem nervoso pela perspectiva de entrar na Zona, e escorregadio como um peixe. O pegueipelo colarinho da farda e disse claramente o que achava dele e destes tipos que foravam a amizade.Ele se esquivou por baixo, me devolveu o crach e disse, buscando um tom neutro na voz:

    - Redrick Schuhart, voc tem ordens de se apresentar imediatamente ao chefe de segurana, ocapito Herzog.

    - Eu prefiro assim lhe disse que sigamos deste modo. Continue se esforando, sargento, quemsabe no consegue chegar a tenente.

    Mas, me preocupei com aquela novidade. Para que me queria o capito Herzog durante o horrio detrabalho? Bem, sem escolha, eu fui e me apresentei.

    Seu escritrio estava no terceiro andar, um lindo escritrio, com grades nas janelas, parecia at umadelegacia. O capito Herzog estava sentado em sua mesa, fumando um cigarro e escrevendo algo nocomputador2. Um sargento remexia o interior de um arquivo metlico, no canto, era novo e eu no oconhecia. No Instituto parecia haver mais sargentos que em um quartel, so todos aqueles tiposgrandes e saudveis, no tem que entrar na Zona e no se importam em nada com as questesmundanas.

    - Ol eu disse Me chamavam?

    Herzog me olhou sem ver, se apartou do computador, deixou um pesado arquivo sobre a mesa ecomeou a revis-lo.

    - Redrick Schuhart?

    2 Originalmente mquina de escrever, considerando que o livro foi escrito na dcada de 70, alguns termos foram atualizados e sincronismos gerados para trazer a histria a atualidade.

  • - Eu mesmo respondi.

    Eu estava com um sorriso forado, estava nervoso por dentro, tudo era muito estranho. Noconseguia evitar.

    - A quanto tempo est no Instituto?

    - Dois anos e pouco.

    - Tem famlia?

    - Sou sozinho, rfo.

    Em seguida, ele se voltou para o sargento e lhe ordenou, em um tom severo:

    - Sargento Lummer, v aos arquivos e me traga a pasta nmero 150.

    O sargento bateu continncia e desapareceu. Enquanto o capito fechou o arquivo de uma vez eperguntou, carrancudo:

    - Voltou com as andanas?

    - Que andanas?

    - Voc sabe ao que estou me referindo. Temos informaes novas sobre o senhor.

    Ah ha, eu pensei.

    - De onde?

    Ele franziu as sobrancelhas e esmagou o cigarro no cinzeiro, irritado.

    - Isto no lhe importa ele me disse Estou lhe advertindo como se fosse um velho amigo: deixeessas coisas, deixe-as, para o seu prprio bem. Se lhe pegarem pela segunda vez, no vai sair depoisde seis meses; e te expulsaro definitivamente do Instituto, entenda.

  • - Entendo respondi Isto eu entendo. No entendo quem foi o filho da me que contou isto.

    Mas ele j havia deixado de me encarar, seguia fumando e folheando as pginas do arquivo. Comisto quero dizer que o sargento Lummer j havia voltado com a pasta nmero 150.

    - Obrigado, Schuhart disse o capito Willy Herzog, tambm conhecido como O Porco - isto tudo que queria esclarecer. Pode ir.

    Voltei ao vestirio, coloquei o jaleco e me animei. No conseguia deixar de pensar em quem haviainformado o capito. Se provinham do prprio Instituto era tudo mentira, j que ningum ali sabianada de mim, e nem havia forma de suspeitarem. Se era um informe da polcia, tambm, o quepoderiam saber, tirando os meus velhos pecados? Talvez tenham pego o Corvo. Este filho de umacadela teria vendido at a prpria me para salvar a pele. Mas, nem mesmo o Corvo sabia algo demim. Pensei e pensei, sem chegar a nada. No final entrei pela ltima vez na Zona de noite, e jhavia me decidido por mandar tudo para o inferno. J fazia trs meses que me livrei de quase tudo oque conseguira, e o dinheiro estava acabando. Se no me haviam pego com o material nas mos,menos ainda o fariam agora, ainda mais eu sendo to escorregadio.

    Mas neste momento, justamente quando estava indo s escadarias, me veio repentinamente nacabea, e to repentino que voltei ao vestirio, me sentei e acendi um cigarro. Isto significava queeu no poderia ir a Zona hoje. Nem amanh, e nem pelos prximos dias. Significava que essasvboras estavam, outra vez, me vigiando, me no haviam me esquecido; ou, se haviam meesquecido, algum faa o favor de lembr-los. Nenhum stalker, a menos que estivessecompletamente louco, se arriscaria em ir a Zona sabendo que o estavam observando, sem mesmocom uma arma em sua nuca. O que eu me convenci neste momento foi de me esconder no cantomais escuro. Zona? Que Zona? Faz meses que nem mesmo chego perto! Por que vocs tm quemolestar um ajudante de laboratrio honesto com esta Zona?

    Eu pensei bem e decidi, quase que com alvio, que hoje eu no iria a Zona. Mas qual seria a melhorforma de dizer isto a Kirill? Eu lhe disse diretamente:

    - No vou poder ir a Zona. Precisa que eu faa algo por aqui?

    De incio ele me olhou desconfiado. Depois, pareceu entender. Me agarrou pelo cotovelo e melevou ao seu escritrio, me fez sentar diante de sua mesa e ele se ps em diante da janela, bem naminha frente. Acendemos cigarros e ficamos em silncio. Ao fim, ele me perguntou,cautelosamente?

    - Aconteceu alguma coisa, Red?

    O que eu poderia dizer?

  • - No, no aconteceu nada. Ontem perdi vinte no pquer, esse desgraado do Noonan, um jogadormuito bom.

    - Espere um pouco ele me interrompeu Voc mudou de ideia?

    A tenso me fez engasgar.

    - Eu no vou poder ir murmurei No vou poder, entende? Herzog me chamou em sua sala...

    Ele ficou tenso. Outra vez ficou com aquela cara pattica, de cachorro doente. Ficou inquieto,acendeu outro cigarro com a bituca do anterior e falou gentilmente:

    - Acredite em mim, Red. Eu no disse nada a ningum.

    - Eu sei disso, ningum o mencionou.

    - Nem mesmo conversei com Tender. Fiz emitir uma autorizao em seu nome, mas nem mesmo lheperguntei se queria ir.

    Eu fiquei calado e continuei fumando. Era estranho e triste. Aquele homem no entendia nada.

    - O que Herzog lhe falou?

    - Nada de especial. Algum lhe falou algumas coisas, s isso.

    Ele me olhou estranho, voltou ao parapeito da janela e se perdeu a pensar, enquanto eu fazia anisde fumaa em silncio. Eu sentia por ele, naturalmente, e lamentava pelas coisas no terem sadomelhores. Nossa, que cura eu encontrei para a tristeza de Kirill! E de quem era a culpa? Minha, euhavia oferecido um doce para uma criana, mas, este doce, estava escondido em um lugar guardadopor homens maus... Rapidamente, ele deixou de pensar e se aproximou de mim. Me olhouobliquamente e murmurou:

    - Escuta, Red, quanto custaria um vazio cheio?

    No comeo eu no entendi, pensei que ele tinha esperanas de comprar algum. Mas aonde oconseguiria? Talvez este fosse o nico do mundo, alm do que ele no teria tanto dinheiro paracompr-lo. Onde o arrancharia? Era um cientista estrangeiro, um russo. Mas rapidamente entendi.Ento, o filho da me pensava que eu estava fazendo aquilo por dinheiro?

  • Mas que homem esperto, pensei, por que me enche o saco com isso?! Abri a boca para lheresponder, mas preferi no faz-lo. Por que, na verdade, por que iria me incomodar com isso? Umstalker um stalker; e quanto mais grana, melhor. Se arrisca a vida por grana. Tinha o direito depensar que ontem eu a havia arriscado, e agora a estava guardando, apenas para lhe dar um poucomais de valor. Mas a ideia me emudeceu. E ele seguia me encarando, sem nem mesmo piscar. Nohavia raiva em seu olhar, mas sim uma espcie de compreenso, ao menos era o que me parecia. Nofinal, eu lhe expliquei, calmamente:

    - Dos que entram com permisso, ningum chegou at a Garagem ainda. No h caminhos, vocsabe. Quando voltarmos da Zona, esse Tender contar a todo mundo que fomos diretamente aGaragem, pegamos o que queramos e voltamos. Como se fossemos a um depsito. Ento todos sedaro conta de que j sabamos de antemo o que buscvamos e onde estava. Isso quer dizer quealgum nos disse. E de ns trs, quem que poderia j ter estado ali? No preciso responder, no ?Entende o que me espera?

    Terminei meu pequeno discurso. Nos encaramos, olhos nos olhos, sem dizer uma palavra. Do nada,ele juntou as mos, com rudo estralou os dedos e anunciou educadamente:

    - Bem, voc no poder ir, eu entendo. No irei lhe julgar, Red. Irei sozinho. Talvez saia tudo bem.No ser minha primeira vez.

    Ele estendeu um mapa por sobre o beiral da janela e se apoiou nas mos, se inclinando sobre ele.Toda sua educao pareceu evaporar diante de meus olhos. O ouvi sussurrar:

    - Uns quarenta metros, quarenta e um, talvez, e mais uns trs at chegar na Garagem. No, nolevarei a Tender. O que acha, Red? Deixo Tender? Afinal de contas, ele tem dois filhos.

    - No te deixaro ir sozinho.

    - Me deixaro sim; conheo a todos os sargentos e tenentes. ele murmurou No gosto destescaminhes! Esto h trinta anos expostos ao relento e ainda parecem novos. A cinco metros dali hum posto de gasolina completamente enferrujado, mas os caminhes parecem recm-sados dafbrica. Assim a Zona!

