pietro ubaldi - o espírito da física | a manifestação ... · tro. podemos apenas aconselhá-lo,...

394
Pietro Ubaldi II – PARTE III – PARTE I – PARTE CONCLUSÃO DA OBRA

Upload: vuongdien

Post on 03-Dec-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • Pietro Ubaldi

    II PARTE III PARTE I PARTE

    CONCLUSO DA OBRA

  • PRINCPIOS DE UMA NOVA TICA

    APRESENTAO ....................................................................................................................................................... 1

    I. DEUS - DUAS CONCEPES .............................................................................................................................. 1

    II. EVOLUO DA TICA ...................................................................................................................................... 9

    III. MTODOS DE VIDA ........................................................................................................................................ 16

    IV. A PERSONALIDADE HUMANA .................................................................................................................... 23

    V. OS TRS BITIPOS TERRESTRES ............................................................................................................... 32

    VI. O DESTINO ........................................................................................................................................................ 40

    VII. PSICANLISE .................................................................................................................................................. 47

    VIII. A NOVA PSICANLISE ................................................................................................................................ 53

    IX. TCNICAS DE TRATAMENTO ..................................................................................................................... 61

    X. TICAS DO SEXO .............................................................................................................................................. 68

    XI. A TICA SEXFOBA DO CRISTIANISMO ................................................................................................. 73

    XII. O SEXO COMO PROBLEMA ATUAL ......................................................................................................... 80

    XIII. CONCLUSES. AMOR E CONVIVNCIA SOCIAL .............................................................................. 85

    A DESCIDA DOS IDEAIS

    P R E F C I O ......................................................................................................................................................... 93

    I. A DESCIDA DOS IDEAIS. ESTRUTURA DO FENMENO ......................................................................... 95

    II. A HUMANIDADE EM FASE DE TRANSIO EVOLUTIVA ................................................................... 99

    III. O CRTICO MOMENTO HISTRICO ATUAL. O INCIO DE UMA NOVA ERA. ............................ 102

    V. A EVOLUO DAS RELIGIES................................................................................................................... 132

    VI. SINAIS DOS TEMPOS - JEAN PAUL SARTRE ......................................................................................... 134

    VII. OS IDEAIS E A REALIDADE DA VIDA .................................................................................................... 139

    VIII. DESENVOLVIMENTO DO CRISTIANISMO .......................................................................................... 149

    X. A CRISE DO CATOLICISMO......................................................................................................................... 160

    XI. PSICANLISE DAS RELIGIES E ............................................................................................................. 166

    ASPECTOS DO CRISTIANISMO........................................................................................................................ 166

    XII. CINCIA E RELIGIO ................................................................................................................................ 188

    XIII. TRABALHO E PROPRIEDADE ................................................................................................................ 194

    UM DESTINO SEGUINDO CRISTO

    PREMBULO ......................................................................................................................................................... 205

    I. O VOTO ............................................................................................................................................................... 208

    II. O SIGNIFICADO .............................................................................................................................................. 210

    III. POBREZA E EVANGELHO .......................................................................................................................... 215

    IV. INCOMPREENSO E CONDENAO ....................................................................................................... 219

    V. A VIDA UMA ESCOLA ................................................................................................................................ 224

    VI. O PROBLEMA DA JUSTIA E OS EQUILBRIOS DA LEI ................................................................... 228

    VII. SINAIS DOS TEMPOS .................................................................................................................................. 231

  • VIII. INVESTIMENTOS NO BANCO DE DEUS ................................................................................................ 240

    IX. A UNIVERSAL BIPOLARIDADE DO SEXO NAS RELIGIES .............................................................. 244

    X. O IDEAL E O MUNDO ..................................................................................................................................... 251

    XI. A CRISE DA VELHA MORAL ....................................................................................................................... 257

    XII. O PROBLEMA RELIGIOSO. A OBRA PERANTE A IGREJA .............................................................. 271

    XIII. A OFERTA ..................................................................................................................................................... 285

    XIV. GNESE E SIGNIFICADO DA OBRA ....................................................................................................... 289

    XV. O CALVRIO DE UM IDEALISTA ............................................................................................................. 293

    XVI. O MEU CASO PARAPSICOLGICO ........................................................................................................ 297

    XVII. O LTIMO ATO. O HOMEM PERANTE A MORTE ............................................................................ 312

    XVIII. LIBERTAO ............................................................................................................................................ 324

    CRISTO

    PRIMEIRA PARTE A FIGURA DE CRISTO ................................................................................................... 327

    PREFCIO .............................................................................................................................................................. 327

    I. TUDO-UNO-DEUS .............................................................................................................................................. 328

    II. O FENMENO DA QUEDA ............................................................................................................................ 331

    III. A VIA CRUCIS DE CRISTO .......................................................................................................................... 332

    IV. A NOVA FIGURA DO CRISTO ..................................................................................................................... 334

    V. O CHOQUE ENTRE SISTEMA E ANTI-SISTEMA ..................................................................................... 336

    VI. NECESSIDADE MITOLGICA .................................................................................................................... 340

    VII. O MTODO DA NO VIOLNCIA ............................................................................................................ 343

    VIII. O CICLO INVOLUTIVOEVOLUTIVO ................................................................................................... 345

    SEGUNDA PARTE EVANGELHO E PROBLEMAS SOCIAIS ..................................................................... 348

    IX. JUSTIA SOCIAL ........................................................................................................................................... 348

    X. O SERMO DA MONTANHA ......................................................................................................................... 350

    XI. POBRES E RICOS ............................................................................................................................................ 353

    XII. O IDEAL NA TERRA ..................................................................................................................................... 355

    XIII. A ORIGEM DA JUSTIA SOCIAL ............................................................................................................ 358

    XIV. A ECONOMIA DO EVANGELHO ............................................................................................................. 360

    XV. VALORES TERRENOS ................................................................................................................................. 362

    XVI. VALORES ESPIRITUAIS ............................................................................................................................ 366

    XVII. FINALIDADES DA VIDA ........................................................................................................................... 369

    XVIII. OFENDIDO E OFENSOR - SEUS DESTINOS ....................................................................................... 372

    XIX. A NOVA TCNICA DE RELAES SOCIAIS ........................................................................................ 376

    XX. PRINCPIO DA RETIDO ............................................................................................................................ 381

    CONCLUSO .......................................................................................................................................................... 385

    Vida e Obra de Pietro Ubaldi (Sinopse)....................................................................................pgina de fundo

  • Pietro Ubaldi PRINCPIOS DE UMA NOVA TICA 1

    PRINCPIOS DE UMA NOVA TICA

    APRESENTAO

    Princpios de uma Nova tica o 10o volume da II Obra,

    que foi chamada de brasileira, porque escrita no Brasil. Este

    livro segue o recm publicado, Queda e Salvao, que o 9o

    volume da II Obra. Assim est sendo publicada esta segunda

    srie de 12 volumes, paralela primeira, j quase toda editada

    no Brasil, tambm de 12 volumes.

    Estamos, desse modo, nos aproximando do encerramento

    desta gigantesca Obra, que composta de duas partes, a I e a II

    Obra, formando um conjunto com cerca de 10.000 pginas. Por

    isso, a fase atual de desenvolvimento do pensamento central da

    Obra no mais aquela das teorias gerais orientadoras do co-

    nhecimento a respeito do imenso problema do universo, mas a

    fase do estudo das consequncias das afirmaes gerais e das

    suas aplicaes no terreno prtico, para iluminar quem queira

    viver com inteligncia e honestidade, compreendendo o pensa-

    mento das leis que dirigem a existncia de todos os seres.

    neste ponto que o leitor amadurecido poder ver a im-

    portncia destes ltimos livros conclusivos, escritos para nos

    dirigir na ao, o que significa agir com inteligncia, evitando

    erros que, depois, pelos princpios de equilbrio e justia da

    Lei, inevitvel ter de pagar, duramente, cada um s suas cus-

    tas, com a prpria dor.

    Nestes livros, porm, no queremos impor conduta alguma.

    Cada um permanece livre, e ningum pode constranger o ou-

    tro. Podemos apenas aconselh-lo, mostrando-lhe qual a con-

    sequncia fatal de no se viver de acordo com a Lei, mas con-

    tra ela, e indicando-lhe o melhor caminho para evitar a rea-

    o da Lei, que a dor, saudvel aviso para no voltar ao er-

    ro. O destino de cada um est nas prprias mos, e no nas de

    quem, pensando e escrevendo, pode com isso explicar, pelas

    leis que dirigem a vida, o que acontece ao indivduo como

    consequncia de seu livre comportamento. Para um ser inteli-

    gente, que sabe raciocinar, tal demonstrao poderia bastar.

    Mais do que isto o escritor no pode fazer. Se o leitor no en-

    tender, ter depois de ler um outro livro, escrito por si mesmo,

    com a sua dor, no seu destino. No entanto bom oferecer-lhe

    uma explicao preliminar, servindo como um aviso, para que

    ele, conhecendo o funcionamento das leis que regulam a sua

    vida, possa assim evitar o seu prprio prejuzo.

    As teorias gerais de que acima falvamos esto contidas

    nos livros bsicos da obra: A Grande Sntese, Deus e Univer-

    so, O Sistema e Queda e Salvao. Eles oferecem um sistema

    cientfico-filosfico-tico-teolgico completo, cujos pormeno-

    res os outros livros da Obra explicam, ampliando aspectos

    particulares. Nesses livros bsicos, o leitor encontrar as de-

    monstraes que nos autorizam a chegar s concluses conti-

    das no presente volume. Isto prova que no chegamos a elas

    levianamente, fantasiando, mas sim amadurecidos pelo pen-

    samento desenvolvido em milhares de pginas, que constituem

    a premissa positiva das concluses.

    I. DEUS - DUAS CONCEPES

    Deus existe Uma prova poderia ser a que nos oferecida pe-

    lo materialismo ateu, que O nega. Assim como a sombra implica

    a presena da luz, tambm a negao pressupe a existncia do

    que se nega. S se pode afirmar a no-existncia daquilo que sa-

    bemos que existe. De outra maneira, de que se afirmaria a no-

    existncia? Do nada? Mas o nada j no existe por si prprio, e

    para que ele no exista, no necessrio afirmar a sua no-

    existncia. Nada se pode dizer do que no conhecemos, porque

    no existe. Como se pode afirmar que no existe o que no sa-

    bemos o que ? Se no sabemos o que o nada, porque ele no

    existe. Como se pode afirmar a sua no-existncia, quando nin-

    gum sabe da sua existncia? Portanto, se negamos uma coisa,

    porque ela existe. A negao de Deus prova a Sua existncia.

