perspectivas atuais da educação

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3 N PERSPECTIVAS ATUAIS DA EDUCAÇÃO rida entre a educação e a catástrofe”. A julgar pelas duas grandes guerras que marcaram a “História da Humanida- de”, na primeira metade do século XX, a catástrofe ven- ceu. No início dos anos 50, dizia-se que só havia uma al- ternativa: “socialismo ou barbárie” (Cornelius Castoriadis), mas chegou-se ao final do século com a derrocada do so- cialismo burocrático de tipo soviético e enfraquecimento da ética socialista. E mais: pela primeira vez na história da humanidade, não por efeito de armas nucleares, mas pelo descontrole da produção industrial, pode-se destruir toda a vida do planeta. Mais do que a solidariedade, esta- mos vendo crescer a competitividade. Venceu a barbárie, de novo? Qual o papel da educação neste novo contexto político? Qual é o papel da educação na era da informa- ção? Que perspectivas podemos apontar para a educação nesse início do Terceiro Milênio? Para onde vamos? Para iniciar, verifica-se o significado da palavra “pers- pectiva”. A palavra “perspectiva” vem do latim tardio perspectivus”, que deriva de dois verbos: perspecto, que significa “olhar até o fim, examinar atentamente”; e perspicio, que significa “olhar através, ver bem, olhar aten- tamente, examinar com cuidado, reconhecer claramente” (Dicionário Escolar Latino-Português, de Ernesto Faria). A palavra “perspectiva” é rica de significações. Segundo o Dicionário de filosofia, do filósofo italiano Nicola Abbagnano, perspectiva seria “uma antecipação qualquer do futuro: projeto, esperança, ideal, ilusão, utopia. O ter- MOACIR GADOTTI Professor da Universidade de São Paulo e Diretor do Instituto Paulo Freire. Autor, dentre outras obras, de Perspectivas atuais da educação. as últimas duas décadas do século XX assistiu- se a grandes mudanças tanto no campo socio- econômico e político quanto no da cultura, da ciência e da tecnologia. Ocorreram grandes movimentos sociais, como aqueles no leste europeu, no final dos anos 80, culminando com a queda do Muro de Berlim. Ainda não se tem idéia clara do que deverá representar, para todos nós, a globalização capitalista da economia, das comuni- cações e da cultura. As transformações tecnológicas tor- naram possível o surgimento da era da informação. É um tempo de expectativas, de perplexidade e da cri- se de concepções e paradigmas não apenas porque inicia- se um novo milênio – época de balanço e de reflexão, época em que o imaginário parece ter um peso maior. O ano 2000 exerceu um fascínio muito grande em muitas pessoas. Paulo Freire dizia que queria chegar ao ano 2000 (acabou fale- cendo três anos antes). É um momento novo e rico de pos- sibilidades. Por isso, não se pode falar do futuro da edu- cação sem certa dose de cautela. É com essa cautela que serão examinadas, neste artigo, algumas das perspectivas atuais da teoria e da prática da educação, apoiando-se naqueles educadores e filósofos que tentaram, em meio a essa perplexidade, apesar de tudo, apontar algum cami- nho para o futuro. A perplexidade e a crise de paradigmas não podem se constituir num álibi para o imobilismo. No início deste século, H. G. Wells dizia que “a Histó- ria da Humanidade é cada vez mais a disputa de uma cor- Resumo: O conhecimento tem presença garantida em qualquer projeção que se faça do futuro. Por isso há um consenso de que o desenvolvimento de um país está condicionado à qualidade da sua educação. Nesse contex- to, as perspectivas para a educação são otimistas. A pergunta que se faz é: qual educação, qual escola, qual aluno, qual professor? Este artigo busca compreender a educação no contexto da globalização e da era da informação, tira conseqüências desse processo e aponta o que poderá permanecer da "velha" educação, indi- cando algumas categorias fundantes da educação do futuro. Palavras-chave: política educacional; globalização e ensino; educação e sociedade.

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PERSPECTIVAS ATUAIS DA EDUCAÇÃO

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PERSPECTIVAS ATUAIS DA EDUCAÇÃO

rida entre a educação e a catástrofe”. A julgar pelas duasgrandes guerras que marcaram a “História da Humanida-de”, na primeira metade do século XX, a catástrofe ven-ceu. No início dos anos 50, dizia-se que só havia uma al-ternativa: “socialismo ou barbárie” (Cornelius Castoriadis),mas chegou-se ao final do século com a derrocada do so-cialismo burocrático de tipo soviético e enfraquecimentoda ética socialista. E mais: pela primeira vez na históriada humanidade, não por efeito de armas nucleares, maspelo descontrole da produção industrial, pode-se destruirtoda a vida do planeta. Mais do que a solidariedade, esta-mos vendo crescer a competitividade. Venceu a barbárie,de novo? Qual o papel da educação neste novo contextopolítico? Qual é o papel da educação na era da informa-ção? Que perspectivas podemos apontar para a educaçãonesse início do Terceiro Milênio? Para onde vamos?