    Ele tirou os olhos do mapa e olhou pela janela. Eu fiz o mesmo. Os vidros destas janelas eramgrossos e empoeirados. E alm deles, a Zona. Estava ali, como se bastasse estender a mo para toc-la. A partir do dcimo terceiro andar como se pudesse recolh-la toda na palma da mo.

    A primeira vista, parece uma extenso de terra como qualquer outra. O sol brilha ali como emqualquer outro canto do planeta. D a impresso de que nada mudou muito nela, tudo estava comoh trinta anos. Meu pai, que descansa em paz, no via nada anormal quanto a olhava, a no ser que,talvez, que no havia fumaa nas chamins dos telhados. Talvez estivessem de folga, ou algo assim?

  • O metal dourado se amontoava em forma de cones, os grandes fornos brilhavam debaixo do sol,haviam trilhos e mais trilhos e, sobre eles, uma locomotiva com seus vages. Em outras palavras,era uma cidade industrial. Mas sem pessoas, nem vivas, nem mortas. Ali estava tambm a Garagem,um longo caminho cinzento, com as portas abertas de par em par. Os caminhes estavamestacionados em uma rea asfaltada, junto dela.

    Kirill tinha razo sobre aqueles veculos, sua mente funcionava perfeitamente. E coitado daqueleque se metesse entre dois caminhes! Tinha que dar a volta pelo arredor. H uma fenda no asfalto,se que o mato alto ainda no a cobriu.

    Quarenta metros, desde onde ele contava? Provavelmente desde o ltimo poste. Tinha razo, adistncia era maior, estes malditos intelectuais, esto progredindo. Havia traado toda a rota at odepsito de lixo, e bem traada. Ali estava a fossa no qual havia cado Pegajoso3, a dois metros darua. Soco havia avisado ao Pegajoso: Mantenha-se o mais longe possvel das fossas, se cair numadelas, no restar de voc nem mesmo o suficiente para ser enterrado. Quando olharam na gua,no havia mais nada. Assim so as coisas na Zona, se algum volta com um saque, um milagre, sevolta vivo, uma conquista, se as patrulhas no lhe acertam nenhum tiro, sorte. J o resto, simplesmente o destino.

    Ao olhar para Kirill notei que ele me observava discretamente. Foi a expresso em seu rosto que mefez mudar de ideia. Para o inferno com tudo, pensei, no final das contas, o que me podem fazerde pior? Ele no precisava me dizer nada, mas disse:

    - Ajudante de laboratrio Schuhart, fontes oficiais, e repito: oficiais, me fazem acreditar que nosseria conveniente realizar uma inspeo a Garagem, o que poderia ser de grande valor cientfico.Sugiro que o faamos. Garanto uma boa bonificao.

    E sorriu, luminoso como o sol ao meio-dia.

    - Que fontes oficiais? - perguntei, sorrindo como um idiota.

    - So confidenciais, mas para voc eu posso revelar: - me disse frangendo as sobrancelhas -Digamos que me disse o doutor Douglas.

    - Ah sim, o doutor Douglas... Que doutor Douglas?

    - Samuel Douglas, ele respondeu secamente morreu ano passado.

    Senti um calafrio. Quem se atreveria a falar destas coisas antes de sair para onde amos? Estes3 No original: Slimy (em russo: , Sliznyak). Os nomes de stalkers foram traduzidos para termos relativos

    no portugus, visto que estes se tratavam de pseudnimos (apelidos) e no de seus nomes verdadeiros. O mesmo vale para Knuckles (ou , Moslatyj), traduzido como Soco na continuao do pargrafo e para os demais stalkers ao longo da histria.

  • intelectuais! Poderia bater-lhes na cabea com um martelo, e no entenderiam. Esmaguei a bitucano cinzeiro e disse:

    - Ok, ento. Onde est esse tal Tender? At quando teremos que esper-lo?

    Resumindo, no voltamos a tocar no assunto. Kirill telefonou ao setor de transportes e pediu umacabine de telefrico. Enquanto isso, eu estudava o mapa, e no era ruim, se tratava de um processofotogrfico, com uma vista area bem ampliada. Se via at as pontas da cobertura que havia juntoaos portes da Garagem. Se os stalkers pudessem ter um mapa destes... Mas no serviriam muito denoite, quanto as estrelas mal iluminam e mal se pode ver os dedos da prpria mo.

    Neste momento chegou Tender. Estava vermelho e sem ar; sua filha estava doente e havia idobuscar um mdico. Se desculpou por ter chegado atrasado. Bem, lhe fizemos uma surpresa: os trsiriamos entrar na Zona. No primeiro momento, ele at deixou de ofegar, de tanto medo.

    - Como assim, ir a Zona? - ele disse Por que eu?!

    Porm ele recuperou o flego quanto lhe disseram que se pagaria em dobro e que Red Schuharttambm iria.

    Depois de tudo, descemos ao boudoir4 e Kirill foi buscar os passes. Ns os mostramos a um outrosargento, que nos entregou os trajes de proteo especiais. Realmente, estes so muito teis, se voctiver um de qualquer cor, menos vermelho que eles j tm, qualquer stalker lhe pagaria unsquinhentos de bom grado, sem nem tentar negociar. Faz tempo que jurei que daria um jeito de pegarum para mim. Olhando por cima no parecem grande coisa, no mais que um traje de mergulhocom um capuz em forma de bolha munido de um visor. Na verdade no exatamente um traje demergulho, se parecia mais com os trajes de pilotos de avies a jato ou de astronautas. Era bem leve,cmodo, sem costura e no fazia suar. E com uma roupinha destas se podia caminhar pelo fogo,pelo meio de gases txicos... Dizem que , at mesmo, a prova de balas. claro que o fogo, os tirose os gases txicos5 so todas as coisas terrestres e humanas, e na Zona havia muito mais do queisso. De qualquer modo, para ser sincero, ali as pessoas podem morrer usando um destes trajes ouno. Mas sem os trajes, morreriam muito mais. Com estes trajes estamos totalmente protegidoscontra a pelugem ardente, por exemplo, e contra a planta do diabo cuspidora... o que era muitobom...

    Vestimos os trajes especiais. Eu enchi o bolso do quadril com porcas e tornilhos que levava em umabolsa e todos cruzamos o ptio do Instituto at a entrada da Zona. Assim era estabelecida a rotina,para que todos vejam os heris da cincia que depositavam as vidas no altar da humanidade, doconhecimento e do Espirito Santo, amm. E no era de duvidar que deste o dcimo quinto andar ato trreo haviam rostos solidrios nos observando. S faltavam lenos sendo agitados e umaorquestra...

    4 Denominao usada para se referir a um cmodo, ou parte de um cmodo, das antigas casas ricas, usado pelas mulheres para se arrumar, geralmente aps o banho e antes de sair de casa. No texto original usado como uma gria satrica para o local onde os personagens se preparariam para a incurso.

    5 Originalmente gs mostarda, devido ao seu amplo uso nas guerras da poca em que o livro original foi escrito.

  • - Anime-se! - disse a Tender Estufe o peito, gordinho! A humanidade ser eternamente grata porseu sacrifcio!

    Quanto ele se voltou para mim, compreendi que no estava com humor para brincadeiras. E eletinha razo, no era hora para piadas. Mas quando algum est entrando na Zona, ou chora, ou ri... eeu nunca chorei, nem mesmo quando era criana. Olhei para Kirill, ele suportava bem a tenso, masmovia os lbios como se estivesse rezando.

    - Est rezando? - lhe perguntei Reze, reze mesmo. Pois quanto mais se entra na Zona, mais seaproxima de ir para o Outro Mundo.

    - O qu?!

    - Reze. Os stalkers so os primeiros na fila para o Cu.

    Com um sorriso ele me deu um tapa nas costas, como se dissesse: No tenha medo, no vaiacontecer nada enquanto estiver comigo. E se acontecer... Bem, s se morre uma vez. Erarealmente um tipo muito simptico.

    Mostramos os passes para o ltimo dos sargentos, embora, desta vez, fosse um tenente, para variar.O conhecia, o pai vendia azulejos para tumbas em Rexopolis. Ali estava nos esperando o telefrico,os caras do setor de Transportes o haviam deixado no corredor. Tambm estavam ali os demais, aequipe de primeiros socorros, os bombeiros e nossos valentes guardies, nossos temerriossalvadores: um punhado de obesos idiotas dentro de um helicptero. Preferia nunca t-los visto navida!

    Quanto subimos, Kirill se apossou dos controles, dizendo:

    - OK, Red, voc guia.

    Abri tranquilamente o zper do peito e tirei um cantil, tomei um bom trago antes de voltar a guard-lo. Sem isso eu no consigo. Estive muitas vezes na Zona, mas sem isso... no, eu no consigo. Osdois me olhavam, esperando.

    - Bem disse no lhes ofereo pois a primeira vez que samos juntos, e eu no sei que efeitolhes causar. Trabalharemos desde modo: o que eu dizer, os senhores faro imediatamente e semquestionar. Se algum comear a querer argumentar ou a fazer perguntas, lhe baterei com a primeiracoisa que tenha nas mos. E quero lhes pedir desculpas antecipadas por isso. Por exemplo, senhorTender, si te mandar andar de quatro, levantars imediatamente este traseiro gordo e far o quemandei. E se no obedecer, quem sabe se voltar a ver sua doentinha. Concorde com isso e eu meencarregarei de que volte a v-la.

  • - No se esquea de me dar as ordens. - exclamou Tender, corado, suado e mordiscando os lbios Caminharei de barriga ou invs de quatro, se for preciso. No sou um novato.