    No caso do materialismo ateu, porm, essa negao no re-

    presenta a negao de Deus no que Ele porque, para o ho-

    mem, isto est alm do seu conhecimento e porque, no absoluto,

    Deus est acima de toda a nossa negao ou afirmao mas

    somente a negao da ideia que o homem, num dado momento

    histrico, tem de Deus, isto , da representao que ele, num de-

    terminado tempo, faz de Deus, conforme o grau de evoluo

    atingido. Assim, por exemplo, um materialista entre os selvagens

    seria quem nega a existncia do Deus do feiticeiro, representado

    por um boneco com a cara e as qualidades do selvagem.

    H, ento, dois pontos bem diferentes na questo: 1) Deus

    em Si mesmo, no absoluto, acima da compreenso humana; 2)

    Deus como ideia concebida pelo homem no seu relativo, consti-

    tuindo a imagem que ele faz de Deus conforme os seus poderes

    de representao. O primeiro caso nos foge completamente,

    porque est alm do nosso conhecimento. O segundo caso re-

    presenta tudo o que conseguimos saber de Deus, isto , uma re-

    presentao a ns relativa, mas progressiva em funo do grau

    de evoluo por ns atingido.

    Que negou, ento, o materialismo da cincia? Negou somen-

    te a nica coisa que ele podia negar, isto , o que o homem co-

    nhecia: o conceito relativo de Deus, sustentado pelas religies

    no perodo histrico em que o materialismo apareceu. No entan-

    to, pelo prprio fato de que aquele conceito, sendo relativo, est

    em evoluo e de que hoje a humanidade entrou numa fase mais

    adiantada de amadurecimento mental, o qual leva tudo a ser

    concebido, e tambm Deus, com outra forma psicolgica e dife-

    rentes pontos de referncia, eis que o velho materialismo ateu

    acabou por se encontrar perante uma nova ideia de Deus, e no

    mais aquela que ele estava negando. Com a evoluo, que tudo

    arrasta no seu caminho, esta ideia havia-se transformado, devido

    a um amadurecimento evolutivo geral, do qual a prpria cincia

    materialista, com a sua negao do velho conceito de Deus, faz

    parte. Disto se segue que o clssico materialismo ateu no repre-

    senta, hoje, seno uma negao da velha concepo de Deus

    sustentada pelas religies, enquanto a prpria cincia acabou de-

    sembocando numa concepo mais adiantada de Deus, a qual

    ela no pode mais negar, tendo, pelo contrrio, de aceit-la, por-

    que esta ideia explica e funde em unidade os resultados parciais

    da cincia, dando a eles um sentido orgnico e telefinalista, sem

    o qual tudo fica abandonado na desordem do acaso e no mistrio

    dos incontveis problemas ainda no resolvidos.

    Assim, na economia da vida, o materialismo ateu no foi

    um meio para chegar negao de Deus, mas apenas para des-

    truir a velha ideia que Dele era feita pelo homem nas religies

    e, com isso, atingir uma nova concepo, mais evoluda, com-

    pleta e convincente. Tal processo ainda est realizando-se. De

    fato, a nova cincia destruiu a concepo materialista da mat-

    ria, a qual ela desintegrou, desmaterializando-a em energia.

    Hoje, como estamos vendo acontecer, a cincia est sendo

    constrangida pelos fatos, os quais ela no pode negar, a abstra-

    ir-se cada vez mais da materialidade sensria para chegar a en-

  • 2 PRINCPIOS DE UMA NOVA TICA Pietro Ubaldi

    tender a matria como uma realidade imaterial, explicando a

    substncia das coisas com um conceito que cada vez mais se

    aproxima e tende a coincidir com aquele impondervel inteli-

    gente, chamado de esprito no passado.

    O que nos interessa agora observar quais so essas duas

    concepes de Deus, com tudo o que delas decorre, sobretudo

    a respeito da conduta humana, o que nos conduz ao terreno da

    tica, nosso atual assunto desenvolvido neste volume. Como

    sempre acontece entre o que est morrendo e o que est nas-

    cendo no seu lugar, as duas concepes esto em luta. A pri-

    meira est fixada nas religies e na respectiva forma mental,

    filha do passado menos evoludo. A segunda representada

    pelos espritos mais amadurecidos, que se rebelam contra o

    passado, antecipando a nova maneira de conceber Deus e as

    relaes do homem com Ele.

    O conceito de Deus e a respectiva tica que nos oferecem as

    religies atuais, corresponde ao grau de amadurecimento evolu-

    tivo atingido pela humanidade atual. Esse o nico conceito

    que as religies nos podem oferecer, porque o nico que a

    maioria pode entender, aquele com o qual ela concorda, porque

    ele, no importa se atrasado, corresponde aos seus instintos na-

    turais. Um conceito mais adiantado a massa no poderia aceitar,

    porque est fora da sua forma mental, que estabelece quais so

    as ideias vigentes em nosso mundo. Como j explicamos em

    outros livros nossos, o bitipo dominante na Terra o involudo

    e, sendo ele a maioria, tem todos os direitos, afirma e pratica a

    verdade que quer, no importa qual seja a sua f teoricamente

    professada nas verdades eternas, as quais, por longa experin-

    cia, ele sabe torcer, para adapt-las s suas comodidades.

    Qual ento esse conceito que acabamos de mencionar?

    Uma vez que aqui falaremos de tica, iremos examinar tal con-

    ceito sobretudo no que se refere nossa conduta humana, tendo

    como ponto de referncia Deus e a nossa concepo Dele, da

    qual depende a tica. A ideia que o homem possui de Deus,

    herdada do passado, est ligada sobretudo a um ser todo-

    poderoso, que, por isso, pode fazer o que bem entender, violan-

    do arbitrariamente e vontade as leis que Ele prprio estabele-

    ceu para o funcionamento da fenomenologia universal. Assim o

    homem, com a sua forma mental, tinha construdo um Deus

    com as suas prprias e bem humanas qualidades, de dominador

    rebelde, cujo poder se realiza e se manifesta pela imposio da

    sua vontade a todos, seja ela qual for, cioso dos rivais e egoisti-

    camente preocupado apenas em dominar seus sditos, para ser

    obedecido por eles. O poder deste Deus, ento, no estava na

    ordem, e sim na violao da ordem. Mas isso justamente o

    poder da revolta, que gera desordem e destruio, representan-

    do o poder negativo do anti-Deus, e no o positivo de Deus. Es-

    tamos nos antpodas. Instintivamente, o homem criou para si

    uma ideia de Deus feita sua imagem e semelhana, ideia deri-

    vada da posio do prprio homem, invertida pela queda no

    Anti-Sistema. (Que o universo est cindido nos dois termos

    opostos do dualismo, Sistema e Anti-Sistema, j foi explicado

    em nosso volume O Sistema. Tambm no presente livro, quan-

    do falarmos de Sistema, abreviaremos com S; e quanto falar-

    mos de Anti-Sistema, abreviaremos com AS).

    Tal Deus faz milagres, contrapondo-se arbitrariamente

    Sua prpria ordem, o que leva a uma contradio absurda, pos-

    svel na criatura que se revolta contra Deus, mas inadmissvel

    em Deus, que, neste caso, estaria revoltando-se contra Si mes-

    mo. Mas o homem no podia sair da sua forma mental e, nada

    mais possuindo, teve de construir para si a sua ideia de Deus

    somente com os conceitos que lhe forneciam as suas experin-

    cias terrenas, ficando fechado dentro do seu inexorvel antro-

    pomorfismo. Esse Deus favorece, com a Sua graa, apenas

    quem Ele quer, infringindo o Seu princpio de justia. Ele cria

    do nada as almas e as envia, pelos Seus imperscrutveis desg-

    nios, para viver na Terra, cada uma em condies bem diferen-

    tes da outra, muitas vezes submetidas a sofrimentos diversos,

    sem que elas saibam o porqu dessa diferena e de tal conde-

    nao. Esse Deus pode fazer qualquer coisa, pelo direito do

    mais forte, na mais desordenada e injustificvel arbitrariedade,

    e a criatura tem de obedecer cegamente, sem ter o direito de

    saber, obedecendo no porque entendeu e aceitou convencida,

    mas porque constrangida, pelo clculo egosta, a fugir do ter-

    ror do inferno e, pela cobia, a buscar os deleites do paraso.

    Entender no possvel, sendo at mesmo proibido, porque

    considera-se ousadia querer desvendar os mistrios. No resta,

    assim, seno a f cega, o terror e a ignorncia.

    De tudo isto no se pode culpar ningum, porque nada dis-

    so foi feito com propsito de maldade. Este o nvel evolutivo

    tanto dos chefes como de seus rebanhos, e, neste nvel, o ho-

    mem no sabe conceber e funcionar com outra forma mental.

    Mas lgico que, se desta psicologia sai um tal conceito de

    Deus, dela saia tambm uma proporcionada concepo de ti-

    ca, dada por uma moral egosta e de arbtrio, com base nos

    mesmos princpios, tanto o da fora, que autoriza Deus a man-

    dar, como o da astcia, que permite o homem se evadir daque-

    le comando. Essa uma posio falsa e emborcada da tica.

    Estamos num terreno escorregadio, que, em lugar de levar em

    subida para o S, leva o ser em descida para o AS. Isso repre-

    senta o triunfo do involudo, que tudo criou no seu mundo para

    si, sua imagem e semelhana. No seu plano evolutivo, tudo

    regido pela lei da luta, pela seleo do mais forte e pelos ins-

    tintos que ela constrangeu o homem a desenvolver, nos quais

    se baseia a sua tica atual. Nesta fase primitiva no possvel

    apoiar-se na inteligncia e exigir que ela funcione, quando ain-

    da no est suficientemente desenvolvida.

    Se o conceito de Deus esse, bem terreno, de um patro que

    manda, punindo quem no lhe obedece, s pelo direito que lhe

    vem da sua fora de todo-poderoso, a lgica posio do fiel ,

    por equilbrio e defesa da vida, a do servo que procura evadir-

    se, seja amansando a ira do patro, que ele provocou com a sua

    desobedincia (fazendo de tudo para arrancar seu perdo, com

    preces, arrependimentos, promessas, ofertas, honras etc., mes-

    mo que mentirosas), seja procurando subtrair-se dura lei do

    patro, com enganos e todas as escapatrias possveis. Essa ati-

    tude fatal consequncia dessa posio em que o homem se co-

    loca perante Deus, de antagonismo, e no de fuso de interes-

    ses, posio devida ao estado de revolta, na qual, pela queda, a

    criatura se colocou perante o Criador. Essa posio invertida

    vai-se endireitando cada vez mais com a evoluo. E assim se

    explica como a condio do atual ser primitivo seja de inimiza-

    de com Deus, isto , a situao do mais fraco que foge do mais

    forte, e no de amizade com Deus, isto , a situao de um

    amigo que colabora para uma finalidade comum.

