percepÇÃo e uso de “insetos” em duas...

20
72 _________________________________________ISSN 1983-4209 – Volume 09– Número esp – 2012 PERCEPÇÃO E USO DE “INSETOS” EM DUAS COMUNIDADES RURAIS NO SEMIÁRIDO DO ESTADO DA PARAÍBA Janderson Batista Rodrigues Alencar 1 ’, Ernandes Fernandes da Silva 2 ; Vanessa Moura dos Santos 1 , Hyago Kesley de Lucena Soares 1 , Reinaldo Farias Paiva de Lucena 3 , Carlos Henrique de Brito 4 Resumo: A Etnoentomologia estuda o conhecimento sobre a interação, percepção e vivência das populações tradicionais com os animais considerados insetos. O presente estudo registrou a percepção e uso de insetos pelos moradores das comunidades de Besouro e Barroquinha, município de Lagoa, Paraíba. No período de junho a julho de 2011, foram aplicadas entrevistas semiestruturadas com 20 moradores de Besouro e 47 de Barroquinha. Registrando-se na etnocategoria “Inseto”, 77 animais em Besouro e 104 em Barroquinha. Os usos atribuídos a esses animais foram organizados em três categorias de uso e duas de percepção, onde 10% dos entrevistados de Besouro atribuíram algum uso tecnológico para os insetos, enquanto os informantes de Barroquinha nenhum uso foi registrado; quanto ao uso medicinal dos insetos os informantes de Besouro apresentaram 55% e os de Barroquinha 11%; quanto ao uso voltado à alimentação, Besouro correspondeu a 65% e Barroquinha 21,3%. Besouro e Barroquinha tiveram, respectivamente, 33% e 36% de percepções positivas e 67% e 64% de percepções negativas, reforçando a idéia de que a etnocategoria “inseto” é construída a partir da vivência cultural e que os mesmos participam ativamente da vida sociocultural das comunidades. As duas comunidades demonstraram um rico e diversificado uso dos insetos, porém a comunidade de Besouro apresentou um maior uso dos insetos em relação à comunidade de Barroquinha para os fins alimentícios, medicinais e tecnológicos. O termo “inseto” foi associado a todo animal que represente e/ou cause danos às atividades da comunidade, incluindo outros grupos de animais que não fazem parte da classe Insecta. Unitermos: Etnoentomologia. Conhecimento tradicional. Semiárido. PERCEPTION AND USE OF "INSECTS" IN TWO RURAL COMMUNITIES IN THE SEMIARID OF PARAÍBA STATE ABTRACT: The Ethnoentomology study the knowledge about the interaction, perception and experience of traditional population with animals considered insects. The present study recorded the perception and use of insects by community residents Besouro and Barroquinha, Lagoa, located at municipality of Lagoa, Paraiba. Was conducted between June and July of 2011, semistructured interviews were held with 20 residents of Besouro and 47 of Barroquinha. Were recorded in ethnocategory “Insect” 77 animals to Besouro and 104 to Barroquinha. The uses assigned to those animals were organized into three categories of use and two perceptions, where 10% interviews of Besouro attributed some use technological for insects, while Barroquinha 0,0%; to use medicinal 1 - Aluno do curso de Ciências Biológicas. Universidade Federal da Paraíba. Campus II. Centro de Ciências Agrárias. Areia - PB. 2- Aluno do curso de Agronomia. Universidade Federal da Paraíba. Campus II. Centro de Ciências Agrárias. Areia - PB. 3- Professor da Universidade Federal da Paraíba. Campus II. Centro de Ciências Agrárias. Departamento de Fitotecnia e Ciências Ambientais. Setor de Ecologia e Biodiversidade. Laboratório de Etnoecologia. Areia - PB. 4- Professor da Universidade Federal da Paraíba. Campus II. Centro de Ciências Agrárias. Departamento de Ciências Biológicas. Areia - PB. Recebido para publicação em 07 de maio de 2012 Aceito para publicação em 11 de agosto de 2012

Upload: phamdat

Post on 14-Jan-2019

223 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: PERCEPÇÃO E USO DE “INSETOS” EM DUAS …sites.uepb.edu.br/biofar/download/v-especial-2012/PERCEPÇÃO E USO... · insetos pelos moradores das comunidades rurais de Besouro e

72

_________________________________________ISSN 1983-4209 – Volume 09– Número esp – 2012

PERCEPÇÃO E USO DE “INSETOS” EM DUAS COMUNIDADES RURAIS NO SEMIÁRIDO DO ESTADO DA PARAÍBA Janderson Batista Rodrigues Alencar

1’, Ernandes Fernandes da Silva

2; Vanessa Moura dos

Santos1, Hyago Kesley de Lucena Soares

1, Reinaldo Farias Paiva de Lucena

3, Carlos Henrique de

Brito4

Resumo: A Etnoentomologia estuda o conhecimento sobre a interação, percepção e vivência das populações tradicionais com os animais considerados insetos. O presente estudo registrou a percepção e uso de insetos pelos moradores das comunidades de Besouro e Barroquinha, município de Lagoa, Paraíba. No período de junho a julho de 2011, foram aplicadas entrevistas semiestruturadas com 20 moradores de Besouro e 47 de Barroquinha. Registrando-se na etnocategoria “Inseto”, 77 animais em Besouro e 104 em Barroquinha. Os usos atribuídos a esses animais foram organizados em três categorias de uso e duas de percepção, onde 10% dos entrevistados de Besouro atribuíram algum uso tecnológico para os insetos, enquanto os informantes de Barroquinha nenhum uso foi registrado; quanto ao uso medicinal dos insetos os informantes de Besouro apresentaram 55% e os de Barroquinha 11%; quanto ao uso voltado à alimentação, Besouro correspondeu a 65% e Barroquinha 21,3%. Besouro e Barroquinha tiveram, respectivamente, 33% e 36% de percepções positivas e 67% e 64% de percepções negativas, reforçando a idéia de que a etnocategoria “inseto” é construída a partir da vivência cultural e que os mesmos participam ativamente da vida sociocultural das comunidades. As duas comunidades demonstraram um rico e diversificado uso dos insetos, porém a comunidade de Besouro apresentou um maior uso dos insetos em relação à comunidade de Barroquinha para os fins alimentícios, medicinais e tecnológicos. O termo “inseto” foi associado a todo animal que represente e/ou cause danos às atividades da comunidade, incluindo outros grupos de animais que não fazem parte da classe Insecta. Unitermos: Etnoentomologia. Conhecimento tradicional. Semiárido. PERCEPTION AND USE OF "INSECTS" IN TWO RURAL COMMUNITIES IN THE SEMIARID OF PARAÍBA STATE ABTRACT: The Ethnoentomology study the knowledge about the interaction, perception and experience of traditional population with animals considered insects. The present study recorded the perception and use of insects by community residents Besouro and Barroquinha, Lagoa, located at municipality of Lagoa, Paraiba. Was conducted between June and July of 2011, semistructured interviews were held with 20 residents of Besouro and 47 of Barroquinha. Were recorded in ethnocategory “Insect” 77 animals to Besouro and 104 to Barroquinha. The uses assigned to those animals were organized into three categories of use and two perceptions, where 10% interviews of Besouro attributed some use technological for insects, while Barroquinha 0,0%; to use medicinal 1 - Aluno do curso de Ciências Biológicas. Universidade Federal da Paraíba. Campus II. Centro de Ciências Agrárias.

Areia - PB. 2- Aluno do curso de Agronomia. Universidade Federal da Paraíba. Campus II. Centro de Ciências Agrárias.

Areia - PB. 3- Professor da Universidade Federal da Paraíba. Campus II. Centro de Ciências Agrárias. Departamento de

Fitotecnia e Ciências Ambientais. Setor de Ecologia e Biodiversidade. Laboratório de Etnoecologia. Areia - PB. 4-

Professor da Universidade Federal da Paraíba. Campus II. Centro de Ciências Agrárias. Departamento de Ciências

Biológicas. Areia - PB.

