percepções e vivências do estágio tardio

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA

Vanessa Silva Cardoso

TUDO QUE EU FIZ EU NO TENHO NADA QUE ME

ARREPENDER: PERCEPES E VIVNCIAS DO ESTGIO TARDIO NA PERSPECTIVA DE CASAIS IDOSOS.

FLORIANPOLIS 20067

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Vanessa Silva Cardoso

TUDO QUE EU FIZ EU NO TENHO NADA QUE ME ARREPENDER: PERCEPES E VIVNCIAS DO ESTGIO TARDIO NA PERSPECTIVA DE CASAIS IDOSOS.

Dissertao apresentada como requisito parcial obteno do grau de Mestre em Psicologia, Programa de PsGraduao em Psicologia, Mestrado, Centro de Filosofia e Cincias Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina. Orientador: Prof. Carmen L.O.O More

Florianpolis 20068

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Dedico este trabalho aos meus pais, Vanir e Lourdes, que me ensinaram desde cedo a valorizar o conhecimento, a determinao e a perseverana.

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AgradecimentosPrimeiramente a Deus, pela vida, pela inspirao, pela proviso, pelo cuidado em todos os momentos da minha existncia e especialmente durante a construo deste trabalho.

minha orientadora professora Doutora Carmen Mor, pela confiana, pela oportunidade, pelas inmeras contribuies, pelas suas palavras, pelo seu apoio e incentivo que colaboraram para meu crescimento.

s minhas irms Priscila e Patrcia, pelo carinho, companheirismo nos momentos de alegria e tristeza, pela compreenso durante minha ausncia no decorrer deste trabalho, pelo apoio incondicional e pelas constantes palavras de afirmao e nimo durante esta caminhada.

s psiclogas e amigas ngela Hering de Queiroz, Fernanda Cascaes Teixeira, Mariana Grasel Figueiredo e Naiane Carvalho Wendt, por terem compartilhado comigo alegrias, tristezas, dvidas e incertezas antes e durante o mestrado, por terem me escutado quando eu precisei, pela amizade, pelo acolhimento e pela constncia na minha vida.

Aos amigos da Primeira Igreja Batista de Florianpolis pelo carinho, cuidado e ateno dispensada a mim.

Aos meus colegas, amigos e professores da Ps-Graduao, pela troca de conhecimentos e pelas grandes contribuies durante o perodo do mestrado, e em especial s meninas do grupo de estudos eco-sistmico.

Grace Andreani pelo apoio ao longo do mestrado e pela amizade que se estendeu para fora da sala de aula.

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Em especial, agradeo a todas as famlias pesquisadas, que muito gentilmente abriram no somente as portas da sua casa, mas de seus coraes e de suas vidas.Por dividirem comigo suas lutas, conquistas, sabedoria, experincia e a sua histria.Muito obrigada.

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O que significa envelhecer

Envelhecer se auto-estimar saber perdoar participar valorizar o que aprendeu Sem lamentar o que perdeu

captar o amor no ar ser...sem ter ver.... crer Sentir...agir...e no fugir Enfrentar! Vencer! E no morrer Antes da vida conquistar!

Valdvia Pereira Mafra12

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SUMRIOAGRADECIMENTOS ............................................................................................ 10 SUMRIO ............................................................................................................. 13 RESUMO............................................................................................................... 15 ABSTRACT........................................................................................................... 16 LISTA DE QUADROS E TABELAS...................................................................... 17 2. OBJETIVOS...................................................................................................... 24Objetivo Geral:.....................................................................................................................................................24 Objetivos Especficos: .........................................................................................................................................24

3. FUNDAMENTAO TERICA ........................................................................ 253.1 Famlia e pensamento sistmico ...................................................................................................................25 3.1.1 Desenvolvimento Familiar .........................................................................................................................27 3.2Estrutura e Dinmica Familiar .......................................................................................................................29 3.3.1 Crise na Famlia, Tradio e Rituais. ........................................................................................................35 3.4 Ciclo de Vida Familiar ..................................................................................................................................37 3.4.1Estgio Tardio do Ciclo Vital .....................................................................................................................40 3.5 Processo de Envelhecimento Hoje: Interfaces bio-psico-sociais................................................................42 3.5.1Envelhecimento e Qualidade de Vida ........................................................................................................46

4.MTODO............................................................................................................ 494.3 Instrumentos:....................................................................................................................................................51 4.4 Procedimento ....................................................................................................................................................52 4.5 Participantes:....................................................................................................................................................53 4.7 Tratamento dos dados:....................................................................................................................................58

5. APRESENTAO E DISCUSSO DOS RESULTADOS ................................ 595.1. Apresentao das Categorias, Subcategorias e Elementos de Anlise. ..................................................60 Subcategoria 1.1: As mudanas das configuraes e suas conseqncias ao nvel social ..............................68 Subcategoria 1.2: Qualidades atribudas famlia.............................................................................................69 Subcategoria 1.3: Sob o prisma de crenas e valores ........................................................................................71 Subcategoria 1.4: Como um espao de construo de interaes.....................................................................72 Subcategoria 1.5: Como algo perene e natural dos seres vivos ........................................................................74 Subcategoria 1.6: Definio dos tipos de famlia...............................................................................................75 Categoria 2: Sentimentos e vivncias advindos do processo de envelhecimento..........................................77 Subcategoria 2.1: Velhice como fase de preocupaes .....................................................................................77

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Subcategoria 2.2 : Resignificao da Espiritualidade........................................................................................78 Subcategoria 2.3: Dicotomia entre o corpo envelhecido e esprito jovem ...................................................80 Subcategoria 2.4: Incertezas diante da viuvez....................................................................................................81 Categoria 3: Percepes do idoso a respeito de seu relacionamento com sua famlia.................................84 Subcategoria 3.1: Posio de distncia...............................................................................................................85 Subcategoria 3.2: Posio de aproximao ........................................................................................................87 Subcategoria 3.3: Manuteno e cuidado da Fratria ..........................................................................................90 Categoria 4: Estrutura e dinmica familiar sob o olhar do casal de idosos .................................................92 Subcategoria 4.1: Rituais .....................................................................................................................................93 Subcategoria 4.2: Poder e tomada de deciso ....................................................................................................97 Subcategoria 4.3: Crenas e Valores ................................................................................................................100 Subcategoria 4.4: Regras presentes nas famlias..............................................................................................104 Categoria 5: Velhice como fase de mudana e recluso.................................................................................106 Subcategoria 5.1: Aposentadoria ......................................................................................................................106 Subcategoria 5.2: Do ponto de vista econmico ..............................................................................................109 Subcategoria 5.3: Aumento ou diminuio de pessoas morando ou freqentando a casa e alteraes nos relacionamentos..................................................................................................................................................111 Subcategoria 5.4: Morte ou cuidado dos pais...................................................................................................113 Categoria 6: Diferenas de Gnero....................................................................................................................115 Subcategoria 6. 1: Gnero e Processo de envelhecimento .............................................................................115 Subcategoria 6. 2: Gnero e Aposentadoria ....................................................................................................117 Categoria 7- Melhor coisa de se tornar idoso ..............................................................................................119 Subcategoria 7.1: Sabedoria ..............................................................................................................................119 Subcategoria 7.2: Sade e Vitalidade ...............................................................................................................120 Subcategoria 7.3: Posio negativa...................................................................................................................121 Subcategoria 7:4 Perodo de Tranqilidade .....................................................................................................121

7. CONSIDERAES FINAIS ............................................................................ 123 7.1 CONSIDERAES GERAIS ........................................................................ 125 8.REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................ 128 9. ANEXOS ......................................................................................................... 136Anexo I ...............................................................................................................................................................137 Anexo II- Roteiro de Entrevista Estruturado....................................................................................................138 Anexo III-Roteiro de Entrevista Semi-estruturado. .........................................................................................143

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RESUMOCARDOSO, Vanessa Silva. Tudo que eu fiz eu no tenho nada que me arrepender: Percepes e vivncias do Estgio Tardio na perspectiva de casais idosos. Florianpolis, 2006. Dissertao (Mestrado em Psicologia)- Programa de Ps-Graduao em Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina.

Orientadora: Carmen L. O. O. Mor

O presente trabalho buscou caracterizar a estrutura e dinmica relacional de famlias que esto no Estgio Tardio do ciclo vital na perspectiva de cada um dos membros do casal de idosos. Utilizou-se da abordagem da pesquisa qualitativa, sendo entrevistadas onze famlias, representadas por seus respectivos casais, totalizando vinte e dois participantes. Os instrumentos para a coleta de dados foram dois: um roteiro estruturado, o qual o casal respondia em conjunto e outro semi-estruturado, que foi respondido individualmente. A anlise dos dados foi realizada por meio da tcnica de anlise de contedo do tipo categorial-temtica. Foram estabelecidas sete grandes categorias e suas respectivas subcategorias de anlise. O pensamento sistmico e a teoria do ciclo vital foram os suportes tericos que sustentaram a anlise dos resultados. Dentre estes se destaca: os sentimentos e vivncias advindos do processo de envelhecimento, no qual surgem as preocupaes, a resignificao da espiritualidade, a experincia da viuvez e as diferenas de gnero. A velhice como fase de mudana e recluso em que h a vivncia da aposentadoria e a conseqente diminuio da renda e da rede de amigos. A dificuldade de conviver com crenas e valores atuais e, por outro lado, a sabedoria, a experincia e a tranqilidade, so como ganhos desse perodo. Conclui-se que as pessoas que esto no Estgio Tardio, hoje, esto diante do desafio de conviver com as conseqncias das diferentes configuraes familiares, coexistindo com o modelo tradicional configurando um distanciamento entre as geraes. Essa temtica ainda necessita ser investigada e apreciada pelos profissionais de sade no sentido de se prepararem para lidar com famlias em Estgio Tardio.

Palavras-Chaves : Famlia- Ciclo Vital-Estgio Tardio.

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ABSTRACTCARDOSO, Vanessa Silva. I dont regret anything that Ive done: Perceptions and experiences of the late life stage in the perspective of elderly couples. Florianpolis, 2006. Dissertation (Master in Psychology) Post-Graduation Program in Psychology, Federal University of Santa Catarina.

