perdido em marte - andy weir

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Perdido em Marte

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  • DADOS DE COPYRIGHT

    Sobre a obra:

    A presente obra disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com oobjetivo de oferecer contedo para uso parcial em pesquisas e estudos acadmicos, bem comoo simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.

    expressamente proibida e totalmente repudavel a venda, aluguel, ou quaisquer usocomercial do presente contedo

    Sobre ns:

    O Le Livros e seus parceiros disponibilizam contedo de dominio publico e propriedadeintelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educao devemser acessveis e livres a toda e qualquer pessoa. Voc pode encontrar mais obras em nossosite: LeLivros.link ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link.

    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando pordinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

  • O ArqueiroGERALDO JORDO PEREIRA (1938-2008) comeou sua carreira aos 17 anos, quando foi trabalhar com seu pai, oclebre editor Jos Olympio, publicando obras marcantes como O menino do dedo verde, de Maurice Druon, e Minha vida,de Charles Chaplin.

    Em 1976, fundou a Editora Salamandra com o propsito de formar uma nova gerao de leitores e acabou criando umdos catlogos infantis mais premiados do Brasil. Em 1992, fugindo de sua linha editorial, lanou Muitas vidas, muitosmestres, de Brian Weiss, livro que deu origem Editora Sextante.

    F de histrias de suspense, Geraldo descobriu O Cdigo Da Vinci antes mesmo de ele ser lanado nos Estados Unidos. Aaposta em fico, que no era o foco da Sextante, foi certeira: o ttulo se transformou em um dos maiores fenmenoseditoriais de todos os tempos.

    Mas no foi s aos livros que se dedicou. Com seu desejo de ajudar o prximo, Geraldo desenvolveu diversos projetossociais que se tornaram sua grande paixo.

    Com a misso de publicar histrias empolgantes, tornar os livros cada vez mais acessveis e despertar o amor pela leitura,a Editora Arqueiro uma homenagem a esta figura extraordinria, capaz de enxergar mais alm, mirar nas coisasverdadeiramente importantes e no perder o idealismo e a esperana diante dos desafios e contratempos da vida.

  • Ttulo original: The Martian

    Copyright 2011, 2014 por Andy WeirCopyright da traduo 2014 por Editora Arqueiro Ltda.

    Publicado mediante acordo com Crown Publishers, uma empresa doCrown Publishing Group, uma diviso da Random House LLC.

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro podeser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes

    sem autorizao por escrito dos editores.

    traduo: Marcello Lino

    preparo de originais: Rachel Agavino

    reviso: Milena Vargas e Victor Almeida

    projeto grfico e diagramao: Valria Teixeira

    capa: Eric White

    adaptao de capa: Ana Paula Daudt Brando

    imagens de capa: NASA

    mapa: Fred Haynes

    ebook: Marcelo Morais

    CIP-BRASIL. CATALOGAO NA PUBLICAOSINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    W451p Weir, Andy

    Perdido em Marte [recurso eletrnico] / Andy Weir [traduo de Marcelo Lino]; So Paulo: Arqueiro,2014.

    recurso digital: il.

    Traduo de: The martianFormato: ePubRequisitos do sistema: Adobe Digital EditionsModo de acesso: World Wide WebISBN 978-85-8041-336-6 (recurso eletrnico)

    1. Fico americana. 2. Livros eletrnicos. I. Lino, Marcelo. II. Ttulo.

    14-15602 CDD: 813CDU: 821.111(73)-3

    Todos os direitos reservados, no Brasil, porEditora Arqueiro Ltda.

    Rua Funchal, 538 conjuntos 52 e 54 Vila Olmpia04551-060 So Paulo SP

    Tel.: (11) 3868-4492 Fax: (11) 3862-5818E-mail: [email protected]

    www.editoraarqueiro.com.br

  • PARA MAME,

    QUE ME CHAMA DE PICKLE,

    E PAPAI,

    QUE ME CHAMA DE DUDE.

  • CAPTULO 1

    DIRIO DE BORDO: SOL 6

    Estou ferrado.Essa a minha opinio abalizada.Ferrado.Seis dias aps o incio daqueles que deveriam ser os dois meses mais importantes da

    minha vida, tudo se tornou um pesadelo.Nem sei quem vai ler isto. Acho que algum vai acabar encontrando. Talvez daqui a cem

    anos.Que fique registrado: no morri em Sol 6. O restante da tripulao certamente achou que

    eu tivesse morrido, e no posso culp-los. Talvez decretem um dia de luto nacional emminha homenagem e minha pgina na Wikipdia v dizer: Mark Watney foi o nico serhumano que morreu em Marte.

    E, provavelmente, isso estar correto. Porque, sem dvida, vou morrer aqui. S que noem Sol 6, como todo mundo est achando.

    Vejamos... por onde comear?O Programa Ares. A humanidade voltando-se para Marte com o intuito de mandar

    pessoas para outro planeta pela primeira vez e expandir o horizonte da raa humana, bl-bl-bl. Os tripulantes da Ares I fizeram o que tinham de fazer e voltaram como heris. Foramrecebidos com desfiles, conquistaram a fama e o amor do mundo inteiro.

    A Ares 2 fez a mesma coisa, em outro local de Marte. Receberam um aperto de mofirme e uma xcara de caf ao chegar em casa.

    A Ares 3. Bem, essa foi minha misso. Certo, no exatamente minha. A comandanteLewis era a responsvel. Eu era apenas um dos tripulantes. S ficaria no comando damisso se fosse a ltima pessoa que restasse.

    Quem diria?... Estou no comando.Fico me perguntando se este dirio ser recuperado antes que o restante da tripulao

    morra de velhice. Imagino que tenham voltado Terra sos e salvos. Pessoal, se estiveremlendo isto: a culpa no foi sua. Vocs fizeram o que tinham de fazer. No seu lugar, eu teriafeito a mesma coisa. No os culpo e fico feliz que tenham sobrevivido.

    Acho que eu deveria explicar para algum leigo que talvez esteja lendo isto como

    funcionam as misses a Marte. Chegamos rbita terrestre normalmente, em uma navecomum at a Hermes. Todas as misses Ares usam a Hermes para ir e vir de Marte. uma

  • nave muito grande e foi carssima, ento a Nasa s construiu uma.Uma vez na Hermes, quatro misses adicionais no tripuladas nos levaram combustvel e

    suprimentos enquanto nos preparvamos para a viagem. Quando tudo estava pronto,partimos para Marte. Mas no muito depressa. J passou o tempo das grandes queimas decombustvel qumico e rbitas de injeo transmarciana.

    A Hermes alimentada por motores inicos. Eles expelem argnio pela traseira da naverpido o bastante para obter uma pequena acelerao. No necessria muita massareagente, ento, um pouco de argnio (e um reator nuclear para alimentar tudo) nos permiteacelerar constantemente durante todo o percurso. Vocs ficariam surpresos com a velocidadeque podemos alcanar com uma acelerao nfima ao longo de muito tempo.

    Eu poderia deleitar vocs com as histrias de quanto nos divertimos durante a viagem,mas no vou fazer isso. No estou a fim de reviver esses momentos agora. Basta dizer quechegamos a Marte 123 dias depois, sem estrangular uns aos outros.

    De l, pegamos o VDM (veculo de descida em Marte). O VDM basicamente umagrande lata com alguns propulsores leves e paraquedas acoplados. Seu nico objetivo levarseis seres humanos da rbita at a superfcie de Marte sem matar nenhum deles.

    E, agora, chegamos ao ponto crucial da explorao de Marte: ter toda a nossa tralha l deantemo.

    Ao todo, catorze misses no tripuladas levaram tudo o que precisaramos para asoperaes de superfcie. Tentaram fazer as naves de abastecimento pousarem na mesma reae fizeram um trabalho razoavelmente bom. Os suprimentos no so nem de longe to frgeisquanto os seres humanos e podem se chocar com fora contra o solo. Mas tendem a quicarmuito.

    bvio que no nos mandaram para Marte antes de confirmarem que todos ossuprimentos haviam chegado superfcie e que os contineres no estavam avariados. Doincio ao fim, incluindo as misses de abastecimento, uma misso a Marte demora cerca detrs anos. Na verdade, os suprimentos para a Ares 3 j estavam a caminho enquanto atripulao da Ares 2 voltava para casa.

    A parte mais importante dos suprimentos prvios era o VAM, o veculo de ascenso deMarte. Era assim que voltaramos Hermes aps concludas as operaes de superfcie. OVAM era pousado com suavidade (ao contrrio das bolas quicantes usadas para os outrossuprimentos). Obviamente, estava em comunicao constante com Houston e, se houvessealgum problema, teramos passado por Marte e voltado para casa sem aterrissar.

    O VAM bem legal. Por meio de um belo conjunto de reaes qumicas com a atmosferamarciana, possvel, a partir de cada quilo de hidrognio que voc leva para Marte, produzir13 quilos de combustvel. O processo, porm, lento. So necessrios 24 meses para encher otanque. por isso que o enviaram muito antes de chegarmos aqui.

    Vocs podem imaginar como fiquei decepcionado ao descobrir que o VAM tinha idoembora.

  • Foi uma sequncia ridcula de acontecimentos que quase me fez morrer, e uma sequncia

    ainda mais ridcula que me fez sobreviver.A misso projetada para suportar rajadas de tempestades de areia de at 150km/h.

    Ento, compreensvel que o pessoal em Houston tenha ficado preocupado quando fomoscastigados por ventos de 175km/h. Todos ns vestimos nossos trajes espaciais e nosamontoamos no centro do Hab, para o caso de haver perda de presso. Mas o Hab no foi oproblema.

    O VAM uma nave espacial. Tem um monte de peas delicadas. Pode aguentartempestades at certo ponto, mas no suporta ser exposto a uma tempestade de areia tolonga. Depois de uma hora e meia de ventos fortes, a Nasa ordenou que abortssemos amisso. Ningum queria interromper uma misso de um ms passados apenas seis dias, mas,se o VAM continuasse a ser castigado, todos ns ficaramos isolados em Marte.

    Precisvamos sair na tempestade para irmos do Hab ao VAM. Seria arriscado, mas quealternativa ns tnhamos?

    Todo mundo conseguiu, menos eu.Nossa principal parablica de comunicao, que retransmitia sinais do Hab Hermes, se

    tornou um paraquedas quando foi arrancada das suas fundaes e carregada pela ventania.No caminho, chocou-se contra o conjunto de antenas de recepo. Ento, a extremidade deuma daquelas antenas longas e finas me acertou, rasgando o meu traje como facaatravessando manteiga. Senti a pior dor da minha vida enquanto ela cortava a lateral do meucorpo. Lembro-me vagamente de ter perdido o ar por causa do golpe (foi como se tivessemarrancado o ar de dentro de mim, na verdade) e meus ouvidos comearam a estalar, deforma dolorosa, medida que meu traje perdia presso.

    A ltima coisa que recordo foi ter visto Johanssen tentando desesperadamente mesegurar.

    Acordei com o alarme de oxignio do meu traje. Um bipe contnuo e irritante que acabou

    me despertando de um profundo desejo de morrer.A tempestade havia acalmado; eu estava de bruos, enterrado na areia quase por

    completo. Aturdido, recobrando os sentidos, me perguntei por que no estava morto.A antena teve fora suficiente para atravessar o traje e a lateral do meu corpo, mas havia

    sido detida pela minha bacia. Portanto, s tinha um buraco no traje (e em mim, claro).Eu tinha sido jogado longe e rolara por uma colina ngreme. De alguma maneira,

    aterrissei de bruos, o que forou a antena a ficar em um ngulo muito oblquo que exerciauma fora de torque no buraco do traje. Funcionou como um lacre frgil.