Para iniciar, verifica-se o significado da palavra “pers-pectiva”. A palavra “perspectiva” vem do latim tardio“perspectivus”, que deriva de dois verbos: perspecto, quesignifica “olhar até o fim, examinar atentamente”; eperspicio, que significa “olhar através, ver bem, olhar aten-tamente, examinar com cuidado, reconhecer claramente”(Dicionário Escolar Latino-Português, de Ernesto Faria).A palavra “perspectiva” é rica de significações. Segundoo Dicionário de filosofia, do filósofo italiano NicolaAbbagnano, perspectiva seria “uma antecipação qualquerdo futuro: projeto, esperança, ideal, ilusão, utopia. O ter-

MOACIR GADOTTI

Professor da Universidade de São Paulo e Diretor do Instituto Paulo Freire.Autor, dentre outras obras, de Perspectivas atuais da educação.

as últimas duas décadas do século XX assistiu-se a grandes mudanças tanto no campo socio-econômico e político quanto no da cultura, da

ciência e da tecnologia. Ocorreram grandes movimentossociais, como aqueles no leste europeu, no final dos anos80, culminando com a queda do Muro de Berlim. Aindanão se tem idéia clara do que deverá representar, para todosnós, a globalização capitalista da economia, das comuni-cações e da cultura. As transformações tecnológicas tor-naram possível o surgimento da era da informação.

É um tempo de expectativas, de perplexidade e da cri-se de concepções e paradigmas não apenas porque inicia-se um novo milênio – época de balanço e de reflexão, épocaem que o imaginário parece ter um peso maior. O ano 2000exerceu um fascínio muito grande em muitas pessoas. PauloFreire dizia que queria chegar ao ano 2000 (acabou fale-cendo três anos antes). É um momento novo e rico de pos-sibilidades. Por isso, não se pode falar do futuro da edu-cação sem certa dose de cautela. É com essa cautela queserão examinadas, neste artigo, algumas das perspectivasatuais da teoria e da prática da educação, apoiando-senaqueles educadores e filósofos que tentaram, em meio aessa perplexidade, apesar de tudo, apontar algum cami-nho para o futuro. A perplexidade e a crise de paradigmasnão podem se constituir num álibi para o imobilismo.

No início deste século, H. G. Wells dizia que “a Histó-ria da Humanidade é cada vez mais a disputa de uma cor-

Resumo: O conhecimento tem presença garantida em qualquer projeção que se faça do futuro. Por isso há umconsenso de que o desenvolvimento de um país está condicionado à qualidade da sua educação. Nesse contex-to, as perspectivas para a educação são otimistas. A pergunta que se faz é: qual educação, qual escola, qualaluno, qual professor? Este artigo busca compreender a educação no contexto da globalização e da era dainformação, tira conseqüências desse processo e aponta o que poderá permanecer da "velha" educação, indi-cando algumas categorias fundantes da educação do futuro.Palavras-chave: política educacional; globalização e ensino; educação e sociedade.

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mo exprime o mesmo conceito de possibilidade mas deum ponto de vista mais genérico e que menos compro-mete, dado que podem aparecer como perspectivas coi-sas que não têm suficiente consistência para serem possi-bilidades autênticas”. Para o Dicionário Aurélio, muitoconhecido entre nós, brasileiros, perspectiva é a “arte derepresentar os objetos sobre um plano tais como se apre-sentam à vista; pintura que representa paisagens e edifí-cios a distância; aspecto dos objetos vistos de uma certadistância; panorama; aparência, aspecto; aspecto sob oqual uma coisa se apresenta, ponto de vista; expectativa,esperança”. Perspectiva significa ao mesmo tempoenfoque, quando se fala, por exemplo, em perspectivapolítica, e possibilidade, crença em acontecimentos con-siderados prováveis e bons. Falar em perspectivas é falarde esperança no futuro.

Hoje muitos educadores, perplexos diante das rápidasmudanças na sociedade, na tecnologia e na economia,perguntam-se sobre o futuro de sua profissão, alguns commedo de perdê-la sem saber o que devem fazer. Então,aparecem, no pensamento educacional, todas as palavrascitadas por Abbagnano e Aurélio: “projeto” político-pe-dagógico, pedagogia da “esperança”, “ideal” pedagógi-co, “ilusão” e “utopia” pedagógica, o futuro como “pos-sibilidade”. Fala-se muito hoje em “cenários” possíveispara a educação, portanto, em “panoramas”, representa-ção de “paisagens”. Para se desenhar uma perspectiva épreciso “distanciamento”. É sempre um “ponto de vista”.Todas essas palavras entre aspas indicam uma certa dire-ção ou, pelo menos, um horizonte em direção ao qual secaminha ou se pode caminhar. Elas designam “expectati-vas” e anseios que podem ser captados, capturados, siste-matizados e colocados em evidência.

UM PASSADO SEMPRE PRESENTE

A virada do milênio é razão oportuna para um balançosobre práticas e teorias que atravessaram os tempos. Fa-lar de “perspectivas atuais da educação” é também falar,discutir, identificar o “espírito” presente no campo das idéias,dos valores e das práticas educacionais que as perpassa,marcando o passado, caracterizando o presente e abrindopossibilidades para o futuro. Algumas perspectivas teóri-cas que orientaram muitas práticas poderão desaparecer,e outras permanecerão em sua essência. Quais teorias epráticas fixaram-se no ethos educacional, criaram raízes,atravessaram o milênio e estão presentes hoje? Para en-tender o futuro é preciso revisitar o passado. No cenário

da educação atual, podem ser destacados alguns marcos,algumas pegadas, que persistem e poderão persistir naeducação do futuro.

Educação Tradicional

Enraizada na sociedade de classes escravista da IdadeAntiga, destinada a uma pequena minoria, a educação tra-dicional iniciou seu declínio já no movimento renascentista,mas ela sobrevive até hoje, apesar da extensão média daescolaridade trazida pela educação burguesa. A educaçãonova, que surge de forma mais clara a partir da obra deRousseau, desenvolveu-se nesses últimos dois séculos etrouxe consigo numerosas conquistas, sobretudo no cam-po das ciências da educação e das metodologias de ensi-no. O conceito de “aprender fazendo” de John Dewey e astécnicas Freinet, por exemplo, são aquisições definitivasna história da pedagogia. Tanto a concepção tradicionalde educação quanto a nova, amplamente consolidadas,terão um lugar garantido na educação do futuro.

