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OS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS DA CONSTRUÇÃO DA USINA JOSÉ RICHA

(MUNICÍPIO DE NOVA PRATA DO IGUAÇU-1997-2011)

Autora: Noeli Joana Buzin de Souza1

Orientador: Davi Felix Schreiner2

Resumo

O trabalho aborda os impactos socioeconômicos causados no município de Nova Prata do Iguaçu pela construção da Usina Governador José Richa (Salto Caxias). Este estudo objetiva explicitar as diversas dimensões deste processo, em especial, as experiências vividas pelos atingidos. Estes, mesmo não sendo contemplados nos livros didáticos, são sujeitos da história. Através do diálogo com os alunos, ressaltamos a importância da construção de uma usina e os seus impactos na economia local, como a interferência no meio rural (mudanças ambientais e sociais). Os educandos produziram conhecimentos histórico-culturais acerca do lugar onde vivem, bem como sobre as diferentes trajetórias e experiências dos atingidos no processo de desapropriação e re/inserção socioeconômica após a construção da Usina.

Palavras-chave: Usinas Hidrelétricas; Impactos Socioambientais, Conhecimento

Histórico.

Astract

This paper addresses the socioeconomic impacts caused in Nova Prata do Iguaçu by the construction of the Plant Ruled Jose Richa. This study aims to explain the various dimensions of this process, in particular the experiences of the hit. These, although not covered in textbooks, are subjects of history. Through dialogue with students, we emphasize the importance of building a plant and its impacts on the local economy,

1 Especialista em História do Brasil, Professora na Escola Estadual Cristo Redentor, município de Nova Prata do

Iguaçu – PR. 2 Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo, Professor da Graduação e Pós-Graduação da Universidade Do Oeste do Paraná - UNIOESTE - Campus de Marechal Candido Rondon.

as interference in rural areas (environmental and social changes). The pupils produced historical and cultural knowledge about where they live, as well as on the different trajectories and experiences of those affected on the process of expropriation and re/socioeconomic status after contrition of the Plants.

Keywords: Power Plants; Environmental and Social Impacts; Historical Learning.

Introdução

O projeto desenvolvido no PDE, que é um programa de formação continuada

e de valorização de professores da rede pública do ensino do Estado do Paraná,

teve como tema central o estudo dos impactos socioambientais da construção da

Usina Governador José Richa no município de Nova Prata do Iguaçu, 1997-2011.

O estudo objetivou o desenvolvimento de práticas educacionais que

possibilitaram aos alunos conhecimento científico acerca das relações sociais nas

quais estão inseridos. A participação dos alunos foi fundamental no levantamento do

empírico, com dados trazidos por eles à sala de aula, proporcionando conhecer as

trajetórias de vida de familiares e, ao mesmo tempo, os fatores que interferiram e

alteraram o meio ambiente e as relações socioeconômicas locais e regionais.

A abordagem do tema central do Projeto PDE, os impactos socioeconômicos

e ambientais desencadeados pela construção da usina, estimulou a crítica histórica

pelos alunos das contradições que envolvem a construção de usinas hidrelétricas

em nosso país. O debate situou a chamada produção de energia limpa na

contraposição aos prejuízos causados ao meio ambiente. Os educandos

desenvolveram pesquisa histórica, explicitando as diferentes experiências e

trajetórias das famílias atingidas no processo de desapropriação e re/inserção após

os deslocamentos com a construção da Usina Governador José Richa.

O tema, neste sentido, foi abordado a partir de uma dinâmica pedagógica

que privilegiou a aula expositiva dialogada, a participação alunos no levantamento e

análise dos dados e a sistematização do conhecimento através da elaboração de

texto pelos alunos.

1 Usinas Hidrelétricas no Brasil

A geração de energia a partir de hidrelétricas no Brasil, até a promulgação

da Constituição de 1988, foi o produto, em grande medida, de decisões do poder

Executivo Federal. A partir de 1986, em virtude de imposições legais datadas de

1981 e 1983, a construção de novas hidrelétricas requer um licenciamento de

órgãos ambientais, com base em relatórios de avaliação de impacto ambiental.