    Explica-se desse modo a estrutura das religies atuais, feitas

    sobretudo de prticas exteriores, que so fceis de realizar com

    pouco sacrifcio e, o mais importante, no incomodam a liberda-

    de de conduta do indivduo, deixando a cada um a possibilidade

    de satisfazer os seus instintos e realizar os seus negcios. re-

    conhecido, desta maneira, e respeitado o direito de pecar, isto ,

    de violar a Lei, constituindo esta prtica sempre a grande atrao

    dos primitivos, que formam a maioria. Tal violao , assim,

    prevista de antemo por uma organizao encarregada de eter-

    namente remendar tais pecados, para os quais fica, ento, amplo

    lugar no seio das religies, sem que eles produzam graves con-

    sequncias para quem os praticou. Em vez de ter, inexoravel-

    mente, de pagar aquelas consequncias at o ltimo ceitil em ou-

    tras encarnaes, sem escapatria possvel, lgico que convm

    mais rezar uma leve penitncia e, com um provisrio e fortuito

    arrependimento de relativa durao, considerar-se quite, pronto

    a repetir o erro, continuando assim a satisfazer-se. Adaptado

    comum psicologia atual, este mtodo aceito porque o paga-

    mento barato, convindo como bom negcio. Permanece assim,

  • Pietro Ubaldi PRINCPIOS DE UMA NOVA TICA 3

    com tal mtodo, o defeito de ser ele um engano que o homem

    desejaria praticar custa da justia de Deus, tentativa intil, pois

    tudo acaba recaindo sobre o culpado, que nem por isso pode es-

    capar quela justia, tendo da mesma forma de pagar nas reen-

    carnaes futuras a sua dvida, e isto sem entender nada. E Deus

    no aparece na Terra para esclarecer e impor fora a Sua lei,

    mas deixa que o ser a descubra s prprias custas, experimen-

    tando. Assim, no obstante o homem acredite que lhe escapa

    com a sua astcia, a Lei continua funcionando do mesmo modo,

    porque, para isso, ela no precisa do nosso conhecimento. E o

    homem, enquanto no tiver conscincia da Lei, ter de pagar

    com o seu sofrimento o preo da sua ignorncia.

    Eis, ento, o que se encontra na realidade dos fatos. Temos,

    de um lado, a casta sacerdotal, que justifica, enquanto represen-

    tante de Deus, a sua existncia e posio de domnio, apoiada

    em poderes espirituais dos quais depende a nossa vida futura.

    Do outro lado, temos o termo oposto, representado pela massa

    dos fiis, que procuram os meios para assegurarem as melhores

    condies de vida na sua continuao depois da morte. Uns e

    outros so impulsionados pelo mesmo instinto vital, que exige

    viver e sobreviver, e lutam por isso. Mas todos, uns e outros,

    vivem num mundo e pertencem a um nvel de evoluo onde

    no h ser que no seja rival de outro. Para satisfazer a necessi-

    dade fundamental de todos, que viver, torna-se indispensvel

    concordar numa convivncia, qual no possvel chegar sem

    se estabelecer um equilbrio entre as exigncias opostas, o que

    pode ser atingido com o mtodo da troca, pelo qual, para que

    seja possvel coexistir, cada um dos dois d alguma coisa, para

    receber outra. Cada um, ento, d o que tem. Assim, a casta sa-

    cerdotal oferece ao mundo a soluo do problema da vida de

    alm-tmulo com a salvao eterna, recebendo em troca os re-

    cursos materiais e o domnio que precisa para viver. Do outro

    lado, a massa dos fiis recebe da autoridade espiritual, para isso

    encarregada por Deus, a garantia de uma vida futura feliz, exe-

    cutando apenas algumas praticas exteriores e afirmando que

    acredita em coisas que no entende nem lhe interessa entender.

    Com isto, a classe sacerdotal, pelo princpio da troca, tem direi-

    to que a sociedade lhe retribua essa ddiva, reconhecendo o seu

    poder terreno com todas as suas decorrncias.

    Realiza-se, assim, a troca que permite a convivncia, consti-

    tuindo o meio necessrio para, nesse nvel evolutivo e confor-

    me suas respectivas leis, chegar simbiose. Assim, cada um

    pago com a moeda que o outro lhe oferece. Simbiose entre o

    espiritual e o material, na qual cada um d o que tem e recebe o

    que lhe falta. O espiritual concede o paraso e obtm a sua posi-

    o material. O material d vantagens concretas, mas exige por

    isso ser pago, tomando as vantagens espirituais. Mas cada um

    faz as suas contas, e o mundo, sabendo muito bem o valor do

    que ele concede e do que ele calcula receber, procura dar o me-

    nos possvel, sobretudo em relao a qualquer incmodo esfor-

    o individual. Como em tudo na Terra, h luta tambm entre os

    dois termos da simbiose, cada um procurando para si a maior

    vantagem possvel custa do outro. Ento, para receber a sua

    posio na sociedade e nela se manter, era necessrio que o po-

    der religioso no pedisse sacrifcios demasiados ao mundo,

    permitindo-lhe a possibilidade de atingir o seu objetivo de sal-

    vao final, praticando uma moral que consentisse muitas esca-

    patrias, com as quais, mantendo o mais profundo respeito pe-

    las prticas exteriores, fosse possvel dar suficiente satisfao

    aos instintos involudos, a principal exigncia da maioria.

    Deste modo, todos ficam satisfeitos, porque cada um acre-

    dita ter sido o mais astuto, recebendo mais do que d. O espiri-

    tual, dando promessas de salvao, mas recebendo a vantagem

    bem positiva da sua posio social; o material, ganhando a sal-

    vao com o mnimo de incmodo e esforo possvel. O nico

    que no ficou satisfeito foi Deus, cuja justia reclama e exigir

    pagamento de ambas as partes. Pela grande sabedoria das ast-

    cias humanas, parece que o nico, neste jogo, a ficar enganado

    Deus com a Sua lei. Isto o que pode pensar o homem com a

    sua forma mental de involudo e de rebelde ordem, julgando,

    com tal psicologia de primitivo, que possa haver vantagem em

    intrujar a Deus. Mas o homem no sabe que o nico a no ser

    enganado exatamente Deus e que o engano cair em cima

    dos enganadores, os quais no podero deixar de pagar os ter-

    rveis efeitos da sua astcia. Somente a ignorncia do primitivo

    pode acreditar que seja possvel intrujar a Deus. Assim, o invo-

    ludo espontaneamente levado a tal absurdo pelo seu instinti-

    vo impulso de revolta, ao qual ele, inconscientemente, obedece

    sem ter conhecimento da Lei nem suspeitar das suas reaes,

    pelas quais querer enganar a Deus significa apenas enganar-se

    a si prprio. No entanto, as religies ainda desconhecem o con-

    tedo da Lei e os princpios que regem a vida, de modo que

    no os podem ensinar. Enquanto no entender tudo isto, o

    mundo continuar vivendo satisfeito com esse acordo, que,

    embora lhe oferea a vantagem de satisfazer o seu instinto de

    aproveitar-se de tudo com a sua astcia, condena-o depois a

    pagar inexoravelmente o seu erro e saldar a dvida com a justi-

    a divina. O jogo bem combinado. As castas sacerdotais po-

    dem ficar nas suas posies, e a massa dos fiis pode, pagando

    apenas com prticas exteriores e seguindo nas suas comodida-

    des, satisfazer-se durante a vida, assegurando, ao mesmo tem-

    po, sua salvao para depois da morte. Desse modo, todos es-

    to contentes, porque puderam continuar vivendo, atingindo o

    maior resultado com o menor esforo, o que representa para

    todos um grande ideal. A maioria fica satisfeita apenas com o

    presente, interessando-se somente com a vantagem imediata.

    Para ela, porquanto desconhece a Lei e o seu contedo, o futu-

    ro que constitui o nosso presente de amanh algo incon-

    cebvel, desaparecendo nas neblinas do mistrio.

    Esse jogo corre bem, enquanto o homem permanece nas su-

    as atuais condies de involuo e de ignorncia, as quais no

    lhe permitem aperceber-se quo prejudicial para ele tal mto-

    do de enganos, que, no fim, no deixar de lev-lo a pagar esse

    erro, sua custa e com o seu sofrimento. Se, hoje, ele sabe ape-

    nas entender o que se verifica no presente imediato, sem se

    aperceber, devido sua miopia, das consequncias do seu m-

    todo atual, fatal que elas acabem chegando e que, assim, ele

    acabe pagando. Desse modo, a dor cumpre a tarefa de lhe ensi-

    nar a conhecer a Lei, para que ele no erre mais, ou seja, no v

    mais contra ela. assim que, pela dor, a mente humana ir

    aprendendo cada vez mais e, com isso, comear a entender

    quo louco e perigoso o seu mtodo atual.

    Mas, por enquanto, estamos bem longe de chegar a. O

    homem ainda funciona impulsionado irresistivelmente pelos

    seus instintos, fruto do seu passado. Ainda no soube libertar-

    se deles, evoluindo, e continua satisfeito em obedecer-lhes ce-

    gamente. O fato que a lei desse plano de vida a luta pela

    conquista de uma posio superior dos outros, e quem se en-

    contra situado nesse nvel de evoluo aceita e vive essa lei.

    por isso que tal mtodo tende a prevalecer em todas as raas,

    religies e partidos, ou seja, onde quer que exista o homem.

    Esta a razo pela qual quem tem o poder e manda , muitas

    vezes, levado a se aproveitar dessa posio no para cumprir

    uma tarefa diretiva, mas para dominar e levar vantagem sobre

    os seus dependentes, que, por sua vez, procuram pagar aos

    chefes na mesma moeda, defendendo-se o mais que podem e

    tentando todas as escapatrias para se evadir das leis. assim

    que o povo busca enganar os ministros das religies, mostran-

    do-se fiel nas prticas, mas fazendo ao mesmo tempo os seus

    negcios e aproveitando as oportunidades, enquanto os chefes

    ficam com o poder, prometendo em troca a salvao eterna.

