pensamentos e leituras etnia brasileira · ao escolher um tema que nos satisfaça, de imediato...

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Vivian Noitel Valim Tedardi - 2002 PENSAMENTOS E LEITURAS DE DARIO VELLOZO SOBRE ETNIA BRASILEIRA

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PENSAMENTOS E LEITURASDE DARIO VELLOZO SOBRE

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Monografia apresentada à disciplina de OrientaçãoMonográfica como requisito parcial à conclusão docurso de graduação em História, Faculdade de Ci-ências Humanas, Letras e Artes da UniversidadeTuiuti do Paraná.

Orientadora Profª Cláudio Denipoti

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INTRODUÇÃO

Procurar um tema para desenvolver uma pesquisahistoriográfica não é tarefa fácil. Embora inúmeras idéi-as surjam em nossa mente é difícil alguma que nos agra-de profundamente. Porém, esta incerteza, muitas vezes,nos faz sentir angustiados e bate um desespero por nãoconseguir se decidir a respeito do que pesquisar entretantos assuntos que existem ao olharmos para o passa-do. Há tanta coisa para se saber e para pesquisar... Mas,felizmente, a idéia viável sempre aparece, mais cedo oumais tarde.

Ao escolher um tema que nos satisfaça, de imediatopensamos que a angústia havia passado, entretanto, elasó estava começando. Quando se inicia a pesquisa àsfontes e à bibliografia selecionada tantas perguntaspermeiam nossa mente que medos, angústias e deses-peros nos assolam e faz com que a busca para selecio-nar o “problema” se torne uma obsessão e que você nãoveja a hora de colocar fim ao mistério levantado quando otema foi escolhido. Foi nesta angústia à procura de umtema para um projeto de pesquisa de final de curso queme deparei.

Descobri meu objeto de pesquisa, Dario Vellozo, emalgumas leituras realizadas durante meu período acadê-mico (acho que desde o início minha relação com estepersonagem esteve permeada pelas leituras). Seu nome,quando apresentado, geralmente estava reunido com ode outros intelectuais do período como Julio Pernetta,Nestor Vitor, Silveira Neto, Antonio Braga, Emiliano Perneta,

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Rocha Pombo e entre outros. Porém, o destaque que eraconcedido ao seu nome despertou em mim um desejo desaber quem foi este intelectual e o que ele havia desempe-nhado na capital paranaense. Foi aí que iniciei a minhapesquisa. Soube que foi um dos grandes responsáveispelo Movimento Literário Simbolista no Paraná e que ha-via fundado o Instituto Neo-Pitagórico em 1909. Ao pro-curar suas obras literárias verifiquei que ele havia escritomuito mais do que livros de poesia simbolista. Publicouobras ligadas a assuntos polêmicos, como é o caso desuas obras anticlericalistas defendendo o livre pensamen-to. Assim, nesse gigante panorama que se abriu diantede meus olhos escolhi trabalhar com as suas idéias políti-cas, contudo, este ainda era um assunto bastante amplopara o que eu pretendia fazer em minha pesquisa, poisgostaria de trabalhar com as leituras deste intelectual. Efoi, através de minha busca para privilegiar um assuntodentro do desenvolvimento político de Vellozo que me de-parei com a questão étnica em seu discurso.

Através do desejo de entender o “mundo” em queDario Vellozo vivia que “mergulhei” em suas obras à pro-cura de indícios que me levassem a uma pequena apre-ensão do meio vivido pelo intelectual em questão. E nestesentido a teoria da História da Leitura me forneceu subsí-dios para que eu procurasse entender o que queria. RobertDarnton expõe a respeito da história da leitura que “sepudéssemos compreender como ele tem lido, poderíamosnos aproximar de um entendimento de como ele compre-ende a vida; e dessa maneira, da maneira histórica, po-deríamos até satisfazer parte de nossa própria ânsia de

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significado”.1 Pensando desta maneira tentei resgatar avisão de mundo que Dario Vellozo possuía através da suaconcepção de raça brasileira. Este literato deixou registra-do em suas discussões a respeito da construção da iden-tidade nacional declarações a respeito do que leu. Partin-do dessas afirmações de Vellozo e da análise realizadapara este trabalho de duas obras lidas por este intelectu-al, tentou-se “descobrir” uma pequena dimensão a res-peito da sua visão de mundo.

Assim, para desenvolver este trabalho de pesquisa,colocou-se a seguinte pergunta: de que forma Dario Vellozoleu escritores contemporâneos seus ou não e como seapropriou de suas idéias. Isto se pensando que “ler é en-tendido como uma ‘apropriação’ do texto, tanto por con-cretizar o potencial semântico do mesmo quanto por criaruma mediação para o conhecimento do eu através dacompreensão do texto”2

Para poder responder a esta pergunta dividiu-se estetrabalho em três capítulos. O primeiro ficou responsávelpor descrever o meio social vivido pelo intelectual em ques-tão e uma pequena biografia a seu respeito; o segundocapítulo está relacionado a um histórico sobre a questãoétnica do Brasil realizada por diversos intelectuais brasilei-ros para poder incluir Vellozo nessas discussões; e porfim, o último capítulo demonstra duas leituras realizadaspelo personagem em questão e a análise final sobre a for-ma com que Dario Vellozo se relacionou com as duas1 DARNTON, Robert. História da leitura. In. BURKE, Peter (org). A escrita da história:novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992. p. 233.2 CHARTIER, Roger Textos, Impressões e Leituras. In: Hunt, Lynn (org). A novahistória cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 215.

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obras por ele lidas.“O leitor encontra-se invariavelmente inscrito no texto

(...)”,3 disse Roger Chartier, desta forma, espero que cadaleitor inscreva-se neste trabalho historiográfico podendode formas plurais cada um estabelecer um significado di-ferente.

1. Panorama de Curitiba na Primeira República

Final do século XIX e início do século XX, período daPrimeira República Brasileira. As imagens urbanas esta-vam transformando-se no decorrer dos anos, pois o Bra-sil precisava consolidar-se como uma nova nação, crian-do os seus contornos modernos tais como as grandespotências européias. A capital paranaense, Curitiba, es-tava inserida neste contexto, as suas características ur-banas e a construção de sua identidade coletiva no planoregional e nacional são fundamentais para entendermoseste processo.

A grande maioria dos livros consultados para estapesquisa, sobre Curitiba na Primeira República, é unâni-me quanto ao período de “modernidade” pelo qual estavapassando a capital paranaense. Esse era o momento emque estava consolidando-se um novo regime político. Acidade enriquecida pela economia do mate começava amudar sua fisionomia com grande rapidez. Os historiado-res paranaenses do momento “constroem a imagem deuma cidade que, de sonolenta, pacata e provinciana, trans-formou-se, graças à ação bem feita de seus governantes3 CHARTIER,... p. 215.

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e à índole do seu povo, numa urbs moderna, higiênica eordeira”.4 Projetos de urbanização como a expansão dasredes de esgoto, o alargamento das praças, a constru-ção de bueiros, calçamento e arborização de ruas, foramcolocados em prática. Em detrimento dos novos projetosurbanísticos em busca do embelezamento da cidade, aarquitetura se alterou, novas formas de lazer passaram afazer parte do cotidiano de curitibanos, como é o caso decafés, cinemas e festas em clubes. Algumas fábricascuritibanas também se estabeleceram como é o caso doengenho de mate David Carneiro, as massas Todeschinie a fundição Mueller.

Na medida em que a cidade crescia devido à sua“modernização” ela se superpovoava, principalmente coma vinda dos imigrantes europeus. Em decorrência de seusuperpovoamento, problemas relacionados à moradia,desemprego, sobrevivência, violência e doenças faziamparte também deste cenário. Assim, padrões dedisciplinarização social foram colocados em prática; umapolícia vigilante passou a fazer parte do contexto, ehigienizar a cidade tornou-se sinônimo de modernizar,pois Curitiba devia enquadrar-se nos parâmetros da eco-nomia burguesa, no mundo do trabalho. Nesse sentido,“higienizar implicava em drenar pântanos, alinhar e cal-çar ruas, retificar cursos de rios, instalar água encanadae rede de esgotos, arborizar praças, prevenir focos po-tenciais de enfermidades onde estivessem (prédios, fá-bricas, cemitérios), adotar medidas preventivas, como

4 DE BONI, Maria Ignês Mancini. O Espetáculo Visto do Alto: vigilância e punição emCuritiba 1890-1920. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1998. p. 14 e 15

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vacinas e, principalmente, combater hábitos anti-higiêni-cos. Em suma, ordenar o espaço, disciplinar usos, con-trolar e regular hábitos”5 .

São diversos os relatos dos habitantes da cidade arespeito dos novos e rápidos contornos sociais e urba-nos que estavam caracterizando o cotidiano na capitaldo estado do Paraná. Berberi, em “Impressões”, expôsno início de seu trabalho uma crônica que encontrou nojornal “O Paraná”, publicada em 15/06/1910 por Higino,e que aqui iremos nos utilizar para demonstramos umpouco a respeito de como os habitantes da capitalparanaense estavam sentindo as rápidas mudanças nocenário urbano. Esta crônica é um exemplo para demons-trar a inserção do estado do Paraná no contexto damodernidade:

(...) Ella era uma caboclinha rústica, de tez more-na e olhos azues. Andava a errar pelas selvas semfim, pelas mattas seculares, o corpo apenas abri-gado em pelles brutas de animaes ferozes, ospés descalços, acostumados a pisar espinhos.Um dia encontraram-na assim homens da civili-zação, agarraram-na, cingiram-lhe o corpo d’umabelleza selvagem, e a arisca menina sentio a pri-meira revolta de seu pudor ofendido, que emondas rubras lhe tingiram o rosto (...).(...) Agora ela é altiva cortesã, a seductoraprinceza do Sul, a mulher que fascina, que temencantos mil, que tem mil adoradores (...).6

5 DE BONI,... p. 256 BERBERI, Elizabete. Impressões: a modernidade através das crônicas do início doséculo em Curitiba. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1998. p. 5 e 6.

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Contudo, não foram somente as transformações ur-banas que caracterizaram esse momento da inserção deCuritiba na chamada modernidade. Um discurso com pro-jeto de construção de uma nova identidade regional e na-cional, a favor do novo sistema político, legitimava as trans-formações, pois o Paraná buscava a sua inclusão no ce-nário nacional. A efervescência intelectual curitibana foi umdos aspectos importantes para a definição dos parâmetrosda construção da República brasileira nas discussões queenvolveram o estado do Paraná. Assim, analisar a gera-ção de intelectuais que disseminaram seus ideais emCuritiba na Primeira República é um dos fatores importan-tes desta pesquisa.

1.1 A intelectualidade da Primeira República emsolo curitibano.

Os intelectuais eram os porta vozes da modernidade,“(...) o literato, é um elemento da sociedade moderna quese destaca e que conduz em direção ao progresso, comouma espécie de ‘iluminador’ da sociedade”.7

Embora fosse um período de conflitos, de imaginári-os variados, o final do século XIX e início do século XX foium período rico em embates políticos, de defesa de idéi-as, de sonhos para a construção da nação brasileira. Eramdiversos os discursos defendidos nos vários periódicosque circulavam na capital paranaense. Eram ideaisadvindos na sua grande maioria da Europa e que influencia-ram os intelectuais desta terra. Eram conceitos, provenientes7 BERBERI,... p. 65

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do Neo-iluminismo carregado de racionalismo, idéias deprogresso, ciência, liberdade de consciência; do Movimen-to Romântico responsável pelo nacionalismo; doEvolucionismo que ajudou a traçar grandes discussões arespeito de uma raça ideal para a nação; ou, até mesmo,do Ocultismo que influenciou grande parte dos literatoscuritibanos quanto ao movimento simbolista. Porém, comodefine Carvalho em “Nestor Vitor: um intelectual e as idéiasde seu tempo”, a respeito das concepções que circulavamno Brasil advindos de teóricos europeus, “no embate entrea diferença, a similitude e a originalidade, buscou-se com-preender como tal ideário foi assimilado e modificado, emfins do século XIX e início deste, pelas classes letradas na-cionais no afã de inserir-se nos moldes da modernidade”8

Os diversos periódicos que circulavam neste períodosão fontes a respeito das várias idéias e ideais defendidosem Curitiba. Assuntos como ensino leigo, liberdade deconsciência, progresso, educação, anticlericalismo e en-tre outros assuntos preenchiam as folhas dos diversosjornais e revistas disseminados pela imprensa curitibana.Deste modo, MARCHETTE, ao escrever a respeito domovimento anticlerical curitibano, mostra que: “Sendo apalavra escrita, desde então, cada vez mais patrimôniocomum da cultura escrita, popular ou erudita, ela tornou-se motor gerador de falas múltiplas, plurais, revelandopontos de vista e representações de mundo também múl-tiplas e plurais”.9 Havia assim, em Curitiba, um grande8 CARVALHO, Alessandra Izabel de. Nestor Vítor: um intelectual e as idéias do seutempo. 1890-1930. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1998. p. 029 MARCHETTE, Tatiana Dantas. Corvos nos Galhos das Acácias: o movimentoanticlerical em Curitiba. 1896-1912. Curitiba, Aos Quatro Ventos, 1998. p. 18

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panorama cultural-intelectual de discussões políticas, lite-rárias e filosóficas. Deste modo, os portadores destas “fa-las múltiplas” tornaram-se responsáveis por um discursorelacionado ao progresso, para consolidar uma culturanacional ligada aos ditames da modernização que seanunciava em território brasileiro.