    O sangramento da minha ferida gotejou at o buraco. Quando o sangue atingiu o rasgo, agua nele evaporou depressa, por causa do fluxo de ar e da baixa presso, deixando umresduo grudento. Isso acabou lacrando as fendas em volta do buraco, reduzindo o

  • vazamento a um volume que o traje podia contrabalanar.O traje funcionou muito bem. Sentindo a queda de presso, inundou-se constantemente

    de ar do meu tanque de nitrognio para se reequilibrar. Quando o vazamento se tornouadministrvel, o traje s tinha de liberar aos poucos uma pequena quantidade de ar novopara contrabalanar o que era perdido.

    Depois de um tempo, os absorvedores de CO2 (dixido de carbono) no traje foramdescartados. Esse o fator realmente limitante do sistema de suporte vida. No aquantidade de oxignio que voc leva, mas a quantidade de CO2 que consegue remover. NoHab, tenho o oxigenador, um equipamento grande que divide o CO2 para criar oxigniooutra vez. Mas os trajes espaciais precisam ser portteis. Por isso, usam um processo simplesde absoro qumica com filtros descartveis. Eu havia ficado adormecido tempo suficientepara inutilizar meus filtros.

    O traje percebeu esse problema e entrou em um modo de emergncia que os engenheiroschamam de derramamento de sangue. Sem ter como separar o CO2, deliberadamenteexpeliu ar para a atmosfera marciana e se preencheu com nitrognio. Isso, somado ao rasgo,fez o nitrognio acabar logo. Tudo o que restava era o meu tanque de oxignio.

    Ento, o traje fez a nica coisa possvel para me manter vivo: comeou a se encher deoxignio puro. Eu corria o risco de morrer de hiperxia, pois o nvel excessivamente alto deoxignio ameaava queimar meu sistema nervoso, meus pulmes e olhos. Oxignio demais:uma morte irnica para algum com um traje espacial furado.

    A cada instante, devia haver alarmes, alertas e avisos. Mas foi o alarme de nvel excessivode oxignio que me acordou.

    O volume de treinamento para uma misso espacial impressionante. Passei uma semanainteira na Terra fazendo exerccios relativos a emergncias com trajes espaciais. Eu sabia oque fazer.

    Alcanando com cuidado a lateral do meu capacete, peguei o kit para vazamentos, quenada mais do que um funil com uma vlvula na extremidade mais estreita e uma resinagrudenta na extremidade mais larga. A ideia ficar com a vlvula aberta e grudar a partemais larga em cima de um furo. O ar pode escapar pela vlvula e, assim, no interfere nolacre feito pela resina. Depois, s fechar a vlvula e o vazamento est lacrado.

    A parte complicada era tirar a antena do caminho. Puxei-a para fora o mais depressapossvel, estremecendo quando a repentina queda de presso me deixou tonto e fez a feridana lateral do meu corpo latejar.

    Pus o kit para vazamentos sobre o buraco e o lacrei. Deu certo. O traje preencheu o arque estava faltando com mais oxignio. Verificando os mostradores no meu brao, vi que otraje estava com 85 por cento de oxignio. S a ttulo de referncia, a atmosfera terrestre temcerca de 21 por cento. Eu ficaria bem desde que no continuasse naquela situao por muitotempo.

    Subi a colina cambaleando rumo ao Hab. Chegando ao topo, vi algo que me deixou

  • muito feliz e algo que me deixou muito triste. O Hab estava intacto (oba!) e o VAM tinhaido embora (droga!).

    Naquele exato momento, me dei conta de que estava ferrado. Mas eu no queriasimplesmente morrer na superfcie. Fui mancando at o Hab e me arrastei at uma eclusa dear. Assim que a presso equalizou, tirei o capacete.

    No Hab, tirei o traje e, pela primeira vez, avaliei bem o ferimento. Precisaria de pontos.Por sorte, fomos treinados em procedimentos mdicos bsicos e o Hab tinha excelentessuprimentos mdicos. Uma rpida injeo de anestsico local, assepsia da ferida, nove pontose pronto. Eu ia ter que tomar antibiticos por umas duas semanas, mas, fora isso, ficaria bem.

    Eu sabia que seria em vo, mas tentei ligar o equipamento de comunicao. Nenhumsinal, claro. A principal antena parablica havia se partido, lembra? E levou junto as antenasde recepo. O Hab possua sistemas de comunicao secundrios e tercirios, mas ambos sserviam para falar com o VAM, que usaria seus sistemas muito mais potentes pararetransmitir a comunicao at a Hermes. A questo que isso s funciona se o VAM aindaest por perto.

    Eu no tinha como falar com a Hermes. Depois de algum tempo, poderia localizar aparablica na superfcie, mas levaria semanas para fazer algum conserto e seria tarde demais.Em caso de misso abortada, a Hermes deveria deixar a rbita em 24 horas. A dinmicaorbital torna a viagem mais segura e curta se voc parte quanto antes, ento, por queesperar?

    Ao verificar meu traje, vi que a antena havia perfurado meu computador biomonitor. Emuma atividade extraveicular (AEV), todos os trajes da tripulao esto ligados em rede paraque possamos ver o estado uns dos outros. O restante da tripulao deve ter visto a pressono meu traje cair a quase zero e, logo depois, meus sinais vitais desaparecerem. Alm disso,eles me viram rolar colina abaixo perfurado por uma lana no meio de uma tempestade deareia... pois . Devem ter pensado que eu estava morto. E com toda a razo.

    Talvez at tenham discutido rapidamente se deveriam resgatar meu corpo ou no, mas oregulamento claro: se um tripulante morre em Marte, ele fica em Marte. Deixar o cadverpara trs reduz o peso para o VAM na viagem de volta. Isso significa mais combustveldisponvel e uma margem de erro maior para o empuxo de retorno. No faz sentido abrirmo disso em nome de sentimentalismo.

    Ento, esta a situao: estou perdido em Marte. No tenho como me comunicar com a

    Hermes nem com a Terra. Todos acham que estou morto. Estou em um Hab projetado paradurar 31 dias.

    Se o oxigenador quebrar, vou sufocar. Se o reaproveitador de gua quebrar, vou morrerde sede. Se o Hab se romper, vou explodir. Se nada disso acontecer, vou ficar sem alimento eacabar morrendo de fome.

    Ento, isso mesmo. Estou ferrado.

  • CAPTULO 2

    DIRIO DE BORDO: SOL 7

    Tudo bem, tive uma boa noite de sono e as coisas no parecem mais to desesperadorasquanto ontem.

    Hoje, fiz um balano dos suprimentos e sa numa rpida AEV para verificar oequipamento externo. Minha situao a seguinte:

    A misso de superfcie deveria durar 31 dias. Por redundncia, as sondas deabastecimento tinham comida suficiente para toda a tripulao durante 56 dias. Assim, seuma das duas sondas tivesse problemas, ainda teramos comida suficiente para completar amisso.

    Estvamos no sexto dia da misso quando o inferno comeou, ou seja, h comidasuficiente para alimentar seis pessoas durante cinquenta dias. Estou aqui sozinho, ento, acomida dever durar trezentos dias. Isso se eu no racionar. Sendo assim, tenho bastantetempo.

    Tambm estou bem abastecido de trajes para AEVs. Cada tripulante tinha dois trajesespaciais: um para ser usado em voo, durante a descida e a ascenso, e outro mais volumosoe muito mais robusto para AEVs, a ser usado durante operaes de superfcie. Meu traje devoo est rasgado e, claro, a tripulao estava usando os outros cinco quando voltou para aHermes. Mas todos os seis trajes para AEVs ainda esto aqui e em perfeitas condies.

    O Hab aguentou a tempestade sem problema algum. L fora, a situao no to boa.No consigo encontrar a antena parablica. Provavelmente, foi arrastada por quilmetros.

    O VAM se foi, claro. Meus colegas de tripulao o usaram para chegar Hermes. Noentanto, a metade inferior (o estgio de pouso) ainda est aqui. No h motivo para lev-lade volta quando o peso seu grande inimigo. Essa parte do VAM inclui o equipamento depouso, a central de produo de combustvel e tudo o que a Nasa julgou desnecessrio para aviagem de volta rbita.

    O VDM est tombado e com um rasgo na fuselagem. Parece que a tempestade arrancouo protetor do paraquedas reserva (que no precisamos usar na aterrissagem). Uma vezaberto, o paraquedas arrastou o VDM por toda parte, fazendo-o se chocar contra todas asrochas da rea. No que o VDM fosse de grande utilidade para mim. Seus propulsores noconseguem erguer nem o peso do prprio veculo. Mas eu poderia usar as peas. Talvezainda possa.

    Os dois veculos espaciais esto semienterrados na areia, mas, fora isso, seu estado bom.Os lacres de presso esto intactos. Faz sentido. O procedimento operacional em caso de

  • tempestade interromper o deslocamento e esperar que a tempestade passe. Eles so feitospara aguentar o tranco. Consigo desenterr-los em mais ou menos um dia de trabalho.

    Perdi a comunicao com as estaes meteorolgicas, situadas a um quilmetro do Hab,nas quatro direes. Talvez estejam funcionando perfeitamente. A comunicao do Hab estto fraca no momento que no deve conseguir alcanar nem um quilmetro.

    O parque de clulas solares estava coberto de areia, o que o tornava intil (dica: clulassolares precisam da luz do sol para gerar eletricidade). Mas, depois que as varri, as clulasvoltaram eficincia plena. Seja l o que eu for fazer, vou precisar de bastante energia.Tenho 200 metros quadrados de clulas solares, com clulas de combustvel a hidrogniopara armazenar bastante energia de reserva. Tudo o que preciso fazer varr-las de vez emquando.

    As coisas dentro do Hab esto timas, graas sua estrutura resistente.Fiz um diagnstico completo do oxigenador. Duas vezes. Est perfeito. Se houver algum

    problema com ele, h um sobressalente de curto prazo que posso usar. Mas apenas paraemergncias, enquanto o equipamento principal consertado. O sobressalente no divideCO2 e recaptura o oxignio. Apenas absorve o CO2, da mesma maneira que os trajesespaciais. feito para durar cinco dias antes que os filtros fiquem saturados, o que significatrinta dias para mim (uma nica pessoa respirando, em vez de seis). Portanto, tenho certagarantia.

    O reaproveitador de gua tambm est funcionando bem. A m notcia que no temnenhum sobressalente. Se parar de funcionar, vou beber a gua remanescente enquantoconstruo uma destilaria primitiva para ferver urina. Tambm vou perder 0,5 litro de gua pordia respirando, at a umidade no Hab atingir o nvel mximo e a gua comear a secondensar sobre qualquer superfcie. Ento, vou lamber as paredes. Pois . Bom, porenquanto, nenhum problema com o reaproveitador de gua.

    Ento, isso a. Comida, gua, abrigo, tudo providenciado. Vou comear a racionaralimento imediatamente. As refeies j so bem bsicas, mas acho que posso comer trsquartos das pores e mesmo assim ficar bem. Isso dever transformar meus trezentos diasde comida em quase quatrocentos. Vasculhando a rea mdica, encontrei frascos devitaminas. H multivitamnicos suficientes para anos. Portanto, no vou ter nenhumproblema nutricional (embora ainda v morrer de fome quando a comida acabar, noimporta quanta vitamina ingerir).

    A rea mdica tem morfina para emergncias. O suficiente para uma dose letal. De umacoisa voc pode ter certeza: no vou definhar de fome. Se eu chegar a esse ponto, vou optarpela sada mais fcil.

    Todos na misso tinham duas especialidades. Eu sou botnico e engenheiro mecnico;basicamente, um faz-tudo que brinca com plantas. A engenharia mecnica pode salvarminha vida se alguma coisa quebrar.

    Ando pensando em como sobreviver aqui. Nem todas as esperanas esto perdidas. Seres

  • humanos voltaro a Marte daqui a uns quatro anos, quando a Ares 4 chegar (isso se eles notiverem cancelado o programa aps minha morte).