A primeira hidrelétrica do Brasil para serviço de utilidade pública foi a do Rio

Paraibuna, para produção de energia para a cidade de Juiz de Fora (MG) sendo

construída em 1889. O Brasil não tinha naquela época fábrica de máquinas

térmicas, nem possuía grandes reservas exploradas de carvão ou petróleo, que são

os combustíveis dessas máquinas. Este dilema só começou a mudar efetivamente a

partir da Primeira Guerra Mundial, pois ficou muito difícil importar, e, por isso, muitos

bens passaram a ser feitos aqui. Isso fez com que grandes indústrias viessem pro

Brasil, principalmente para São Paulo, todas elas necessitavam de grande

quantidade de energia elétrica.

O governo resolveu, então, dar incentivos para as empresas de energia

elétrica que quisessem vir para o Brasil. A mais importante delas foi a Band and

Share, norte americano, que organiza dez empresas de energia elétrica, localizada

em nove capitais brasileiras e na cidade de Pelotas (RS).

Em 1930, o Brasil já possuía 891 usinas, sendo 541 hidrelétricas, 377térmicas e 13 mistas. Com a Segunda Guerra Mundial voltou o problema de importação e de racionamento de carvão e petróleo, nessa época a usina elétrica já era utilizada para outras finalidades, alem da indústria da iluminação pública doméstica. Em 1940 tínhamos 1243mw e, em 1945 havíamos aumentado para apenas 1341mw, então o governo decidiu intervir para aumentar a taxa de crescimento e disciplinar melhor à produção e distribuição de energia elétrica que até o momento estava nas mãos das empresas estrangeiras (DELTA, V5, 1972, p. 1112).

Um dos primeiros passos foi à criação da Companhia Hidrelétrica de São

Francisco (CHESF), que começou a construir a Usina de Paulo Afonso. Em 1952

foram organizadas as centrais em Minas Gerais (CEMIG) com cinco empresas

regionais e suas subsidiarias. Ainda de acordo com Delta, (1972), depois de

transcorrido 14 anos, em 1954, o presidente Getúlio Vargas sentiu necessidade de

criar uma grande empresa estatal para planejar e coordenar a construção das usinas

produtoras de energia e sistematizar sua distribuição. Porém, sua ideia só vingou em

1963, no governo deJânio Quadros. A partir de então, o panorama da energia

elétrica brasileira mudou radicalmente. Entre 1962 e 1976 ela triplicou, passando de

5729mw para 17700mw. E de 1976 para 1985 esperava-se que novamente

triplicasse. Para isso, era necessário contar com a Usina de Itaipu, a maior

hidrelétrica do mundo com 14000MW.

Segundo Krünger (2004), a principal fonte de energia do Paraná, depois da

Usina de Itaipu são as usinas da COPEL (Companhia Paranaense de Energia)

Geração. Desde 1911 até hoje, um grande número de empreendimentos vem sendo

feito no Paraná para que haja crescimento da capacidade de geração de energia. Da

construção de novas usinas hidrelétricas a modernização de antigas, esses

empreendimentos são o motivo do estado possuir energia de sobra, sendo a COPEL

capaz de vender o excedente para outros estados.

2 A Usina Hidrelétrica Governador José Richa

A implantação de usinas hidrelétricas engendra mudanças significativas aos

municípios e região onde são implantadas. Neste sentido, a UHI de Governador

José Richa precisa ser analisada a partir do contexto histórico da região Sudoeste

do Paraná. Essa região, atualmente, é formada por 37 municípios e possui, segundo

dados do Censo do IBGE de 2010, população total de 587.505 habitantes.

No que se refere à construção de usinas hidrelétricas, cabe observar que,

das dezoito usinas hidrelétricas da COPEL no Paraná, sete estão localizadas ao

longo do vale do Iguaçu. Dentre elas a Usina Hidrelétrica Governador José Richa é

uma das mais importantes da COPEL e possui capacidade de 1.240 MW de

potência. Está situada no rio Iguaçu, no Município de Capitão Leônidas Marques, a

600 km de Curitiba.