Supervisor: Carmen L. O. O. Mor

The current work attempted to characterize the structure and relational dynamics of families that are in the late life stage of the life cycle in the perspective of each member of the elderly couple. The qualitative research approach was used, being eleven interviewed families, represented by their respective couples, totaling twenty-two participants. The instruments used for the data collection were the semi-structured interview and the structured interview.The data analysis was performed through the content analysis technique of the thematic category type. Seven major categories and their respective subcategories of the analysis were established. The systemic thought and the cycle of life theory were the theoretical support that sustained the analysis of the results. Among these a few stand out: the feelings and experiences that come from the aging process, in which worries, new meanings of spirituality, the widowing experience and gender differences come about. The elderly age as a stage of change, the seclusion that comes with retirement and the resulting diminished income and network of friends. The difficulty of living with contemporary values and beliefs, and wisdom, experience and tranquility are the gains of this period. It was concluded that people who are in the mature stage today face the challenge of living with the consequences of different family configurations, while coexisting with the traditional model, generating a gap between the generations. This theme still needs to be investigated and appreciated by the health professionals in order to prepare them to deal with families in the late life stage.

Keywords: Family-Life Cycle-Mature Stage16

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LISTA DE QUADROS E TABELAS

Tabela 1-Distribuio de dados demogrficos das famlias pesquisadas............................49

Tabela 2- Distribuio de dados scio-econmicos das famlias pesquisadas....................50

Quadro 1- Categorias, subcategorias e elementos de anlise..............................................54

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1.IntroduoA escolha da pesquisadora em estudar famlias que esto vivenciando o Estgio Tardio do ciclo vital, se delineou a partir da sua histria pessoal, de ter experenciado o trabalho como estagiria e posteriormente como psicloga voluntria em um Ncleo de Assistncia Geronto-Geritrico e, nesse contexto, a mesma foi percebendo sua identificao e facilidade de trabalhar com essa faixa etria. Associado a isso, em funo do curso de Especializao em Terapia Familiar Sistmica por parte da pesquisadora, este despertou o interesse em estudar e pesquisar o funcionamento de famlias durante este estgio.Um dos marcos significativos do sculo XX em quase todo o mundo foi o envelhecimento expressivo de sua populao, o que acarretou num crescimento elevado de idosos1 vivendo no mundo hoje. Vrios fatores contriburam para o surgimento desse fenmeno, sobretudo a diminuio da taxa de mortalidade, essa ltima, devido a um conjunto de aspectos, tais como: o avano dos conhecimentos biomdicos sobre os processos de sade-doena, como o advento dos antibiticos e seu impacto no tratamento de doenas infecciosas, o controle e tratamento das doenas transmissveis, os mtodos de preveno e tratamento de neoplasias, o controle da fecundidade, as preocupaes com o estilo de vida, a valorizao e o reconhecimento das atividades fsicas, o maior acesso da populao em geral a servios de sade, alm de acesso a informaes atravs da mdia, bem como mudanas scio-econmicas (Fuster,1994; Boechat, 1993; Calobrizi, 2001). De modo geral, o envelhecimento populacional est associado aos pases industrializados da Europa e Amrica do Norte, onde a faixa de idosos corresponde, em alguns casos, a um quinto ou mais da populao. Nesses pases, vem ocorrendo um fenmeno demogrfico entendido como Aged Boom, que significa o aumento repentino de idosos em uma populao. Tal fenmeno se d em decorrncia da fase denominada de Baby Boom, ocorrida aps a segunda-guerra mundial, quando houve um aumento repentino do nmero de crianas e uma queda na mortalidade infantil. Pases em desenvolvimento esto experimentando hoje as mesmas mudanas etrias em sua populao (Calobrizi, 2001).1

O conceito de idoso adotado neste trabalho baseia-se nos critrios adotados pela Organizao Mundial de Sade (OMS), que define a populao idosa como aquela a partir dos 60 anos de idade para pases em desenvolvimento e aumentando para 65 anos de idade quando se trata de pases desenvolvidos.

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No caso do Brasil, em 1940 a expectativa de vida do brasileiro era de 38 anos, em 1994 foi para 66 anos e no final do sculo foi para prximo dos 70 anos. Para o ano de 2020 estimado que se tenha um contingente populacional de pessoas idosas de aproximadamente 25 milhes, e ainda esperado que essas taxas continuem a aumentar devido ao chamado momentum demogrfico, o que significa que uma proporo importante do crescimento populacional j est determinada devido estrutura etria atual (Fuster, 1994; Calobrizi, 2001; Camarano, 2001; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica, 2003; Benedetti, Petroski & Gonalves, 2004).

Associado a isso e de acordo com os dados coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE, 2003), a proporo de aposentados homens foi maior que a de mulheres (45,8%), evidenciando a recente insero destas no mercado de trabalho. A regio metropolitana do Rio de Janeiro apresentou o menor percentual de mulheres com 60 anos ou mais aposentadas (31,2%).Um estudo feito pelo IBGE (Release Sntese 2004) mostrou que cerca de 30,4% do total de idosos estavam ocupados em 2002, e que quase 65% dos idosos so a pessoa de referncia de suas famlias. Especificamente em Florianpolis, conforme os dados IBGE (2003), um panorama da populao idosa da cidade revela que h 8,4 % de idosos vivendo na capital, dos quais 11,9 % possuem nvel superior e 14,3% so analfabetos. Os dados ainda revelam que 54% dos idosos desse municpio recebem menos de trs salrios mnimos de aposentadoria ou penso, e 13,3 % vivem sozinhos. De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD, 2003, baseados no censo de 2000), 81% dos idosos vivem em contexto urbano. Esses dados revelaram ainda que 62,4% dos idosos so responsveis pelos domiclios brasileiros, representando 20% do contingente total. O conceito de responsvel por domiclio aqui empregado est conforme o utilizado pelo IBGE, que se baseia na indicao pelos moradores daquela pessoa considerada como referncia no domicilio ou famlia. nesse contexto que se observa a alta prevalncia de domiclios multigeracionais, o que leva autores (Ramos, Rosa, Oliveira, Medina & Santos, 1993; Garrido & Menezes, 2002) a formularem a hiptese desse arranjo estar mais associado a uma estratgia de sobrevivncia do que a uma opo cultural.

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O aumento da expectativa de vida se constitui numa conquista no sculo XX, mas que se torna o grande desafio do sculo XXI. Assim, o aumento significativo e rpido do contingente de idosos incide necessidade urgente de polticas adequadas para lidar com as conseqncias psico-sociais, econmicas e de sade advindas deste boom populacional, sobretudo em pases em desenvolvimento como o caso do Brasil (Garrido & Menezes, 2002; Ramos 2003). No tocante conseqncia psico-social ocasionada pelo envelhecimento populacional, destaca-se a desvalorizao do idoso. Em tempos quando so valorizados a fora fsica, a juventude e o novo, parece no haver lugar para os sujeitos idosos e nem papis sociais que possam mant-los como pessoas ativas em seu contexto social (Santos, 1994). Associadas s idias de inutilidade esto, ainda, o preconceito, a marginalizao e a crena de que o envelhecimento representa a incapacidade ocasionada tanto pela degenerao biolgica quanto pelo afastamento do mundo do trabalho formal. Essas novas demandas populacionais requerem aes sociais planejadas no apenas voltadas para as pessoas que j se encontram em idade avanada, mas para a populao de modo geral, a fim de que haja um aumento da conscincia para com essa realidade social, propiciando reciprocidade nas diferentes camadas etrias e, principalmente, aes voltadas para a promoo de sade2, que permitam a manuteno do grau de funcionalidade do idoso (Lemos, 2001; Ramos, 2003; Souza, 2003;). Os idosos, a velhice e o processo de envelhecimento humano vm ganhando espaos cada vez maiores no cenrio nacional ao longo da segunda metade do sculo XX, o que pode ser percebido por meio da abertura de universidades voltadas para esta faixa etria, grupos de turismo para tal clientela, academias de ginstica especializadas, organizao de centros de estudo de formao e capacitao de profissionais e espao na agenda nacional na promulgao de leis que asseguram os direitos dos idosos. Nesse cenrio, ainda se configura um terreno frtil e amplo para pesquisas nos mais diversos

O conceito de promoo de sade refere-se a um processo que capacita as pessoas a controlar e potencializar a sua sade. ainda entendido como um conceito no qual a sade compreendida como um fenmeno social e que para isto requer aes intersetoriais, alianas interdisciplinares e participao da comunidade (Souza,2003).

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campos de atuao. Dentre as reas de concentrao de pesquisa esto a Gerontologia3, a Geriatria4 e a Gerontologia Social 5 (Prado & Sayd, 2004). Prado e Sayd (2004) destacam que a produo de dissertaes e teses relativas ao processo de envelhecimento humano vem crescendo de forma exponencial a partir da dcada de 1970 no territrio nacional. Ressaltam, ainda, que essas produes e os programas de ps-graduao encontram-se relacionados com um amplo leque de reas do conhecimento, devido abrangncia do tema. Esses mesmos autores fizeram uma pesquisa de mbito nacional a respeito dos grupos de pesquisa que se dedicam ao estudo do envelhecimento humano. Detectaram a ocorrncia de 144 grupos, dentre os quais h predominncia de grupos voltados para as cincias biolgicas e da sade. As cincias humanas e sociais tambm desempenham um papel importante, porm, de acordo com tal pesquisa, no ocupam um papel de destaque no que se refere produo do conhecimento. Dentre os grupos nacionais, a Psicologia tambm aparece timidamente com apenas 6,9 % de participao nos mesmos. O processo de envelhecimento pode ter vrios parmetros de referncia, como por exemplo, a idade cronolgica um critrio que se constituiu como uma medida abstrata que surgiu em funo de atividades prticas administrativas na Frana no sculo XVI, e tambm um referencial adotado nos trabalhos cientficos, devido s dificuldades de definir a idade biolgica. A idade biolgica pode estar associada idia de idade funcional que pode ser compreendida pelo grau de conservao do nvel de capacidade adaptativa, em comparao com a idade cronolgica. H ainda a idade social tem relao com a avaliao da capacidade de adequao de um indivduo ao desempenho de papis e comportamentos esperados para pessoas de sua idade, num dado momento da histria de cada sociedade, no

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Gerontologia: do grego, geron significa velho e logo significa estudo de, portanto, o termo gerontologia significa o estudo do envelhecimento. Foi um termo introduzido por lice Metchnikoff em 1903 que designou como a reas de estudo cientfico do envelhecimento nos seus mltiplos aspectos biopsicossociais (Ferrari, 1999).