    Esta a lei deste nvel, que a forma mental humana deseja. Es-

    ta a posio na qual tantos ficam satisfeitos, porque a ela cor-

  • 4 PRINCPIOS DE UMA NOVA TICA Pietro Ubaldi

    responde a natureza do homem, que, desse modo, fica ao sabor

    dos seus instintos. E todos se julgam, assim, inteligentes e s-

    bios. neste esforo de superao recproca que est o seu

    maior trabalho, a satisfao do seu orgulho, a demonstrao da

    sua inteligncia e a prova do seu valor.

    H, porm, outro fato. A lei do progresso trabalha continu-

    amente para tirar o homem dessa sua triste condio, impulsio-

    nando-o a evoluir. Atravs de incessantes e duras experincias

    neste baixo nvel de vida, o homem acabar forosamente atin-

    gindo o amadurecimento necessrio para compreender a estupi-

    dez de tal mtodo, pelo qual cada um sabe agir somente em

    obedincia cega aos instintos do inconsciente. O homem ter

    assim de aprender a pensar, para depois, ento, comportar-se

    com inteligncia e conscincia. A lei da evoluo, que o est

    incansavelmente impulsionando de baixo para cima nesse sen-

    tido, no pode tolerar que to involudo jogo dure para sempre

    e que o homem continue sendo apenas um menino, dirigido pe-

    lo seu subconsciente animal, como um menor que no sabe o

    que faz, incapaz de receber de Deus as suas liberdades, por no

    sabe assumir as suas responsabilidades. A vida somente pode

    permitir tudo isto a seres primitivos, no atual baixo nvel biol-

    gico. Pela fatal lei do progresso, a mente humana ter de se

    abrir, a fim de poder chegar a dirigir a vida com mtodos mais

    inteligentes, honestos e vantajosos.

    Essa exatamente a mudana que hoje se comea a realizar.

    A mente humana est saindo das nvoas de sua menoridade.

    Ela, agora, faz perguntas e pede respostas, no mais aceitando,

    somente por f cega, verdades apoiadas no mistrio. Comea a

    raciocinar, olhando as coisas com esprito crtico, e, antes de

    obedecer, quer ver claramente com a lgica e a razo, exigindo

    de quem manda que justifique a sua posio. Insatisfeita com as

    tradicionais palavras e afirmaes tericas, quer ver o que est

    atrs dos bastidores das verdades proclamadas e da autoridade

    que, nelas, pretendem se apoiar.

    Chegou a hora de explicar tudo com sinceridade e justia, se

    quisermos que os indivduos obedeam s leis. At ontem, foi

    necessrio o mtodo da f cega, porque no se pode dar expli-

    caes a meninos incapazes de entend-las, j que isso geraria

    naqueles crebros primitivos complicaes e mal-entendidos

    perigosos. Mas hoje, que o homem comea a amadurecer, ca-

    da vez mais necessria uma verdade demonstrada, que explique

    tudo e responda aos porqus, resolvendo os problemas, isto se

    no quisermos que ele vire as costas a qualquer princpio supe-

    rior, entregando-se ao ceticismo. Mas, infelizmente, o que es-

    t acontecendo. De fato, o homem atual encontra-se perante sis-

    temas velhos, adaptados a outras formas mentais, que ele no

    aceita mais. O que ele pede hoje um po verdadeiro, um nu-

    trimento vivo, aderente realidade biolgica e proporcionado

    ao seu estmago mais exigente, que est pronto para digerir no-

    vos pratos, no qual sejam completadas e explicadas nos seus

    mistrios as mesmas verdades eternas, porm demonstradas pa-

    ra convencer, atualizadas a par do grande progresso da cincia,

    atrs da qual hoje as religies, outrora na vanguarda do pensa-

    mento mundial, ficaram atrasadas, quase que abandonadas co-

    mo coisa velha, destinadas a um sto ou a um museu. Ao in-

    vs de satisfazer essa legtima nova fome espiritual, as religies

    continuam a repetir as mesmas coisas antigas, com as velhas

    palavras de sempre, nas quais os sculos passados adormece-

    ram, deixando, assim, de levar em conta e acompanhar essa re-

    novao que se est verificando na forma mental humana.

    Os jovens pedem esse nutrimento novo e fresco, apresenta-

    do numa forma mais vigorosa, como os tempos apocalpticos o

    exigem, e vo procur-lo alhures, sobretudo na cincia, porque,

    nas religies, encontram apenas um nutrimento ranoso, que

    hoje ningum mais digere, apresentado naquela forma estereo-

    tipada pela longa repetio e consumida pelo uso dos sculos,

    prpria para os adormecidos, feita de palavras aprendidas de

    cor, cansadas pelo peso do tempo, com o sentido j perdido pa-

    ra o ouvido moderno. No que na alma, sobretudo na dos jo-

    vens, falte a sede de verdades eternas. Mas as velhas teologias

    no so adequadas aos problemas dos tempos modernos. Quan-

    tos no gostariam de ser esclarecidos, para poderem resolver os

    problemas mximos do conhecimento e, assim, tornarem-se ca-

    pazes de se dirigir inteligentemente com a sua conduta! Toda-

    via, existem ideias velhas, feitas para nos embalar no sono da

    indiferena, com conceitos que, no decorrer do tempo, esgota-

    ram o seu impulso vital e que o progresso abandonou ao lado

    do caminho da evoluo. Os jovens de hoje cansaram-se e no

    prestam mais ouvidos. Eis de onde nasce a hodierna indiferen-

    a, o desinteresse de quem, por falta de convico, no toma

    mais a srio tais coisas, assumindo o absentesmo espiritual.

    Mantm-se assim uma indiferena cheia de respeito, como exi-

    gem as religies, o mesmo respeito que se deve ter para com os

    monumentos do passado e os tmulos dos mortos. Indiferena

    que desemboca no materialismo ateu, no epicurismo, na filoso-

    fia animal do primitivo, triste substituto de tudo que em vo se

    procura, mas no se encontrou; fruto do desespero da alma in-

    satisfeita que, precisando de uma filosofia qualquer para se di-

    rigir, no achou coisa melhor.

    Os jovens esto famintos de sinceridade, honestidade e jus-

    tia; esto desiludidos do passado, que muitas vezes lhes soa a

    engano, pelo mau uso que foi feito de tantas verdades. E, se

    eles esto revoltados, no por maldade sua, mas porque en-

    contram falta de bondade. Eles, que agora aparecem no palco

    da vida, vo observando o que h de verdade por detrs das

    aparncias, e ficam tristes, desnorteados pela falta de uma ori-

    entao sadia, coerente e convincente, que os ajude a navegar

    no oceano desconhecido da vida, dando a esta um significado e

    uma finalidade a atingir, que justifique e valorize tantos esfor-

    os, lutas e sofrimentos. Esse o po substancial que urgente

    dar ao mundo, um po de honestidade e de verdade. Disto o

    mundo precisa muito mais do que de atingir a Lua ou ir a ou-

    tros planetas (quem sabe para levar at l as suas guerras!), ou

    ento de fazer novos inventos para destruir a humanidade e a

    sua civilizao. O indispensvel, hoje, uma moral que corte

    at s razes toda a possibilidade de violncia e de mentira

    como lamentvamos acima mostrando que h leis na vida

    que ningum pode enganar.

    No nvel animal-humano, a vida se desenvolve num regime

    de luta, porque esta a lei desse plano evolutivo. Disto decorre

    que, em tal ambiente, a regra que os bons, por no serem for-

    tes nem astutos, so explorados e eliminados. Para o nosso

    mundo, a bondade uma forma de fraqueza que todos tm o di-

    reito de explorar, utilizando-a para sua prpria vantagem. Na

    prtica, at se assiste ao absurdo de se tentar aproveitar da bon-

    dade de Deus, pois tal mundo sabe que Ele infinitamente

    bom. necessrio ento desvendar esta to perigosa iluso, fi-

    lha da ignorncia e dos instintos primitivos. Se o mundo, por-

    que lhe convm, gosta de imaginar Deus dessa maneira, ne-

    cessrio entender que Ele no bom somente para que seja

    possvel explorar Sua bondade com o engano, mas que Ele ,

    sobretudo, inteligente, de modo que ningum, com a sua ast-

    cia, pode logr-Lo e se evadir da Sua lei, como o homem, de

    acordo com a sua forma mental, almejaria. preciso compre-

    ender que o fato de Deus ser bom no significa que, por isso,

    Ele seja um simplrio, a quem se pode enganar. Este tipo de

    psicologia terrena e somente serve para atingir as finalidades

    da lei da seleo do mais forte. Na sua concepo de Deus, o

    homem no sabe sair desta sua forma mental, produto do seu

    grau de evoluo, adaptada para promover, neste ambiente, o

    trabalho de seu progresso biolgico.

    Perante Deus e a Sua lei, loucura querer ser astuto, por-

    que no h escapatrias. Quem faz o mal tem de pag-lo sua

    custa, no importando se crente ou no. A nossa opinio, f

  • Pietro Ubaldi PRINCPIOS DE UMA NOVA TICA 5

    religiosa ou filosofia no podem fazer mudar as leis da vida.

    Ningum pode embrulhar Deus e a Sua lei. Mas o homem no

    gosta de semelhante conceito, preferindo antes, e por isso ima-

    ginou, um Deus bom, que se pode enganar. Mas isso no cor-

    responde verdade, sendo apenas um produto do subconscien-

    te instintivo, uma reduo do conceito de Deus dentro dos li-

    mites da psicologia terrena de luta, uma criao da mente hu-

    mana para satisfazer um desejo seu. Deus o que , em forma

    positiva para todos, incluindo os ateus, e no o resultado do

    que cada um, conforme a sua natureza, gosta mais de crer. O

    homem aceita o conceito de um Deus ludibrivel porque lhe

    agrada pensar que pode aproveitar-se desse Deus, satisfazendo

    assim o seu instinto de prevalecer acima de todos. Ora, ne-

    cessrio no cair nesse engano, pelo qual quem quer enganar

    acaba sendo enganado. O que de fato ocorre o contrrio do

    que o homem pensa. Deus abandona ao poder da reao da Lei

    quem quer fugir obedincia, enquanto defende os sinceros e

    honestos, que, seguindo o mtodo da justia, no querem se

    aproveitar de ningum, protegendo-os contra um mundo que,

    seguindo o mtodo da luta, explora-os e esmaga-os, pois, na-

    quele nvel, eles so considerados simplrios e tolos, isto , o

    bitipo do fraco a ser eliminado pela lei da seleo.

