percentagem contratual horas de serviço horas de aulas

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BARTOLOMEU DA FONSECA ADVOGADO CED. PROF. 5884C Rua João Machado, n.º 31, 2.º Andar . 3000-226 Coimbra T (+351) 239 151 495 . E [email protected] 1 PARECER Foi nos solicitado informação/parecer sobre a conformidade legal do recente despacho nº 86/2016, de 22/04, do Vice-Reitor da Universidade de Coimbra, no qual se procedeu à fixação com carácter geral e abstracto do "... número semanal de horas de aulas..." para o pessoal especialmente contratado. Por facilidade de exposição e posterior leitura do que se dirá infra procede-se à transcrição da parte normativa do despacho em causa: «(...) até aprovação do regulamento acima referido [regulamento de prestação de serviço dos docentes], nos contratos do pessoal especialmente contratado a celebrar ou a renovar seja fixado o número de semanal de horas de aulas em conformidade com os valores definidos na tabela seguinte: Percentagem contratual Horas de serviço Horas de aulas - semanal 60% 24 12 50% 20 10 40% 16 8 30% 12 6 20% 8 4 10% 4 2 Mais determino, não esquecendo a excecionalidade da contratação dos professores convidados a tempo parcial superior a 60%, prevista no artigo 51º do Regulamento de Recrutamento e Contratação de Pessial Docente da Universidade de Coimbra (RRCPDUC), Regulamento nº 330/2016, publicado na 2º série do Diário da República, nº 61, de 29 de março, e dos assistentes convidados a tempo parcial ou superior a 60%, prevista no artigo 52º do mesmo Regulamento e no artigo 32º do ECDU, que, ao pessoal especialmente contratado com percentagem superior a 60%, seja fixado o número de semanal de horas de aulas no seguintes termos: - até 50% do número total de horas de serviço semanal, num máximo de 18 e num mínimo de 12 horas semanais de aulas, sem, contudo, exceder o valor médio de 12 horas semanais, calculado com base período de duração do contrato. O presente despacho entra em vigor no dia útil subsequente ao da sua assinatura, sendo aplicável a todos os procedimentos de contratação ou de renovação de contratos de pessoal especialmente contratado que venham a ser instruídos a partir dessa data.»

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Page 1: Percentagem contratual Horas de serviço Horas de aulas

BARTOLOMEU DA FONSECA

ADVOGADO

CED. PROF. 5884C

Rua João Machado, n.º 31, 2.º Andar . 3000-226 Coimbra T (+351) 239 151 495 . E [email protected]

1

PARECER

Foi nos solicitado informação/parecer sobre a conformidade legal do recente despacho nº 86/2016, de

22/04, do Vice-Reitor da Universidade de Coimbra, no qual se procedeu à fixação com carácter geral e

abstracto do "... número semanal de horas de aulas..." para o pessoal especialmente contratado.

Por facilidade de exposição e posterior leitura do que se dirá infra procede-se à transcrição da parte

normativa do despacho em causa:

«(...) até aprovação do regulamento acima referido [regulamento de prestação de serviço dos docentes],

nos contratos do pessoal especialmente contratado a celebrar ou a renovar seja fixado o número de

semanal de horas de aulas em conformidade com os valores definidos na tabela seguinte:

Percentagem contratual Horas de serviço Horas de aulas - semanal

60% 24 12

50% 20 10

40% 16 8

30% 12 6

20% 8 4

10% 4 2

Mais determino, não esquecendo a excecionalidade da contratação dos professores convidados a

tempo parcial superior a 60%, prevista no artigo 51º do Regulamento de Recrutamento e Contratação

de Pessial Docente da Universidade de Coimbra (RRCPDUC), Regulamento nº 330/2016, publicado na

2º série do Diário da República, nº 61, de 29 de março, e dos assistentes convidados a tempo parcial

ou superior a 60%, prevista no artigo 52º do mesmo Regulamento e no artigo 32º do ECDU, que, ao

pessoal especialmente contratado com percentagem superior a 60%, seja fixado o número de semanal

de horas de aulas no seguintes termos:

- até 50% do número total de horas de serviço semanal, num máximo de 18 e num mínimo de 12 horas

semanais de aulas, sem, contudo, exceder o valor médio de 12 horas semanais, calculado com base

período de duração do contrato.

O presente despacho entra em vigor no dia útil subsequente ao da sua assinatura, sendo aplicável a

todos os procedimentos de contratação ou de renovação de contratos de pessoal especialmente

contratado que venham a ser instruídos a partir dessa data.»

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2

Estamos assim perante regras gerais e abstractas emanadas de um órgão administrativo, no uso de

poderes jurídico-administrativos que visam produzir efeitos jurídicos em situações gerais e abstractas já que

define, um conjunto de regras para aplicação a um número, à partida, indeterminável de situações relativas

à renovação de contratos e contratação de novos docentes (cfr. art. 135º do Código de Procedimento

Administrativo).

Pelo que se nos afigura que não podem existir dúvidas quanto a estarmos perante um regulamento

administrativo ao qual é aplicável, designadamente, as normas dos artigos 97º a 101º e 135º a 147º do

Código de Procedimento Administrativo (doravante CPA).

Não pode desde já deixar de se referir que num momento em que o governo assume publicamente que

pretende que os trabalhadores em funções públicas regressem às 35 horas a partir de 01/07/2016, se tenha

por base no presente despacho – que visa regular relações que, na sua grande maioria, se iniciarão após

essa data – as 40 horas de trabalho semanal.

Isto dito, consta no referido despacho que o mesmo contém alegados "....critérios uniformes de fixação do

número semanal de aulas a atribuir ao pessoal especialmente contratado..." e se deve ao facto de ainda não

ter sido aprovado o regulamento de prestação de serviço dos docentes e que a regulamentação do mesmo

se manterá "...até aprovação do regulamento acima referido..".

Afirmações que indiciariam que a matéria no mesmo regulado constaria no projecto de regulamento de

prestação de serviço dos docentes, porém a verdade é que no projecto de regulamento de prestação de

serviço dos docentes enviado ao sindicato dos Professores da Região Centro para se pronunciar em sede

de audiência prévia não constava qualquer norma que procedesse à regulamentação de alegados

"....critérios uniformes de fixação do número semanal de aulas a atribuir ao pessoal especialmente

contratado..." .