A educação tradicional e a nova têm em comum a con-cepção da educação como processo de desenvolvimentoindividual. Todavia, o traço mais original da educaçãodesse século é o deslocamento de enfoque do individualpara o social, para o político e para o ideológico. A peda-gogia institucional é um exemplo disso. A experiênciade mais de meio século de educação nos países socialis-tas também o testemunha. A educação, no século XX,tornou-se permanente e social. É verdade, existem aindamuitos desníveis entre regiões e países, entre o Norte e oSul, entre países periféricos e hegemônicos, entre paísesglobalizadores e globalizados. Entretanto, há idéias uni-versalmente difundidas, entre elas a de que não há idadepara se educar, de que a educação se estende pela vida eque ela não é neutra.

Educação Internacionalizada

No início da segunda metade deste século, educadorese políticos imaginaram uma educação internacionaliza-da, confiada a uma grande organização, a Unesco. Os paí-ses altamente desenvolvidos já haviam universalizado o en-sino fundamental e eliminado o analfabetismo. Os sistemasnacionais de educação trouxeram um grande impulso,desde o século passado, possibilitando numerosos planosde educação, que diminuíram custos e elevaram os bene-fícios. A tese de uma educação internacional já existiadeste 1899, quando foi fundado, em Bruxelas, o Bureau In-

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ternacional de Novas Escolas, por iniciativa do educadorAdolphe Ferrière. Como resultado, tem-se hoje uma gran-de uniformidade nos sistemas de ensino. Pode-se dizer quehoje todos os sistemas educacionais contam com uma estru-tura básica muito parecida. No final do século XX, o fenô-meno da globalização deu novo impulso à idéia de uma edu-cação igual para todos, agora não como princípio de justiçasocial, mas apenas como parâmetro curricular comum.

Novas Tecnologias

As conseqüências da evolução das novas tecnologias,centradas na comunicação de massa, na difusão do co-nhecimento, ainda não se fizeram sentir plenamente noensino – como previra McLuhan já em 1969 –, pelo me-nos na maioria das nações, mas a aprendizagem a distân-cia, sobretudo a baseada na Internet, parece ser a grandenovidade educacional neste início de novo milênio. A edu-cação opera com a linguagem escrita e a nossa culturaatual dominante vive impregnada por uma nova lingua-gem, a da televisão e a da informática, particularmente alinguagem da Internet. A cultura do papel representa tal-vez o maior obstáculo ao uso intensivo da Internet, emparticular da educação a distância com base na Internet.Por isso, os jovens que ainda não internalizaram inteira-mente essa cultura adaptam-se com mais facilidade do queos adultos ao uso do computador. Eles já estão nascendocom essa nova cultura, a cultura digital.

Os sistemas educacionais ainda não conseguiram ava-liar suficientemente o impacto da comunicação audio-visual e da informática, seja para informar, seja para bi-tolar ou controlar as mentes. Ainda trabalha-se muito comrecursos tradicionais que não têm apelo para as criançase jovens. Os que defendem a informatização da educaçãosustentam que é preciso mudar profundamente os méto-dos de ensino para reservar ao cérebro humano o que lheé peculiar, a capacidade de pensar, em vez de desenvol-ver a memória. Para ele, a função da escola será, cadavez mais, a de ensinar a pensar criticamente. Para isso épreciso dominar mais metodologias e linguagens, inclu-sive a linguagem eletrônica.

Paradigmas Holonômicos

Entre as novas teorias surgidas nesses últimos anos,despertaram interesse dos educadores os chamadosparadigmas holonômicos, ainda pouco consistentes. Com-plexidade e holismo são palavras cada vez mais ouvidas

nos debates educacionais. Nesta perspectiva, pode-se in-cluir as reflexões de Edgar Morin, que critica a razãoprodutivista e a racionalização modernas, propondo umalógica do vivente. Esses paradigmas sustentam um prin-cípio unificador do saber, do conhecimento, em torno doser humano, valorizando o seu cotidiano, o seu vivido, opessoal, a singularidade, o entorno, o acaso e outras cate-gorias como: decisão, projeto, ruído, ambigüidade,finitude, escolha, síntese, vínculo e totalidade.

Essas seriam algumas das categorias dos paradigmaschamados holonômicos. Etimologicamente, holos, em gre-go, significa todo e os novos paradigmas procuram centrar-se na totalidade. Mais do que a ideologia, seria a utopiaque teria essa força para resgatar a totalidade do real, tota-lidade perdida. Para os defensores desses novos para-digmas, os paradigmas clássicos – identificados nopositivismo e no marxismo – seriam marcados pela ideo-logia e lidariam com categorias redutoras da totalidade.Ao contrário, os paradigmas holonômicos pretendem res-taurar a totalidade do sujeito, valorizando a sua iniciativae a sua criatividade, valorizando o micro, a complementa-ridade, a convergência e a complexidade. Para eles, osparadigmas clássicos sustentam o sonho milenarista de umasociedade plena, sem arestas, em que nada perturbaria umconsenso sem fricções. Ao aceitar como fundamento daeducação uma antropologia que concebe o homem comoum ser essencialmente contraditorial, os paradigmasholonômicos pretendem manter, sem pretender superar,todos os elementos da complexidade da vida.