Nesse cenário de agitação intelectual foram muitosos periódicos circulantes na cidade durante a PrimeiraRepública. Segundo Cordiolli em seu trabalho, a respeitode Dario Vellozo, intitulado “A Gênese de um Idílio” afirmaque “a versatilidade cultural era tanta que entre 1895 a1910 se editou mais de 50 periódicos tratando de literatu-ra, arte, ciências, espiritualismo e idéias”.10 Foram jornaise revistas de cunho político, alguns de divulgação do mo-vimento simbolista, outros, de caráter esotérico,neopitagórico e maçom. Como exemplos podemos citar:O Sapo, O Olho da Rua, O Paraná, Club Curitybano, OCenáculo, Electra, A Escola, Esphynge, Ramo de Acácia,Myrto e Acácia, entre outros.

Entre essa efervescência cultural concede-se um des-taque ao Movimento Simbolista Paranaense, o segundomaior do Brasil, pois para Andrade Muricy entre as 29revistas Simbolistas publicadas no país 16 forampublicadas em Curitiba11. A maioria dos intelectuais queescreveram nos periódicos acima mencionados faziamparte desse movimento literário como Dario Vellozo,Silveira Neto, Antônio Braga, Rocha Pombo, Emiliano10 CORDIOLLI, Marcos. O olhar de um ponto diverso – as gênesis de um idílio: atrajetória de Dario Vellozo (1890-1909). In: Projeto: O Viver em uma sociedade urnaba-Curitiba 1890-1920. Boletim do Departamento de História. Curitiba: UFPR, 1989. p. 1011 CORDIOLLI,... p. 5

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Perneta, entre muitos outros. Esses personagens eramquase unânimes quanto à defesa da república, sendo quea juventude desses intelectuais foi marcada peloabolicionismo e caracterizavam-se por serem livres pen-sadores, anticlericais e, na grande maioria, maçons.

Nesse universo da intelectualidade curitibana para me-lhor construirmos esse imaginário colocaremos o literatoDario Vellozo como personagem desse ambiente descritoacima, pois ele foi agente da produção cultural da PrimeiraRepública na capital do Paraná. Destacando as suas parti-cularidades como influência para outros literatos poderemosatingir outros níveis desta discussão, como é o caso doesoterismo, do neopitagorismo e até mesmo da dimensãodiferenciada que acabou direcionando as discussões sócio-políticas, tanto pela defesa, como pela crítica.

1.2 Dario Vellozo: um intelectual e sua pluralidade

O final do século XIX e início do século XX ficou carac-terizado pelas rápidas transformações sociais, políticas eeconômicas devido aos avanços da técnica e da ciência;pelos novos fundamentos baseados na razão e na novaforma de produção calcada no trabalho mecanizado. Nes-te panorama, o homem encontrava-se angustiado, poisseu conhecimento e seu reconhecimento perante a socie-dade haviam se fragmentado pela nova ordem mundialdo trabalho.

Os diversos médicos, pedagogos, governantes, pro-fessores, literatos, que habitavam Curitiba neste períododefendiam concepções positivistas, já que estas eram uma

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das maiores insígnias do regime republicano que estavase constituindo em cenário nacional. A teoria adotada doPositivismo na formação do republicanismo brasileiro foi,principalmente, o progresso, porém a ciência e a razãocomo expoentes máximos da vida moderna foramcriticadas e vistas de outras formas, como, por exemplo,pelo intelectual, “naturalizado” curitibano, Dario Vellozo.Este intelectual, através de sua obra literária, legou-nos asua visão de mundo perante a vida e ao pensamento da“modernidade” que circulava na capital paranaense.

Dario Vellozo nasceu no Rio de Janeiro em 26 de no-vembro de 1869 e mudou-se para Curitiba aos 16 anosna companhia de seu pai e irmão e fez deste estado o seu“lar”, onde defendeu, perante os novos traços da repúbli-ca, o lugar do estado no cenário nacional. Sempre esteverelacionado ao mundo da imprensa e da literatura. Seuprimeiro emprego, ainda no Rio de Janeiro, foi como apren-diz de encardenador e posteriormente tipógrafo, e quan-do se mudou para a capital do Paraná continuou seu tra-balho no jornal “Dezenove de Dezembro”. Na juventude,foi um grande leitor dos românticos como Casimiro deAbreu, Junqueira Freire, Álvares de Azevedo e GonçalvesDias. Com seus amigos, (como, por exemplo, Júlio Pernetta)fazia reuniões na biblioteca de sua casa para ler e discutirdiversos literatos. O seu primeiro órgão de produção escri-ta foi O Mosqueteiro que resultou da união do grupo demesmo nome do periódico, pois Vellozo e seus amigos en-contravam-se em sua casa para apreciar a esgrima e ler ospoetas românticos. Podemos assim colocar o personagemdesta história, Dario Persiano de Castro Vellozo, como um

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homem que sempre viveu em um mundo de leituras, jáque existem relatos sobre “(...) a bibliotheca do philosopho,que reúne a mais admirável coleção de grandes obras deque se pode orgulhar Coritiba”12 .

A partir da década de 1890 foi que este intelectualtornou-se mais ativo no pensamento paranaense, poiscomeçou a escrever para a revista Club Curitibano, sendoque um ano antes, em 1889, publicou o seu primeiro livrode poesias intitulado Primeiros Ensaios. Após iniciar suacarreira no revista Club Curitibano sempre esteve relacio-nado à periódicos. Escreveu para a revista O Cenáculo,também foi responsável pela revista Esphynge de caráteresotérico, relacionada à maçonaria; foi colaborador e re-dator da Revista Escola, um órgão do grêmio dos profes-sores na qual disseminou as suas idéias enquanto edu-cador. Além da Esphynge também editou outras revistasrelacionadas ao esoterismo, ao pitagorismo, ao estudoteosófico principalmente ligados ao INP como Ramo

de Acácia, Mirto e Acácia, Luz de Crotona e a Lâmpa-da que o Instituto Neo Pitagórico edita até os dias de hoje.

Uma das maiores influências literárias sobre DarioVellozo ocorreu em 1892 quando tomou contato com asidéias literárias belgas e francesas que João da CunhaItiberê trouxe em sua bagagem quando retornou da Euro-pa. Essas idéias caracterizavam o movimento literário eartístico do Simbolismo e toda uma gama de autores liga-dos ao esoterismo. Este fato caracterizou não somenteas idéias gerais do intelectual em questão, como tambémdelineou o próprio ambiente intelectual curitibano.12 SILVEIRA, Tasso da. Dario Vellozo: Perfil Espiritual. Curitiba, 1921 p. 16

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Como fruto das transformações inauguradas com achamada “modernidade”, o movimento simbolista caracteri-zava-se por uma certa crítica que fazia ao racionalismo, aocientificismo e aos reflexos da Revolução Industrial, represen-tando-se “como fuga do mundo destituído de sentido”13 .

No estado do Paraná, um dos principais represen-tantes do simbolismo foi Dario Vellozo. Nas reuniões queocorriam em sua biblioteca surgiu o primeiro periódico doMovimento Simbolista Paranaense: a revista O Cenáculopublicada pela primeira vez em abril de 1895. Através daunião de Dario Vellozo, Silveira Neto, Julio Pernetta e Anto-nio Braga começou a publicação desta revista que “(...)era a mensagem da inteligência paranaense levada aosrecantos mais longínquos do Brasil”14 . De caráter “científi-co-literário” segundo os próprios editores do periódico,participaram das publicações colaboradores comoEmiliano Perneta, Emílio de Menezes, João Itiberê, Leôn-cio Correia, Rocha Pombo, Vicente Machado, Victor doAmaral e outros. Algumas revistas deram continuidade àpublicação de textos simbolistas como foi o caso da revis-ta “Fanal” que chegou até a ser conhecida como “órgãodo novo Cenáculo” devido à conformidade com a primei-ra revista de caráter simbolista.

O Movimento Simbolista no Paraná, e no Brasil, im-buído de sonhos, de mudanças no cenário social, nãoconseguiu fazer o que idealizara, porém “serviu comomovimento semeador de novas idéias e sensações propi-ciando o surgimento da geração que inflamou a época

13 CARVALHO,... p. 4514 SILVEIRA,... p. 10

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do modernismo”15 .Este movimento literário paranaense teve grande ex-

pressão nacional, “não somente pela qualidade ou quan-tidade do movimento, mas pela sua diferença”16. Os ide-ais do simbolismo faziam parte do pensamento de Dariopara a construção de uma nação mais “humana”, princi-palmente pela influência esotérica somada à simbolista.Este personagem foi um grande ocultista sendo diversosos literatos ocultistas europeus lidos por ele, chegandoaté a ser discípulo de Papus17, recebendo, em 1905, naFrança, o diploma de conhecimentos ocultistas. Como re-sultado de suas concepções do Movimento Simbolista edo Ocultismo, fundou em 1909 o Instituto Neo-Pitagórico,cujo principal intuito seria, nas próprias palavras de DarioVellozo, o de “criar contra-corrente a dissolução moral queavassala a sociedade contemporânea, formando célulasconscientes da sociedade futura”18.

Neste ambiente os poetas simbolistas e alunos deDario Vellozo do Ginásio Paranaense e da Escola Normaldiscutiram e sonharam a respeito da construção da na-ção brasileira, de seus papéis enquanto livre pensadorese aguçaram as suas críticas quanto ao anticlericalismo ealém de constituírem uma fraternidade em um ambiente

15 CARVALHO,... pg. 6516 CORDIOLLI,... p. 1317 Papus (1865-1917) tornou-se bastante conhecido entre os esotéricos devido àescola ocultista que criou. Iniciou a sua carreira como médico, mas foi como ocultistas,hermetista, alquimista e terapeuta que se destacou. Uma de suas principais obras,publicada em 1903, chama-se Tratado de Ciências Ocultas. O nome que adotou épseudônimo de Gérard Encausse; e embora seja espanhol passou praticamentetoda a sua vida na França.18 CORDIOLLI,... p. 16

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filosófico e místico.O Instituto foi principalmente inspirado na Escola de

Crotona, fundada na Grécia Antiga por Pitágoras, “desti-nava-se ao estudo, ao desenvolvimento das faculdadessuperiores do ser, ao altruísmo, inspirado nos VERSOSDE OURO de Pitágoras, para a Cultura, para a Verdade,para a Justiça, para a Liberdade, para a Paz, para afraternidade e para a Harmonia”19.

Deste culto ao passado helênico, Dario Vellozo pro-moveu alguns acontecimentos que rememoravam a anti-ga civilização grega como é o caso da “Festa da Primave-ra”. A primeira festa ocorreu em 1911 e era composta pordesfiles, presença de musas, jogos de futebol, jogos olím-picos, declamações de poesias e homenagem à nature-za. A própria sede do INP, construída em 1918, intitulada“O Templo das Musas”, existente até hoje, demonstra apaixão deste intelectual pela Grécia Antiga.20

Ao falarmos deste intelectual podemos imaginá-locomo um militante no campo das idéias. Defendia umaprodução escrita bem refletida frente ao cosmopolitismoque a capital federal exercia sobre os seus colegas. Cha-mando, por este motivo, os literatos paranaenses aconstruir um terreno fértil no campo cultural, pois acre-ditava que com as exclusivas contribuições formariamuma identidade nacional através da produção regional.

19 MARCHETTE, … p. 18.20 Em 23 de agosto de 1987 ocorreu um incêndio no Instituto Neo-Pitagórico. Foramdestruídos pelo fogo obras de arte, o mobiliário, arquivos e a biblioteca, na qual foramperdidos exemplares raros de enciclopédias e literaturas de autores nacionais einternacionais. Como disse o presidente do Instituto, o Sr. Rosala Garsuzi, ao jornalGazeta do Povo no dia 11 de março de 1988, “Quase nada restou do acervoacumulado durante mais de um século, selecionado por Dario Vellozo”.

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A produção literária de Dario Vellozo vai muito alémda poesia simbolista e do esoterismo. Suas obras literári-as, principalmente as denominadas “obras polêmicas” nosdeixaram registros a respeito de suas idéias quanto à edu-cação como é o caso de seu livro Lições de História de1903 e Compêndio de Pedagogia de 1907 e em defesado livre pensamento, como são algumas obras relaciona-das ao movimento anti-clerical como Moral dos Jesuítasde 1908 e Voltaire de 1905. Em seus diversos artigos paraperiódicos (pois sempre esteve vinculado à produção emjornais e revistas) exaltava o regime republicano. Este in-telectual fazia discursos exaltados em defesa da repúbli-ca. Florianista fervoroso defendia o ensino cívico, pois “aeducação cívica era o suporte para conceder ao Brasillouvores de amor à pátria, tornar cidadãos conscientes;exaltar o futuro Brasil Republicano”21. Concebia na figurado jovem o futuro da nação, por isso a necessidade deuma educação leiga onde a instrução seria dever públicopara formar o jovem à favor do Estado.

Condenava o ensino religioso, pois defendia a liberda-de de consciência, reprovava o dogma porque “sem senti-mento de autonomia, não há pátria; sem pátria, não há lar;sem lar não há família, não há moral, não há progresso,não há civilização, não há ideais”22. O Estado representa-do pelo regime republicano era considerado como o fatorque “emancipa a consciência”, por isso, o poder políticoque representa a nação não poderia estar relacionado a

21 VELLOZO, Dario. Da Tribuna à Imprensa. Curitiba: Instituto Neo-Pitagórico, 1969..p. 22822 VELLOZO,... p. 221

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nenhuma religião ou seita; a religião era função da edu-cação familiar, por isso a importância da figura maternana educação do jovem. A autonomia da nação dependia,além do ensino cívico, também da unificação territorial eda união das três raças, pois o intelectual acreditava quea característica do povo seria o próprio valor moral, a pró-pria cultura nacional.

