pensamento filosófi co e social no brasil

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Pensamento Filosófico e Social no Brasil

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Pensamento Filosófi co eSocial no Brasil

José Adir Lins MachadoClaudiane Ribeiro BalanMariana de Oliveira Lopes Vieira

Pensamento Filosófico e Social no Brasil

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Machado, José Adir Lins

ISBN 978-85-8482-199-0

1. Filosofia - Brasil. 2. Sociologia - Brasil. I. Balan, Claudiane Ribeiro. II. Lopes, Mariana de Oliveira. III. Título.

CDD 101

Machado, Claudiane Ribeiro Balan, Mariana de Oliveira Lopes. – Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S. A., 2015. 180 p. : il.

M149p Pensamento filosófico e social no Brasil / José Adir Lins

© 2015 por Editora e Distribuidora Educacional S.A

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e

transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora e Distribuidora Educacional S.A.

Presidente: Rodrigo GalindoVice-Presidente Acadêmico de Graduação: Rui Fava

Diretor de Produção e Disponibilização de Material Didático: Mario JungbeckGerente de Produção: Emanuel Santana

Gerente de Revisão: Cristiane Lisandra DannaGerente de Disponibilização: Nilton R. dos Santos Machado

Editoração e Diagramação: eGTB Editora

2015Editora e Distribuidora Educacional S. A.

Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João PizaCEP: 86041 -100 — Londrina — PR

e-mail: [email protected] Homepage: http://www.kroton.com.br/

Unidade 1 | As principais características da filosofia no Brasil

Seção 1 - A herança portuguesa1.1 | A formação do pensamento português1.2 | O panorama reflexivo no Brasil1.3 | O itinerário da história das ideias

Seção 2 - A existência ou não de uma filosofia brasileira2.1 | O panorama da reflexão filosófica no Brasil

Seção 3 - Características da filosofia no Brasil3.1 | Traços distintivos do povo brasileiro3.2 | A contribuição de Gonçalves de Magalhães3.3 | A contribuição de Raimundo Farias Brito

Unidade 3 | Sociologia no Brasil: história e desafios

Seção 1 - Sociologia histórica1.1 | O padrão sociedade1.2 | O início1.3 | Os grandes pensadores: Karl Marx1.4 | Os grandes pensadores: Émile Durkheim1.5 | Os grandes pensadores: Max Weber1.6 | Expandindo as fronteiras

Unidade 2 | Os pensadores da filosofia brasileira

Seção 1 - A influência positivista e a Escola do Recife1.1 | O positivismo de Auguste Comte1.2 | A escola do Recife1.3 | A escola do Recife, o positivismo e demais correntes

Seção 2 - A contribuição de Tobias Barreto2.1 | Tobias Barreto

Seção 3 - A contribuição de Farias Brito3.1 | A formação de Farias Brito3.2 | A carreira de Farias Brito3.3 | As realizações de Farias Brito3.4 | Farias Brito e a política3.5 | Desfechos familiares e morte

Sumário

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1.7 | Conceitos e princípios

Seção 2 - Sociologia no Brasil2.1 | No Brasil2.2 | Alguns pensadores brasileiros: Octávio Ianni2.3 | Alguns pensadores brasileiros: Florestan Fernandes2.4 | O ressurgimento

Seção 3 - Sociologia e seus desafios modernos3.1 | Sociologia e seus apêndices

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Unidade 4 | Valores morais e éticos

Seção 1 - Contribuições filosóficas acerca da ética e da moral1.1 | A ética e moral na história 1.1.1 | Ética grega 1.1.2 | Ética socrática 1.1.3 | Ética platônica 1.1.4 | Ética aristotélica 1.1.5 | Ética helenística: epicurismo e estoicismo 1.1.6 | Ética cristã 1.1.7 | Ética moderna

Seção 2 - A ética e a moral na sociologia2.1 | A contribuição dos Clássicos da Sociologia no debate sobremoral e ética2.2 | Ética na docência

Seção 3 - A sociologia no ensino médio3.1 | Histórico da disciplina de Sociologia no Ensino Médio: lutas eresistências

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Apresentação

Olá, pessoal! No livro “Pensamento Filosófico e Social no Brasil” estudaremos na Unidade 1 “As Principais Características da Filosofia no Brasil”, em que estaremos apresentando sua trajetória e as influências na cultura brasileira. Portanto, perpassaremos pela herança portuguesa, e a indagação da existência ou não de uma filosofia brasileira. Na Unidade 2 possibilitaremos a observação sobre a classificação das diferentes concepções de filosofia no país.

O objetivo é apresentar as contribuições reflexivas das principais personalidades brasileiras vinculadas à questão da produção filosófica. Neste sentido, apresentaremos a Influência Positivista e a Escola do Recife; a Contribuição de Tobias Barreto e a Contribuição de Farias Brito.

Dentro desta perspectiva, estudaremos na Unidade 3 a Sociologia no Brasil: História e Desafios, analisando assim os traços principais das etapas, períodos e evolução de sua institucionalização.

Na Unidade 4, correspondente aos Valores Morais e Éticos, perpassaremos pela análise das questões éticas e morais nos campos da Filosofia e da Sociologia.

Dessa forma, o conteúdo do livro indica um modo de viver a vida, de observar de forma crítica a relação homem e sociedade com muito mais clareza e satisfação. Os textos apontam caminhos simples e objetivos, dos quais o que se pretende é ampliar os conhecimentos e a forma de observar o mundo e a natureza, enriquecendo desta forma a trajetória acadêmica do aluno e, ao mesmo tempo, ampliando a sua especialização na área profissional.