    A Ares 4 vai aterrissar na cratera Schiaparelli, que fica a cerca de 3.200 quilmetros daminha localizao, aqui em Acidalia Planitia. No tenho como chegar l sozinho. Mas, se euconseguir me comunicar, talvez possa ser resgatado. No sei ao certo como eles conseguiriamfazer isso com os recursos disponveis, mas a Nasa tem muitas pessoas inteligentes.

    Ento, esta a minha misso agora: encontrar um modo de me comunicar com a Terra.Se no conseguir fazer isso, o jeito vai ser encontrar uma maneira de me comunicar com aHermes quando ela voltar daqui a quatro anos com a tripulao da Ares 4.

    Claro que no tenho nenhum plano para sobreviver quatro anos com suprimentos paraapenas um. Mas uma coisa de cada vez. Por enquanto, estou bem alimentado e tenho umobjetivo: consertar o maldito rdio.

    DIRIO DE BORDO: SOL 10

    Bem, fiz trs AEVs e no encontrei nenhuma pista da parablica de comunicao.Escavei um dos veculos espaciais e o fiz dar uma boa volta por a, mas, aps dias de

    buscas, acho que est na hora de desistir. A tempestade deve ter arrastado a parablica paralonge e, depois, apagado qualquer rastro ou vestgio que pudesse levar sua localizao.Provavelmente, tambm a enterrou.

    Passei a maior parte do dia de hoje l fora, no que sobrou do conjunto de antenas decomunicao. um quadro triste. Est tudo to destrudo que, se eu ficasse gritando para aTerra, daria no mesmo.

    Eu poderia montar uma parablica rudimentar com pedaos de metal que encontro pertoda base, mas no estou falando de um walkie-talkie. A comunicao entre Marte e a Terra bem complicada e requer equipamento altamente especializado. No vou poder fazer umagambiarra com papel-alumnio e chiclete.

    Preciso racionar as minhas AEVs, assim como estou fazendo com a comida. No possvel limpar os filtros de CO2. Uma vez saturados, no servem mais. A misso calculouuma AEV de quatro horas por tripulante por dia. Por sorte, os filtros de CO2 so leves epequenos, ento a Nasa se deu ao luxo de mandar mais do que o necessrio. No total, tenhofiltros de CO2 para 1.500 horas de uso. Depois disso, qualquer AEV que eu fizer ter de seradministrada atravs da reduo drstica do ar.

    Mil e quinhentas horas podem parecer muito, mas estou diante da perspectiva de passarpelo menos quatro anos aqui para ter alguma chance de ser resgatado, com, no mnimo,vrias horas por semana dedicadas a limpar o equipamento de energia solar. Seja como for,nada de AEVs desnecessrias.

  • Mudando de assunto: estou comeando a desenvolver uma ideia em relao comida.Minha formao em botnica enfim pode ter alguma serventia.

    Por que trazer um botnico para Marte? Afinal, este lugar famoso por nada crescer aqui.Bem, a ideia era descobrir como as plantas crescem na gravidade de Marte e ver o quepoderamos fazer (se que poderamos fazer algo) com o solo marciano. A resposta curta :bastante coisa... quase. O solo marciano tem os elementos bsicos necessrios para o cultivode plantas, mas muito do que acontece no solo terrestre no acontece no daqui, mesmoquando exposto a uma atmosfera similar da Terra e muita gua. A atividade bacteriana,certos nutrientes fornecidos pela vida animal, etc., no h nada disso em Marte. Uma dasminhas tarefas na misso era ver como as plantas crescem aqui, em vrias combinaes dosolo e da atmosfera terrestre e seus equivalentes marcianos.

    por isso que tenho uma pequena quantidade de solo terrestre e um punhado desementes.

    No entanto, no posso me empolgar muito. Trata-se da quantidade de solo que vocusaria em uma floreira, e as nicas sementes que tenho so de algumas espcies de grama esamambaia. So as plantas mais resistentes e que crescem com maior facilidade na Terra,ento a Nasa as escolheu como objetos de teste.

    Portanto, tenho dois problemas: terra insuficiente e nada comestvel para plantar.Mas, caramba, sou botnico! Eu deveria ser capaz de encontrar uma maneira de fazer isso

    acontecer. Seno, serei um botnico realmente faminto daqui a mais ou menos um ano.

    DIRIO DE BORDO: SOL 14

    Como ser que os Cubs esto se saindo no campeonato de beisebol?

    DIRIO DE BORDO: SOL 14

    Eu me formei na Universidade de Chicago. Metade dos jovens que estudavam botnicaeram hippies que achavam que podiam voltar a algum sistema natural mundial e, de algumaforma, alimentar sete bilhes de pessoas simplesmente coletando alimentos. Eles passavam amaior parte do tempo aprimorando maneiras de cultivar maconha. Eu no gostava deles.Meu interesse sempre foi a cincia, e no essa besteira de Nova Ordem Mundial.

    Quando eles faziam montanhas de compostagem e tentavam conservar cada grama dematria viva, eu ria. Vejam s aqueles hippies tolos! Vejam aquelas tentativas patticas desimular um complexo ecossistema global no quintal de casa.

    isso que estou fazendo agora. Economizo cada pedacinho de matria orgnica queencontro. Toda vez que termino uma refeio, os restos vo para o balde de compostagem.Quanto a outros tipos de matria orgnica...

  • O Hab tem banheiros sofisticados. As fezes em geral so desidratadas a vcuo, depoisacumuladas em sacos lacrados para serem descartadas na superfcie.

    No mais!De fato, at fiz uma AEV para recuperar os sacos de fezes deixados pela tripulao antes

    de partir. Estando completamente secas, essas fezes no tm mais bactrias, mas ainda tmprotenas complexas e poderiam servir como um precioso adubo. O acrscimo de gua ebactrias ativas as saturaria, repondo qualquer populao eliminada pelo Banheiro do JuzoFinal.

    Encontrei um grande recipiente, pus gua e acrescentei as fezes secas. Desde ento,tambm venho acrescentando as minhas prprias fezes. Quanto mais fedorento, melhor. Soas bactrias trabalhando!

    Depois de trazer um pouco de solo marciano aqui para dentro, posso misturar as fezes eespalh-lo. Em seguida, posso polvilhar solo terrestre por cima. Talvez voc ache que esseno um passo importante, mas . H no solo terrestre dezenas de espcies de bactriascruciais para o crescimento das plantas. Elas vo se alastrar e se reproduzir como... bem,como uma infeco bacteriana.

    As pessoas usam dejetos humanos como fertilizante h sculos. Normalmente, essa no a forma ideal de cultivo, porque dissemina doenas: os dejetos humanos contm patgenosque, como voc j deve ter adivinhado, infecta os seres humanos. Mas isso no umproblema para mim. Os nicos patgenos nestes dejetos so os que j tenho.

    Em uma semana, o solo marciano estar pronto para que as plantas germinem. Mas aindano vou plantar. Vou trazer mais solo sem vida l de fora e espalhar um pouco do solo vivopor cima. Ele vai infectar o solo novo e terei o dobro da quantidade que tinha no incio.Depois de mais uma semana, vou dobr-lo outra vez. E assim por diante. Durante todo essetempo, claro, vou acrescentando adubo novo experincia.

    Meu traseiro est fazendo tanto pela minha sobrevivncia quanto meu crebro.Esse no um conceito que acabei de criar. As pessoas especulam sobre como gerar solo

    cultivvel a partir de terra marciana h dcadas. S estou fazendo os primeiros testes.Vasculhei os mantimentos e descobri diversas coisas que posso plantar. Ervilhas, por

    exemplo. E muitos feijes. Tambm encontrei vrias batatas. Se algum desses alimentosainda for capaz de germinar depois de passar por todo esse suplcio, vai ser timo. Com umsuprimento quase infinito de vitaminas, s preciso de calorias de qualquer tipo parasobreviver.

    O Hab tem uma rea total de cerca de 92 metros quadrados. Pretendo dedicar todo oespao a essa empreitada. No me importo de caminhar sobre a terra. Ser uma trabalheira,mas vou precisar cobrir todo o cho com uma profundidade de 10 centmetros de solo. Issosignifica que vou ter de transportar 9,2 metros cbicos de solo marciano para dentro do Hab.Talvez eu consiga fazer passar pela eclusa de ar um dcimo de metro cbico de terra de cadavez, e vai ser um trabalho exaustivo colet-lo. Mas, no fim, se tudo sair conforme o

  • planejado, terei 92 metros quadrados de solo cultivvel. isso a, sou um botnico! Curvem-se diante dos meus poderes!

    DIRIO DE BORDO: SOL 15

    Ai! Esse trabalho de matar!Gastei doze horas hoje em AEVs para trazer terra para o Hab. S consegui cobrir um

    cantinho da base, talvez 5 metros quadrados. Nesse ritmo, vou demorar semanas para trazertodo o solo necessrio. Mas, pensando bem, uma coisa que tenho tempo.

    As primeiras AEVs foram bastante ineficientes; eu enchia pequenos recipientes e os traziaatravs da eclusa de ar. Depois, fiquei mais esperto e pus um grande recipiente na prpriaeclusa e fui enchendo-o de pequenos recipientes. Isso acelerou bastante o processo, porque ointervalo na eclusa demora uns dez minutos.

    Estou todo dolorido. As ps que tenho so feitas para colher amostras, e no para fazerescavaes pesadas. Minhas costas esto me matando. Vasculhei os suprimentos mdicos eencontrei um pouco de analgsico. Tomei h uns dez minutos. Deve comear a fazer efeitologo.

    De todo modo, bom ver progresso. Est na hora de comear a fazer as bactriastrabalharem com esses minerais. Mas s depois do almoo. Nada de trs quartos da raohoje. Mereo uma refeio completa.

    DIRIO DE BORDO: SOL 16

    Uma complicao na qual eu no havia pensado: gua.Acontece que ter ficado na superfcie de Marte por alguns milhes de anos eliminou toda

    a gua do solo. Meu mestrado em botnica me d quase certeza de que as plantas precisamde terra mida para crescer. Isso sem falar nas bactrias que precisam viver na terra antes.

    Felizmente, tenho gua. Mas no tanta quanto eu gostaria. Para ser vivel, o solo precisade 40 litros de gua por metro cbico. Meu plano geral ter 9,2 metros cbicos de solo.Ento, vou precisar de 368 litros.

    O Hab tem um excelente reaproveitador de gua. A melhor tecnologia disponvel naTerra. Ento, a Nasa pensou: Por que mandar um monte de gua para l? Basta mandar osuficiente para uma emergncia. Os seres humanos precisam de 3 litros de gua por diapara ficarem confortveis. Eles enviaram 50 litros para cada um, totalizando 300 litros noHab.

    Estou disposto a dedicar toda a gua causa, exceto 50 litros, que vou guardar para ocaso de haver uma emergncia. Isso significa que posso alimentar 62,5 metros quadrados auma profundidade de 10 centmetros. Cerca de dois teros da rea do Hab. Vai ter que dar.

  • Esse o plano de longo prazo. Hoje, minha meta eram 5 metros quadrados.Enrolei cobertores e uniformes dos membros da tripulao para serem usados como um

    dos lados de uma jardineira, com as paredes curvas do Hab completando o resto dopermetro. Foi o mais prximo que consegui chegar de 5 metros quadrados. Enchi essajardineira improvisada de areia at a altura de 10 centmetros. Depois, sacrifiquei aos deusesdo solo 20 litros de preciosa gua.

    Em seguida, as coisas ficaram meio nojentas. Despejei meu grande recipiente de fezes emcima do solo e quase vomitei por causa do cheiro. Misturei o solo e as fezes com uma p e,mais uma vez, espalhei tudo de maneira uniforme. Depois, polvilhei o solo terrestre porcima. Ao trabalho, bactrias! Estou contando com vocs. O cheiro vai durar algum tempo. E,no meu caso, no posso abrir uma janela. Mesmo assim, voc se acostuma.

