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PESQUISA COMO POSSIBILIDADE DIDÁTICA NA FORMAÇÃO INICIAL: EXPERIÊNCIAS ESTÉTICAS RECONSTRUINDO IDENTIDADES José Albio Moreira de Sales Universidade Estadual do Ceará (UECE) Tânia Maria de Sousa França Universidade Estadual do Ceará (UECE) Gardner de Andrade Arrais Universidade Estadual do Ceará (UECE) RESUMO Este trabalho tem como objetivo apresentar uma reflexão teórico-prática sobre as experiências vivenciadas pelos discentes do curso de Pedagogia à distância de uma IES estadual, durante a disciplina de arte-educação, tendo como base a pesquisa, enquanto possibilidade didática ao articular saberes por meio da experiência estética, rompendo com a dicotomia teoria e prática a partir da indagação: os alunos e alunas conhecem as manifestações artístico-culturais do seu município? Tendo a pergunta como primazia para a construção do conhecimento, o professor pesquisador da sua prática e considerando que a formação inicial de professores deve favorecer, além de outros aspectos, o exercício da pesquisa como princípio educativo e cotidiano é que os alunos desse curso tiveram como problemática realizar um levantamento das manifestações do seu município nas áreas de teatro, dança, música, literatura e patrimônio material e imaterial, caracterizando, assim, uma pesquisa de campo do tipo exploratória. Esta pesquisa foi realizada de forma coletiva em oito pólos. A metodologia que subsidiou esta reflexão apoiou-se na abordagem qualitativa do tipo descritiva. Como instrumento de coleta de dados foi utilizada a observação participante e a análise dos relatórios de pesquisa elaborados pelos alunos e alunas de um único polo. O trabalho foi embasado em estudos de Demo (1996, 1997, 2004), Freire (1999), Pimenta e Lima (2004) e Anastasiou (2006). Dos resultados da pesquisa destaca-se a descoberta e reconhecimento da arte e da cultura dos diversos municípios; articulação dos vários saberes ministrados nas disciplinas de filosofia, história da educação, diversidade cultural e arte-educação por meio da experiência estética; reforço da identidade cultural de cada aluno/aluna com o seu município, além do exercício da pesquisa coletiva e de evidenciar o papel didático da pesquisa no processo de ensinar e aprender. Palavras-chave: Formação inicial. Experiências estéticas. Professor pesquisador. 1 INTRODUÇÃO A formação inicial de professores, no momento atual, tem adquirido grande relevância em decorrência dos estudos que refletem sobre os vários saberes necessários à formação docente. Acreditamos que além de outros aspectos a formação deve favorecer o exercício da pesquisa como princípio educativo e cotidiano, como defende Demo (1997, p.5) ao colocar que “o que melhor distingue a educação escolar de outros tipos e espaços Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade EdUECE - Livro 3 03249

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PESQUISA COMO POSSIBILIDADE DIDÁTICA NA FORMAÇÃO INICIAL:

EXPERIÊNCIAS ESTÉTICAS RECONSTRUINDO IDENTIDADES

José Albio Moreira de Sales

Universidade Estadual do Ceará (UECE)

Tânia Maria de Sousa França

Universidade Estadual do Ceará (UECE)

Gardner de Andrade Arrais

Universidade Estadual do Ceará (UECE)

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo apresentar uma reflexão teórico-prática sobre as

experiências vivenciadas pelos discentes do curso de Pedagogia à distância de uma IES

estadual, durante a disciplina de arte-educação, tendo como base a pesquisa, enquanto

possibilidade didática ao articular saberes por meio da experiência estética, rompendo

com a dicotomia teoria e prática a partir da indagação: os alunos e alunas conhecem as

manifestações artístico-culturais do seu município? Tendo a pergunta como primazia para

a construção do conhecimento, o professor pesquisador da sua prática e considerando que

a formação inicial de professores deve favorecer, além de outros aspectos, o exercício da

pesquisa como princípio educativo e cotidiano é que os alunos desse curso tiveram como

problemática realizar um levantamento das manifestações do seu município nas áreas de

teatro, dança, música, literatura e patrimônio material e imaterial, caracterizando, assim,

uma pesquisa de campo do tipo exploratória. Esta pesquisa foi realizada de forma coletiva

em oito pólos. A metodologia que subsidiou esta reflexão apoiou-se na abordagem

qualitativa do tipo descritiva. Como instrumento de coleta de dados foi utilizada a