No projecto de regulamento de prestação de serviços dos docentes que enviado ao Sindicato dos

Professores da Região Centro, apenas constava no artigo 55º a exigência (já prevista na lei e típica da previsão de

contratos a tempo parcial já que é necessário a indicação do tempo de serviço no contrato uma vez que a lei apenas define a

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duração do tempo integral e determina os critérios de comparabilidade e proporcionalidade para se fixar em concreto o tempo

parcial de trabalho) de constar no contrato reduzido a escrito o número total de horas de serviço semanal a que

o trabalhador a tempo parcial se encontra obrigado.

Ora, ao contrário do procedimento seguido para o regulamento de prestação de serviços dos docentes, na

presente situação, tanto quanto nos foi dado a conhecer, não foi efectuada qualquer notificação ao sindicato

para se pronunciar em sede de audiência dos interessados e tão pouco foi realizada qualquer consulta

pública.

Verifica-se assim a violação de regras procedimentais previstas no Código do Procedimento Administrativo

já que visando o despacho em causa regulamentar questões relativas à relação de emprego publico a

constituir, devia ter previamente realizado audiência dos interessados (artigo 100º do CPA) tal como, aliás a

entidade emitente, realizou relativamente ao regulamento para prestação de serviço docente.

Porém, apesar desta obrigação legal, tal audição dos interessados não se verificou pelo que o

despacho em questão padece de uma ilegalidade procedimental e, como tal, é inválido (cfr. Art. 143º

nº 1 do CPTA). Tal como serão inválidos os actos administrativos praticados em sua execução.

Acresce que, tão pouco foi realizada a consulta pública prevista no art. 101º do CPA.

II - Análise conformidade legal do conteúdo do despacho 86/2016 de 22/04

Abordada a referida questão da ilegalidade procedimental, passaremos a analisar o conteúdo do despacho

86/2016, procedendo previamente ao elencar de algumas normas que nos permitiriam um enquadramento

das matérias aqui em causa.

Iremos procurar fazer um enquadramento jurídico da questão, começando por expor o regime geral do

trabalho a tempo parcial na lei Geral do Trabalho em Funções Publicas, a qual remete para o Código do

Trabalho.

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Normas que, para além de terem aplicação supletiva à presente situação, nos permitirão chegar a algumas

conclusões quanto aos princípios gerais estruturantes do regime de trabalho a tempo parcial e da sua

relação com o regime de tempo integral.

Depois, enunciaremos as normas que regulam o regime a tempo parcial no ECDU1 (regime especial em

relação ao regime geral da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas).

Assim, atente-se no disposto nos seguintes artigos da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas

(doravante LGTFP) aprovada pela Lei 35/2014, de 20/06,:

«(...)

Artigo 68.º

Remissão

1 - Sem prejuízo do disposto na presente lei, é aplicável aos trabalhadores titulares de um vínculo de emprego

público o regime previsto no Código do Trabalho em matéria de trabalho a tempo parcial e de teletrabalho.

2 - O empregador público não pode excluir o recurso ao trabalho a tempo parcial por regulamento.

3 - Não é aplicável ao vínculo de emprego público o regime da comissão de serviço e do trabalho intermitente

previstos no Código do Trabalho.

(...)

Artigo 71.º

Deveres do empregador público

1 - Sem prejuízo de outras obrigações, o empregador público deve:

(....)

b) Pagar pontualmente a remuneração, que deve ser justa e adequada ao trabalho;

Artigo 72.º

Garantias do trabalhador

1 - É proibido ao empregador público:

a) Opor-se, por qualquer forma, a que o trabalhador exerça os seus direitos, bem como aplicar-lhe sanções

disciplinares ou tratá-lo desfavoravelmente por causa desse exercício;

1 Aprovado pelo Decreto-lei 448/79, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 19/80, de 16 de Julho, e os aditamentos dos

Decretos-Leis n.ºs 316/83, de 2 de Julho, 381/85, de 27 de Setembro, 392/86, de 22 de Novembro, 145/87, de 24 de Março, 147/88,

de 27 de Abril, 412/88, de 9 de Novembro, 35/85, de 1 de Fevereiro, 456/88, de 13 de Dezembro, 393/89, de 9 de Novembro,

408/89, de 18 de Novembro, 388/90, de 10 de Dezembro, 252/97, de 26 de Setembro e com as alterações constantes do Decreto-

Lei 205/2009, de 31 de Agosto, e da Lei 8/2010, de 13 de Maio.

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(....)

c) Exercer pressão sobre o trabalhador para que influencie desfavoravelmente nas condições de trabalho

próprias ou dos colegas;

d) Diminuir a remuneração, salvo nos casos previstos na lei;

(...)

j) Fazer cessar o vínculo e readmitir o trabalhador, mesmo com o seu acordo, havendo o propósito de o

prejudicar em direitos ou garantias decorrentes da antiguidade.

(...)

»

Em função da remissão operada pelo transcrito artigo 68º da LGTFP procede-se á transcrição do regime

previsto no Código do Trabalho2:

«Artigo 153.º

Forma e conteúdo de contrato de trabalho a tempo parcial

1 - O contrato de trabalho a tempo parcial está sujeito a forma escrita e deve conter:

a) Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes;

b) Indicação do período normal de trabalho diário e semanal, com referência comparativa a trabalho a

tempo completo.

2 Note-se que as normas do código do Trabalho para as quais remete o artigo 68º da LGTFP tinham na sua essência sido duplicadas

no anterior Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas aprovado pela Lei 59/2008, de 11/09: «SUBSECÇÃO IV Trabalho a tempo parcial Artigo 142.º Noção 1 - Considera-se trabalho a tempo parcial o que corresponda a um período normal de trabalho semanal inferior ao praticado a

tempo completo.

Artigo 145.º Forma e formalidades 1 - Do contrato a tempo parcial deve constar a indicação do período normal de trabalho diário e semanal com referência comparativa ao trabalho a tempo completo.

2 - Se faltar no contrato a indicação do período normal de trabalho semanal, presume-se que o contrato foi celebrado para a duração

máxima do período normal de trabalho admitida para o contrato a tempo parcial pela lei ou por instrumento de regulamentação

colectiva de trabalho aplicável.

Artigo 146.º Condições de trabalho 1 - Ao trabalho a tempo parcial é aplicável o regime previsto na lei e na regulamentação colectiva que, pela sua natureza, não implique a prestação de trabalho a tempo completo, não podendo os trabalhadores a tempo parcial ter um tratamento menos favorável do que os trabalhadores a tempo completo, a menos que um tratamento diferente seja justificado por motivos

objectivos.