Geriatria: uma especialidade mdica que lida com o atendimento de pessoas em idade avanada cujo pressuposto est ancorado de que essas pessoas necessitam de tratamento especial (Ferrari,1999). Gerontologia Social: estuda o papel do ambiente, da cultura e das mudanas sociais no processo de envelhecimento, bem como as atitudes, o comportamento e as condies de vida das pessoas idosas (Ferrari,1999)5

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caso do idoso, a aposentadoria um dos indicadores sociais do envelhecimento (Fraiman 1988,Papalo-Neto 2002; Calobrizi 2001; Giatti & Barreto, 2003). Nesse sentido, pode-se observar que a maioria dos estudos sobre o idoso se apresenta atravs de diferentes perspectivas de anlise. Assim, nota-se que h, na rea da sade, estudos voltados para a rea da epidemiologia, que esto preocupados com as mudanas ocasionadas a partir do aumento populacional. Tais estudos exigem alteraes nas polticas pblicas, desafios para o Estado, para a famlia e para a sociedade (Camarano, 2001; Garrido & Menezes, 2002; Pereira 2003). Incluindo, ainda, estudos que se preocupam com o aumento de doenas crnico-degenerativas advindas do envelhecimento, mas que no necessariamente so incapacitantes e que no impedem o idoso de viver saudavelmente (Ramos,2005; Rego, Berardo, Rodrigues, Oliveira, Vasconcellos,

Aventurato, Mcau & Ramos, 1990). Nesse contexto, a temtica da qualidade de vida do idoso tambm aparece como preocupao entre os pesquisadores (Santos, Fernandes & Henriques, 2002; Neri, 2002). A Psicologia do Desenvolvimento Humano tambm vem contribuindo com a compreenso do desenvolvimento do adulto e do envelhecimento, fornecendo informaes sobre o curso, as condies e as variaes da vida adulta, alm dos indicadores de uma velhice bem sucedida, representada por autores como ( Silva & Gnther, 2000; Neri, 2002). A Psicologia Social, por sua vez, chama a ateno para a qualidade das relaes do idoso em seu entorno, bem como para as Representaes Sociais provenientes do envelhecimento humano (Veloz ,Schulze & Camargo, 1999; Lemos, 2001). Na rea da Psicologia Clnica, so incipientes os estudos ligados temtica, porm destaca-se o trabalho das nortes-americanas Carter e McGoldrick (1995), que definem como fase o perodo no qual os membros da famlia esto em estgio avanado do ciclo vital, o qual denominaram de Estgio Tardio. Para as autoras, essa fase seria assinalada por caractersticas peculiares e questes tais como aposentadoria, ajustes nos papis familiares, superao de perdas, maior probabilidade de ter doenas e lidar com a dependncia, frente aos quais a famlia ter que se adaptar a fim de manter sua integridade e se reorganizar. A maneira pela qual cada famlia passar por essa fase de modo funcional ou no ser de acordo com os padres de funcionamento que regem a famlia desde sua formao

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(Cerveny, Berthoud, Bergami & Luisi 1997; Alves 2001; Carter & McGoldrick, 2001). Com o aumento da expectativa de vida, o convvio familiar tambm se prolongou de modo que as famlias tenham que se reestruturar em funo do envelhecimento de seus membros. A anlise da famlia em Estgio Tardio pertinente porque traz uma anlise vertical e expandida da famlia, e porque torna visveis os movimentos e mudanas ao longo do tempo, embora nem sempre se fornea com clareza as interconexes entre os fatos. Dar voz aos idosos trazer a possibilidade de dar sentido aos fatos aparentemente deslocados, alm de orientar-se e apropriar-se da histria da famlia e da sociedade. No entanto, uma anlise mais acurada do campo do conhecimento evidencia poucos trabalhos que tm como foco de estudo a diversidade de aspectos que convergem nessa faixa etria (acima de 60 anos) e como eles afetam a dinmica das relaes familiares. A partir disso surge inevitavelmente uma srie de questionamentos, tais como: Como as chamadas doenas crnicas nos idosos afetam seus relacionamentos? Como o temor da morte do cnjuge interfere no cotidiano de ambos? De que maneira o advento da aposentadoria interfere na dinmica conjugal e familiar? Como est o processo de transformao da famlia nuclear para o surgimento de novas famlias? Neste contexto, prope-se como pergunta de pesquisa: Como a estrutura e dinmica relacional de famlias que esto no estgio tardio do ciclo vital na perspectiva de cada um dos membros do casal de idosos? Acredita-se que os dados advindos do questionamento acima se constituem em aportes significativos, tanto para uma maior contextualizao das polticas pblicas relacionadas ao idoso e sua insero scio-familiar, como subsdios para as temticas ligadas educao para sade, aqui, no seu sentido amplo, que caminha na linha da integralidade, entendida como, uma ao resultante da interao democrtica entre atores no cotidiano de suas prticas na oferta do cuidado de sade, nos diferentes nveis de ateno do sistema (Pinheiro,2002) .

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2. ObjetivosObjetivo Geral:

Caracterizar a estrutura e dinmica relacional de famlias que esto no estgio tardio do ciclo vital na perspectiva de cada um dos membros do casal de idosos.

Objetivos Especficos:

Identificar regras e valores que esto presentes na famlia do casal de idosos.

Caracterizar as concepes6 e os sentimentos, advindos do envelhecimento, de cada um dos cnjuges e do casal.

Caracterizar as mudanas nos relacionamentos entre os membros da famlia, decorrentes do envelhecimento do casal de idosos.

Identificar a percepo a respeito da famlia hoje na perspectiva do casal.

Concepes aqui entendidas como as percepes, processo pelo qual o homem analisa e atribui significado s informaes sensoriais que recebe, representaes e vivncias.

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3. Fundamentao Terica3.1 Famlia e pensamento sistmico

A famlia acompanha as mudanas que ocorrem na sociedade, sendo a protagonista de inmeros acontecimentos histricos e sociais que caracterizam uma sociedade. famlia so atribudas as funes principais de proteger e socializar seus membros, e, ainda, a acomodao e transmisso da cultura na qual est inserida, embora nem todas assumam essas funes (Minuchin, 1990; Alves, 2001). Minuchin (1990) afirma que a famlia, em todas as culturas, garante a seus membros a individualidade, e isso acarreta para o homem dois sentidos: um sentido de pertencer e um sentido de ser separado. Pode-se dizer que a famlia matriz de identidade do homem. Uma famlia pode ser pensada como uma pequena sociedade humana, cujos membros convivem num grupo organizado, algumas vezes de forma hierarquizada, numa relao afetiva duradoura, envolvendo cuidado entre aqueles que estiverem convivendo num mesmo contexto (Szymanski, 1997). Este trabalho ser ancorado no pensamento sistmico: Um sistema um todo integrado cujas propriedades no podem ser reduzidas s propriedades das partes (Vasconcellos, 2002, p.200). Essa noo implica em que o todo mais complexo do que a soma da suas partes. A autora ainda salienta que a interao entre as partes que constitui um sistema, tornando seus elementos interdependentes, cada parte estar de tal forma relacionada com as demais, que uma mudana numa delas acarretar mudanas nas outras (Vasconcellos, 2002, p. 199). Para se entender as partes preciso que se tenha compreenso das relaes entre elas. A noo de sistema pode ser aplicada a sistemas abertos ou fechados. Sistemas fechados so aqueles que so considerados isolados de seu ambiente, como o caso da fsica clssica, atravs da termodinmica, e sistemas abertos so aqueles que permanecem em processo contnuo de troca com o ambiente (Osrio & Valle 2002). Todo e qualquer sistema regido por alguns princpios que o definem, dentre eles destacam-se: 1 )Globalidade -um sistema um todo coeso, uma mudana em uma parte

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implica mudana em todas as outras partes e no sistema como um todo 2) Nosomatividade- um sistema no pode ser considerado como a soma de suas partes, o que implica em considerar o todo em sua complexidade 3) Homeostase - processo de autoregulao que mantm a estabilidade do sistema, garantindo a manuteno da organizao do sistema de modo que ele funcione 4) Recursividade -uma mudana em uma das partes acarretar, simultaneamente, uma mudana em outra parte do sistema 5) Retroalimentao (ou feedback) a propriedade que determina o funcionamento circular de um sistema, independentemente de seu ponto de partida. Sinaliza que cada produto de um sistema (output) um novo aporte (input) para esse mesmo sistema. So os mecanismos do feedback que garantem a circulao da informao no sistema. H, ainda, os feedbacks negativos, que agem de modo a manter a homeostase do sistema, e os feedbacks positivos, que so responsveis pela mudana no sistema (Grandesso, 2000; Osrio & Valle, 2002; Vasconcellos, 2002). Com base nesses princpios que a teoria familiar sistmica considera a famlia como um sistema aberto, que mantm a interdependncia entre seus membros e com o meio. Na famlia, nas transformaes que ocorrem ao longo do tempo, so utilizados os recursos da retroalimentao para manter sua organizao, que podem ser tanto positivos como negativos (Minuchin, 1990; Grandesso, 2000). Um sistema humano , portanto, todo aquele conjunto de pessoas capazes de se reconhecerem em sua singularidade e que esto exercendo uma ao interativa com objetivos compartilhados (Osrio & Valle, 2002, p. 44). As famlias so conceituadas como uma srie de sistemas interligados, e cada um desses sistemas composto por subsistemas, que, por sua vez, vo formando uma rede de subsistemas (Dessen & Lewis, 1998). Sluzki (1997) acrescenta que o sistema significativo do indivduo no se limita sua famlia nuclear ou extensa7, mas que inclui todo o conjunto de seus vnculos interpessoais: amigos, relaes de trabalho, de estudo, de insero-comunitria e prticas sociais. Assim, cada indivduo pode ser considerado um subsistema, mas a terapia familiar tende a se dedicar mais a unidades maiores, como ao subsistema parental (pai-me), subsistema conjugal, subsistema fraterno (irmos), subsistema avs-netos, entre outrosA famlia nuclear designa a clula familiar composta pelos pais e seus filhos, enquanto que a extensa diz respeito aos avs, tios, sobrinhos, etc.7

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(Minuchin, 1985). O sistema familiar considerado o sistema mais importante na vida das pessoas, uma vez que por meio dele que as pessoas ingressam no mundo, pelo nascimento, e iro remeter-se a ela ao longo da vida, ainda que seja pela sua ausncia durante seu perodo de desenvolvimento. Conforme Sluzki (1997), pessoas idosas recolhem-se em seus relacionamentos familiares, os quais carregam consigo suas prprias histrias de lealdades8, dvidas, e esperanas de retribuio de compromissos e cimes, paixes escondidas, ocasionando uma diminuio de vnculos no-familiares. Ainda de acordo com Sluzki (1997), esse declnio do contato com pessoas que no so da famlia, durante o ltimo tero ou quarto do ciclo vital do indivduo, d-se devido coexistncia de trs fatores: 1. Contrao da rede social em funo de morte, migrao ou enfraquecimento de membros; 2. Diminuio progressiva das oportunidades para renovar a rede social, bem como da motivao para isso; 3. Dificuldade em manter a rede em funo da diminuio de energia para manter os vnculos ativos. A retrao ou extino da rede social na velhice9 e o desaparecimento de vnculos com pessoas da mesma gerao acarretam tambm a perda do apoio da histria pessoal. No entanto, essas perdas podem ser atenuadas a partir do trabalho de profissionais da sade por meio do reconhecimento e da revalorizao das mesmas, produzindo efeitos teraputicos nos idosos.