Dario Vellozo temia a rápida expansão moderna eu-ropéia diante da nação que ainda estava a solidificar-se,pois tinha medo que os europeus denegrissem a cultura eautonomia nacionais. Acreditava que “o brasileiro só setornará brasileiro não copiando as grandezas e vícios daEuropa, mas quando aproveitar seus elementos étnicosassimilando do outro alguma coisa que lhe falte, mas semperder a sua fisionomia”23.

Quanto à questão da história, que segundo FranklinBaumer em “O Pensamento Europeu Moderno”, havia setornado “a rainha das ciências” com as teorias do séculoXIX, Dario acreditava em uma história evolutiva através dosséculos que tinha no culto aos heróis uma das formas dedignificar a pátria; podendo entender no culto aos mortosa forma de construção de memória da nação. Em suaspalavras, “pelo culto aos mortos o Homem perpetua oPassado; na mansão dos mortos recebem os vivosdignificantes ensinamentos”.24 Dando seqüência a suafala, “Augusto Comte soube nitidizar belamente a lição tra-dicional dos antigos mistérios que filósofos helenos repe-tiram e gravaram, em luminosa frase de vibrações nítidas:

23 VELLOZO,... p. 25624 VELLOZO,...p. 270

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Os vivos são cada vez mais e sempre governados pelosmortos”25. Essa sua última citação nos leva a pensar queAugusto Comte fazia parte também do mundo de leiturasdeste intelectual e de que ele participava de algumas idéi-as relacionadas ao Positivismo.

Ainda sobre a sua concepção de história, através do“culto aos heróis”, acreditava, que os contemporâneospoderiam glorificar os feitos ocorridos na pátria com rela-ção ao progresso e à ciência. Por meio deste conheci-mento poder-se-ia percorrer um caminho seguro paraguiar a humanidade. Essa questão a respeito da históriaé influência do movimento Romântico europeu, pois o prin-cípio da história para os românticos estava associado àquestão de “(...) venerar os seus antepassados mais doque a lamentá-los, a ver na nação histórica, uma socieda-de com a qual se podiam identificar mesmo enquantocrescia”.26 Essa volta ao passado, além da história nacio-nal brasileira, no caso de Vellozo, podemos também rela-cionar ao seu apego à Grécia que para ele seria o estadoperfeito de sociedade.

Como os intelectuais brasileiros, através de suas lei-turas de autores europeus informavam-se e formavamsuas concepções e visões de mundo com relação à pá-tria brasileira, podemos destacar algumas influências emDario das filosofias do século XIX que se caracterizavampor um eterno devir, pela projeção no futuro. O movimentoRomântico e o Neo Iluminista influenciaram muito o intelectualem questão com relação à formação da pátria brasileira.

25 VELLOZO,... p. 27026 BAUMER, Franklin L. O Pensamento Europeu Moderno. Vol. II – séc. XIX e XX. p.51

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Uma das teorias principais que Dario Vellozo recebeu desuas leituras de teóricos românticos foi a questão do Na-cionalismo. Encarar o Estado como unidade moral, comoguia cultural, no qual o individualismo (que para Dariopoderíamos pensar em termos de regionalismo) viria atra-vés da união das partes para formar o Estado com carac-terísticas próprias. A utopia com relação ao futuro dasnações com a crítica pela justiça e liberdade social é umdos fatos marcantes com relação à influência românticasobre o intelectual Dario Vellozo.

Do Neo-iluminismo ele apropriou-se das noções deprogresso nacional, de livre pensamento, de crítica à Igre-ja e entre outros conceitos. A crença na humanidade, adesmistificação do cristianismo, a fé no conhecimento, naciência são outros princípios que tiveram impacto sobre avisão de mundo de Dario Vellozo; que em suas própriaspalavras, “seria aquela que não exclui o Amor, que mate-rializa o belo, que não traça limites à mentalidade”.27 DarioVellozo defendeu essas idéias, sonhos, pensamentos emdiversos periódicos e livros. Podemos, através dos jornaise revistas que escreveu, ter uma noção das concepções evisões de mundo desse intelectual que viveu em Curitibaaté 1937, ano de seu falecimento. Visões de mundo que eledisseminou na provinciana capital do Estado do Paranána Primeira República. Provavelmente, criou imaginários emseus leitores, pois “Quando um mundo, um presente seconstrói, uma infinidade de outros são abordados”.28

E foi, através de artigos que escreveu para diversos27 CORDIOLLI,...p. 1628 CORDIOLLI,... p. 08

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periódicos, que conseguimos apreender algumas de suasidéias quanto a formação de uma etnia brasileira respon-sável pelas características da identidade nacional. Contu-do, para podermos escrever a respeito da concepção ra-cial de Dario Vellozo faz-se necessário incluí-lo no âmbitodas discussões étnicas em escala nacional. Desta forma,trataremos a respeito das discussões de raça no próximocapítulo.

2. DARIO VELLOZO E A SUA CONCEPÇÃO DERAÇA NACIONAL

Dario Vellozo entre os vários assuntos que escre-veu, principalmente em seus artigos para jornais, de-fendeu teorias para a construção nacional. Entre o seuideário a respeito da nacionalidade brasileira, além daquestão da educação cívica, da geografia, e da defesado republicanismo como regime político, estava a suateoria a respeito da etnia brasileira. Porém, se analisar-mos os conceitos de raça em Dario Vellozo, verificare-mos que essa discussão faz parte de um panoramamuito mais amplo.

A intelectualidade brasileira, assim como o intelectualparanaense em questão, nas três últimas décadas doséculo XIX e nas primeiras décadas do século XX, estavadebatendo as questões sociais do país. As idéias quantoà raça brasileira tomaram proporções grandiosas nosdebates nacionais que vão desde as regiões deslocadasdo centro econômico do Brasil como a região norte e nor-deste chegando à região sudeste, centro das decisões

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políticas e econômicas do momento. Diversos conceitosquanto à idéia de raça foram derivados da noção de mis-cigenação entre as três raças existentes no país (a indíge-na, a africana e a européia), materializando a idéia demestiçagem.

Devido à beleza natural do Brasil e à diversidade dasraças, muitos viajantes europeus vieram para o país pararegistrar a situação nacional de acordo com os modeloscientíficos do momento que tinham no naturalismo e nodeterminismo as principais teorias de análise. Nessas te-orias a miscigenação e o próprio meio ambiente brasilei-ro eram vistos pelos estrangeiros ora como atraso, oracomo inviabilidade de se constituir uma nação brasileira.

Os conceitos a respeito da teoria racial foram doutri-nas européias adotadas em solo brasileiro. Através dasleituras escolhidas pelo meio intelectual nacional as teo-rias relacionadas à influência do meio e da raça na for-mação de uma nação fizeram parte do discurso dos le-trados brasileiros que assumiram o compromisso de es-tabelecer os traços da construção da jovem nação.

Mas, para podermos discutir a respeito das idéiasque permeavam as discussões nacionais e enfocandoprincipalmente Dario Vellozo neste panorama da cons-trução da identidade brasileira, vamos resgatar umpouco a respeito dos debates ocorridos no continenteeuropeu. Porque, através do conhecimento da raiz detais teorias poderemos também, ao longo deste capí-tulo, entender como tais teorias e doutrinas foramadotadas e adaptadas pelos intelectuais na condiçãonacional brasileira.

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2.1 Europa: o berço das teorias raciais brasileiras

As teorias raciais que tanto permearam as discussõesno século XIX na Europa e, posteriormente, no Brasil, fo-ram herança do Movimento Iluminista do século XVIII. Paratermos como parâmetro desta discussão podemos escla-recer as idéias de dois filósofos do iluminismo: Rousseaue Montesquieu. Ambos seguiram caminhos diversos noque defenderam, veremos que Montesquieu foi o iluministaque mais influenciou o determinismo e as análises natu-ralistas decorrentes no século XIX.

Rousseau defendia a superioridade do homem “sel-vagem” em relação ao civilizado europeu. As idéias queimperaram na Europa do século XIX são totalmente oinverso do que proclamou este filósofo iluminista. Ele“pensou o homem natural de forma abstrata, como serisolado, anterior à instituição do contrato social e dadesigualdade entre os homens. Próximo do estado na-tural, o selvagem é visto como alternativa ao homemcivilizado, vítima da degradação do Ocidente (...)”.29 As-sim, pensava a liberdade e a igualdade naturais ao ho-mem. De forma oposta a Rousseau, Montesquieu tinhasua análise social relacionada aos tipos de sociedadee suas regras. Seu modelo de pensar a sociedade estárelacionado ao meio, principalmente ao clima. Atravésda influência do clima sobre os diversos povos afirma-va que os homens das regiões mais quentes tinhammaiores pretensões quanto à escravidão do que os que

29 VENTURA, Roberto.Estilo Tropical: história cultural e polêmicas literárias no Brasil –1870-1914. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p.23

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viviam em climas frios como a Europa. “A escravidão, apoligamia e o despotismo resultam, na sua visão, daapatia geral dos habitantes dos climas quentes, em queo calor traria o “relaxamento” das fibras nervosas. Comisso, o indivíduo perderia toda a força e vitalidade, seuespírito ficaria abatido, entregue à preguiça e à ausên-cia de curiosidade”30.

Essas teorias defendidas por Montesquieu, que se en-quadravam como modelo de análise da América, influen-ciaram alguns teóricos do final do século XVIII que acres-centaram alguns elementos na discussão da influênciado meio sobre as nações tropicais. Buffon e De Pauw sãodois teóricos que abordaremos e que deram continuida-de ao pensamento “determinista” quanto ao clima de pa-íses não situados na zona climática temperada, como é ocaso da América.

Buffon foi um dos responsáveis pela formação daantropologia e da ciência geral do homem do final doséculo XVIII. Suas idéias caracterizavam-se pela “ca-rência” do continente americano, demarcando uma vi-são negativa da América. Essa visão negativa está fun-damentada na sua concepção de que os habitantes daAmérica “estariam em estado selvagem, com vida dis-persa e errante, impedidos de vencer a natureza e seaperfeiçoar”.31 Já De Pauw, totalmente contrário ao“bom selvagem” de Rousseau, acreditava que os habi-tantes de climas quentes, como os americanos, são umpovo sem história, impossíveis de saírem de seu estado

30 VENTURA... p.2031 VENTURA... p.22

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de selvageria. Defendia a degeneração dos animais, dasplantas, dos americanos, inclusive dos descendentes deeuropeus nascidos na zona climática tropical. Portanto,tanto Buffon como De Pauw, herdeiros das idéias deMontesquieu e contrários a Rousseau, defendiam as na-ções européias totalmente passíveis de serem civilizadas enegavam essa condição aos americanos baseados noestudo do meio natural.

Os intelectuais do século XIX, herdeiros de tais dis-cussões, desenvolveram teorias que são resquícios do“século das luzes” sendo, além disso, fruto do próprio sé-culo em que viviam calcados na “fé da ciência”. Nessesentido, uma das grandes discussões do século XIX quan-to à questão racial foi à origem do homem. Duas teoriasforam defendidas por aqueles que discutiram sobre o tema:o monogenismo e o poligenismo.

Os adeptos do monogenismo defendiam a una cri-ação do homem baseado nos pressupostos da Bíblia.Esta concepção foi dominante até o século XIX e escla-recia a diferença étnica entre os homens a partir de umamaior ou menor perfeição a partir da proximidade como Éden. Já a teoria poligenista foi predominante no sé-culo XIX e foi reflexo das estruturas científicas calcadasna análise das ciências biológicas. A maioria dos ho-mens ligados ao pensamento científico defendia opoligenismo, pois esta teoria estava relacionada àdessacralização do saber opondo-se ao pensamentoreligioso. Além disso, foi o fator de fortalecimento paraanalisar o comportamento humano através de concei-tos biológicos; esse é o caso dos estudos de frenologia

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e de antropometria32. Essas teorias foram responsáveispor analisar e interpretar a capacidade humana levandoem consideração o tamanho e a proporção do cérebrodas diferentes etnias. Podemos verificar a predominânciadesses modelos de análise com a sua utilização na áreacriminal e na criação de museus e até jogos baseadosnos estudos da frenologia.

Assim, o exame da antropologia, inicialmente, estavarelacionado ao estudo do poligenismo e concentrada nasanálises das ciências biológicas. Porém, a etnologia ficourelacionada aos pressupostos do monogenismo que, decerta forma, defendia o aprimoramento das raças, emoposição à análise antropológica que considerava a suaimutabilidade.

Porém, o que se estabeleceu como verdadeiroparadigma de análise para as diversas ciências foi a teo-ria de evolução de Charles Darwin. Com a publicação deA Origem das Espécies em 1859 as disputas entre opoligenismo e do monogenismo amenizaram-se; pois fo-ram influenciadas pelas teorias de evolução de Darwin, jáque o evolucionismo passou a fazer parte de seus mode-los de explicação. Contudo, não foi só o embate entre monoe poligenistas que foi incrementado pelas teorias da evo-lução. As ciências sociais também aplicaram explicaçõesculturais e políticas as influências do evolucionismo. “Con-ceitos como ‘competição’, ‘seleção do mais forte’, ‘evolu-ção’ e ‘hereditariedade’ passavam a ser aplicados aos

32 Frenologia era a técnica utilizada paro estudo do caráter e das funções intelectuaisdo homem, baseada na conformação do crânio. A antropometria, utilizada para amesma função que a frenologia era o estudo das dimensões das diversas partes docorpo humano.