De acordo com dados fornecidos pela COPEL e disponíveis no

sitewww.copel.com, estudos iniciais previram a construção de duas Usinas: Salto

Caxias Baixo e Cruzeiro. Contudo, em 1978, a COPEL realizou uma reavaliação,

concluindo ser economicamente mais vantajoso o aproveitamento do trecho Salto

Osório/Salto Caxias em uma única Usina - Salto Caxias Alto, englobando o projeto

Cruzeiro e eliminando a Usina Julio de Mesquita Filho, na foz do Rio Chopim.

Depois de muitos estudos, as obras de construção da usina iniciaram em

1995 e a mesma começou a operar em 1999, com uma capacidade de 1240 MW de

potencia instalada, inundando uma área de 141 Km², atingindo diretamente, os

municípios de Nova Prata do Iguaçu, Boa Esperança do Iguaçu, Cruzeiro do Iguaçu,

São Jorge d’Oeste, Salto do Lontra, Boa Vista da Aparecida, Três Barras do Paraná,

Quedas do Iguaçu e Capitão Leônidas Marques.

2.1 Usina Como Estratégia de Desenvolvimento Econômico

O discurso utilizado para justificar a construção de usinas hidrelétricas é que

elas trarão muito “progresso” e “desenvolvimento econômico”. Estes argumentos

evidenciam, na prática, contradições. Se, de um lado, as usinas são importantes

para a geração de energia para a população, a ser utilizada para a iluminação de

residências, funcionamento de eletrodomésticos até grandes máquinas e empresas,

portanto necessárias para a produção das indústrias de base, por exemplo, de outro

lado este tipo de discurso não condiz com a realidade vivida pelas populações

atingidas, bem como desconsidera os grandes prejuízos ambientais causadas pela

destruição da flora e da fauna. Além disso, dificulta muito a luta das comunidades

que são atingidas pela barragem.

2.2 A UHI de Salto Caxias e o Movimento dos Atingidos

A decisão sobre a construção de uma usina envolve estudos em diversas

etapas. A primeira consiste no estudo para estimar o número de locaisbarráveis e o

custo de aproveitamento do potencial. A segunda etapa prevê o estudode inventário,

ou seja, o potencial energético da bacia. No terceiro faz-se o estudode viabilidade,

que prevê o total de área afetada pela obra e calcula sua viabilidade.

Esta última etapa, no que se refere à Usina Governador José Richa, foi

concluída em setembro de 1978, mas somente em novembro de 1993 foi elaborado

o Estudo de Impacto Ambiental – E.I.A., instrumento que avaliou os problemas

sociais e ambientais que a obra iria acarretar (cf. PARMIGIANI, 2006).

Desde a fase de planejamento e de estudos preliminares de Governador

José Richa, a COPEL dedicou atenção aos impactos decorrentes de sua

construção. O Relatório de Impacto Ambiental da Usina de Salto Caxias foi

previamente debatido com apopulação e aprovado, e resultou na implantação de 26

programas voltados para acompensação dos efeitos ambientais da obra.

Assim que surgiram os primeiros boatos da construção da Usina Hidrelétrica

Governador José Richa, segundo Schreiner (2002), o presidente do Sindicato de

Nova Pratado Iguaçu e o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de

Realeza foramaté a comunidade de Santa Genoveva para alertar a população de

que era precisos e organizar. Na opinião deles, se não se mobilizassem, poderia

acontecer o que ocorreu com os desapropriados da Usina Hidrelétrica de Itaipu.

A COPEL realizou reuniões com os prefeitos dos municípios atingidos. O

assunto eram os supostos benefícios que uma obra do porte da Barragem

Governador José Richa poderia trazer à região. Tais vantagens seriam decorrentes

da Política de Desenvolvimento associadas à hidrelétrica. Essas reuniões buscavam

obter alianças com importantes lideranças da região. Servia também para manter

informada a empresa sobre o movimento dos sindicatos e entidades contrário a

barragem (cf. PARMIGIANI, 2006).

Nas negociações com a COPEL, os atingidos foram representados pela

Comissão Regional dos Atingidos pelo Rio Iguaçu (CRABI). Trata-se de uma

organização dos próprios atingidos com apoio de sindicatos rurais e da Comissão

Pastoral da Terra (CPT). Por meio dessa organização, os atingidos dialogaram,

reivindicaram e lutaram pelos seus direitos. Inicialmente pela indenização e, no

processo da luta, pelo reassentamento em terras de qualidade, com infraestrutura

para moradia, produção agropecuária e vida comunitária, como igrejas e escolas.