3.1.1 Desenvolvimento Familiar

De acordo com Minuchin (1990), a famlia um sistema scio-cultural aberto, em transformao, que atua em contextos sociais especficos e que passa por um certo nmero

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A lealdade, em um grupo ou famlia, ultrapassa a simples identificao com o grupo. Ser um membro leal de

um grupo implica em interiorizar o esprito de suas expectativas e assumir uma srie de atitudes passveis de especificaes para cumprir com os mandatos interiorizados. O no cumprimento das obrigaes de lealdade gera sentimentos de culpa, que, por sua vez, constituem um sistema de foras secundrias reguladoras que intervm na homeostase do sistema familiar (Boszormenyi-Nagy & Spark , 1973; Miermont, 1994).9

Cabe esclarecer que velhice e envelhecimento esto sendo utilizados para nomear o mesmo fenmeno.

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de estgios10 para seu desenvolvimento, que exigem a reestruturao da mesma. Alm disso, a famlia se adapta a circunstncias modificadas de maneira a manter a continuidade, propiciando ainda o crescimento psicossocial de seus membros. A famlia realiza diversas tarefas de desenvolvimento e, portanto tambm considerada como um grupo que tem seu prprio curso evolutivo (Dessen & Lewis, 1998). um sistema que se desenvolve medida que seus membros vo se desenvolvendo, de modo particular e complexo.

(...) A famlia um sistema ativo e em constante transformao, ou seja, um organismo complexo que se altera com o passar do tempo para assegurar a continuidade e o crescimento psicossocial de seus componentes. Este processo dual de continuidade e crescimento permite o desenvolvimento da famlia como unidade e, ao mesmo, tempo, assegura a diferenciao de seus membros. A necessidade de diferenciao entendida como a auto-expresso de cada individuo funde-se com a necessidade de coeso e manuteno da unidade no grupo com o passar do tempo. Teoricamente, o individuo membro garantido em um grupo familiar que seja suficientemente coeso e do qual ele possa se diferenciar progressivamente e individualmente, tornando-se cada vez menos dependente em seu funcionamento do sistema familiar original, at poder separar-se e instituir, por si mesmo, com funes diferentes, um novo sistema (Andolfi, ngelo, Menghi, & Nicolo-Corigliano, 1984, p. 18).

A interdependncia um fenmeno que ocorre no seio das famlias, de modo que se um dos seus membros afetado por uma situao de estresse, essa condio ir se esparramar para todos os outros (Szymansky, 1997). De acordo com Vitale (1994), h de se considerar a dimenso temporal do processo socializador da famlia, que apreendida por meio das relaes intergeracionais.

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Os conceitos de estgio, fase, etapa e perodo sero utilizados neste trabalho como sinnimos, na medida

em que nomeiam o mesmo processo vital.

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As relaes intergeracionais compem, assim, o tecido de transmisso, reproduo e transformao do mundo social e, portanto, espelham as mudanas por que passa a famlia. As geraes so portadoras de histria, de uma tica e de representaes peculiares do mundo, e esto construdas umas em relao s outras (Vitale, 1994, p. 284).

Para Vitale (1994), as geraes mais velhas so responsveis pela transmisso de legados, ou seja, os modelos familiares fundados sobre a noo de autoridade que orientam os comportamentos e as condutas a serem seguidos. Observa-se a importncia de se estudar, simultaneamente, famlia e individuo, e contextualiz-la na conjuntura social mais ampla. Estudar famlia no Brasil constitui um desafio, visto que um pas onde coabitam uma variedade de culturas, com diversos padres econmicos e sociais, seja no campo ou na cidade, onde h uma pluralidade de arranjos e configuraes familiares. Essas caractersticas da famlia brasileira levaram a autores (Cerveny, Berthoud, Coelho e Oliveria, 2002) a chamarem a ateno para a existncia de famlias brasileiras ao invs de apenas a famlia brasileira. As demandas que as famlias brasileiras sofrem cotidianamente na busca de sua funcionalidade exigem transformaes e adaptaes constantes em seu seio para que a mesma se adapte s exigncias da vida. Nesse sentido, faz-se importante conhecer os processo de funcionamento de tais famlias, de como sua estrutura e dinmica frente s vicissitudes da vida, especificamente num perodo em que h o aumento da longevidade, quando as pessoas passam a conviver juntas por mais tempo.

3.2Estrutura e Dinmica Familiar

A famlia um tipo de sistema que possui uma estrutura, padres de funcionamento que organizam a estabilidade e a mudana.

A estrutura familiar o conjunto invisvel de exigncias funcionais que organiza as maneiras pelas quais os membros da famlia interagem. Uma famlia um sistema

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que opera atravs de padres transacionais. Transaes repetidas estabelecem padres de como, quando e com quem se relacionar e estes padres reforam um sistema. Minuchin (1990 p. 57).

Esses padres transacionais iro regular os comportamentos dos membros de uma famlia, que por sua vez so mantidos por dois sistemas de represso: obedincia de regras universais, que regem as famlias e sistemas idiossincrticos, que envolve as expectativas mtuas dos membros de cada famlia (Minuchin, 1990). Desse modo pode-se dizer que o sistema se auto-regula, apresentando oposio mudana. O surgimento de um desequilbrio no sistema suscita a idia, nos membros da famlia, que os outros no esto fazendo a sua parte, e assim surgem as alianas, as lealdades e as manobras que induzem a culpa. A noo de estrutura est ligada ao mapeamento dos membros da famlia, do modo pelo qual interagem entre si de forma recorrente e previsvel. Esses padres de funcionamento iro indicar as filiaes, as tenses, as hierarquias, e refletem no comportamento e nos relacionamentos de seus membros (Mor, 2005). Nesse sentido, importante destacar a diferena entre relao e interao, (...) enquanto que a primeira se mantm tambm distncia, a segunda necessita da presena fsica dos sujeitos envolvidos. Portanto, a interao refere-se a troca que surge no aqui e agora (Andolfi,1996, p. 26). Para Andolfi (1996), a interao assinala-se por ter como referncia a subjetividade e a personalidade de quem interage, e na relao essas caractersticas no so diretamente observveis, pois determinadas caractersticas so repeties das relaes experimentadas pelo indivduo, tendo por base as relaes das geraes presentes e passadas, mesmo aquelas que no foram reveladas diretamente. Giacometti (1981) acrescenta que a interao pressupe uma ao entre, enquanto que a relao no implica necessariamente em ao. Dentre os padres de interao esto as alianas e coalizes. As alianas so o envolvimento de pessoas que so emocionalmente prximas e que prestam apoio mtuo. As coalizes so uma forma diferente de aliana, uma vez que envolve pessoas que esto unidas por oposio (Minuchin et al. 1999). As coalizes so sempre tridicas, que se constitui por meio de dois membros do sistema contra um, ao passo que as alianas

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envolvem dois ou mais integrantes do sistema sem, necessariamente, estarem contra um terceiro. H, ainda, padres organizadores da hierarquia vigente em uma famlia, que iro influenciar a maneira pela qual a famlia utiliza para tomar deciso e controlar o comportamento de seus membros. Padres claros e flexveis de autoridade levam ao bom funcionamento do sistema. Ainda em relao estrutura das famlias, um conceito importante o de fronteiras11. Essas podem ser visveis ou invisveis, permeveis, semi-impermeveis ou impermeveis, rgidas ou flexveis, emaranhadas ou frouxas, funcionais ou disfuncionais e so determinantes para as transaes familiares. De acordo com Minuchin (1990), as fronteiras entre os subsistemas so como regras que decidem quem colabora na efetivao de uma determinada ao, bem como os respectivos papis para sua realizao. Assim, a funo das fronteiras garantir a diferenciao do sistema e de seus membros, de modo que os subsistemas inseridos num sistema mais amplo sejam separados pelas mesmas, propiciando as interaes, governadas por regras e padres implcitos (Minuchin, 1990). De acordo com o grau de sua permeabilidade e diferenciao, as fronteiras permitem, ainda, caracterizar o modo de funcionamento da famlia, que vo como uma espcie de continuum, que vai de um plo de fronteiras difusas, que so tipicamente das famlias emaranhadas, a um plo de fronteiras rgidas, prprio de famlias desligadas12. As fronteiras podem ainda definir o grau de funcionalidade da famlia. Naquelas onde, em situaes de estresse ou durante o processo de mudana de uma etapa para outra, as fronteiras se modificam em funo da necessidade para mais ou menos emaranhadas ou11

Conforme Miermont (1994) as fronteiras so determinadas pelas regras que presidem o estabelecimento das

relaes. Elas tm uma funo de distino interior-exterior, de proteo e diferenciao de subsistemas, bem como de intercmbios com os subsistemas e sistemas que as rodeiam.12

Famlias emaranhadas - Estilo Transacional no qual no existem diferenciaes claras entre os diversos

subsistemas de uma famlia. O comportamento de um dos membros difunde-se de forma contagiosa entre todos os demais membros da famlia, no ficando limitado ao subsistema no qual se originou. (Miermont, 1994 p. 273). Famlias Desligadas - As variaes de comportamento dos membros das famlias desligadas no afetam os comportamentos dos demais membros. O desligamento exatamente o oposto do emaranhamento familiar, e constatado, sobretudo nas famlias de transao delituosa. (Miermont, 1994 p. 273).