    - Para mim, os dois so novatos lhe disse E no esquecerei de dar as ordens, no se preocupe. Apropsito, sabe controlar telefricos?

    - Sabe. - respondeu Kirill E controla bem.

    - Bem, est certo. Vamos l. Boa viagem. Abaixem as viseiras. Devagar, em linha reta ao longo dospostes, altura de trs metros. No poste 27, pare.

    Kirill elevou a cabine a trs metros e avanamos lentamente. Voltei-me, sem ningum perceber, paracuspir por sobre o ombro esquerdo. Vi que a patrulha de resgate havia subido no helicptero, que osbombeiros se mantinham na posio se sentido, por puro respeito, e o tenente da porta nos faziacontinncia, que imbecil. Sobre toda aquela rea ainda flameava a enorme e desbotada bandeira deBem-vindos Visitantes. Tender estava a ponto de responder a saudao, mas lhe acertei o cotovelonas costelas de tal modo que na hora ele descartou qualquer cerimnia. Vou te ensinar a dizer adeuss quando estiver realmente dizendo adeus!

    E ns partimos.

    O Instituto estava a nossa direita, o Quarteiro da Peste a nossa esquerda. Avanvamos de poste emposte, bem pelo meio da rua. Havia muito tempo desde a ltima vez que algum caminhou oudirigiu por esta rua. O asfalto estava repleto de rachaduras e havia grama crescendo em buracos,mas no se tratava da nossa grama, a terrestre. Na lateral esquerda cresciam espinheiros negros, oslimites da Zona eram bem visveis: os gramados negros terminavam no cordo de isolamento, comose houvessem sido podados. Sim, aqueles visitantes eram educados, mexeram num monte de coisas,mas, pelo menos, dentro de limites bem estabelecidos. Nem mesmo a pelugem ardente chegava anosso setor da Zona, ainda que alguns diziam que, com um vento forte, poderia chegar.

    As casas no Quarteiro da Peste estavam desbotadas e mortas; as janelas, no entanto, no estavamquebradas, mas estavam to sujas que era impossvel ver atravs delas. Durante a noite, se sepassasse por ali furtivamente, se via um brilho no interior delas, como as chamas azuis de lcoolsendo queimado. a geleia de bruxa que se infiltra nos pores. Olhando por cima, d a impressode ser um bairro como qualquer outro, de que as casas so como as de qualquer lugar, ainda quenecessitem alguns consertos, mas nada extico. O nico que se perceberia de diferente, que no hgente ali.

    Era naquela casa de ladrilhos, j que tocamos no assunto, que vivia nosso professor de matemtica,o chamvamos O Coma. Era chato, um fracassado; a segunda esposa o abandonou um poucoantes da Visitao; sua filha tinha catarata em um dos olhos e me lembro que sempre zombvamosdela at faz-la chorar. Quanto o pnico comeou, ele e outros vizinhos correram at a ponte em

  • roupas intimas, quase 5 quilmetros6, sem parar. Ele passou muito tempo doente com a peste,perdeu todo o cabelo e as unhas. Quase todos os que viviam neste bairro adoeceram, por isso ochamaram quarteiro da Peste. Alguns morreram, na sua maioria os velhos, mas no forammuitos. Eu acredito que no foi a peste que os matou, mas sim o medo. Era terrorfico. Todos os queviviam por ali caram doentes. E as pessoas de trs bairros ficaram cegas. Agora estas reas sochamadas Primeiro Quarteiro dos Cegos, Segundo Quarteiro do Cegos, e etc. Eles no ficaramcompletamente cegos, mas sim com uma espcie de cegueira noturna. A propsito, dizem que istono foi consequncia de nenhuma exploso, embora tenham ocorrido muitas, dizem que foi umrudo forte. Dizem que de to forte, eles perderam imediatamente a viso. Os mdicos lhes disseramque isto era impossvel, que eles deveriam tentar se lembrar do que houve, mas eles insistiram queum trovo os havia cegado. O estranho, que ningum mais ouviu esse trovo.

    Sim, era como se ali no tivesse acontecido nada. Havia uma tica, intacta. Um carrinho de beb naentrada de uma das casas. At as varandas pareciam limpas. Mas as antenas nos telhadosestragavam o efeito, todas estavam cobertas por uma coisa peluda que parecia algodo. H algumtempo, os estudiosos estavam quebrando a cabea com esse algodo. Queriam examin-lo,entendem? No havia nada parecido em nenhum outro lugar, apenas ali, no Quarteiro da Peste, eapenas nas antenas. Pior ainda: o tinham bem abaixo de suas janelas. No final, tiveram uma ideiabrilhante: de um helicptero eles baixaram um cabo de ao com um gancho na ponta e tentarampegar um pedao do algodo. Quanto tiraram o pedao, se ouviu um pssst, e comeou a sairfumaa da antena, do gancho e do cabo. E o cabo no se limitada a fumaar, ele sibilavaalarmantemente, como uma cobra cascavel. Bem, o piloto no era nenhum idiota (por alguma coisachegou a ser tenente); no mesmo instante imaginou o que estava acontecendo, soltou o cabo e saiudali na mais alta velocidade. E ali ficou o cabo, cado at o cho, e coberto de algodo.

    Ento chegamos ao final da rua, onde deveramos girar, fcil e sem problemas. Kirill me olhou:virava? O indiquei por um sinal que sim, e bem devagar. Nossa cabine virou, avanandolentamente pelos ltimos centmetros de terra humana. Nos aproximvamos da calada e a sombrada cabine se lanava sobre os arbustos. Pronto, estvamos na Zona! Senti um calafrio. Sempre sintoesse mesmo calafrio. E nunca sei se a Zona que me sada ou meus nervos de stalker que seativam. Sempre digo que quanto voltar perguntarei a outros se sentem o mesmo, mas sempreesqueo.

    Bem, assim amos avanando, silenciosamente sobre aquele antigo jardim. O motor zumbia abaixode nossos ps, tranquilo; ele no se preocupava com nada, nada ali lhe poderia fazer mal. E ento ovelho Tender comeou a se descontrolar.

    Ainda no tnhamos chegado ao primeiro poste quanto ele comeou a tagarelar. Todos os novatoscomeam a perder o autocontrole quando chegam na Zona. Comeam a falar sem parar, lhes acelerao corao, falha a memria, se envergonham, seja como for, no conseguem se controlar. Acho que como quando nosso nariz escorre, no depende de ns, apenas escorre e escorre. E como falambesteira! Comentam da paisagem, inventam teorias sobre os Visitantes ou simplesmente falam decoisas que no tem nada a ver com a Zona. Como Tender, que comeou a falar de sua roupa nova,sem conseguir parar. Quanto lhe havia custado, como era bom o tecido e sobre os botes novos queo alfaiate lhe pregara...

    6 No original: trs milhas. Caso de converso contextual.

  • - Cale a boca!

    Ele me olhou pateticamente, e at fez beio, mas continuou falando do tanto de seda que se usoupara o forro. Os jardins j haviam terminado; abaixo de ns estava o terreno que antes era usadocomo lixo municipal. Senti um vento suave. Mas no havia brisa, nenhum vento. Rapidamentesenti um sopro forte, folhas soltas giraram e pensei ter ouvido algo.

    - Cale a boca, seu bastardo! - gritei com Tender.

    Mas no, ele no conseguia se calar. J estava perto. No havia outra soluo.

    - Pare a cabine! - ordenei a Kirill

    Ele freou imediatamente. Bons reflexos, fiquei orgulhoso dele. Agarrei Tender pelos ombros, o gireide frente para mim e lhe golpeei o visor, fazendo-o bater forte contra seu nariz, pobre homem. Elefechou os olhos e ficou em silncio.

    Com isto, voltei a ouvir: trrr, trrr, trrl,... Kirill me olhou atnito. Lhe fiz um sinal para que ficassequieto. Deus por favor, que fiquem quietos, no movam um msculo. Mas ele tambm ouvia orudo e, como todos os novatos, sentia necessidade de fazer alguma coisa, qualquer coisa.

    - Devo voltar? - ele sussurrou.

    Sacudi a cabea negativamente e lhe fiz um sinal com a mo lhe pedindo silncio. fato, comnovatos voc nunca sabe para onde olhar, se para o terreno ou se para eles. Mas naquele momentoeu me esqueci de tudo. Sobre os muitos velhos desejos, vidros quebrados e trincados, comeou aestremecer, um tremor, como se fosse ar quente vibrando por sobre um teto de lato ao meio-dia.Cruzou os montes de lixo e avanou, mais e mais, at onde estvamos, bem ao lado do poste; ficouparado por um tempo sobre a rota (ou talvez fosse s minha imaginao?), para ento, finalmente,descer at o solo, entre os arbustos e cercas podres, at o cemitrio de veculos.

    Malditos intelectuais! Quem tem a ideia de traar uma rota por sobre o depsito de lixo?! E eutambm, quanta inteligncia! Onde estava com a cabea quento que entusiasmei com aquele mapaestpido?!

    - Avance, devagar. - indiquei a Kirill.

    - O que foi aquilo?

  • - Nem o demnio sabe! Era alguma coisa, mas j se foi... Graas a Deus. Agora silncio, por favor.Deixe de ser um humano agora, ok? Seja uma mquina, o meu volante, nada mais.

    De repente percebi que, naquele momento, era eu quem estava falando demais.

    - J basta. Nem uma palavra a mais.

    Precisava de outro trago. Deixe-me dizer algo: estes trajes de mergulho so uma besteira. Sobrevivia muita coisa sem todo este maldito equipamento e sobreviverei a muitas outras, mas sem um bomtrago no momento certo... Bem, j basta!