Os holistas sustentam que o imaginário e a utopia sãoos grandes fatores instituintes da sociedade e recusam umaordem que aniquila o desejo, a paixão, o olhar e a escuta.Os enfoques clássicos, segundo eles, banalizam essas di-mensões da vida porque sobrevalorizam o macro-estru-tural, o sistema, em que tudo é função ou efeito das supe-restruturas socioeconômicas ou epistêmicas, lingüísticase psíquicas. Para os novos paradigmas, a história éessencialmente possibilidade, em que o que vale é o ima-ginário (Gilbert Durand, Cornelius Castoriadis), o proje-to. Existem tantos mundos quanto nossa capacidade deimaginar. Para eles, “a imaginação está no poder”, comoqueriam os estudantes em maio de 1968.

Na verdade, essas categorias não são novas na teoria daeducação, mas hoje são lidas e analisadas com mais simpa-tia do que no passado. Sob diversas formas e com diferentessignificados, essas categorias são encontradas em muitos in-telectuais, filósofos e educadores, de ontem e de hoje: o “sen-tido do outro”, a “curiosidade” (Paulo Freire), a “tolerân-

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cia” (Karl Jaspers), a “estrutura de acolhida” (Paul Ricoeur),o “diálogo” (Martin Buber), a “autogestão” (Celestin Freinet,Michel Lobrot), a “desordem” (Edgar Morin), a “ação co-municativa”, o “mundo vivido” (Jürgen Habermas), a“radicalidade” (Agnes Heller), a “empatia” (Carl Rogers), a“questão de gênero” (Moema Viezzer, Nelly Stromquist), o“cuidado” (Leonardo Boff), a “esperança” (Ernest Bloch), a“alegria” (Georges Snyders), a unidade do homem contra as“unidimensionalizações” (Herbert Marcuse), etc.

Evidentemente, nem todos esses autores aceitariamenquadrar-se nos paradigmas holonômicos. Todas as clas-sificações e tipologias, no campo das idéias, são necessa-riamente reducionistas. Não se pode negar as divergên-cias existentes entre eles. Contudo, as categorias apontadasanteriormente indicam uma certa tendência, ou melhor,uma perspectiva da educação. Os que sustentam os pa-radigmas holonômicos procuram buscar na unidade doscontrários e na cultura contemporânea um sinal dos tem-pos, uma direção do futuro, que eles chamam de pedago-gia da unidade.

Educação Popular

O paradigma da educação popular, inspirado original-mente no trabalho de Paulo Freire nos anos 60, encontra-va na conscientização sua categoria fundamental. A prá-tica e a reflexão sobre a prática levaram a incorporar outracategoria não menos importante: a da organização. Afi-nal, não basta estar consciente, é preciso organizar-se parapoder transformar. Nos últimos anos, os educadores quepermaneceram fiéis aos princípios da educação popularatuaram principalmente em duas direções: na educaçãopública popular – no espaço conquistado no interior doEstado –; e na educação popular comunitária e na edu-cação ambiental ou sustentável, predominantemente não-governamentais. Durante os regimes autoritários da Amé-rica Latina, a educação popular manteve sua unidade,combatendo as ditaduras e apresentando projetos “alter-nativos”. Com as conquistas democráticas, ocorreu coma educação popular uma grande fragmentação em dois sen-tidos: de um lado ela ganhou uma nova vitalidade no in-terior do Estado, diluindo-se em suas políticas públicas;e, de outro, continuou como educação não-formal, dis-persando-se em milhares de pequenas experiências. Per-deu em unidade, ganhou em diversidade e conseguiu atra-vessar numerosas fronteiras. Hoje ela incorporou-se aopensamento pedagógico universal e orienta a atuação demuitos educadores espalhados pelo mundo, como o tes-

temunha o Fórum Paulo Freire, que se realiza de dois emdois anos, reunindo educadores de muitos países.

As práticas de educação popular também constituem-se em mecanismos de democratização, em que se refletemos valores de solidariedade e de reciprocidade e novasformas alternativas de produção e de consumo, sobretu-do as práticas de educação popular comunitária, muitasdelas voluntárias. O Terceiro Setor está crescendo nãoapenas como alternativa entre o Estado burocrático e omercado insolidário, mas também como espaço de novasvivências sociais e políticas hoje consolidadas com asorganizações não-governamentais (ONGs) e as organiza-ções de base comunitária (OBCs). Este está sendo hoje ocampo mais fértil da educação popular.

Diante desse quadro, a educação popular, como mo-delo teórico reconceituado, tem oferecido grandes alter-nativas. Dentre elas, está a reforma dos sistemas deescolarização pública. A vinculação da educação popu-lar com o poder local e a economia popular abre, tam-bém, novas e inéditas possibilidades para a prática da edu-cação. O modelo teórico da educação popular, elaboradona reflexão sobre a prática da educação durante várias dé-cadas, tornou-se, sem dúvida, uma das grandes contri-buições da América Latina à teoria e à prática educativaem âmbito internacional. A noção de aprender a partir doconhecimento do sujeito, a noção de ensinar a partir depalavras e temas geradores, a educação como ato deconhecimento e de transformação social e a politicidadeda educação são apenas alguns dos legados da educaçãopopular à pedagogia crítica universal.