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desligadas, tendem a ter um equilbrio harmonioso entre os sentimentos de autonomia e pertencimento (Minuchin, 1990, Miermont, 1994). Para garantir funcionalidade na famlia, ou seja, que cada membro do sistema realize suas funes, e ainda mantenha contato com os outros membros e com o exterior, as fronteiras devem ser concomitantemente bem definidas, e ao mesmo tempo permeveis, capazes de permitir as transaes no sistema. (Minuchin, 1990; Miermont, 1994). O modo pelo qual os membros de uma famlia se relacionam e estabelecem suas fronteiras refere-se estrutura da famlia e s conseqncias que dizem respeito sua dinmica. De acordo com Cerveny et al. (1997), a dinmica familiar pode ser compreendida como a forma de funcionamento da famlia, na qual esto contemplados os motivos que propiciam tal funcionamento e as relaes hierrquicas que so estabelecidas com relao ao poder. A dinmica familiar ser compreendida luz da maneira pela qual os membros da famlia se relacionam e mantm seus vnculos. Associado a isso, a dinmica se d por meio das interaes que so estabelecidas em sua estrutura, ou seja, o modo pelo qual seus membros lidam com problemas e conflitos originrios do ideal da famlia, a partir das relaes hierrquicas e dos papis familiares (Cerveny et al. 1997; Cerveny et al., 2002). Para os autores (Vitale, 1994; Imber-Black, 1995; Cerveny et al. 1997; Cerveny et al., 2002), os rituais, crenas e valores que so cultivados na histria da famlia trazem traos de sua dinmica. Alm disso, os mesmos so mantidos ao longo do processo emocional de transio da famlia, bem como recombinados durante a sucesso de geraes. Ainda no tocante dinmica familiar, a mesma ser compreendida como a forma em que os membros da famlia administram seus gastos, implantam suas regras, negociam seus relacionamentos e lidam com as diferenas. Vale frisar que a maneira como cada famlia funciona est diretamente relacionada com a forma de relacionamento das respectivas famlias de origem, ou seja, s respectivas famlias nas quais nasceram ou foram criados os pais da famlia nuclear. Assim, tambm ocorrer o estabelecimento do grau de diferenciao entre o novo sistema e suas famlias orignirias.

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A escolha entre manter ou no os modelos anteriores, os rituais e a implementao de uma nova rede social, na constituio de uma nova famlia, far parte de sua dinmica. A recorrncia de algumas formas de relacionamento entre determinados membros da famlia origina padres transacionais, ou seja, padres de relacionamentos cristalizados no sistema familiar. Apesar de recorrentes, os padres transacionais podem ser modificados ao longo do tempo, o que ocorre principalmente durante as fases de transio pelas quais passa a famlia. A mudana dos padres transacionais permite a continuidade da famlia e, reciprocamente, a diferenciao de seus membros (Cerveny et al. 1997). De acordo com C. L. O. O. Mor (Comunicao Pessoal, 16 de dezembro de 2005,Programa de Ps-graduao em Psicologia, Ncleo de estudos em Sade e Comunidade. Florianpolis, UFSC.), compreender a estrutura de uma famlia necessariamente implica em conhecer a

dinmica da mesma, pois ambas so faces da mesma moeda, na qual uma no pode ser compreendida sem a outra. Quando se menciona estrutura est se referindo a uma certa organizao que permanece no tempo, dadas s posies dos integrantes na famlia, bem como os papis que eles desempenham. Associado a isso, no processo de desenvolvimento do ciclo vital da famlia, essas posies e esses papis, que fazem parte da organizao, so desafiados e so colocados prova no jogo interacional da famlia, e a partir deste jogo que h de se constituir a dinmica dessa famlia. Para considerar a dinmica, necessariamente se faz necessrio pensar na organizao e na interao da posio dos papis, que sustentam o funcionamento da famlia. Aludir estrutura e a dinmica significa referir-se ao mesmo fenmeno que a famlia em movimento. Questiona-se o uso da palavra estrutura, pois este vocbulo alude a um processo rgido, porm a estrutura nada mais do que aquilo que permanece ao longo do tempo, sustentado por regras, rituais, valores, crenas.

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3.3 Valores Familiares Conforme o Dicionrio Aurlio (1975), valor uma qualidade que faz estimvel em maior ou menor grau algum ou algo, que possui legitimidade e um papel representativo. Nas famlias, so compartilhados alguns valores, que so mantidos ou no de uma gerao para outra. Gerao, neste trabalho, ser de acordo com Beninc e Gomes (1998, p.179) que a definem como fenmeno de pessoas com idades similares que vivenciam um problema histrico concreto de experincias comuns com o sistema poltico, social, econmico e cultural. Os valores familiares so como aspectos da vida individual e coletiva que so passados de forma implcita ou explicita entre os componentes do sistema familiar. Englobam os segredos familiares, os tabus, mitos, crenas, rituais e cerimnias (Cerveny et al. 1997, p.173). Valores, em uma famlia, podem ser considerados como padres morais. Para Beninc e Gomes (1998), eram as famlias tradicionais que estabeleciam o cdigo moral rgido, estipulando as mais diversas obrigaes e deveres, bem como o permitido e o proibido nos comportamentos sociais. Esses cdigos de valores se mantiveram com fora at meados de 1960, mas continuam sendo colocados prova nos dias de hoje, a partir das mudanas sociais que os afetam cotidianamente, em meio s urgncias que so acometidas as famlias em tempo presente. As famlias, hoje, vivenciam o que Beninc e Gomes (1998) denominam de processo bidirecional de influncias, em que os pais esto preocupados em transmitir seus valores como uma forma de justificar suas vidas, e os filhos, por outro lado, esto buscando estabilizar seus prprios quadros de valores compatveis com as transformaes sociais que vivenciam. nesse contexto que se delineiam as descontinuidades e continuidades geracionais. A descontinuidade est caracterizada pela substituio de antigos comportamentos dos diversos grupos de idade no decorrer do tempo. A continuidade, por sua vez, alude

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reedio e manuteno de padres comportamentais por meio do processo de combinao de expectativas e atribuies.

3.3.1 Crise na Famlia, Tradio e Rituais. Em nenhum outro perodo da humanidade ocorreram tantas mudanas significativas na sociedade e nas relaes familiares como no presente momento, e so poucos os pases do mundo que no esto em processo de intensa discusso a respeito do futuro da famlia. Nesse contexto, surge com eminncia a idia de crise na famlia, crise aqui entendida como um ponto conjuntural necessrio ao desenvolvimento, e no como uma ameaa para sua destruio (Giddens, 2000; Osrio 2002). Assim, alude-se a essa crise como: uma mutao em seu ciclo evolutivo, algo que, qui metaforicamente, poderamos comparar a um salto quntico para nveis mais satisfatrios de interao humana (Osrio,2002, p. 18). Cabe ressaltar que a idia de crise vincula-se ao modelo tradicional de famlia, gerando novas formas e configuraes que ainda esto em processo de formao, adequando-se s demandas das transformaes sociais. Por modelo tradicional, compreende-se neste trabalho a famlia padro de 1950, o qual consistia em ambos os pais morando juntos com os filhos nascidos de seu casamento, sendo a me a responsvel em tempo integral pelas atividades domsticas, e o pai como provedor do sustento. A proporo de mulheres que saam para trabalhar era relativamente baixa, e o casamento era baseado no compromisso e considerado como um estado da natureza, um estgio da vida que se esperava que a ampla maioria atravessasse. Ainda conforme os moldes da poca, era um perodo em que obter o divrcio gerava estigmas, sobretudo para as mulheres, pois a desigualdade entre homens e mulheres era intrnseca a esse modelo tradicional de famlia (Giddens, 2000). Para a famlia tradicional, os laos com os filhos e com a famlia ampliada (tios, primos, sobrinhos e demais parentes) tinham um valor importante para a conduo diria da vida pessoal. Nessas famlias, em alguns casos, havia inclusive a presena dos casamentos forados ou arranjados, nos quais a virgindade antes do casamento e a fidelidade das esposas eram caractersticas para se obter respeito. Constatam-se mudanas significativas

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nesses valores e padres de relacionamentos, que podem ser entendidos como crise (Giddens, 2000). No obstante que o casamento hoje ainda seja importante, seu significado para as pessoas modificou. Suas bases de formao e de continuao so o amor associado atrao sexual e intimidade, e no necessariamente precisam ser formalizados e ritualizados para existirem. Contudo, Giddens (2000) faz uma ressalva no que diz respeito compreenso que para algo ser considerado tradicional precisa ser mantido por sculos, sendo essa uma concepo errnea:

A idia de que a tradio impermevel mudana um mito. As tradies evoluem ao longo do tempo, mas podem ser tambm alteradas ou transformadas de maneira bastante repentina. Se posso me expressar assim, elas so inventadas e reinventadas. (Giddens, 2000, p. 51).

Porm, as tradies so importantes e necessrias porque do continuidade e forma vida.A razes da palavra tradio tm origem no termo latino de tradere, que significa transmitir ou confiar algo guarda de algum, e nesse sentido que so mantidas e preservadas por meio de rituais (Giddens, 2000; Imber-Black, 1995). Associada idia de tradio que os ritos constituem-se como elementos importantes na contribuio para a identidade de uma famlia, para o senso de si mesma ao longo do tempo, bem como para o senso de pertencer a uma famlia ou grupo (ImberBlack, 1995). De acordo com Imber-Black (1995), muitos grupos mantm seus rituais como um assinalamento das passagens ao longo do ciclo vital. Os rituais, nas famlias, so processos que requerem preparao e reflexo, que confiado em smbolos, metforas e tradies, agem como uma espcie de amortecedor diante da ansiedade produzida em relao s mudanas. Ainda conforme Imber-Black (1995, p. 132), Os rituais podem funcionar para conectar uma famlia com geraes anteriores, proporcionando um senso de histria e enraizamento, ao mesmo tempo em que implicam futuros relacionamentos.

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Assim, os rituais exercem funes importantes na famlia sendo guardies da sua histria, conectores do passado com presente, amortecedores diante de ansiedade, alm de garantir sua identidade.

3.4 Ciclo de Vida Familiar

Cada ser humano participa de diversos sistemas (os sistemas familiares, escolares, comunitrios, ambientais, social, poltico), que influenciam diretamente no crescimento e no desenvolvimento do indivduo, e que se movimentam juntos ao longo do tempo. (Andolfi,1996) A teoria do ciclo vital descreve o processo de desenvolvimento do indivduo integrado com o da famlia. Numa estrutura multicontextual, no qual se inter-relacionam os trs principais contextos (contexto do ciclo vital familiar, contexto intergeracional e contexto scio cultural), a pessoa cresce e se movimenta concomitante com sua famlia (Andolfi, 1996). A famlia, como todo sistema aberto, passa por perodos de evoluo e mudana. As pessoas de uma famlia se desenvolvem juntas, ao longo do tempo, e isto envolve ritmo, flexibilidade e equilbrio de modo que se adaptem aos perodos de transio. So esses fenmenos que iro caracterizar o ciclo vital familiar, em que paralelamente ocorre o ciclo de vida individual, de um modo complexo em que h um intercruzamento entre ambos (Minuchin, 1985; Carter & McGoldrick, 1995). A definio de ciclo vital familiar entendida como:

(...) conjunto de etapas ou fases definidas sob alguns critrios (idade dos pais, dos filhos, tempo de unio de um casal entre outros) pelos quais as famlias passam, desde o inicio de sua constituio em uma gerao at a morte do ou dos indivduos que a iniciaram (Cerveny et al. 2002, p. 21).