    O vento parecia ter acalmado. No se ouvia nada ameaador. P nico som que se ouvia era oronronar tranquilo e sonolento do motor. O sol estava forte e fazia muito calor. Via-se uma neblinapor sobre a Garagem. Tudo parecia estar indo bem, passvamos os postes um atrs do outro, Tenderestava calado, e Kirill tambm. Os novatos estavam aprendendo. No se preocupem companheiros,na Zona tambm se pode respirar, se voc souber o que est fazendo. Chegamos ao poste 27; umaplaca de metal tinha um crculo roxo com o nmero 27. Kirill me olhou, eu acenei e nossa cabine sedeteve.

    As flores j haviam se aberto e estvamos no perodo das cerejeiras. Agora, o importante era mantera calma absoluta. No havia perigo. O vento cessara e tnhamos boa visibilidade. Tudo estavacorrendo certo. Vi o poo no qual Pegajoso caiu e bateu as botas; dentro dele havia algo colorido,talvez os restos de suas roupas. Era uma bosta, que descanse em paz, avarento, estpido e sujo.Exatamente o tipo de pessoa que se junta ao Corvo Burbridge, Corvo os faz vir de longe e os tomapara seu grupo. Geralmente, a Zona no pergunta quem bom ou quem mal. Ento, temos queagradecer ao Pegajoso, era um idiota e ningum nem mesmo lembra seu verdadeiro nome, mas,pelo menos, serviu para nos mostrar onde no podemos passar.

    Claro que nossa melhor opo era chegar ao asfalto. O asfalto era liso e se pode ver tudo o que estsobre ele, alm disto, essa fenda eu conhecia bem. Mas no me agradava o aspecto daqueles doismontes de lixo. Por entre eles havia um caminho reto at o asfalto. Ali estavam, to confiantes de si,nos esperando. Mas no, por ali no passaramos. Uma das regras dos stalkers nos aconselha asempre manter pelo menos uns 30 metros de espao livre a direita ou a esquerda. Passaramos sobreo monte da esquerda. Claro que eu no sabia o que haveria do outro lado. Segundo o mapa, nada;mas quem que confia nestes mapas?

    - Escuta, Red sussurrou Kirill Por que no passamos por cima de tudo? Subimos por uns vintemetros, depois baixamos e estaremos na Garagem. O que acha?

    - Cale a boca, idiota, no me encha. - respondi.

    Queria subir. Mas e se alguma coisa nos pegasse aos vinte metros? No restariam sequer os nossos

  • ossos. Ou, quem sabe, cairamos em um mata-moscas7 e no restaria qualquer parte inteira nossa.J estava saturado de tantos riscos. J que ele no pude esperar, desamos, eu disse. Mas eu sabiaexatamente como chegar ao monte de lixo. Depois, pararamos ali um pouco, para pensar noprximo movimento. Tomei um punhado de porcas e tornilhos que tinha no bolso e os mostrei aKirill, na palma de minha mo.

    - Lembra-se da histria de Joo e Maria8 que te contavam na escola? Bem vamos fazer o mesmo, sque ao contrrio. Observe.

    Joguei a primeira porca, no muito longe, no mximo uns 10 metros, como eu queria. Caiu l semproblemas.

    - Viu isto?

    - Vi, e o qu? - ele perguntou

    - Nada de e o qu. Eu te perguntei se voc viu.

    - Eu vi...

    - Agora segue at onde a porca caiu, bem devagar. Pare a meio metro dela. Entendeu?

    - Entendi. Est buscando vrtices gravitacionais9?

    - Procuro o que devo procurar. Espere, jogarei outra. Olhe bem aonde ela cair e no tire os olhosdela!

    A segunda porca tambm caiu sem nenhum inconveniente, bem prximo a primeira.

    - Vamos.

    Ele ligou o telefrico. Sua face estava calma e sbria. Ao que parecia, tinha compreendido. Estesintelectuais, so todos iguais; o que mais importa para eles nomear as coisas. Enquanto no7 No original: Mosquito mange (em russo: ), provavelmente uma expresso idiomtica ou gria

    sem um equivalente em portugus. Traduzindo literalmente seria algo como sarna de mosquito, ao que parece seria a anomalia chamada nos jogos de Springboard (Trampolim). Mais avante, o texto diz que este seria apenas um nome popular que os stalkers dariam a anomalia chamada pelos cientistas de graviconcentrate, olhar nota de rodap n 9.

    8 No original: Hnsel und Gretel, ttulo original do conto que no Brasil se conhece por Joo e Maria.9 No original: graviconcentrate (em russo: , gravikontsentrat), seria algo como

    gravicocentros. Uma das anomalias tem este nome na verso em russo dos jogos, a qual chamada vortex (vrtice) nas tradues ocidentais, assim optei por este nome.

  • encontrou um nome, ficou lamentando e agindo como idiota. Mas depois, quanto ps uma etiqueta:Vrtice Gravitacional; era como se entendesse tudo e a vida se tornara uma festa.

    Passamos por sobre a primeira porca, sobre a segunda e sobre uma terceira. Tender suspiravaaliviado a cada porca que passvamos, e enquanto seguamos, ficava mudando o peso do corpo deum p a outro e balbuciando, devido ao nervosismo, era como se sentisse enjaulado, era deprimente.Mas aquilo lhe faria bem. Perderia uns cinco quilos de tanto suar, melhor do que qualquer dieta.Quando joguei a quarta porca, sua trajetria no me agradou. No sabia explicar o que estavaerrado, mas sabia que algo estava mal. Peguei Kirill pela mo.

    - Pare lhe disse no mexa nem por um centmetro!

    Tomei mais um tornilho e o lancei, mais alto e mais longe. Ali estava o mata-moscas! O tornilhoavanou normalmente, parecia cair sem problemas, mas, no meio do caminho, foi como se algo lheempurrasse para o baixo, com tanta fora que, quando aterrissou, se afundou na terra.

    - J havia visto isso?! - sussurrei.

    - Somente em fotografias Kirill comentou, se esticando tanto para observar que fiquei com medodele cair para fora da cabine Atira outra, vamos!

    Era triste, mas divertido. Como se bastasse lanar um s. Oh, a cincia! Joguei umas oito porcas etornilhos at conhecer a forma e os limites daquele mata-moscas. Na verdade j havia conseguidoos limites na stima, mas lancei a oitava, bem no meio, para que Kirill pudesse desfrutar de suasobservaes cientficas. Atingiu o solo como se fosse um peso de 5 quilos em vez de um simplestornilho, abrindo um buraco na terra. Mas Kirill exultou de felicidade.

    - OK, j nos divertimos o suficiente eu disse Agora, sigamos em frente. Olhe bem que estoumarcando o caminho; ento no o perca de vista.

    Assim, deixamos para trs o mata-moscas e chegamos at o monte de lixo. No era muito grande,parecia at bosta de gato. At aquele momento, no havia reparado nele. Ficamos parados, por sobreaquele montinho. O asfalto estava a menos de seis metros. A visibilidade estava tima, se via cadafolha de grama, cada rachadura, como numa foto. Bem, aps jogar um tornilho, poderamos seguir.

    No consegui arremessar o tornilho. No entendi o que me acontecia, mas no conseguia me decidira arremessar.

    - O que aconteceu? - me perguntou Kirill Por que estamos parados aqui?

    - Espere respondi e cale a boca, pelo amor de Deus.

  • Pensei que arremessaria o tornilho e ento avanaramos suavemente, como sobre manteigaderretida, no chegaramos sequer a mover as folhas de grama; e em trinta segundos chegaramos aoasfalto. E, de repente, comecei a suar! O suor gotejava at de meus olhos. Soube que no poderiaarremessar o tornilho ali. Para a esquerda, poderia lanar todas que quisesse, embora por ali ocaminho fosse mais longo e houvesse um monte de pedregulhos nada agradveis. Mesmo assim, euiria por ali, mas continuar a frente; no iria por nada deste mundo.

    Lancei o tornilho para a esquerda, sem dizer nada, Kirill girou a cabine e avanou naquela direo.Depois ele me encarou. Devo ter lhe devolvido o olhar com uma cara muito ruim, pois, no mesmoinstante, desviou o olhar.

    - Est tudo bem. - eu disse Economizaremos tempo na volta.

    E lancei uma ltima porca at o asfalto.

    A partir dali, se tornou muito mais fcil. Encontrei a fenda, ela estava limpa, sem qualquer lixo esem alteraes na cor ou no cheiro. Eu a olhei e uma alegria por dentro. Ela nos conduziu at aentrada da Garagem, melhor do que qualquer rota de postes ou de qualquer outro sinal.

    Ordenei a Kirill que descesse at um metro e vinte. Me pus de bruos e olhei at as portas abertas.De inicio, no consegui ver nada, devido ao brilho forte do Sol. S escurido. Aos poucos, meusolhos foram se acostumando. Ento eu percebi que no havia mudado nada na Garagem desde altima vez que estivera ali. O caminho de lixo ainda estava ali, estacionado junto a vala, emperfeito estado, sem buracos e nem manchas. Tudo estava exatamente em seu lugar sobre aquelepiso de cimento, talvez por que ali quase no houvesse geleia de bruxa e nada de fora parecia terentrado ali.

    Mas havia uma coisa que no me agradava ali, nos fundos da garagem, perto de uns barris, tinhaalguma coisa prateada. Aquilo no estava ali antes. Bem, havia uma coisa prateada ali, mas e da?No voltaramos atrs s por isso. No tinha nenhum brilho especial, reluzia um pouquinho,suavemente, quase imperceptvel. Me levantei, bati o p de sobre o traje e olhei ao redor. Aliestavam os caminhes, no terreno aberto, e estavam como novos; pareciam at mais novos do queda ltima vez que os tinha visto, enquanto que o caminho de gasolina, fora da garagem, estavaenferrujado ao ponto de cair aos pedaos. Ali estava tambm a rea coberta, como indicado nomapa.