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mais variados ramos do conhecimento”33 como a psico-logia, a sociologia, a história, a lingüística, a pedagogia eentre outras. E foi nesse contexto que análises através damiscigenação racial ganharam força nas teorias européi-as, relacionando a questão do hibridismo à degeneraçãodas raças. Assim, o paradigma do evolucionismo permeoudiferentes interpretações relativas à questão da raça fun-damentada em duas escolas principais: a antropologiacultural ou etnologia social e os darwinistas sociais.

Os antropólogos sociais, também chamados deevolucionistas sociais, defendiam que toda a humanida-de era passível de evolução, mas as diferentes socieda-des estariam em estágios distintos de desenvolvimento.Porém, necessariamente todas as nações alcançariam oseu progresso já que este era obrigatório a todos os po-vos. Este determinismo estava relacionado à antiga teoriamonogenista, pois afirmava uma única origem para a hu-manidade.

Mutuamente, passaram a figurar entre o mundo dasidéias européias do século XIX, e também frutos doevolucionismo, outros dois determinismos: o geográfico eo racial (também denominado determinismo social). O pri-meiro está relacionado ao meio. Ratzel e Buckle, os princi-pais defensores desta corrente prendiam-se às condiçõesfísicas de análise de determinada nação. Já o segundotorna-se muito importante para este trabalho, pois é o mo-delo que mais influenciou e foi responsável pelos diversosdiscursos que permearam os debates sociais, culturais e

33 SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questãoracial no Brasil – 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p.56

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políticos no Brasil durante as décadas finais do século XIXe início do século XX. Neste determinismo – o darwinismosocial – a miscigenação foi encarada como erro, pois erarelacionada às antigas propostas dos poligenistas de queas raças eram imutáveis, e que todo cruzamento racialera visto como forma de degeneração. Esta teoria funda-mentava o determinismo europeu perante os países comgrande número de sua população mestiça já que enalteciaos “tipos puros” e condenava a miscigenação. Destemodo, para este grupo, “o progresso estaria restrito àssociedades ‘puras’, livres de um processo de miscigena-ção, deixando a evolução de ser entendida como obriga-tória”.34 Assim, acreditavam em espécies humanas dife-rentes na qual a potência de cada raça era diversa, sendoque umas caminhariam para a civilização, para o progres-so e outras, as miscigenadas, para a degeneração.

Na verdade, muito provavelmente, essas teorias ser-viam para ser empregadas entre as nações, como formade legitimação de dominação de umas perante as outras.Também podemos notar que explicações antes relacio-nadas somente aos estudos da biologia acabaram porfazer parte de análises do meio social, cultural e político.

No Brasil, essas teorias fizeram parte de acirradas dis-cussões entre a intelectualidade nacional que estava fun-damentando a construção da nação brasileira. De talmodo, veremos como tais discursos foram apropriadosem “terras tupiniquins” em termos de análise racial, nãosomente como é para a biologia, mas, e principalmente,relacionado à própria hierarquia que existia no país entre34 SCHWARCZ... p.61

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brancos, negros, índios e mestiços, já que aqui a miscige-nação é e foi a grande característica física da populaçãonacional.

2.2 Brasil: país degenerado ou passível decivilização?

Foi a partir da década de 1870 que um ideário positi-vo-evolucionista introduziu-se nos meios intelectuais doBrasil, sendo que nesta concepção os modelos raciais deanálise social, cultural e política têm grande destaque.Contudo, vamos voltar para a primeira metade do séculoXIX quando muitos viajantes europeus vieram para terrasbrasileiras para estudar a fauna e a flora e que mesmoassim, são diversos os relatos quanto à mestiçagem dolocal. Alguns desses viajantes deixaram registros quantoà percepção desta terra que aguçava o sentido de imagi-nação e foram os responsáveis por submeter, primeira-mente, o território brasileiro às análises naturalistas edeterministas.

Como exemplo podemos utilizar Friedrich von Martiusque realizou juntamente com Johann Baptist von Spix umaviagem de exploração pelo país entre 1817 a 1820. Martius,juntamente com Denis e Wolf (dois viajantes estrangeirosque deixaram várias de suas impressões quanto a imagi-nação e sensualidade que a natureza tropical lhes des-pertava), foram responsáveis “pela introdução dos critéri-os naturalistas, de análise do meio e da raça, nahistoriografia brasileira, com a dissertação apresentadapor Martius, em 1845, ao Instituto Histórico Geográfico

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Brasileiro ‘Como se deve escrever a História do Brasil’.Esses critérios foram retomados por Francisco Adolfo deVarnhagen na ‘História Geral do Brasil’ (1855) e por SílvioRomero na História da Literatura Brasileira (1888)”.35

Para a maioria dos viajantes europeus, a beleza na-tural do país tropical era exaltada em detrimento do desa-pontamento da sociedade local, devido ao contraste como meio europeu e principalmente com a miscigenação dapopulação. A paisagem paradisíaca era vista como umlocal de abstração onde os estrangeiros perdiam-se notempo histórico e na sociedade. Mas, os intelectuais bra-sileiros procuravam pensar através deste mesmo meionatural, visto pelos estrangeiros como a-histórico, um pro-jeto de construção de uma história nacional. Essa históriaestaria relacionada a evidenciar o caráter social e culturalem direção à civilização, fato esse negado pelos estran-geiros que viam no Brasil os aspectos da selvageria, deuma sociedade degenerada, através das análisesdeterministas e evolucionistas.

Os intelectuais, para legitimarem a nação, viam-sefrente ao discurso europeu e a sua realidade tida comoexótica, tornando assim, o meio europeu idealizado, so-nhado pelos brasileiros. Para melhor esclarecer, nas pa-lavras de Roberto Ventura, “a partir da idealização dasmetrópoles, uma espécie de auto-exotismo, em que o in-telectual periférico percebe a realidade que o circundacomo ‘exótica’. O exotismo permite, por um lado, odistanciamento ante os costumes da própria sociedade,trazendo um olhar antropológico. Por outro, introduz35 VENTURA... p.30

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negatividade na sua auto-representação, que leva á visãoetnocêntrica das culturas populares de origem africana,indígena ou mista”.36 Assim, podemos entender como seráexposto no decorrer deste texto o por que de “olhares”diferenciados e críticos perante a miscigenação encaradacomo problema por alguns e como expressão nacionalpor outros. Por isso, os modelos deterministas que pas-saram a entrar em vigor no Brasil em meados da décadade 1870 foram interpretados de forma a enquadrar o Bra-sil nessas teorias adaptando o que era possível e descar-tando os conceitos que não estavam relacionados às ex-plicações do território nacional.

Mas, por estarem presos aos padrões de análisemarcados pelo determinismo e pelo naturalismo, essesintelectuais acabaram por eleger somente uma forma depercepção da realidade nacional ligada à ação dos fato-res naturais, “tais como o clima, o meio, a natureza, amestiçagem e o caráter; e o colocam, em segundo plano,os conflitos culturais e a singularidade histórica dos obje-tos enfocados”.37 E é justamente através deste olhar porparte dos intelectuais que o positivismo, o evolucionismoe o racismo foram bem aceitos através de suas leituras.

Esses intelectuais que defenderam seus conceitos arespeito do Brasil segundo as análises naturalistas edeterministas, principalmente racista, fundaram esse de-bate geralmente ligados a instituições de saberes. Muitosdeles estavam relacionados a museus, como por exem-plo, o Museu Nacional no Rio de Janeiro, o Museu Paulista

36 VENTURA... p.38 e 3937 VENTURA... p.40

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em São Paulo e o Museu Goeldi no Pará; aos InstitutosHistóricos e Geográficos; ou até mesmo aos cursos de di-reito e de medicina. Os “homens de letras” ou de “sciencia”38,ligados às suas áreas de atuação no “universo científico”,incubiram-se de analisar a estrutura social, cultural e políti-ca através do olhar determinista racista, fundando um modopeculiar de estudar as questões nacionais.

Ao examinar a produção de cada instituição pode-mos ter uma idéia de como os conceitos deterministasraciais e evolucionistas tomaram conta do pensamentointelectual no final do século XIX e início do século XX. Ve-jamos o caso dos museus acima mencionados.

Geralmente associados à imagem do cientista-curadordo museu, essas instituições adotaram a análiseevolucionista social no Brasil tendo como parâmetros afauna e a flora brasileira. Porém, o evolucionismo adota-do conjugava-se ao poligenismo e às teorias de progres-so, no qual todos os povos passariam pelos mesmos es-tágios rumo à civilização; unindo duas teorias contrárias.Embora concentrassem os seus critérios de análise nabiologia e não na antropologia como forma de exame so-cial, para essas instituições estudar o “homem primitivo”brasileiro, relacionado ao indígena, não era muito diferen-te de analisar a flora e a fauna brasileira. “(...) Os museusbuscaram, mesmo que de forma específica, discutir o ho-mem brasileiro. Partindo da flora e da fauna para che-gar ao homem, ao recolher, analisar, classificar,hierarquizar e expor, os museus pretenderam trazer um

38 “Homens de sciência” foi como Lilia Moritz Schwartz denominou os intelectuaisligados às instituições de saber do Brasil entre 1870-1930 por terem adquirido talrepresentação no meio social brasileiro.

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pouco de ciência e ordem a esse meio tão carente de pro-duções intelectuais dessa categoria”.39 Viviam assim, emum contexto ambíguo, onde as idéias importadas da Eu-ropa não serviam como modelo de análise para o Brasil apartir do momento que o discurso produzido no interiordos museus tentava legitimar a construção de uma na-ção. Desta forma, podemos explicar o porquê da adoçãode duas teorias contrárias para explicar a condiçãomiscigenada do país. Mas, o importante é destacarmosque essas instituições foram responsáveis por divulgar asteorias científicas racionais de análise que guiavam os fu-turos incertos da nação brasileira.

Além dos museus, os Institutos Históricos e Geográfi-cos cumpriram papel semelhante. Entretanto, estes cen-tros eram responsáveis por “produzir” uma memória, umahistória, um passado para consolidar a jovem nação. Alémde o discurso salientar a classe dominante, as falas esta-vam também relacionadas às características políticas re-gionais, mesmo que, teoricamente, tivessem a intençãode um panorama geral. Mesmo assim, acabaram por cri-ar personagens e fatos para explicar a história brasileira.“Escrever a história do Brasil pareceu significar trazer paraforos de competência científica uma representação dopaís.”40 Nessa construção da história brasileira as teoriasraciais serviram para legitimar a figura do branco europeuno cenário nacional. Neste sentido podemos notar comoocorreu nos museus que a forma de apropriação de idéi-as européias foram adotas à “brasileiridade”. “(...) Teoria

39 SCHWARCZ... p.9140 SCHWARCZ... p.134

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evolucionista e monogenismo apareciam ao lado dos pres-supostos darwinistas sociais e poligenistas, como se mo-delos originalmente excludentes pudessem ser mesclados.Com as conclusões evolucionistas, justificava-se o pre-domínio branco e a hierarquia social rígida. Utilizando umdarwinismo sócio-biológico, explicava-se o ‘natural bran-queamento’ da população. Mas eram as teoriasdeterministas raciais que ajudavam a comprovar um cer-to atraso, ou condenavam a mistura racial no país”.41 As-sim, como podemos notar, os modelos deterministas ser-viam como base para se pensar a realidade brasileira,porém a forma adotada dependia das interpretações quedivergiam do padrão teórico determinista europeu.

Mas, foi com as faculdades de direito e de medicinaque as teorias deterministas, como o evolucionismo e odarwinismo social, adquiriram análise relacionada ao meiosocial como veremos nas discussões quanto leis e à apli-cação da medicina quanto à higienização.

Com relação às faculdades de direito podemos des-tacar duas que foram as primeiras do Brasil: a de Recife ea de São Paulo. As faculdades de direito cumpriam umpapel de formar “uma elite independente e desvinculadados laços culturais que nos prediam à metrópole euro-péia. Estas (...) se responsabilizariam pelo desenvolvimentode um pensamento próprio e dariam à nação uma novaConstituição”.42

Essas faculdades foram responsáveis pela guinadado pensamento brasileiro a partir da década de 1870.

41 SCHWARCZ... p.13742 SCHWARCZ... p.142

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Obras dos principais defensores do evolucionismo comoBuckle, Spencer, Darwin, Le Play, Le Bon, Gobineau e en-tre outros foram lidas pelos nossos intelectuais nessemomento. Assim, uma noção científica foi construída comrelação ao direito, através das leituras desses filósofoseuropeus. Estando desta forma, relacionada ao mundocientífico que os professores e alunos da faculdade deRecife estavam vivendo, inserindo nas teorias do direito,critérios da biologia, do naturalismo e dos determinismosraciais. Além disso, as teorias do direito viam-se condicio-nadas a guiar a nação rumo ao progresso e à civilizaçãoatravés de um pensamento evolucionista.Uma das apli-cações do direito influenciadas pela ciência é o caso daantropologia criminal.

A antropologia criminal estava relacionada não à aná-lise do crime e sim do criminoso através dos exames físi-cos, antropológicos e sociais. “Nesse tipo de teoria, nascaracterísticas físicas de um povo é que se conheciam ereconheciam a criminalidade, a loucura, as potencialidadese os fracassos de um país”.43 Esse modelo levou à inda-gação de alguns intelectuais do direito quanto ao futuroda nação; se o Brasil, pela miscigenação, estava fadadoa ser um país de criminosos.

