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PESCA ARTESANAL NO LAGO DE ITAIPU (PR): ENTRE CRISES E PROBLEMAS SOCIOAMBIENTAIS. Graziele Ferreira Mestre em geografia - Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Campus Francisco Beltrão. [email protected] 1. INTRODUÇÃO O artigo 1 faz parte da pesquisa de mestrado sobre a Comunidade de Pescadores Artesanais no Lago de Itaipu, concluída em 2014, pela Unioeste Francisco Beltrão-PR, configura-se pela continuidade das análises da realidade pesqueira no Lago de Itaipu. Tem por objetivo analisar a associação entre a crise econômica e a problemática ambiental da pesca artesanal. Partiu-se da hipótese que os problemas ambientais e de gestão dos recursos pesqueiros impactam negativamente a produção e a renda auferida pelas famílias pescadoras artesanais, forçando o recurso ao exercício de outras atividades remuneradas em paralelo à pesca (pluriatividade) ou o seu abandono. Metodologicamente o artigo está pautado, em um estudo de caso no município de São Miguel do Iguaçu, localizado no Oeste do Paraná, na Colônia de Pescadores Z11, onde foram entrevistados pescadores artesanais, atravessadores de pescado, representantes do poder público, organizações dos pescadores, instituições e entidades ambientalistas da sociedade civil e lideranças comunitárias. Para melhor entender essa associação entre a crise econômica do setor e as questões ligadas ao meio ambiente, optou-se em descrever a região de estudo e caracterizar a pesca artesanal, que ocorreu a partir do processo de formação do Lago de Itaipu, em 1982, constituído por uma área de 1.350 km² (Ver figura 1), configurou-se uma nova realidade territorial, do que antes eram áreas agrícolas; agora é um lago aproveitado para a pesca artesanal de várias comunidades no seu entorno 2 . 1 Este escrito constitui-se num desdobramento de pesquisas desenvolvidas após a finalização da Dissertação de Mestrado intitulada: Comunidade de Pescadores Artesanais no Lago de Itaipu - Conflitos territoriais na Colônia Z11 de São Miguel do Iguaçu/PR. 2 São 8 colônias e 2 associações: Colônia de Pescadores Profissionais Z12-Foz do Iguaçu; Colônia de Pescadores Profissionais Itaipulandiense - Itaipulândia; Colônia de Pescadores Profissionais Nossa Senhora dos Navegantes-Santa Helena; Colônia de Pescadores Profissionais São Francisco-Entre Rios do Oeste; Colônia de Pescadores Profissionais Z15- Marechal Cândido Rondon; Colônia de Pescadores Profissionais Z13-Guaíra; Colônia de Pescadores Profissionais de Santa Terezinha de Itaipu; Associação Bragadense de Pescadores- Pato Bragado; Associação dos pescadores Artesanais de Guaíra (AGUA)-Guaíra.

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PESCA ARTESANAL NO LAGO DE ITAIPU (PR): ENTRE CRISES E

PROBLEMAS SOCIOAMBIENTAIS.

Graziele Ferreira Mestre em geografia - Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Campus Francisco Beltrão.

[email protected]

1. INTRODUÇÃO

O artigo1 faz parte da pesquisa de mestrado sobre a Comunidade de Pescadores

Artesanais no Lago de Itaipu, concluída em 2014, pela Unioeste Francisco Beltrão-PR,

configura-se pela continuidade das análises da realidade pesqueira no Lago de Itaipu.

Tem por objetivo analisar a associação entre a crise econômica e a problemática

ambiental da pesca artesanal. Partiu-se da hipótese que os problemas ambientais e de

gestão dos recursos pesqueiros impactam negativamente a produção e a renda auferida

pelas famílias pescadoras artesanais, forçando o recurso ao exercício de outras atividades

remuneradas em paralelo à pesca (pluriatividade) ou o seu abandono.

Metodologicamente o artigo está pautado, em um estudo de caso no município de

São Miguel do Iguaçu, localizado no Oeste do Paraná, na Colônia de Pescadores Z11,

onde foram entrevistados pescadores artesanais, atravessadores de pescado,

representantes do poder público, organizações dos pescadores, instituições e entidades

ambientalistas da sociedade civil e lideranças comunitárias.