    No gostava do aspecto daquela cobertura. A sombra estava estranha, o sol estava nas nossas costas,mas a sombra da cobertura vinha na nossa direo. Bem, isto no importava, estava longe de ns.Tudo estava bem o suficiente para comearmos a trabalhar.

    Mas aquela coisa prateada que brilhava l atrs, o que era? Talvez fosse minha imaginao? Seriabom acender um cigarro, sentar e ficar pensando naquilo tudo. Porque reluzia por sobre os barris,

  • por que no estava entre eles, e por que daquela sombra da cobertura. Corvo Burbridge me haviafalado algo sobre estas sombras, dizia que eram estranhas, mas no chegavam a ser perigosas, aindaassim, algo acontecia com as sombras neste lugar.

    Mas... por que aquele brilho prateado?! Parecia com uma teia de aranha, daquelas que s existemnas rvores dos bosques. Que tipo de aranha teria tecido uma teia ali? Nunca havia visto animais naZona.

    E o pior que o vazio que viemos buscar estava exatamente ali, a uns dois passos dos barris.Deveria ter pego ele da ltima vez, e ai no estaria me preocupando com essas coisas agora. Masera muito pesado, alm de tudo, o desgraado estava cheio; at consegui levant-lo, mas noconseguiria arrast-lo, ainda mais no meio do escuro... Se vocs nunca andaram carregando umvazio nas costas, faam um teste: como carregar uns dez litros de gua, e sem um balde.

    J estava na hora de irmos. Estava com vontade de um bom trago. Voltei-me para Tender:

    - Kirill e eu vamos at a Garagem. Fique aqui e no toque nos controles se eu no lhe mandar,acontea o que acontecer, mesmo que a terra aqui comece a arder em chamas. Se voc ficar commedo e fugir, no haver lugar no mundo que eu no te encontre...

    Ele consentiu seriamente, como quem dissesse: No vou ficar com medo. Estava com o narizvermelho, lhe bati forte demais... Baixei cuidadosamente a escada de corda, olhei mais uma vezpara quele brilho prateado, acenei para Kirill e comecei a descer. Uma vez no asfalto, esperei atque ele tambm descesse.

    - No tenha pressa, eu lhe disse no precisamos correr.

    Esperamos um pouco na calada, com a cabine ao nosso lado, flutuando um pouco acima de ns, ea escada de cordas tocando em nossos ps. Tender ps a cabea para fora da cabine e nos olhou comum ar de desespero. J era hora de irmos e eu disse a Kirill:

    - Siga-me passo a passo, a dois passos atrs de mim. No tire os olhos de minhas costas emantenha-se alerta.

    Avancei. Parei na abertura da porta para olhar ao redor. muito mais fcil fazer isto a luz do dia doque durante a noite! Lembro-me de quanto estava parado nesta mesma porta. Estava escuro, umverdadeiro breu, e, na vala, havia o brilho plido da geleia de bruxa, era semelhante as chamas azuisde quanto se queima lcool, mas aquilo no iluminava nada, pelo contrrio, aquilo fazia tudoparecer ainda mais escuro. Mas agora, que diferena, era como uma brincadeira.

    Meus olhos j estavam acostumados com aquela penumbra e, por isso, eu conseguia ver at mesmoa poeira dos cantos mais escuros. E havia mesmo algo prateado por ali; eram filamentos prateadosque se estendiam deste os barris at o teto. Realmente se parecia com uma teia de aranha, e talvez

  • fosse exatamente isso, mas, de qualquer forma, era melhor no se aproximar.

    Foi ento que cometi o meu erro. Eu deveria ter ficado parado por um tempo, com Kirill ao meulado, esperar at que os olhos dele tambm se acostumassem com a penumbra e ento lhe apontar ateia de aranha. Eu deveria ter lhe mostrado. Mas estava to acostumado a trabalhar sozinho quesimplesmente olhei por minha prpria conta e me esqueci de Kirill.

    Caminhei mais para dentro e fui at os barris, at onde estava o vazio. O observei, no haviaqualquer teia de aranha sobre ele. Peguei em um dos lados e disse para Kirill:

    - Pegue o outro lado e no deixe cair, bem pesado...

    Levantei os olhos e senti um n na garganta. No consegui falar, eu quis gritar: Pare! No semexa!, mas no consegui. De qualquer modo, acho que nem teria dado tempo, tudo aconteceurpido demais. Kirill se aproximou do vazio de costas para os barris e encostou as costas na teia dearanha prateada. Fechei os olhos, fiquei atordoado, escutei apenas o som da teia de aranha sedesfazendo. Foi um som de crack, bem fraco. Permaneci com os olhos fechados, no conseguiasentir nem meus braos, nem minhas pernas. Foi quando Kirill falou:

    - Ok, voc o pegou? Vamos lev-lo!

    - Vamos.

    Levantamos o vazio e fomos para a porta, estava caminhando de costas. Aquela porcaria era muitopesada, mesmo de dois era difcil carreg-lo. Samos ao sol e chegamos at a cabine. Tender veio noajudar.

    - Bem, vamos l disse Kirill Um, dois e...

    - No! - eu o interrompi- Espere um pouco, deixe ele no cho por um instante.

    Nos o soltamos.

    - Vire-se, quero ver suas costas.

    Ele se virou, sem falar nada, e eu lhe olhei, mas no havia nada ali. Pedi para ele virar para um ladoe para o outro, mas no havia nada. Voltei a olhar para os barris, e ali tambm no havia nada.

    - Escuta, - falei com Kirill sem deixar de olhar para os barris voc viu um ateia de aranha?

  • - Que teia de aranha? Onde?

    - Bem, nada... Acho que tivemos sorte.

    Porm eu pensava: Bem, ainda no d para saber de nada.

    - Est bem ento, venha, vamos levar isto embora.

    Colocamos o vazio dentro da cabine e o ajeitamos de uma forma que no se movesse. Ali estava ele,era at bonito, estava limpo e brilhante. O cobre refletia a luz do sol e seu contedo azulado semexia suavemente, como uma nuvem de p, entre os dois discos. Compreendemos o que eram osvazios, era simplesmente uma espcie de recipiente, como uma jarra de vidro, que se enchia de umxarope azul. O observamos alguns segundos mais, antes de subirmos na cabine e comearmos avigem de volta.

    Que fcil que isto era para os cientistas! Para comear, trabalhavam durante o dia, alm disso, onico momento perigoso era para entrar na Zona, j que na volta, o telefrico se conduziaautomaticamente. Quero dizer, ele tem um mecanismo, acho que se chama cursogrfo, que repete,para voltar, exatamente o mesmo caminho que ela vez na vinda. Enquanto flutuvamos no ar, notrajeto de volta, a cabine repetiu exatamente as mesmas manobras, parando apenas alguns instantesa cada mudana de direo, antes de prosseguir. Passamos por cima de cada um dos tornilhos e dasporcas que havia arremessado, se quisesse, eu poderia at mesmo recolh-los de volta.

    E aqueles dois novatos estavam eufricos. Olhavam em todas as direes, era como se j notivessem medo de nada. Logo comearam a tagarelar. Tender levantou os braos, se espreguiando,e ameaou voltar a Garagem assim que terminasse de almoar. Kirill me pegou e comeou aexplicar o funcionamento do Vrtice Gravitacional, ou do mata-moscas. Bem, eu logo os pus emseus lugares, mas no com a fora. Eu apenas lhes contei o que acontecera com todos os idiotas quetentaram refazer seus antigos caminhos na Zona.

    - Calem a boca eu lhes disse e fiquem com os olhos bem abertos se no quiserem que lhesocorra o mesmo que aconteceu com Lyndon Baixinho.

    E isso funcionou, nem mesmo me perguntaram o que havia acontecido com o tal Lyndon Baixinho.Prosseguimos em silncio. E s pensava em uma coisa: em abrir logo uma garrafa. Estavaimaginando o meu primeiro gole, mas aquela teia de aranha continuava brilhando em minha mente.

    Depois de tudo, samos da Zona e nos enviaram ao descontaminador (os cientistas o chamam debroqueio sanitrio), juntamente com a cabine. Nos lavaram em trs tanques de ebulio, comdiferentes substncias alcalinas, nos cobriram com uma espcie de pasta, depois com no sei quetipo de p e voltaram a nos lavar. Aps tudo isto nos secaram e disseram:

  • - Ok, rapazes, vocs esto livres, podem ir!

    Tender e Kirill levaram o vazio. Eram tantos os que tinham vindo olhar que mal conseguiamcaminhar. Era sempre assim! Ficavam ali, apenas olhando e grunhindo palavras de bem-vindos eparabns, mas nenhum deles tinha a capacidade de oferecer uma ajuda aos cansados heris. Queseja, isso no da minha conta. A partir de agora, mais nada da minha conta.

    Tirei o traje e o joguei no cho (que os malditos sargentos tratem de recolh-lo). Fui diretamente aovestirio, por que estava coberto de suor, da cabea aos ps. Me fechei em um dos chuveiros commeu cantil, tirei a tampa e prendi a ele como uma sanguessuga.

    Depois me sentei em um dos bancos, me sentindo completamente vazio. Estava tomando aquelabebida forte como se fosse gua. Eu estava vivo. A Zona havia me deixado sair ileso, aquela malditae traioeira, estava livre dela, e vivo. Os novatos no conseguem apreciar isto, apenas um stalkerpode saber o que isto realmente significa. Lgrimas escorriam pelo meu rosto, talvez fosse a bebida,ou sei l. Chupei o cantil at deix-lo completamente seco. Eu estava encharcado, e o cantil seco. Eparecia no ser o bastante, ainda precisava de um ltimo gole. Mas isso se podia arrumar. Tudo sepodia arrumar agora, pois estou vivo.