    Mudando de assunto, hoje o Dia de Ao de Graas. Minha famlia deve estar reunidaem Chicago para o jantar de sempre na casa dos meus pais. Imagino que no esteja sendomuito divertido, j que morri h dez dias. Caramba, no faz muito tempo que eles saram domeu funeral.

    Fico pensando se algum dia vo descobrir o que realmente aconteceu. Tenho estado toocupado tentando me manter vivo que nunca pensei no que meus pais devem estarpassando. Neste momento, esto sentindo a pior dor que algum pode suportar. Eu dariatudo para avis-los que ainda estou vivo.

    Vou precisar sobreviver para me redimir.

    DIRIO DE BORDO: SOL 22

    Uau! As coisas avanaram mesmo.Trouxe toda a areia para dentro e a preparei. Dois teros da base agora esto cobertos de

    terra. E hoje realizei a primeira duplicao. Levou uma semana, mas o ex-solo marciano setornou rico e bonito. Duas outras duplicaes e terei coberto todo o campo.

    Todo esse trabalho foi timo para o meu moral. Tive algo para fazer. Mas, depois que ascoisas se acalmaram um pouco e jantei ao som da coletnea de msicas dos Beatles deJohanssen, fiquei deprimido outra vez.

    Fazendo as contas, tudo isso no vai evitar que eu morra de fome.Minha melhor opo para produzir calorias so batatas. Elas crescem profusamente e tm

    um contedo calrico razovel (770 calorias por quilo). Tenho quase certeza de que asbatatas que eu tenho vo germinar. O problema que no posso cultivar quantidadesuficiente. Em 62 metros quadrados, talvez eu consiga cultivar 150 quilos de batatas emquatrocentos dias (o tempo que me resta antes de ficar sem comida), perfazendo um total de115.500 calorias, uma mdia sustentvel de 288 calorias por dia. Com minha estatura e peso,passando um pouco de fome, preciso de 1.500 calorias por dia.

  • No estou nem perto.Ento, no posso viver dos produtos da terra para sempre. Mas posso prolongar minha

    vida. As batatas duraro 76 dias.Batatas crescem sem parar, portanto, nesses 76 dias, posso cultivar outras 22 mil calorias,

    que vo me manter por outros quinze dias. Depois disso, intil prosseguir. Resumindo:ganho mais noventa dias.

    Ento, vou comear a morrer de fome em Sol 490, e no em Sol 400. um avano, masqualquer esperana de vida depende de eu conseguir sobreviver at Sol 1.412, quando Ares4 vai aterrissar.

    Falta alimento para cerca de mil dias. E no tenho um plano para obt-lo.Merda.

  • CAPTULO 3

    DIRIO DE BORDO: SOL 25

    Lembra aqueles problemas das aulas de lgebra em que tem gua entrando em umrecipiente a uma certa velocidade e saindo a uma velocidade diferente e voc precisa calcularquando o recipiente vai ficar vazio? Pois , esse conceito crucial para o projeto MarkWatney no vai morrer, no qual estou trabalhando.

    Preciso criar calorias. E preciso de uma quantidade que dure os 1.387 sis at que a Ares4 chegue. Se eu no for resgatado pela Ares 4, vou morrer de qualquer maneira. Um sol, oudia solar marciano, 39 minutos mais longo do que um dia terrestre, portanto, estou falandode 1.425 dias. Essa a minha meta: alimento para 1.425 dias.

    Tenho um monte de multivitamnicos; mais que o dobro do que preciso. E em cadaembalagem de comida h cinco vezes mais protenas que o mnimo necessrio, portanto oracionamento cuidadoso das pores d conta das minhas necessidades proteicas durantepelo menos quatro anos. Minha nutrio geral est garantida. S preciso de calorias.

    Preciso de 1.500 calorias por dia. Tenho quatrocentos dias de comida para comear.Ento, quantas calorias preciso gerar por dia ao longo de todo o perodo para me manter vivopor cerca de 1.425 dias?

    Vou poupar voc das contas. A resposta cerca de 1.100. Preciso criar 1.100 calorias pordia com meus esforos agrcolas para sobreviver at a chegada da Ares 4. Na verdade, umpouco mais do que isso, porque j estou em Sol 25 e ainda no plantei nada.

    Com meus 62 metros quadrados de terra cultivvel, serei capaz de criar cerca de 288calorias por dia. Portanto, preciso quase quadruplicar meu plano atual de produo parasobreviver.

    Isso significa que preciso de mais rea de cultivo e de mais gua para hidratar o solo.Vamos cuidar de um problema de cada vez.

    Quanta terra cultivvel posso de fato produzir?O Hab tem 92 metros quadrados. Digamos que eu consiga us-lo por inteiro.Alm disso, h cinco camas sem uso. Digamos que eu crie solo sobre elas tambm. Cada

    uma tem 2 metros quadrados, o que me d mais 10 metros quadrados. Assim chegamos a102.

    O Hab tem trs bancadas de laboratrio, cada uma com cerca de 2 metros quadrados.Quero manter uma para meu uso, deixando as outras duas para a causa. Outros 4 metrosquadrados, somando 106.

    Tenho dois veculos espaciais marcianos. Eles tm lacres de presso que permitem que os

  • ocupantes dirijam sem trajes espaciais por longos perodos de travessia da superfcie. Soapertados demais para fazer algum plantio e, de todo modo, quero poder us-los por a.Ambos os veculos espaciais tm uma barraca de emergncia.

    H muitos problemas no uso de barracas como terra cultivvel, mas cada uma delas tem10 metros quadrados de rea. Supondo que eu consiga superar os problemas, elas meforneceriam mais 20 metros quadrados, elevando a minha rea cultivvel total para 126.

    Cento e vinte e seis metros quadrados de terra cultivvel. J alguma coisa. Ainda notenho gua para umedecer todo esse solo, mas, como eu disse, uma coisa de cada vez.

    A prxima questo a considerar a eficincia do meu cultivo de batatas. Baseei aestimativa de rendimento no setor de produo de batatas na Terra. Mas os produtores debatatas no esto em uma corrida desesperada pela sobrevivncia, como eu. Posso conseguirum rendimento melhor?

    Para comeo de conversa, posso dar ateno a cada uma das plantas. Posso pod-las,mant-las saudveis e evitar que prejudiquem umas s outras. Alm disso, medida que elasforem despontando na superfcie, posso replant-las mais fundo e colocar mudas mais jovenspor cima. Para os produtores normais, isso no vale a pena porque eles trabalham commilhes de plantas.

    Alm do mais, esse tipo de cultivo acaba com o solo. Qualquer agricultor que fizesse issotransformaria a prpria terra em um areal aps doze anos. No sustentvel, mas e da? Spreciso sobreviver por quatro anos.

    Calculo que eu possa conseguir um rendimento 50 por cento maior usando essas tticas.E, com os 126 metros quadrados de terra cultivvel (pouco mais do que o dobro dos 62metros que tenho atualmente), consigo mais de 850 calorias por dia.

    Um progresso e tanto. Ainda corro o risco de morrer de fome, mas j entro na faixa desobrevivncia. Talvez, apesar da inanio, eu consiga no morrer. Eu poderia reduzir aminha queima de calorias minimizando o trabalho manual. Poderia deixar a temperatura doHab mais alta do que o normal para meu corpo gastar menos energia para manter a prpriatemperatura. Poderia amputar um brao e com-lo, ganhando assim calorias valiosas ereduzindo minha necessidade calrica total.

    No, acho que no.Ento, digamos que eu consiga criar toda essa terra cultivvel. Parece razovel. Onde

    consigo a gua? Para passar de 62 a 126 metros quadrados de terra cultivvel com 10centmetros de profundidade, vou precisar de mais 6,4 metros cbicos de solo (cavar mais,que alegria!), que, por sua vez, vo precisar de mais de 250 litros de gua.

    Os 50 litros que tenho so para eu beber caso o reaproveitador de gua quebre. Ento, daminha meta de 250 litros, faltam 250 litros.

    Chega. Vou para a cama.

  • DIRIO DE BORDO: SOL 26

    Foi um dia exaustivo, mas produtivo.Eu estava cansado de pensar, ento, em vez de ficar tentando imaginar como vou

    conseguir 250 litros de gua, fiz um pouco de trabalho manual. Preciso levar mais um montede terra para dentro do Hab, mesmo que, por enquanto, no passe de terra seca e intil.

    Juntei mais um metro cbico antes de ficar exausto.Depois, uma pequena tempestade de areia deu o ar da graa por uma hora e cobriu os

    coletores solares de sujeira. Tive de pr o traje de novo e fazer outra AEV. Fiquei de mauhumor o tempo todo. Varrer um campo enorme de clulas solares maante e fisicamenteexaustivo. Mas, depois do trabalho feito, voltei para o meu Pequeno Hab na Pradaria.

    J era tempo de duplicar a terra cultivvel, ento, pensei que era melhor acabar logo comaquilo. Demorou uma hora. Mais uma duplicao e o solo utilizvel estar todo pronto.

    Tambm conclu que estava na hora de comear o cultivo. Eu havia multiplicado o solo obastante para poder usar um cantinho. Dispunha de doze batatas.

    Tenho sorte por elas no terem sido liofilizadas nem terem apodrecido. Por que a Nasamandou doze batatas inteiras, refrigeradas, mas no congeladas? E por que envi-lasconosco, como carga pressurizada, e no em um caixote junto com todo o resto dossuprimentos do Hab? Porque o Dia de Ao de Graas aconteceria enquanto estivssemosrealizando operaes de superfcie e os psiclogos da Nasa acharam que seria bom sefizssemos uma refeio juntos. No apenas com-la, mas prepar-la tambm. Issoprovavelmente tem alguma lgica, mas quem se importa?

    Cortei cada batata em quatro, certificando-me de que cada pedao tivesse pelo menosdois olhos. Os olhos so de onde elas germinam. Deixei-as repousar por algumas horas paraendurecerem um pouco, depois, plantei-as, bem afastadas uma das outras. Boa sorte,batatinhas! Minha vida depende de vocs.

    Normalmente, so necessrios pelo menos noventa dias para que as batatas cresam porcompleto. Mas no posso esperar todo esse tempo. Vou precisar cortar todas as batatas dessasafra para semear o restante do campo.

    Regulando a temperatura do Hab para amenos 25,5oC, posso fazer as plantas cresceremmais rpido. Alm disso, a iluminao interna fornecer bastante sol e vou cuidar para queelas recebam muita gua (assim que eu descobrir como consegui-la). No haver temporuim, parasitas para perturb-las nem ervas daninhas para competir pelo solo ou pelosnutrientes. Com tudo isso a favor, elas devem produzir tberos germinveis e saudveis emquarenta dias.

    Achei que era trabalho de fazendeiro suficiente por um dia.Uma refeio completa no jantar. Fiz por merecer. Alm do mais, queimei uma tonelada

    de calorias e as quero de volta.

  • Vasculhei os pertences da comandante Lewis at encontrar seu pen drive pessoal. Todomundo podia trazer o entretenimento digital que quisesse e eu estava cansado de ouvir oslbuns dos Beatles de Johanssen. Estava na hora de ver o que Lewis tinha.

    Programas de TV ruins. Temporadas inteiras de seriados do tempo do ona.Bem, a cavalo dado no se olham os dentes. Vamos assistir a Um pouco, dois bom, trs

    demais.

    DIRIO DE BORDO: SOL 29

    Nos ltimos dias, trouxe para dentro do Hab toda a terra de que vou precisar. Preparei asbancadas e camas para aguentar o peso do solo e pus a terra em cima. Ainda no h guapara torn-la vivel, mas tenho algumas ideias. Ruins, mas ainda assim so ideias.

    Hoje o grande avano foi montar as barracas.O problema com as barracas dos veculos espaciais que elas no foram projetadas para

    uso frequente.A ideia que voc abra uma barraca de montagem instantnea, entre e espere o resgate.