observação participante e a análise dos relatórios de pesquisa elaborados pelos alunos e

alunas de um único polo. O trabalho foi embasado em estudos de Demo (1996, 1997,

2004), Freire (1999), Pimenta e Lima (2004) e Anastasiou (2006). Dos resultados da

pesquisa destaca-se a descoberta e reconhecimento da arte e da cultura dos diversos

municípios; articulação dos vários saberes ministrados nas disciplinas de filosofia,

história da educação, diversidade cultural e arte-educação por meio da experiência

estética; reforço da identidade cultural de cada aluno/aluna com o seu município, além do

exercício da pesquisa coletiva e de evidenciar o papel didático da pesquisa no processo

de ensinar e aprender.

Palavras-chave: Formação inicial. Experiências estéticas. Professor pesquisador.

1 INTRODUÇÃO

A formação inicial de professores, no momento atual, tem adquirido grande

relevância em decorrência dos estudos que refletem sobre os vários saberes necessários à

formação docente. Acreditamos que além de outros aspectos a formação deve favorecer

o exercício da pesquisa como princípio educativo e cotidiano, como defende Demo (1997,

p.5) ao colocar que “o que melhor distingue a educação escolar de outros tipos e espaços

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educativos é o fazer-se e refazer-se na e pela pesquisa” e o professor ser pesquisador da

sua prática, ação que vai gerar o movimento reflexivo ação-reflexão-ação, pois como diz

Freire (1999) oportuniza sair da consciência ingênua para a curiosidade epistemológica.

Como afirma Almeida (2000) o cotidiano pode conservar ou transformar, mas

o que vai permitir essa passagem, ou seja, sair da cotidianidade, é ter a pergunta como

primazia para a construção do conhecimento (SOUSA, 2007). Corroborando com esta

reflexão Terzzi (2004, p. 31) expressa que “perguntas que dão o que fazer possibilitam o

surgimento de concepções, a tomada de consciência de contradições, a realização de

confrontos de diferentes opiniões, o incentivo à pesquisa e à ação”. Afirma, ainda, que

“elas se constituem um motor do saber, quando o aluno procura uma informação que

corresponde a uma real necessidade de explicação”.

A partir dessas ideias este trabalho tem como objetivo apresentar uma

reflexão teórico-prática sobre as experiências estéticas vivenciadas pelos discentes do

Curso de Pedagogia à distância de uma IES estadual, durante a disciplina de arte-

educação, tendo como base a pesquisa enquanto possibilidade didática ao articular

saberes, rompendo com a dicotomia teoria e prática, a partir da pergunta: os alunos e

alunas conhecem as manifestações artístico-culturais do seu município? Os discentes

tiveram esta questão como problemática e para resolvê-la realizaram um levantamento

das manifestações do seu município nas áreas de teatro, dança, música, literatura oral e

patrimônio material e imaterial, caracterizando uma pesquisa de campo do tipo

exploratória. Esta pesquisa foi realizada de forma coletiva em oito polos.

A metodologia que subsidiou esta reflexão apoiou-se na abordagem

qualitativa do tipo descritiva, que “consiste na descrição de situações, acontecimentos e

ações, ou seja, mostrar como é e como se manifesta determinado fenômeno” (POLAK, et

al, 2011, p.75) tendo como objeto um único polo por ter sido o local onde atuamos como

professora formadora. Os dados foram coletados a partir da observação participante

durante as aulas e da análise tanto dos relatórios de pesquisa elaborados pelos alunos e

alunas, durante as atividades postadas no ambiente Moodle, como do projeto pedagógico

do curso. O trabalho foi embasado em estudos de DEMO (1996, 1997, 2004), FREIRE

(1999), PIMENTA e LIMA (2004), ANASTASIOU (2006) dentre outros.

Apresentamos a seguir as referências que serviram de base para o trabalho.

Depois trazemos a descrição do processo de pesquisa mediado pela análise dos dados e

articulados com os referenciais teóricos. Ao final, evidenciamos os ecos da pesquisa

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encontrados nas falas dos alunos e traçamos as considerações finais, destacando os

resultados encontrados a partir da pergunta inicial.