2 - As razões objectivas atendíveis nos termos do n.º 1 podem ser definidas por instrumento de regulamentação colectiva de

trabalho.

3 - Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, sempre que tal for consentido pela natureza das actividades ou

profissões abrangidas, devem conter normas sobre o regime de trabalho a tempo parcial.

4 - O trabalhador a tempo parcial tem direito à remuneração base prevista na lei, em proporção do respectivo período normal de trabalho semanal. (...)»

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2 - Na falta da indicação referida na alínea b) do número anterior, presume-se que o contrato é celebrado a

tempo completo.

3 - Quando não tenha sido observada a forma escrita, considera-se o contrato celebrado a tempo completo.

Artigo 154.º

Condições de trabalho a tempo parcial

1 - Ao trabalhador a tempo parcial é aplicável o regime previsto na lei e em instrumento de regulamentação

colectiva de trabalho que, pela sua natureza, não implique a prestação de trabalho a tempo completo.

2 - O trabalhador a tempo parcial não pode ter tratamento menos favorável do que o trabalhador a

tempo completo em situação comparável, a menos que um tratamento diferente seja justificado por razões

objectivas, que podem ser definidas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.

3 - O trabalhador a tempo parcial tem direito:

a) À retribuição base e outras prestações, com ou sem carácter retributivo, previstas na lei ou em

instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou, caso sejam mais favoráveis, às auferidas por

trabalhador a tempo completo em situação comparável, na proporção do respectivo período normal de

trabalho semanal;

b) Ao subsídio de refeição, no montante previsto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou,

caso seja mais favorável, ao praticado na empresa, excepto quando o período normal de trabalho diário seja

inferior a cinco horas, caso em que é calculado em proporção do respectivo período normal de trabalho

semanal.

4 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto neste artigo.»

(negrito nosso)

Resulta assim das normas de âmbito geral transcritas que:

– o trabalho a tempo parcial corresponde a um período de trabalho de duração inferior ao

praticado a tempo completo;

– os trabalhadores a tempo parcial não podem ter um tratamento menos favorável que os

trabalhadores a tempo completo;

– a duração do trabalho a tempo parcial é definido tendo por referência comparativa o trabalho a

tempo completo/integral;

– uma lógica de proporcionalidade na definição da remuneração, não podendo esta ser inferior

às auferidas por trabalhador a tempo completo em situação comparável, na proporção do

respectivo período normal de trabalho semanal.»

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Note-se que a exigência especifica de se indicar ou fixar (na terminologia do artigo 68º do ECDU) no

contrato de trabalho a tempo parcial reduzido a escrito do contrato existe porque é necessário que conste

no contrato o tempo de trabalho contratualizado já que, ao contrário do regime de tempo integral, a sua

duração não se encontra previamente fixada na lei.

Tal necessidade de indicação/fixação no contrato reduzido a escrito do tempo de trabalho a tempo parcial

deve-se à necessidade de previsibilidade e controlabilidade, não resultando de tal exigência do ECDU tal

como não resulta da norma de carácter geral uma qualquer possibilidade das partes contraentes fixarem o

tempo de trabalho a tempo parcial sem respeito pelos critérios legais de comparabilidade e

proporcionalidade em relação a duração e limites legalmente impostos ao contrato a tempo integral.

De tal imposição legal de fixação no contrato de trabalho do não resulta qualquer liberdade para violação

dos critérios legais que, naturalmente, se sobrepõe à vontade das partes.

A fixação/indicação da duração do trabalho a tempo parcial tem que obedecer às regras legalmente

impostas, não se podendo verificar um tratamento menos favorável aos trabalhadores a tempo parcial,

devendo verificar-se a aplicação de uma regra de proporcionalidade em função do tempo de trabalho

contratualizado por referência a um trabalhador a tempo completo/integral.

Por outro lado, resulta do transcrito artigo 72º al. d) do LGTFP, a impossibilidade da entidade empregadora

pública diminuir a remuneração fora dos casos expressamente previstos na lei. Esta norma tem, desde logo,

relevância no sentido de proibir reduções de remuneração que não encontrem arrimo legal, não estando

assim na livre disponibilidade da entidade empregadora pública decidir (ou as partes acordarem) a

redução da remuneração do trabalhador designadamente aquando da renovação dos contratos

ainda que por via da exigência de mais trabalho mantendo a remuneração.

Sem prejuízo de ser público que é propósito do presente governo o regresso às 35 horas na função pública

para todos os trabalhadores em funções públicas a partir de 01/07/2016, surge neste momento o despacho

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em causa que visa regulamentar para futuro o número semanal de horas de aulas para os contratos a

tempo parcial a celebrar pressupondo ainda as 40 horas.

Sendo certo que da adaptação aos docentes do ensino superior universitário do actual período normal de

trabalho dos trabalhadores em funções públicas resultante da Lei 68/2013, de 29 de Agosto, não pode

resultar uma violação das regras especialmente aplicáveis a tais docentes constantes do ECDU.

Como o despacho nº 86/2016 visa aplicar-se a "....todos os procedimentos de contratação ou de renovação

de contratos de pessoal especialmente contratado...", verifiquemos algumas das normas que, no ECDU, se

referem a tais docentes:

«(...) Artigo 3. Pessoal especialmente contratado. 1 - Além das categorias enunciadas no artigo anterior, podem ainda ser contratadas para a prestação de serviço docente individualidades, nacionais ou estrangeiras, de reconhecida competência científica, pedagógica ou profissional, cuja colaboração se revista de interesse e necessidade inegáveis para a instituição de ensino superior em causa. 2 - As individualidades referidas no número precedente designam-se, consoante as funções para que são contratadas, por professor convidado, assistente convidado ou leitor, salvo quanto aos professores de instituições de ensino superior estrangeiras, que são designados por professores visitantes. 3 - Podem ainda ser contratados como monitores estudantes de ciclos de estudos de licenciatura ou de mestrado da própria instituição de ensino superior ou de outra instituição de ensino superior. 4 - São igualmente designados por professores visitantes as individualidades referidas no n.º 1 que sejam investigadores de instituições científicas estrangeiras ou internacionais. Artigo 4.º Funções dos docentes universitários Cumpre, em geral, aos docentes universitários: a) Realizar actividades de investigação científica, de criação cultural ou de desenvolvimento tecnológico; b) Prestar o serviço docente que lhes for distribuído e acompanhar e orientar os estudantes; c) Participar em tarefas de extensão universitária, de divulgação científica e de valorização económica e social do conhecimento; d) Participar na gestão das respectivas instituições universitárias; e) Participar em outras tarefas distribuídas pelos órgãos de gestão competentes e que se incluam no âmbito da actividade de docente universitário. (...) Artigo 8.º Funções do pessoal especialmente contratado. 1 - Os professores visitantes e os professores convidados desempenham as funções correspondentes às de categoria a que foram equiparados por via contratual. 2 - Aos assistentes convidados é atribuído o exercício das funções dos docentes sob a orientação de um professor. 3 - Aos leitores são atribuídas as funções de regência de disciplinas de línguas vivas, podendo também, com o acordo destes e quando as necessidades de ensino manifesta e justificadamente o imponham, ser incumbidos pelos conselhos científicos da regência de outras disciplinas dos cursos de licenciatura. 4 - Aos monitores compete coadjuvar, sem os substituir, os restantes docentes, sob a orientação destes. (...)