    Acendi um cigarro e, enquanto fumava, ali sentado, sentia que tudo estava bem. Foi quando melembrei da bonificao. Esta era a vantagem de trabalhar para o Instituto, poderia ir agora mesmoretirar o meu pagamento. Ou talvez eles me trouxessem ele aqui, no vestirio.

    Comecei a me despir lentamente. Ao tirar o relgio, percebi que havamos passado cinco horas naZona. Meu Deus, cinco horas! Senti um calafrio, cinco horas, Deus... Realmente, parece que naZona o tempo passa de uma forma distinta. Mas pensando bem, o que so cinco horas para umstalker? Um simples piscar de olhos. Mesmo que fossem doze horas, ou dois dias... Quanto noconsegumos sair na mesma noite, temos que passar todo o dia seguinte de cara no cho. Nopodemos rezar e nem murmurar, no mximo deliramos, sem saber se ainda estamos vivos ou se jestamos mortos... Ento na segunda noite, se termina o trabalho, pega-se o saque e tentamos sair,mas ali est o posto militar. Ali ficam os guardas com suas metralhadoras. Esses filhos da puta,canalhas, eles nos odeiam mais que tudo. Eles no querem prender um stalker, porque morrem demedo que ele lhes contamine com algo, querem mesmo liquid-lo, mat-lo, e eles tem tudo a seufavor, quem poder provar que o que fizeram foi ilegal? Ento, voc tem que ficar de cara no chonovamente, do amanhecer at que volte a anoitecer, e o que pegou ali, do seu lado, sem que se saibase apenas est ali ou se est te contaminando com algo e lhe matando aos poucos. Tambm pode lheacontecer o mesmo que aconteceu com o Isaque Soco, que foi pego pelo amanhecer numa reaaberta, entre duas fossas, sem poder ir nem para esquerda, nem para a direita. Dispararam contra elepor umas duas horas, mas no conseguiram acertar. Durante as duas horas ele se fingiu de morto,at que, graas da Deus, conseguiu convencer os soldados e estes o deixaram. Encontrei com eledepois disso, mas quase no o reconheci, no parecia mais o mesmo homem, estava completamenteabalado.

    Enxuguei as lgrimas e abri o chuveiro, me banhei por um longo tempo. Primeiro com gua quente,

  • depois com gua fria, e depois, outra vez quente. Usei uma barra de sabo inteira, at que fiqueientediado e fechei o chuveiro. Algum estava batendo na porta com fora. Escutei Kirill gritando:

    - Ei, stalker, sai logo dai! Estou com sua grana bem aqui!

    Grana... Isto nunca ruim. Abri a porta, ali estava ele, seminu, apenas de cueca. Parecia em xtase,toda sua tristeza havia passado. Ele me entregou um envelope.

    - Aqui est, em nome de toda a humanidade agradecida!

    - Que v a merda toda a humanidade. Tem quanto aqui?

    - Considerando sua coragem e esforos excepcionais alm do dever, dois meses de salrio!

    - Agora sim, ganhando desde jeito eu poderia viver tranquilo. Se conseguisse que me pagassemassim por cada vazio... J teria enviado Ernest para o inferno h muito tempo.

    - Que bom, e ento, est satisfeito? - me perguntou Kirill, que, por sua parte, estava radiante, comum sorriso que ia de uma orelha a outra.

    - Para mim est bom, e para voc?

    Ele no me respondeu, me agarrou pelo pescoo e me abraou, apertando contra seu peito suado,depois me largou com um pequeno empurro e entrou no chuveiro ao lado.

    - Ei! - eu o gritei E onde est Tender? Est lavando sua cueca, eu aposto!

    - Nada disso, Tender est rodeado de jornalistas. Tinha que v-lo, se converteu em uma pessoailustre. Est lhes explicando tudo com uma autenticidade...

    - Est lhes explicando com uma o qu? Autoridade?

    - Autenticidade.

    - Est bem, me desculpe, senhor. Na prxima vez que conversarmos trarei um dicionrio,senhor.

  • Naquele momento eu senti como se tivesse tomado um choque eltrico.

    - Ei, Kirill, saia aqui um pouco...

    - J estou pelado!

    - Oh, pare com isso, no sou uma garota!

    Ele saiu, e eu o peguei pelos ombros e lhe virei de costas para mim. No havia nada. Talvez eu fosseminha imaginao. Suas costas estavam limpas, at o suor j havia evaporado.

    - O que h com voc e minhas costas, hein?

    Lhe dei um tapa no traseiro pelado, voltei ao meu chuveiro e fechei a porta. Maldito nervosismo!Primeiro estava vendo coisas estranhas l, e agora as estava vendo tambm aqui. V tudo para oinferno! Esta noite irei me embebedar. O que gostaria mesmo era ganhar do Richard, isto sim, era oque queria. Aquele desgraado sabia jogar. Nunca conseguia ganhar dele, nem mesmo quantotrapacei, usando um baralho com cartas marcadas.

    - Ei, Kirill gritei vai ao Borscht esta noite?

    - No Borscht, se pronuncia Borshch, quantas vezes j no lhe disse isto?!

    - Qual a diferena? Se escreve B-O-R-S-C-H-T, no me encha o saco com suas regras. Vai ou no?Estou querendo desafiar Richard.

    - Bem, no sei Red. Acho que voc, com sua alma simplria, nem consegue imaginar o queacabamos de trazer...

    - Ah, e eu suponho que voc saiba o que .

    - Bem, para ser sincero, eu tambm no fao ideia. Mas agora, pela primeira vez, sabemos afuncionalidade dos vazios, se minha brilhante teoria estiver correta, escreverei uma monografia e adedicarei pessoalmente a voc: A Redrick Schuhart, honrado stalker, com meus respeitos egratido.

    - Sim, claro, e por isso eu pego dois anos de cadeia.

  • - Mas ficar nos registros da cincia para todo o sempre. O chamaro a jarra de Schuhart, gostoudo nome?

    Enquanto brincvamos, eu me vesti e coloquei o cantil vazio de volta em meu bolso. Depois, conteio dinheiro e fui embora, me despedindo:

    - Boa sorte, com sua alma complexa.

    Ele no me respondeu, a gua do chuveiro fazia muito barulho.

    No corredor, encontrei com Tender, estava corado e com o ego inflado, parecia at um pavo.Estava rodeado de nossos companheiros de trabalho do Instituto, reprteres e alguns sargentos, quepareciam ter acabado de almoar e estavam limpando os dentes. Ele falava sem parar, parecia umcharlato:

    - Com a tecnologia que dispomos, nos permitido contar com uma garantia quase absoluta desegurana e xito.

    Naquele momento, ao me ver, ele engasgou por um momento, ento sorriu e me acenou com a mo.Bem, acho melhor eu desaparecer, eu pensei comigo mesmo. Segui em linha reta na direo daporta, mas j haviam me visto. Logo os escutei me seguindo:

    - Senhor Schuhart! Senhor Schuhart! Umas palavras sobre a Garagem!

    - Sem comentrios!

    Eu tentei correr, mas no havia como escapar. Eu estava cercado: a direita tinha um cara com ummicrofone, e a esquerda, outro com uma cmera.

    - Havia alguma coisa estranha na garagem? Apenas uma ou duas palavras, nada mais que isto!

    - Sem declaraes! - eu repeti, tentando evitar a toda custa ficar de frente para a cmera apenasuma garagem, como qualquer outra.

    - Obrigado, mas qual sua opinio sobre as turbo-plataformas?

    - So uma maravilha!

  • Comecei a correr para o banheiro masculino.

    - O que voc acha da Visitao?

    - Pergunte isso para os cientistas! - respondi enquanto fechava a porta do banheiro.

    Ouvi que batiam porta e lhes gritei:

    - Recomendo a vocs que perguntem ao senhor Tender o porqu de seu nariz estar com umhematoma. Ele muito modesto para assumir, mas foi a parte mais emocionante de nossa aventura.

    Com isso eles saram correndo pelo corredor, mais rpidos do que cavalos de corrida. Esperei poralguns minutos, at tudo ficar quieto. Pus a cabea para fora e olhei, j no havia mais ningum.Ento sai e continuei meu caminho tranquilamente, assobiando uma cano. Desci para a entrada emostrei meu crach a um sargento polons, reparei que ele me fazia continncia. Ao que parecia, eume tornei um heri neste dia.

    - A vontade, sargento eu lhe disse Me sinto honrado.

    Ele sorriu mostrando tantos dentes que parecia que eu lhe havia feito o maior dos elogios.

    - Bem, Red, agora, sem dvidas, voc um heri. Estou orgulhoso de lhe conhecer ele me disse.

    - Ento, isso que contar para as mulheres quanto retornar a Sucia?

    - O que voc acha, com isso elas se derretero nos meus braos!

    Acho que ele tinha razo. Para falar a verdade, nunca gostei destes tipos altos e de bochechasrosadas. As mulheres enlouquecem por eles, vai se saber o por qu. O tamanho no toimportante... Segui pensando nestas coisas enquanto caminhava debaixo do sol, por aquelas ruasdesertas. Do nada, senti vontade de estar com Guta, naquele exato momento. S queria lhe olhar eficar de mos dadas por um tempo. Depois de estar na Zona, no conseguia querer outra coisa,apenas pegar em suas mos j me bastava. Especialmente quando voc pensa no que falam sobrecomo nascem os filhos de stalkers. Mas, quem precisa de estar com Guta?! O que eu precisavamesmo era uma garrafa, e uma garrafa cheia de algo bem forte!