Universalização da Educação Básica eNovas Matrizes Teóricas

Neste começo de um novo milênio, a educação apresen-ta-se numa dupla encruzilhada: de um lado, o desempenhodo sistema escolar não tem dado conta da universalizaçãoda educação básica de qualidade; de outro, as novas matri-zes teóricas não apresentam ainda a consistência global ne-cessária para indicar caminhos realmente seguros numa épocade profundas e rápidas transformações. Essa é uma das preo-cupações do Instituto Paulo Freire, buscando, a partir do le-gado de Paulo Freire, consolidar o seu “Projeto da EscolaCidadã”, como resposta à crise de paradigmas. A concep-ção teórica e as práticas desenvolvidas a partir do conceitode Escola Cidadã podem constituir-se numa alternativa vi-ável, de um lado, ao projeto neoliberal de educação, ampla-mente hegemônico, baseado na ética do mercado, e, de ou-

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tro lado, à teoria e à prática de uma educação burocrática,sustentada na “estadolatria” (Antonio Gramsci). É uma es-cola que busca fortalecer autonomamente o seu projeto po-lítico-pedagógico, relacionando-se dialeticamente – nãomecânica e subordinadamente – com o mercado, o Estado ea sociedade. Ela visa formar o cidadão para controlar o mer-cado e o Estado, sendo, ao mesmo tempo, pública quanto aoseu destino – isto é, para todos – estatal quanto ao financia-mento e democrática e comunitária quanto à sua gestão.

Seja qual for a perspectiva que a educação contempo-rânea tomar, uma educação voltada para o futuro serásempre uma educação contestadora, superadora dos limi-tes impostos pelo Estado e pelo mercado, portanto, umaeducação muito mais voltada para a transformação so-cial do que para a transmissão cultural. Por isso, acredi-ta-se que a pedagogia da práxis, como uma pedagogiatransformadora, em suas várias manifestações, pode ofe-recer um referencial geral mais seguro do que as pedago-gias centradas na transmissão cultural, neste momento deperplexidade.

SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E EDUCAÇÃO

Costuma-se definir nossa era como a era do conheci-mento. Se for pela importância dada hoje ao conhecimento,em todos os setores, pode-se dizer que se vive mesmo naera do conhecimento, na sociedade do conhecimento, so-bretudo em conseqüência da informatização e do proces-so de globalização das telecomunicações a ela associa-do. Pode ser que, de fato, já se tenha ingressado na era doconhecimento, mesmo admitindo que grandes massas dapopulação estejam excluídas dele. Todavia, o que se cons-tata é a predominância da difusão de dados e informa-ções e não de conhecimentos. Isso está sendo possívelgraças às novas tecnologias que estocam o conhecimen-to, de forma prática e acessível, em gigantescos volumesde informações, que são armazenadas inteligentemente,permitindo a pesquisa e o acesso de maneira muito sim-ples, amigável e flexível. É o que já acontece com aInternet: para ser “usuário”, basta dispor de uma linhatelefônica e um computador. “Usuário” não significa aquiapenas receptor de informações, mas também emissor deinformações. Pela Internet, a partir de qualquer sala deaula do planeta, pode-se acessar inúmeras bibliotecas emmuitas partes do mundo. As novas tecnologias permitemacessar conhecimentos transmitidos não apenas por pala-vras, mas também por imagens, sons, fotos, vídeos (hiper-mídia), etc. Nos últimos anos, a informação deixou de ser

uma área ou especialidade para se tornar uma dimensãode tudo, transformando profundamente a forma como asociedade se organiza. Pode-se dizer que está em anda-mento uma Revolução da Informação, como ocorreram nopassado a Revolução Agrícola e a Revolução Industrial.

Ladislau Dowbor (1998), após descrever as facilidadesque as novas tecnologias oferecem ao professor, se pergun-ta: o que eu tenho a ver com tudo isso, se na minha escolanão tem nem biblioteca e com o meu salário eu não possocomprar um computador? Ele mesmo responde que será pre-ciso trabalhar em dois tempos: o tempo do passado e o tem-po do futuro. Fazer tudo hoje para superar as condições doatraso e, ao mesmo tempo, criar as condições para aprovei-tar amanhã as possibilidades das novas tecnologias.

As novas tecnologias criaram novos espaços do conhe-cimento. Agora, além da escola, também a empresa, o es-paço domiciliar e o espaço social tornaram-se educativos.Cada dia mais pessoas estudam em casa, pois podem, decasa, acessar o ciberespaço da formação e da aprendiza-gem a distância, buscar “fora” – a informação disponívelnas redes de computadores interligados – serviços que res-pondem às suas demandas de conhecimento. Por outro lado,a sociedade civil (ONGs, associações, sindicatos, igrejas,etc.) está se fortalecendo não apenas como espaço de tra-balho, em muitos casos, voluntário, mas também comoespaço de difusão de conhecimentos e de formação conti-nuada. É um espaço potencializado pelas novas tecnolo-gias, inovando constantemente nas metodologias. Novasoportunidades parecem abrir-se para os educadores. Es-ses espaços de formação têm tudo para permitir maiordemocratização da informação e do conhecimento, por-tanto, menos distorção e menos manipulação, menos con-trole e mais liberdade. É uma questão de tempo, de políti-cas públicas adequadas e de iniciativa da sociedade. Atecnologia não basta. É preciso a participação mais inten-sa e organizada da sociedade. O acesso à informação nãoé apenas um direito. É um direito fundamental, um direitoprimário, o primeiro de todos os direitos, pois sem ele nãose tem acesso aos outros direitos.

Na formação continuada necessita-se de maior inte-gração entre os espaços sociais (domiciliar, escolar, em-presarial, etc.), visando equipar o aluno para viver me-lhor na sociedade do conhecimento. Como previa HerbertMcLuhan, o planeta tornou-se a nossa sala de aula e onosso endereço. O ciberespaço não está em lugar nenhum,pois está em todo o lugar o tempo todo. Estar num lugarsignificaria estar determinado pelo tempo (hoje, ontem,amanhã). No ciberespaço, a informação está sempre e per-

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manentemente presente e em renovação constante. Ociberespaço rompeu com a idéia de tempo próprio para aaprendizagem. Não há tempo e espaço próprios para aaprendizagem. Como ele está todo o tempo em todo lu-gar, o espaço da aprendizagem é aqui – em qualquer lugar –e o tempo de aprender é hoje e sempre. A sociedade do co-nhecimento se traduz por redes, “teias” (Ivan Illich), “árvo-res do conhecimento” (Humberto Maturana), sem hierarqui-as, em unidades dinâmicas e criativas, favorecendo aconectividade, o intercâmbio, consultas entre instituições epessoas, articulação, contatos e vínculos, interatividade. Aconectividade é a principal característica da Internet.