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Secção II Pessoal especialmente contratado Artigo 30.º Contratação de professores visitantes. 1 - Os professores visitantes são contratados a termo certo e em regime de dedicação exclusiva, de tempo integral ou de tempo parcial, nos termos da lei e de regulamento a aprovar por cada instituição de ensino superior. 2 - Quando os professores visitantes são contratados em regime de dedicação exclusiva ou de tempo integral ou em dedicação exclusiva, a duração do contrato, incluindo as renovações, não pode exceder quatro anos. Artigo 31.º Contratação de professores convidados. 1 - Os professores convidados são contratados a termo certo e em regime de tempo parcial, nos termos da lei e de regulamento a aprovar por cada instituição de ensino superior. 2 - Se, excepcionalmente, e nos termos do regulamento respectivo, forem contratados em regime de dedicação exclusiva ou de tempo integral, o contrato e as suas renovações não podem ter uma duração superior a quatro anos. Artigo 32.º Contratação de assistentes convidados. 1 - Os assistentes convidados são contratados a termo certo e em regime de dedicação exclusiva, de tempo integral ou de tempo parcial, nos termos da lei e de regulamento a aprovar por cada instituição de ensino superior. 2 - A contratação em regime de dedicação exclusiva, de tempo integral ou de tempo parcial igual ou superior a 60 %, só pode ter lugar quando aberto concurso para categoria da carreira este tenha ficado deserto ou não tenha sido possível preencher todos os lugares postos a concurso por não existirem candidatos aprovados em número suficiente que reunissem as condições de admissão a esse concurso. 3 - Em regime de dedicação exclusiva ou de tempo integral, o contrato e as suas renovações não podem ter uma duração superior a quatro anos, não podendo ser celebrado novo contrato nesses regimes entre a mesma instituição de ensino superior e a mesma pessoa. 4 - Aos assistentes convidados em regime de dedicação exclusiva ou de tempo integral deve ser assegurada a participação em programas de investigação da instituição de ensino superior em que prestam serviço ou de outra instituição de ensino superior ou de investigação. (...) Artigo 33. Contratação de leitores. 1 - Os leitores são contratados a termo certo e em regime de dedicação exclusiva, de tempo integral ou de tempo parcial, nos termos da lei e de regulamento a aprovar por cada instituição de ensino superior. 2 - Em regime de dedicação exclusiva ou de tempo integral, o contrato e as suas renovações não podem ter uma duração superior a quatro anos.»

Procede-se agora à transcrição de algumas normas do ECDU com relevância para os regimes de prestação

de serviço:

«CAPÍTULO V Deveres e direitos do pessoal docente Artigo 63.º Deveres do pessoal docente. São deveres genéricos de todos os docentes, sem prejuízo de melhor explicitação em normas regulamentares que, nesta matéria, sejam aprovadas pelas instituições de ensino superior nos termos dos seus estatutos: a) Desenvolver permanentemente uma pedagogia dinâmica e actualizada;

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b) Contribuir para o desenvolvimento do espírito crítico, inventivo e criador dos estudantes, apoiando-os e estimulando-os na sua formação cultural, científica, profissional e humana; c) Orientar e contribuir activamente para a formação científica, técnica, cultural e pedagógica do pessoal docente que consigo colabore, apoiando a sua formação naqueles domínios; d) Manter actualizados e desenvolver os seus conhecimentos culturais e científicos e efectuar trabalhos de investigação, numa procura constante do progresso científico e técnico e da satisfação das necessidades sociais; e) Desempenhar activamente as suas funções, nomeadamente elaborando e pondo à disposição dos alunos materiais didácticos actualizados; f) Cooperar interessadamente nas actividades de extensão da escola, como forma de apoio ao desenvolvimento da sociedade em que essa acção se projecta; g) Prestar o seu contributo ao funcionamento eficiente e produtivo da escola, assegurando o exercício das funções para que hajam sido eleitos ou designados ou dando cumprimento às acções que lhes hajam sido cometidas pelos órgãos competentes, dentro do seu horário de trabalho e no domínio científico-pedagógico em que a sua actividade se exerça; h) Conduzir com rigor científico a análise de todas as matérias, sem prejuízo da liberdade de orientação e de opinião consagrada no artigo seguinte; i) Colaborar com as autoridades competentes e com os órgãos interessados no estudo e desenvolvimento do ensino e da investigação, com vista a uma constante satisfação das necessidades e fins conducentes ao progresso da sociedade portuguesa; j) Melhorar a sua formação e desempenho pedagógico. (...) Artigo 67. Regimes de prestação de serviço. 1 - O pessoal docente de carreira exerce as suas funções, em regra, em regime de dedicação exclusiva. 2 - O exercício de funções é realizado em regime de tempo integral mediante manifestação do interessado nesse sentido. 3 - À transição entre os regimes de dedicação exclusiva e de tempo integral aplica-se o disposto no Decreto-Lei n.º 145/87, de 24 de Março. 4 - O pessoal docente para além da carreira é contratado nos termos fixados pelo presente Estatuto. Artigo 68.º Regime de tempo integral 1 - Entende-se por regime de tempo integral aquele que corresponde à duração semanal do trabalho para a generalidade dos trabalhadores em regime de contrato de trabalho em funções públicas. 2 - A duração do trabalho a que se refere o número anterior compreende o exercício de todas as funções fixadas no capítulo I deste diploma, incluindo o tempo de trabalho prestado fora da instituição de ensino superior que seja inerente ao cumprimento daquelas funções. 3 - Aos órgãos legal e estatutariamente competentes da instituição de ensino superior compete definir as medidas adequadas à efectivação do disposto nos números anteriores e ajuizar do cumprimento da obrigação contratual neles fixada. 4 - Pelo exercício das funções a que se referem os números anteriores, os docentes em tempo integral não poderão auferir outras remunerações, qualquer que seja a sua natureza, sob pena de procedimento disciplinar. 5 - Exceptuam-se do disposto no número anterior os abonos respeitantes a: a) ... b) Ajudas de custo; c) Despesas de deslocação. Artigo 69.º Regime de tempo parcial. No regime de tempo parcial, o número total de horas de serviço semanal, incluindo aulas, sua preparação e apoio aos alunos, é contratualmente fixado. (...)

