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22 Orlando Azevedo

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Texto sobre o poeta publicado na Revista do Sesc em outubro de 2014

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Com uma obra arrebatadora, Paulo leminski reverbera

em Prosa, verso e músiCa todo o seu exPerimentalismo

de linguagem e atinge o grande PúbliCo

Fenômeno pop. A expressão descreve bem o que Paulo Leminski se tornou 25 anos após a sua morte, ocor-rida em 1989, aos 44 anos. Seu verso e sua prosa arrebataram leitores ávidos por descobrir cada detalhe e contradição da densa obra literária que construiu na curta história de vida. Os números são exuberantes: em março de 2013 o livro Toda Poesia (Companhia das Letras, 2012), reunião da produção poética de

Leminski, causou furor ao ultrapassar o best seller 50 Tons de Cinza (Editora Intrínseca, 2012); no mês de lançamento teve três reimpressões e atualmente já bateu os 90 mil exemplares vendidos. Mas não é só isso: sua poesia experimental também ocupa as ruas e os muros de cidades como São Paulo e Curitiba e se reproduz a perder de vista na internet.

O mestre em Teoria Literária Fabiano Calixto, um dos organizadores do livro A Linha que Nunca Termina – Pensan-do Paulo Leminski (Editora Lamparina, 2004), feito em parceria com André Dick, destaca a popularidade do escritor, mesmo entre as pessoas que não costumavam ler poesia. “Era um projeto dele, inclusive. Ele curtia isso, esse lance de fazer a poesia chegar às pessoas. Acho que ele estava certo – não pelo fato de querer ser popular, mas por ter isso em seu campo de visão usou todo o arsenal para fazer a coisa acontecer”, explica. “Ele não dava moleza. A poesia dele não é (nem nunca foi) fácil. É sofisticadíssima – acho que ele forma junto com Torquato Neto e Waly Salomão a trinca de faróis da geração. É livre, direta, simples – sem ser simplista. Por isso nos toca.”

Um cara autênticoSegundo amigos próximos ou mesmo admiradores,

a genialidade e postura firme de Leminski agradava em cheio a alguns e, em certa medida, intimidava outros. O músico e compositor Carlos Careqa trabalhou com Leminski na adaptação da peça Alles Plastik: “Fui cha-mado para fazer a trilha musical da peça Alles Plastik. Leminski era o adaptador da versão que Adriano Tá-vora e Madalena Petlz fizeram para a peça de Volker Ludwig, do Teatro Grips de Berlim. Gostava da poesia dele. Mas invocava com a figura pública, pois ele era muito provocador e eu muito jovem”, relembra Careqa, que cantou as músicas de Leminski na 23ª Bienal In-ternacional do Livro em agosto deste ano, no sarau em homenagem aos 70 anos do autor. Careqa conta que

foi entendendo a obra aos poucos e ainda continua es-tudando cada poema que lê, mas na época tinha “certo medo dele”.

Na opinião de Domingos Pellegrini, amigo e autor de Minhas Lembranças de Leminski (Geração Editorial, 2014), o escritor poderia despertar sentimentos contra-ditórios nas pessoas que não o conheciam, um misto de admiração e receio. “Ele falava alto, adorava debater aos berros, e tinha uma aura física impressionante, com aque-les bigodões e aquele jeitão descontraído, que assustava os bem comportados, tímidos e inseguros. Aonde chegava, logo se tornava centro”, detalha. “Isso é natural nos líderes e egocêntricos, e ele era um egocêntrico, o mundo para ele se organizava a partir dele e para ele refluía, o que não é proibido pela Constituição.”

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Forma mínimaSintético e potente em significado, o haicai é a poesia mais querida por Leminski

Curto e fresco, como se distraísse ou conduzisse os leitores a uma conexão diferente com a literatura, o haicai é uma das formas de expressão poética que potencializa a ligação de Paulo Leminski com os mais jovens, sendo uma porta de entrada para a sua produção complexa e diversificada. De origem japonesa, misturou-se às escolas literárias brasileiras, como a poesia concreta e o modernismo. De essência oriental, tornou-se tão praticada no país que ganhou adeptos ilustres, como Carlos Drummond de Andrade, Érico Veríssimo e Millôr Fernandes. A seguir, uma seleção de haicais feitos por Leminski.