Para melhor entender essa associação entre a crise econômica do setor e as

questões ligadas ao meio ambiente, optou-se em descrever a região de estudo e

caracterizar a pesca artesanal, que ocorreu a partir do processo de formação do Lago de

Itaipu, em 1982, constituído por uma área de 1.350 km² (Ver figura 1), configurou-se uma

nova realidade territorial, do que antes eram áreas agrícolas; agora é um lago aproveitado

para a pesca artesanal de várias comunidades no seu entorno2.

1 Este escrito constitui-se num desdobramento de pesquisas desenvolvidas após a finalização da Dissertação

de Mestrado intitulada: Comunidade de Pescadores Artesanais no Lago de Itaipu - Conflitos territoriais na

Colônia Z11 de São Miguel do Iguaçu/PR. 2 São 8 colônias e 2 associações: Colônia de Pescadores Profissionais Z12-Foz do Iguaçu; Colônia de

Pescadores Profissionais Itaipulandiense - Itaipulândia; Colônia de Pescadores Profissionais Nossa Senhora

dos Navegantes-Santa Helena; Colônia de Pescadores Profissionais São Francisco-Entre Rios do Oeste;

Colônia de Pescadores Profissionais Z15- Marechal Cândido Rondon; Colônia de Pescadores Profissionais

Z13-Guaíra; Colônia de Pescadores Profissionais de Santa Terezinha de Itaipu; Associação Bragadense de

Pescadores- Pato Bragado; Associação dos pescadores Artesanais de Guaíra (AGUA)-Guaíra.

Figura 1: Localização da Área em Estudo - Reservatório do Lago de Itaipu

Base Cartográfica: IBGE (2003). Elaboração REOLON, Cleverson A. Organizado por:

FERREIRA, Graziele.

Em seguida, privilegia-se a análise dos problemas ambientais que vem

impactando a pesca artesanal, o desrespeito à capacidade de suporte dos ecossistemas,

que impactam a viabilidade socioeconômica da pesca. Merece destaque ainda o conflito

entre pesca artesanal e pesca industrial (aquicultura de tanques-rede3), onde a pesca

extrativista praticada no Lago tenta sobreviver nesse território.

3São estruturas retangulares que flutuam na água e confinam peixes em seu interior. Esse equipamento é

constituído basicamente por flutuadores (galões, bombonas, isopor, etc.) que sustentam submersos na água

arames galvanizados ou redes. São distribuído pela Itaipu.

Por fim, abordam-se as transformações das estratégias de reprodução das famílias

pescadoras, que incorporam atividades extra-pesca para complementar a renda familiar.

Enquanto os pescadores mais idosos normalmente alternam pesca e outras atividades

remuneradas, seus filhos tendem a abandonar a atividade pesqueira.

2. A CONFIGURAÇÃO PESQUEIRA DA COLÔNIA Z11 E SEUS PROBLEMAS.

A construção da Hidrelétrica de Itaipu e seu reservatório artificial, reconfigurou a região

oeste paranaense e suas relações socioeconômicas, comprometendo 101.093 hectares do

território. As águas do lago inundaram áreas urbanas e rurais, resultando na expulsão de 44 mil

famílias. Ribeiro (2006, p. 72), comenta que:

Em média, os municípios atingidos pelas águas de Itaipu sofreram uma queda

de 8,5% em sua renda tributária, mas alguns foram mais duramente castigados:

Foz do Iguaçu, 31,2%; São Miguel do Iguaçu, 21%; Santa Helena, 26%.

Antes do alagamento a agricultura era a principal atividade de subsistência da região,

devido à fertilidade do solo e por se tratar de uma região ribeirinha. Como a construção da

Hidrelétrica proporcionou um movimento migratório, muitas pessoas que viviam no campo

perderam suas terras em virtude do alagamento, vieram para as cidades ou migraram para as mais

diversas regiões. Houve um processo de atração populacional, principalmente para Foz do Iguaçu,

onde grandes contingentes populacionais se direcionaram ao município para trabalhar na

construção da hidrelétrica.