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Artigo 71. Serviço docente. 1 - Cada docente em regime de tempo integral presta um número de horas semanais de serviço de aulas ou seminários que lhe for fixado pelo órgão legal e estatutariamente competente da instituição de ensino superior, num mínimo de seis horas e num máximo de nove, sem prejuízo, contudo, do disposto no artigo 6.º 2 - Quando tal se justifique, pode ser excedido o limite que concretamente tenha sido fixado nos termos do número anterior, contabilizando-se, nesta hipótese, o tempo despendido pelo respectivo docente, o qual, se assim o permitirem as condições de serviço, pode vir a ser dispensado do serviço de aulas correspondente noutros períodos do ano lectivo. 3 - Para além do tempo de leccionação de aulas, o horário de serviço docente integra a componente relativa a serviço de assistência a alunos, devendo este, em regra, corresponder a metade daquele tempo. 4 - Aos monitores cabe prestar o máximo de seis horas semanais de serviço. 5 - ... 6 - É considerada como serviço docente a regência de cursos livres sobre matérias de interesse científico para a instituição de ensino superior não incluídas no respectivo quadro de disciplinas, desde que autorizadas pelo conselho científico. 7 - O limite para a acumulação de funções ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 51.º da Lei n.º 62/2007, de 10 de Setembro, é de seis horas lectivas semanais. (....) Artigo 74.º Vencimentos e remunerações. (...) 5 - O pessoal docente em regime de tempo parcial aufere uma remuneração igual a uma percentagem do vencimento para o regime de tempo integral correspondente à categoria e nível remuneratório para que é convidado, proporcionada à percentagem desse tempo contratualmente fixada. 6 - Os professores visitantes auferem uma remuneração mensal igual à da categoria docente a que hajam sido contratualmente equiparados, tendo ainda direito a um subsídio de deslocação, de montante a fixar por despacho conjunto dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e do ensino superior. 7 - Os monitores percebem uma gratificação mensal de montante igual a 40 % do vencimento dos assistentes estagiários em regime de tempo integral.» (sublinhado e negrito nossos)

Como resulta dos referidos normativos, no ECDU não se faz qualquer distinção na aplicação do tempo

integral ao pessoal docente de carreira ou ao pessoal docente especialmente contratado.

Sendo que o motivo legalmente indicado para contratar o "pessoal especialmente contratado" é o facto da

sua "...colaboração se revista de interesse e necessidade inegáveis para a instituição de ensino superior em causa."

(cfr. Artigo 3º do ECDU).

Acresce que, nos termos do transcrito artigo 8º do ECDU os "professores visitantes e os professores

convidados desempenham as funções correspondentes às de categoria a que foram equiparados por

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via contratual." e, por outro lado, os assistentes e leitores, aos quais não correspondem nenhuma das

categorias previstas no artigo 2º, são igualmente docentes para o efeitos dos artigos 4.º, 63.º, 68º e 71º.

O ECDU não estabelece qualquer distinção nas funções a desempenhar pelos docentes em função do seu

regime de contratação e/ou do regime de prestação de serviço. Não podendo a administração por via de

regulamento criar tal distinção.

A administração não pode tratar de forma mais desfavorável os docentes especialmente contratados a

tempo integral apenas por ser diferente a natureza do vinculo.

Da mesma forma que um docente a tempo parcial não pode ter tratamento menos favorável que um docente

a tempo integral (não se vislumbrando, em face do quadro legal transcrito, quaisquer razões objectivas que

sustentem tal diferenciação de tratamento).

No despacho em causa, refere-se uma alegada necessidade de estabelecer "...critérios uniformes de

fixação do número semanal de horas de aulas a atribuir ao pessoal especialmente contratado....", porém

(para além de não serem fixados critérios mas sim uma tabela com indicações dos números de horas) a verdade é

que, como resulta do quadro legal supra transcrito, tais critérios já se encontram legalmente definidos e são

violados no presente despacho.

Os critérios legalmente definidos, como vimos supra, são os da proporcionalidade por referência

comparativa com um trabalhador a tempo integral e a proibição de um tratamento mais desfavorável

dos trabalhadores a tempo parcial.

Aliás, tal imposição legal transparece em parte no despacho aqui em causa aquando da definição das

"horas de serviço semanal", porém tais critérios não são, em clara violação da lei, seguidos na definição do

número de aulas semanal.

Assim, apesar de no despacho em causa se ter determinado o número de horas de serviço total em

função da proporção da "percentagem contratual" em relação ao tempo integral, desconsiderou-se

por completo tais critérios legais na determinação do serviço de aulas em função do limite

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legalmente definido (cfr. Artigo 71º nº1 do ECDU) para o número de horas de serviço de aulas

semanais, assim descurando por completo a especificidade do regime de tempo de trabalho dos

docentes do ensino superior.

Como não pode ser desconhecido pela entidade administrativa, o tempo de trabalho dos docentes tem

efectivamente essa especialidade relativamente aos restantes trabalhadores em funções públicas, na

medida em que a lei define não só a duração semanal do trabalho mas também impõe um limite máximo

para o número de horas de serviço de aulas.

Assim, apesar de no artigo 68º do ECDU se remeter (na caracterização do regime de tempo integral) para a

duração semanal do trabalho para a generalidade dos trabalhadores em regime de contrato de trabalho em

funções públicas (determinando-se que tal regime compreende o exercício de todas as funções do pessoal

docente), o legislador procedeu no artigo 71º nº 1 do ECDU à expressa e especial delimitação do

número de horas semanais de serviço de aulas ou seminários.