O conhecimento é o grande capital da humanidade. Nãoé apenas o capital da transnacional que precisa dele paraa inovação tecnológica. Ele é básico para a sobrevivên-cia de todos e, por isso, não deve ser vendido ou compra-do, mas sim disponibilizado a todos. Esta é a função deinstituições que se dedicam ao conhecimento apoiado nosavanços tecnológicos. Espera-se que a educação do futu-ro seja mais democrática, menos excludente. Essa é aomesmo tempo nossa causa e nosso desafio. Infelizmente,diante da falta de políticas públicas no setor, acabaramsurgindo “indústrias do conhecimento”, prejudicando umapossível visão humanista, tornando-o instrumento de lu-cro e de poder econômico.

A educação, em particular a educação a distância, éum bem coletivo e, por isso, não deve ser regulada pelojogo do mercado, nem pelos interesses políticos ou pelofuror legiferante de regulamentar, credenciar, autorizar,reconhecer, avaliar, etc. de muitos tecnoburocratas. Quemdeve decidir sobre a qualidade dos seus certificados nãoé nem o Estado e nem o mercado, mas sim a sociedade eo sujeito aprendente. Na era da informação generalizada,existirá ainda necessidade de diplomas?

O que cabe à escola na sociedade informacional? Cabea ela organizar um movimento global de renovação cul-tural, aproveitando-se de toda essa riqueza de informa-ções. Hoje é a empresa que está assumindo esse papel ino-vador. A escola não pode ficar a reboque das inovaçõestecnológicas. Ela precisa ser um centro de inovação. Te-mos uma tradição de dar pouca importância à educaçãotecnológica, a qual deveria começar já na educação infantil.

Na sociedade da informação, a escola deve servir debússola para navegar nesse mar do conhecimento, supe-rando a visão utilitarista de só oferecer informações “úteis”para a competitividade, para obter resultados. Deve ofe-recer uma formação geral na direção de uma educaçãointegral. O que significa servir de bússola? Significa ori-

entar criticamente, sobretudo as crianças e jovens, na buscade uma informação que os faça crescer e não embrutecer.

Hoje vale tudo para aprender. Isso vai além da “reci-clagem” e da atualização de conhecimentos e muito maisalém da “assimilação” de conhecimentos. A sociedade doconhecimento possui múltiplas oportunidades de apren-dizagem: parcerias entre o público e o privado (família,empresa, associações, etc.); avaliações permanentes; de-bate público; autonomia da escola; generalização da ino-vação. As conseqüências para a escola e para a educaçãoem geral são enormes: ensinar a pensar; saber comuni-car-se; saber pesquisar; ter raciocínio lógico; fazer sínte-ses e elaborações teóricas; saber organizar o seu própriotrabalho; ter disciplina para o trabalho; ser independentee autônomo; saber articular o conhecimento com a práti-ca; ser aprendiz autônomo e a distância.

Neste contexto de impregnação do conhecimento, cabeà escola: amar o conhecimento como espaço de realiza-ção humana, de alegria e de contentamento cultural; se-lecionar e rever criticamente a informação; formular hi-póteses; ser criativa e inventiva (inovar); ser provocadorade mensagens e não pura receptora; produzir, construir ereconstruir conhecimento elaborado. E mais: numa pers-pectiva emancipadora da educação, a escola tem que fa-zer tudo isso em favor dos excluídos, não discriminandoo pobre. Ela não pode distribuir poder, mas pode cons-truir e reconstruir conhecimentos, saber, que é poder.Numa perspectiva emancipadora da educação, a tecnologiacontribui muito pouco para a emancipação dos excluídosse não for associada ao exercício da cidadania.

Como diz Ladislau Dowbor (1998:259), a escola dei-xará de ser “lecionadora” para ser “gestora do conhecimen-to”. Segundo o autor, “pela primeira vez a educação tem apossibilidade de ser determinante sobre o desenvolvimen-to”. A educação tornou-se estratégica para o desenvolvi-mento, mas, para isso, não basta “modernizá-la”, comoquerem alguns. Será preciso transformá-la profundamente.

A escola precisa ter projeto, precisa de dados, precisafazer sua própria inovação, planejar-se a médio e a longoprazos, fazer sua própria reestruturação curricular, ela-borar seus parâmetros curriculares, enfim, ser cidadã. Asmudanças que vêm de dentro das escolas são mais dura-douras. Da sua capacidade de inovar, registrar, sistemati-zar a sua prática/experiência, dependerá o seu futuro. Nes-se contexto, o educador é um mediador do conhecimento,diante do aluno que é o sujeito da sua própria formação.Ele precisa construir conhecimento a partir do que faz e,para isso, também precisa ser curioso, buscar sentido para

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PERSPECTIVAS ATUAIS DA EDUCAÇÃO

o que faz e apontar novos sentidos para o que fazer dosseus alunos.