Segundo Levi Lira, presidente do Sindicato do Trabalhador Rural de Nova

Prata do Iguaçu, da época, foi “Uma luta que valeu a pena”.. A luta por direitos dos

atingidos pela construção da barragem da Usina Hidrelétrica Governador José Richa

foi iniciada por sindicatos de trabalhadores rurais do sudoeste, com um grande apoio

da ASSESOAR (Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural) de

Francisco Beltrão e da CPT, que na época tinha pessoas liberadas para atuar na

organização dos agricultores na região Sudoeste do Paraná, no final de 1980.

Uma das primeiras manifestações públicas fez-se por meio da elaboração e

divulgação de um adesivo com a expressão “Terra Sim, Barragem de Salto Caxias

Não”. Ao mesmo tempo, pronunciamentos de lideranças (da CPT, dos sindicatos, da

ASSESOAR, entre outros) eram feitos nos meios de comunicação. Alertavam sobre

as consequências que poderiam vir com a barragem, problemas de ordem social,

ambiental e econômica, sempre se baseando em outras usinas já construídas,

como, por exemplo, as de Salto Segredo e de Itaipu.

Em julho de 1993, em uma reunião do movimento sindical dos trabalhadores

rurais da região Sudoeste do Paraná, na cidade de Capanema, com a presença de

representantes da ASSESOAR e da CPT, foi elaborado um documento para a

COPEL,contendo as preocupações e firmando o compromisso de defender as

causas dos atingidos.

Muitas reuniões foram realizadas por dirigentes sindicais nas comunidades

(inclusive do outro lado do Rio Iguaçu - Oeste), visando esclarecer aos agricultores

que a barragem não traria somente vantagens, como eram divulgados por

representantes da COPEL, alguns políticos, comerciantes e religiosos. A

mobilização e a conscientização levaram à constituição de uma Comissão Regional

dos Atingidos pela Barragem do Rio Iguaçu (CRABI), que assumiu a coordenação

da luta e as demais organizações passaram a acompanhar e auxiliar na luta.

Logo após o início das atividades de campo pela COPEL, que foi a

marcação da área próxima a futura construção da barragem, os agricultores

articulados na CRABI, arrancaram e queimaram os piquetes, estacas, e, numa outra

oportunidade, acamparam por vários dias no local onde seria construída a usina, e

só saíram após uma reunião com representantes da COPEL, governos municipal,

estadual e federal. Ficou acordado que nenhuma obra seria realizada sem garantias

de que as reivindicações dos agricultores seriam amplamente negociadas e não

seriam cometidas injustiças.

A partir desta mobilização a luta foi se fortalecendo, as reivindicações foram

amplamente negociadas e os direitos tiveram que serem respeitados, tanto de quem

optou por ser reassentado como de quem quis fez opção pela carta de crédito para

adquirir a sua propriedade onde achassem melhor.

A CRABI, no intuito de fortalecer a luta, se uniu a organização de atingidos

por barragens em nível de Estado, nacional e até internacional, compartilhando

experiências. Enfim, a luta foi difícil e longa. Foram mais de dez anos até a

inauguração da usina, mas pelo lado econômico e social houve a conquista do

reassentamento, com infraestrutura, como casas, estradas, igreja, escola, posto de

saúde, pelos agricultores atingidos, bem como a indenização. A conquista tem sido

objeto de reconhecimento por parte de movimentos sociais e de estudiosos.