    A eclusa de ar no passa de vlvulas e duas portas. Equalize a eclusa de ar com o seu lado eentre, equalize com o outro lado e saia. Isso significa que voc perde muito ar em cadautilizao. Vou precisar entrar l pelo menos uma vez por dia. O volume total de cadabarraca bastante baixo, ento no posso me dar ao luxo de perder ar.

    Passei horas tentando descobrir como acoplar a eclusa de ar de uma barraca eclusa doHab. Tenho trs eclusas de ar no Hab. Estou disposto a dedicar duas delas s barracas. Issoseria incrvel.

    As eclusas de ar das barracas podem ser acopladas a outras eclusas de ar! Pode haverpessoas feridas l dentro ou talvez no haja trajes espaciais suficientes. Tem que ser possveltirar as pessoas l de dentro sem exp-las atmosfera marciana.

    Mas as barracas foram projetadas para resgates com um veculo espacial. As eclusas de ardo Hab so muito maiores e diferentes das eclusas de ar dos veculos espaciais. Pensandobem, no h motivo para acoplar uma barraca ao Hab.

    A menos que voc esteja perdido em Marte, tenha sido dado por morto e esteja lutandodesesperadamente contra o tempo e as foras da natureza para permanecer vivo. Mas, sabe,fora esse caso extremo, no h motivo algum.

    Ento, decidi me resignar. Eu perderia um pouco de ar toda vez que entrasse ou sasse deuma barraca. A boa notcia que cada barraca tem uma vlvula de alimentao de ar naparte externa. Lembre-se: as barracas so abrigos de emergncia. Os ocupantes talvezprecisem de ar, e possvel fornec-lo a partir de um veculo espacial, conectando um dutode ar, que nada mais do que um tubo que equaliza o ar do veculo espacial com o dabarraca.

  • O Hab e os veculos espaciais usam o mesmo tipo de vlvula e tubo, portanto, pudeacoplar as barracas direto ao Hab. Isso vai repor automaticamente o ar que eu perder nasminhas entradas e sadas (que o pessoal da Nasa chama de ingressos e egresses).

    A Nasa no estava brincando quando criou essas barracas. No momento em quepressionei o boto de emergncia no veculo espacial, ouvi um barulho ensurdecedor e abarraca foi ejetada, acoplada eclusa de ar do veculo espacial. No levou mais de doissegundos.

    Fechei a eclusa de ar na lateral do veculo espacial e l estava uma bela barraca isolada.Armar a mangueira equalizadora foi simples (enfim estou usando um equipamentoconforme ele foi projetado). Em seguida, depois de algumas passagens pela eclusa (com aperda de ar automaticamente equalizada pelo Hab), levei a terra para dentro da barraca.

    Repeti o processo com a outra barraca. Foi tudo muito fcil.Suspiro... gua.No ensino mdio, joguei muito RPG. (Voc talvez no imaginasse que esse

    botnico/engenheiro mecnico era meio nerd nos tempos da escola, mas eu era.) No jogo,era um clrigo. Uma das magias que eu podia lanar era Criar gua. Sempre achei quefosse uma magia idiota e nunca a usei. Caramba, o que eu no daria para poder fazer isso navida real neste momento!

    Enfim, esse um problema para amanh.Esta noite, tenho de voltar a Um pouco, dois bom, trs demais. Ontem noite, parei

    no meio do episdio em que o Sr. Roper v alguma coisa fora do contexto e cria uma grandeconfuso.

    DIRIO DE BORDO: SOL 30

    Tenho um plano estupidamente perigoso para conseguir a gua de que preciso. Perigosomesmo! Mas no tenho escolha. Estou sem ideias e preciso duplicar o solo outra vez daqui aalguns dias. No entanto, se eu no o molhar antes, ele vai morrer.

    No h muita gua aqui em Marte. H gelo nos polos, mas longe demais. Se eu quisergua, terei de cri-la. Ainda bem que conheo a receita: pegue hidrognio, acrescenteoxignio e queime.

    Vamos providenciar uma coisa de cada vez. Vou comear com o oxignio.Tenho uma quantidade razovel de reservas de O2, mas no o suficiente para produzir

    250 litros de gua. Dois tanques de alta presso em uma extremidade do Hab so todo meusuprimento (mais o ar no Hab, claro). Cada um dos tanques contm 25 litros de O2lquido. O Hab s os usaria em caso de emergncia, pois tem o oxigenador para equilibrar aatmosfera. Os tanques de O2 esto aqui para alimentar os trajes e os veculos espaciais.

    De todo modo, o oxignio de reserva s seria suficiente para produzir 100 litros de gua

  • (50 litros de O2 resultam em 100 litros de molculas que s tm um O cada). Isso significarianada de AEVs para mim e nenhuma reserva de emergncia. E produziria menos da metadeda gua de que preciso. Fora de cogitao.

    No entanto, encontrar oxignio em Marte mais fcil do que voc imagina. Noventa ecinco por cento da atmosfera CO2. E, por acaso, tenho uma mquina cujo nico propsito liberar oxignio do CO2. Viva o oxigenador!

    Um problema: a atmosfera muito rarefeita; tem menos de 1 por cento da presso daTerra. Portanto, difcil de coletar. Fazer o ar l de fora entrar quase impossvel. O nicoobjetivo do Hab evitar que algo desse tipo acontea. A quantidade nfima de atmosferamarciana que entra quando uso uma eclusa de ar risvel.

    a que entra em cena a central de produo de combustvel do VAM.Meus colegas de tripulao levaram o VAM embora h semanas. Mas a metade inferior

    ficou para trs. A Nasa no tem o hbito de pr massa desnecessria em rbita. Oequipamento de pouso, a rampa de entrada e a central de produo de combustvel aindaesto aqui. Voc lembra que o VAM produz seu prprio combustvel com a ajuda daatmosfera marciana? O primeiro passo desse processo coletar CO2 e armazen-lo em umrecipiente sob alta presso. Assim que eu a conectar energia do Hab, a central de produode combustvel vai me dar 0,5 litro de CO2 lquido por hora. Aps dez sis, ela terproduzido 125 litros de CO2, que vo gerar 125 litros de O2 depois de passar pelooxigenador.

    Isso o suficiente para produzir 250 litros de gua. Portanto, tenho um plano para ooxignio.

    O hidrognio ser um pouco mais complicado.Pensei em saquear as clulas de combustvel de hidrognio, mas preciso dessas baterias

    para manter a energia noite. Sem elas, vai ficar frio demais. Eu poderia me agasalhar, masas plantas morreriam. E, de qualquer maneira, cada clula de combustvel tem umaquantidade nfima de H2. O custo-benefcio no compensaria. A nica coisa que tenho ameu favor que energia no um problema. No quero abrir mo disso.

    Ento, vou ter que seguir outro caminho.Falo muito do VAM. Mas agora quero falar do VDM.Durante os 23 minutos mais aterrorizantes da minha vida, quatro dos meus colegas da

    tripulao e eu tentamos no nos borrar enquanto Martinez pilotava o VDM at a superfcie.Foi mais ou menos como estar em uma secadora de roupas.

    Primeiro, descemos da Hermes e desaceleramos nossa velocidade orbital para podermoscomear a cair. Tudo estava tranquilo at atingirmos a atmosfera. Se voc acha que aturbulncia em um avio comercial a 720km/h incmoda, imagine s como a 28 milkm/h.

    Paraquedas se abriram automaticamente em vrios estgios para frear a nossa descida,depois, Martinez nos conduziu at o solo, usando os propulsores para diminuir a velocidade

  • da descida e controlar nosso deslocamento lateral. Ele passou por anos de treinamento parafazer isso e executou a tarefa de modo extraordinrio. Superou todas as expectativasplausveis de pouso, nos deixando a apenas 9 metros do alvo. O cara arrasou.

    Obrigado, Martinez! Voc pode ter salvado a minha vida!No por causa do pouso perfeito, mas por ter deixado muito combustvel para trs.

    Centenas de litros de hidrazina. Cada molcula de hidrazina tem quatro tomos dehidrognio. Portanto, cada litro de hidrazina contm hidrognio suficiente para dois litros degua.

    Fiz uma breve AEV de inspeo hoje. O VDM tem 292 litros de combustvel nos tanques.O suficiente para produzir quase 600 litros de gua! Muito mais do que eu preciso!

    S tem um problema: liberar o hidrognio da hidrazina ... Bem, assim que os foguetesfuncionam. muito, muito quente. E perigoso. Se eu fizer isso em uma atmosfera cheia deoxignio, o hidrognio quente e recm-liberado vai explodir. Haver muita gua no final,mas no vou poder aproveit-la porque estarei morto.

    Em sua origem, a hidrazina bastante simples. Os alemes a usaram j na SegundaGuerra Mundial como combustvel para caas auxiliados por foguetes (e, de vez em quando,se explodiram).

    Tudo o que voc precisa fazer pass-la por um catalisador (que posso extrair do motordo VDM) e ela ir se decompor em nitrognio e hidrognio. Vou poup-lo da qumica, mas,no fim, cinco molculas de hidrazina se tornam cinco molculas de incuo N2 e dezmolculas de adorvel H2. Durante esse processo, a hidrazina passa por um estgiointermedirio, no qual se transforma em amnia. A qumica, sendo a megera desleixada que, faz com que parte da amnia no reaja com a hidrazina. Voc gosta de cheiro de amnia?Ele vai prevalecer na minha existncia cada vez mais infernal.

    A qumica est do meu lado. A pergunta agora : como fazer essa reao acontecerlentamente e como coletar o hidrognio? Ainda no sei.

    Acho que vou acabar pensando em algo. Ou vou morrer.Muito mais importante que no consigo admitir a substituio de Chrissy por Cindy.

    Um pouco, dois bom, trs demais talvez nunca mais seja o mesmo depois desse fiasco. So tempo dir.

  • CAPTULO 4

    DIRIO DE BORDO: SOL 32

    Tive um monte de problemas com meu plano para produzir gua. Minha ideia produzir600 litros (limite estabelecido pelo hidrognio que posso obter da hidrazina). Isso significaque vou precisar de 300 litros de O2 lquido.

    Posso criar o O2 com bastante facilidade. So necessrias vinte horas para que o VAMencha seu tanque com 10 litros de CO2. O oxigenador pode transform-lo em O2 e, emseguida, o regulador atmosfrico ver que o contedo de O2 no Hab est alto e o extrair doar, armazenando-o nos tanques principais, que ficaro cheios. Ento, precisarei transferir O2para os tanques dos veculos espaciais e talvez at tenha que usar os tanques do traje espacial.

    Mas no consigo cri-lo muito rpido. proporo de 0,5 litro de CO2 por hora, vouprecisar de 25 dias para produzir o oxignio necessrio. mais tempo do que eu gostaria.

    Alm disso, h o problema de armazenamento do hidrognio. Os tanques de ar do Hab,dos veculos e dos trajes espaciais totalizam exatamente 374 litros de armazenamento. Paraconter todos os materiais necessrios para produzir gua, eu precisaria de 900 litros dearmazenamento.

    Pensei em usar um dos veculos espaciais como tanque. Seria grande o bastante, masno foi feito para conter tanta presso. feito para conter (voc adivinhou) 1atm. Preciso derecipientes que possam conter cinquenta vezes mais. Tenho certeza de que o veculo espacialexplodiria.

    A melhor maneira de armazenar os ingredientes para produzir gua transform-los emgua. Ento, isso que terei que fazer.

    O conceito simples, mas a execuo ser muito perigosa.A cada vinte horas, terei 10 litros de CO2 graas central de produo de combustvel do

    VAM. Vou transport-los para o Hab por um mtodo altamente cientfico que consiste emdesacoplar o tanque dos suportes de pouso do VAM, lev-lo para o Hab e abrir a vlvula atque se esvazie.