Um pé na MPBAs composições musicais de Leminski são uma conversa à parte.

Criador incessante, com o violão em mãos os versos ganharam ritmo e voz em canções com letras certeiras e melodias harmônicas. Das que fez letra e música, há Verdura (1981), gravada por Caetano Veloso; das parcerias, podemos ouvir as feitas com Moraes Moreira, Itamar As-sumpção, Carlos Careqa, José Miguel Wisnik, Arnaldo Antunes, Gui-lherme Arantes, entre outros.

Toninho Vaz, escritor e amigo do poeta, conta que para Leminski não havia diferença entre criar letras de músicas ou poesias. “Num primei-ro momento quem tocava o violão era seu irmão, Pedro. Quando ele passou a empunhar o violão, adquiriu um comportamento mais direto com a música; pegava poemas antigos para musicar, mas não tinha di-ferença no fim”, comenta. “Quem o conheceu sabe que existem poucas pessoas com essa carga brutal de produção.”

A música que Leminski ouvia e fazia era tão intensa quanto a sua criação poética. Carlos Careqa chega a dizer que Leminski compu-nha como quem não estava propriamente preocupado com a músi-ca. “Por isso notamos que algumas são mais ‘duras’, porém, muni-das de uma superqualidade na composição, como Dois Namorados Olhando pro Céu”, exemplifica.

Um retrato contemporâneo dessa veia musical pode ser visto no trabalho de sua filha, Estrela Leminski. O álbum duplo Leminskan-ções, que reúne 13 músicas de autoria do poeta e mais 11 parcerias, foi lançado no mês de setembro e abre caminho para uma versão em vinil e um songbook que devem estar à disposição dos fãs em dezembro.

1ameixasame-asou deixe-as

2nuvens brancaspassamem brancas nuvens

3a estrela cadenteme caiu ainda quentena palma da mão

6amei-o em cheiomeio a meiomeio não amei-o

5confiratudo que respiraconspira

4cortinas de sedao vento entrasem pedir licença

Lina Faria

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O pulso ainda pulsaLeminski começou a se interessar pelas letras ain-

da na fase escolar, em Curitiba. Em 1956 estudou no Colégio Paranaense, período no qual lia muito. No ano seguinte, entrou em contato com os sermões de Padre Antônio Vieira, a literatura católica e autores como Homero e Camões. Nesse período, escolheu estudar no Mosteiro de São Bento, em São Paulo, ex-periência curta, pois abandonou o colégio em 1959.

Desde então, o contato com a literatura e seus au-tores só se estreitou. Em 1963 viajou para Belo Ho-rizonte para a Semana Nacional de Poesia de Van-guarda, onde conheceu os poetas concretistas que admirava, Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos, entre eles. A amizade se fez e, em 1964, publicou poemas na revista de vanguarda Invenção, dirigida por Pignatari. Foi então que come-çou e abandonou o curso de letras e direito, trabalhou como balconista de livraria e foi professor de curso pré-vestibular nas disciplinas de história e literatura.

A professora aposentada da Universidade Federal do Paraná e de Estudos Literários da Universidade Tuiuti do Paraná Denise Guimarães pontua que Le-minski não era concreto, mas contemporâneo com um pé na proposta visual dos concretos. Também garante que não há nada puramente intuitivo em

Leminski acompanhado de sua então esposa, a poeta Alice Ruiz e de Caetano Veloso, que gravou Verdura, uma das composições do autor curitibano

Encontro de leitoresAtividade busca compartilhar olhares e dividir o prazer das descobertas literárias

Como parte do trabalho contínuo para aproximar os leitores de obras e autores importantes da literatura, o Sesc Carmo realizou, em 30 de setembro, a 27ª edição do Clube de Leitura. No mais recente encontro, quem esteve no centro da roda foi o curitibano Paulo Leminski e seu Toda Poe-sia (Companhia das Letras, 2013), livro que reúne a trajetória poética do autor, desde Quarenta Cliques em Curitiba, Caprichos & Relaxos e poemas esparsos até então fora de catálogo.