Ao examinarmos as diferenças entre as faculdadesde Direito de Recife e de São Paulo podemos ter um pano-rama a respeito das discussões que permearam essasduas instituições. Em Recife predominaram as teoriasdeterministas, sendo que os conceitos criminais foram re-lacionados ao estudo da antropologia física do indivíduo43 SCHWARCZ... p.167

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com a frenologia; já em São Paulo houve uma disputamais distante das ciências biológicas. “Na Escola de Re-cife um modelo claramente determinista dominava, em SãoPaulo um liberalismo de fachada, cartão de visitas paraquestões de cunho oficial, convivia com um discurso raci-al, prontamente associado quando se tratava de defen-der hierarquias, explicar desigualdades”.44

Porém, para ambas escolas o problema da miscige-nação no Brasil que impedia, segundo o modeloevolucionista, o progresso e a civilização, poderia ser con-tornado através do cruzamento moderado entre as raças,pois muitos acreditavam que o branqueamento gradualda população.

Como últimas instituições analisadas, as Faculdadesde Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro são de grandevalia para fecharmos esta contextualização. Na verdadeas questões da degeneração e da doença foramexplicadas nessas faculdades como causa da miscige-nação; esta responsável pela loucura, pelas epidemias epela criminalidade. A sociedade brasileira era encaradapelos cientistas da medicina como enferma na qual omédico teria papel primordial na cura social que ocorreriaatravés da higienização. “Não se trata de pensar no indi-víduo, mas na ‘coletividade’, na nação enfraquecida ecarente de intervenção”.45 Os médicos encaravam a suaprofissão como forma de curar a sociedade doente e de-generada devido à união das três etnias. Assim, podemosentender a higienização das cidades como resultado das

44 SCHWARCZ... p.18645 SCHWARCZ... p.200

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análises deterministas realizadas pelos médicos. Sanearera a palavra de ordem para evitar possíveis doenças quetinham as suas causas explicadas pela miscigenação.

O discurso da eugenia teve forte impulso nas duasescolas de medicina. A eugenia consistia em acabar comos males provenientes da miscigenação. Visava a“perfectibilidade” do homem através da educação do ins-tinto sexual, e da defesa da relação sexual entre sãos,impedindo que os degenerados como alcoólatras etuberculosos perpetuassem a sua condição. Assim, “en-quanto na Bahia o discurso da eugenia representou aco-modação – afinal, a raça brasileira tinha solução –, já noRio levou a uma atuação médica cada vez mais agressi-va”46, sendo o processo de higienização desta cidade umdos exemplos deste desempenho. Portanto, com essesmétodos a medicina havia se tornado uma ciência bioló-gica de atuação no meio social ao relacionar a questãoda enfermidade com coletividade através das teoriasevolucionistas, deterministas raciais.

“O problema racial, é portanto, a linguagem pela qualse torna possível apreender as desigualdades observa-das, ou mesmo uma certa singularidade nacional”.47 Osletrados e homens de ciência tentaram assim, formular oideal de progresso e civilização para o Brasil através dasteorias européias adotadas ao contexto social brasileirocaracterizando a diferenciação perante o modelo original.

Houve, nesse contexto, aqueles que defenderam obranqueamento da população brasileira, aqueles que

46 SCHWARCZ... p.23647 SCHWARCZ... p.239

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defenderam o indígena e o africano como primordiais naconstituição racial nacional, ou aqueles que pediram peloassassinato em massa de indígenas estando estes rela-cionados ao homem selvagem em oposição ao civilizadoeuropeu.

Silvio Romero, por exemplo, da Escola de Direito deRecife, previa o branqueamento da população brasileiraem três ou quatro séculos. Conjugando modelos raciais eevolucionistas de análise; sendo o branco o vencedor dasuperioridade racial, mesmo defendendo que o mestiçoera o “agente transformador por excelência”.48

Por outro lado, para Nina Rodrigues, ligado à Facul-dade de Medicina da Bahia, o negro e a degeneração domestiço eram encarados como perigo para o branco, aclasse superior por excelência segundo os parâmetros daépoca. Podemos notar que geralmente através doevolucionismo o branco era encarado como essencial paraa civilização e para o progresso brasileiro.

Nesta colcha de retalhos sobre as questões marcadasentre as teorias naturalistas, deterministas, evolucionistase raciais, segundo Roberto Ventura, a sua adoção no Bra-sil, não exprimia somente os interesses coloniais e imperi-alistas da Europa, mas também e principalmente dos gru-pos nacionais identificados como responsáveis pela ela-boração de um discurso progressista, civilizado e moder-no. Assim,

“(...) os sistemas de pensamento europeus foramintegrados de forma crítica e seletiva, segundo

48 VENTURA... p.48

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os interesses políticos e culturais das camadasletradas, preocupadas em articular os ideáriosestrangeiros à realidade local. (...) As concepçõesracistas se tornaram parte da identidade das eli-tes em uma sociedade hierarquizada eestamental, com grande participação de escra-vos, libertos e imigrantes no trabalho produtivo. Aidentificação dos letrados com os valores metro-politanos levou à relação etnocêntrica com asculturas indígenas, africanas e mestiças, perce-bidas pela mediação do discurso europeu”.49

Após este histórico a respeito das idéias nacionaisrelativas à questão racial, voltemos à Curitiba do final doséculo XIX e início do século XX. Embora o discurso racial,como vamos analisar, tenha ficado relacionado aos de-bates publicados em periódicos, ele desenvolveu teoriasquanto à questão de raça para a construção nacional.

2.3 Dario Vellozo: O indígena é primordial para oprogresso nacional

A discussão a respeito da questão de raças foi alémdas instituições detentoras de um certo saber. Os critériosdeterministas do evolucionismo e do naturalismo, encara-dos dentro de suas cientificidades, foram teorias utiliza-das para explicar toda a produção nacional; como princi-palmente a literatura. Os próprios literatos tomaram partenas discussões de raça, como é o caso do romantismocom o indianismo e a corrente literária do naturalismo que

49 VENTURA... p.60

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demonstrava o panorama da miscigenação degeneradado Brasil. Assim, ao olharmos para a produção literáriado Paraná, notaremos que essas discussões fizeram par-te das preocupações e obras e dos literatos paranaenses.

Nestor Vítor, um crítico do seu tempo, que tinha seuambiente social entre a capital nacional e Curitiba, tam-bém apresentava as suas particularidades quanto à ques-tão da raça nacional. Considerava que o negro e o índiocaminhavam rumo à evolução, porém muito mais lenta-mente do que os brancos e pensava que através do “cru-zamento entre brancos, caboclos e negros, ter-se-ia umahumanidade nova”50.

No Paraná, a revista O Cenáculo, que tinha DarioVellozo como um de seus grandes porta-vozes, defendeua questão de raças totalmente a favor do indígena e desua inclusão na sociedade para se alcançar o progressonacional.

Júlio Perneta, amigo de nosso intelectual em ques-tão, fundador da revista O Cenáculo juntamente com DarioVellozo, defendeu o indígena da mesma forma. Dizia ele:

Quando se defende, como nós fazemos, os des-cendentes de uma raça de bravos, hoje dispersae escorraçada, para vergonha nossa, sem Pátria,dentro do território da sua Própria Pátria; quandoprotestamos contra o acto criminoso de se es-cravizar o índio, o fazemos em nome das nossastradições de liberdade, encarnadas no heroísmoingente dessas tribus gloriosas, que se foram para

50 CARVALHO, Alessandra Izabel de. Nestor Vítor: um intelectual e as idéias do seutempo. 1890-1930. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1998. p.141

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a morte, levando na retina de seos olhos a ima-gem desoladissima da Pátria escravizada.51

Assim, para podermos fazer uma análise sobre as idéi-as de Dario Vellozo quanto à formação de uma raça naci-onal, utilizamos para tal fundamentação, na sua grandemaioria, artigos publicados em jornais na última décadado século XIX e nas duas primeiras do século XX. Essesartigos, posteriormente, foram reunidos e publicados re-cebendo os títulos de: Pelo Aborígine, de 1911(este publi-cado juntamente com Júlio Pernetta); Da Tribuna a Impren-sa, de 1915 e No Limiar da Paz, de 1923; estas obrasliterárias constituem, assim as fontes para este trabalho.Levando-se em consideração que a produção literária dizmuito a respeito de um determinado tempo e espaço.

Dario Vellozo caracterizou-se pelos seus discursosinflamados na imprensa paranaense; tanto na defesa doregime republicano, como nas suas falas anticlericais, mastambém para pedir em favor do indígena. Dizia que o gru-po de O Cenáculo foi a primeiro a apresentar preocupa-ção com o indígena no território nacional. E é nesse senti-do que este intelectual encaixa-se nas discussões relati-vas à questão da raça nacional para a construção danacionalidade brasileira.

Baseando as suas leituras principalmente em auto-res do romantismo brasileiro, mesclando com teóricoseuropeus e com suas leituras ligadas ao misticismo, aosimbolismo e ao Neo-Pitagorismo, juntamente com os “ho-mens de sciencia” como Silvio Romero, discutiu qual seria

51 PERNETA, Julio e VELLOZO, Dario. Pelo Aborígene. Curitiba, 1911. p. 93

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a sua concepção quanto a uma raça nacional.Este literato caracterizou-se pela sua defesa ao

“aborígine” enquanto elemento étnico primordial à nacio-nalidade brasileira. Suas idéias discorrem através do sen-tido de liberdade nacional como defesa perante as naçõeseuropéias e é nesse sentido que o indígena é essencial àformação da nação. Para Vellozo, como filhos da terra doBrasil, como autóctones, entre as três raças que formama etnia nacional, só eles tinham a autonomia em sua his-tória. Esta sua defesa assemelha-se ao “bom selvagem”de Rousseau; chegando a dizer que o problema nacionalnão era étnico e sim educacional. Opunha-se aodeterminismo climático proposto por Montesquieu nomomento em que afirma que o selvagem não admite ser-vilismo, a autonomia era uma de suas características.

Como forma de defender a origem do autóctone indí-gena Vellozo recorre às explicações geológicas para de-monstrar que o continente americano é bastante antigo.Adepto do poligenismo, apela à arqueologia, para conti-nuar a fundamentar o seu pensamento com relação aantiguidade do homem. Assim, usou da ciência arqueoló-gica realizada no Brasil por Lund52 para expor o caso doscrânios encontrados em Lagoa Santa, Minas Gerais; in-dícios da pré-história do homem brasileiro. Em suas pala-vras: “Creio, a existência do autochtone americano é, hoje,mais aceitável, pois está patente seo longinguoapparecimento, tão remoto como o do homem do antigo

52 Peter Wilhelm Lund, naturalista dinamarquês, veio ao Brasil durante o século XIX afim de estudar a fauna e a flora do Brasil. Porém, ele foi responsável por encontrar emLagoa Santa – MG crânios relacionados ao período pré-histórico brasileiro iniciandoo trabalho arqueológico no Brasil.

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continente. E, a serem exactas, - como suponho, as con-clusões de Lund, o homem americano existia, antes mes-mo que o antigo continente gozasse das indispensáveiscondições de habilidades à espécie humana.53

Dessa forma, através do evolucionismo, seria possí-vel demonstrar que os indígenas são passíveis de progres-so, de civilização, como os europeus, pois eles têm seusurgimento tão remoto quanto o antigo continente.

Como defensor do poligenismo explicava o remotoaparecimento do indígena brasileiro, que podemos cons-tatar segundo as suas próprias palavras. Dizia Vellozo:“Querem, porem, escudado em taes invasões,remotíssimas é verdade, negar a existência do autochtoneamericano, como se tem pretendido fazer, tão somenteporque se notassem analogias entre algumas tribus daAmérica e Azia; querer, pelo simples facto da nãoautochtonicidade dos Tupis concluir pela unidade das ori-gens do homem, está, a meo ver, alem da imparcialidadee do critério scientífico”.54

Juntamente com a questão científica, colocava tam-bém a questão a respeito do pensamento ocultista dizen-do que Lund e o ocultismo defendiam o surgimento daAmérica anteriormente aos outros continentes. Isso ocor-re da mesma forma ao dizer que Darwin e Papus (o mestreda filosofia ocultista de Dario Vellozo) compartilhavam damesma idéia de que cada ambiente natural desenvolveuuma fauna, flora e uma raça particular; demonstrando nes-se sentido a união que faz através de seus pensamentos

53 PERNETTA,... e VELLOZO... pg.5354 PERNETTA,... e VELLOZO... pg.53

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científicos e até filosóficos com relação à questão de raças.Vellozo críticou os jesuítas por terem submetido o in-

dígena à catequese, como os colonizadores os trataramno processo de colonização e o local que a civilização re-legou ao aborígene. Afirma que era necessário fazer dosaborígines cidadãos e não somente catequizá-los. Defen-dia a inserção do indígena na sociedade para que assimtivesse-se o elemento étnico brasileiro.

Por isso, embora fosse um grande defensor do indí-gena, de sua característica autóctone, sinônimo de liber-dade nacional, via na fusão das raças o tipo único e defi-nitivo da nação – o mestiço. Dario Vellozo defendia o ca-boclo e o sertanejo dizendo que estes também eram en-carados como à margem da civilização. Notamos que obranco e o negro só aparecem em seus artigos no mo-mento em que ele pede pela união das três raças para adefesa do meio nacional. Assim, em sua defesa ao mesti-ço e ao indígena dizia que: “Há no caboclo como noaborigene, precioso fator cívico, genuíno subsídio de nos-sa característica”.55 Portanto, na união das raças estaria aautonomia nacional, defendia a característica do povo comovalor moral, expressão de uma cultura nacional; alegandoque a cultura é o fruto moral das civilizações superiores.