    O oxigenador transformar o CO2 em oxignio em seu devido tempo.Depois, vou liberar hidrazina, muito lentamente, sobre o catalisador de irdio para

    transform-la em N e H. Vou direcionar o hidrognio para uma pequena rea e queim-lo.Como voc pode ver, esse plano cria vrias oportunidades para que eu morra em uma

    exploso violenta.

  • Primeiro, a hidrazina coisa sria. Se eu cometer algum erro, no vai sobrar nada, apenasa Cratera em Memria de Mark Watney, onde uma vez estivera o Hab.

    Supondo que eu no faa nenhuma merda com a hidrazina, ainda resta a questo daqueima do hidrognio. Vou acender uma fogueira. Dentro do Hab. De propsito.

    Se voc perguntasse a qualquer engenheiro da Nasa qual seria a pior hiptese para o Hab,eles responderiam: Incndio. Se voc perguntasse qual seria o resultado, elesresponderiam: Morte por carbonizao.

    Mas, se tudo der certo, vou estar produzindo gua de modo contnuo, sem a necessidadede armazenar hidrognio nem oxignio. Ela ser liberada na atmosfera como umidade, maso reaproveitador de gua ir colet-la.

    Nem preciso ajustar com perfeio a hidrazina e o CO2 da central de produo decombustvel. H muito oxignio no Hab e mais ainda em reserva. S preciso me certificar deno produzir gua demais para no ficar sem O2.

    Acoplei a central de produo de combustvel do VAM fonte de energia do Hab. Porsorte, ambos usam a mesma voltagem. Esto a todo vapor, coletando CO2 para mim.

    Meia rao no jantar. Tudo o que consegui hoje foi elaborar um plano que vai me matar,e isso no consome muita energia.

    Vou terminar de assistir a Um pouco, dois bom, trs demais hoje noite.Francamente, gosto mais do Sr. Furley do que dos Roper.

    DIRIO DE BORDO: SOL 33

    Este talvez seja meu ltimo registro.Desde Sol 6, sei que h uma grande chance de eu morrer aqui. Mas achei que seria

    quando eu ficasse sem comida. No imaginei que fosse to cedo.Estou prestes a atear fogo hidrazina.Nossa misso foi projetada com a conscincia de que qualquer equipamento poderia

    precisar de manuteno, portanto tenho muitas ferramentas. Mesmo em um traje espacial,pude abrir os painis de acesso do VDM e retirar os seis tanques de hidrazina. Coloquei-os sombra de um veculo espacial para evitar que aquecessem demais. H mais sombra e umatemperatura mais fresca perto do Hab, mas no importa. Se eles forem explodir, queexplodam um veculo espacial, no a minha casa.

    Depois, arranquei a cmara de reao. Deu um certo trabalho e quebrei aquela porcariaao meio, mas a tirei. Para minha sorte, no preciso de uma reao desencadeada porcombustvel. Na verdade, no quero de jeito nenhum uma reao desencadeada porcombustvel.

    Trouxe a cmara de reao para dentro. Por um instante considerei trazer apenas umtanque de cada vez para reduzir o risco. Mas clculos rpidos me mostraram que mesmo um

  • nico tanque seria suficiente para mandar todo o Hab pelos ares. Ento, trouxe todos. Porque no?

    Os tanques tm vlvulas de ventilao. No sei ao certo para que servem. Sem dvida,ningum esperava que ns as usssemos. Acho que elas esto ali para liberar presso duranteas vrias inspees de qualidade ao longo da construo e antes do abastecimento. Seja qualfor o motivo, tenho vlvulas minha disposio. S preciso de uma chave de boca.

    Soltei uma mangueira de gua sobressalente do reaproveitador de gua. Com uma tiraarrancada de um uniforme (desculpe, Johanssen), amarrei-a sada da vlvula. A hidrazina um lquido, portanto, tudo o que preciso fazer gui-la at a cmara de reao (nomomento, uma tigela de reao).

    Enquanto isso, a central de produo de combustvel do VAM ainda est trabalhando. Euj trouxe para dentro um tanque de CO2, esvaziei-o e levei-o de volta para que se encha denovo.

    No h mais desculpas. Est na hora de comear a produzir gua.Se vocs encontrarem os restos carbonizados do Hab, porque fiz algo errado. Estou

    copiando este dirio de bordo para ambos os veculos espaciais para que tenha maisprobabilidade de ser encontrado.

    Seja o que Deus quiser.

    DIRIO DE BORDO: SOL 33 (2)

    Bem, no morri.A primeira coisa que fiz foi vestir a parte interna do meu traje para AEVs. No o

    volumoso traje em si, s a roupa interna, que uso por baixo, inclusive as luvas e meias.Depois, peguei uma mscara de oxignio dos suprimentos mdicos e os culos de laboratriode Vogel. Quase todo o meu corpo estava protegido e eu respirava ar enlatado.

    Por qu? Porque a hidrazina muito txica. Se eu respirar uma quantidade excessivadessa substncia, terei graves problemas pulmonares. Se ela entrar em contato com a minhapele, terei queimaduras qumicas para o resto da vida. Eu no queria correr nenhum risco.

    Abri a vlvula at um filete de hidrazina escorrer. Deixei uma gota cair no recipiente comirdio.

    Sem drama algum, a gota entrou em ebulio e desapareceu.Era o que eu queria. Eu havia liberado hidrognio e nitrognio. Oba!Algo que tenho em abundncia aqui so sacos. No so muito diferentes de sacos de lixo

    usados em cozinhas, mas tenho certeza de que eles custam 50 mil dlares por causa da Nasa.Alm de ser a comandante, Lewis tambm era a geloga do grupo. Ela ia coletar amostras

    de rocha e solo de toda a rea operacional (num raio de 10 quilmetros). Limitaes de pesorestringiam a quantidade de amostras que podia levar para a Terra, ento, primeiro as

  • coletaria e, depois, selecionaria os 50 quilos mais interessantes para levar para casa. Os sacoseram para armazenar e classificar as amostras. Alguns so menores do que um Ziploc,enquanto outros so maiores do que sacos usados em jardinagem.

    Tambm tenho fita adesiva. Das comuns, igual que voc compra em uma loja deferragens. Nem mesmo a Nasa consegue aprimorar as fitas adesivas.

    Cortei alguns sacos grandes e os juntei com a fita para criar uma espcie de tenda. Naverdade, parecia mais um saco gigante. Consegui cobrir por completo a mesa sobre a qualficava meu equipamento de cientista maluco. Coloquei umas quinquilharias em cima damesa para manter o plstico fora do recipiente de irdio. Por sorte, os sacos so transparentes,assim, ainda consigo ver o que est acontecendo.

    Em seguida, sacrifiquei um traje espacial causa. Eu precisava de uma mangueira de ar.E, afinal de contas, tenho trajes espaciais de sobra. Seis no total, um para cada membro datripulao. Ento, no me importo de assassinar um deles.

    Recortei um buraco na parte de cima do plstico e fixei a mangueira no lugar com fitaadesiva. Belo lacre, acho.

    Com mais uma tira da roupa de Johanssen, pendurei a outra extremidade da mangueirano topo da cpula do Hab com dois fios inclinados (para mant-los bem longe da aberturada mangueira). Agora, eu tinha uma pequena chamin. A mangueira tinha cerca de umcentmetro de largura. Eu estava torcendo para que fosse uma boa abertura.

    O hidrognio estar quente depois da reao, o que significa que vai querer subir. Ento,vou deix-lo ascender pela chamin e queim-lo medida que for saindo.

    Para isso, precisei criar fogo.A Nasa faz um grande esforo para garantir que nada aqui pegue fogo. Tudo feito de

    metal ou plstico ignfugo, e os uniformes so sintticos. Preciso de algo que consiga manteruma chama, uma espcie de chama piloto. No tenho como manter H2 suficiente fluindopara alimentar uma chama sem me matar. uma margem muito estreita.

    Depois de revistar os pertences de todos (bem, se eles queriam privacidade, no deveriamter me abandonado em Marte com suas coisas), encontrei o que precisava.

    Martinez um catlico fervoroso. Eu sabia disso. O que eu no sabia era que ele haviatrazido um pequeno crucifixo de madeira. Tenho certeza de que a Nasa deve ter enchido osaco dele por causa disso, mas tambm sei que Martinez teimoso como uma mula.

    Cortei seu sagrado objeto religioso em lascas usando um par de alicates e uma chave defenda. Acho que, se Deus existir, no vai se importar, considerando a minha situao.

    Vou ter que assumir o risco de arruinar meu nico smbolo religioso e ficar vulnervel avampiros marcianos.

    Havia bastante fio eltrico e baterias para fazer uma centelha. Mas no d para atear fogoem madeira s com uma pequena fasca. Ento, peguei lascas das cascas das palmeiras locais,dois gravetos e os esfreguei para criar frico suficiente...

    No mesmo. Liberei oxignio puro sobre a madeira e soltei uma fasca. Acendeu como

  • um fsforo.Com minha minitocha na mo, dei incio a um fluxo de hidrazina, que chiou sobre o

    irdio e desapareceu. A pequenos intervalos uma chama crepitava na sada da chamin.A principal variante que eu tinha de observar era a temperatura. A separao da

    hidrazina extremamente exotrmica. Ento, fui fazendo aos pouquinhos, sempreobservando as leituras de um termopar que acoplei cmara de irdio.

    A questo : funcionou!Cada tanque contm pouco mais de 50 litros de hidrazina, o que seria suficiente para

    produzir 100 litros de gua. Embora limitado pela minha produo de oxignio, estou muitoempolgado, por isso me dispus a usar metade das minhas reservas. Resumindo: vou pararquando o tanque estiver pela metade e terei 50 litros de gua no fim!

    DIRIO DE BORDO: SOL 34

    Bem, demorou muito. Passei a noite toda trabalhando com a hidrazina. Mas fiz o que tinhaque ser feito.

    Eu poderia ter terminado mais rpido, mas imaginei que era melhor ser cauteloso, j queestava ateando fogo a combustvel de foguetes em um espao fechado.

    Nossa, este lugar est parecendo uma selva tropical!A temperatura aqui dentro de quase 30oC; e a umidade, altssima. Acabei de jogar uma

    tonelada de calor e 50 litros de gua no ar.Durante esse processo, o pobre Hab teve que ser a me de uma criana bagunceira. Ele

    est substituindo o oxignio que usei e o reaproveitador de gua est tentando reduzir aumidade a nveis saudveis. Quanto ao calor, no h nada a ser feito. No fundo, no existear-condicionado no Hab. Marte frio. Livrar-se de calor em excesso no era umanecessidade que imaginaramos ter.

    J me acostumei a ouvir o barulho dos alarmes o tempo todo. O alarme de incndioenfim parou. Agora no h mais fogo. O alarme de nvel baixo de oxignio deve parar embreve. O alarme de alta umidade vai demorar um pouco mais. O reaproveitador de gua temuma rdua tarefa para hoje.

    Por um instante, outro alarme soou. O tanque principal do reaproveitador de gua estavacheio. Poxa, esse o tipo de problema que quero ter!

    Voc se lembra do traje espacial que eu destru ontem? Pendurei-o no armrio ecarreguei baldes de gua do reaproveitador at ele. O traje pode aguentar 1atm de ar. Devepoder aguentar alguns baldes de gua.

    Nossa, estou cansado. Passei a noite em claro e est na hora de ir dormir. Mas vounavegar para a terra dos sonhos no meu melhor humor desde Sol 6.

    As coisas finalmente esto saindo como eu quero. Alis, esto timas! Enfim, tenho uma

  • chance de sobreviver!

    DIRIO DE BORDO: SOL 37

    Estou fodido e vou morrer!Tudo bem, calma. Tenho certeza de que posso dar um jeito nisso.Estou aqui no Veculo Espacial 2 escrevendo este dirio de bordo para voc, futuro

    arquelogo de Marte. Voc deve estar se perguntando por que no estou no Hab nestemomento. Porque fugi aterrorizado! E no tenho certeza do que fazer em seguida.