2.3 Vivências e Trajetórias dos Atingidos

Os agricultores, segundo Schreiner (2002), eram arrendatários, posseiros e

meeiros (somando 431 famílias) e outra parte eram pequenos proprietários (184

famílias). A maioria desses agricultores era descendentes de italianos e alemães

vindos de Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

A produção baseava-se em pequenas e médias unidades produtivas, onde

plantavam diversos produtos, como milho, feijão, batata, abóbora, mandioca,criavam

porcos e galinhas, era uma agricultura de subsistência. As propriedades tinham

pomar. Como as propriedades ficavam perto do rio, também, sempre que possível,

dedicavam-se á pesca. No que diz respeito à organização da vida comunitária, das

42 comunidades atingidas distribuídas nos nove municípios da região essas

compartilhavam de espaço comum, como de lazer e de religiosidade, articulando-se

em fortes laços de amizade, de parentesco e de vizinhança, onde a ajuda mútua era

prática comum (cf.Schreiner. 2002).

Os agricultores, pequenos proprietários de terras, arrendatários, meeiros,

parceiros e trabalhadores rurais, que ocupavam a área hoje alagada, foram

instalados em terras que eles mesmos ajudaram a escolher. Outras 425 famílias

optaram por receber cartas de crédito. A empresa de energia adquiriu 10 áreas, num

total de 18.590 hectares, nos municípios de, Ibema, Catanduvas, Campo Bonito,

Três Barras do Paraná, Boa Esperança do Iguaçu e Nova Prata do Iguaçu.

Nenhuma das áreas está distante mais de l50 quilômetros do ponto de

origem das famílias. Nas áreas localizadas no município de Cascavel foram

implantadas estradas internas, construídas moradias, galpões e paióis, preparado o

solo para o plantio, instaladas redes de água e energia elétrica, e edificadas

estruturas comunitárias. (cf: wikipedia, 2010).

Segundo Schreiner (2002) cada família ocupava seu lote onde era

desenvolvida a produção familiar. Todas as casas dos reassentados são servidas

por energia elétrica, estão organizadas em 19 associações filiadas à CRABI, a

menor com 17 famílias e a maior com 53 famílias. A construção das casas, galpões,

igrejas e espaço de lazer (salão comunitário, campos de futebol, cancha de bocha)

em cada uma das comunidades, e de duas escolas, foi financiada pela COPEL. No

quintal árvores frutíferas e de sombra e uma horta são cultivadas. Próximo ao quintal

os estábulos e o barracão dos implementos agrícolas.

Para os posseiros, parceiros e arrendatários, o reassentamento significou

não só o acesso à posse da terra, mas também uma melhoria substancial nas

condições de vida. Esta melhoria pode ser observada, entre outras coisas, na

habitação, escola, luz elétrica. No depoimento do reassentado Ezidio Klen, hoje

vereador de Nova Prata do Iguaçu, a melhoria das condições de vida conquistadas

pela luta dos atingidos é explicitada nos seguintes termos:

Minha família, como era arrendatária, tivemos muito lucro, pois fomos assentados com 7,5 alqueires de terra na fazenda Canguçu em Nova Prata do Iguaçu PR, que é o nosso município de origem. Estamos na nova morada há 12 anos. Nossas vidas mudaram muito, para melhor, pois hoje somos proprietários e muitos felizes. Na loteria, sozinhos [atingidos] ganhamos. (Klen, 2011).

Este depoimento exemplifica a realidade da maioria dos assentados que

foram beneficiados com carta de crédito (foi facultado aos que possuíam terras a

opção pela carta de crédito ou terra) ou terra num reassentamento (que geralmente

eram posseiros, meeiros, arrendatários). Neste aspecto, a construção da usina

beneficiou estas famílias proporcionando-lhes melhor qualidade de vida.

3 Escola e Usina: Uma Experiência de Ensino

A implementação do projeto PDE foi iniciado no começo de setembro na

Escola Estadual Cristo Redentor – Ensino Fundamental, com alunos da sétima série.

Durante a realização do projeto os alunos tiveram contato com textos informativos

sobre a Usina Hidrelétrica Governador José Richa, desde sua construção até todo o

processo de geração e distribuição de energia, dando ênfase aos impactos sócios

econômicos causados no município de Nova Prata do Iguaçu pela construção da

mesma. Os alunos foram instigados à pesquisa histórica referente a vários tipos de

usinas como as hidrelétricas, eólicas e nucleares, explicitando as características

individuais desta construção e os efeitos para o meio ambiente.