Com essa nova realidade muitos foram aqueles que viram a pesca extrativista e artesanal

como uma alternativa de trabalho e optaram por ela para sobreviver, não apenas na forma de

subsistência, mas como uma profissão. Sobre isso, Machado (2002, p. 6) declara que:

Esses trabalhadores que, antes do alagamento, eram um número reduzido

multiplicam-se. De acordo com relatos de pescadores, cerca de 50 a 60 pessoas

viviam informalmente da pesca, em Santa Helena, sendo que entre 1985 e1992

esse número chegou a cerca de 480 pescadores. A categoria de pescadores

passou a ser formada principalmente por indivíduos indenizados que não

quiseram ir embora de seu município, por outros aos quais o dinheiro recebido

não foi suficiente para uma mudança de vida, ou ainda, em alguns casos, por

indivíduos que receberam suas indenizações, muito tempo depois de ter suas

terras alagadas.

O pescador IF4 de São Miguel do Iguaçu atesta essas informações:

Meu pai foi indenizado pela Itaipu; ficou por aí um tempo, depois foi para o

Paraguai (...) Eu tive família aqui e fiquei morando aqui, perto das terras

alagadas. Aí pensei em virar pescador... tá meio difícil, mas sou pescador

também além de plantá o que tenho (IF Entrevista, 2013)

Como a formação do Lago de Itaipu alterou significativamente a realidade da paisagem

geográfica, as comunidades pesqueiras passaram a ser constituídas a partir de 1982, em busca da

representatividade política de uma nova profissão emergente. A Colônia Z 13 de Guaíra já existia

antes da formação do Lago, para os pescadores do Rio Paraná. Assim com incentivo da Itaipu ao

uso do lago para pesca extrativa e posteriormente para a criação de peixe, 950 pescadores se

cadastraram como profissionais com RGP5, existindo ainda os pescadores esporádicos,

juntamente com outros sujeitos (pescadores amadores, sem RGP).

Constatou-se por meio das observações e entrevistas que a atividade pesqueira assume

importância econômica à medida que um contingente significativo de trabalhadores tem

na pesca e nas atividades ligadas ao setor sua principal ou secundária fonte de renda.

Porém é evidente a fragilidade dessa pesca extrativista artesanal, que tenta

sobreviver no Lago de Itaipu, pois os esforços estão centrados na aquicultura. Mesmo

frente às investidas da Itaipu pela produção de peixe (aquicultura), que revela um novo

foco de modernização na pesca e, talvez, uma violência simbólica contra os pescadores e

seu modo de vida, estes tentam manter os traços tradicionais da pesca e as relações

intergrupo. Ficou explícito em muitas entrevistas e relatos, que os pescadores preferiam

pescar, extrair do Lago seu sustento, porém pela instabilidade do estoque é preciso criar

meios para sobreviver como os tanques-rede. A foto a seguir mostra esses tanques-rede

no lago, e o pescador trabalhando na atividade.

Figura 2: Tanques-rede no Lago de Itaipu

4 Sigla das inicias do nome do pescador entrevistado em 01-06-2013. 5 Registro geral de Pesca é fornecido pelo Ministério da Pesca e Aquicultura-MPA.

Fonte: Pesquisa de Campo, 2012.

Verifica-se que esta prática é incentivada pela Itaipu, para suprir a falta de recursos

pesqueiros, resultante abertura das comportas da usina e consequente rebaixamento das

águas do Lago de Itaipu, para a produção de energia elétrica, bem como a pesca

predatória, durante a piracema que é praticada por alguns indivíduos, principalmente por

amadores, não pelos pescadores artesanais.

Constatou-se por meio das observações e entrevistas que o trabalho da pesca

artesanal exige uma dedicação para além do rio ou lago, pois precisam realizar a limpeza,

armazenagem, comercialização do pescado, além da busca de iscas, a fabricação e o

conserto das redes e espinhéis. O pescador artesanal da colônia Z11, tem motivos de

orgulho da sua profissão, seja pelo domínio de técnicas específicas de trabalho, seja pela

interação peculiar com o meio ambiente natural, porém, ressente-se da falta de

valorização desses aspectos e pela falta de apoio por muitas autoridades:

“Eu gostaria que as autoridades olhassem o pescador como pessoas capazes de preservar

o meio, trabalhar na atividade da pesca e levar o sustento para a família. Valorizar assim

os direitos do pescador6.”

Alguns pescadores afirmam que a sua profissão tornou-se uma opção gratificante

de trabalho e outros afirmam que ela é uma forma alternativa de “ganhar a vida”. Assim,

a atividade da pesca é, para alguns, a única alternativa de trabalho e, por conseguinte, a

única garantia de sobrevivência familiar; para outros, é resultado não apenas das

adversidades sofridas durante a vida da família, mas uma escolha por um modo de vida.