    Acho que eu deveria explicar o que aconteceu. Se este for meu ltimo registro, vocs pelomenos vo saber o motivo.

    Nos ltimos dias, produzi gua alegremente. Estava tudo indo muito bem.At reforcei o compressor da central de produo de combustvel do VAM. Foi bastante

    tcnico (aumentei a voltagem da bomba). Portanto, agora, estou produzindo gua aindamais rpido.

    Depois do meu primeiro lote de 50 litros, decidi me acalmar e produzir de acordo com oritmo de O2 que conseguir. No estou disposto a reduzir as reservas a menos de 25 litros.Ento, quando o nvel fica baixo demais, paro de mexer com a hidrazina at o O2 chegar aum nvel bem superior a 25 litros.

    Observao importante: quando digo que produzi 50 litros de gua, isso uma suposio.Eu no recuperei 50 litros de gua. O solo adicional que usei para preencher o espao do Habestava seco demais e absorveu avidamente boa parte da umidade. Mas para l mesmo quequero que a gua v, portanto no fiquei preocupado nem me surpreendi quando oreaproveitador de gua no chegou nem perto de 50 litros.

    Obtenho 10 litros de CO2 a cada 15 horas, agora que turbinei a bomba. J executei esseprocesso quatro vezes. Meus clculos me dizem que, incluindo meu lote inicial de 50 litros,devo ter acrescentado 130 litros de gua ao sistema.

    Bem, meus clculos estavam errados!Obtive 70 litros no reaproveitador de gua e no traje espacial transformado em tanque.

    H muita condensao nas paredes e no teto em formato de cpula, e o solo certamente estabsorvendo uma boa parte da umidade. Mas isso no d conta dos 60 litros que estofaltando. Algo estava errado.

    Foi ento que me dei conta do outro tanque de O2.O Hab tem dois tanques reservas de O2, um de cada lado da estrutura, por motivos de

    segurana. O Hab pode, sempre que quiser, decidir qual usar. Na verdade, tem recarregadoa atmosfera com o Tanque 1. Mas, quando acrescento O2 ao sistema (atravs dooxigenador), o Hab distribui de maneira uniforme o ganho entre os dois tanques. O Tanque2 tem ganhado oxignio aos poucos.

  • Isso no um problema. O Hab est apenas fazendo o seu trabalho. Mas significa quetenho ganhado O2 ao longo do tempo. O que implica que no o estou consumindo todepressa quanto imaginava.

    De incio, pensei: Oba! Mais oxignio! Agora posso produzir gua mais depressa! Mas,depois, um pensamento inquietante me ocorreu.

    Acompanhe meu raciocnio: estou ganhando O2. No entanto, a quantidade que estoutrazendo l de fora constante. Portanto, s posso estar ganhando oxignio se estiverusando uma quantidade menor do que eu pensava. Mas tenho realizado reaes comhidrazina supondo que estivesse usando todo o oxignio.

    A nica explicao possvel que no estou queimando todo o hidrognio liberado.Em retrospecto, parece bvio. Mas nunca me ocorreu que parte do hidrognio no

    queimava, apenas passava pela chama e seguia adiante. Droga, Jim, sou botnico, noqumico!

    A qumica confusa, ento h hidrognio no queimado no ar. minha volta.Misturado com oxignio. Simplesmente... solto por a. Esperando uma fasca para explodir oHab!

    Depois de descobrir isso e me recompor, peguei um saco de amostras do tamanho de umZiploc, balancei-o um pouco e lacrei-o.

    Em seguida, uma rpida AEV at um veculo espacial, onde guardamos o analisador deatmosfera. Nitrognio: 22 por cento. Oxignio: 9 por cento. Hidrognio: 64 por cento.

    Estou refugiado no veculo espacial desde ento.O Hab se tornou Hidrogenpolis.Tenho muita sorte por ele no ter explodido. Mesmo uma pequena descarga de esttica

    teria causado o meu Hindenburg particular.Ento, aqui estou eu no Veculo Espacial 2. Posso ficar no mximo um ou dois dias antes

    que os filtros de CO2 do veculo e do meu traje espacial se saturem. Tenho esse tempo parapensar em como resolver a situao.

    O Hab agora uma bomba.

  • CAPTULO 5

    DIRIO DE BORDO: SOL 38

    Ainda estou escondido no veculo espacial, mas tive tempo para pensar. E sei como lidar como hidrognio.

    Pensei no regulador atmosfrico. Ele analisa e reequilibra o que est no ar. assim que oexcedente de O2 que estou importando vai para os tanques. O problema que ele no construdo para extrair hidrognio do ar.

    O regulador usa a separao por congelamento para isolar os gases. Quando decide queh oxignio demais, comea a coletar ar em um tanque e a resfri-lo at 90 kelvin. Issoliquefaz o oxignio, mas deixa o nitrognio, cujo ponto de condensao 77K, ainda gasoso.Depois, ele armazena o O2.

    No posso for-lo a fazer o mesmo com o hidrognio, porque ele precisa estar abaixo de21K para se tornar lquido. E o regulador simplesmente no consegue chegar a temperaturasto baixas. Beco sem sada.

    Eis a soluo: o hidrognio perigoso porque pode explodir. Mas isso s acontecer sehouver oxignio junto dele. Hidrognio sem oxignio incuo. E a funo do regulador retirar o oxignio do ar.

    Existem quatro travas de segurana que evitam que o regulador deixe o volume deoxignio do Hab ficar baixo demais. S que foram projetadas para funcionar contra falhastcnicas, e no contra sabotagem deliberada. (R, r, r!)

    Resumindo, posso manipular o regulador para que ele retire todo o oxignio do Hab.Depois, usarei um traje espacial (para respirar) e fazer o que eu quiser, sem medo deexplodir.

    Vou usar um tanque de O2 para borrifar pequenas quantidades de oxignio nohidrognio e criar uma centelha com alguns fios e uma bateria. Isso vai atear fogo aohidrognio, mas s at a pequena quantidade de oxignio se esgotar.

    Vou repetir o processo a intervalos controlados, at ter queimado todo o hidrognio.Uma pequena falha nesse plano: vou matar a terra.A terra s se torna solo vivel por causa das bactrias que crescem nela. Se eu me livrar de

    todo o oxignio, as bactrias vo morrer. E no tenho 100 bilhes de minsculos trajesespaciais minha disposio.

    De todo modo, meia soluo.Est na hora de parar de pensar um pouco.

  • A comandante Lewis foi a ltima a usar este veculo espacial. Iria us-lo de novo em Sol7, mas, em vez disso, foi para casa. Seu kit pessoal de viagem ainda est na traseira.Remexendo nele, encontrei uma barra de protena e um pen drive, provavelmente cheio demsica para ela ouvir enquanto dirigia.

    Est na hora de cair de boca na barrinha e ver que msica a boa comandante trouxe.

    DIRIO DE BORDO: SOL 38 (2)

    Disco music? Puta merda, Lewis!

    DIRIO DE BORDO: SOL 39

    Acho que resolvi o problema.As bactrias do solo esto acostumadas a invernos. Tornam-se menos ativas e precisam de

    menos oxignio para sobreviver. Se eu reduzir a temperatura do Hab para 1oC, elas voquase hibernar. Esse tipo de coisa acontece na Terra o tempo todo. Elas podem sobreviveralguns dias dessa forma. Se voc est se perguntando como as bactrias na Terra sobrevivema perodos mais longos de frio, a resposta : no sobrevivem. As bactrias que ficam emcamadas mais profundas, onde faz mais calor, se reproduzem e substituem as bactriasmortas das camadas superiores.

    Elas ainda precisam de oxignio, mas no muito. Acho que 1 por cento deve bastar.Assim, sobra um pouquinho no ar para as bactrias respirarem, mas no o suficiente paramanter o fogo aceso. Ento, o hidrognio no vai explodir.

    Mas isso gera outro problema: as batatas no vo gostar desse plano.Elas no se importam com a falta de oxignio, mas o frio vai mat-las. Vou ter que coloc-

    las em vasos (sacos, na verdade) e transferi-las para um veculo espacial. Elas nemgerminaram ainda, ento, no precisam de luz.

    Foi surpreendentemente complicado encontrar um modo de manter o calor quando oveculo espacial est desocupado. Mas resolvi a questo. Afinal, tudo o que tenho aqui tempo.

    Ento, este o plano: primeiro, ensacar as batatas e traz-las para o veculo espacial

    (certificando-me de que o aquecedor est ligado). Depois, diminuir a temperatura do Habpara 1oC. Em seguida, reduzir o teor de O2 para 1 por cento. Queimar o hidrognio comuma bateria, alguns fios e um tanque de O2.

    , parece uma grande ideia sem chance de um fracasso catastrfico.A propsito, isso foi sarcasmo.

  • Bem, por hoje chega.

    DIRIO DE BORDO: SOL 40

    As coisas no deram 100 por cento certo.Dizem que nenhum plano sobrevive ao primeiro contato com a prtica. Sou obrigado a

    concordar.Eis o que aconteceu: reuni coragem para voltar ao Hab. Ao chegar l, senti-me um pouco

    mais confiante. Tudo estava como eu havia deixado. (O que eu esperava? Marcianossaqueando as minhas coisas?)

    Demoraria um tempo at o Hab esfriar, ento, de cara, baixei a temperatura para 1oC.Ensaquei as mudas de batatas e, enquanto fazia isso, tive a oportunidade de inspecion-

    las. Estavam enraizando bem e prestes a germinar. Algo em que eu no havia pensado eracomo lev-las do Hab para os veculos espaciais.

    A resposta era bastante fcil. Coloquei todas elas no traje espacial de Martinez. Depois,arrastei-o para fora at o veculo espacial que eu havia preparado como estufa temporria.

    Certificando-me de travar o aquecedor para que permanecesse ligado, voltei para o Hab.Quando retornei, j estava friozinho. A temperatura havia cado para 5oC. Tremendo eobservando minha respirao condensar na minha frente, vesti camadas adicionais deroupas. Por sorte, no sou muito grande. As roupas de Martinez cabem por cima das minhas,e as de Vogel cabem em cima das de Martinez. Essas drogas de roupas foram projetadas paraserem usadas em um ambiente com temperatura controlada. Mesmo com trs camadas, euainda sentia frio. Subi na cama e entrei debaixo das cobertas para me manter aquecido.

    Quando a temperatura atingiu 1oC, esperei mais uma hora, s para ter certeza de que asbactrias na terra haviam recebido o memorando de que estava na hora de ir devagar.

    O problema seguinte foi o regulador. Apesar da minha confiana fanfarrona, noconsegui ser mais inteligente do que ele. O regulador no quer mesmo retirar O2 demais doar. O mnimo a que consegui chegar foi 15 por cento. O regulador se recusa a ir alm disso,no importa o que eu faa. Eu tinha muitos planos para acess-lo e reprogram-lo. Masdescobri que os protocolos de segurana eram todos em ROM.

    No posso culpar o aparelho. Seu objetivo evitar que a atmosfera se torne letal.Ningum na Nasa pensou: Ei, vamos permitir uma falta letal de oxignio que faa todomundo cair duro!

    Ento, tive de usar um plano mais primitivo.O regulador usa um conjunto de respiradouros para pegar amostras de ar e outro para

    fazer a separao principal do ar. O ar que separado por congelamento entra atravs de umnico respiradouro grande na unidade principal. Mas as amostras de ar so coletadas pornove pequenos respiradouros ligados unidade principal. Assim, ele consegue uma boa

  • mdia do ar do Hab, e um desequilbrio localizado no o engana.Tapei oito dos respiradouros, deixando apenas um ativo. Depois, prendi com fita adesiva

    um saco grande ao colarinho de um traje espacial (o de Johanssen dessa vez). No fundo dosaco, fiz um buraquinho e o prendi ao respiradouro remanescente.