Note-se aliás que art. 2º3 da Lei 68/2013 disponha que os horários específicos (como, sem dúvida, o são os

horários dos docentes do ensino superior) careceriam sempre de uma adaptação em função da alteração do

período normal de trabalho das 35 horas para as 40 horas semanais.

Efectivamente, o artigo 2º da Lei 68/2013 apenas alterou a duração do período normal de trabalho, pelo que

apenas contendia com o previsto no artigo 68º do ECDU, não contendendo com a especial delimitação

do serviço de aulas ou seminário constante do artigo 71º nº1 do ECDU.

3 Atente-se no artigo 2º da Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto:

«Artigo 2.º Período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas

1 - O período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas é de oito horas por dia e quarenta horas por

semana.

2 - Os horários específicos devem ser adaptados ao período normal de trabalho de referência referido no número anterior.

3 - O disposto no n.º 1 não prejudica a existência de períodos normais de trabalho superiores, previstos em diploma

próprio.»

Page 14: Percentagem contratual Horas de serviço Horas de aulas

14

Assim, tal como ao tempo sustentámos, a alteração do período normal de trabalho dos trabalhadores em

funções públicas para quarenta horas por semana apenas alterou o período normal de trabalho na

parte/componente que não estava/está expressamente regulada nas normas especiais do ECDU.

Isto é, a alteração geral, resultante da Lei 68/2013, do período normal de trabalho apenas alterou o

especifico horário dos docentes do ensino superior nas componentes para além do mínimo de seis horas e

do máximo de nove de horas semanais de serviço de aulas ou seminários.

O alargamento do período normal de trabalho para 40 horas apenas teve aplicação no âmbito do

cumprimento das funções docentes que ficam, por assim dizer, aquém e além da prestação de serviço de

aulas e seminários expressamente limitado no ECDU.

Esta a interpretação que se nos afigurou e afigura como a que mais respeitava a intencionalidade normativa

de alargar o período normal de trabalho ao mesmo tempo que respeitava a especialidade do regime da

docência universitária.

Uma interpretação e aplicação do artigo 2º da Lei 68/2013 que permitisse que tal normativo geral

procedesse à alteração/revogação parcial do limite expresso constante do artigo 71º nº1 do ECDU, estaria

em violação do artigo 7.º do Código Civil, na medida em que teríamos uma lei geral a revogar uma lei

especial.

Revogação que não teria qualquer arrimo já que estava manifestamente ausente a "intenção inequívoca do

legislador nesse sentido". A lei 68/2013 não só não faz qualquer referência ao artigo 71º nº1 do ECDU,

como a mesma pressupõe uma adaptação dos horários específicos e não uma alteração de normas

que limitam componentes especificas desses horários.

Assim, para os docentes do ensino superior o referido alargamento do período normal de trabalho para as

40 horas, face ao quadro legal, estava limitado as horas de serviço semanal para além das horas de serviço

de aulas.

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Por razões semelhantes, o Ministério da Educação e Ciência limitou, ao tempo, o aumento de horas

semanais dos docentes do não superior à componente não lectiva, mantendo-se o número de horas de

aulas semanais.

Porém, sem conceder, ainda que em função do aumento para 40 horas se tivesse pretendido aumentar

também o número limite de horas de aulas semanais, a verdade é que tal aumento sempre teria que ter sido

proporcional e nunca permitiria chegar aos números de horas de aulas constantes do presente despacho e

à definição de uma percentagem de 50% de horas semanais de aulas com um limite máximo de 18 horas de

aulas!

O aumento para 40 horas – atendendo a globalidade das funções de um docente (cfr. artigos 5º e 8º do

ECDU) do ensino superior e especificidades daí decorrentes – apenas era aplicável à parte do horário dos

docentes do ensino superior que não estava especificamente delimitada no ECDU.

Sem conceder, caso assim não se entendesse (o que por mera hipótese teórica se coloca), sempre se

teria que manter a proporcionalidade entre o serviço de aulas e seminários e o período normal de trabalho

pré-existente à alteração levada a cabo pela Lei 68/2013.

Termos em que, sem conceder, mesmo que se pretendesse aplicar o alargamento do período normal de

trabalho ao serviço de aulas, nunca se poderia efectuar uma alteração da proporção do serviço de aulas em

função do período normal de trabalho.

Por outro lado, não se pode deixar novamente de referir que face às afirmações que vem sendo

publicamente veiculadas pelo governo relativamente ao regresso às 35 horas para os trabalhadores em

funções públicas em 01/07/2016 – de acordo, aliás, com o Projeto de Lei n.º 97/XIII/1.ª aprovado em

votação na generalidade realizada na reunião plenária de 15/01/2016 –se profira um despacho em

22/04/2016 para regular situações futuras tendo por base o período normal de trabalho de 40 horas.

Como resulta do que se vinha de expor, o despacho nº 86/2016 de 22/04/2016 define um número de

horas de aulas semanais para o pessoal docente especialmente contratado a tempo parcial que

Page 16: Percentagem contratual Horas de serviço Horas de aulas

16

ultrapassa os limites legalmente impostos para os docentes a tempo integral e subverte (chegando

mesmo a reverte-la, na medida em que o número de horas de aulas dos docentes a termo parcial é superior

ao limite para os docentes a tempo integral) a lógica de proporcionalidade e comparabilidade

legalmente imposta entre a duração e organização do trabalho de um docente em regime de tempo

integral e a duração do trabalho de um docente em regime de tempo parcial

Pelo que o despacho em causa viola as normas supra transcritas, designadamente o artigo 71º do

ECDU e art.s 154º nº 2 do código do trabalho por remissão da 68º da LGTFP, consubstanciando um

tratamento menos favorável do trabalhador a tempo parcial já que se lhe exige de forma

ostensivamente desproporcional mais horas de serviço de aulas do que a um docente em tempo

integral.

Acresce que, não só o numero de horas semanais para o pessoal especialmente contratado em regime de

tempo parcial ultrapassa os limites legalmente estipulados em ostensiva subversão e reversão da referida

imposição legal de proporcionalidade e comparabilidade como tal aplicação origina uma ostensiva

violação dos artigos 154º nº 3 al. a) do Código do Trabalho, 74º nº 5 do ECDU e art. 59º, n.º 1, alínea a)

da Constituição da República Portuguesa.