Recebido para publicação em 07 de maio de 2012

Aceito para publicação em 11 de agosto de 2012

Page 2: PERCEPÇÃO E USO DE “INSETOS” EM DUAS …sites.uepb.edu.br/biofar/download/v-especial-2012/PERCEPÇÃO E USO... · insetos pelos moradores das comunidades rurais de Besouro e

73

_________________________________________ISSN 1983-4209 – Volume 09– Número esp – 2012

Besouro presented 55% and Barroquinha 11%; the use aimed at feeding, Besouro 65% and Barroquinha 21,3%. Besouro and Barroquinha had respectively 33% and 36% positive perceptions and 67% and 64% negative, reinforcing the idea that ethnocategory "insect" is constructed from the cultural experience and that they actively participate in the socio-cultural life of communities. The two communities have demonstrated a rich and diverse use of insects, but the community of Besouro, showed a greater use of insects in relation to community Barroquinha for food, medicine and technology. The term "insect" has been associated with any animal that represents and/or causes damage to community activities, including other groups of animals that are not part of the class Insecta. Uniterms: Ethnoentomology. Local knowledge. Semiarid. INTRODUÇÃO

A Etnociência trata da fundamentação de um conhecimento múltiplo, envolvendo diversas outras ciências, tratando-se assim de uma área interdisciplinar fundamentada a partir de uma etnografia de saberes, técnicas e tecnologia, abordando as relações de interdependência entre homem e natureza, buscando uma forma de desenvolvimento sustentável em defesa da vida e do meio ambiente, continuando com esse pensamento, D’Olne Campos (1995) evidencia que as etnociências tratam de uma etnografia da ciência do outro, construída a partir do referencial de saberes da academia. Dessa forma, a etnobiologia é uma ciência que busca compreender as relações entre as populações humanas e os recursos naturais de seu território, considerando as características ecológicas das espécies e dos ecossistemas (Souza, 2007). Ao mesmo tempo em que busca estabelecer e identificar os conhecimentos culturalmente construídos a partir do contato homem/natureza, abrangendo dessa forma um campo diversificado de saberes, como: ecologia, ciências sociais e gestão pública, incorporando um viés social e cultural à análise, principalmente no que se refere aos processos de percepção, uso e conhecimento da fauna e flora pelas comunidades tradicionais (Posey, 1987a; Castro, 2004; Amorin, 2010).

Os saberes coletivos da comunidade sobre o conhecimento da biodiversidade, compreendida a partir de suas vivências, estão amplamente ligados às formas de pensar, sentir e agir em relação aos elementos constituintes desta diversidade (Costa-Neto, 2002). Possibilitando ao ser humano perceber, classificar, identificar, categorizar e fazer uso dos animais de acordo com as percepções e costumes particulares de cada cultura, estabelecendo desta forma uma gama de interações entre a população e as espécies animais nas localidades onde vivem (Posey, 1986). Essa classificação folk permite aos cientistas desenvolver novas técnicas de conservação da biodiversidade local, através da valorização desses conhecimentos populares que fornecem informações suficientes sobre o comportamento de uma espécie ou de um grupo ameaçado, como também nos permite levantar hipóteses e/ou desenvolver práticas de utilidade alternativas para uma determinada espécie ou para um determinado grupo (Lucena, 2009; Junior Pedroso, 2002). Dentro do contexto dos estudos da etnobiologia, tem-se a subárea da etnoentomologia, a qual busca registrar e compreender os conhecimentos desenvolvidos com base na cultura e na dinâmica que envolve as relações das populações tradicionais com os insetos, assim como define Costa-Neto (2000c), enfatizando que a etnoentomologia pode ser utilizada para entender os conhecimentos, crenças, sentimentos e comportamentos das relações das populações humanas com os insetos, o que nos remete a importância da convivência do antropólogo com outros especialistas de diferentes áreas, adquirindo um caráter inter e transdisciplinar (D’Olne Campos, 1995).

A classe Insecta pertence ao grupo Arthropoda sendo o mais abundante em quase todos os ecossistemas do planeta, chegando a ultrapassar mais de um milhão de espécies descritas e catalogadas (Triplehorn e Johnson, 2011). A etnoentomologia trata-se de um ramo da etnozoologia que tem como foco de estudo o conhecimento, percepção e uso que as comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas, campesinas e outras) possuem em relação aos animais que eles classificam

Page 3: PERCEPÇÃO E USO DE “INSETOS” EM DUAS …sites.uepb.edu.br/biofar/download/v-especial-2012/PERCEPÇÃO E USO... · insetos pelos moradores das comunidades rurais de Besouro e

74

_________________________________________ISSN 1983-4209 – Volume 09– Número esp – 2012

e identificam como pertencentes à classe Insecta, ou seja, a construção da categoria folk inseto (Costa Neto e Resende, 2004). Assim, é de suma importância para o equilíbrio ecológico, desempenhando papel importante nos ecossistemas terrestres, pois estão envolvidos em processos como a decomposição de matéria orgânica, ciclagem de nutrientes, fluxo de energia, polinização, dispersão de sementes, reguladores de populações de plantas, animais e outros organismos (Antonini et al., 2003; Gullan e Cranston, 2008). Devido a sua ampla abundância e distribuição, os insetos estão constantemente em contato com as pessoas, ocorrendo situações de envolvimento entre eles, estas experiências, teoricamente, afetam o julgamento, o tipo de percepção e atitude do ser humano para com esses animais, esse conhecimento tradicional foi culturalmente construído entre seus integrantes e a vivência diária (Ellen, 1997; Goodenough, 2003), o que nos remete o papel da etnoecologia que vem trazendo inovações e contribuindo para a forma de desenvolvimento sustentável das nações, uma vez que não se pode referir-se a etnoecologia se não considerarmos o conhecimento ecológico, classificação, interpretação e forma de manejo da natureza, pois não se trata apenas do conhecimento empírico, testado, mas sim de um conhecimento diferenciado em cada cultura (Toledo, 1992). Segundo Costa-Neto (2000b), o fascínio provocado pelos insetos nos seres humanos influencia, de formas variadas no seu cotidiano, como: música, literatura, linguagem, teatro, cinema, alimentação (entomofagia), medicina (entomofobia e entomoterapia), artes plásticas, artes gráficas, entretenimento (por exemplo, circos de pulgas e rinhas de louva-a-deus), sexualidade, filosofia, crendices populares, folclore e medicina popular.

Seguindo a temática da etnoentomologia, o presente estudo registrou a percepção e uso de insetos pelos moradores das comunidades rurais de Besouro e Barroquinha no município de Lagoa, Paraíba, Nordeste do Brasil.

METODOLOGIA Área de estudo As comunidades rurais de Besouro e Barroquinha, pertencem ao município de Lagoa, localizado na mesorregião do Sertão e microrregião de Catolé do Rocha, no Estado da Paraíba, Nordeste do Brasil. Distante 394 km da capital do estado, João Pessoa, com acesso pelas rodovias PB-325 e BR-230, possuindo uma área de 177,901 Km² com 4.681 habitantes, sendo 2.304 homens e 2.377 mulheres. Limita-se ao norte com os municípios de Bom-Sucesso, Jericó e Mato Grosso, ao sul com Pombal, ao leste com Santa Cruz e ao oeste com Paulista (IBGE, 2010).

O município está localizado na bacia hidrográfica do Rio Piranhas, mais precisamente na região hidrográfica do Médio Piranhas, que proporciona ao município suporte para os sistemas de produção agrícola, como o cultivo de fumo, feijão, algodão e milho, caracterizando na sua maioria uma agricultura de subsistência, bem como atividades voltadas à pecuária, como a criação de caprinos, ovinos e bovinos. Seu clima é semiárido quente de acordo com a Classificação climática de Köppen (Aw), com temperatura média de 27ᵒC, com um período de estiagem que pode atingir até 11 meses (IBGE, 2010). O município conta com 27 escolas, sendo 25 de ensino fundamental e duas de ensino médio.

A ocupação das terras do município, presumidamente, se deu com a ocupação das terras pelas tribos indígenas Cayacus, Paiacus, Cariris e Pegas (ou Degas) que foram aos poucos perdendo espaço de suas terras onde habitavam para dá espaço a criação de bovinos trazida pelos colonos a partir dos séculos XVI. Coleta dos Dados Etnoentomológicos

As informações etnoentomológicas foram coletadas por meio de entrevistas com utilização de um formulário semiestruturado. No formulário, as perguntas foram elaboradas no sentido de explorar o conhecimento dos informantes sobre os insetos que estavam presentes nas localidades. Buscou-se categorizar os animais de acordo com seus usos, ou seja, a partir de produtos e

Page 4: PERCEPÇÃO E USO DE “INSETOS” EM DUAS …sites.uepb.edu.br/biofar/download/v-especial-2012/PERCEPÇÃO E USO... · insetos pelos moradores das comunidades rurais de Besouro e

75

_________________________________________ISSN 1983-4209 – Volume 09– Número esp – 2012

subprodutos (mel e cera), corpos e partes dos insetos (in natura ou não) utilizados como medicamentos, alimentos e para fins tecnológicos no caso da cera; entender como a comunidade organiza os grupos taxonômicos locais e que tipo de percepção determinado táxon representa para a comunidade (positiva, negativa ou neutra) de acordo com a intenção esboçada pelo informante ao ser entrevistado e questões socioeconômicas (Ulysséa et al., 2010).

A pesquisa foi realizada entre os meses de junho e julho de 2011, e participaram como informantes os chefes domiciliares, sendo composta por 27 homens (17 de Barroquinha e dez de Besouro) e 40 mulheres (30 de Barroquinha e dez de Besouro) somando 67 informantes. Esta diferença entre o número de homens e mulheres está relacionada à presença de viúvas e solteiras, e por algumas pessoas não terem sido encontradas no momento das visitas. Antes das entrevistas, uma conversa foi realizada explicando o objetivo do trabalho, momento no qual os mesmos foram convidados a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, exigido pelo Conselho Nacional de Saúde por meio do Comitê de Ética em Pesquisa (Resolução 196/96). O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) do Hospital Lauro Wanderley da Universidade Federal da Paraíba, registrado com protocolo CEP/HULW nº 297/11, com folha de rosto nº 420134.