Toda essa investigação proporcionou conhecimento para um amplo debate

em sala de aula. Em visitação a Usina Governador José Richa, os alunos assistiram

a vídeos informativos sobre o processo de construção e geração de energia. As

informações e aspectos observados pelos alunos eram registrados pelos mesmos.

Figura 1: Alunos visitam a Usina Hidrelétrica Gov. Jose Richa

Fonte: SOUZA, 2011

Os alunos foram convidados a conhecer a casa de máquinas, onde

observaram as turbinas em pleno funcionamento, a tecnologia usada na usina. O

que diferencia essa das outras usinas é o fato de que na sua construção foi utilizado

cimento compactado, sem armação de ferro, tornando a Usina Governador José

Richa, a única do Paraná construída com essa tecnologia.

Figura 2: Usina Hidrelétrica Governador José Richa Fonte: SOUZA, 2011

Em sala de aula, após a explanação oral por parte dos alunos sobre a

visitação, foi lhes proposto a produção de um relatório sobre a usina. Os alunos

desenvolveram seus textos sobre os aspectos que registraram, articulados as

explicações e discussões em sala.

A construção de uma usina não interfere somente na questão ambiental,

envolve uma população que inevitavelmente é atingida do dia para a noite e que vê

o seu lugar de moradia modificado. Não foi diferente na construção da Usina

Governador José Richa. A desapropriação gerou divergências entre as famílias,

sindicatos e a COPEL. Depois de muitas negociações e acordos firmados, começou-

se o levantamento das famílias desapropriadas (cerca de 600 famílias), sendo

concluída em julho de 1997, com pagamento R$ 45 milhões pelas 1108

propriedades (23.228 hectares) que foram alagados.

A realidade vivida após o reassentamento foi tema de análise em sala,

mediante atividade prática. Os alunos tiveram a oportunidade de conhecer o

Reassentamento São Francisco de Assis, em Nova Prata do Iguaçu, onde uma

grande quantidade das famílias foi reassentada. As famílias foram indenizadas

conforme número de filhos. No geral todas as famílias ganharam mais de sete

alqueires de terra.

Percebemos que o Reassentamento foi muito bem estruturado pela COPEL,

após a luta coletiva dos atingidos. Cada família ganhou em sua propriedade uma

casa de alvenaria, um galpão e terra pronta para o plantio, água tratada e luz

elétrica. Enfim, toda a infraestrutura necessária para se viver com qualidade. A

comunidade foi beneficiada também com um centro comunitário, igreja, área de

lazer (cancha de bocha, quadra coberta, parque infantil), mas que, infelizmente,

percebe-se que este espaço não vem sendo utilizado pelos reassentados, devido a

desunião que no momento ocorre entre os moradores.

Em visita a casa de um dos reassentados, o senhor Antônio Neres,

coletamos o seu depoimento que evidencia múltiplas dimensões do processo de luta

dos atingidos pelo reassentamento:

Eu e minha família morávamos na Barra do Vorá, trabalhava de arrendatário, numa distância de 4 km de onde nós morávamos. Nesse tempo, em 1993, começou o cadastro da Copel. Por medo de perder tudo, como tinha ouvido falar da Usina Hidrelétrica de Itaipu, não cadastrei toda a família. Surgiu o movimento da beira do lago, a CRABI, foi dificultoso queimamos os marcos da Copel. Ficamos acampados no local. A polícia invadiu os barracos e prendeu, não deixando ninguém sair, até passamos fome. O pessoal se organiza. Todos os municípios reuniram mais de três mil pessoas. Fecharam o portão que entrava para a barragem, não queriam deixar entrar. Aí começou uma briga entre a polícia e os colonos, derrubamos uma Toyota, mas logo liberaram para socorrer os que estavam no acampamento passando fome. Entramos em negociação com os lideres da Copel, conseguimos derrubar os processos dos líderes da CRABI. Entramos em negociação para ser indenizados: os que estavam em cima da terra e outras reivindicações também foram aceitas. (NERES, 2011).

Nas visitas observamos que algumas propriedades estão bem estruturadas,

tendo bom desenvolvimento na agricultura, principalmente na produção leiteira, e

que não apenas mantêm a terra recebida como indenização como já adquiriram

maior área de terra. Essa situação contrasta com a de outros reassentados que

receberam suas terras e as venderam e, possivelmente, foram morar na cidade,

vivendo de trabalho assalariado.