6 Entrevista cedida pelo pescador HL em 29/5/2013.

Existem ainda aqueles pescadores que estão desestimulados com a atividade de

pesca e que pretendem abandoná-la, mas o principal motivo levantado foi a escassez do

pescado visto como uma crise ambiental.

Segundo o mais atual relatório da Itaipu/UEM (2011), a porcentagem de

pescadores que se dedicaram exclusivamente à pesca foi 17,5%. Esse tanto foi

acentuadamente inferior ao registrado no ano de 2008 (45,8%). Em 2005, este contingente

era de 53,0%, em 2004 de 55,1%, em 2003 de 57,0% e em 2002 de 64,0%. Assim,

verifica-se uma redução na dedicação exclusiva à pesca.

Conforme o relatório, essa redução está ligada à diversificação das atividades

dos pescadores, com o envolvimento em atividades que pouco interferem na pesca, como

a criação de abelhas, a criação de peixes em tanques-rede e atividades relacionadas à

agricultura familiar. Os pescadores da Colônia Z11 relataram, porém, que o fator

predominante dessa diminuição da exclusividade da pesca é a diminuição do pescado,

sendo impossível sobreviver apenas da pesca. Essa diversidade de atividade pode ser

verificada na figura a seguir:

Figura 3: Gráfico das Principais Atividades Desenvolvidas pelos Pescadores em 2009

Fonte: ITAIPU/UEM (2012, p. 37).

Percebe-se que a pluriatividade é uma constante entre os pescadores da Colônia

Z11, pois como a pesca exclusiva não possibilita a garantia de sobrevivência para a

maioria dos pescadores, é preciso desenvolver outras atividades. Foi possível identificar,

pelos relatos e pela observação a campo, outras atividades sendo desenvolvidas por

pescadores, como: pedreiro, diaristas no campo ou nas vilas, apicultor, produtor de leite

e produtor de fumo e mandioca.

Figura 4: Fotos de Plantio de Fumo e de Mandioca

Fonte: Pesquisa de Campo maio de 2012.

Essa prática da pluriatividade possibilita a sobrevivência em uma atividade com

muitos problemas ambientais e crises de produção, porém, percebeu-se que, para muitos

pescadores, reconhecer que conciliam outras atividades de ganho com a pesca não era

uma situação facilmente admitida. Essa atitude é compreensível, pois essa condição pode

ser reconhecida como uma descaracterização da profissão de pescador, sob pena de perder

a carteira de profissional e o direito de pescar. Obviamente, porém, essa pluriatividade

não deveria descaracterizá-los como pescadores, mas sim como alternativa de

manutenção.

Segundo Kuhn e Germani (2009), a pesca artesanal desenvolve-se articulando

atividades em terra e também em água. Alguns estudos fazem uma diferenciação entre

pescador-lavrador e pescador artesanal (DIEGUES, 1983, 2004), porém, para efeitos

deste trabalho, considera-se pescador artesanal mesmo aquele que articula pesca e

agricultura, uma prática comum na comunidade.

A pesca é compreendida não só como uma atividade de busca de peixe, mas

como uma construção de relações sociais e ambientais, relações essas marcadas por

identidade, mas também por conflitos e contradições, a pesca no Lago de Itaipu não se

constitui numa atividade de tradição secular. Ao contrário, constitui-se por uma tradição

pesqueira recente, mas repleta de particularidades e de aspectos importantes a serem

estudados ainda.

Outro aspecto importante a ser ponderado, se refere a crise que se configura

recentemente na pesca da Colônia Z11, que se desenvolve principalmente na escassez de

peixe (estoque natural) e nos circuitos de comercialização fragilizados. O abandono do

poder público municipal, por não fornecer o SIM (Sistema de Inspeção Municipal), acaba

impossibilitando o consumo na merenda escolar e a venda no comércio local de forma

regularizada. Embora o município tenha um frigorífico de peixes, não existe convênio

com pescadores. O descaso dos gestores políticos públicos como prefeito e vereadores no

município é notável.

Resta aos pescadores lutar unidos com a Colônia, pelas melhorias necessárias

para garantir seu modo de vida e estruturar um circuito de extração e produção pesqueira

satisfatório, aliando a isso outras formas de atividades, que vão garantindo sua

permanência e resistência.