A vivência entre o informante e o pesquisador, durante as entrevistas, possibilita para o pesquisador um melhor entendimento das interações entre os moradores da comunidade com os animais percebidos como insetos, quanto às formas de utilização e percepções destes pelos entrevistados. Tornando a pesquisa mais qualitativa, uma vez que, são consideradas as opiniões, visão de mundo, atitudes expressas na linguagem e respostas dessas pessoas para análise dos dados. Coleta dos Animais Foram realizadas coletas ativas e passivas a fim de capturar e identificar os animais mencionados nas entrevistas, utilizando-se diferentes instrumentos. O puçá, utilizado para coleta ativa, formada por um cabo de madeira leve contendo em uma das pontas um aro de metal de 50 cm de diâmetro, fixado por alças de metal e um saco de náilon de fundo arredondado muito utilizado para captura de borboletas.

Foram utilizadas armadilhas de queda do tipo pitfall (Figura 1), armadas nas áreas de mata nos arredores das comunidades, sendo formadas por lonas medindo 2 m de comprimento e 30 cm de altura, totalizando três lonas por armadilha, dispostas em forma de Y, fixadas no chão com piquetes de 50 cm de altura; na extremidade de cada lona foi colocado um pote plástico (1 L) ao nível do solo, contendo 200 ml de uma solução de água, formol P.A. (Formaldeido 37%) e detergente neutro, para a captura dos animais, as quais permaneceram ativas por 24 horas.

Page 5: PERCEPÇÃO E USO DE “INSETOS” EM DUAS …sites.uepb.edu.br/biofar/download/v-especial-2012/PERCEPÇÃO E USO... · insetos pelos moradores das comunidades rurais de Besouro e

76

_________________________________________ISSN 1983-4209 – Volume 09– Número esp – 2012

Figura 1: Armadilha pitfall utilizada nas áreas de vegetação para coleta de animais terrestres nas comunidades de Barroquinha e Besouro, Lagoa, Paraíba (Nordeste do Brasil).

A malaise utilizada para captura de insetos voadores (Figura 2) foi armada em uma área de

mata paralela às pitfalls, composta de uma estrutura semelhante a uma tenda de nylon suspensa por estacas de madeira, com uma barreira central paralela, também de nylon de coloração escura, armada com solução de 200ml de água com 10% de álcool. Durante visitas às comunidades, exemplares dos animais coletados foram exibidos aos informantes para identificação êmica. Os animais que foram reconhecidos foram identificados com o nome vernacular. Os animais capturados foram armazenados em potes contendo álcool 70% e em seguida levados ao laboratório de Zoologia de Invertebrados, do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal da Paraíba para triagem e identificação. As coletas ativas foram feitas no período diurno e noturno com o auxílio de moradores da própria comunidade, onde foram percorridos os arredores das residências dos entrevistados.

Figura 2: Armadilha malaise utilizada para captura de inseto voadores nas comunidades de Barroquinha e Besouro, Lagoa, Paraíba (Nordeste do Brasil).

O material foi identificado (Tabela 1) e armazenado conforme os padrões usuais de

coleções, utilizando-se chaves dicotômicas e encontra-se tombado no laboratório acima mencionado. Análise de Dados As percepções foram avaliadas de acordo com as respostas e reações de cada informante com relação à descrição, utilidade e uso de um dado inseto citado durante as entrevistas. Considerou-se como uma percepção positiva aquela em que o informante atribui uma utilidade ao inseto, como: uso alimentar, medicinal, importância ecológica, tecnológico, beleza e inofensibilidade. As negativas quando o informante relaciona o inseto à transmissão de alguma doença, descrição como praga, periculosidade e expressões que demonstrem repugnância, nojo e raiva.

A avaliação quanto ao uso foram analisados utilizando o cálculo direto, avaliando a importância relativa de cada uso apontada pelos informantes. Para avaliar a importância relativa do uso dos animais registrados nas entrevistas foi calculado o índice chamado FL (“Fidelity Level”,

Page 6: PERCEPÇÃO E USO DE “INSETOS” EM DUAS …sites.uepb.edu.br/biofar/download/v-especial-2012/PERCEPÇÃO E USO... · insetos pelos moradores das comunidades rurais de Besouro e

77

_________________________________________ISSN 1983-4209 – Volume 09– Número esp – 2012

Nível de Fidelidade) e prioridade de ordenamento (ROP) (Friedman et al., 1986), utilizado por Ulysséa et al., (2010).

Para cada inseto estima-se o ROP (“Rank Order Priority”, Prioridade de Ordenamento), combinando o FL com o RP (Popularidade relativa).

ROP = Fl X RP, onde: RP = razão do nº de informantes que citaram certo animal, dividido pelo nº de informantes que citaram o animal mais citado. Fl = Ip / Iu X 100%, onde: Fl = nível de fidelidade; Ip = nº de informantes que sugerem o uso de um determinado animal para um uso principal e Iu = nº total de informantes que citaram o animal para qualquer finalidade. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Durante as entrevistas foram citados 104 animais na comunidade de Barroquinha e 78 em Besouro, o que demonstra uma grande diversificação de animais, dos quais nem todos pertencem à classe Insecta, mas que foram classificados neste grupo pelos entrevistados (Tabela 1). Resultados semelhantes foram encontrados por Costa Neto (2005); Ulysséa et al. (2010); Silva & Costa Neto (2004); Costa Neto & Carvalho (2000).

Tabela 1: Animais citados pelos informantes e sua possível identificação taxonômica, nas comunidades rurais

de Besouro e Barroquinha, Lagoa, Paraíba (Nordeste do Brasil).

Etnoespécie Pista Taxonômica Etnoespécie Pista Taxonômica

Abelha arapuá Trigona spinipes (Fabricius, 1793) Galinha d`água* Rallidae Abelha breu Apidae Gia* Anura Abelha canudo Apidae Grilo Orthoptera Abelha chapeu Vespidae Joaninha Coccinellidae Abelha Cupira Partamona cupira (Smith, 1863) Lagarta da pinheira Lepidoptera Abelha inxuí Vespidae Lagarta de compasso Lepidoptera Abelha italiana Apis mellifera (Linnaeus, 1758) Lagarta de fogo Lepidoptera Abelha jandaíra Melipona subnitida (Ducke, 1910) Lagarta do feijão Lepidoptera Abelha moça-branca Apidae Lagarta do milho Lepidoptera Abelha sanharó Apidae Lagarta pega-pinto Lepidoptera Abelha tataíra Apidae Lagarta preta Lepidoptera Aranha* Aranae Lagarta rosada (fava) Lepidoptera Barata miúda Blatella germanica (Linnaeus, 1767) Lagarta rosca Lepidoptera

Barata (doméstica) Periplaneta americana (Linnaeus, 1758)

Lagarta verde Lepidoptera

Beija-flor rabo de tesoura* Eupetomena macroura(Gmelin, 1788) Lagartixa* (lagarto) Squamata Besouro da goiabeira Hemiptera Mané-mago Phasmatodea

Besouro preto Coleoptera

Mangangá Xylocopa frontalis

(Olivier, 1789) Bicudo do algodão Curculionidae Marimbondo caboco Vespidae

Bobó* (lagartixa de parede) Squamata

Marimbondo capa bode Vespidae

Borboleta Lepidoptera Marimbondo oco Vespidae Calango* Squamata Mariposa Lepidoptera Camaleão* Iguana iguana (Linnaeus, 1758) Mela-mela* (lesma) Pulmonata Caranguejo* Decapoda Minhoca* (lombriga) Clitelata Caranguejeira* Theraphosidae Mocó* Caviidae Caroncha (cascudinho) Coleoptera Morcego* Chiroptera Carrapato do gado* Ixodida Mosca (domestica) Diptera Cascudinho branco (manhoso) Coleoptera Mosca varegeira Diptera

Page 7: PERCEPÇÃO E USO DE “INSETOS” EM DUAS …sites.uepb.edu.br/biofar/download/v-especial-2012/PERCEPÇÃO E USO... · insetos pelos moradores das comunidades rurais de Besouro e

78

_________________________________________ISSN 1983-4209 – Volume 09– Número esp – 2012

Cascudo Coleoptera Mosca-branca Bemisia sp. Continua

Continuação

Cavalo-do-cão Pompilidae Mosquito Diptera

Cigarra Homoptera

Mosquito borrachodo (muruim) Diptera

Cobra caninana verde* Squamata Mosquito da dengue Aëdes sp. Cobra caninana* Spilotes pullatus (Linnaeus, 1978) Mosquito de bode Diptera

Cobra cascavel* Crotalus durissus (Linnaeus, 1978)

Mucurana (piolho de porco) Phthiraptera

Cobra cipó* Oxybelis aeneus (Wagler, 1824) Muriçoca (doméstica) Diptera

Cobra coral* Micrurus biboca (Merrem, 1820)

Mutuca (mosca do gado) Diptera

Cobra corre-campo* Philodryas sp. Percevejo Hemiptera Cobra de duas cabeças* Amphisbaena sp. Pernilongo Diptera Cobra de viado* Boa constrictor (Linnaeus, 1978) Piolho (de gente) Phthiraptera Cobra goipepa* Squamata Piolho de cobra* Chilopoda

Cobra jararaca* Bothropoides erythromelas (Amaral, 1923)

Pichilinga* Acari

Cobra preta* Squamata Poimesa (louva-deus) Mantodea Cobra verde* Squamata Potó Staphylinidae Cuduniz* Tinamidae Preá* Caviidae Cupim Isoptera Procotó (barbeiro) Triatoma sp.