Assim, o indígena e o caboclo são essenciais paraa formação moral e social do Brasil, pois em ambosestavam presentes os elementos étnicos para o progres-so nacional. O indígena enquanto solução natural, e omestiço enquanto solução para a colcha de retalhos étni-ca existente em terras brasileiras.55 PERNETTA,... e VELLOZO... p. 34

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Quanto à imigração defendida por muitos intelectu-ais nacionais como forma de branquear a população bra-sileira rumo à civilização e ao progresso, Dario Vellozo ti-nha idéias contrárias. De certa forma, temia a imigraçãoprincipalmente no sul do Brasil, pelo clima ser semelhantea certos locais da Europa. Seguindo uma citação que fezde Silvio Romero: “Depois dos assuntos políticos seguem-se os sociais. E entre estes avulta o da immigração e colo-nização extrangeira, que, ao nosso ver, é mais um teme-roso problema social do que econômico”.56 Temia que oimigrante com seus traços europeus denegrisse a carac-terística do brasileiro, sendo este um problema social jáque o indígena poderia ser renegado a ser inserido nasociedade.

Ao analisar alguns de seus artigos como forma dedefender a nacionalidade brasileira notamos suas con-cepções relacionadas à raça nacional. Nos artigos da úl-tima década do século XIX e no início do século XX impe-rava mais uma análise de formação cultural. Já na se-gunda década do século XX demonstra também uma cer-ta preocupação com o meio natural e a unificação do ter-ritório, porém este só ocorreria através do intercâmbio cul-tural, de costumes de uma região nacional a outra paraformar uma única cultura brasileira sendo a união dasraças um dos primeiros passos a se chegar a essa con-dição. Seus artigos assumiram assim, características deum manifesto para preservar o elemento indígena, a raizracial, sendo que este era um dos elementos essenciaispara o progresso.56 PERNETTA,... e VELLOZO... p.34

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Ao analisarmos Dario Vellozo podemos ter uma per-cepção da pluralidade que a discussão racial despertouno Brasil no final do século XIX e início do século XX, quan-do o país estava fundamentando seu cenário nacional einternacional. O intelectual em questão discutiu as teoriasde raças como muitos outros intelectuais brasileiros o fi-zeram, baseado nos fatores científicos étnicos principal-mente adotados da Europa. Assim, podemos pensar, comrelação à adoção das teorias européias, que “não se tra-ta de entender a adoção das teses raciais como mero re-flexo, uma cópia desautorizada, mas antes indagar sobreseus novos significados contextuais, bem como verificarsua relação com a situação social, política, econômica eintelectual vivenciada no país. (...) Vê-las como resultadodo momento em que se inserem, mas conjuntamente aten-tar para a criação de novos valores e concepções”.57 As-sim, podemos incluir Dario Vellozo entre os construtoresde significados para a nação, responsáveis por pensaros contornos brasileiros que estavam delimitando-se,usando das teorias retiradas inicialmente das ciências bi-ológicas e que foram adotadas pelas ciências sociaiscomo forma de análise dos aspectos constituintes do meiosocial.

Porém, como o objetivo principal deste trabalho depesquisa é conseguir estabelecer um parâmetro com asobras literárias que influenciaram Vellozo, iremos expor nopróximo capítulo algumas linhas relacionadas ao seu“mundo de leituras”. Deste modo, enfocar este intelectualcomo um leitor é um dos principais objetivos deste trabalho.57 SCHWARCZ... p.242

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3. DARIO VELLOZO E SUAS LEITURAS

Dario Vellozo viveu em um mundo de leituras. Quan-do jovem, passava diversas horas na biblioteca da casade seu pai lendo, principalmente, os poetas e autores ro-mânticos. Muitas vezes seus amigos encontravam-no namesma biblioteca onde juntos liam em voz alta e discuti-am diversos autores e obras literárias. Suas biografias,como as escritas por Tasso da Silveira e Erasmo Pilotto,contam que nessas diversas reuniões com seus amigos,(que se tornaram, assim como Vellozo, literatos) as suasleituras eram geralmente acompanhadas de uma bela xí-cara de café.58 Mesmo após o seu casamento e com a suamudança para o “Retiro Saudoso”, onde fundou o InstitutoNeo-Pitagórico em 1909, compôs uma bela biblioteca naqual havia, entre as várias prateleiras de livros, um bonitobusto do filósofo iluminista Voltaire59. Tasso da Silveira tam-bém relatou que “em contato direto com a Europa, rece-bendo livros e revistas dos velhos centros da civilização, omestre poude cultivar admiravelmente a bella intelligenciaque possue, e fazer-se uma cultura respeitável”.60

Assim, se pensarmos em Dario Vellozo não somentecomo literato paranaense, mas se o olharmos como umleitor, podemos começar a responder uma das principaisproblemáticas deste trabalho: quem Dario Vellozo leu e deque forma ele se apropriou das idéias dos literatos comos quais teve contato?

58 PILOTTO, Erasmo. Dario Vellozo – Cronologia. Curitiba, 1969. p.3659 SILVEIRA, Tasso. Dario Vellozo: Perfil Espiritual. Curitiba, 1921. p.1660 SILVEIRA,... p.18

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A leitura é um assunto bastante vago; podemos falarde suas leituras românticas, de suas leituras sobre histó-ria, filosofia ou até mesmo de suas leituras ocultistas quetanto o influenciaram na poesia que desenvolveu para omovimento simbolista. Porém, esta pesquisa elegeu asleituras do personagem em questão relacionadas à suaconcepção de raça nacional. Como vimos no capítuloanterior diante das discussões a respeito da procura deuma identidade nacional Vellozo escreveu algumas deze-nas de linhas a respeito do que considerava a etnia naci-onal formadora das características brasileiras.

Com a leitura dos artigos que escreveu, os quais en-contramos a sua concepção de raça nacional, procura-mos as suas citações a respeito de quais livros e autoresele leu e o que ele falava a respeito das obras. Desta nos-sa “perseguição” por suas leituras descobrimos diversosautores nacionais e estrangeiros como é o caso de Gon-çalves Dias, Silvio Romero, José Basílio da Gama, J.Mariano de Oliveira, Topinard, Darwin, Quatrefages, MaxNordau e entre outros. Deste modo, escolheu-se para estapesquisa, trabalhar com dois autores e suas obras parapodermos responder à pergunta exposta acima, são eles:Silvio Romero e Max Nordau que escreveram respectivamente“História da Literatura Brasileira” e “Paradoxos”. Estes doisforam escolhidos primeiramente pelo fato de um deles serbrasileiro e outro europeu e também porque os dois forambastante citados na formulação do pensamento de DarioVellozo a respeito de uma raça nacional. Assim, antes deconseguirmos responder a dada questão vamos conheceros dois escritores e as suas obras para então “descobrirmos”

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como o intelectual paranaense se apropriou dessas suasleituras.

3.1 Silvio Romero e a Literatura da nação mestiça

O sergipano Silvio Romero (1851-1914) foi encaradopor seus estudiosos como intelectual da “geração de 1870”(geração responsável pelas primeiras leituras dedeterministas e evolucionistas no Brasil) estudou na Fa-culdade de Direito de Recife na qual, juntamente comTobias Barreto e outros colegas fundou a Escola de Reci-fe, que buscava uma renovação no campo das idéias naintelectualidade brasileira. Ficou conhecido como crítico,polemista e escritor combatente devido aos seus diversosartigos para jornais e obras literárias. Romero fez parte docenário brasileiro onde “nas polêmicas os literatos lutavampor suas idéias e grupos, pela ‘sobrevivência’ ou ‘morte’ nacena da literatura e do jornalismo. Época de escritorescombativos, de polemistas irados, de bacharéis em luta”.61

Desenvolveu uma análise determinista e evolucionistaa respeito da situação nacional, do momento em que vi-veu, descrevendo o que examinava em diversas obras.Alguns de seus principais livros são: Introdução à Históriada Literatura Brasileira de 1882, O Naturalismo em Litera-tura de 1882, Estudos de Literatura Contemporânea de1885, Etnografia Brasileira de 1888, História da LiteraturaBrasileira de 1888 dentre muitas obras. Podemos verifi-car, por alguns desses títulos, a importância que Silvio

61 VENTURA, Roberto. Estilo Tropical: história cultural e polêmicas literárias no Brasil– 1870-1914. São Paulo: Companhia das Letras, 199. 2a edição 2001. p. 13

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Romero concedia à literatura nacional. Atribuía “à literatu-ra e à cultura uma ‘missão social’, em que caberia ao es-critor intervir politicamente”62 ; pois ele defendia a interven-ção do literato no espaço público. Foi por encarar o litera-to como responsável por uma certa “militância” no campoda idéias nacionais que nas suas obras a respeito da lite-ratura deixou de incluir alguns escritores, como é o casode Machado de Assis, por não transmitir em seus livrosideais comprometidos com os problemas nacionais.

Roberto Ventura, utilizando-se de um estudo a respeitode Silvio Romero realizado por Antonio Cândido, explicita queas linhas teóricas seguidas ao longo de suas obras seriam:“o critério nacionalista, a perspectiva etnológica, o enfoqueda literatura a partir de seus fatores externos, a junção depositivismo, determinismo e evolucionismo, o critério socioló-gico de valoração do texto com base em suarepresentatividade e lugar na evolução cultural, a adaptaçãodo determinismo de Taine pela inclusão da ‘influência estran-geira’ como fator literário, a fusão entre naturalismo crítico ejulgamento de valor, a rejeição da crítica estética e retórica.”63

Deste modo, na literatura brasileira, Romero criticou odescaso intelectual e defendeu a influência das raças.Acreditava que através da mestiçagem seria possível su-perar a imitação européia, e assim, que a diferença étnicaseria um fator nacional de característica e valor literário.

Para melhor expor as idéias do intelectual sergipanofalemos um pouco a respeito de uma de suas principaisobras: História da Literatura Brasileira. Este livro foi lido por

62 VENTURA,... p. 7263 VENTURA,.. p. 75

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Dario Vellozo, e citado textualmente em alguns artigos deseu livro Pelo Aborígene.

A primeira edição da obra História da Literatura Brasi-leira é de 1888 e foi publicada em dois volumes; o utiliza-do para fazer este trabalho de pesquisa foi a sexta ediçãode 1960, publicado em quatro volumes. Silvio Romero di-vidiu sua análise a respeito da literatura brasileira em qua-tro fases: O Período de Formação (1500-1750) em queos temas predominantes seriam a natureza e as “raçasselvagens”; o Período do Desenvolvimento Autônomo(1750-1830) que expõe as obras relacionadas a elabora-ção da independência política, da atividade literária e ci-entífica brasileira; O Período da Poesia Romântica (1830-1870) na qual enfatiza o momento de transição para apoesia e discute a poesia de alguns poetas brasileiros; eo último período relacionado à fase do romance do movi-mento romântico analisado a partir de 1870.

Nesta obra podemos destacar algumas idéias de Sil-vio Romero quanto à importância da literatura e tambémda análise étnica para o campo das idéias nos Brasil. Oautor em questão defendia que a “literatura se rege pelalei da evolução”.64 E no decorrer de seu texto segue dizen-do, “as letras seguem a marcha da civilização, porque elassão um produto da cultura e não da natureza”.65

Em suas críticas aos diversos escritores brasileiros esuas obras exprime a sua análise evolucionista na litera-tura, não somente quanto à produção literária, mas com

64 ROMERO, Silvio. História da Literatura Brasileira. V.3. Rio de Janeiro, 1960: LivrariaJosé Olympio editora. p. 77765 ROMERO,... p. 784

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relação aos comentários das obras literárias explanadas.Assim, tanto pela leitura de uma de suas obras como porestudos realizados a respeito de suas concepções, pode-mos notar a defesa do mestiço e do negro como elemen-tos étnicos essenciais à construção de uma característicanacional. O mestiço era encarado por Romero como umaraça em transformação física e moral.

O mestiçamento, como se sabe, é no início umafonte de perturbações e desequilíbrios. O mesti-ço é o depositário de tendências, índoles e incli-nações diversas, que nem sempre acham umponto de apoio, ordem e fixidade. Daí o seu cará-ter inquieto, contraditório, anormal. (...) É de es-perar, porém, que uma mais forte ação do tem-po acabe por trazer-nos a tranqüilidade orgânicae social a nós americanos.66

Além disso, elogia um dos autores por ele analisa-dos, como é o caso de Gonçalves Dias, por ser ele ummestiço. O fato de o escritor ser mestiço é um dos motivospara que Silvio Romero coloque suas idéias quanto àquestão de raça, quanto à sua concepção evolucionistade análise. Defende o seu modelo crítico de análise, cal-cado na etnografia, pois é, segundo as suas palavras,“a base principal da compreensão das literaturas, no-meadamente a literatura de um povo misturado como opovo brasileiro”.67

Porém, embora defenda o mestiço e o negro por

66 ROMERO,... p. 91767 ROMERO,... p. 919

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terem sido responsáveis pelo trabalho no Brasil ao longode três séculos, ampara a supremacia, e segundo as leisda evolução, a proeminência do branco. Acreditava tam-bém que a mistura racial no Brasil ainda não estava pron-ta, devido à construção do Brasil ser um fato recente, porisso dizia que “ainda não temos um espírito, um caráterinteiramente original”.68 Podemos verificar neste pequenotexto sobre a obra História da Literatura Brasileira comoera importante o modelo de análise racial e evolucionistapara Silvio Romero, além de também podermos tomarcontato com algumas das idéias que circulavam no Brasildurante o século XIX. A relação com a leitura de Vellozo ea sua concepção étnica veremos mais adiante. No mo-mento analisemos outra obra lida pelo literato paranaense:Paradoxos de Max Nordau.