Isto se afirma na medida em que da tabela constante do despacho nº 86/2016 e da regra4 aí definida

para o pessoal especialmente contratado com percentagem superior a 60% resulta que a tais

docentes será exigido um número de aulas semanal equivalente a 50% do total das horas de serviço

(com o limite de 18 horas), o que, como vimos supra, é muito superior à relação de proporcionalidade

legalmente estabelecida para os docentes em tempo integral.

Aplicando-se a tabela e regra definida no despacho em causa à remuneração do pessoal docente em

regime de tempo parcial é manifesto que a remuneração a ser paga aos docentes a tempo parcial não é

proporcional à natureza e quantidade do trabalho quando comparado com a remuneração de um

trabalhador a tempo integral em situação comparável já que se lhes está a exigir um serviço de aulas muito

superior em proporção do número total de horas.

4 Referimo-nos à seguinte passagem do despacho nº 86/2016:

«...ao pessoal especialmente contratado com percentagem superior a 60%, seja fixado no número semanal de horas de aulas nos

seguintes termos:

– até 50% do número total de horas de serviço semanal, num máximo de 18 horas e num mínimo de 12 horas semanais de aulas,

sem, contudo, exceder o valor médio de 12 horas semanais, calculado com base no período de duração do contrato.»

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Estamos assim perante uma clara violação do principio salário igual, trabalho igual já que se está a

remunerar da mesma forma trabalho de natureza (desproporcional numero de serviço de aulas) e

quantidade (de duração e intensidade diferente) diferente.

Resulta do despacho em causa que para fixação da remuneração dos docentes a tempo parcial se

desconsiderará a especificidade (resultante da distinção entre o serviço de aulas e o restante e da

previsão legal de um limite temporal para aquele) dos horários de trabalho dos docentes do ensino

superior e se atende apenas à percentagem de horas de serviço semanal, desconsiderando-se o

desproporcional número de aulas semanal determinado.

Pelo que, se nos afigura como evidente a violação das referidas normas dos artigos 154º nº 3 al. a) do

Código do Trabalho, 74º nº 5 do ECDU e art. 59º, n.º 1, alínea a) da Constituição da República

Portuguesa, resultando do mesmo uma ilegal diminuição da remuneração dos docentes em relação à

remuneração a que teriam direito em função do serviço de aulas exigido.

Não podendo as partes num contrato e muito menos uma entidade empregadora pública impôr uma

remuneração em violação dos critérios legalmente impostos.

Por último, o presente despacho configura uma alteração do quadro legalmente fixado – vide artigo 4º

do ECDU e restante normas supra citadas, que não distinguem as funções dos docentes em função do tempo

de serviço – das funções docentes do ensino superior universitário.

Efectivamente, face ao desproporcionalmente elevado número de aulas atribuído aos docentes contratados

a termo subverte-se a caracterização legal das funções de um docente do ensino superior em que a

principal actividade deve ser a realização de actividades de investigação cientifica, de criação

cultural ou desenvolvimento e em que o serviço de aulas (que se querem inovadoras e

diferenciadas) também pressupõe essa investigação e preparação acrescidas.

Page 18: Percentagem contratual Horas de serviço Horas de aulas

18

A este respeito atente-se na diferença entre a ordem das funções constantes do artigo 4º do ECDU e a

ordem das funções dos docentes do ensino superior politécnico estipulada no artigo 2º-A do ECDESP,

surgindo neste normativo em primeiro lugar "prestar serviço docente" (e recorde-se que ainda assim o número

máximo do serviço de aulas semanal para os docentes do ensino superior politécnico é de 12 horas – cfr. Art. 34º nº5

do ECDESP).

Pelo que se efectua assim, através de um mero regulamento administrativo, uma distinção entre os

docentes do ensino superior universitário, procurando-se, porventura, a criação de um corpo de

docentes que assegure o serviço de aulas a preços mais baixos, dando-lhes menos tempo para

investigação e preparação de aulas.

Situação que para além de ilegal, coloca em causa a qualidade do próprio serviço de aulas face ao

menor tempo para investigação e preparação de aulas e reduzirá consideravelmente as

possibilidades de entrada e progressão futuras na carreira ao limitar o tempo para realização de

investigação.

Isto é tanto mais evidente quando no recente Regulamento de Recrutamento e Contratação de

Pessoal Docente da Universidade de Coimbra, Regulamento nº 330/2016 (Diário da República, 2.ª série —

N.º 61 — 29 de março de 2016) se determinou que nos concursos para professor auxiliar o desempenho

cientifico do candidato terá uma valorização de cerca de 80% !

Assim, a mesma instituição que aumenta o serviço de aulas dos docentes contratados a tempo parcial

subvertendo as lógicas legais supra referidas e dificulta assim desproporcionalmente a realização de

investigação aos docentes contratados a tempo parcial atribui em sentido contrário a relevância de 80% ao

desempenho cientifico nos concursos para ingresso na carreira.

Fazendo-se no despacho em causa – a nível regulamentar – uma distinção, que não resulta da lei, entre o

serviço docente do pessoal especialmente contratado e os docentes de carreira regime de tempo integral

em clara violação das normas supra referidas.

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O que pela contemporaneidade dos dois regulamentos, nos leva a questionar se não se está a criar uma

situação em que os docentes contratados a tempo parcial se encontram remetidos a uma situação de eterna

precariedade, encarados institucionalmente como uma forma de cumprir o serviço de aulas a baixo preço.

Concluindo,

1. O despacho nº 86/2016, de 22/04, contém regras gerais e abstractas emanadas de um órgão

administrativo, no uso de poderes jurídico-administrativos que visam produzir efeitos jurídicos em

situações gerais e abstractas já que define regras para aplicação a um número, à partida,

indeterminável de situações relativas à renovação de contratos e contratação de novos docentes (cfr.

art. 135º do Código de Procedimento Administrativo).

2. Previamente à emissão de tal despacho a entidade administrativa não realizou a audição dos

interessados, pelo que o mesmo padece de uma ilegalidade procedimental e, como tal, é inválido (cfr.

Art. 143º nº 1 do CPTA). Tal como serão inválidos os actos administrativos praticados em sua

execução.

3. A necessidade de indicação/fixação no contrato reduzido a escrito do tempo de trabalho a tempo

parcial deve-se à necessidade de previsibilidade e controlabilidade, não resultando de tal exigência do

ECDU, tal como não resulta da norma de carácter geral, uma qualquer possibilidade das partes

contraentes definirem tempo de trabalho a tempo parcial e a sua organização interna sem respeito

pelos critérios legais de comparabilidade e proporcionalidade em relação à duração e limites

legalmente impostos ao contrato a tempo integral.