Carter e Mc Goldrick (1995) acrescentam que para cada estgio do ciclo de vida da famlia h uma complexidade de papis distintos para os membros da famlia, uns em

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relao aos outros. De modo geral, pode-se afirmar que esse ciclo um conjunto de fases em que o sistema familiar passa ao longo do tempo. O esquema do ciclo vital vlido para terapeutas, pesquisadores e para a prpria famlia, como uma ferramenta para auxiliar na coleta de informaes que sejam teis para a compreenso dos modos operantes da famlia, seja para entender o passado, compreender o presente e, ainda, fornecer possibilidades para planejar o futuro. Vale ressaltar que durante esse processo de transposio de uma fase para outra, os afetos, as percepes dos papis, a estrutura, as funes de cada um, as regras e a dinmica das relaes encontram-se em constante mudana e reorganizao, de modo que para cada fase o sistema se altere, bem como seu significado na vida emocional de seus membros em funo da passagem do tempo (Cerveny et al. 2002). O presente trabalho analisa a famlia sob a tica do ciclo vital familiar. Nesse sentido, insere-se a compreenso da complexidade envolvida na transio de uma etapa para outra e a amplitude do processo de transmisso de cdigos e valores de uma gerao para outra, podendo haver momentos de crise durante esta passagem. Essa abordagem fornece subsdios amplos para a compreenso do desenvolvimento familiar como um todo e, ao mesmo tempo, informaes especficas a respeito de cada estgio do ciclo evolutivo. Nesse contexto, surgiram autores que dividiram o ciclo de vida familiar em diferentes estgios, visando a compreenso do desenvolvimento da famlia em seu contexto social, histrico e cultural. Nessa diviso em estgios, so compiladas algumas coincidncias que circunscrevem as diferentes etapas de desenvolvimento nas famlias. Destaca-se o trabalho das norte-americanas Carter e Mc Goldrick (1995), As mudanas no Ciclo de Vida Familiar - Uma estrutura para a terapia familiar, em que fornecem a seguinte classificao para os estgios de desenvolvimento da famlia: 1. Saindo de casa: jovens solteiros 2. A unio de famlia no casamento: o novo casal 3. Famlias com filhos pequenos 4. Famlias com adolescentes 5. Lanando os filhos e seguindo em frente 6. Famlias no estgio tardio da vida

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Essa classificao foi oriunda do trabalho das autoras e colaboradores, com famlias de classe mdia, residentes nos Estados Unidos, no final do sculo vinte, cujas caractersticas so peculiares de um pas desenvolvido. Uma das grandes contribuies dessas autoras foi a introduo do aspecto intergeracional em sua classificao, envolvendo aspectos de trs ou quatro geraes. A partir do pressuposto de que importante estudar a sua famlia em seu contexto scio-cultural, foi elaborada a classificao das fases do ciclo em famlias brasileiras preconizadas por Cerveny et al. (1997). Em pesquisa fio realizada no estado de So Paulo, em 1996/1997, as autoras caracterizaram as fases do ciclo vital em: 1. Famlia na Fase de Aquisio- Envolve o nascimento da famlia, unio do casal e fases inciais da famlia; o termo aquisio utilizado pois, para as autoras uma fase em que h o predomnio do adquirir, tanto em aspectos materiais como emocionais; 2. Famlia na Fase Adolescente- Engloba o perodo em que os filhos entram na fase da adolescncia, havendo questionamentos de crenas, regras e valores. Acarreta em reorganizao da famlia em termos de relacionamentos e alteraes de papis; 3. Famlia na Fase Madura- a fase em que os filhos esto na idade adulta, se tornando independentes dos pais, muitas vezes saindo de casa, no requerendo mais tanto o cuidado dos pais. Nessa fase ainda h necessidade de um rearranjo no casal, alm de os pais terem que enfrentar a morte de seus progenitores, o que leva a um novo perodo de renegociao de regras de funcionamento. 4. Famlia na Fase ltima- Fase que se caracteriza pelo envelhecimento dos pais e por transformaes na estrutura familiar. a fase em que o casal est aposentado e est mais suscetvel a doenas. Esta fase ser descrita com maior detalhe no prximo item. Sero consideradas, no decorrer deste trabalho, as caractersticas comuns a ambas as classificaes, tendo em vista que o envelhecimento acarreta, para as famlias, um rearranjamento de suas funes e papis. Porm se faz a opo de utilizar a nomenclatura Estgio Tardio, elaborada pelas das norte-americanas Carter e Mc Goldrick (1995), ao invs de Fase ltima, de Cerveny et al. (1997), por entender que o ltimo estgio do ciclo vital a morte e no o processo de envelhecimento. Alm disso, foram buscadas informaes que complementaram as classificaes existentes, num processo de coconstruo de significados luz das vivncias de cada uma das famlias pesquisadas.

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Esse modelo de compreenso da famlia no linear. Embora ocorra na dimenso linear do tempo, visualiza-se a relao de trs ou mais geraes convivendo juntas, passando pelos momentos de transio do ciclo da vida, j que, inevitavelmente, um evento em uma gerao afeta todas as outras. Nesse sentido que se considera a tenso em uma famlia como sendo tanto vertical como horizontal (Carter & Mc Goldrick, 1995). Por tenso vertical em um sistema familiar se concebe os padres de relacionamento e funcionamento que so transmitidos de uma gerao para outra, incluindo as atitudes, tabus, crenas e rtulos que acompanham ao longo da histria da famlia. O fluxo de tenso horizontal no sistema oriundo das ansiedades provocadas pelos estresses na famlia, conforme seus membros avanam no tempo, incluindo estresses desenvolvimentais previsveis (transies no ciclo da vida), bem como os eventos imprevisveis (mortes precoces, doena crnica). O grau de ansiedade gerada pelo estresse nos eixos verticais e horizontais, nos pontos em que eles convergem, o determinante-chave de quo bem a famlia ir manejar suas transies ao longo da vida (Carter & Mc Goldrick, 1995 p. 12).

3.4.1Estgio Tardio do Ciclo Vital

Do mesmo modo que a famlia importante para as crianas, os relacionamentos familiares continuam a ser importantes ao longo da vida, incluindo o idoso. Morando na mesma casa dos filhos ou em separado, o apoio emocional e os vnculos recprocos com a famlia so importantes para que o idoso desfrute de uma velhice saudvel (Silva, Bessa e Oliveira, 2004). As famlias em Estgio Tardio enfrentam uma srie de desafios no processo de adaptao velhice, de modo que tero implicaes nas rotinas familiares advindas das condies que so caractersticas dessa fase. Questes como a aposentadoria, a viuvez, a menopausa, a condio de avs, maior suscetibilidade a doenas que requeiram apoio familiar, ajustamento s perdas, reorientao dos projetos de vida, proximidade da morte e aceitao da vida (Walsh, 1995), esto presentes na maioria das famlias que se encontram nesse estgio.

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Nesse sentido, cada famlia ter que se adaptar a essas novas condies, e para que haja funcionamento, ter que passar por uma flexibilidade em sua estrutura, atendendo s novas demandas e ajustando-se ao surgimento de novos papis. A famlia que est vivenciando o Estgio Tardio j passou por todas as outras fases do ciclo vital, e traz em seu histrico as experincias de transies anteriores, que, dependendo da famlia, pode contribuir para o enfrentamento dessa transio ou pode dificult-la pelo surgimento de tenses. Sendo assim, a maneira pela qual a famlia

enfrentar a velhice estar diretamente ligada ao padro de funcionamento que esta estabeleceu ao longo de histria, ou seja, depender de capacidade em ajustar-se s perdas e s novas exigncias para um modo que seja funcional. A reorganizao da famlia implica em abandonar alguns padres de funcionamento que foram teis em outros momentos do ciclo vital, e buscar novas possibilidades de relacionamentos (Carter & MacGoldrick, 1995; Alves, 2001). comum, em algumas famlias durante esse estgio, que a dade que iniciou a famlia se reencontre. Por meio de uma nova reorganizao conjugal os casais que se voltaram para os filhos e para o trabalho talvez voltem, nessa fase a vivenciar momentos de companheirismo e cuidados mtuos, bem como a intimidade sexual. Porm, existem casais que vivenciam momentos de solido a dois (Cerveny et al. 1997). Tambm nesse perodo que se vivencia a viuvez, que, tal qual aponta Motta (2004), uma condio ambgua e ambivalente de sentimentos e tambm de papis, especialmente para mulheres, pois significa no estar mais e, de certo modo, ainda estar casada. De acordo com autores como Motta (2004) e Simon (1995), em alguns casos de viuvez observa-se at contentamento, que segundo as autoras no so surpreendentes, dadas as peculiaridades do casamento tradicional e das relaes de poder, pautadas na submisso feminina, que no convvio cotidiano, em sua maioria, eram desconfortveis ou at sofridas, ao ponto de, em seu trmino, com a morte do cnjuge, produzir algum alvio. Em funo da viuvez, o sistema familiar como um todo passa a se reorganizar, e durante esse perodo, alguns vivos sofrem uma espcie de asfixia afetiva dos filhos e dos netos, que lhes retira a possibilidade de acesso a uma liberdade que no chegaram a conquistar no seu tempo (Motta, 2004, p. 140).