3.2 Max Nordau e sua crítica à sociedade européia

O húngaro Max Simon Nordau (1849-1923) foi litera-to, médico, filósofo e, principalmente, um crítico de seu tem-po. De uma família judia, teve grande parte de sua educa-ção ministrada por seu pai, que lhe ensinou latim, grego ehebraico. Cursou a faculdade de medicina e enquanto eraacadêmico sempre escreveu diversos artigos para jornaise também iniciou a sua vida literária; escreveu diversospoemas e ensaios e estudou história da literatura. Porém,foi como crítico da sociedade européia de seu tempo queficou conhecido. Suas principais obras de denúncia soci-al são: Mentiras Convencionais de nossa Civilização de68 ROMERO,... p. 924

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1883 (publicado inicialmente em alemão em Leipzig), Pa-radoxos de 1896 (data da edição francesa) e Degenera-ção de 1892, sendo esta a sua obra mais conhecida epolêmica. Nestas obras Nordau lançou críticas ao modode vida burguês, à religião, à arte e à literatura – identifi-cando, em suas críticas, aspectos relacionados às “do-enças da civilização européia”.69

Como crítico de seu tempo relacionava os seus arti-gos a uma certa “decadência” da sociedade, principal-mente entre as décadas de 1880 e 1890. SegundoBAUMER, “certas modas novas, filosóficas e artísticas fo-ram identificadas por Max Nordau, no seu livro intituladoDegeneração”.70 Nesta obra ele realizou uma lista de sen-tidos utilizados para descrever o cenário europeu nas últi-mas décadas do século XIX; fazendo objeções a este ce-nário, como é o caso de sua crítica à filosofia de Nietzsche.

Além disso, no final do século XIX, Max Nordau foi umdos defensores da criação de um estado judeu, chegan-do até a ser vice-presidente do movimento sionista.

Max Nordau foi um pensador em um momento que aEuropa estava questionando o modelo científico-racionalistae correntes de pensamento estavam posicionando-se con-tra o positivismo, contra os padrões e valores burgueses.Embora Nordau estivesse criticando a sociedade européiado momento e, a julgar pelas idéias que circulavam peranteo início de um novo século, seus conceitos estavam relaci-onados à desorganização de idéias e concepções pela qual

69 BAUMER, Franklin L. O Pensamento Europeu Moderno. Vol. II – séc. XIX e XX.p.12970 BAUMER,...p. 129

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estava passando a Europa. Uma das características doshomens, de filósofos desse momento era justamente en-carar o mundo de uma ótica totalmente otimista ou pessi-mista, e é justamente a partir dessa oposição, desse pa-radoxo, que Nordau inicia o seu livro de mesmo nome oqual foi lido por Vellozo.

Em “Paradoxos” Max Nordau discute inúmeros as-suntos relacionados à sociedade européia. São temasrelacionados quase que totalmente a maneira de pensarfilosófica do europeu. Discute temas como o pessimismoe o otimismo, a moral, os elementos que compõem a for-ma do homem pensar em sociedade, a oposição entre asfaculdades de genialidade e talento, faz críticas literárias(principalmente entre a oposição da literatura naturalistae a dramática romanceada), discute a estética a partir doevolucionismo, a verdade, o problema da individualidadefrente ao estado, a nacionalidade e ainda prevê proble-mas futuros no continente europeu. Como podemos no-tar, Nordau não discute, pelo menos não diretamente, otema de raças. A questão racial, quando mencionada, fazparte de um de seus itens de análise a respeito da socie-dade, e está quase sempre relacionada à etnia branca, jáque o seu alvo de estudo é o branco europeu.

Em seu discurso sempre está muito presente a ques-tão de que a força da natureza é muito maior do que asupremacia do homem. Dizia Nordau, “não é preciso seruma inteligência universal para compreender que nãoestamos autorizados a julgar dos fenômenos do universopor meio da lógica humana”.71 A partir disso, defende a71 NORDAU, Max. Paradoxos. Rio de Janeiro, 1954: Organização Simões. p. 10

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construção do intelecto como progressivo, sendo inclusi-ve a moral que rege o meio social.

A moral, finalmente, não é mais do que uma defi-nição, sob forma de leis úteis e princípios, de con-dições reconhecidas momentaneamente úteis àexistência do gênero humano. Com o desenvol-vimento progressivo da humanidade algumasdestas condições mudam e com elas mudamigualmente os conceitos de moralidade e de imo-ralidade.72

Suas análises geralmente opõem o indivíduo pe-rante a coletividade ou como representante da espé-cie. Defende a idéia de que o indivíduo realmente exis-te em oposição à espécie, o que é uma forma maisgenérica de análise. Os indivíduos nunca são iguais,em oposição à espécie que estaria sempre sofrendomutações sem limites para as transformações. Paraele a forma de pensar do homem é hereditária e fazparte do tempo em que foi concebida. Por isso, oshomens teriam formas de pensar comuns e para queum ser humano quisesse apresentar uma forma dife-rente de pensar ele teria que vencer muitas dificulda-des. E é nesse sentido que ele discorre a respeito deoriginalidade e vulgaridade.

Dizia que o “povo” tem dificuldade de aceitar o novo.Este seria combatido pela população, pois a dificulda-de por aceitar novas invenções seria natural ao homem.Porém, poucos seriam aptos a pensar diferentemente72 NORDAU,... p. 13

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da população e criar formas de viver em sociedade con-trárias aos outros. Mas quando o que era original fosseincorporado ao modo de vida do restante da popula-ção, o que antes era original tornava-se vulgar. “A vul-garidade não é mais do que a originalidade deterioradae usada”.73 Mas, a vulgaridade não era encarada comoum fator negativo a respeito da sociedade, pois ela se-ria o desenvolvimento por parte da população da origi-nalidade.

A esses gênios, responsáveis pela originalidade,que constituíam pequena parcela da população, deve-ria receber uma educação diferenciada, pois a escolaficava presa somente ao ensino de velhos ideais emoposição às verdadeiras necessidades do presente.Nordau propõe uma educação moral e não materialis-ta, seria a educação do homem bem sucedido na vida,calcada na capacidade do indivíduo e espelhada noserros alheios. Assim, o autor explicava que “nem todosos organismos possuem a faculdade de corresponderàs impressões exteriores mediante manifestações nãoherdadas mas originais e novas no sistema nervoso emuscular, isto é, de terem em situações novas, pensa-mentos novos e de atuar por si”.74 Desta forma, atravésde um conceito retirado da biologia, ou seja, a heredita-riedade, relaciona o intelecto a tal fator biológico afir-mando que a genialidade estava presente nos indivídu-os que conseguissem se libertar da carga hereditária,proporcionando formas diferenciadas de pensar que

73 NORDAU,... p.5574 NORDAU,... p.102

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mais tarde faria parte da massa maior da populaçãoquando adotassem tal pensamento até então original.

Além disso, entre os outros diversos assuntos queescreveu, como é o caso da nacionalidade, é principal-mente nesta sua análise inicial que vai basear-se; utili-zando conceitos da biologia, como é o caso da heredita-riedade, para explicar o seu ponto de vista a respeito domeio social. São raros os momentos que ele discorre arespeito de teoria racial, porém, expõe em alguns trechosde seu livro o que para ele seriam as diversas etnias exis-tentes no globo.

(...) creio que as grandes raças são variações denossa espécie, e que as diferenças que elas apre-sentam, tanto na conformação anatômica, comonas côres da pele, não sejam sòmente conseqü-ências da transformação de um tipo único primi-tivo vindo em seqüência a influências locais, masque essas diferenças se explicam por meio dadiferença de origem; a mim me parece que asemelhança existente entre o homem branco, onegro e o índio não é maior do que a existenteentre o elefante africano e o indiano; entre a vacadoméstica e o búfalo selvagem.75

Embora a questão racial não seja um fator impor-tante em sua obra, esta citação foi exposta para que pu-déssemos ter um contato com o fator étnico de seu pen-samento; já que a discussão racial é um dos elementosdeste trabalho.

75 NORDAU,... p.286

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3.3 E as leituras de Dario Vellozo

Dario Vellozo deixou em seus artigos relacionados àquestão política nacional o nome de diversos autores queleu e que também o inspiraram a escrever ou a funda-mentar diversas das idéias que defendeu em seus artigos.Para responder à problemática deste trabalho seria sim-ples se os textos lidos por si só nos conferissem a formaem que as leituras foram realizadas. Mas, se levarmos emconta que a história da leitura é uma incógnita, pois semal reconhecemos de que forma estabelecemos signifi-cados com o que lemos, como resgatar o que era lido emtempos anteriores se, no caso deste trabalho, Dario Vellozovivia em um universo mental totalmente diferente? Pararesponder a esta pergunta e a problemática central destetrabalho, nos determos inicialmente na teoria da históriada leitura.

Para trabalhar com a história da leitura temos queencarar que ela apresenta dificuldades metodológicas.Pois, “a leitura, (...) não é meramente uma habilidade; éuma ativa elaboração de significados dentro de um siste-ma de comunicação”.76 Assim, para Darnton, a leitura fazparte de uma rede de comunicação que inicia no escritor,passa pelo editor, pela impressão, pelo vendedor até che-gar ao leitor. Em qualquer uma dessas dimensões estariase produzindo uma história do livro na qual a leitura fazparte desta rede de diálogos. A relação entre o escritor e oeditor, entre este e o livreiro ou o processo de produção do

76 DARNTON, Robert. O Grande massacre de gatos e outros episódios da históriacultural francesa. Rio de Janeiro: Record, 1992. p. 279.

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livro e sua estrutura, o custo, e até mesmo de que formaesses objetos eram distribuídos, criam uma circularidadede relações e de construção de significados que influenci-avam e influenciam a própria lógica do livro e que tambéminfluenciavam na leitura.

Como a leitura não é uma habilidade, é mais comple-xa, está relacionada com as simbologias que o indivíduoestabelece com o texto escrito, além de que também variade cultura para cultura. Darnton expõe caminhos para quepossamos saber um pouco a respeito da leitura. Segun-do este autor, deve-se buscar indícios para captar o que aleitura significava para os leitores que dela deixaram re-gistros, pode-se seguir a crítica literária, procurar de queforma a leitura era ensinada, estudar autobiografias, car-tas e entre outras fontes para chegar, a saber, um poucoa respeito do ato de ler. Assim, “não há caminhos diretosou atalhos, porque a leitura não é uma coisa distinta, comoum constituição ou uma ordem social, que pode serrastreada através do tempo. É uma atividade que envolveuma relação peculiar – por um lado o leitor, por outro otexto”.77 Desta forma, se conseguirmos desvendar umapequena parte a respeito da forma com que os leitores nopassado tinham uma relação com os livros, podemossaber de que forma o indivíduo concebia o mundo em quevivia. O que está em jogo é justamente poder descobrirum pouco a respeito da rede de significados estabele-cidos com a obra literária ou com o texto. Assim, a his-tória da leitura está relacionada a conceitos, métodos e

77 DARNTON, Robert. História da leitura. In. BURKE, Peter (org). A escrita da história:novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992. p. 233.

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abordagens que podem abrir-se diante dos olhos do his-toriador e desvendar uma pluralidade imensa a respeitode como as pessoas comuns, intelectuais e outras pes-soas, encaravam o mundo em que viviam.

Para trabalharmos com a história da leitura tambémpodemos nos utilizar da definição de Chartier de que “ler éuma prática criativa que inventa significados e conteúdossingulares, não redutíveis às intenções dos autores dostextos ou dos produtores dos livros”.78 O mesmo autor noschama atenção para levarmos em conta que geralmenteo leitor está inscrito no texto, como é o caso da obra aci-ma apresentada, Paradoxos, na qual Max Nordau conver-sa o tempo todo com o leitor. Assim, este, geralmente, “ésempre visto pelo autor como necessariamente sujeito aum único significado, a uma interpretação correta a umaleitura autorizada”.79 Mas, como ele mesmo conclui, osdiversos leitores se inscrevem de formas plurais nos tex-tos e nos livros.

Desta forma, o historiador deve estar atento às práti-cas de leituras que se relacionam à forma de apreensão,de compreensão e de manipulação do texto ou da obraliterária por parte do leitor. Pois na leitura existe umaintermediação entre o texto e o leitor e este, através de suainterpretação concede significados à obra por ele lida.

Além disso, Chartier desenvolveu o conceito de apro-priação na leitura que é extremamente importante para res-pondermos à pergunta realizada no início deste capítulo.

78 CHARTIER, Roger Textos, Impressões e Leituras. In: Hunt, Lynn (org). A novahistória cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 21479 CHARTIER,... p. 213

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“A noção de apropriação torna possível avaliar as diferen-ças na partilha cultura, na invenção criativa que se en-contra no âmago do processo de recepção”.80

Dario Vellozo, ao ler os dois escritores acima mencio-nados, estabeleceu um modo de leitura e uma rede designificados que nos é estranha hoje, pois o mundo men-tal do intelectual em questão é inconcebível hoje. Porém,deixou eternizado em suas obras literárias o nome dequem leu e citações a respeito das obras que nos demons-tram de que maneira ele se utilizou dos textos lidos. Porisso, para continuar a expor a forma de apropriação dediscurso que Vellozo realizou das duas obras já mencio-nadas podemos pensar da seguinte maneira: “As práti-cas de apropriação sempre criam usos ou representaçõesmuito pouco redutíveis aos desejos ou às intenções da-queles que produzem os discursos e as normas”81.