Cururu* (sapo) Anura Pulga Siphonaptera Embuá* Diplopoda Pulgão Hemiptera Escorpião* (lacraia) Scorpiones Rã* (perereca) Anura Esperança Orthoptera Rato* (domestico) Muridae

Formiga de roça Atta sp.

Ribaçã* Zenaida auriculata

(DesMurs, 1847) Formiga pinga fogo Formicidae Rola-bosta Scarabaeidae Formiga preta Formicidae Tanajura Atta sp.

Formiga saraça Formicidae Teju* Merianae

Formiga saúva Formicidae Tesoura Dermaptera Formiga tracoá Formicidae Traça Thysanura Formigão Formicidae Vagalume Lampyridae Gafanhoto Orthoptera

*Animais não pertencentes à classe Insecta. Grupos Taxonômicos

Os moradores de ambas as comunidades classificaram como insetos diversos animais que não fazem parte da classe Insecta (Figura 3). Para Costa Neto e Magalhães (2007), vários animais são classificados como insetos pelas sociedades humanas, pois o termo “inseto” diz respeito a uma categoria de amplo significado semântico que reúne diferentes grupos taxonômicos, por exemplo: besouros, lagartos, abelhas, serpentes, aves, escorpiões, aranhas, embuás e outros. Resultados semelhantes foram observados nas comunidades de Besouro e Barroquinha (Figura 3).

Page 8: PERCEPÇÃO E USO DE “INSETOS” EM DUAS …sites.uepb.edu.br/biofar/download/v-especial-2012/PERCEPÇÃO E USO... · insetos pelos moradores das comunidades rurais de Besouro e

79

_________________________________________ISSN 1983-4209 – Volume 09– Número esp – 2012

Figura 3: Grupos taxonômicos dos animais citados pelos informantes das comunidades de Barroquinha e Besouro, Lagoa, Paraíba (Nordeste do Brasil).

No entanto, alguns entrevistados da comunidade de Barroquinha demonstraram percepções

positivas (Tabela 3), relacionando-os a algum tipo de importância, como, por exemplo:

“O sapo, por exemplo, é importante, pois come outros insetos” (A., 46 anos)

“Alguns não (importância), outros sim, abelha serve para polinização” (T., 31 anos)

Essa relação é explicada pela hipótese de ambivalência (Costa Neto, 1999, 2000a),

demonstrando que os entrevistados tendem a projetar sentimentos de repugnância, nojo, periculosidade, nocividade, medo e menosprezo aos animais associados com o grupo dos insetos, resultante do reflexo cultural e da relação de proximidade do ser humano para com esses animais. Animais Coletados

Na tabela 1 pode-se observar a lista das etnoespécies citadas pelos informantes de ambas as comunidades. No ato das entrevistas parte desse material biológico não estava disponível, o que dificultou sua identificação taxonômica, no entanto, sua pista taxonômica é citada. O material coletado foi processado conforme os padrões usuais de coleções e está guardado no laboratório descrito na metodologia. Percepções dos informantes

Observou-se que na comunidade de Besouro 33% das citações dos entrevistados relacionadas aos insetos foram positivas e 67% negativas, enquanto que na comunidade de Barroquinha foram atribuídas 36% como sendo positivas e 64% sendo negativas. As semelhanças desses percentuais estão relacionadas às proximidades das comunidades (4km) e, sobretudo, com a similaridade das atividades culturais e econômicas desenvolvidas nas mesmas.

O alto percentual de citações negativas para ambas as comunidades está relacionado com as sensações projetadas pelos informantes ao se depararem com os insetos, como: nojo, medo, ameaça, repugnância, irritação, agonia e outros, (Costa Neto, 1999, 2000a) isso porque boa parte desses artrópodes são transmissores de doenças, pragas agrícolas, peçonhentos (Costa Neto et al., 2005). Isso pode ser percebido pela expressão do informante da comunidade de Barroquinha:“mosquito,

tem veneno porque quando ferroa fica manchado...” (M., 49 anos); e na comunidade de Besouro:

Page 9: PERCEPÇÃO E USO DE “INSETOS” EM DUAS …sites.uepb.edu.br/biofar/download/v-especial-2012/PERCEPÇÃO E USO... · insetos pelos moradores das comunidades rurais de Besouro e

80

_________________________________________ISSN 1983-4209 – Volume 09– Número esp – 2012

“a joaninha come as folhas...” (R., 56 anos); e “a dengue é transmitida pelo mosquito...” (B., 48

anos). A avaliação da percepção relacionada a esses animais, de acordo com a descrição dos

informantes (Tabela 2), foi adaptado de Kellert (1980) onde buscou-se enquadrar as percepções em categorias que nos possibilita compreender o quão é amplo o significado das ações e relações destes animais para com a vida de ambas as comunidades e com o meio ambiente, segundo a opinião dos entrevistados. Tabela 2: Percepções dos informantes das comunidades de Besouro e Barroquinha, Lagoa-PB, quanto aos “insetos” da região. Categoria Atitudes básicas para com os invertebrados Ecológico Refere-se às inter-relações entre animais e o ambiente em que vivem. Utilitário Uso desses animais para o benefício próprio. Domesticação Adaptação de espécies animais para suprir algumas necessidades humanas. Negativa Relaciona os sentimentos de medo, irritabilidade, desprezo ao terem contato com esses animais. Moralista Atitude que repudia os maus tratos, buscando o bem estar desses animais.

A visão positiva desses animais ocorreu quando a percepção possuía valor ecológico (como

borboletas), valor alimentício (como Abelhas, Tanajuras) medicinal (como Abelha italiana, Formiga de roça) e tecnológico (como abelhas). Resultados similares sobre a percepção desses invertebrados foram encontrados por Kellert (1993). Insetos, como a abelha, foram citados por 57,4% e 65% dos entrevistados nas comunidades de Barroquinha e Besouro, respectivamente (Tabela 3). O maior número de citações positivas para esses insetos se deve principalmente à produção de mel e a cera, pois na região apresenta um grande potencial produtivo de mel, sendo utilizados para diferentes fins, como, por exemplo, alimentícios, medicinal e obtenção de renda com a venda de seus produtos.

Tabela 3: Percepções dos informantes das comunidades de Besouro e Barroquinha, Lagoa-PB, quanto as “etnoespécies” da região.

BARROQUINHA BESOURO

"INSETO" Citações (%) "INSETO" Citações (%) Positiva Negativas Positivas Negativas

Abelha 57,4% 4,26% Abelha Arapuá 20,0% 10,00% Abelha Arapuá 4,3% 0,00% Abelha Canudo 5,0% 0,00% Abelha de Chapéu 0,0% 2,13% Abelha Italiana 55,0% 0,00% Abelha Inxuí 2,1% 0,00% Abelha Jandaira 5,0% 0,00% Abelha Italiana 4,3% 0,00% Abelha Moça-branca 5,0% 0,00% Barata 0,0% 14,89% Abelha Tataíra 5,0% 0,00% Barbeiro/Procotó 0,0% 61,70% Abelhas 65,0% 5,00% Beija-flor 2,1% 0,00% Aranha 5,0% 5,00% Besouro 0,0% 2,13% Barata 0,0% 5,00% Bicudo 0,0% 36,17% Barbeiro 0,0% 80,00% Borboleta 29,8% 6,38% Beija-flor 5,0% 0,00% Caranguejeira 0,0% 4,26% Besouro 0,0% 10,00% Carrapato 0,0% 4,26% Percevejo 0,0% 5,00% Cascudo 0,0% 8,51% Bicudo do Algodão 0,0% 45,00% Cascudo verde 0,0% 2,13% Bicudo do feijão 0,0% 5,00% Cobra 6,4% 2,13% Borboletas 5,0% 10,00% Cuduniz 2,1% 0,00% Caroncha 0,0% 10,00% Cupim 2,1% 0,00% Cascudo 10,0% 5,00% Cururu (Sapo) 4,3% 10,64% Chupão (Hemiptera) 0,0% 5,00% Escorpião 4,3% 2,13% Cobra 20,0% 5,00% Formiga 12,8% 10,64% Cobra Cascavel 5,0% 0,00% Formiga de roça 4,3% 14,89% Cururu 5,0% 0,00%