Em geral, temos a tendência de desvalorizar o que fa-zemos na escola e de buscar receitas fora dela quando éela mesma que deveria governar-se. É dever dela ser ci-dadã e desenvolver na sociedade a capacidade de gover-nar e controlar o desenvolvimento econômico e o merca-do. A cidadania precisa controlar o Estado e o mercado,verdadeira alternativa ao capitalismo neoliberal e ao so-cialismo burocrático e autoritário. A escola precisa dar oexemplo, ousar construir o futuro. Inovar é mais impor-tante do que reproduzir com qualidade o que existe. Amatéria-prima da escola é sua visão do futuro.

A escola está desafiada a mudar a lógica da constru-ção do conhecimento, pois a aprendizagem agora ocupatoda a nossa vida. E porque passamos todo o tempo denossas vidas na escola – não só nós, professores – deve-mos ser felizes nela. A felicidade na escola não é umaquestão de opção metodológica ou ideológica, mas simuma obrigação essencial dela. Como diz Georges Snyders(1998) no livro A alegria na escola, precisamos de umanova “cultura da satisfação”, precisamos da “alegria cul-tural”. O mundo de hoje é “favorável à satisfação” e aescola também pode sê-lo.

O que é ser professor hoje? Ser professor hoje é vi-ver intensamente o seu tempo, conviver; é ter consciên-cia e sensibilidade. Não se pode imaginar um futuropara a humanidade sem educadores, assim como nãose pode pensar num futuro sem poetas e filósofos. Oseducadores, numa visão emancipadora, não só trans-formam a informação em conhecimento e em consci-ência crítica, mas também formam pessoas. Diante dosfalsos pregadores da palavra, dos marketeiros, eles sãoos verdadeiros “amantes da sabedoria”, os filósofos deque nos falava Sócrates. Eles fazem fluir o saber (nãoo dado, a informação e o puro conhecimento), porqueconstróem sentido para a vida das pessoas e para ahumanidade e buscam, juntos, um mundo mais justo,mas produtivo e mais saudável para todos. Por isso elessão imprescindíveis.

PARA PENSAR A EDUCAÇÃO DO FUTURO

Jacques Delors (1998), coordenador do “Relatório paraa Unesco da Comissão Internacional Sobre Educação parao Século XXI”, no livro Educação: um tesouro a desco-brir, aponta como principal conseqüência da sociedadedo conhecimento a necessidade de uma aprendizagem ao

longo de toda a vida (Lifelong Learning) fundada emquatro pilares que são ao mesmo tempo pilares do co-nhecimento e da formação continuada. Esses pilares po-dem ser tomados também como bússola para nos orientarrumo ao futuro da educação.

Aprender a conhecer – Prazer de compreender, desco-brir, construir e reconstruir o conhecimento, curiosidade,autonomia, atenção. Inútil tentar conhecer tudo. Isso su-põe uma cultura geral, o que não prejudica o domínio decertos assuntos especializados. Aprender a conhecer é maisdo que aprender a aprender. Aprender mais linguagens emetodologias do que conteúdos, pois estes envelhecemrapidamente. Não basta aprender a conhecer. É precisoaprender a pensar, a pensar a realidade e não apenas “pen-sar pensamentos”, pensar o já dito, o já feito, reproduziro pensamento. É preciso pensar também o novo, reinventaro pensar, pensar e reinventar o futuro.

Aprender a fazer – É indissociável do aprender a conhe-cer. A substituição de certas atividades humanas por má-quinas acentuou o caráter cognitivo do fazer. O fazer dei-xou de ser puramente instrumental. Nesse sentido, valemais hoje a competência pessoal que torna a pessoa aptaa enfrentar novas situações de emprego, mas apta a tra-balhar em equipe, do que a pura qualificação profissio-nal. Hoje, o importante na formação do trabalhador, tam-bém do trabalhador em educação, é saber trabalharcoletivamente, ter iniciativa, gostar do risco, ter intuição,saber comunicar-se, saber resolver conflitos, ter estabili-dade emocional. Essas são, acima de tudo, qualidadeshumanas que se manifestam nas relações interpessoaismantidas no trabalho. A flexibilidade é essencial. Existemhoje perto de 11 mil funções na sociedade contra aproxima-damente 60 profissões oferecidas pelas universidades. Comoas profissões evoluem muito rapidamente, não basta prepa-rar-se profissionalmente para um trabalho.

Aprender a viver juntos – a viver com os outros. Compre-ender o outro, desenvolver a percepção da interdependência,da não-violência, administrar conflitos. Descobrir o outro,participar em projetos comuns. Ter prazer no esforço co-mum. Participar de projetos de cooperação. Essa é a tendên-cia. No Brasil, como exemplo desta tendência, pode-se citara inclusão de temas/eixos transversais (ética, ecologia, cida-dania, saúde, diversidade cultural) nos Parâmetros Curricu-lares Nacionais, que exigem equipes interdisciplinares e tra-balho em projetos comuns.

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 14(2) 2000

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Aprender a ser – Desenvolvimento integral da pessoa:inteligência, sensibilidade, sentido ético e estético, res-ponsabilidade pessoal, espiritualidade, pensamento autô-nomo e crítico, imaginação, criatividade, iniciativa. Paraisso não se deve negligenciar nenhuma das potencialidadesde cada indivíduo. A aprendizagem não pode ser apenaslógico-matemática e lingüística. Precisa ser integral.

Iniciou-se este texto procurando situar o que significa“perspectiva”. Sem pretender fazer qualquer exercício defuturologia e muito mais no sentido de estabelecer pontospara o debate, serão apontados aqui algumas categorias emtorno da educação do futuro, que indicam o surgimento detemas com importantes conseqüências para a educação.