    Na sua ignorncia, o homem acredita que a sua pequena

    biologia terrestre representa toda a biologia do universo, em

    todos os seus nveis, e no entende que, em nveis superiores

    de existncia, situados ao longo do caminho da evoluo, pos-

    sam vigorar leis to diferentes na proteo da vida, que, peran-

    te elas, os nossos atuais mtodos se tornam absurdos e prejudi-

    ciais, a ponto de parecerem emborcados, tamanha a distino e

    a oposio entre eles. De fato, trata-se de um progressivo pro-

    cesso de endireitamento das qualidades do AS nas do S. Acon-

    tece ento que, num mais adiantado plano de existncia, os

    primeiros de hoje sero os ltimos de amanh e os ltimos de

    hoje sero os primeiros de amanh. Verifica-se o fato de que o

    ser, ao progredir do AS para o S, em virtude da evoluo, vai-

    se gradualmente harmonizando no seio da Lei, encontrando-se,

    por isso, cada vez menos no estado de separatismo qualidade

    dos involudos que os deixa sozinhos e abandonados, entre-

    gues apenas aos seus recursos individuais e cada vez mais no

    estado de unificao, qualidade dos evoludos, que os funde no

    organismo universal, permitindo-lhes desse modo utilizar os

    seus recursos e os meios de defesa. O homem no entende que

    a Lei viva e representa um pensamento querendo manifestar-

    se, estando sempre pronta a entrar em ao, to logo o ser, com

    os seus movimentos, ative o seu funcionamento. A Lei atua em

    relao a tais movimentos, sendo estes dependentes da nature-

    za do indivduo, que , por sua vez, consequncia da posio

    ocupada por ele na escala da evoluo. lgico ento que a lei

    feroz da seleo do mais forte no plano fsico funcione s no

    plano animal-humano, no seio da biologia desse nvel, ao pas-

    so que outra lei, aquela de harmonia e de justia, funcione num

    plano superior, no seio da biologia desse outro nvel. Assim,

    verifica-se que, no plano inferior, quem julgado o melhor (o

    mais forte, vencedor) torna-se o pior no plano superior (o re-

    belde ordem, delinquente), enquanto no plano inferior, quem

    julgado o pior (o homem bom e honesto, julgado fraco) tor-

    na-se no plano superior o melhor (o mais forte, vencedor, por-

    que defendido pela Lei). A Lei apenas aceita o mtodo da luta

    pela seleo do mais forte nos nveis inferiores, onde tal mto-

    do representa uma defesa da vida. Mas tudo se transforma na

    evoluo do AS para o S, inclusive o mtodo de defesa, que

    deixa de ser representado pela supremacia bestial de um indi-

    vduo sobre outro, como convm num mundo em estado de ca-

    os, para se constituir numa posio de obedincia na ordem,

    como convm num mundo que atingiu o estado orgnico, onde

    os impulsos inimigos (AS) chegaram, atravs de tanta luta, a

    coordenar-se em harmonia (S).

    Eis a tcnica do fenmeno. Como se diz em palavras sim-

    ples, Deus defende com a sua justia os honestos, que o mun-

    do condena e persegue. Deus protege quem Lhe obedece.

    Quem observa a Sua lei, est defendido por Ele. A arma para

    salvar os honestos est na defesa proporcionada por Deus, na

    qual se encontra o grande poder dos que abandonaram as ar-

    mas da fora e da astcia. Isto importante, sobretudo com

    relao ao tema que estamos tratando aqui, a tica, porque

    aqueles julgados os mais fracos pelo mundo podem, de fato,

    com tal jogo de elementos, tornar-se os mais fortes. E isso

    acontece devido existncia de uma lei positiva que rege a

    vida e que est sempre pronta para funcionar, to logo o indi-

    vduo se coloque nas devidas condies.

    Tudo isto est escrito na Lei, que representa o pensamento de

    Deus e a Sua vontade para realiz-lo. Assim, essa lei formada

    no apenas pelos princpios que dirigem os caminhos da vida,

    mas tambm pelos impulsos que realizam estes princpios. Essa

    lei foi escrita por Deus no funcionamento do universo, atravs da

    Sua criao, e toda a fenomenologia a cumpre. Tudo e todos tm

    de obedecer Lei, se no lhe querem sofrer as reaes. Mas o

    primeiro a obedecer e eis a grande maravilha o prprio

    Deus, que, assim, apenas obedece livremente Sua prpria von-

    tade, por Ele codificada na Sua lei. Ora, obedecer a si mesmo no

    obedecer, mas sim mandar. por essa obedincia de Deus, que

    o ser tem o mesmo dever de obedincia dentro da mesma ordem

    universal, que no admite ser violada pela vontade descontrolada

    do arbtrio de Deus. Perante a Sua ordem, isso no representaria

    liberdade, mas sim violao e erro. Ora, essa violao pode suce-

    der com o ser, que por essa culpa ter de pagar (assim se redi-

    mindo), mas no possvel em Deus, pois Ele no pode errar.

    A Lei, ento, representa no somente um princpio de ordem

    universal inviolvel, mas tambm um compromisso entre o Cria-

    dor e a criatura, com a garantia absoluta para esta de que a Lei

    sempre responder com exatido aos movimentos do ser, conso-

    ante os princpios estabelecidos e em proporo ao merecimento

    do ser. Esta concluso, que tambm diz respeito ao nosso atual

    tema da tica, de grande importncia para a nossa conduta, por-

    que, conhecendo este fato, o indivduo sabe que, ao cumprir o

    seu dever de obedincia Lei, ele tem o direito de receber em

    troca uma ajuda para defend-lo. Esse o princpio pelo qual

    funciona a Providncia de Deus. O real apoio do homem honesto,

    condenado pelo mundo, a certeza de que Deus, acima de todos,

    tambm respeita a Sua lei, merecendo por isso toda a confiana.

    H tambm outra razo em que nos podemos apoiar para

    ter essa confiana, e ela est na segurana que nos vem dos re-

    sultados, necessria para nos resolvermos a praticar todos os

    sacrifcios da obedincia e o esforo de uma conduta correta.

    A ideia a respeito de Deus oferecida a ns pelas religies a

    de que Ele criou o universo, tirando-o do nada ou do caos.

    Mas, depois de haver estabelecido a Sua ordem, Ele ter-se-ia

    ausentado para os cus, ficando a olhar l de longe a Sua obra,

    sem tomar parte ativa no seu funcionamento. Ora, queremos

    aqui salientar que nada mais absurdo do que essa ideia da au-

    sncia de Deus, a qual permite imagin-Lo afastado, longnquo

    e, assim, mais facilmente ludibrivel, quando, na verdade, a

    lgica exige e tudo nos fala da Sua presena viva e contnua

    entre ns no funcionamento orgnico do todo, dirigindo tudo

    de perto, vigiando, controlando, velando e realizando. Este fato

    acarreta importantes consequncias no terreno da tica, porque

    um Deus to prximo penetra toda a nossa vida por dentro e

    por fora, constituindo uma atmosfera em que todos estamos

    mergulhados e todos respiramos, da qual no h possibilidade

    de nos separarmos. Trata-se de um Deus que est conosco em

    todo lugar e a toda hora, inclusive fora dos templos, em meio

    nossa vida de lutas; um Deus independente de seus ministros,

    o que elimina a possibilidade de engan-Lo.

  • 6 PRINCPIOS DE UMA NOVA TICA Pietro Ubaldi

    H, portanto, duas maneiras de se conceber Deus, das quais

    derivam dois mtodos de pensar e de viver, duas ticas diferen-

    tes, filhas de dois tipos de religio: a do homem atual, ainda in-

    voludo, correspondente sua forma mental de primitivo, e a do

    evoludo, super-homem do futuro, correspondente a uma forma

    mental completamente diferente. No primeiro caso, o homem

    concebe Deus antropomorficamente sua imagem e semelhan-

    a, rebaixando-O at ao seu nvel humano, sujeitando-O sua

    lei de luta e tratando-O com o seu mtodo de astcia e psicolo-

    gia de engano, com que costuma enfrentar os seus semelhantes.

    No segundo caso, o homem, possuindo outra forma mental,

    concebe Deus como um ser que est acima das leis do plano

    humano e das suas maneiras de pensar e agir. Trata-O, por con-

    seguinte, com absoluta sinceridade e confiana, adotando um

    mtodo completamente diferente, apoiado na honestidade, no

    merecimento e na justia. No se trata aqui das aparncias cos-

    tumeiras, que o mundo desejaria tomar por verdades, nem to

    pouco das exterioridades apresentadas pelas doutrinas das reli-

    gies. Estamos falando da substncia vivida nos fatos, e no

    das ticas pregadas. Falamos daquilo que o homem de fato ,

    pensa e faz, sendo isso a nica coisa que interessa e vale.

    O que de fato existe no mundo, ento, so dois tipos de reli-

    gio: a vigente, filha do passado, e outra, que antecipa o futuro.

    Ambas correspondem a dois nveis de evoluo e so conse-

    quncia da forma mental e das leis que regem a vida do involu-

    do e do evoludo. Isso se deve ao fato de ser o homem uma cri-

    atura em evoluo, ou seja, em estado de transformismo, pelo

    qual, ao lado do velho, que est morrendo, aparece e existe o

    novo, que est nascendo. Esta a razo para existirem duas

    verdades diferentes, aparentemente contraditrias, mas que no

    passam de posies mais ou menos adiantadas ao longo do

    mesmo caminho da evoluo. So momentos sucessivos da

    mesma lei, que est sendo cumprida por seres pertencentes a

    dois nveis biolgicos sucessivos, um acima do outro. De cada

    uma dessas duas verdades deriva, coexistindo lado a lado, uma

    tica especfica correspondente: a inferior, praticada pela maio-

    ria involuda, e a outra, que, sendo exceo regra comum,

    seguida por uma minoria de evoludos.

    Isto apenas uma constatao de fatos, feita sem a inten-

    o de condenar ou reformar. Com efeito, nada pode ser feito

    neste sentido por um homem ou um grupo, mas somente pelas

    poderosas e sbias foras da vida, que se manifestam nos

    grandes acontecimentos histricos, tratando-se de profundos

    amadurecimentos biolgicos. E os honestos deste mundo so

    poucos demais para formar um grupo poderoso, alm de no

    possurem as qualidades de agressividade necessrias para

    vencer no terreno animal-humano. Quem segue o mtodo

    evanglico da no-resistncia foge da luta e, consequentemen-

    te, no pratica qualquer forma de imposio de ideais, condi-

    o que implica em ter de respeitar a ignorncia na qual o

    prximo, pronto a lutar para defend-la, permanece fechado.

    Quem no aceita o mtodo da luta tem de repudi-lo, mesmo

    quando no haja outro meio para tirar a cegueira aos cegos,

    rendendo-se a deix-los ser como quiserem ser.