2 EM BUSCA DE ELEMENTOS PARA A DISCUSSÃO

Inicialmente trazemos para este cenário o Projeto Político Pedagógico (PPP)

do Curso de Licenciatura em Pedagogia, na modalidade à distância, ao tratar das bases

filosóficas e pedagógicas, que afirmam buscar

[...] a formação de indivíduos capazes de se adaptar às diversas

situações do mundo globalizado pressupõe a existência de docentes que

se mantenham atualizados e tenham como preocupação básica despertar

e manter em seus alunos a curiosidade pelo saber, a disponibilidade para

mudar, o desafio de criar novas respostas às situações vivenciadas e de

tornar-se reflexivo. (UECE, 2008, p. 5)

O mesmo documento reforça, ainda, “a compreensão do trabalho pedagógico

como elemento integrador da teoria e prática”, favorecendo “o desenvolvimento das

capacidades intelectuais e a criatividade dos alunos”, estando pautada a sua matriz

curricular nos princípios da autonomia, historicidade, teoria-prática,

interdisciplinaridade, construção e da investigação, compreendido esse último “como

exercício sistemático, planejado e coletivo da reflexão sobre a prática pedagógica. Traduz

a capacidade do professor de conhecer e avaliar as relações sociais, políticas, econômicas,

culturais e pedagógicas que influem em seu trabalho”.

Ancorado nesse princípio trazemos a defesa feita por Anastasiou (2006, p. 98)

de que “o ensino com pesquisa oferece condições para que os estudantes adquiram maior

autonomia, assumam responsabilidades”, ideia já defendida por Demo (1996,1997,

2004), quando é incisivo no seu discurso da pesquisa como princípio científico e

educativo, educar pela pesquisa e pesquisar para saber pensar, transformando assim, esse

fazer num pensar cotidiano, ou seja, que o professor além de utilizar a pesquisa como

possibilidade didática adquira uma postura investigativa da e sobre a sua prática. Como

podemos perceber quando os alunos expressam:

As atividades que nos foi designada foram muito proveitosas, na qual

conhecer a cultura de nossa cidade me trouxe uma nova aprendizagem, no

primeiro momento fiquei me perguntando: será que nossa cidade tem todas

essas culturas? No entanto quando fui à pesquisa percebi as maravilhas de

nossa cidade, tem uma imensa riqueza e diversidade cultural (Aluno 7)

No entanto, diante do tema pesquisado nas atividades anteriores, descobri

coisas interessantes e surpreendentes, que dentro do meu próprio lugar de

origem não havia estudado e observado. (Aluno 18)

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Aspecto, também defendido por Pimenta e Lima (2004), ao afirmarem que o

próprio processo de ensino do professor pode se transformar em objeto de pesquisa,

resultando em construção de conhecimento no campo da Didática. Daí colocarmos a

pesquisa como possibilidade didática, porque ao problematizar e analisar sua prática,

professor e alunos estão produzindo novos conhecimentos, unindo teoria e prática e

transformando o ensino de mera transmissão para algo construtivo.

Outro ponto de referência diz respeito à pesquisa coletiva, caracterizada pelo

“desenvolvimento de trabalho investigativo por um conjunto de pessoas em torno de um

mesmo objeto, compartilhando instrumentos e preocupações” (FARIAS et al. 2010, p.

11), favorecendo a troca de experiência, partilha de saberes, descobertas como afirma um

aluno:

O ato de pesquisar, principalmente em equipe, além de haver uma interação

maior do grupo e a troca de conhecimentos, nos proporciona reviver o

passado, compreendendo um saber histórico jamais vivenciado, que se

caracteriza pela diferença, pela arte e pela diversidade. (Aluno 18)

Entretanto, neste modo de fazer pesquisa Farias et al (2010) alerta para o

cuidado de garantir que as pessoas não apenas fiquem lado a lado, mas que desenvolvam

realmente um trabalho em conjunto, com espírito colaborativo, respeitando as diferenças

e sentindo-se parte do processo.

3 DESCREVENDO O PROCESSO DE PESQUISA

Tudo começou com uma reunião de planejamento dos professores formadores

(como são chamados os docentes que ministram as aulas presenciais) da disciplina Arte-

educação.

A pergunta que orientou a pesquisa foi: os alunos e alunas conhecem as

manifestações artístico-culturais do seu município? As reflexões teórico-práticas

aconteceram durante a reunião, ficando decidido que a atividade que nortearia toda a

disciplina seria uma pesquisa de campo coletiva, onde os alunos em grupo fariam um

levantamento das manifestações locais nas áreas: teatro, dança, música e literatura oral

(contador de histórias, repentistas, dentre outros), patrimônio material (construções

antigas, museus e outros), dividida em três atividades, a seguir discriminadas.