Doutorando em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), Fabiano Calixto (foto) levou em conta o prazer da leitura, a reflexão que ela provoca e a diversão proporcionada para mediar o encontro. “Acredito que quem vai a esse tipo de atividade está à procura de algo diferente. Outra coisa importante é que em um encontro desse tipo há o coletivo, a discussão, a divisão do prazer da leitura (em todas as suas camadas). A poesia tem essa coisa ancestral e atualíssima de coleti-vidade, de dividir os pães e os nacos de beleza da vida. Essa divisão é que faz a coisa acontecer. A poesia não é um texto morto qualquer, a poesia pulsa e sangra. A poesia concretiza encontros, os mais inesquecíveis e espetaculares possíveis”, defende Calixto.

Regi

ane

Coel

ho

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Meu biscoito finoPoeta, tradutor, compositor, Leminski extraiu o máximo de seu

talento, produzindo romances, ensaios críticos, roteiros de HQ e tra-duzindo os autores que admirava, como John Fante, Yukio Mishima, Samuel Beckett e James Joyce. Por sua vez, foi traduzido no México, Argentina, Hungria e Estados Unidos. Contra o senso comum, Le-minski representa os anseios literários de uma geração que se renova em contato com sua obra. Denise, que conviveu com o poeta e sua esposa, Alice Ruiz, em Curitiba, relembra que o fato mais marcante foi o de entrevista-lo pouco antes de sua morte, em consequência do agravamento de uma cirrose hepática. Em 1989, o jornal literá-rio Nicolau tentava conversar com Leminski, mas ele respondia que não daria mais entrevistas. “O jornal insistiu e ele concordou em ser entrevistado por mim. Conversamos por mais de três horas. Foi a última entrevista que ele concedeu em vida, publicada um mês antes da sua morte”, lamenta.

Depois de duas décadas de livros esgotados ou parcialmente publica-dos, o sucesso de Toda Poesia comprovou a força autoral de Leminski, correspondendo à crescente fascinação e curiosidade por aquela figu-ra emblemática, o ex-estranho que fez da aventura na linguagem e na palavra o único destino possível. Em vida, juntou recursos da cultura poética com truques de vanguarda, sem se render a esta nem àquela. Pellegrini não hesita em afirmar que o sucesso também é resultado do cultivo de uma imagem de artista pop. “Há muitos poetas e críticos com inveja e despeito de Leminski devido a esse sucesso, mas o fato é que ele não só merece como previu isso, como se pode ler em Minhas Lembran-ças de Leminski, volta e meia me repetia, citando Oswald de Andrade: “A massa ainda comerá o biscoito fino que fabrico...”

O escritor e sua máquina de escrever em momento íntimo registrado pelo fotógrafo curitibano Dico Kremer Di

co K

rem

er

sua poesia. Há esmero na experimentação da linguagem. “Ele era múltiplo, um dos seus elementos mais importantes era a intenção, a desconstrução da razão por mais erudito que ele fosse”, observa Denise, que cita Catatau, livro de estreia, publicado em 1975 (há uma edição de 2010 lançada pela editora Iluminu-ras), como romance enigma. “Leminski bus-cava a contradição em termos, tinha domínio consciente da linguagem, mas queria aparen-tar certo relaxo, um descuido proposital é parte importante da poética por ele cultivada.”

É certo que o barulho causado por Leminski irá perdurar, acompanhando o interesse cres-cente por poesia. O amigo Domingos Pellegrini se aproximou do autor em meio a rusgas, já que este achava que a poesia não teria nenhuma utilidade, sendo um “inutensílio”, como costu-mava repetir, enquanto Pellegrini atribuía co-notações políticas a ela. “Nos uniu o gosto pela beleza, pela arte inventiva e a construção de estilo, o jeito próprio de cada um manejar a lín-gua, além da construção de uma visão própria do mundo, distante de ideologias e crenças, que víamos como camisas de força do pensamento. Hoje, continuo achando que toda arte tem fun-ção humanizante, e a evidência disso é a poesia do próprio Leminski”, justifica.

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