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Alm disso, quando a famlia enfrenta uma situao de viuvez, uma peculiaridade dessa fase ocorrer a inverso de papis, em que os filhos passam a assumir o papel de cuidadores dos pais, enquanto esses passam a ser cuidados por seus filhos. Isso pode gerar grandes implicaes no sistema como um todo, no apenas nessa famlia, mas da nova famlia formada pelos filhos (Cerveny et al, 1997). Contudo, um dos marcos no Estgio Tardio o exerccio do papel de avs, podendo trazer um sentido de perpetuao da espcie e desenvolver um sentimento de continuidade, tanto para o idoso como para a criana. O convvio com os netos pode ajudar as famlias a lidarem com antigas situaes conflitantes ou mal resolvidas (Cerveny et al. 1997; Walsh, 1995; Meyer & Newman 2004). Cabe, ainda, refletir sobre a perda do controle e autonomia, muitas vezes oriundos de uma incapacidade fsica ou mental, ocasionando dependncia dos filhos (ou outros cuidadores), no que se refere a cuidados, manipulaes, apoio e suporte financeiro. A perda da autonomia poder trazer problemas como depresso, baixa auto-estima, medos e desamparo no idoso, ecoando nos demais membros da famlia tenses e preocupaes. Em contrapartida, nessa fase que se pode fazer um balano do que foi vivido, trazendo a possibilidade da construo de um sentido de continuidade para a famlia. Como membro mais experiente e mais antigo de seu grupo familiar, o idoso se torna o grande conhecedor da histria de sua famlia e representa o fechamento e sntese de uma fase do ciclo de vida da famlia (Cerveny et al, 1997, Walsh, 1995).

3.5 Processo de Envelhecimento Hoje: Interfaces bio-psico-sociais. Os registros encontrados a respeito do envelhecimento humano so to antigos quanto os registros culturais do prprio homem. Questes acerca da finitude da vida e mortalidade esto presentes em qualquer cultura ou grupo social (Jeckel-Neto, 2000; Gusmo 2001; Papalo- Neto, 2002). Assim, pretende-se discutir, em linhas gerais, a questo do envelhecimento humano enquanto uma parte do ciclo vital, caracterizando-o como uma fase do desenvolvimento humano, que est integrada ao contexto familiar, social e cultural. O envelhecimento um processo gradual que atinge a todos os seres humanos, o qual se inicia com seu nascimento e termina com a morte. Por no possuir um marcador

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biofisiolgico que delimite seu incio, o envelhecimento arbitrariamente fixado por fatores socioeconmicos e legais. O assinalamento que define se uma pessoa est envelhecendo varivel conforme os critrios adotados. Por exemplo, nos chamados pases desenvolvidos, o limite entre idade adulta para se tornar um idoso de 65 anos, enquanto para os pases em desenvolvimento 60 anos (Jeckel-Neto, 2000; Papalo-Neto, 2002). Especificamente no Brasil, onde h grande variao de culturas, classes sociais e diferenas regionais, o envelhecimento no ocorre de uma forma homognea, pois h grandes contrastes e profundas desigualdades, que requerem consideraes para a realizao de um estudo que seja vlido (Veras, 1994). Assim, faz-se necessrio entend-lo como um processo em que deve ser compreendido num contexto mais amplo, de modo a consider-lo alm de fatores biolgicos, sociais e psicolgicos, incluindo fatores econmicos, histricos, ambientais e culturais relacionados entre si e interconectados. Para Jeckel-Neto (2000), o envelhecimento um processo tpico de uma grande quantidade de formas de vida, que se expressa de maneiras variveis conforme o grupo ou espcie, etc. J Simson e Giglio (2002) consideraram o processo de envelhecimento alm das limitaes biolgicas, mas como uma possibilidade de conservao de competncias e habilidades:

A acumulao de experincias permite a alguns idosos at mesmo alcanar um elevado grau de especializao e domnio nos mais diversos campos das atividades humanas. Um domnio em que os mais velhos podem, de fato, destacar-se, graas ao acmulo de experincias, o de narrar, interpretar o passado, bem como analisar o presente luz da experincia pregressa (Simson &Giglio, 2002, p.143)

Sathler e Py (1993, p. 32) salientam que o envelhecimento vitalcio e que o mesmo no comea num tempo especfico tal como 60 ou 70 anos. Ao invs disso um processo cujo incio se d no momento do primeiro grito de vida do ser humano. Com o passar dos anos h inexoravelmente a diminuio de massa ssea (osteopenia), massa muscular (sarcopenia), funo renal com reduo de 50% da filtrao e o teor de gua do organismo. Ainda, verifica-se, na pele, a diminuio da elastina, espessura do tecido celular subcutneo e diminuio da atividade das glndulas sudorparas

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e sebceas. H tambm o aumento da fragilidade capilar e a diminuio do volume cerebral, bem como a perda neuronal, reduo da funo percepo/motora, a diminuio da capacidade de nomeao e fluncia verbal, de planejamento do futuro e lapsos ou dficits de memria. Siqueira e Moi (2003) afirmam que a partir dos 50 anos h uma maior probabilidade de esquecimento e de fixar informaes. Entretanto, o envelhecimento fisiolgico no generalizado no organismo, abrupto, similar entre as pessoas, e pode ser retardado se houver adequao no estilo de vida e no ambiente em que vive. Ainda associados s mudanas biolgicas, acrescenta-se aspectos ligados beleza e esttica, sobretudo para as mulheres (Veloz et al. 1999; Pelzer & Sandri, 2002). Para Pelzer e Sandri (2002), com a ascenso da esttica nos dias de hoje, o corpo ganha destaque, fazendo com que os marcadores biolgicos do envelhecimento apresentem significados sociais, por exemplo, como o caso dos cabelos brancos das mulheres que devem ser disfarados por cosmticos. nesse contexto, para as autoras Pelzer e Sandri (2002), que a pessoa idosa passa a se voltar para a espiritualidade e para as dimenses do seu existir e do eterno. na velhice que se tem mais tempo para a orao e para a meditao, e esta prtica acarreta benefcios para a sade bem como o aumento da sobrevivncia. O envelhecimento tambm pode ser compreendido como um processo de desenvolvimento psicolgico, no qual h profundas modificaes em termos da relao existente entre a idade cronolgica e as capacidades (percepo, aprendizagem, memria) que tendem a ser modificadas ao longo do tempo. Esto ainda associadas aos aspectos psicolgicos as avaliaes subjetivas da prpria idade, os significados que so atribudos s experincias acumuladas ao longo da vida, bem como a adaptao frente s mudanas pessoais, sociais e familiares. (Neri, 2002; Ramos, 2005). Contudo, esse mesmo fenmeno pode ser analisado e percebido de diferentes maneiras como, por exemplo, ancorado em vises que caracterizam o envelhecimento como uma perda gradativa das funes biolgicas, associando-o com patologias ou at mesmo com a probabilidade maior de morte. Todavia, existem concepes que se fundamentam na crena de que, mesmo havendo uma perda da vitalidade corporal,

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concomitantemente, h uma srie de ganhos, como a experincia, e ser a postura do idoso diante desse processo que determinar sua qualidade de vida. A Psicologia do Envelhecimento vem ganhando espao na cincia psicolgica como rea emergente, e pode ser considerada como recente, pois a vida adulta e a velhice s comearam a ser foco de estudos sistemticos a partir da dcada de 50, enquanto j havia meio sculo de estudos acerca da infncia.Para Neri (1995 p. 28). O envelhecimento e o desenvolvimento so eventos correlatos, visto que ambos so eventos de durao, relativos a transformaes em padres comportamentais. No mbito social, tambm possvel observar que uma pessoa considerada idosa a partir da relao que estabelece com seu meio, seja em sua famlia, seja em seu trabalho, ou, ainda, em suas relaes com instituies de sade. No caso do trabalho, mais especificamente, o limite cronolgico proposto pela Organizao das Naes Unidas (ONU), em 1982, para uma pessoa ser considerada idosa, tomou por base a mdia de idade da aposentadoria. Esse limite proposto leva associao corrente entre velhice e aposentadoria, embora na prtica nem sempre seja a mesma. Enquanto associadas, remetem a uma induo representao coletiva em que o velho compreendido como no mais produtor de bens e servios e, portanto, marginalizado nos contextos sociais regulados pelo valor produtivo (Santos, 1994; Giatti & Barreto, 2003). Nesse sentido, incide a necessidade de uma preparao para a aposentadoria, pois, como afirmam Zanelli e Silva (1996), para muitas pessoas, mesmo com a aproximao da efetivao de seu afastamento do trabalho no se tem claro, s implicaes desse evento em suas vidas. Para esses autores, importante que ocorra uma preparao no sentido de tomar conscincia, de buscar novas alternativas e possibilidades de ao, pois o desligamento do trabalho afeta a identidade da pessoa. no trabalho que as pessoas pautam suas vidas em termos de organizao do tempo e de sua sociabilidade, e um rompimento brusco da atividade laboral, inevitavelmente, pode gerar desajustes nas vrias esferas da vida pessoal. Silva e Gunther (2000) afirmam que possvel sedimentar uma cultura positiva da velhice em terreno brasileiro, por meio da elaborao de projetos de vida que no envelheam, tornando a sobrevivncia digna.

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De modo geral, pode-se afirmar que o ser humano conquistou uma vitria pelo fato de estar vivendo mais, porm o desafio, hoje, garantir qualidade de vida nestes anos conquistados a mais.

3.5.1Envelhecimento e Qualidade de Vida

O prolongamento dos anos na vida das pessoas tem levado ao surgimento de pesquisas no sentido de compreender os fatores que contribuem para o chamado envelhecimento bem-sucedido (Neri, 1995; Garrido & Menezes, 2002).