    Depois, inflei o saco com O2 puro dos tanques do traje. Puta merda!, o reguladorpensou, melhor eu retirar O2 agora mesmo!

    Funcionou perfeitamente!No fim, decidi no usar um traje espacial. A presso atmosfrica seria adequada. Eu s

    precisava de oxignio. Ento, peguei um cilindro de O2 e uma mscara da ala mdica. Dessaforma, eu teria muito mais liberdade de movimento. A mscara at tinha um elstico parafix-la ao meu rosto!

    No entanto, eu precisava de um traje espacial para monitorar o nvel real de oxignio noHab agora que o computador principal estava crente que o ar era 100 por cento O2.Vejamos... o traje espacial de Martinez estava no veculo espacial, o de Johanssen estavaenganando o regulador. O de Lewis estava servindo de tanque de gua. Eu no queriaestragar o meu (ei, feito sob medida!). S me sobravam dois.

    Peguei o traje de Vogel e ativei os sensores internos de ar, deixando-o sem o capacete.Quando o oxignio caiu para 12 por cento, pus a mscara de respirao. Vi o nvel deoxignio cair mais ainda. Quando chegou a 1 por cento, cortei a energia do regulador.

    Posso no ser capaz de reprogramar o regulador, mas consigo desligar aquele filho dame.

    O Hab tem lanternas de emergncia em muitos lugares para casos crticos de falta deenergia. Tirei as lmpadas de LED de uma delas e deixei os dois fios desencapados bemperto. Agora, quando eu a acendesse, obteria uma pequena centelha.

    Peguei um cilindro de O2 do traje de Vogel, amarrei uma faixa em cada extremidade e ojoguei por cima do ombro. Depois, acoplei um duto de ar ao tanque e o tapei, pressionando-o com o polegar. Abri um pouquinho o O2, um fluxo fraco o bastante para no pressionardemais meu polegar.

    De p em cima da mesa, com o faiscador em uma das mos e o duto de oxignio naoutra, me estiquei e fiz um teste.

    E, caramba, funcionou! Soltando o O2 em cima dos fios desencapados, acendi a lanternae um maravilhoso jato de chamas saiu do tubo. O alarme de incndio disparou, claro. Maso tenho ouvido tanto nos ltimos dias que quase no noto mais.

    Depois, repeti a operao. Mais uma vez. Pequenos intervalos. Nada exagerado. Eu estavacontente de seguir em frente com calma.

    Fiquei exultante! Era o melhor plano de todos os tempos! Alm de estar eliminando ohidrognio, eu estava produzindo mais gua!

    Tudo correu muito bem at a exploso.

  • Em um momento, eu estava todo alegre queimando hidrognio; no momento seguinte,estava do outro lado do Hab, e muita coisa havia sido derrubada. Levantei-me cambaleandoe vi o Hab todo bagunado.

    Meu primeiro pensamento foi: Meus ouvidos esto doendo pra cacete!Depois, pensei: Estou tonto. E ca de joelhos. Depois, ca de bruos. Eu estava muito

    tonto. Segurei a cabea com ambas as mos, procurando uma ferida que eu esperava que noexistisse. Parecia no haver nada de errado.

    Mas, ao passar as mos na minha cabea e no meu rosto, descobri o verdadeiro problema.Minha mscara de oxignio fora arrancada na exploso. Eu estava respirando nitrogniopraticamente puro.

    O cho de todo o Hab estava coberto de lixo. No havia chance de encontrar o tanquemdico de O2. No havia chance de encontrar coisa alguma em meio quela baguna antesque eu desmaiasse.

    Depois, vi o traje de Lewis pendurado exatamente no seu lugar. No havia sido deslocadopela exploso. J era pesado e tinha 70 litros de gua dentro.

    Corri at l, abri rapidamente o O2 e enfiei minha cabea pelo colarinho (eu haviaremovido o capacete muito tempo antes para ter acesso fcil gua). Respirei um pouco at atontura diminuir, depois, enchi os pulmes e prendi o ar.

    Ainda prendendo a respirao, olhei para o traje espacial e o saco que eu havia usadopara enganar o regulador. A m notcia era que eu nunca os removera. A boa notcia era quea exploso os removera. Oito dos nove respiradouros do regulador ainda estavam cobertos,mas o que estava descoberto diria a verdade.

    Cambaleando at o regulador, voltei a lig-lo.Depois de um processo de reinicializao de dois segundos (o equipamento era feito para

    comear a funcionar depressa por motivos bvios), o regulador identificou o problemaimediatamente.

    O estridente alarme de baixos nveis de oxignio soou por todo o Hab enquanto oregulador despejava oxignio puro na atmosfera o mais rpido que podia em condiesseguras. Separar oxignio da atmosfera difcil e demorado, mas adicion-lo simples comoabrir uma vlvula.

    Fui passando por cima de destroos para voltar ao traje espacial de Lewis e mais uma vezenfiei a cabea l dentro para respirar ar bom de novo. Em trs minutos, o reguladornormalizou o nvel de oxignio do Hab.

    Percebi, pela primeira vez, que minha roupa estava queimada. Ainda bem que eu usavatrs camadas. A parte mais danificada eram as mangas. A camada externa no existia mais. Acamada intermediria estava chamuscada e, em alguns lugares, havia sido perfurada pelaschamas. A camada interna, meu prprio uniforme, estava em condies razoveis. Pareceque tive sorte outra vez.

    Ao olhar para o principal computador do Hab, vi tambm que a temperatura subira para

  • 15oC. Algo muito quente e explosivo havia acontecido, e eu no sabia ao certo o qu. Nemcomo.

    E nesse ponto que estou agora, me perguntando que diabos aconteceu. Depois de todoaquele trabalho e da exploso, estou exausto. Amanh, vou precisar fazer um milho deverificaes nos equipamentos e tentar descobrir o que explodiu, mas, por ora, s querodormir.

    Estou novamente no veculo espacial esta noite. Mesmo com o hidrognio eliminado, ficorelutante em permanecer em um Hab que tem um histrico de exploses sem motivo. Almdisso, no tenho certeza de que no existe um vazamento.

    Desta vez, trouxe uma refeio adequada e algo para ouvir que no seja disco music.

    DIRIO DE BORDO: SOL 41

    Passei o dia fazendo diagnsticos completos de todos os sistemas do Hab. Foi muito chato,mas minha sobrevivncia depende dessas mquinas, ento, tinha que ser feito. No possosimplesmente presumir que a exploso no causou nenhuma avaria de longo prazo.

    Comecei pelos testes mais crticos. O primeiro foi o da integridade da tela do Hab. Euestava bastante confiante de que estivesse em bom estado porque passei algumas horasdormindo no veculo espacial antes de voltar para o Hab e a presso ainda estava boa. Ocomputador no relatou nenhuma mudana de presso ao longo desse tempo, a no ser umaflutuao mnima com base na temperatura.

    Depois, verifiquei o oxigenador. Se ele parasse de funcionar e eu no conseguisseconsert-lo, seria um homem morto. No houve nenhum problema.

    Em seguida, o regulador atmosfrico. Mais uma vez, nenhum problema.A unidade de aquecimento, o conjunto primrio de baterias, tanques de armazenamento

    de O2 e N2, reaproveitador de gua, as trs eclusas de ar, os sistemas de iluminao, ocomputador principal... e fui seguindo em frente, sentindo-me melhor cada vez que umsistema mostrava estar em perfeita ordem.

    Tenho que parabenizar a Nasa. Eles no brincam em servio quando fazem essas coisas.Ento, chegou a parte crtica... verificar a terra. Peguei algumas amostras de todas as

    partes do Hab (lembre-se, o cho est totalmente coberto de terra agora) e preparei aslminas.

    Com as mos trmulas, pus uma lmina no microscpio e joguei a imagem na tela. Lestavam elas! Bactrias saudveis e ativas fazendo o seu trabalho! No fim das contas, pareceque no vou morrer de fome em Sol 400. Joguei-me em uma cadeira e deixei que minharespirao voltasse ao normal.

    Depois, comecei a limpar a sujeira. Eu tinha muito tempo para pensar no que haviaacontecido.

  • Ento, o que aconteceu? Bem, tenho uma teoria.De acordo com o computador principal, durante a exploso, a presso interna atingiu

    1,4atm e a temperatura subiu para 15oC em menos de um segundo. Mas a presso logovoltou a baixar para 1atm. Isso faria sentido se o regulador atmosfrico estivesse ligado, maseu havia cortado a energia dele.

    A temperatura permaneceu em 15oC por algum tempo, por isso, alguma expanso decalor ainda devia estar presente. Mas a presso voltou a cair, ento, para onde foi a pressoadicional? Aumentar a temperatura e manter o mesmo nmero de tomos l dentro deveriaaumentar permanentemente a presso. Mas no foi isso que aconteceu.

    Logo encontrei a resposta. O hidrognio (a nica coisa disponvel para ser queimada)combinou-se com o oxignio (portanto, combusto) e se tornou gua. A gua mil vezesmais densa que um gs. Ento, o calor aumentou a presso e a transformao do hidrognioe do oxignio em gua a fez cair de novo.

    A pergunta de um milho de dlares : de onde diabos veio o oxignio? O plano eralimitar o oxignio e evitar que uma exploso acontecesse. E funcionou por um bom tempo.

    Acho que sei a resposta. E tudo se resume a uma falha de raciocnio. Lembra que euhavia decidido no usar um traje espacial? Aquela deciso quase me matou.

    O tanque mdico de O2 mistura oxignio puro com o ar sua volta, depois, o leva atvoc por meio de uma mscara. A mscara fica no seu rosto presa por uma pequena fitaelstica que d a volta na sua nuca. No lacrada a vcuo.

    Sei o que voc est pensando. A mscara deixou o oxignio vazar. Mas no foi isso. Euestava respirando o oxignio. Ao inspirar, eu quase lacrava a mscara a vcuo, aspirando-aem meu rosto.

    O problema era expirar. Voc sabe quanto oxignio absorvido do ar quando vocrespira? Tambm no sei, mas no 100 por cento. Toda vez que eu expirava, acrescentavaoxignio ao sistema.

    Simplesmente no pensei nisso. Mas deveria ter pensado. Se os seus pulmes pegassemtodo o oxignio, a ressuscitao boca a boca no funcionaria. Fui mesmo um idiota por noconsiderar isso! E minha idiotice quase me matou!

    Vou precisar tomar mais cuidado.Foi uma boa coisa ter queimado a maior parte do hidrognio antes da exploso. Seno,

    teria sido o fim. Dessa maneira, a exploso no foi forte o bastante para destruir o Hab,embora tenha sido forte a ponto de quase estourar meus tmpanos.

    Tudo isso comeou comigo percebendo uma deficincia de 60 litros na produo de gua.Entre a queima deliberada e uma exploso um pouco inesperada, estou no bom caminhooutra vez. O reaproveitador de gua fez o seu trabalho na noite passada e retirou do ar 50litros de gua recm-criada. Ele a est armazenando no traje espacial de Lewis, que, daquipara a frente, vou chamar de A Cisterna, porque soa mais legal. Os outros 10 litros de guaforam absorvidos diretamente pelo solo.

  • Muito trabalho braal hoje. Mereo uma refeio completa. E, para comemorar minhaprimeira noite de volta ao Hab, vou me refestelar e assistir a algum enlatado do sculo XX,cortesia da comandante Lewis.

    Os gates, no ? Vamos ver qual .

    DIRIO DE BORDO: SOL 42

    Dormi at tarde hoje. Eu merecia. Depois de quatro noites mal dormidas no veculo espacial,minha cama pareceu o mais macio e lindo leito de plumas j fabricado.

    Por fim me arrastei para fora da cama e terminei a limpeza ps-exploso.Trouxe as mudas de batata de volta para dentro hoje. E foi bem na hora. Elas esto

    germinando. Parecem saudveis e felizes. No se trata