    O que desejamos fazer aqui apenas indicar queles poucos

    indivduos inteligentes as tristes consequncias do mtodo hoje

    em vigor, explicar-lhes como, comparado ao que merece, so

    poucas as dores do mundo; faz-los ver que a Lei, e no o

    homem, que manda; mostrar-lhes que a dor que ensina, fa-

    zendo isto com fatos, e no com palavras, deixando cada um

    acreditar e pregar vontade, mas fazendo-o pagar sempre como

    merece. No h, pois, necessidade de impor fora ideias ou

    at mesmo a salvao, j que isso excita o instinto de agressivi-

    dade, provocando reao e luta, o que um convite para a ani-

    malidade funcionar. Para que incomodar a fera com sbias pre-

    gaes, quando ela se ofende em ouvi-las e se revolta contra

    elas? Para que isto, quando, nas mos da Lei, est pronta a lio

    do sofrimento, para ensinar to bem o que ningum pode deixar

    de aprender? A verdadeira tica no depende do homem, mas

    de Deus. Ela est acima de tudo e de todos, escrita na Lei e

    dentro da prpria natureza das coisas, razo pela qual no se

    pode fugir-lhe. Ento, por que lutar contra os inferiores, se isto

    serve apenas para excitar neles a ofensa e os artifcios do enga-

    no? Por que lutar para que eles entendam, se, pelo seu nvel

    evolutivo, no podem entender? Por que forar a sua evoluo,

    se o progresso fatal e se apenas Deus tem o poder de impulsi-

    on-los para frente? Por que, se a nossa pregao da verdade

    gera na sua forma mental apenas uma procura por escapatrias?

    Por que, se de fato no se atinge no mundo uma verdade nica

    e total, mas apenas uma disputa entre verdades e religies, cada

    uma considerando-se como absoluta e em luta para destruir as

    outras? Por que nos substituirmos sabedoria de Deus, quando

    a correo de todo erro automtica e a dor o grande mestre,

    sempre pronto a nos colocar no caminho certo?

    Nada mais podemos fazer seno explicar, aos que tm ouvi-

    dos para ouvir e inteligncia para entender, os imensos preju-

    zos que derivam da tica hoje vigorante. O atual sistema de in-

    sinceridade tem o mesmo valor daquele utilizado tanto pelo pa-

    tro capitalista que explora os operrios, pagando-lhes o menos

    possvel, como pelo operrio que, buscando uma compensao,

    procura explorar o patro, trabalhando pouco e da pior maneira

    possvel. Que rendimento pode dar um sistema de enganos e

    atritos recprocos, quando a energia tem de ser desperdiada

    nessa luta para se explorarem um ao outro? Mas recolhendo

    os tristes resultados desse mtodo, que se acaba entendendo

    quo pouco ele seja rendoso, o que impulsiona a escolher outro,

    sem tais rivalidades e atritos, at se atingir um estado de cola-

    borao, que representa a maior vantagem para todos. O mesmo

    acontece, como j vimos, no caso do mtodo empregado tanto

    pela casta sacerdotal, que, do seu lado, consegue ficar na sua

    posio de domnio, empregando a ameaa do inferno e a pro-

    messa do paraso, como pela massa de seguidores, que acredita

    apenas no seu interesse e busca se compensar, enganando a

    Deus e seus ministros, com a execuo somente de prticas ex-

    teriores, pensando ganhar com elas a salvao. Chega-se assim

    a uma religio s avessas, onde se satisfazem os instintos infe-

    riores e se aprende a arte da mentira. Tal mtodo, porm, pelos

    muitos sofrimentos que gera para todos, persiste apenas en-

    quanto eles no aprendem um outro, menos prejudicial que,

    sem praticar enganos, no termine no engano apoiado na sin-

    ceridade com Deus e consigo mesmo.

    Esta a religio para a qual o impulso do progresso e a es-

    cola de to duras experincias ter de levar o homem. Religio

    do futuro, mais livre, porm sem possibilidade de enganos;

    imaterial, mas inflexvel, e no mais flexvel como as atuais.

    Ela no quer destruir as antigas, e sim insuflar no seu crcere de

    forma material, com o qual elas se esto fundindo e confundin-

    do, um novo sopro espiritual, para rejuvenesc-las e vivific-

    las, libertando-as o mais possvel daquela forma, que, quando

    se troca o vaso pelo contedo, representa um perigo. Trata-se

    de um progresso que nos aproxima mais do verdadeiro conceito

    de Deus. Isto quer dizer conquistar uma posio mais adiantada

    no caminho da evoluo e, por isso, mais poderosa e perfeita,

    porque mais prxima do S.

    estranho, porm, que as religies atuais considerem tal

    progresso uma ameaa e prefiram ficar cristalizadas nas suas

    velhas formas, o que morte, ao invs de correr ao encontro da

    vida, renovando-se. Avaliado com as velhas unidades de me-

    dida, quem procura a renovao julgado irreligioso, rebelde,

    hertico e, como tal, condenado. E os conservadores no en-

    tendem que esses indivduos aparentemente revolucionrios

    no trabalham para destruir o velho, mas sim para salv-lo,

    porque a vida est no movimento e na renovao. Quem esta-

    ciona a fim de se conservar, envelhece e morre. Sobretudo nas

  • Pietro Ubaldi PRINCPIOS DE UMA NOVA TICA 7

    horas das mais rpidas mudanas biolgicas, como a atual,

    quem no as segue acaba ficando abandonado para trs, morto

    no tmulo do passado. E, pela lei da evoluo, o novo est des-

    tinado a arrombar mais cedo ou mais tarde as portas fechadas

    de todas as resistncias.

    Os julgados revolucionrios no so destruidores, mas sim

    construtores, para que amanh, das runas das velhas religies,

    que esto desmoronando juntamente com os respectivos siste-

    mas ticos nelas apoiados, alguma coisa de firme e seguro per-

    manea no mundo, para orientar positivamente o homem do fu-

    turo e dirigir com clareza e honestidade a sua conduta. A atual

    falta de f, constatada no fato de no se tomar mais a srio as

    coisas de Deus no importa se disfarado atrs de aparncias

    formais representa um grave perigo que ameaa as religies

    atuais, anquilosadas na sua imobilidade, num momento em que

    todo o pensamento da humanidade est em crise e renovando-

    se. A cincia no soube substitu-las por nada e, portanto, no

    pode dirigir o homem. Ir Lua ou a outros planetas no orienta

    o homem na sua conduta, deixando assim sem soluo o pro-

    blema individual e o social. O homem permanece uma fera, po-

    rm armada de recursos terrveis. Sobre a cabea dos povos que

    conseguem engordar no bem-estar est suspensa por um fio a

    espada de Dmocles, ameaando uma guerra destruidora da

    humanidade e da sua civilizao.

    Se nestes livros procuramos explicar tudo, encarando e re-

    solvendo os maiores problemas, a fim de dar uma resposta ho-

    je ausente, isto no com a finalidade de criar uma nova teo-

    logia para substituir as antigas, mas sim para lhes dar um con-

    tedo positivo, demonstrado, de cuja lgica a razo no possa

    fugir, cumprindo a funo no de atingir abstraes filosficas,

    mas de chegar a concluses prticas, para uma conduta correta,

    tendo por base princpios claramente definidos e convincentes.

    O que procuramos uma religio capaz de, sem permitir esca-

    patrias, levar o homem a uma tica que, pela sua justia evi-

    dente, tenha o direito de impor o cumprimento dos deveres

    exigidos por ela, porque se baseia na realidade da vida, e no

    em abstraes tericas, situadas fora dessa realidade e, por is-

    so, entendidas por poucos. Perante uma religio inteiramente

    demonstrada e a natural tica decorrente dela, formando um

    conjunto que explica positivamente as consequncias fatais de

    cada ato nosso, com as quais cada erro tem de ser pago, no

    possvel ficar neutro nem h lugar para a hodierna indiferena.

    Acreditamos que s assim possvel vencer esse inimigo mor-

    tal de toda espiritualidade, que inicia a decomposio final das

    religies e preludia a sua morte.

    O que desejamos esclarecer que no se trata de agressivi-

    dade destruidora, mas sim de uma desesperada tentativa de

    aplicar uma injeo vital, para salvar da velhice da forma os va-

    lores eternos. Quando estes vo caindo, ento as religies

    porque lhes falta a substncia e nada mais resta seno o ceti-

    cismo adoecem e, esvaziadas de todo o contedo vital, ficam

    ameaadas de morte. O que de fato prevalece hoje o materia-

    lismo religioso, dado por uma aparncia formal de religio, pra-

    ticamente ateia na substncia, representando esta a ltima fase

    da decadncia. Na Idade Mdia, os problemas religiosos eram

    percebidos vivos, e os homens lutavam naquele terreno. Hoje

    tais problemas no interessam mais. O mundo voltou-lhes as

    costas, para tomar a srio os problemas da cincia, a nica fonte

    que parece oferecer um resultado capaz de satisfazer as exign-

    cias da mente moderna. Como ningum agride um morto, assim

    as religies saram do terreno da luta, que o terreno da vida.

    Quanto mais a mente se desenvolve, tanto mais o homem se

    torna exigente em querer conhecer as razes pelas quais ele tem

    de se conduzir de uma dada maneira, suportando os respectivos

    deveres e sacrifcios. Desponta ento um esprito crtico e uma

    autonomia de juzo que no permitem mais a aceitao cega das

    ideias simplistas do passado, impostas por sugesto ou princpio

    de autoridade. Assim, aparece o hbito do controle analtico das

    coisas e ideias, pelo qual, se o indivduo se apercebe que os ide-

    ais proclamados no correspondem realidade dos fatos e s

    exigncias da vida, ento os repele. Quando, com a psicanlise,

    comea-se a controlar a natureza subconsciente onde esto as

    razes de nossas aes de tantos dos nossos impulsos secretos,

    aos quais, no passado, o homem obedecia inconscientemente,

    como uma verdade absoluta, ento no mais fcil convencer e

    obter obedincia. Os pilares da velha lgica no se sustentam

    mais, porque est mudando por evoluo a forma mental huma-

    na. Mas, se neles se baseia o edifcio dos princpios que dirigem

    a nossa conduta, eis que esta fica sem alicerces, e o edifcio todo

    ameaa cair. Ento os que so intelectual e espiritualmente mais

    fortes comeam a pensar com a sua prpria cabea, dirigindo-se

    por si mesmos e assumindo sinceramente, perante Deus, as suas

    responsabilidades. Eles so condenados como rebeldes por sa-

    rem das fileiras, o que escndalo. Mas quem tem uma cabea

    no pode deixar de us-la para pensar, nem pode cort-la num

    suicdio espiritual, que a renncia ao conhecimento. Quanto

    mais a evoluo produz tal tipo de homem, tanto mais se torna

    contraproducente para as religies o velho mtodo absolutista.