Esta expresso geralmente suscita polmica, quando se entende que em bemsucedida existe uma conotao de bem-estar econmico associado a uma exarcebao do individualismo. Embora a crtica talvez chame ateno para a necessidade de usar um nome menos discutvel, a idia bsica do conceito de velhice com manuteno dos nveis habituais de adaptao do indivduo. (Neri, 1995, p. 34)

Neri (1995) ainda aponta que a velhice bem-sucedida se d pelas condies tanto individuais quanto grupais, de bem-estar fsico e social, ligadas ao contexto social mais amplo. Est ligada s crenas e valores que regem seus ambientes de desenvolvimento, bem como sua histria pessoal e de seu grupo etrio. Esta noo confirma a idia de que o envelhecimento algo heterogneo e depende da maneira como cada pessoa tem organizado seu curso de vida. Estudos revelam que a grande maioria dos idosos so portadores de pelo menos uma doena crnica (Rego et al. 1993). Porm, no so todos os idosos que ficam em situao de limitao ocasionadas pelas mesmas. Sabe-se que muitos deles gozam de uma vida perfeitamente satisfatria com suas enfermidades controladas, e que so capazes de experenciar uma vida bem-sucedida. Assim sendo, o conceito tradicional de sade preconizado pela Organizao Mundial de Sade (OMS) se mostra bastante inadequado ao remeter-se s condies de sade dos idosos, j que a ausncia de doenas vantagem para poucos nesta faixa etria, e

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o completo bem-estar fsico no pode ser atingido por muitos, independentemente da presena ou ausncia de doenas (Ramos, 2003). Remeter-se ao envelhecimento bem-sucedido implica em pensar em um outro construto multidimensional, que a qualidade de vida, seja qual for o momento do ciclo vital. Nri (2001) afirma que a avaliao das caractersticas que descrevem qualidade de vida toma como referncia critrios biolgicos, sociais e psicolgicos aplicados s relaes atuais, passadas e prospectivas, sejam individualmente ou coletivamente. Gabriel e Bowling (2004) sugerem que a qualidade de vida reflexo das influncias macro-societais e scio-demogrficas na vida das pessoas e que dependem das caractersticas pessoais e do consentimento dos indivduos. A qualidade de vida tem se tornado cada vez mais complexa e, (...) enquanto produto e processo, diz respeito aos atributos e s propriedades que qualificam esta vida e ao sentido que tem para cada ser humano (Patrcio, 1999, p. 50). Neste sentido, pode-se afirmar que a qualidade de vida um fenmeno tambm subjetivo (Gabriel & Bowling, 2004), e que no ser humano pode ser expressa na qualidade de sua sade, em suas possibilidades e limitaes (Patrcio, 1999). A idia de sade aqui se expressa na qualidade de interaes que o ser humano desenvolve no decorrer de seu processo de viver. No caso do idoso, a qualidade de vida se expressa atravs da possibilidade de se ter autonomia e nas condies ambientais que lhe permitam desempenhar atividades que sejam adaptativas ao seu cotidiano. Uma pessoa que chega aos oitenta anos ou mais capaz de gerir sua prpria vida, com condies de organizar suas rotinas, pode ser considerada uma pessoa saudvel e, portanto, com qualidade de vida, no importando se a mesma portadora de uma doena crnica. Pode-se afirmar que uma pessoa que vive desta maneira autnoma uma pessoa feliz, integrada socialmente, e vivencia um envelhecimento saudvel e com qualidade (Ramos, 2003). Conforme Ramos (2005), o que se busca na velhice a autonomia, ou seja, a capacidade de se auto-gerir. Dessa forma, o conceito de idoso saudvel se aplica queles que podem chegar aos 80 anos, ou mais, capazes de definir e efetuar suas prprias vontades.

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Vale frisar que no contexto brasileiro ainda so bastante incipientes as iniciativas governamentais que propiciem um envelhecimento bem sucedido para sua populao, ainda so escassos os incentivos ao auto-cuidado e a promoo de sade, que so pr-requisitos para se viver saudavelmente e com qualidade. A manuteno da capacidade funcional , sobretudo, fruto de aes conjuntas entre os mais variados profissionais de sade (mdicos, enfermeiros, nutricionistas, psiclogos etc.), e que a presena dos mesmos nas equipes de sade indispensvel. Porm, como salienta Ramos (2003), ainda deve ser estimulada a formao de profissionais capacitados para estarem trabalhando com esta clientela. Assim sendo, torna-se um desafio no Brasil, j que em breve seu contingente populacional ser de 25 milhes de pessoas idosas, sendo a maioria delas com nvel scioeconmico baixo, com a principal fonte de suporte, ainda, a famlia (Ramos, 2003; Silva et al. 2004). nesse sentido que reside a necessidade deste trabalho, para ter maiores subsdios para o respaldo de profissionais da rea de sade, a fim de que se compreenda como ocorre a interao de mltiplos fatores advindos do envelhecimento na dinmica de funcionamento das famlias que esto vivenciando essa fase.

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4.MTODO4.1 Caracterizao da pesquisaEsta pesquisa foi orientada pelos pressupostos da metodologia qualitativa, que, segundo Biasoli-Alves (1998), tem por objetivo analisar, de modo indutivo, dados descritivos da realidade, de modo a abranger o carter multidimensional dos fenmenos em sua manifestao natural. Para Rey (2002, p. 29), A epistemologia qualitativa um esforo na busca de formas diferentes de produo de conhecimento em psicologia que permitam a criao terica acerca da realidade plurideterminada, diferenciada, irregular, interativa e histrica, que representa a subjetividade humana. Ainda conforme Rey (2002), a epistemologia qualitativa pressupe trs princpios importantes: 1. O conhecimento como uma produo construtiva-interpretativa, isto , a interpretao como instrumento de construo do conhecimento, oferecendo sentido s expresses do participante. 2.Carter interativo do processo de produo do conhecimento onde a relao do pesquisador com o pesquisado tem importantes contribuies na

produo do conhecimento. 3. Significao da singularidade como nvel legtimo da produo do conhecimento onde se considera que os participantes da pesquisa podem apresentar diferenas que iro influenciar no comportamento estudado. Nesse sentido, a qualidade da expresso dos participantes que possibilita uma pesquisa com carter cientfico a partir de uma base epistemolgica qualitativa, e no a quantidade. A pesquisa qualitativa envolve, ainda, a busca de relao dos fenmenos estudados, considerando seu contexto e implica em o pesquisador ter proximidade do objeto de estudo. A metodologia qualitativa, para Minayo e Sanches (1993, p.144), (...) se volve com empatia aos motivos, s intenes, aos projetos dos atores, a partir dos quais as aes, as estruturas e as relaes tornam-se significativas.

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4.2 Local

As famlias que integraram o corpo de estudo foram aquelas que tinham pelo menos um membro cadastrado ao Ncleo de Geriatria pertencente a um Hospital da cidade Florianpolis, Santa Catarina. Esse um grupo interdisciplinar (composto por mdicos, enfermeiros, assistentes sociais, nutricionistas e psiclogos) que funciona como ambulatrio desde 1988 e se prope a dar assistncia geronto-geritrica ao idoso, bem como para seus familiares, alm de ser integrado com grupos de ginstica voltados para a terceira idade e com um ncleo de estudos da terceira idade. Esse ambulatrio, tambm promove e apia grupos de familiares de pessoas portadoras de Alzheimer, grupos de sala de espera em que participam tanto os idosos como seus familiares, grupo de promoo sade mental, onde so feitas atividades que exercitam a memria e que previnem o dficit da mesma. Alm disso, o ncleo de assistncia geronto-geritrica, presta assistncia associao dos portadores de doena de Parkinson, orientando familiares e promovendo atividades que os conscientizem. O ncleo assiste cerca de 120 idosos da grande Florianpolis, e seus profissionais, em sua maioria, so voluntrios. O ambulatrio o centro de referncia para atendimento ao idoso em todo o estado de Santa Catarina, e possui uma sala prpria no hospital, onde so realizadas as atividades em grupo. Esse servio oferece aos usurios, grupos de promoo de sade, ou seja, que potencializam a vitalidade do idoso e que previnem doenas. Dentre estes grupos destaca-se: grupos de sala de espera, que antecedem as consultas individuais, e so, portanto, grupos abertos, no qual as pessoas vo se retirando medida em que vo sendo chamadas pelos profissionais, e neste grupo so trabalhadas temticas de interesse dos usurios, e geralmente coordenado pela assistente social e a psicloga da equipe. O grupo de memria tambm um grupo de promoo sade, porm funciona de uma maneira diferente, um grupo fechado, com aproximadamente dez pessoas, so realizados cerca de com oito encontros previamente estabelecidos, com durao de duas horas. Este grupo coordenado pela psicloga e estagirios de psicologia, onde so feitas atividades que exercitam a memria e tambm propiciam a socializao dos idosos. Vale ressaltar que todos os participantes dos grupos de memria, so previamente avaliados, afim de que aqueles que possuam algum tipo de demncia grave sejam encaminhados para os mdicos e so impossibilitados de participar

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do grupo. Os atendimentos individuais so realizados em salas no ambulatrio de clnica mdica desse hospital O ambulatrio funciona de segunda a quinta-feira no perodo matutino, e uma vez por semana, so realizadas reunies com todos os integrantes da equipe multiprofissional, com durao aproximada de uma hora e meia, onde so feitos estudos de caso, grupos de estudos e discutidas questes administrativas.

4.3 Instrumentos:A coleta de dados foi realizada por meio de duas entrevistas uma com roteiro semiestruturado (Anexo III) e outra com roteiro estruturado (Anexo II). A entrevista semiestruturada permite certa liberdade de organizao do discurso ao entrevistado, e na medida que os itens no vo sendo abordados cabe ao entrevistador pergunt-los (Ghiglione & Matalon, 1993). O roteiro de entrevista estruturado assemelha-se a um questionrio, no qual o conjunto de quadros de referncia definido a priori por estrutura do campo e categorias estruturantes e o entrevistado deve-se situar relativamente este quadro, entrar nele e responder de forma correta. Inicialmente foi feito um estudo piloto, com duas famlias, com intuito de que estes roteiros fossem previamente aplicados, com o objetivo de que fossem aperfeioados e que contemplassem os objetivos deste estudo e ainda permitir a familiarizao da pesquisadora com os instrumentos. Aps aplicao de ambos os roteiros, observou-se que havia duas questes que estavam redundantes e, portanto, desnecessrias no roteiro semi-estruturado. Alm disso, constatou-se que o vocabulrio empregado nos instrumentos necessitava de uma aproximao ao contexto dos participantes. O roteiro de entrevista estruturado foi baseado no roteiro de pesquisa utilizado por Cerveny et al. (1997), no qual havia perguntas referentes identificao e dados demogrficos da famlia. O roteiro de entrevista semi-estruturado foi organizado com base na literatura e aperfeioado aps realizao do estudo piloto. Este roteiro contemplava aspectos relativos percepo da famlia hoje, mudanas no sistema conjugal e familiar ao longo dos anos de convivncia e concepes individuais a respeito do processo de envelhecimento e questes relativas ao Estgio Tardio.

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4.4 Procedimento

Primeiramente, apresentou-se o projeto de pesquisa qualificado por banca docente da Universidade Federal de Santa Catarina, ao Comit de tica dessa instituio. Aps a aprovao, o projeto foi apresentado direo e ao comit de tica da instituio de sade. Aps as aprovaes dos referidos comits de tica, deu-se inicio pesquisa. Conforme Mor e Crepaldi 13(2004), na pesquisa qualitativa a busca da neutralidade implica que o pesquisador possa valer-se de suas percepes sobre o fenmeno estudado, enquanto pertencente ao contexto de pesquisa, e fazer interferncias e suposies, sem, no entanto, interferir no status quo no contexto pesquisado. Para as autoras, o pesquisador dever sempre estar cauteloso mobilizao que o contexto suscita, e dever criar estratgias para acolh-la, sem afetar ou interferir no campo de pesquisa propriamente