Ressalta-se que o principal desafio, caracterizado como problema ambiental da

comunidade pesqueira, consiste em delimitar o acesso aos espaços e aos recursos diante

de um ambiente imprevisível, pois, com o fechamento das comportas da Usina de Itaipu,

para o aumento da produção de energia elétrica, ocasiona o rebaixamento do lago, o que

na época da desova (ou piracema, entre os meses novembro a fevereiro) provoca a queda

do estoque pesqueiro porque dificulta a desova como mencionado anteriormente.

A Itaipu, devido essa escassez de peixes, vem incentivando o cultivo de peixes em

tanque-rede, através do programa “Mais peixe em nossas Águas”, cujo objetivo seria

proporcionar uma fonte de renda aos pescadores e suas famílias de forma sustentável e

tornar as águas do lago grandes produtoras de peixe.

Porém, muitos pescadores relataram que ao adotar essa prática de criação de

peixes, ficaram impossibilitados de praticar a pesca extrativista, pois exigia muito tempo

e dedicação. Além disso, foi um projeto imposto aos pescadores, sem saberem ao menos

se daria certo, que gerou muita despesa e pouco lucro.

Outra questão emblemática bem atual, se refere extinção do Ministério da Pesca

e sua incorporação ao Ministério da Agricultura em outubro de 2015, causando aos

pescadores sentimento de instabilidade e fraqueza do setor. Segundo o presidente da

Colônia Z11, muitos pescadores não renovaram mais seu RGP, e estão desistindo da

atividade. Fica evidente a fragilidade de políticas públicas para a pesca artesanal, que

tenta sobreviver no Lago de Itaipu, que demonstra seus esforços centrados na aquicultura.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebe-se que na Colônia Z11 a dificuldade enfrentada pelos pescadores

artesanais em sobreviver e extrair o pescado, este insuficiente, mas ao mesmo tempo, a

maioria dos pescadores rejeitam o incentivo da Itaipu em relação à aquicultura,

ressaltando o estilo de vida preferida, da pesca artesanal.

Quanto a criação de peixe em tanques-rede, projeto incentivado pela Itaipu visa a

produção em quantidade, porém os pescadores, em sua maioria, preferem extrair o

pescado mantendo seu modo de vida, não criar o pescado, mas, pela falta de estoque

natural no reservatório e pela necessidade econômica, alguns acabam realizando a

atividade.

Os esforços na atividade da aquicultura revelam o preconceito existente em torno

da pesca artesanal. Desconsidera-se o seu papel cultural, de baixo impacto ao ambiente

natural e sua importância econômica no que diz respeito à soberania e segurança

alimentar, já que grande parte da produção artesanal é comercializada/consumida na

escala local/regional.

Desconsiderando tais questões, o Estado e a iniciativa privada alavancam a

formulação de políticas e investimentos na atividade aquícola, levantando um falacioso

discurso ideológico que consiste na integração do pescador artesanal com a aquicultura.

Entretanto, aquicultura, definitivamente, não é política para pesca artesanal.

Historicamente, para os pescadores artesanais, as águas são um espaço de uso comum,

apropriado por saberes construídos ao longo dos anos e das gerações. Assim, portanto, na

lógica da pesca artesanal, não podem existir cercas, embora existam territórios

construídos a partir do conhecimento do espaço do lago.

Tudo isso ficou explicitado nas falas dos pescadores do Lago quando

questionados sobre a prática da aquicultura:

“Pra falar a verdade, menina, a gente prefere pescar o peixe no lago, sem ter que criar ele

no tanque, sem ter que ir todo dia pegar o barco e ir até o tanque tratá ele. E ainda a gente

gasta tempo e gasta trato para o peixe comê, quando o lago tem comida. Mas fazê o quê!?

É muito melhor armar rede, revistar ela, só que a gente acaba fazendo isso por que não

tem muita opção, o peixe é pouco. E a Itaipu insiste na criação de peixe, que é melhor pra

gente ter mais dinheiro, mas a gente gasta com isso também.”7

Além de tudo isso, a falta de investimentos e incentivos governamentais no setor

artesanal, a extinção do Ministério da pesca e incorporação ao Ministério da Agricultura

em outubro de 2015 desestimulou os pescadores e muitos deixaram de regularizar sua

situação, fazer ou renovar a RGP.