As categorias “contradição”, “determinação”, “repro-dução”, “mudança”, “trabalho”, “práxis”, “necessidade”,“possibilidade” aparecem freqüentemente na literaturapedagógica contemporânea, sinalizando já uma perspec-tiva da educação, a perspectiva da pedagogia da práxis.Essas categorias tornaram-se clássicas na explicação dofenômeno da educação, principalmente a partir de Hegele de Marx. A dialética constitui-se, até hoje, no paradig-ma mais consistente para analisar o fenômeno da educa-ção. Pode-se e deve-se estudá-la e estudar todas as cate-gorias anteriormente apontadas. Elas não podem sernegadas, pois ajudarão muito na leitura do mundo da edu-cação atual. Elas não podem ser negadas ou desprezadascomo categorias “ultrapassadas”. Porém, também pode-mos nos ocupar mais especificamente de outras, ao pen-sar a educação do futuro, categorias nascidas ao mesmotempo da prática da educação e da reflexão sobre ela. Eisalgumas delas a título de exemplo.

Cidadania – O que implica também tratar do tema da au-tonomia da escola, de seu projeto político-pedagógico,da questão da participação, da educação para a cidada-nia. Dentro desta categoria, pode-se discutir particular-mente o significado da concepção de escola cidadã e desuas diferentes práticas. Educar para a cidadania ativatornou-se hoje projeto e programa de muitas escolas e desistemas educacionais.

Planetaridade – A Terra é um “novo paradigma” (Leo-nardo Boff). Que implicações tem essa visão de mundosobre a educação? O que seria uma ecopedagogia (Fran-cisco Gutiérrez) e uma ecoformação (Gaston Pineau)? Otema da cidadania planetária pode ser discutido a partirdesta categoria. Podemos nos perguntar como Milton Nas-cimento: “para que passaporte se fazemos parte de uma

única nação?” Que conseqüências podemos tirar para alu-nos, professores e currículos?

Sustentabilidade – O tema da sustentabilidade originou-sena economia (“desenvolvimento sustentável”) e na ecolo-gia, para se inserir definitivamente no campo da educação,sintetizada no lema “uma educação sustentável para a so-brevivência do planeta”. O que seria uma cultura da susten-tabilidade? Esse tema deverá dominar muitos debates edu-cativos das próximas décadas. O que estamos estudando nasescolas? Não estaremos construindo uma ciência e uma cul-tura que servem para a degradação/deterioração do planeta?

Virtualidade – Esse tema implica toda a discussão atualsobre a educação a distância e o uso dos computadoresnas escolas (Internet). A informática, associada à telefo-nia, nos inseriu definitivamente na era da informação.Quais as conseqüências para a educação, para a escola,para a formação do professor e para a aprendizagem? Con-seqüências da obsolescência do conhecimento. Como ficaa escola diante da pluralidade dos meios de comunica-ção? Eles abrem os novos espaços da formação ou irãosubstituir a escola?

Globalização – O processo da globalização está mudando apolítica, a economia, a cultura, a história e, portanto, tam-bém a educação. É um tema que deve ser enfocado sob vá-rios prismas. A globalização remete também ao poder locale às conseqüências locais da nossa dívida externa global (edívida interna também, a ela associada). O global e o localse fundem numa nova realidade: o “glocal”. O estudo destacategoria remete à necessária discussão do papel dos muni-cípios e do “regime de colaboração” entre União, estados,municípios e comunidade, nas perspectivas atuais da educa-ção básica. Para pensar a educação do futuro, é necessáriorefletir sobre o processo de globalização da economia, dacultura e das comunicações.

Transdisciplinaridade – Embora com significados dis-tintos, certas categorias como transculturalidade,transversalidade, multiculturalidade e outras como com-plexidade e holismo também indicam uma nova tendên-cia na educação que será preciso analisar. Como cons-truir interdisciplinarmente o projeto pedagógico da escola?Como relacionar multiculturalidade e currículo? É neces-sário realizar o debate dos PCN. Como trabalhar com os“temas transversais”? O desafio de uma educação semdiscriminação étnica, cultural, de gênero.

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Dialogicidade, dialeticidade – Não se pode negar a atu-alidade de certas categorias freireanas e marxistas, a va-lidade de uma pedagogia dialógica ou da práxis. Marx,em O capital, privilegiou as categorias hegelianas “de-terminação”, “contradição”, “necessidade” e “possibili-dade”. A fenomenologia hegeliana continua inspirandonossa educação e deverá atravessar o milênio. A educa-ção popular e a pedagogia da práxis deverão continuarcomo paradigmas válidos para além do ano 2000.

A análise dessas categorias e a identificação da sua pre-sença na pedagogia contemporânea podem constituir-se,sem dúvida, num grande programa a ser desenvolvido hojeem torno das “perspectivas atuais da educação”. Não sepretende aqui dar respostas definitivas. Com esse peque-no texto introdutório, procurou-se apenas iniciar um de-bate sobre as perspetivas atuais da educação, sem a inten-

ção de, com isso, encerrá-lo. Existem muitos outros desa-fios para a educação. A reflexão crítica não basta, comotambém não basta a prática sem a reflexão sobre ela. Aqui,são indicadas apenas algumas pistas, dentro de uma visãootimista e crítica – não pessimista e ingênua – para umaanálise em profundidade daqueles que se interessam poruma “educação voltada para o futuro”, como dizia o gran-de educador polonês, o marxista Bogdan Suchodolski.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo, Cortez, 1998.

DOWBOR, L. A reprodução social. São Paulo, Vozes, 1998.

GADOTTI, M. Perspectivas atuais da educação. Porto Alegre, Ed. Artes Médi-cas, 2000.

SNYDERS, G. A alegria na escola. São Paulo, Ed. Manole, 1988.