    Estava passando pelo estacionamento, chegando ao Cordo de isolamento. Havia ali dois carros depatrulha, grandes e amarelos, totalmente equipados, com holofotes e metralhadoras, aquelespalhaos. E claro, ali estava repleto de soldados usando capacetes azuis. Broqueavam a rua inteira,no havia como passar. Segui caminhando tranquilo, de cabea baixa, era melhor eu no olhar para

  • eles, ainda mais a luz do dia. Entre eles havia uns dois ou trs figuras que realmente preferia nover, por que se os ver, coitados... Para a sorte deles, Kirill havia me convencido a trabalhar para oInstituto, do contrrio, eu teria ido atrs destas vboras e as liquidaria...

    Passe pelo meio da multido e j estava quase do outro lado, quando ouvi que algum gritava:

    - Hei, stalker!

    Bem, isto no tinha nada a ver comigo, ento no parei, continuei caminhando e procurando umcigarro em meus bolsos. Algum me alcanou e me pegou pelo brao. Puxei aquele brao e me vireipara o homem, lhe dizendo educadamente:

    - O que diabos pensa que est fazendo?!

    - S um momento stalker ele me respondeu tenho umas perguntas para voc.

    O encarei fixamente. Era o capito Quarterblad, um velho conhecido. Parecia desidratado e meioamarelado.

    - Ah, ol, capito! Como anda seu fgado?

    - No pense que ir se safar desta fazendo piadinhas, stalker ele respondeu, irritado e sem deixarde me encarar melhor me explicar por que no parou quando eu o chamei.

    Por trs dele havia dois soldados, com as mos sobre seus coldres. No conseguia ver seus olhos,sob os capacetes s se conseguia perceber as suas mandbulas se mexendo. Em que parte do Canadeles acham estes caras? Ou ser que os trouxeram para c e os reproduziram? No tenho medo dospoliciais, no durante o dia, mas aqueles palhaos poderiam querer me revistar, e eu no estava afimdisto.

    - Desculpe, era a mim que estava chamando, capito? - eu exclamei Pensei ter lhe escutadochamar um stalker...

    - E est me dizendo que voc no um?

    - Depois de cumprir pena, graas ao senhor, capito, eu me endireitei. Abandonei isto para sempre.Graas ao senhor, capito, os meus olhos se abriram, se no fosse pelo senhor...

    - Ento, o que estava fazendo na rea da Pr-Zona?

  • - Como assim o que eu fazia, eu trabalho ali agora, e j fazem uns dois anos.

    E para acabar logo com aquela conversa desagradvel, mostrei meus documentos para o capitoQuarterblad. Ele os pegou, e revisou um por um, verificando-os em cada detalhe, s faltou mesmolamb-los. Quanto os devolveu, parecia satisfeito, seus olhos brilhavam e ele at estava corado.

    - Sinto muito, Schuhart ele me disse Eu no esperava isto. Mas bom ver que no desperdiceimeus conselhos com voc. Bem, isto maravilhoso! No sei se voc acredita em mim ou no, masquero que saiba que mesmo naquela poca, eu tinha a sensao de que voc acabaria seendireitando. No admitia um rapaz como voc...

    E ele comeou a discursar, parecia uma gravao. Ao que parecia, em sua cabea, eu era outro queele havia resgatado do mal caminho. E eu, claro, fiquei ali escutando, com a cabea baixa, sinal dehumildade, gesticulando e consentindo, abrindo os braos inocentemente, se me lembro bem, atcomecei a esfregar os ps pela calada. Os dois gorilas que estavam escoltando o capito ficaram aliescutando por um tempo, mas logo se entediaram e saram, acho que procurar algum lugar maisdivertido. Enquanto isso, o capito seguia prevendo um futuro glorioso para mim: a educao aluz, a ignorncia, a escurido..., o Senhor ama aos que trabalham com integridade, etcetera eetcetera... Toda a mesma tagarelice desenfreada que ouvamos do padre todos os domingos napriso. E eu precisava de um trago, minha sede estava me matando.

    Bem, eu dizia para mim mesmo, ter que suportar isto. No tem como evitar, ento seja paciente,Red. Ele no vai continuar por muito tempo, olhe, j est perdendo o flego. Que bom, ele estparando. Um dos soldados comeou a lhe fazer sinais. O capito olhou para ele soltando umsuspiro de cansao e me estendeu a mo.

    - Bem, fico feliz em t-lo encontrado, meu honesto sr. Schuhart. Gostaria de lhe convidar para umabebida em comemorao, mas o mdico me proibiu de tomar whisky, talvez ainda possamos tomaruma cerveja qualquer dia, realmente gostaria disso. Mas, agora, o dever me chama. Voltaremos anos ver.

    Que Deus no permita isso! Mas lhe apertei a mo, corei e voltei a arrastar o p na calada, achoque era o que ele queria. No final, havia me deixado em paz. Sai como uma bala at o Borscht.

    Neste horrio, o Borscht est sempre vazio. Por trs do balco estava Ernest, secando copos e lhesverificando a transparncia. Por falar nisto, j reparam como estranho, sempre que se entra numbar, o taberneiro sempre est enxugando copos, como se disso dependesse sua vida. Ele parecepassar o dia nisto: pega um copo, o olha de alguns ngulos, o pe contra a luz e comea a lustr-locom um pano. Limpa e limpa, depois volta a olh-lo (desta vez pelo fundo) e mais uma vez o lustra.

    - Hei, Ernest! Deixe o copo em paz. Vai acabar lhe abrindo um buraco de tanto lhe esfregar.

  • Ele me olhou atravs do copo que lustrava, murmurou algo que no consegui entender e, sem dizernada, me serviu quatro dedos de vodca. Sentei em uma das banquetas do balco, tomei um gole, fizuma careta, balancei a cabea e tomei outro gole. Ao fundo, o motor da geladeira ronronava e amquina de msica tocava algo suave e lento. Ernest limpava outro copo, tudo em paz. Terminei ocopo e o deixei sobre o balco. Ernest, ao v-lo, me serviu mais quatro dedos.

    - Melhor agora? - ele murmurou Est voltando a si, stalker?

    - Continue enxugando, entende? Sabia que teve um cara que enxugou e esfregou at que lheapareceu um gnio. Terminou cheio de grana.

    - mesmo, e quem foi? - Ernest perguntou perspicazmente.

    - O outro taberneiro, o que trabalhava aqui antes de voc!

    - E o que aconteceu?

    - Nada. Por que voc acha que aconteceu a Visitao? Foi de tanto que ele enxugou. Quem acha queeram os Visitantes?

    - Voc um vagabundo. replicou Ernest, rindo.

    Ele foi at a cozinha e voltou com um prato de salsichas grelhadas. Colocou o prato na minhafrente, me deu o ketchup e voltou para seus copos. Ernest conhece seu trabalho. Tem os olhostreinados, reconhece um stalker que voltou da Zona com um saque; e tambm sabe do que umstalker precisa depois de estar na Zona. O bom e velho Ernie, um verdadeiro humanitrio.

    Aps terminar com os hot dogs, acendi um cigarro e comecei a calcular o quanto Ernie poderialucrar conosco. No tenho muita certeza de quanto se paga na Europa por coisas da Zona, ouvi falarque l um vazio pode chegar a custar quase dois mil e quinhentos; Ernie no nos paga mais quequatrocentos. Mas que se dane, l eles vendem por 100, e aqui, com muita sorte, nos pagam 20.Claro que, provavelmente, embarcar estas coisas para a Europa no deve ser nada barato. Molharuma mo aqui e outra l O chefe da estao daqui tambm deve estar na lista de pagamento. Sepensar bem, acho que Ernest no ganha tanto; talvez uns quinze ou vinte por cento no mximo. E seo pegarem sero 10 anos de trabalhos forados.

    Foi neste momento que um tipo muito educado interrompeu minha nobre meditao. Eu nemmesmo o havia visto entrar, s o vi quanto estava bem ao meu lado, minha direita, pedindopermisso para se sentar.

  • - Como no, fique vontade.

    Era um tipo magro de nariz fino, com gravata borboleta. Seu rosto me era familiar, mas noconseguia lembrar dele. Sentou ao meu lado e pediu a Ernest:

    - Whisky Bourbon, por favor!

    Depois ele se voltou para mim:

    - Desculpe-me, mas ns j no nos conhecemos? Voc trabalha no Instituto Internacional, no ?

    - Sim, e voc?

    Ele sacou rapidamente sua credencial de identificao e a ps na minha frente: AloysiusMacNaught, Agente Plenipotencirio do Escritrio de Emigrao. Claro que o conhecia. Era umdos que fodiam com as pessoas para que elas sassem da cidade. Por causa de tipos como ele, restaapenas metade da populao inicial de Harmont. O que eles pretendem? Limpar a cidadecompletamente? Afastei sua credencial com a unha.

    - No obrigado, no estou interessado. Planejo morrer qui em minha cidade natal.

    - Mas por qu? - ele me questionou Perdoe minha indiscrio, mas o que o est segurando nestelugar?

    - Como o qu? Todas as recordaes de minha infncia, meu primeiro beijo na praa municipal,mame e papai... A primeira vez que fiquei bbado... Foi aqui mesmo, neste bar! A delegacia, tenhoto boas lembranas de l...

    Peguei um leno, muito usado, que carregava no bolso, e enxuguei meus olhos.

    - No deixaria este lugar nem por todo o dinheiro do mundo!