4 REGISTRAR ATRAVÉS DE UM TEXTO O RESULTADO ESCRITO DA SUA

PESQUISA

Nesta atividade os grupos foram convidados a escrever detalhadamente o que

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encontraram ao realizar o levantamento. Ao analisarmos os textos percebemos que cada

grupo procurou fazer o seu trabalho o mais completo possível, iniciando com a história

do município e depois relacionando as manifestações artístico-culturais, evidenciando a

diversidade. Uma das alunas afirmou: “nossa Cultura é bastante diversificada tendo cada

uma sua importância”. Este exercício causou alegria, resgate, descoberta, novos

conhecimentos e aprendizagens, como podemos perceber nas falas dos alunos:

A realização do levantamento das manifestações artísticas, principalmente

locais, foi uma experiência muito significativa. Por meio desse trabalho

descobrimos outras fontes e formas de arte, que até então, nem sabíamos que

existia em nossa localidade. (Aluno 1)

O trabalho desenvolvido nesta disciplina foi muito gratificante, pois

possibilitou resgatar, conhecer e aprender sobre culturas, costumes e o quanto

temos de riqueza artística em nossa cidade e no nosso país. (Aluno 15)

5 ENCAMINHAR ATRAVÉS DO AMBIENTE MOODLE O

MATERIAL PESQUISADO COMO: FOTOGRAFIAS, VÍDEOS, GRAVURAS,

ARTIGOS, ENTREVISTAS DENTRE OUTROS

Após o levantamento geral, os grupos foram convidados a adentrar numa

manifestação, realizando uma pesquisa mais específica e o resultado encaminhado para o

ambiente Moodle através de fotografias, vídeos, dentre outros, como está explicitado na

redação da atividade. Um aluno na sua fala deixa claro como foi importante esse momento

ao colocar:

A atividade 2 foi muito bem pensada, pois através dela pudemos nos deter

melhor em um só tipo de arte, e eu particularmente me envolvi bastante com

a instituição que visitamos, que foi a “mãos de fada”, me surpreendi com tudo

que lá é produzido, e com a maneira como é produzido, como as pessoas se

envolvem pra fazer tudo com perfeição. (Aluno 2)

Ao apreciar a produção dos grupos que enviaram vídeos, inclusive postados

no Youtube, fotografias, slides em Power Point, pudemos perceber a seriedade e o prazer

como a atividade foi realizada e como o resultado de uma pesquisa pode ser organizado

de várias formas, como defende Taveira (2001, p. 111), ao assinalar que acredita “haver

muitas maneiras para organizar um material dessa natureza”, reforçando ainda mais a

autora diz que:

Não podemos perder de vista o fato de que o cotidiano é algo que se

tece diariamente, a partir de seu próprio movimento, o que vai exigir do

pesquisador desse rico espaço/tempo, a disposição para “jogar” com as

suas possibilidades, sempre provisórias e imprevisíveis, e que, por isso

mesmo, são infinitamente possíveis de explorar.

Outro ponto que merece destaque nesta atividade é a articulação com outros

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saberes seja de história, arte, filosofia, bem como de informática, ampliando assim os

conhecimentos dos alunos-professores-pesquisadores.

6 REDIGIR UM TEXTO AVALIANDO A EXPERIÊNCIA VIVENCIADA

Nesta etapa do processo, como solicitou a atividade, os alunos e alunas

escreveram um texto colocando a sua percepção sobre a pesquisa realizada. O resultado

da análise foi dividido em seis categorias: A pesquisa como possibilidade didática e de

formação; O prazer no exercício de pesquisar; Construção da identidade; O trabalho em

grupo, articulando saberes; Produzindo conhecimentos e aprendizagens. Vejamos o que

disseram os alunos sobre cada uma delas.

A pesquisa como possibilidade didática e de formação

Todas as falas evidenciaram a importância da pesquisa na formação docente

como expressa um aluno, ao colocar que durante o processo de pesquisa ficou evidente

que este tipo de atividade visa “fortalecer a nossa concepção da pesquisa como princípio

e competência que norteiam os processos de formação docente”. (Aluno 4). Outro aluno

reforça dizendo que “poder pesquisar e aprofundar os conhecimentos sobre o estudo da

Arte representou para nós, uma experiência acadêmica impar e de alto impacto positivo

na nossa formação cidadã”. (Aluno 6). Como afirma Demo (2004, p. 7) “a pesquisa não

é relevante apenas porque exercita os instrumentos de construção de conhecimento, mas

principalmente porque é oportunidade primorosa de educação, formação”.