Continua

Page 10: PERCEPÇÃO E USO DE “INSETOS” EM DUAS …sites.uepb.edu.br/biofar/download/v-especial-2012/PERCEPÇÃO E USO... · insetos pelos moradores das comunidades rurais de Besouro e

81

_________________________________________ISSN 1983-4209 – Volume 09– Número esp – 2012

Continuação

Formiga do cupim 2,1% 0,00% Formiga de roça 5,0% 30,00% Gafanhoto 0,0% 19,15% Formigão 0,0% 5,00% Galinha d'agua 2,1% 0,00% Gafanhoto 10,0% 20,00% Gia 4,3% 0,00% Grilo 5,0% 5,00% Grilo 2,1% 2,13% Joaninha 0,0% 10,00% Lagarta 0,0% 36,17% Lacraia 0,0% 10,00% Lagarta de fogo 0,0% 2,13% Lagarta 0,0% 60,00% Lagarta rosca 0,0% 2,13% Lagarta rosca 0,0% 5,00% Lagartixa 2,1% 0,00% Lagarta azulada 0,0% 5,00% Mangangá 6,4% 2,13% Lagarta de Fogo 0,0% 5,00% Mocó 2,1% 0,00% Lagarta Pinga-fogo 0,0% 5,00% Mosca 4,3% 12,77% Lagarta preta 0,0% 5,00% Mosca-branca 4,3% 55,32% Lagartixa 5,0% 0,00% Mosquito do feijão 0,0% 2,13% Larva do coqueiro 5,0% 0,00% Mosquito 4,3% 8,51% Marimbondo Caboclo 0,0% 5,00% Mosquito (Aedes aegypti) 0,0% 29,79% Mela-mela 0,0% 5,00% Mosquito (Calazar) 0,0% 2,13% Mosca do gado 0,0% 5,00% Mosquito (Malária) 0,0% 2,13% Mosca minadora 0,0% 5,00% Muriçoca 0,0% 10,64% Mosca-branca 0,0% 50,00% Percevejo 0,0% 2,13% Moscas 5,0% 0,00% Preá 2,1% 0,00% Mosquito da dengue 0,0% 50,00% Purgão 0,0% 2,13% Mutuca 0,0% 5,00% Rã 2,1% 0,00% Pretinha 0,0% 5,00% Rato 0,0% 12,77% Rato 0,0% 10,00% Ribaçã 2,1% 0,00% Tanajura 40,0% 0,00% Tanajura 8,5% 0,00% Varijeira 0,0% 5,00% Teju 10,6% 0,00%

Categorias de Uso Uso utilitário, subcategoria: insetos utilizados em tecnologias

A utilização de insetos para fins tecnológicos foi mencionada apenas pela comunidade de Besouro. Trata-se do uso da cera produzida por algumas abelhas (Figura 4). Conforme a citação abaixo:

“a cera é a melhor que tem! Servia para vedá os silos antigamente e como candieiro para

alumia o terreiro em época de festa” (R., 56 anos).

A citação acima retrata muito bem o uso da cera para vedar silos para o armazenamento de grãos e antigamente como combustível para candieiros em época de festas. Essa prática foi mais empregada no passado quando não tinham acesso a energia elétrica. A comunidade de Barroquinha não citou nenhuma atribuição de uso tecnológico. Dos cinco insetos citados como produtores de cera a abelha Arapuá demonstra ser a mais explorada para este uso, em relação às demais, o que demonstra um maior conhecimento sobre o potencial uso tecnológico desse inseto.

Page 11: PERCEPÇÃO E USO DE “INSETOS” EM DUAS …sites.uepb.edu.br/biofar/download/v-especial-2012/PERCEPÇÃO E USO... · insetos pelos moradores das comunidades rurais de Besouro e

82

_________________________________________ISSN 1983-4209 – Volume 09– Número esp – 2012

Figura 4: Citações do uso de “inseto” para fins tecnológicos pelos moradores da comunidade rural de Besouro, Lagoa, Paraíba (Nordeste do Brasil).

Uso utilitário, Subcategoria: insetos utilizados na alimentação

A utilização de insetos na alimentação humana é uma pratica muito antiga utilizada por muitas civilizações pré-modernas e mantida até os dias atuais (Costa Neto e Ramos-Elorduy, 2006; Costa Neto, 2011). Usar insetos na alimentação significa ingerir um alimento natural altamente proteico e muito abundante na natureza (Costa Neto, 2004a; Lokeshwari & Shantibala, 2010).

Na comunidade de Besouro, 13 de um total de 20 entrevistados citaram ao menos um inseto para algum tipo de uso alimentício, seja na alimentação humana ou animal, como, por exemplo, abelha italiana, tanajura, larva do coqueiro e cobra preta (Figura 5), enquanto que na comunidade de Barroquinha apenas 10 de um total de 47 entrevistados mencionaram ao menos um animal para fins alimentícios, a exemplo da Abelha italiana, Tanajura, Teju, Formiga e Jia (Figura 5). Mesmo na comunidade de Barroquinha possuindo um número de informantes maior que em Besouro, os moradores desta comunidade apresentaram um maior número de citações sobre potencial uso alimentício de insetos.

Esse desuso dos insetos pelas civilizações humanas na alimentação ocorre por diversos motivos, dentre eles: a influência da mídia sobre a forma de pensar das pessoas, o aspecto do animal, alguns representantes do grupo dos insetos são vetores de doenças, pragas agrícolas e outros, retratando esse grupo de animais como sendo imprestáveis e que devem ser exterminados a qualquer custo (Ulysséa et al. 2010). Embora o consumo de insetos seja considerado coisa de “gente primitiva” (Costa neto, 2003), segundo o referido autor o problema não está na questão histórica e sim na estética e, sobretudo, no psicológico das pessoas, pois se referem a estes animais com certa repugnância. Desta forma a maior o parte da população preferi outras fontes de alimentos.

A mídia incentiva o uso indiscriminado de inseticida para exterminar tais animais, construindo a idéia que os insetos não são uma boa alternativa alimentar, fazendo com que uma grande quantidade de proteína seja desperdiçada em regiões onde a produção de alimento é cada vez mais escassa.

Em Besouro, de um total de 22 citações de uso alimentício, 40,9% foram referentes a utilização do mel da abelha italiana como subproduto na alimentação e na obtenção de renda por alguns moradores e 36,3% foram para a tanajura. Em Barroquinha esses insetos também foram os mais citados, de um total de 25 citações de uso alimentício 24% foram referentes à abelha italiana e 16% referindo-se a tanajura. Esses insetos apresentam um enorme potencial alimentício em ambas às comunidades como descreve os próprios moradores de Besouro e Barroquinha respectivamente: “a tanajura serve para comer” (E., 41 anos) e “utilizo o mel das abelhas pra comer”. (F., 39 anos).

Costa Neto e Magalhães (2007) observaram que no Estado da Bahia o uso de insetos na alimentação é uma prática altamente ignorada pelos moradores de São Gonçalo dos Campos que se referiam a tais sempre com nojo e desprezo. Apenas a tanajura, gafanhoto e alguns produtos derivados desses animais como o mel das abelhas, segundo os referidos autores, foram citados

Page 12: PERCEPÇÃO E USO DE “INSETOS” EM DUAS …sites.uepb.edu.br/biofar/download/v-especial-2012/PERCEPÇÃO E USO... · insetos pelos moradores das comunidades rurais de Besouro e

83

_________________________________________ISSN 1983-4209 – Volume 09– Número esp – 2012

como sendo utilizados na alimentação local. O uso de insetos na alimentação humana dá-se ao fato da “carne” desses animais apresentarem em sua constituição muito mais proteínas que a carne de outros animais como frango e bovinos (Costa neto e Ramos-Elorduy, 2006), o que representa um grande potencial alimentício muitas vezes desperdiçado, mas que pode ser muito explorado no futuro, porém de uma forma consciente que não venha a prejudicar nossa biodiversidade.

Figura 5: Citações do uso de “inseto” para fins alimentícios pelos moradores das comunidades rurais de Barroquinha e Besouro, Lagoa, Paraíba (Nordeste do Brasil).

Uso utilitário, Subcategoria: insetos utilizados na medicina popular

O uso medicinal de insetos e seus elaborados no combate a enfermidades é uma prática antiga e muito difundida (Costa Neto, 2004b), principalmente na Espanha (Benítezg, 2011), embora nos dias atuais venham se tornando cada vez menos comum essa prática, seja por influência da mídia ou pela acessibilidade a remédios industrializados (Ulysséa et al., 2010).