Assim, o literato paranaense utilizou em seu trabalhocitações retiradas das obras dos dois autores para funda-mentar a sua concepção de raça nacional. Tanto de SilvioRomero quanto de Max Nordau apropriou-se do que estesdiziam a respeito do problema da migração. Dario Vellozoque via no indígena o elemento étnico principal para a for-mação do “povo brasileiro” preocupava-se com a imigra-ção européia que crescia no Brasil, principalmente nas re-giões Sudeste e Sul do país, que viria para descaracterizara fisionomia nacional que ainda estava sendo construídanaquele momento. O problema com relação à imigraçãoele retirou justamente do livro de Max Nordau quando este

80 CHARTIER,... p. 23381 CHARTIER,... p. 234

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escreveu a respeito dos problemas sociais que iriamavassalar a Europa no futuro, sendo um deles o proble-ma do crescimento populacional e a falta de alimentos.Assim, iniciou Dario Vellozo ao falar do autor europeu:

Max Nordau, em substancioso artigo, - “Um gol-pe de vista para o futuro”, - depois de haveraprezentado e discutido, com proficiencia e cri-tério diversas hypoteses, interessantes pelo ele-vado das proposições, e notaveis pela arguciade ideias, avança o seguinte, digno da attençãode quantos se preocupam com os destinos daPatria Brasileira.82

Após esta declaração do literato paranaense segue eexpôs a seguinte citação retirada da obra Paradoxos:

O emigrante europeu procurará em primeiro lu-gar países cujo clima apresente menores diferen-ças possíveis com o do seu país natal, que parasua saúde seja o mais favorável, e êle não mete-rá de permeio entre a pátria e si próprio senão adistância que a estrita necessidade lhe prescre-ver. Primeiramente, a corrente de emigrantes seespargirá pela América do Norte, pela Austrália,pela África e América meridional (...).83

Dario Vellozo após fazer esta citação desenvolveu oproblema relacionado à migração e são as suas seguin-tes palavras:

82 PERNETA, Julio e VELLOZO, Dario. Pelo Aborígene. Curitiba, 1911. p.36.83 NORDAU... p.307

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Mormente ao povo Brasileiro, cujos caracteresethnicos, se bem que mais ou menosaccentuados, ainda não aprezentam o tom defi-nitivo geral que dá as collectividades autonomiae força, e soffrem actualmente abatimento relati-vo, com os novos elementos que para elles estãoconcorrendo nos Estados do Sul. (...) ahi se esta-belecerão tanto mais facilmente, quanto menosaproveitado houver sido o nosso elementoautochtone, unico em condições vantajosas desupportar longamente o choque e sustentar alucta com as raças conquistadoras, - uma vez tra-zido para a civilização, e sabiamente educado, eassimilado ao nosso povo.84

Continua em parágrafos posteriores salientando aobra do pensador europeu: “Sigamos nosso illustre auctordos Paradoxos: ‘(...) cada nova geração faz nascer naEuropa um novo excedente da população que deve pro-curar em outra parte meios de subsistência’”.85 Outraspalavras foram dedicadas à Max Nordau, como por exem-plo, “ ‘Bem cedo as raças inferiores estarão perdidas’ ex-clama o sábio pensador (...)”.86

Como podemos observar pelas citações, a leituraestá relacionada à aceitação de mensagens e modelosque recebem ajustes, combinações ou resistência como que foi lido pelo leitor. Vellozo também utilizou-se decitações da obra de Silvio Romero para evidenciar o pro-blema da imigração, encontrando neste autor palavras

84 PERNETTA,... e VELLOZO,... p.3785 PERNETTA,... e VELLOZO,.. p.3886 PERNETTA,... e VELLOZO,... p.37

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para pensar na questão da imigração. Suas primeiraspalavras dedicadas a Romero foram:

É bem de crêr, não sou contra a immigração, -nem poderia sêl-o, em tendo a respeito do socia-lismo as ideias que tenho; o que desejo, porém,é sentir salvaguardada para o futuro a autonomiade nosso povo, e ver aproveitado em nosso paiztodo esse elemento selvagem que ainda nos res-ta. Penso com Sylvio Romero, o conspiciosoescriptor brazileiro, o grande patriota republicano:

Dario Vellozo utiliza algumas linhas para fundamen-tar o problema da imigração com base na obra de SilvioRomero intitulada História da Literatura Brasileira, algumasdessas linhas iremos transcrevê-las abaixo:

O Brasil possue uma certa unidade ethnica que lhetem garantido a existência até hoje. Mas esta unida-de não deve ser perturbada com a ingestãosystematica de elementos extrangeiros em privile-giada zona do paiz (...).Queremos que em primeiro logar se aproveitem oselementos nacionaes. (...) Quanto aos extrangeiros,deve-se fazer com elles o que nós intitulamos a co-lonização integral, isto é, que se vão espalhando portodo paiz, especialmente o norte e o grande oeste(exatamente a região mais povoada pelo caribocae pelo mameluco, onde o cruzamento com o indioé mais commum e não haverá portanto, receio demystificação nacional). Nada de aglomeral-os àsdezenas nas quatro províncias do sul.(...) Nosso plano é o mais liberal possivel: em vez

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de tres ou quatro provincias, damos-les vinte. OBrasil todo ahi está, espalhem-se, tenham o mes-mo trabalho que tiveram outrora os portugueses.Espalhem-se e misturem-se às populaçõesnacionaes.87

Unindo as proposições de Max Nordau quanto aoclima favorável ao imigrante e as idéias de Silvio Romerorelacionadas ao problema da imigração no país, DarioVellozo expôs: “O Norte do Brasil tem o seo climainexpugnavel o melhor elemento de reacção com as imi-grações extrangeiras: lá, ou o imigrante cruza com as ra-ças indigenas, ou succumbe”.88

Assim, o número de fatores que influenciam na leitu-ra de um indivíduo são diversos. Podemos utilizar ametodologia de trabalho para a história do livro realizadapor Robert Darnton ou Roger Chartier. Porém, este traba-lho privilegiou a teoria da apropriação na leitura defendidapor Chartier. Ambos propõe-se a trabalhar com a HistóriaCultural, e a história da leitura pode ser encarada comouma janela para desvendarmos a circularidade cultural deum determinado período e espaço.

Para finalizamos este capítulo, podemos pensar comeste historiador francês que diz que “A história dos textose dos livros deve ser, acima de tudo, uma reconstituiçãodas variações nas práticas – em outras palavras, uma his-tória da leitura”.89 Assim, ao trabalhar com a história daleitura podemos tentar estabelecer um contato com um87 PERNETTA,... e VELLOZO,... p.3488 PERNETTA,... e VELLOZO,... p.3789 CHARTIER,... p. 233

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universo mental estranho a nós, mas que pode nos reve-lar uma pluralidade de visões de mundo de um determina-do tempo e espaço.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entre os assuntos que Dario Vellozo escreveu, con-cedemos importância às suas idéias políticas, principal-mente àquelas relacionadas com a formação de uma raçanacional. Com as proposições que deixou eternizadas emseus artigos, podemos também pensar como era impor-tante tal discussão no cenário nacional; que uma parteínfima da qual foi resgatada no segundo capítulo destetrabalho. Porém, o nosso interesse na concepção de raçade Vellozo não estava somente relacionado ao que ocor-ria no cenário nacional, e sim com o Dario Vellozo leitor,para podermos saber de que forma ele se relacionava comas suas leituras.

Nos textos em que tratou da “raça nacional” utilizou-se de diversos autores, sendo alguns deles provenientesdo movimento literário do romantismo brasileiro. Sua ju-ventude foi marcada pelas leituras de autores românticos;sendo que Dario Vellozo escreveu, em meados de 1885,que: “Pôr este tempo não rabiscávamos papel; idolatrá-vamos o Casimiro de Abreu, Castro Alves, Junqueira Freiree Álvares de Azevedo”.90 Além disso, Gonçalves Dias foium autor privilegiado entre as suas discussões políticas.É nítida a influência que teve do movimento literário ro-mântico brasileiro, verificado através das suas citações90 PILOTTO, Erasmo. Dario Vellozo – Cronologia. Curitiba, 1969. p. 36.

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a respeito das obras lidas. Desta maneira, podemos no-tar o alcance deste movimento no pensamento de Vellozona sua própria maneira de conceber o indígena enquantofator principal na formação étnica brasileira, devido à ca-racterística do indianismo tão presente entre as suas leitu-ras românticas.

Nelson Werneck Sodré expôs, em Ideologia doColonialismo, que o indianismo, presente nas obras ro-mânticas, era muito mais antigo que este movimento lite-rário, pois provinha desde a literatura jesuítica no Brasilcolonial. Porém, o indianismo tornou-se forte no pensa-mento do século XIX porque o elemento étnico indígena:

(...) era uma coisa profundamente nossa, emcontraposição a tudo que em nós era estrangei-ro, era distante, viera de outras fontes. Oindianismo era nativista, efetivamente, não só porcoincidir com a fase de autonomia e dela provircomo conseqüência direta, mas porque, logoapós o processo de Independência, desenvolveu-se entre nós um nacionalismo vago e virulento (...).Provar que o Brasil podia subsistir sem o portu-guês, e que podia viver de seus elementos pró-prios, entre os que estavam presentes na tarefada colonização, mas não eram lusos, constituíaum tema excelente e próprio da época”.91

Podemos apreender da citação acima, a influênciaque o literato em questão recebeu do indianismo. Provavel-mente, o índio era encarado como o elemento primordial91 SODRE, Nelson Werneck. A ideologia do colonialismo: seus reflexos no pensa-mento brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1984. p.42.

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para Dario Vellozo devido às suas leituras de literatos ro-mânticos. Porém, as considerações deste autor sobreuma raça nacional foram além do indígena idealizado nasliteraturas românticas. Concedeu ao seu discurso um graucientífico utilizado para provar a importância do autóctonena formação da etnia nacional. Deste modo, procurou-see selecionou-se em seus textos dois autores que discuti-ram outros assuntos que não o indígena, mas que foramrelacionados à explicação que Dario Vellozo elaboroucomo forma de proteger o “aborígine”.

De certa forma, podemos chamar os dois literatosescolhidos para esta pesquisa, lidos por Vellozo, como“homens de sciencia”, como caracterizou Lilia MoritzSchwarcz.92 Ambos os literatos tinham um comprometi-mento científico com o que estavam defendendo, da mes-ma forma que o intelectual em questão também conferiaaos seus discursos. Portanto, vemos como é rica a histó-ria da leitura, pois ela nos abre um amplo horizonte, quedependendo das obras escolhidas, nos fornecem umagrande pluralidade de significados estabelecidos pelo lei-tor. Pois, “a leitura individual pressupõe a criação de parti-cularidades quanto ao universo simbólico ao qual os lei-tores estão expostos”.93

Chartier disse que “ler é uma prática criativa que in-venta significados (...)”94; assim, de que forma Dario Vellozo92 Lilia Moritz Schwarcz denominou em O Espetáculo das Raças os intelectuaisbrasileiros relacionados às instituições de saberes como “homens de sciencia”,devido ao papel que assumiram perante a sociedade brasileira.93 Claudio, L. DeNipoti. Páginas de Prazer: a sexualidade através da leitura no iníciodo século. Campinas, São Paulo: Editora da Unicamp, 1999. p.129.94 CHARTIER, Roger Textos, Impressões e Leituras. In: Hunt, Lynn. A nova históriacultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 214.

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estabeleceu significados com o que leu? Nas citações ex-postas no terceiro capítulo observamos que o intelectualem questão amarrou palavras ditas por outros autores(Romero e Nordau) para legitimar a sua proteção ao indí-gena, já que esta era uma das principais discussões deseu discurso racial. Porém, ao relacionar os discursos li-terários de outros autores com os seus, criou outras sig-nificações para a sua fala e para a dos outros autores;este é o caso das citações utilizadas do livro de MaxNordau. O autor húngaro estava expondo o seu ponto devista para a Europa, preocupado com o aumentopopulacional do continente e com a provável falta de ali-mentos para toda essa população que para ele só tende-ria a aumentar, sendo os outros continentes alvos doseuropeus que estariam famintos a procura de um novolocal para se abastecer. Nordau Expõe a superioridadedo europeu perante os povos dos outros continentes, mastemia que com a influência do desses locais sobre os bran-cos estes também tornar-se-iam degenerados. DarioVellozo usou destas idéias de Max Nordau relacionando aquestão étnica do Brasil para evidenciar seu ponto de vis-ta a respeito da ameaça que a imigração européia exerciasobre a constituição de uma identidade étnica nacional.Da mesma forma, apoiou-se nas palavras de Silvio Romeropara propor uma solução a tal problema. Desta forma, aspalavras desses autores por Vellozo utilizadas foramselecionadas e utilizadas com os significados que conce-deu a elas para legitimar o seu discurso. Assim, podemosentender de que maneira o intelectual em questão pensa-va pois, com a história da leitura podemos saber “como

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pensavam aqueles que, entre eles, podiam participar datransmissão do pensamento por meio de símbolos impres-sos”.95 Já que a palavra impressa afeta a maneira de pen-sar do homem, foi isso que ocorreu com Dario Vellozo.

Ao trabalharmos com essas duas leituras realizadaspelo intelectual em questão conseguimos retirar tambémo que permaneceu em seus escritos com relação à suaexperiência enquanto leitor, acerca da leitura realizada.Desta maneira, podemos encarar a leitura como um indí-cio (fonte) das falas de um momento, pois ela foi, nestecaso, uma das responsáveis pela pluralidade das discus-sões a respeito da raça nacional.

95 DARNTON, Robert. O Grande massacre de gatos e outros episódios da históriacultural francesa. Rio de Janeiro: Record, 1992. p. 278 e 179

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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