A pesquisa como possibilidade didática pode ser percebida quando o aluno

18 expressa que “a pesquisa é uma forma de encontrar respostas para diversas situações.

Podendo assim formular novas ideias sobre determinados assuntos ou, aperfeiçoar

argumentos já existentes”. E reforça: “o recente estudo apresentou a importância de

inserir o hábito da pesquisa, destacando a mesma como um instrumento na construção

do conhecimento, que é essencial para a trajetória de nós universitários e educadores

que somos”.

Ainda nesta categoria os alunos evidenciam a pesquisa como um espaço de

reflexão crítica, contribuindo para uma conscientização, ou seja, ação-reflexão-ação,

como pode-se perceber na fala a seguir:

Conhecer as variadas modalidades de expressão artística nos trouxe um

conhecimento maior também de como ensinar e usar arte na educação, pois

ela tem ainda a função de desenvolver as potencialidades pessoais de cada

um, contribuindo para a formação da consciência crítica do indivíduo, de sua

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visão de mundo, seu lugar e seu papel na sociedade, inserido em sua cultura

e sentindo-se parte dela. (Aluno 15)

Demo (1996, p. 37) apresenta a pesquisa como diálogo, expressão que

legitima a fala dos alunos, na medida em que ele diz que “pesquisa poderia ser: diálogo

inteligente com a realidade, tomando-o como processo e atitude, e como integrante do

cotidiano”, porque defende o mesmo autor: “um ser social emancipado nunca entra no

diálogo para somente escutar e seguir, mas para demarcar espaço próprio, a partir do qual

compreende o do outro e com ele se compõe ou se defronta”.

O prazer no exercício de pesquisar

Nesta categoria queremos mostrar como os alunos perceberam o exercício de

pesquisar. Pelas falas ficou explícito que os alunos gostaram de realizar a atividade, pois

a classificaram como válida e proveitosa, embora o aluno 16 tenha falado do sentimento

inicial de dificuldade ao pensar na realização da pesquisa, mas ele mesmo coloca que logo

se dissipou ao descobrir “como a cidade é rica com tantas expressões de variadas

vertentes”. Vejamos o que disseram:

Portanto a experiência foi bastante válida, já que pela pesquisa realizada se

teve a oportunidade do conhecimento das diversas manifestações culturais,

teatro, dança, suscitando o orgulho da nossa gente, fato que despertou nos

alunos a consciência da necessidade de um trabalho de divulgação de forma

a propagar a nossa riqueza cultural, valorizar as nossas raízes e estimular

novos talentos. (Aluno 13).

A experiência de pesquisar sobre nossas manifestações culturais locais foi

bastante vantajosa e significativa, pois possibilitou-nos a oportunidade de

estarmos mais próximos do que nos é próprio. (Aluno 17).

Reconstrução de identidade

A cultura é a identidade de um povo, ao desconhecê-la as pessoas perdem

suas raízes, sua identidade. Esse exercício de pesquisar as manifestações locais permitiu

esse conhecimento, logo oportunizou a reconstrução da identidade e isso tem como

consequência a valorização da cultura local e deixa fluir o sentimento de pertencimento

àquela história, àquele local, àquelas manifestações, especialmente porque essa pesquisa,

como disse o aluno 1, não favoreceu apenas “a experiência de estudarmos a diversidade

artística local, como também de convivermos com ela e vivenciá-la diretamente em nosso

cotidiano”. Vejamos o que disse o mesmo aluno sobre a valorização, às raízes:

A vivência com essa metodologia de trabalho, nos fez reconhecer melhor as

nossas próprias expressões artísticas, valorizando as nossas raízes e as

produções que vêm do seio da nossa terra. Muitas vezes, deixamos de lado

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tudo o que é fruto da nossa gente, e passamos a buscar e valorizar ainda mais,

aquilo que vem de fora.

Outros alunos evidenciaram esse mesmo sentimento ao expressarem:

Foi maravilhoso saber um pouco da história das nossas construções antigas,

das casas, das igrejas, das nossas tão faladas e conhecidas pontes, ou seja,

saber um pouco mais da nossa própria história. (Aluno 5).