A comunidade Besouro apresentou o maior percentual de informantes que citaram algum “Inseto” para fins medicinais, com 55%, seguido da comunidade Barroquinha com apenas 11% (Figura 6). A abelha italiana foi o inseto mais citado em ambas as comunidades com cinco citações em Besouro e duas em Barroquinha, sempre as relacionando ao mel produzido, como na comunidade de Besouro: “o mel da abelha toma com limão para gripe...” (D., 68 anos) e “o mel que é produzido pela abelha serve de remédio é vitamina grande (boa) batido na manteiga, misturado com laranja, para a gripe...” (J., 53 anos). Resultados semelhantes foram encontrados por Costa Neto & Pacheco (2005) utilizando este inseto para fins medicinais.

Estudos relacionados à utilização de invertebrados na medicina popular por Alves e Dias (2010) no Brasil, evidenciaram que 81 animais são utilizados para fins medicinais, dos quais 41 pertencem a classe Insecta, e o mel de abelha foi o produto mais citado, sendo usado no combate a inúmeras doenças, e também como ação antibacteriana, o que representa um grande potencial desse produto, podendo ser aproveitado pela medicina moderna. Nas comunidades estudadas foram citados outros animais para fins medicinais (Figura 6), como exemplo em Besouro: “chá da formiga, serve para garganta (pega a formiga, amarra no paninho e bota a trouxinha na água quente,

Page 13: PERCEPÇÃO E USO DE “INSETOS” EM DUAS …sites.uepb.edu.br/biofar/download/v-especial-2012/PERCEPÇÃO E USO... · insetos pelos moradores das comunidades rurais de Besouro e

84

_________________________________________ISSN 1983-4209 – Volume 09– Número esp – 2012

toma ele morninha...” (R., 56 anos) e em Barroquinha: “o chá da lagartixa, coloca ela viva pra ferver e toma o chá, é bom pra garganta” (R., 27 anos).

Figura 6: Citações do uso de “inseto” para fins medicinais pelos moradores das comunidades rurais de Barroquinha e Besouro, Lagoa, Paraíba (Nordeste do Brasil).

Principal uso dos insetos

Na comunidade de Barroquinha, 19 animais apresentaram citações de uso: Abelha italiana, Tanajura, Teju, Formiga, Gia, Cobra preta, Cuduniz, Escorpião, Galinha d´água, Rã, Preá, Ribaçã, Cobras, Formiga de roça, Lagartixa, Cobra verde, Cupim, Formiga do cupim e Mocó. Enquanto na comunidade de Besouro, 14 animais apresentaram citações de uso: Abelha italiana, Tanajura, Cobra preta, Abelha arapuá, Gafanhoto, Grilo, Larva do coqueiro, Cobras, Formiga de roça, Lagartixa, Abelha canudo, Abelha jandaíra, Abelha moça branca, Abelha tataíra (Tabela 4). Tendo seis comuns entre as duas comunidades.

As citações de uso foram analisadas quanto à fidedignidade (FL) e prioridade de ordenamento (ROP), adaptado de Albuquerque & Andrade (2002); Albuquerque et al. (2008); Sieber (2009); Ulysséa et al. (2010); Bernardes et al. (2011). O FL trata da relação do uso principal com a soma de todos os usos relacionados ao mesmo inseto, mensurando um valor para o uso principal.

Pode-se perceber após as análises (Tabela 4) que as principais utilidades dos insetos estão diretamente ligadas aos hábitos culturais do uso desses animais, como, por exemplo: alimentação humana (Abelha italiana, Tanajura e Teju); medicinal (Lagartixa, Mocó e Cupim) e tecnologia (Abelhas Tataíra, Arapuá e Jandaira).

Nos casos onde o FL for igual a 100% como, por exemplo, a Tanajura, Gia, Cobra preta, Grilo e Lagartixa, significa dizer que todos os informantes que os citaram relacionaram a apenas um tipo de uso. Já os casos em que o FL for menor que 100%, implica dizer que os informantes citaram mais de um tipo de uso para este animal além do principal, como por exemplo: Teju (75%); Cobra preta (12,5%) e Abelha arapuá (66,67%). No entanto o FL apresentou variação para o mesmo inseto, pois a quantidade de uso foi diferente entre as comunidades, como exemplo, a Abelha italiana (81,82%) em Besouro e 75% em Barroquinha.

Page 14: PERCEPÇÃO E USO DE “INSETOS” EM DUAS …sites.uepb.edu.br/biofar/download/v-especial-2012/PERCEPÇÃO E USO... · insetos pelos moradores das comunidades rurais de Besouro e

85

_________________________________________ISSN 1983-4209 – Volume 09– Número esp – 2012

Tabela 4: Nível de fidedignidade entre as respostas sobre usos dos insetos e prioridade de ordenamento destes usos, para 20 informantes da comunidade Besouro e 47 para Barroquinha, Lagoa-PB. FL – Nível de Fidedignidade. ROP – Prioridade de Ordenamento.

BARROQUINHA BESOURO

Insetos ROP FL (%)

USO PRINCIPAL Insetos ROP FL (%)

USO PRINCIPAL

Abelha Italiana 75,0 75,00 Alimentação Humana Abelha Italiana

81,8 81,82 Alimentação Humana

Tanajura 50,0 100,00 Alimentação Humana Tanajura 72,7 100,00 Alimentação Humana Teju 37,5 75,00 Alimentação Humana Cobra Preta 9,1 100,00 Alimentação Humana

Formiga 25,0 50,00 Alimentação Humana Abelha Arapuá 18,2 66,67 Tecnologia Gia 25,0 100,00 Alimentação Humana Gafanhoto 9,1 100,00 Alimentação Humana

Cobra Preta 12,5 100,00 Alimentação Humana Grilo 9,1 100,00 Alimentação Humana

Cuduniz 12,5 100,00 Alimentação Humana Larva do Coqueiro

9,1 100,00 Alimentação Humana

Escorpião 12,5 100,00 Alimentação Humana Cobras 36,4 100,00 Medicinal

Galinha D´água 12,5 100,00 Alimentação Humana Formiga de

Roça 9,1 100,00 Medicinal

Rã 12,5 100,00 Alimentação Humana Lagartixa 9,1 100,00 Medicinal

Preá 12,5 100,00 Alimentação Humana Abelha Canudo

9,1 100,00 Tecnologia

Ribaçã 12,5 100,00 Alimentação Humana Abelha Jandaíra

9,1 100,00 Tecnologia

Cobras 12,5 100,00 Medicinal Abelha Moça

Branca 9,1 100,00 Tecnologia

Formiga de Roça

12,5 100,00 Alimentação Humana Abelha Tataíra 9,1 100,00 Tecnologia

Lagartixa 12,5 100,00 Medicinal Cobra Verde 12,5 100,00 Medicinal

Cupim 25,0 100,00 Medicinal Formiga do

Cupim 12,5 100,00 Medicinal

Mocó 12,5 100,00 Medicinal

Insetos causadores de doenças As percepções negativas que os entrevistados atribuem aos insetos na maioria das vezes estão relacionadas ao fato de alguns deles serem causadores de doenças (Silva et al., 2007). Os entrevistados da comunidade de Besouro citaram o Barbeiro como sendo o principal inseto transmissor de doença, “o Barbeiro (procotó) transmite a doença de chagas” (M., 26 anos), com 42% das citações, seguido do Mosquito da dengue com 24%, “a dengue é transmitida pelo mosquito” (B., 48 anos). Em Barroquinha foram encontrados resultados semelhantes para os mesmos indivíduos, com 41% das citações para o Barbeiro “barbeiro causa doença, se a pessoa tiver acesso às fezes do barbeiro pode ser contaminado” (J., 27 anos) e 19% para o mosquito da dengue. Outros insetos também foram citados (Tabela 6). Resultados muito acima desses foram encontrados por Lima et al. (2010) em Cabo de Santo Agostinho, no Estado do Pernambuco, onde 85,7% dos entrevistados citaram os insetos como causadores de doenças na região. O barbeiro e o mosquito da dengue por serem transmissores respectivamente da doença de chagas e da dengue obtiveram os maiores percentuais de citações em ambas as comunidades, o que explica a maior percepção negativa por parte dos informantes. Esses mesmos insetos foram encontrados por Lima et al. (2010) como os principais causadores de doenças no Estado do Pernambuco. Costa Neto (2004c) obteve resultados semelhantes ao estudar um grupo de

Page 15: PERCEPÇÃO E USO DE “INSETOS” EM DUAS …sites.uepb.edu.br/biofar/download/v-especial-2012/PERCEPÇÃO E USO... · insetos pelos moradores das comunidades rurais de Besouro e

86

_________________________________________ISSN 1983-4209 – Volume 09– Número esp – 2012

Marimbondos, aos quais eram atribuídas percepções negativas por sua picada provocarem pavor e dor nas pessoas.