Os alunos tiveram a oportunidade de visitar várias propriedades,

identificando características próprias de cada família, podendo, através das

conversas, perceber como era a realidade das famílias antes e depois da construção

da usina.

Na sequência da implantação do projeto, visitamos os locais onde existiam

comunidades que, em virtude da construção da usina e inevitável alagamento, foram

extintas. Uma delas foi à comunidade de Barra do Vorá, que anteriormente era

constituída por muitos moradores. Estes mantinham uma agricultura de subsistência,

plantando milho, feijão, batata, abóbora, amendoim, mandioca, com suas hortas,

vacas leiteiras, porcos e galinhas, bem com produziam também visando o mercado.

Havia também, em suas propriedades, espaço para o pomar, inclusive, muito destes

moradores, utilizavam o rio para a prática da pesca para o consumo e comércio.

Os moradores desta comunidade partilhavam de um espaço de lazer

comum, que consistia de uma igreja, centro comunitário, campo de futebol,

mercearia e um bar, onde nos finais de semana se reuniam para jogar e conversar.

Todo esse espaço foi atingido pelas águas da barragem. Os moradores foram

indenizados e mudaram para outros locais.

Em conversas com alguns destes moradores, que foram morar em

comunidades próximas, constatamos em suas trajetórias de mudança, ficaram para

trás velhas amizades, parentes, famílias que foram separadas, ou seja, pai e mãe

ficaram em um local e outros foram para outros locais.

Paralelamente a indenização aos moradores, a COPEL construiu, em

comunidade próxima que se chama Santa Rita, uma nova Igreja, um novo espaço

de lazer, bem como um novo cemitério para a população remanescente.

Assim que o lago atingiu seu ponto máximo de alagamento, os terrenos

ribeirinhos ao lago passaram a ser comercializados com alto valor de mercado,

sendo transformados em casas de veraneio, a maioria são construções de grande

porte, servindo de lazer para as famílias, geralmente de grande poder aquisitivo, que

oriundos de outras cidades, vem passar os fins de semana e feriados em nossa

cidade. A vinda destas famílias tem movimentado o comércio local.

Outro fator relevante do alagamento foi à construção da prainha municipal,

atualmente referencia no Sudoeste do Estado do Paraná, como sendo uma das

melhores praias artificiais. Ela é de fácil acesso, com estradas boas e oferece uma

ampla estrutura aos visitantes. São quiosques, quadra de tênis, vôlei, areia,

lanchonete, restaurante amplo e estacionamento, bosques entre outros. Toda essa

infraestrutura envolve na temporada de verão um grande fluxo de visitantes que vem

de outros municípios a procura de lazer.

Depois da visita à Usina Hidrelétrica Governador José Richa, durante a qual

os alunos observaram a sua estrutura e funcionamento interno, os mesmos tiveram

a oportunidade de visitar a maior usina hidrelétrica de produção de energia que é a

Usina Hidrelétrica de Itaipu. A usina localiza-se na cidade de Foz do Iguaçu, Oeste

do Estado do Paraná, e está construída sobre o Rio Paraná, pertencendo a dois

países, Brasil e Paraguai. Uma usina binacional situada a uma distância de 250 km

da Usina Hidrelétrica Governador José Richa.

No início da visitação, os alunos assistiram a um vídeo produzido pela Itaipu

sobre a construção e todo o processo até o ligamento da última turbina da usina.

Puderam conhecer, também, através do vídeo, o que à Itaipu ofereceu a

comunidade de benefícios, bem como vários cursos, eco museu de Itaipu, Refúgio

biológico Bela Vista, Canal da Piracema, Planetário e outros.

Figura 3: vista panorâmica da Usina Hidrelétrica Itaipu Fonte: SOUZA, 2011

Na sequência do estudo, a visita panorâmica, durante a qual os alunos

tiveram a oportunidade de observar a beleza exterior e a grandiosidade desta obra.

Saindo da usina, fomos também visitar outro ponto turístico da cidade que é as

Cataratas do Iguaçu, atualmente uma das sete maravilhas do mundo e da natureza.