Fazendo levantamento das manifestações locais da minha cidade, fiz uma

linda viagem resgatando memórias da minha infância. Tive surpresas

incríveis ao descobrir trabalhos maravilhosos que até então estavam fora do

meu conhecimento. [...] Fiquei emocionada ao lembrar dos Reisados! Como

esses momentos festivos eram divertidos e engraçados! Eu, na época, morria

de medo do careta! Outros personagens exóticos e engraçados faziam a festa.

O bumba meu boi era a maior atração. (Aluno 9).

Considerando que a identidade se forma nas diferentes relações estabelecidas,

é importante perceber como o exercício de pesquisar as diversas manifestações, permitiu

aos alunos fazerem relações desde as memórias da infância até os monumentos existentes

na cidade, reconstruindo a identidade, porque, como afirma Martins (2007, p. 202), “sua

construção ocorre na medida em que o indivíduo – seja ele criança, jovem ou adulto –

tem a possibilidade de se ver como uma pessoa que participa de um grupo com

características próprias, que procura neste grupo uma identidade enquanto ser social”.

O trabalho em grupo

Bonals (2003, p.13), afirma que “o trabalho em grupo, em determinadas

condições, incrementa a qualidade das aprendizagens e favorece a aquisição de

conhecimentos de alunos e de alunas, através da interação entre eles”. Podemos perceber

essa afirmativa se concretizar quando o aluno 1 diz que

[…] a proposta de trabalharmos em equipes, favoreceu ainda mais o espírito

de união da turma, já que todos tinham um mesmo objetivo em comum,

facilitando assim, a concretização da pesquisa e do levantamento das

informações coletadas”.

Outra fala também corrobora com essa ideia:

A experiência vivenciada neste trabalho em equipe foi maravilhosa, pois

tivemos além da oportunidade de passarmos mais um pouco tempo juntos e

nos conhecermos melhor, ainda aprendemos mais sobre o patrimônio cultural

de nossa cidade, que muitas vezes, nós nascemos e moramos a vida toda, mas

não conhecemos a nossa cidade. (Aluno 5).

Produzindo conhecimentos e aprendizagens

O que é o conhecimento? Com esta pergunta iniciamos a reflexão dessa

categoria. Segundo Luchesi (1992) o conhecimento é a elucidação da realidade e ele

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acontece de forma direta e indireta, mas sempre através da interação do sujeito com o

objeto a ser conhecido. No caso desta pesquisa o conhecimento aconteceu de forma direta,

porque os alunos foram a campo numa aproximação com a realidade, como falou o aluno

3:

Percebi que acabamos elaborando uma pesquisa de campo, que se apresentou

como uma possibilidade de aproximação com a realidade (conhecer e

estudar) envolveu a combinação da busca pela realização do trabalho com o

conhecimento da nossa realidade através de observações, levantamentos de

material documental, entre outros. Acredito que o campo tornou-se um palco

de manifestações e interações entre nós pesquisadores e grupos estudados,

propiciando a criação de novos conhecimentos. (Aluno 3)

Diante dessa aproximação muitas aprendizagens foram geradas, muitos

conhecimentos produzidos:

Esse trabalho em cada um de seus momentos propostos nos proporcionou um

novo conhecimento, acerca do patrimônio histórico, artístico e cultural

presente em nossa cidade. Patrimônios esses, que muitas vezes, até passaram

despercebidos aos nossos olhos, que só através dessa pesquisa e análise mais

aprofundada é que foram redescobertos, mostrando a grande riqueza de

detalhes, que compõe o nosso conjunto de bens artísticos e culturais. (Aluno

1).

Dentro do trabalho realizado podemos perceber que existem várias formas de

conhecer a cultura de uma localidade sem a necessidade de recursos

econômicos. (Aluno 14).

Para mim foi bastante significativo me aprofundar na cultura e no

conhecimento da história das pessoas ilustres de minha terra, quando sempre

ouvi falar, mas nunca dei a devida importância para conhecer a fundo. Hoje

sei que o meu município é uma terra de grandes historiadores, que um dia

aqui habitaram e de artistas que muitas vezes não tem seus talentos

reconhecidos, mas que não desistem de seus ideais. (Aluno 3).