Tabela 6: Percentual de citações de “inseto” considerados causadores de doenças pelos moradores das comunidades rurais de Barroquinha e Besouro, Lagoa, Paraíba (Nordeste do Brasil). Insetos Besouro Barroquinha Barbeiro/Procotó 42% 41% Mosquito da Dengue 24% 19% Lacraia 5% 0% Rato 5% 7% Barata 5% 6% Borboleta 3% 1% Cobra 3% 1% Caroncha 3% 0% Aranha 3% 0% Abelha 3% 1% Mosca 0% 6% Muriçoca 0% 4% Sapo 0% 3% Caranguejeira 0% 3% Mosquito 3% 3%

Insetos Pragas

Na comunidade de Besouro os indivíduos que tiveram um maior número de citações foram: a lagarta (25%), bicudo do algodão (17%), mosca-branca (17%) e formiga de roça (12%). Na comunidade de Barroquinha os resultados foram: mosca-branca (28%); lagarta (27%); formiga de roça (11%) e bicudo do algodão (9%) (Figura 7). Lima et al.(2010) observaram que formigas e baratas foram os principais insetos pragas no Estado do Pernambuco, e no presente estudo observou-se que nas comunidades de Besouro e Barroquinha, as formigas também foram citadas como praga na região, porém as baratas foram citadas pelos entrevistados como causadora de doença por 5% e 6% dos entrevistados, respectivamente (Tabela 6), o que demonstra diferentes atribuições a um mesmo inseto em regiões diferentes. Trabalhos relacionados à utilização das propriedades medicinais da barata na no Estado da Bahia (Costa-Neto, 1999b) retratam muito bem esta relação de ambiguidade entre grupos sociais e nos estados brasileiros.

Os insetos considerados pragas nas comunidades remetem aqueles causadores de danos às lavouras (Figura 7), nos mostrando o quanto é evidente a percepção negativa dos entrevistados das comunidades, onde isso se deve parcialmente a perda da produtividade das lavouras. Costa Neto & Rodrigues (2006) encontraram besouros como insetos praga no Estado da Bahia. A ocorrência destas pragas está relacionada com as culturas cultivadas na região (Fumo, Feijão, Algodão, Milho).

Os moradores de ambas as comunidades apresentam um rico conhecimento sobre os insetos envolvidos com as atividades agropecuárias ocorrentes na região, como o cultivo de algumas culturas já mencionadas e a criação de bovinos, caprinos, aves e animais domésticos. Os “insetos” considerados pragas (Figura 7) e os envolvidos na criação de animais na região são: a mosca do gado, piolho de porco (mucurana), mosquito de bode, pulga, pichilinga de aves e carrapato do gado (pistas taxonômicas descritas na Tabela 1). Este conhecimento está diretamente relacionado com o dia-dia destas pessoas e o tempo dedicado a essas atividades. Para Lima et al. (2010) o conhecimento das pessoas em relação aos insetos pode ser adquirida na escola ou na própria vivência do dia-a-dia. Os autores observaram em Cabo de Santo Agostinho–PE que 88,5% dos entrevistados relacionaram os insetos como sendo causadores de doenças e como pragas na região, demonstrando uma percepção destrutiva em relação a esses animais.

O controle de parasitos nas criações de animais nas comunidades se dá com o uso de produtos químicos. O combate aos insetos considerados pragas na comunidade de Besouro é pelo

Page 16: PERCEPÇÃO E USO DE “INSETOS” EM DUAS …sites.uepb.edu.br/biofar/download/v-especial-2012/PERCEPÇÃO E USO... · insetos pelos moradores das comunidades rurais de Besouro e

87

_________________________________________ISSN 1983-4209 – Volume 09– Número esp – 2012

uso de defensivos químicos mencionados por 70% dos entrevistados, no entanto 30% utilizam produtos caseiros, como exemplo: “veneno caseiro, angico: pega as folhas, pisa, bota de molho uns 15 dias e bota no pulverizador, ou usa a urtiga, tem que usar misturado com água, se não mata as plantas” (R., 56 anos). “uso produtos naturais, feito a base de mamona, pega o cacho verde, passava na forrageira, deixa de molho três dias e pulverizava, ou usa o angico, prepara do mesmo jeito, uns três ou quatro dias, depois bota detergente neutro 10 ml em 5 litros de água, coloca 15 dias antes de ser consumido” (J., 56 anos). ou não utilizam nenhuma forma de combate a esses insetos pragas, “aqui deixa por conta, porque não gosta de usar veneno” (R., 62 anos), isso deve-se ao fato de alguns produtores da comunidade terem conhecimento dos riscos à saúde e de contaminação do destes ao meio ambiente.

Na comunidade de Barroquinha foi registrado um maior número de citações do uso de defensivos industrializado com 98% dos entrevistados e apenas 2% fazem o combate com produtos naturais como, por exemplo: “pulveriza com Nim, ele fica três dias de molho, pra poder pulverizar” (M., 83 anos). Os produtores utilizam estes elaborados caseiros para a maioria das pragas ocorrentes na comunidade (Figura 7).

Figura 7: Percentual de citações de “insetos” considerados pragas pelos moradores das comunidades rurais de Barroquinha e Besouro, Lagoa, Paraíba (Nordeste do Brasil). CONCLUSÃO

Com base na discussão dos dados podemos afirmar que a etnocategoria “inseto”, ou seja, a categoria popular formada a partir do conhecimento, sentimentos, crenças e sensações de um determinado grupo cultural, é formada por representantes de outros grupos taxonômicos que não

Page 17: PERCEPÇÃO E USO DE “INSETOS” EM DUAS …sites.uepb.edu.br/biofar/download/v-especial-2012/PERCEPÇÃO E USO... · insetos pelos moradores das comunidades rurais de Besouro e

88

_________________________________________ISSN 1983-4209 – Volume 09– Número esp – 2012

pertencem à classe Insecta, mas que por motivos perceptivos estão incluídos em um mesmo grupo. Em ambas as comunidades os insetos foram percebidos tanto positivamente quanto negativamente pelos moradores, reforçando a ideia de que a etnocategoria “inseto” é construída a partir da vivência cultural e que os mesmos participam ativamente da vida sociocultural das comunidades. As duas comunidades em questão apresentaram um rico e diversificado uso dos insetos, porém a comunidade de Besouro apresentou um uso maior dos insetos em relação à comunidade de Barroquinha para fins alimentícios, medicinais e tecnológicos. Embora as comunidades tenham apresentado essa riqueza de uso, torna-se indispensável o aprofundamento de estudos a respeito do potencial alimentício, medicinal e tecnológico desses animais possibilitando um desenvolvimento sustentável das comunidades humanas.

REFERÊNCIAS Albuquerque, U. P.; Andrade, L. H. C. (2002). Uso de recursos vegetais da caatinga: o caso do

agreste do estado do Pernambuco (Nordeste do Brasil). Interciência, 27: 336-346. Alves, R. R. N.; Dias, T. L.P. (2010). Usos de invertebrados na medicina popular no Brasil e suas implicações para conservação. Tropical Conservation Science, 3:159-174. Albuquerque, U. P.; Lucena, R. F. P.; Alencar, N. L. (2010). Métodos e técnicas para a coleta de

dados. In: Albuquerque, U. P.; Lucena, R. F. P.; Cunha L. V. F. C. Métodos e técnicas na pesquisa

etnobotânica, NUPEEA, Recife, 2010. Amorim, A. N. (2010). Etnobiologia da comunidade de pescadores artesanais urbanos do bairro

Poti Velho, Teresina/PI, Brasil. Teresina – PI, 122p. Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Universidade Federal do Piauí. Antonini, A.; Accacio, G. M.; BranT, A.; Cabral, B. C.; Fontenelle, J. C. R.; Nascimento, M. T.; Thomazini, A. P. B. W.; Thomazini, M. J. (2003). Insetos. In: Rambaldi, D. M.; Oliveira, D. A. S.

Fragmentação de ecossistemas: causas, efeitos sobre a biodiversidade e recomendações de

políticas públicas. Brasília: MMA./SBF, 239-273. Benítez, G. (2011). Animals used for medicinal and magico-religious purposes in western Granada

Province, Andalusia (Spain). Journal of Ethnopharmacology, 137 : 1113– 1123. Bernardes, C. A. G.; Silva, F. A.; Moleiro, F.C. (2011). Uso de plantas medicinais pelos moradores

do bairro cohab tarumã, tangará da serra, mt para o tratamento da alergia ou de seus sintomas.

Biofar, 6: 16 –172. Triplehorn, C. A.; Johnson, N. F. (2011). Estudos dos Insetos. 7ª ed. São Paulo: Cengage Learning. Costa-Neto, E. M. (1999a). A etnocategoria “inseto” e a hipótese da ambivalência

entomoprojetiva. Acta Biológica Leopoldensia, 21: 7-14. Costa-Neto E. M., (1999b) Barata é um Santo Remédio: Introdução à Zooterapia Popular no

Estado da Bahia, UEFS, Feira de Santana, 103p. Costa Neto, E. M. (2000a). The significance of the category ‘insect’ for folk biological

classification systems. Journal of Ecological Anthropology, 4: 70-75.