    Concordar somente numa base de recproca utilidade, que o

    princpio da troca j visto por ns, no pode ser vantajoso, por-

    que no seguro para durar, nem slido para construir.

    A evoluo nunca para neste seu trabalho, lento mas cons-

    tante, de amadurecimento da forma mental humana. Chega-se

    assim a uma nova maneira de se conceber e se orientar com

    uma nova psicologia, o que significa dirigir-se com uma tica

    e mtodo de conduta diferentes. O ser aprende ento que, para

    alm de todas as formas exteriores, h uma realidade interior

    independente delas, representada pela existncia da mente di-

    retora de tudo, Deus, que fixou o Seu pensamento e a Sua von-

    tade de realizao na Sua lei. Deus est assim sempre presente,

    imanente em nosso universo, e, por essa Sua presena, o ser

    existe mergulhado e fundido Nele, que, representando o prin-

    cpio da prpria existncia, sustenta e anima tudo. Trata-se de

    um Deus do qual ningum pode sair e do qual nada se pode es-

    conder. Um Deus vivo ao nosso lado e presente a toda hora,

    com a Sua inteligncia e atividade. Quanto mais o ser evolu-

    do, tanto mais ele se torna consciente dessa presena e vive

    em contato direto com Deus, fundindo-se na Sua vontade e

    tornando-se assim, ao contrrio da criatura egocntrica e re-

    belde, Seu fiel instrumento. Um fato assim to fundamental

    orienta de maneira completamente diferente a vida, que se tor-

    na outra coisa. Ento o ser se faz consciente do funcionamento

    orgnico do todo, dos princpios que o regem e da tarefa que

    lhe cabe realizar. Ele compreende a lgica do plano divino na

    direo tudo e percebe que a sua maior vantagem est em se-

    gui-lo. Profundamente convencido disto, ele julga loucura o

    esprito de revolta do homem atual e, espontaneamente, colo-

    ca-se na ordem, para obedecer sabedoria da Lei.

    Dessa nova maneira de conceber decorrem consequncias

    importantes. Antes de tudo, o ser atinge um conceito comple-

    tamente diferente de Deus, da religio e da tica. Ao princpio

    antropomrfico do sistema hierrquico se substitui o princpio

    superior do sistema de tipo unitrio. Neste, a criatura no

    mais um sdito sujeito vontade de um rei que se colocou em

    cima de uma hierarquia de dependentes, perante o qual o indi-

    vduo no tem outro direito a no ser obedecer lei que o rei

    quer e faz, transmitida por intermdio dos seus ministros, que

    o representam, mandando em nome dele. A tal conceito, com-

    pletamente humano, que a reproduo da condio encontra-

    da em nosso atual nvel biolgico, substitui-se outro, de um es-

    tado orgnico, segundo o qual a criatura uma clula do todo,

    nele harmonicamente fundida numa ordem superior, ou seja,

    na Lei, que, com justia imparcial, tudo dirige e domina. A po-

  • 8 PRINCPIOS DE UMA NOVA TICA Pietro Ubaldi

    sio natural do ser no , ento, de automtica rebeldia

    qual o rebelde levado pelo fato de seus interesses, como

    acontece na sociedade humana, no serem os mesmos do che-

    fe, que manda apenas porque venceu como o mais forte mas,

    pelo contrrio, de espontnea obedincia, porque esta a

    condio da sua maior vantagem.

    E lgico que seja assim, porque o contedo de um plano

    evolutivo superior no pode ser seno de tipo unitrio, como

    o S, do qual aquele plano est mais prximo, e porque o conte-

    do de um plano evolutivo inferior, como o humano, no pode

    ser seno de tipo egocntrico separatista, como o AS, do qual

    este plano est mais prximo. Unio, fuso, eis a psicologia de

    quem atingiu a forma mental superior, que est nos antpodas

    da psicologia egocntrica, de oposio a tudo e a todos, divi-

    dindo em vez de unificar. Trata-se de duas formas opostas de

    pensamentos e de existncia.

    De tudo isto decorre uma diferente forma de conceber e rea-

    lizar as relaes sociais. O indivduo, ento, no mais um ri-

    val do seu semelhante, em luta contra ele, num regime de ini-

    mizade, guerra e atritos, mas seu amigo, num regime de com-

    preenso, paz e colaborao. Tudo isto representa uma grande

    mudana nas atuais condies da sociedade humana e ser a re-

    voluo que transformar um mundo de feras num mundo de

    seres conscientes e civilizados.

    Tudo isto diferente da tica e das religies em vigor. Dife-

    rente no do que elas pregam e sustentam em teoria, mas sim

    do que a maioria faz na prtica, devido natureza involuda do

    homem atual, que, com sua forma mental, no sabe sair do seu

    plano e concebe tudo antropomorficamente, reproduzindo o que

    ele v acontecer na Terra. A culpa, ento, no das religies,

    mas do homem ainda no evoludo, que no sabe pensar de ou-

    tro modo. Para ele, so necessrias as formas exteriores, os ab-

    solutismos dogmticos, o esprito de grupo para condenar todos

    os que se encontram fora dele, a exclusividade da verdade, a

    coligao de interesses, um Deus atingvel s atravs dos seus

    representantes materiais, bem visveis e concretos, o terror do

    dano (inferno) e a cobia da vantagem (paraso), sem o que tu-

    do cairia no abuso. Trata-se, ento, dada a natureza humana, de

    um mtodo indispensvel, de um mal necessrio, pois no se

    pode permitir liberdade s massas ignorantes, que, no pos-

    suindo qualquer instinto de autodisciplina consciente, mas s a

    desordenada inconscincia dos impulsos egocntricos individu-

    alistas, acabariam na anarquia.

    Se, porm, num nvel superior a este, o ser atinge a consci-

    ncia da Lei e da presena de Deus e, nesta conscincia, encon-

    tra a autodisciplina que dirige a sua conduta, tudo o que pro-

    duto daquela necessidade prtica para dominar os rebeldes com

    o medo da pena e o desejo do prmio, como agora mencion-

    vamos, no mais necessrio e, pelo fato de no ter mais razo

    para existir, tem de desaparecer. No h mais nada que justifi-

    que tais mtodos, quando o ser conhece a sua posio no todo e

    obedece a Deus com toda a liberdade, por convico, sem pre-

    cisar de ser constrangido, porque sabe que obedecer Lei re-

    presenta a sua maior vantagem. Esse novo tipo de tica repre-

    senta a maioridade das religies, que a nova civilizao do III

    Milnio alcanar. Podero assim desaparecer por evoluo os

    pontos fracos que vimos a respeito das religies atuais.

    Numa religio clara e visvel, positiva e racionalmente de-

    monstrada, sem nuvens de mistrio, no h mais lugar para en-

    ganos. Perante um Deus que a mente concebe verdadeiramente

    presente, e no s em teoria, no ter mais sentido desenvolver

    a arte das escapatrias. Quando no houver mais comando pra-

    ticado com a psicologia de patro, no haver mais razo para a

    revolta que nasce no corao da criatura. Para que ento deso-

    bedecer a Deus, quando a mente entendeu que isto absurdo e

    prejudicial, uma vez que rebelar-se quer dizer ferir-se com as

    prprias mos? Quem no procura a sua vantagem e no quer

    fugir do seu dano? Ningum pode ir contra a sua prpria vida.

    O problema s um: chegar a compreender quo contraprodu-

    cente o atual mtodo da conduta humana. Quando o homem

    entender a convenincia de ser honesto, ele s no far o que

    mais lhe convm, se for louco.

    Apesar de tudo, muitos quereriam ficar parados, descansan-

    do nas velhas posies do passado, poupando-se ao trabalho de

    progredir. Mas a evoluo no os deixa em paz, impulsionando-

    os irresistivelmente para frente. O homem, aos poucos, ir as-

    sim entendendo cada vez mais, at se aperceber quo mais sa-

    tisfatria uma conduta livre, com a obedincia espontnea, di-

    rigida pelo conhecimento e pela convico, em vez de uma dis-

    ciplina imposta fora, pelo terror da punio. A isto levar a

    evoluo, o que significa afastar-se do AS e de suas caracters-

    ticas, para aproximar-se do S, isto , de Deus.

    assim que Ele se aproxima de ns, e ns Dele. uma sen-

    sao deslumbrante a percepo dessa presena. maravilhoso

    poder absorver a Sua potncia vital, observando o pensamento

    Dele escrito na Sua lei e lendo esse livro, onde esto os princ-

    pios que dirigem a vida de tudo o que existe. Ele representa a

    atmosfera dinmica e conceptual que respiramos em todos os

    momento e lugares, circulando ao nosso redor, penetrando-nos

    e enchendo-nos por dentro. Que esplendor no ter de imaginar

    Deus afastado, longnquo nos cus, mas poder senti-lo vivo en-

    tre ns, trabalhando ao nosso lado, ajudando-nos em nossa luta

    para evoluir, com o Seu imenso poder, bondade e sabedoria!

    No pode deixar assim de acabar por si mesmo o jogo in-

    teresseiro para nos assegurar a vida futura, quando sabemos

    que ela est automaticamente garantida para quem a mereceu,

    conforme a justia exige, e que, seja qual for a nossa astcia,

    nada podemos obter, se no for merecido. A massa dos fiis

    de hoje, porm, no gosta e no aceita tal verdade, porque no

    sabe renunciar bela miragem que satisfaz os seus instintos,

    com a qual lhe parece possvel realizar o sonho de receber

    sem pagar, de obter sem merecer. Neste nvel prevalece o

    princpio da fora e da astcia, enquanto no nvel superior

    domina o princpio da justia. Nestes dois nveis biolgicos, a

    vida se defende com armas diferentes. As primeiras so de ti-

    po inferior, mais prximo do AS, e representam, por isso, um

    mtodo involudo, de superfcie, levando a uma vitria mais

    imediata, porm temporria, destinada a acabar na falncia,

    porque baseada no engano, e no no merecimento. Neste caso

    trata-se de um edifcio que tem de cair, porque, no tendo os

    seus alicerces nos princpios da Lei, desequilibrado. As ar-

    mas que defendem a vida no outro nvel biolgico so de tipo

    superior, mais prximo do S, e representam, por isso, um m-

    todo evoludo, que trabalha na profundeza, com uma vitria

    em longo prazo, porm estvel, que no acaba na falncia,

    porque baseada na verdade e no merecimento. Neste caso, tra-

    ta-se de um edifcio que no cai, porque, tendo os seus alicer-

    ces nos princpios da Lei, equilibrado.