Um dos graves problemas ambientais da pesca artesanal no lago de Itaipu, se

refere a falta de estoque natural de peixe, além da questão da rede de comercialização

deste produto, que em geral é realizada com a presença de intermediários e que se

apropriam da renda dos pescadores artesanais.

Nessa direção, os impactos ambientais e as deficiências na gestão dos recursos

aquáticos acabam afetando a produção pesqueira, ampliando as oscilações e reduzindo o

volume total. Além de diminuir a renda auferida com a atividade, aumenta a incerteza da

obtenção de pescado.

Para enfrentar esses problemas, as famílias de pescadores artesanais têm

diversificado suas estratégias de reprodução social, fenômeno também conhecido como

pluriatividade.

A incorporação de atividades extra-pesca pode ser desenvolvida por integrantes

da família: a) que atuam exclusivamente fora da pesca; ou b) que atuam tanto na pesca

como fora dela. Nas famílias pescadoras entrevistadas, a atuação exclusivamente fora da

pesca ocorre principalmente entre os filhos de pescadores e estão associadas,

normalmente, ao abandono da atividade. Já para as mulheres que realizam trabalho

contínuo fora da pesca, as mesmas continuam a desempenhar atividades ligadas à

7 Entrevista cedida pelo pescador AH em 1º/5/2013.

dinâmica da família pescadora, como o auxílio no preparo das redes, beneficiamento do

pescado, cuidados com a alimentação e com a casa etc.

Assim, as atividades extra-pesca têm assumido grande importância na composição

da renda das famílias pescadoras. Merecem destaque ainda as rendas previdenciárias, o

autoconsumo de pescado e de produtos agrícolas, bem como a política de seguro defeso.

Através dessa política, o Estado paga um salário mínimo mensal durante quatro meses

para que o pescador artesanal deixe de capturar determinadas espécies.

Confirma-se assim a hipótese de pesquisa de que a crise na economia pesqueira

tem como importantes causas os problemas de gestão dos recursos pesqueiros e os

impactos ambientais, forçando o recurso à pluriatividade.

Com o propósito de evitar ou retardar o abandono da pesca, integrantes das

famílias de pescadores artesanais passam a atuar em outras atividades para complementar

a renda. Quando essa é desempenhada pelos filhos, o fenômeno normalmente está

associado ao abandono da atividade. Já quando é realizada pelos chefes de famílias

assume um caráter temporário e de alternatividade, impedindo ou retardando a sua saída

da atividade.

Destaca-se, deste modo, a importância social e acadêmica de estudos mais

aprofundados sobre as comunidades pesqueiras, de modo a entender as dinâmicas sociais

e territoriais existentes.

4. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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<http://www.cultivandoaguaboa.com.br/>. Acesso em: 21 dez. 2013.

DIEGUES, Antonio Carlos Sant´Ana. Pescadores, camponeses e trabalhadores do

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IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em:

<http://www.ibge.gov.br/cidades> Vários acessos.

INCENTIVO A AQUICULTURA. ITAIPU Disponível em:

<https://i3gov.planejamento.gov.br/textos/livro2/2.4_Incentivo_a_aquicultura.pdf>.

Acesso em: 5 maio 2013.

KUHN, Ednizia Ribeiro Araújo; GERMANI, Guiomar. Conflitos na pesca artesanal em

São Francisco do Paraguaçu – Bahia. Artigo Anais do Encontro de Geógrafos da

América Latina-EGAL, São Paulo, 2009.

MACHADO, J. J. A formação de classe e o cotidiano dos pescadores profissionais de

Santa Helena. Marechal Cândido Rondon, 2002. TCC (Bacharelado em História)-

Unioeste.

PISCICULTORES colocam no mercado a polpa do pacu. Disponível em:

<http://www.opresente.com.br/geral/piscicultores-colocam-no-mercado-a-polpa-do-

pacu-5114/>. Acesso em: 5 ago. 2012.

RIBEIRO, M. de F. B. Itaipu, a dança das águas: histórias e memórias de 1966 a 1984.

Tese de Doutorado em História. Campinas, 2006.

UEM/NUPÉLIA/ITAIPU BINACIONAL. Monitoramento do Rendimento e da

Socioeconômica da pesca no Reservatório de Itaipu. Relatório Geral de 2009. Por A.

A. Agostinho et al, Maringá, 2011. 234 p.