Page 18: PERCEPÇÃO E USO DE “INSETOS” EM DUAS …sites.uepb.edu.br/biofar/download/v-especial-2012/PERCEPÇÃO E USO... · insetos pelos moradores das comunidades rurais de Besouro e

89

_________________________________________ISSN 1983-4209 – Volume 09– Número esp – 2012

Costa Neto, E. M. (2000b). Introdução à etnoentomologia: considerações metodológicas e estudo

de casos. UEFS, Feira de Santana,131p. Costa Neto, E. M. (2000c). Conhecimentos e usos tradicionais de recursos faunísticos por uma

comunidade Afro-brasileira. Resultados preliminares. Interciencia, 25: 423-421. Costa neto, e. M. & P. D. de carvalho 2000. Percepção dos insetos pelos graduandos da Universidade Estadual de Feira de Santana, Bahia, Brasil. Acta Scientiarum, 22(2): 423-428. Costa-Neto, E. M. (2002). Manual de Etnoentomología. Zaragoza, España: Zaragoza.

Costa Neto, E. M. (2003). Insetos como fontes de alimentos para o homem: valoração de recursos considerados repugnantes. Interciencia, 28: 1-13.

Costa Neto, E. M. (2004a). Estudos etnoentomológicos no estado da Bahia, Brasil: uma

homenagem aos 50 anos do campo de pesquisa. Biotemas, 17: 117 – 149. Costa Neto, E. M. (2004b). Implications and applications of Folk zootherapy in the state of Bahia,

Northeastern Brazil. Interscience., 12: 162-174. Costa Neto, E. M. (2004c). La etnoentomología de las avispas (Hymenoptera, Vespoidea) en El

poblado de Pedra Branca, estado de Bahia, Nordeste de Brasil. Boln. S.E.A, 34: 247 – 262. Costa Neto, E. M.; Resende, J. J. (2004). A percepção de animais como “insetos” e sua utilização

como recursos medicinais na cidade de Feira de Santana, Estado da Bahia, Brasil. Acta

Scientiarum. Biological Sciences, 26: 143-149. Costa Neto, E. M; Pacheco, J. M. (2005). Utilização medicinal de insetos no povoado de Pedra

Branca, Santa Terezinha, Bahia, Brasil. Biotemas, 18: 113-133. Costa Neto, E. M.; Lago, A. P. A.; Martins, C.C.; Barreto Junior, P. (2005). O “louva-a-deus-de-

cobra”, phibalosoma sp. (Insecta, Phasmida), segundo a percepção dos moradores de Pedra

Branca, Santa Terezinha, Bahia, Brasil. Sitientibus Série Ciências Biológicas, 5: 33-38. Costa Neto, E. M. (2006). “Cricket singing means rain”: semiotic meaning of insects in the district

of Pedra Branca, Bahia State, northeastern Brazil. An Acad Bras Cienc, 78: 59-68. Costa Neto, E. M.; Ramos-Elorduy, J. (2006). Los insectos comestibles de Brasil: etnicidad,

diversidad e importancia en la alimentación. Boletín Sociedad Entomológica Aragonesa, 38: 423-442. Costa Neto, E. M.; Rodrigues, R. M. F. R. (2006). Os besouros (Insecta: Coleoptera) na concepção

dos moradores de Pedra Branca, Santa Terezinha, Estado da Bahia. Acta Sci. Biol. Sci, 28: 71-80. Costa Neto, E. M.; Magalhães, H.F. (2007). The ethnocategory “insect” in the conception of the

inhabitants of Tapera County, São Gonçalo dos Campos, Bahia, Brazil. Anais da Academia

Brasileira de Ciências, 79: 239-249. Costa Neto, E. M.; Duarte, A. A.; Jesus, A. D. C.; Ribeiro, A. S. M.; Lima, F. F.; Nascimento, M. A. A.; REIS, N. H. N.; Henrique, T.; Jesus, W. P. (2011). Antropoentomofagia – Insetos na

Page 19: PERCEPÇÃO E USO DE “INSETOS” EM DUAS …sites.uepb.edu.br/biofar/download/v-especial-2012/PERCEPÇÃO E USO... · insetos pelos moradores das comunidades rurais de Besouro e

90

_________________________________________ISSN 1983-4209 – Volume 09– Número esp – 2012

alimentação humana. In: Costa Neto, E. M. (Org.). Antropoentomofagia – Sobre o consumo de

insetos. Feira de Santana: UEFS. Cap. 1, p. 17-37. D’Olne Campos, M. (1995). Sociedade e natureza: Da etnociência à etnografia de saberes e

técnicas. UNICAMP, 1: 1-62. Santos-Fita, D.; Costa-Neto E. M.; Schiavetti, A. (2011). Constitution of ethnozoological semantic

domains: meaning and inclusiveness of the lexeme “insect” for the inhabitants of the county of

Pedra Branca, Bahia State, Brazil. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 83(2): 589-598. Ellen, R. (1997). Indigenous knowlodge of the rainforest: Perception, extraction and conservation. University of Kent at Canterbury.(Online). Disponível em <http://www.lucy.ukc.ac.uk/malon.html>. Acesso em 25 de maio de 2012. Goodenough, W. H. (2003). In pursuit of culture. Annual Review of Anthropology, 32: 1-12. Gullan, P. J.; Cranston, R. S. (2008). The insects: an outline of entomology. Blackwell Science, 470. Pedroso Junior, N. N. (2002). “Etnoecologia e conservação em áreas naturais protegidas: incorporando o saber local na manutenção do Parque Nacional do Superagui”. São Carlos-SP, 80p. Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-graduação em Ecologia e Recursos Naturais, Universidade Federal de São Carlos. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/painel/painel.php?codmun=250810#>. Acesso em 02 de maio 2011. Kellert, S. R. Contemporary values of wildlife in American society. In Center for Assessment of

Noncommodity Natural Resource Values, Wildlife values. Tucson: University of Arizona, 1980. Kellert, S.R. Values and perceptions of invertebrates. Conserv. Biol. 1993, 7, 845–855. Lima, M.L.O.; Lima, V. H. M.; Albuquerque, M. F.; Silva, A.P.; Lira, J.A.M.; Silva, R. A. (2010). Percepção de animais como “insetos” pelos moradores da Vila de Nazaré, Cabo de Santo Agostinho, Pernambuco. X Jornada de Ensino, Pesquisa e Extensão – JEPEX. Recife-PE, Brasil. p.1-3. Lokeshwari, R. K.; Shantibala, T. (2010). A review on the fascinating World of Insect resources:

reason for thoughts. Review Article, 1-11. Lucena, R. F. P. (2009). Avaliando a eficiência de diferentes técnicas de coleta e análise de dados

para a conservação da biodiversidade a partir do conhecimento local. Recife-PE, 124p. Tese de Doutorado- Programa de Pós-graduação em Botânica, Universidade Federal Rural do Pernambuco. Posey, D. A. (1986). Introdução: Etnobiologia, teoria e prática. In: RIBEIRI, D. Suma etnológica

Brasileira, 1: 15-25. Posey, D. A. (1987). Ethnoentomological survey of Brazilian Indians. Entomology General, 12: 191-202.

Page 20: PERCEPÇÃO E USO DE “INSETOS” EM DUAS …sites.uepb.edu.br/biofar/download/v-especial-2012/PERCEPÇÃO E USO... · insetos pelos moradores das comunidades rurais de Besouro e

91

_________________________________________ISSN 1983-4209 – Volume 09– Número esp – 2012

Santos-Fita, D.; Costa Neto, E. M. (2007). As interações entre os seres humanos e os animais: a

contribuição da etnozoologia.Biotemas, 20: 99-110. Sieber, S. S. (2009). Diagnóstico etnobotânico participativo sobre o uso de plantas medicinais e

representações das paisagens em uma área do semi-árido pernambucano (Nordeste do Brasil). 107p. Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Ciências Florestais, Universidade Federal Rural do Pernambuco. Silva, T. F. P.; Costa Neto, E. M. (2004). Percepção de insetos por moradores da comunidade

olhos d’água, município de Cabaceiras do Paraguaçu, Bahia, Brasil. Boln. S.E.A, 35: 261-268. Silva, T. R.; Vaz, P. A.; Boccardo. L.; Chagas, R. J.; Costa Neto, E. M. (2007). Os animais e os

moradores do povoado de porto Alegre, maracás, Bahia: uma análise etnotaxonômica do domínio

semântico “inseto”. Anais do VIII Congresso de Ecologia do Brasil. Caxambu – MG, Brasil. p.1-3. Souza, G.C. (2007). Contribuição da etnoecologia para o desenvolvimento de um sistema de gestão

colaborativo dos recursos naturais por comunidades ribeirinhas da Planície Costeira do Rio

Grande do Sul, Brasil. Revista Brasileira de Agroecologia, 2: 594-597. Toledo, V. (1992). What is ethnoecology? Origin, scope and implications of a rising discipline. In:

Etnoecologica, 1: 5-21. Ulysséa, M. A.; Hanazaki, N.; Lopes, B. C. (2010). Percepção e uso dos insetos pelos moradores

da comunidade do Ribeirão da Ilha, Santa Catarina, Brasil. Revista Biotemas, 23: 191-202.