    Chegando a esse superior plano de evoluo, mudam as re-

    laes entre o ser e Deus. Nada mais de arbtrio irresponsvel,

    pelo direito do mais forte. Tal conceito no pode existir seno

    na forma mental humana, em relao ao nvel desta e para as

    finalidades do seu mundo. Chegou a hora de aplicar a psicanli-

    se a este e outros conceitos que dominam nas religies, para ver

    de que impulsos do subconsciente eles nasceram. absurdo

    que, mais no alto, domine a mesma desordem e esprito de pre-

    potncia reinante no nvel humano. Direitos e deveres existem

    para todos, escritos na Lei. E Deus o primeiro que d o bom

    exemplo de obedincia Lei. Se imaginarmos Deus igual a um

    chefe humano que pode fazer tudo com o seu arbtrio, ento o

    ser estar, justamente por isso, autorizado a agir da mesma

    forma, tendo o direito de fazer perante Deus, como de fato

    acontece, o que fazem os sditos humanos, que procuram, com

    o engano, evadir-se da lei do mais forte.

  • Pietro Ubaldi PRINCPIOS DE UMA NOVA TICA 9

    lgico que, em dois nveis biolgicos diferentes, seja di-

    verso o conceito de Deus. A concepo antropomrfica do arb-

    trio descontrolado tem de desaparecer no nvel superior, porque

    a, onde reina uma ordem preestabelecida e perfeita, ela se torna

    absurda. Isto no ofende a liberdade de Deus, pois quem obe-

    dece sua prpria vontade no escravo. A primeira concep-

    o se baseia, de um lado, no princpio da fora, que em nosso

    mundo constitui o direito do patro, e, do outro, como reao

    correspondente, no princpio da astcia, que a criatura utiliza

    para exercer o seu equivalente direito vida, porquanto este

    comum a todos. A segunda concepo no se baseia mais em

    tal princpio de antagonismos e rivalidades, pelo qual o mais

    fraco tem de obedecer ao mais forte, mas sim num princpio de

    equilbrio estvel e de justia, representado pela reciprocidade

    dos direitos e deveres. Temos assim uma ordem perfeita para

    ambos os termos do binmio: Deus e criatura. O conceito de

    arbtrio est ligado ao de ignorncia, tentativa, escolha entre

    opostos, dualismo, egocentrismo individualista, desordem, im-

    perfeio, e nada disto compatvel com a perfeio de Deus.

    Em um nvel superior, o ser sabe com clareza o que ele deve

    fazer, tendo certeza de poder contar com a Lei, que lhe permite

    calcular os efeitos das suas aes.

    A palavra obedincia toma outro significado neste nvel su-

    perior. Nos planos inferiores, o egocentrismo individualista di-

    vide e a obedincia significa escravido perante uma vontade

    inimiga. Nos planos superiores, a obedincia do ser representa

    concordar e harmonizar-se com os princpios que regem a pr-

    pria vida dele, para sua maior vantagem. Mas ser constrangido

    obedincia para realizar o prprio bem no obedecer, mas

    sim realizar plenamente a prpria vontade. A diferena entre os

    dois nveis est no fato de que, nos planos inferiores, prevalece

    o antagonismo, o qual divide os seres entre si e contra Deus,

    tornando a obedincia uma opresso antivital, enquanto, nos

    planos superiores, tudo isto desaparece numa unidade na qual

    os seres se fundem entre si e com Deus, numa s vontade, diri-

    gida para a mesma finalidade de bem, o que transforma a obe-

    dincia em elemento vital. No segundo caso, ento, a obedin-

    cia no significa, como acontece com os patres terrenos, que

    Deus esmaga a criatura sua escrava, mas sim que Ele a ajuda,

    dignifica e respeita nela a Si prprio, todos colaborando juntos

    para o bem e a felicidade de cada um.

    Antes de ter o dever de obedecer, o ser tem o direito de sa-

    ber em proporo ao seu merecimento, desenvolvendo com o

    seu esforo a sua capacidade de entendimento. E Deus quer que

    a desenvolvamos sempre mais, para entender cada vez melhor.

    Ai de quem adormece por preguia na f cega, sustentando que

    tudo j foi resolvido e conhecido! A obedincia ser tanto

    mais perfeita quanto mais perfeito for o conhecimento. Quanto

    mais este se desenvolve, tanto mais o ser entende que sua

    vantagem obedecer, fundindo a sua vontade com a de Deus,

    que s quer o bem da criatura. E esta fuso pode ser realizada,

    uma vez que, subindo, desaparecem os egocentrismos separatis-

    tas dos rebeldes, levando os seres a se coordenarem e organiza-

    rem dentro do nico egocentrismo de Deus. Ento, o maior de-

    sejo e satisfao fazer a vontade do Pai, com a qual a nossa

    vontade se funde, tornando-se uma s, porque Ele quer o que

    ns mais desejamos, isto , a nossa felicidade. Neste nvel, no

    fazem mais sentido nem tm mais lugar os mtodos praticados

    no nvel atual, baseados na ideia da vingana, no terror da pena

    e nas astcias para escapar Lei.

    O ser pode ento se movimentar com conhecimento, num

    regime de lgica e clareza, que lhe garante os resultados. Ele se

    encontra finalmente perante um Deus sobretudo inteligente, que

    no condena como culpa o desejo de conhecimento e que admi-

    te perguntas inteligentes, s quais responde para quem tem ou-

    vidos. O ser sabe que tem os seus direitos e quais so eles, por-

    que Deus escreveu tudo na Sua lei; sabe que Deus no um pa-

    tro desptico e caprichoso, como tambm sabe que pode con-

    tar com Ele, porque Ele, honestamente, mantm a Sua palavra.

    Quando se torna um justo, o ser no tem mais nada a esconder

    ou a temer de Deus, passando a confiar Nele. Deus, ento, no

    mais um inimigo a temer, como os rebeldes acham que seja,

    mas sim um amigo que vem ao nosso encontro para nos ajudar.

    Ento o ser sabe que, obedecendo a Deus, pode, em nome da

    Sua prpria justia, reclamar perante Ele o cumprimento dela,

    pois ningum mais do que Deus pode exigir respeito pela or-

    dem estabelecida por Ele mesmo. Ento cada um que tenha

    verdadeiramente cumprido todo o seu dever e esteja com a

    conscincia limpa, pode dizer: Senhor, em nome da Tua pr-

    pria justia, que procurei realizar com todas as minhas foras,

    defende-me para eu obter justia neste mundo de injustias. A

    verdadeira ofensa contra Deus seria se essa justia no fosse re-

    alizada para quem a mereceu e, assim, prevalecesse no lugar da

    Lei, que a voz do S, a vontade do rebelde, que representa a

    voz do AS. O ser pode pecar, rebelando-se contra a vontade de

    Deus. Mas como pode Deus pecar, rebelando-se contra Sua

    prpria vontade? E como pode ser culpa reclamar perante Deus

    que seja realizada a Sua lei, isto , que seja feita a Sua vontade?

    II. EVOLUO DA TICA

    O problema da tica fundamental no fenmeno evolutivo,

    que o maior do universo. Da a sua extraordinria importn-

    cia. A tica fundamental porque representa a norma que dirige

    a nossa evoluo, ensinando-nos o caminho que nos leva sal-

    vao. Ela contm a regra de vida que, praticada, leva o ser ca-

    da vez mais a se aproximar do seu estado perfeito de origem, no

    qual ele se encontrava no S, antes da queda. A importncia da

    tica fundamental, porque ela est conexa com a Lei, repre-

    sentando a expresso direta dela, da qual enuncia o pensamento

    e manifesta a vontade a respeito da conduta do homem, dentro

    dos limites que ele pode entender e praticar em relao sua

    posio ao longo da escala evolutiva.

    por isso que encontramos ticas relativas e progressi-

    vas, como tambm relativa e progressiva toda verdade con-

    quistada pelo ser na sua subida, em proporo ao conheci-

    mento da Lei por ele atingido, somente em funo do qual a

    tica relativa pode ser entendida e praticada. Seria, por isso,

    interessante fazer um estudo da contnua transformao evo-

    lutiva das verdades declaradas absolutas pelas religies. Te-

    mos de lembrar que, em qualquer tempo ou lugar, cada fe-

    nmeno portanto tambm a prpria existncia no pode

    ser entendido seno como um vir-a-ser e que, assim, o ser

    no pode estar situado seno dentro desse universal transfor-

    mismo evolutivo nem pode viver seno em funo dele.

    por isso que a cada nvel biolgico corresponde uma tica re-

    lativa, ou moral de conduta, a qual se transforma to logo o

    ser suba a um nvel de evoluo mais adiantado.

    Eis como nasce e se justifica o conceito, a ser desenvolvido

    por ns agora, de uma tica atual, inferior, que chamamos do

    involudo, e de uma tica futura, mais adiantada, que chama-

    mos do evoludo. Vemos ambas existindo em nossa humanida-

    de, em luta entre si: a tica da teoria e a da prtica; a do Evan-

    gelho, que quer instaurar na Terra o reino de Deus, e a do mun-

    do, que, feita de cobia e destruio, quer continuar. Mas so-

    mente com esses conceitos se pode explicar a convivncia de

    duas ticas em contradio, em luta uma contra a outra. Isto se

    deve ao fato de, atualmente, a humanidade se encontrar numa

    fase de transio evolutiva, que vai de um plano biolgico para

    outro, condio pela qual, em nosso mundo, podemos hoje ver

    coexistir a velha tica do animal, ainda no extinta, ao lado da

    nova tica super-humana, que se vai afirmando cada vez mais.

    Podemos assim entender esse fenmeno semelhana da luta

    que se verifica entre a luz e as trevas na alvorada, ambas exis-

  • 10 PRINCPIOS DE UMA NOVA TICA Pietro Ubaldi

    tindo no mesmo tempo e lugar. por isso que enfrentamos aqui

    o problema da tica nesta forma dupla, pois este o aspecto as-

    sumido por ela em nosso mundo.

    Qual ento a diferena entre as duas ticas? Tomamos como

    pontos de referncia os mximos do universo: o S e o AS. O que

    nos permite julgar uma tica, oferecendo-nos a unidade de medi-

    da do seu valor, a sua posio ao longo da escala da evoluo.

    A tica do involudo mais prxima do AS e das suas qualida-

    des, portanto mais afastado do S e das qualidades deste. A tica

    do evoludo, por