4. No despacho em causa apesar de se ter determinado o número de horas de serviço total em função da

proporção da "percentagem contratual" em relação ao tempo integral, desconsiderou-se por completo

tais critérios legais na determinação do serviço de aulas em função do limite legalmente definido (cfr.

Artigo 71º nº1 do ECDU) para o número de horas de serviço de aulas semanais, assim descurando por

completo a especificidade do regime de tempo de trabalho dos docentes do ensino superior.

5. Apesar de no artigo 68º do ECDU se remeter (na caracterização do regime de tempo integral) para a

duração semanal do trabalho para a generalidade dos trabalhadores em regime de contrato de trabalho

em funções públicas (determinando-se que tal regime compreende o exercício de todas as funções do

Page 20: Percentagem contratual Horas de serviço Horas de aulas

20

pessoal docente), o legislador procedeu no artigo 71º nº 1 do ECDU à expressa e especial delimitação

do número de horas semanais de serviço de aulas ou seminários.

6. O despacho nº 86/2016 define um número de horas de aulas semanais para o pessoal docente

especialmente contratado a tempo parcial que ultrapassa os limites legalmente impostos para

os docentes a tempo integral e subverte (chegando mesmo a reverte-la, na medida em que o número

de horas de aulas dos docentes a termo parcial é superior ao limite para os docentes a tempo integral)

a lógica de proporcionalidade e comparabilidade legalmente imposta entre a duração e

organização do trabalho de um docente em regime de tempo integral e a duração do trabalho de

um docente em regime de tempo parcial.

7. Pelo que o mesmo viola o artigo 71º do ECDU e art.s 154º nº 2 do código do trabalho por

remissão da 68º da LGTFP, consubstanciando um tratamento menos favorável do trabalhador a

tempo parcial já que se lhe exige de forma ostensivamente desproporcional mais horas de

serviço de aulas do que a um docente em tempo integral.

8. Acresce que, não só o numero de horas semanais para o pessoal especialmente contratado em

regime de tempo parcial ultrapassa os limites legalmente estipulados em ostensiva subversão e

reversão da referida imposição legal de proporcionalidade e comparabilidade como tal aplicação

originará uma ostensiva violação dos artigos 154º nº 3 al. a) do Código do Trabalho, 74º nº 5 do

ECDU e art. 59º, n.º 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa.

9. Das supra referidas normas do ECDU e do regime geral do trabalho a tempo parcial resulta que a

remuneração do trabalho a tempo parcial deve, por regra, ser proporcional ao tempo de serviço

prestado em tempo integral e, sob pena de se violar a proibição de tratamento discriminatório, respeitar

a proporção especifica do serviço de aulas no ensino superior.

10. Porém, da tabela constante do despacho nº 86/2016 e da regra aí definida para o pessoal

especialmente contratado com percentagem superior a 60% resulta que a tais docentes será

exigido um número de aulas semanal equivalente a 50% do total das horas de serviço (com o

limite de 18 horas), o que, como vimos supra, é muito superior à relação de proporcionalidade

legalmente estabelecida para os docentes em tempo integral.

11. Aplicando-se a tabela e regra definida no despacho em causa à remuneração do pessoal docente em

regime de tempo parcial é manifesto que a remuneração paga aos docentes a tempo parcial não é

proporcional à natureza e quantidade do trabalho quando comparado com a remuneração de um

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trabalhador a tempo integral em situação comparável já que se lhes está a exigir um serviço de aulas

muito superior em proporção do número total de horas.

12. Estamos assim perante uma clara violação do principio salário igual, trabalho igual já que se está a

remunerar da mesma forma trabalho de natureza (desproporcional numero de serviço de aulas) e

quantidade (de duração e intensidade diferente) diferente.

13. Sendo no nosso entender evidente a violação das normas dos artigos 154º nº 3 al. a) do Código do

Trabalho, 74º nº 5 do ECDU e art. 59º, n.º 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa,

resultando do despacho em causa uma ilegal diminuição da remuneração dos docentes em

relação à remuneração a que teriam direito em função do serviço de aulas exigido.

14. Acresce que o artigo 72º al. d) do LGTFP proíbe qualquer entidade empregadora pública de diminuir a

remuneração fora dos casos expressamente previstos na lei, ora também esta norma tem relevância na

presente situação, não estando na livre disponibilidade da entidade empregadora pública decidir (ou as

partes acordarem) a redução da remuneração do trabalhador (ainda que por via da exigência de mais

trabalho) mantendo a remuneração, designadamente, aquando da renovação dos contratos.

15. Por outro lado, o presente despacho configura uma alteração do quadro legalmente fixado – vide artigo

4º do ECDU e restante normas supra citadas, que não distinguem as funções dos docentes em função do tempo

de serviço – das funções de um docente do ensino superior universitário, subvertendo-se a

caracterização legal das funções de um docente do ensino superior em que a principal actividade deve

ser a realização de actividades de investigação cientifica, de criação cultural ou desenvolvimento e em

que o serviço de aulas (que se querem inovadoras e diferenciadas) também pressupõe essa

investigação e preparação acrescidas.

16. Efectua-se assim, através de um mero regulamento administrativo, uma distinção entre

docentes do ensino superior universitário, procurando-se a criação de um corpo de docentes

que assegure o serviço de aulas a preços mais baixos, dando-lhes menos tempo para

investigação e preparação de aulas.

17. Situação que para além de ilegal, coloca em causa a qualidade do próprio serviço de aulas face ao

menor tempo para investigação e preparação de aulas e reduzirá consideravelmente as possibilidades

de entrada e progressão futuras na carreira desses docentes ao limitar-lhes o tempo para realização de

investigação.

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18. Isto é tanto mais evidente quando no recente Regulamento de Recrutamento e Contratação de Pessoal

Docente da Universidade de Coimbra, Regulamento nº 330/2016 (Diário da República, 2.ª série — N.º 61 —

29 de março de 2016) se determinou que nos concursos para professor auxiliar o desempenho cientifico

do candidato terá uma valorização de cerca de 80%.

19. Face ao exposto, é nosso parecer que o despacho nº 86/2016 padece de numerosas ilegalidades e,

como tal, é inválido (cfr. Art. 143º nº 1 do CPTA).

Salvo melhor juízo, é este o nosso parecer.

O Advogado,

(Bartolomeu da Fonseca)

Coimbra, 23/05/2016