    Ele comeou a rir, tomou um gole de seu Bourbon e respondeu pensativo:

    - No entendo o que se passa na cabea de vocs harmonitas. A vida nesta cidade dura. Est tudosobre controle dos militares, h pouco entretenimento. E a Zona est aqui do lado, como estarsentado em cima de um vulco. Uma epidemia poderia comear a qualquer momento, ou talvez, atalgo pior. At compreendo que idosos queiram ficar, mas voc, quantos anos tem? Vinte e dois,vinte e trs? No percebe que meu departamento praticamente uma organizao de caridade? No

  • ganhamos nada com nosso trabalho. O nico que buscamos que as pessoas saiam deste buracoinfernal e voltem a ter uma vida cotidiana normal. Ns garantimos toda a mudana, lhes buscamosemprego e, no caso de jovens como voc, lhes financiamos os estudos. Realmente, eu no entendo.

    - Est dizendo que ningum que ir embora?

    - No, falar que ningum vai exagero. Alguns esto aceitando nossa oferta, principalmente aquelesque tem famlia. Mas os jovens e os idosos O que acham que vo encontrar aqui? Isto umverdadeiro buraco, um vilarejo perdido no meio do nada.

    Foi quando o respondi como merecia:

    - Senhor Aloysius MacNaught, o senhor tem toda a razo! Nossa cidade um buraco, sempre foi econtinua sendo. Mas agora um buraco rumo ao futuro! Passaremos tantas coisas por este buracoat o seu mundo podre que o mudaremos completamente. E quando realizarmos as descobertas queestamos buscando, todos se tornaro ricos, e subiremos at as estrelas, iremos at onde quisermos.Este o tipo de buraco que temos aqui!

    Parei de falar neste ponto, pois percebi que Ernest me olhava espantado. Aquilo me deixouenvergonhado, eu no gosto de repetir as palavras de outras pessoas, at mesmo quanto concordocom elas. At porqu na minha boca elas ficam feias, soam engraado. Quando Kirill as diz, voc asouve e fica de boca aberta. Mas, mesmo que eu tenha repetido as mesmas palavras que ele, nosoou do mesmo jeito. Talvez fosse assim por que Kirill nunca passava coisas roubadas a Ernest pordebaixo do balco.

    Ernie se recuperou rapidamente, e me serviu mais seis dedos de combustvel, para que eurecuperasse a prudncia; enquanto o narigudo senhor MacNaught voltou a beber seu whisky.

    - Ah sim, claro; as baterias eternas, a panaceia azul Mas senhor, realmente acredita que ascoisas sero do jeito como disse?

    - O que eu acredito no da sua conta. Falava em nome da cidade. Enquanto a mim, o que quevoc acha que tem na Europa que eu ainda no tenha visto? L montono, eu sei. Se matam detrabalhar o dia inteiro e passam a noite toda assistindo TV.

    - No obrigatrio ir para a Europa.

    - tudo a mesma coisa, s na Antrtida muda, por que mais frio.

    O mais assustador de tudo aquilo que eu realmente acreditava em tudo aquilo que estava dizendo.Mossa Zona, aquela desgraada, aquela assassina, me era cem vezes mais querida que todas as

  • Europas e fricas. E eu ainda no estava bbado. Por um momento eu parei para pensar em comovoltaria para casa, me arrastando com um bando de cretinos iguais a mim, como me empurraria eespremeriam dentro do metr, e como eu estava cansado e farto de tudo aquilo.

    - E voc? - o homem perguntou a Ernest

    - Eu tenho meu prprio negcio ele respondeu, se dando muita importncia No sou nenhummiservel. Investi todo meu dinheiro neste negcio. At o comandante da base vem aqui de vez emquando, um general. Parece-lhe que tenho motivos para sair daqui?

    O senhor Aloysiud MacNaught tentou ganhar alguns pontos citando alguns valores, mas eu noestava escutando. Tomei um bom trago, bem devagar, tirei um monte de trocados do bolso, sai domeu banco no balco e fui at a mquina de msica. Tem uma cano nela que se chama No voltese no tiver certeza, ele me d uma sensao boa, principalmente depois de voltar da Zona.

    A msica estava tocando no mximo. Eu peguei meu copo e fui para um canto, onde fiqueiesperando, como um bandido armado, para resolver algumas velhas rixas. O tempo voou como umpssaro. Quando estava para colocar minha ltima moeda naquele jukebox, chegaram RichardNoonan e Gutalin, sendo acolhidos pelos hospitaleiros braos do bar. Gutalin j estava bbado, seusolhos viravam em todas as direes, buscando um lugar para desabar. Richard Noonan o seguravaternamente pelo cotovelo, enquanto o distraa com algumas piadas. Formavam um belo casal!Gutalin era um gorila, negro e alto, cujas mos lhe alcanavam os joelhos; enquanto Dick, aocontrrio, era pequeno, gorducho e mais rosado do que qualquer um, parecia at que comearia abrilhar.

    - Hei, olhe, ali est Red! - Dick gritou

    - Junte-se a ns! Vaaaamoooosss! - Gutalin rugiu Nesta cidade toda, s existem dois homens deverdade: Red e eu! Todos os outros so uns porcos ou filhos do capeta! E voc tambm, Red, umfilho do diabo, mas ainda homem!

    Aproximei-me deles com meu copo, e Gutalin me apanhou pela jaqueta e me fez sentar a mesa comeles.

    - Sente-se Red! Sente-se servo de Satans! Gosto de voc. Vamos chorar pelos pecados dahumanidade. Choraremos longa e penosamente...

    - Choremos! - lhe respondi E vamos beber as lgrimas do pecado.

    - Porque o dia est prximo! - Gutalin anunciou O cavalo branco j est selado e seu cavaleiro pso p no estribo. E as oraes daqueles que se renderam a Satans so em vo. Apenas os queresistirem a ele sero salvos. Todos os que se deixaram seduzir pelo diabo, que brincam com os

  • brinquedos do demnio, que buscam os tesouros de Satans, a todos vocs eu digo: So cegos!Despertem, seus tolos, despertem antes que seja tarde demais! Se livrem destas quinquilhariasinfernais... - ele ento parou, como se tivesse esquecido do que estava falando, e, de repente, eleperguntou com uma voz totalmente diferente: Pode me dar uma bebida?, antes de se voltar paramim e continuar Onde eu estava?... Sabe, Red, eu estive em cana de novo, disseram que eu era umdesordeiro. Mas eu vou continuar advertindo: Despertem cegos, esto caindo em um abismo eainda puxam a outros. Mas eles apenas riem, nada mais que isso. Por isso quebrei o nariz do donodaquela loja e eles me prenderam. E tudo isso para qu?

    Dick se aproximou e colocou uma garrafa por sobre a mesa.

    - Hoje por minha conta disse a Ernest.

    Dick me encarou com um olhar suspeito.

    - Estou de acordo com a lei respondi Beberemos o cheque de minha bonificao no Instituto.

    - Voc foi a Zona? Encontraram algo l? - Dick me perguntou.

    - Um vazio cheio. Direto para o altar da cincia. Acha que o suficiente?

    - Um vazio?! - Gutalin exclamou cheio de pena Arriscou a vida por vai se saber que vazio! Vocsobreviveu, mas trouxe outro dos artefatos de Satans para o nosso mundo. Voc sabe, red, oquando de tristeza e pecado...

    - Cale-se Gutalin! - eu o repreendi severamente Beba e alegre-se por eu ter voltado com vida. Pelaboa sorte, meus amigos!

    Aquele brinde pela boa sorte deu bons resultados. Gutalin desmoronou completamente. Soluavaenquanto lgrimas escorriam de seus olhos como se fossem torneiras. O conheo bem, esta era umade suas fases. Chorava e soluava, enquanto pregava que a Zona era uma tentao do demnio;que no deveramos tirar nada de l e que deveramos inclusive devolver tudo o que j havamostirado. E ento seguir com nossas vidas, como se a Zona nunca tivesse existido. Deixar as coisas doDiabo para o Diabo. Gosto disso, quero dizer, de Gutalin. Sempre gostei dos tipos esquisitos.Quanto ele tem dinheiro compra tudo o que se traz da Zona, nem mesmo tenta negociar, pergunta aostalker quanto quer e paga; depois, a noite, ele leva de volta para a Zona e enterra. Continuariamurmurando algumas coisas, mas logo pararia.

    - O que um Vazio cheio? - perguntou Dick Sei o que um Vazio vazio, Mas a primeira vezque ouo falar de um Vazio cheio.

  • Eu lhe expliquei, ele balanou a cabea e estalou os lbios.

    - Nossa... Bem interessante, isto uma novidade. E com quem voc foi, com aquele russo?

    - Foi, com Kirill, e tambm com Tender. Voc o conhece, no conhece? o outro assistente delaboratrio.

    - Eles devem ter te deixado louco...

    - Que nada, eles se comportaram muito bem. Especialmente Kirill. praticamente um stalker. Sprecisa de um pouco mais de experincia e que lhe ensinem a ser menos apressado. um tipo como qual iria todos os dias para a Zona.

    - E tambm todas as noites? - ele perguntou com um sorriso de bbado.

    - Pare com isso! No estou brincando...

    - Eu sei... Brincadeiras a parte, mas poderia me meter em um monte de problemas... Eu lhe devouma...

    - Quem tem uma o qu?! - Gutalin se levantou alterado

    O agarramos pelos braos e o voltamos a sentar em sua cadeira. Dick ps um cigarro em sua boca eo acendeu e, por fim, o acalmamos. Enquanto isso, mais e mais gente ia chegando no bar, logo eleestava cheio. Quase todas as mesas ficaram ocupadas e Ernest chamou suas garonetes, quecomearam a servir bebidas aos clientes: cervejas, coquetis, vodca. Notei que, ultimamente, haviamuitos rostos novos na cidade, na maioria jovens, alguns bem estranhos, otrios me