Depois de um amplo debate sobre os conhecimentos adquirido, os alunos

produziram relatórios sobre as visitas feitas ao reassentamento, os locais afetados

pelo lago, a prainha e a Itaipu. A realização do trabalho motivou a participação dos

alunos em uma mesa redonda. Moradores atingidos pela Usina Governador José

Richa, que foram indenizados, vieram à escola compartilhar sua história e trajetória

com os alunos. O resultado da troca de saberes e experiências foi enriquecedor para

alunos e para os demais participantes.

Considerações Finais

Inicialmente, os comentários de que seria instalada uma usina no município

de Nova Prata do Iguaçu causou grande impacto na população. A acreditava-se que

a mesma traria prejuízos ambientais e econômicos ao município. Diante disso,

ocorreram várias manifestações contrárias à construção e, depois de muito dialogo e

negociação com os atingidos a COPEL, iniciou os estudos para a desapropriação,

reassentamento e reorganização das áreas remanescentes, com critérios para um

atendimento das necessidades dos pequenos agricultores impactados.

A COPEL firmou também parceria com centros científicos para efetuar

levantamento e estudos da região, compreendendo espécies animais e vegetais que

vivem no Rio Iguaçu, composição da flora da região e identificações de plantas

medicinais, para subsidiar o trabalho de preservação da fauna e da flora.

Depois de um amplo estudo sobre o impacto que a construção da usina

causaria ao município, aos desapropriados bem como a questão ambiental, em 1995

começou a construção da usina, que culminou em sua inauguração no ano de 1999.

A Companhia adotou soluções bastante eficazes para diminuir os impactos e ampliar

os benefícios à região, resultando na realização de 26 programas de compensação

de impactos ambientais, ajudando a melhorar a qualidade de vida das comunidades.

As famílias atingidas foram reassentadas após organização e luta coletiva por meio

da CRABI.

O processo de construção da Usina Governador José Richa, o

deslocamento populacional de atingidos e os impactos socioambientais foram temas

abordados com os alunos por meio do projeto PDE. Para a pesquisa utilizamos

material impresso, pesquisa de campo, entrevistas e realizamos visitas com os

alunos. A partir da coleta dos dados, os alunos puderam avaliar dimensões que

envolvem uma construção deste porte. A pesquisa resultou na coleta de dados que

sustentaram todo o trabalho realizado em sala de aula com os alunos.

A partir dos dados coletados podemos concluir que ocorreu uma recriação

no modo de vida das comunidades, pois os reassentados tiveram que se adaptar a

novos costumes, algumas relações de vizinhança ainda permanece e outras formas

recriadas, percebe-se também que houve um esforço para viabilizar a permanência

das famílias no campo, com ênfase na produção da pequena propriedade familiar.

Como conclusão dos debates acerca do tema de estudo, podemos afirmar

que, como em qualquer grande obra, a construção da Usina Hidrelétrica Governador

José Richa trouxe benefícios como também causou impactos ambientais e sociais a

população e ao nosso município. Entre estes impactos negativos, podemos citar: a

diminuição da população do município, a diminuição de terras produtivas, declínio da

pecuária com consequente perda para o comércio local.

Devido à construção da usina, o município desenvolveu atividades

relacionadas ao turismo após a formação do lago. Atualmente há inúmeras

construções lindeiras pertencente a pessoas de outros municípios, que vem à cidade

nos fins de semana e feriados e movimentam o comércio local. Contamos também

com a presença de turistas que frequentam as praias artificiais do município,

desenvolvendo a economia local. Numa outra direção, observa-se a valorização das

terras do município, sem contar que com a construção da barragem ocorreu o

ligamento, do Sudoeste ao Oeste do Paraná, encurtando caminho e facilitando o

deslocamento.

Em relação aos atingidos, podemos ressaltar que grande parte dos

reassentados foram indenizados com quantia de terra superiores a que possuíam,

além de estrutura de moradia e trabalho de qualidade superior em relação ao que

tinham anteriormente, como evidenciam as entrevistas realizadas e as observações

registradas durante trabalho de campo.

Referências Bibliográfica

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