Articulando saberes

A ação de articular é uma habilidade que se faz presente na medida em que o

conhecimento vai sendo produzido e novas aprendizagens surgem. Como ficaram

evidenciados na categoria anterior, o exercício da pesquisa gerou vários conhecimentos e

não somente informações. Podemos dizer, neste momento, que também os alunos foram

capazes de articular esses conhecimentos, fazendo relações não somente com outras áreas

do conhecimento, outros saberes, mas também com o momento contemporâneo,

relacionando o local com o global, como fica claro nas seguintes falas.

Ao pesquisar sobre o município, adentramos na micro-história, ou seja,

aquela história ligada diretamente a nós, às nossas relações cotidianas, ao

espaço físico onde vivemos e convivemos e sua relação com a macro-história.

Sempre gostei de realizar esse tipo de pesquisa local, e com essa atividade

não foi diferente, pois tenho certa paixão por História e acredito que esse tipo

de atividade proporciona uma sensação muito boa, pois me sinto como

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participante da história ao entender que o local onde eu vivo participou

também ativamente na construção da história do Brasil. Isso é sensacional.

(Aluno 10).

Vivenciar essa prática de pesquisa foi um momento muito importante e

construtivo, pois me senti dentro da história. Não uma história distante de

mim, mas uma história onde eu também sou sujeito. Sempre gostei de realizar

esse tipo de pesquisa local, e com essa atividade não foi diferente. (Aluno 11).

7 ECOS DA PESQUISA

Como ecos da pesquisa podemos enumerar alguns posicionamentos dos

alunos:

No inicio desta disciplina, pensava em arte como aquela que se fazia apenas

em telas: desenhos, pinturas, enfim. Más, durante as aulas pude compreender

que a arte vai além das telas e que esta possui uma infinidade de

possibilidades que podem ser experimentadas na escola, em casa,

enfim.(Aluno 16).

Essa pesquisa nos oportunizou uma construção, desconstrução e

reconstrução das experiências vividas buscando mudanças na forma como

compreender a si mesmo e aos outros, por esse motivo, tornou-se um

instrumento de formação de consciência e alargamento daquilo que faz do

educador um investigador crítico numa perspectiva emancipatória. (Aluno 4).

A escola com sua missão formadora deveria através da proposta pedagógica

lançar um olhar mais atento ao acervo do município, no sentido de realizar

um trabalho voltado para a valorização da cultura local. (Aluno 13).

A escola tem um papel muito importante hoje para a arte, pois ela se insere

na educação, possuindo características diversas, desenvolvendo atividades de

aprendizagem artística e estética objetivando o relacionamento das pessoas,

mesmo em com suas diferenças. (Aluno 15).

Diante dessa experiência vivida, vale ressaltar a importância de colocarmos

a pesquisa como prática pedagógica em nossa sala de aula, contribuindo

assim para o investimento numa educação de qualidade, e uma melhor

aprendizagem de forma diferenciada para os nossos educandos. (Aluno 18).

A população de nossa cidade precisa valorizar o que temos de melhor,

portanto, fazer a pesquisa nos mostrou algo novo que não conhecia no meu

município, o quanto nossa cidade precisa ser valorizada porque assim como

eu muitas pessoas não conhece as riquezas que essa cidade tem. (Aluno 7).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partimos da pergunta inicial feita pelos professores na reunião de

planejamento: os alunos e alunas conhecem as manifestações artístico-culturais do seu

município? Ficou evidente com a pesquisa que os alunos não conheciam as

manifestações. Alguns conheciam em parte, mas não havia uma valorização da cultura

local. Desta forma destacamos como resultado da pesquisa a descoberta e reconhecimento

da arte e da cultura do município, favorecendo a reconstrução das identidades de cada

aluno/aluna ao se sentirem pertencentes à cultura daquela comunidade. Consideramos

esse aspecto um ponto forte.

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Destacamos ainda como resultados dessa ação de pesquisar: a articulação dos

vários saberes ministrados nas disciplinas de filosofia, história da educação, diversidade

cultural e arte-educação, além do exercício da pesquisa coletiva, que permitiu uma maior

aproximação entre os alunos e a troca de saberes, evidenciando o papel didático da

pesquisa no processo de ensinar e aprender.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, C. L. S. de. O Cotidiano. Revista de Educação AEC. Ano 29, n. 117,

2000.

ANASTASIOU. L. G. C e ALVES, L. P. Processos de Ensinagem na Universidade.

Pressupostos para as estratégias de trabalho em aula. 6 ed. Joinville: UNIVILLE, 2006.

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