Neste contexto, desejamos um excelente estudo aos nossos estudantes e leitores desta obra, cujos autores alvitram a ampliação dos conhecimentos com base no pensamento filosófico e social no Brasil.

Prof. Sergio de Goes Barboza

Unidade 1

AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA FILOSOFIA NO BRASIL

A formação da cultura lusitana traz no seu bojo a participação de muitas visões de mundo, por vezes, a princípio, antagônicas, porém dentro de uma convivência pacífica e tolerante, fato que colocaria Portugal em um patamar diferenciado com relação aos demais países europeus. Contudo, próximo da época do descobrimento do território brasileiro, ocorre uma guinada no campo epistemológico, educacional, político e religioso, com a participação mais efetiva da Ordem Jesuítica, e isso terá repercussões até mesmo em solo brasileiro.

Pretendemos, nessa seção, possibilitar ao estudante obter clareza na classificação das diferentes concepções de filosofia existentes em nosso país, e, sobretudo, que possa perceber que é bastante comum haver uma confusão acerca da existência da Filosofia em si, com filosofias de vida ou pensamentos com viés ideológico, buscando perpetrar-se em nossa sociedade e dificultando a objetividade na distinção epistemológica do campo filosófico.

Seção 1 | A herança portuguesa

Seção 2 | A existência ou não de uma filosofia brasileira

Objetivos de aprendizagem:

Nessa unidade pretendemos apresentar a trajetória do pensamento filosófico no Brasil. Compreendendo primeiramente a formação do pensamento português e a sua posterior influência na formação da cultura brasileira. Faremos uma reflexão sobre a existência ou não de uma filosofia genuinamente nacional, bem como uma abordagem sobre as diversas concepções de filosofia presentes em nosso país, de acordo com a interpretação dos principais estudiosos do assunto no Brasil.

José Adir Lins Machado

As principais características da filosofia no Brasil

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Apresentaremos uma análise do desdobrar da filosofia em solo brasileiro, passando pelas principais correntes que nos foram legadas pelos portugueses e sofrendo a influência das demais correntes de pensamento que afloraram na Europa durante a Idade Moderna, indo desde a visão cartesiana até ao espiritualismo francês, mas sempre com uma conotação eclesiológica, senão com resquícios da influência teológica remanescente da Escolástica.

Seção 3 | Características da filosofia no Brasil

As principais características da filosofia no Brasil

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Introdução à unidade

Buscaremos apresentar, nesta unidade, as características mais marcantes da história da filosofia no Brasil. Para tanto, já é bom que se diga que há uma grande diferença entre a Filosofia no Brasil e a Filosofia do Brasil, ou filosofia brasileira. Alguns, inclusive, para referir-se à filosofia brasileira, usam o termo “filosofia tupiniquim”. Fato que, por si, já evidencia uma espécie de menosprezo por nossas correntes de pensamento. Se é que elas existem. Diante disso, o primeiro passo talvez seja, justamente, decidir: existe ou não uma filosofia brasileira? Por

gentileza, caro(a) estudante, pedimos que não tente responder pelo ímpeto, pois essa questão merece muita reflexão.

A coruja é o símbolo da filosofia por ter visão abrangente – girar a cabeça para todos os lados – e por só alçar voo sob o crepúsculo. O que significa dizer que devemos observar tudo, sob todos os ângulos possíveis, ponderar bastante e não tirar conclusões precipitadas. Quem fala antes de pensar, quem fala sem pensar, quem fala e depois se arrepende, demonstra estar bem distante dos ditames filosóficos, pois a filosofia é reflexão crítica e profunda.

Rubem Alves dizia ter um profundo desejo de oferecer cursos de “escutatória” ao invés de cursos de oratória, pois escutar é tão ou mais importante do que falar. Quando se chega a essa conclusão,

Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:India_tupi.jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015.

Figura 1.2 | Existe “filosofia tupiniquim”?

Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Coruja.JPG?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015.

Figura 1.1 | A coruja alça voo no crepúsculo.

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começa-se a ser filósofo.

Quando os alunos começam a estudar filosofia ou quando conversamos com alguém que não é da área, é bastante comum nos indagar: “existe algum(a) filósofo(a) brasileiro(a)?” A resposta para essa pergunta vai depender de uma contextualização um pouco extensa, não dá para apresentar uma boa resposta de modo superficial. Não existe um sim ou um não e ao mesmo tempo existe um sim e um não. Onde reside a dificuldade em se ter filósofo(a) brasileiro(a)?

Grosso modo, filosofia é reflexão sobre a realidade, mas não pode ser sobre a realidade muito recortada, muito pontual ou subjetiva, senão não interessa para ninguém; e também não pode ser sobre uma realidade universal que prescinda do contexto onde nos encontramos, senão pouco acrescenta sobre o que já foi elaborado.

Assim como acontece com a história, onde as crianças aprendem a história do mundo antigo antes de conhecer a história da sua cidade, também na filosofia aprendemos a refletir sobre a realidade antiga, sobretudo, mas não aprendemos a refletir sobre o que está acontecendo hoje em dia em nossa cidade e em nosso país.

Existem pessoas que são mais propensas a filosofar de modo inato, têm essa verve filosófica: questionam, se posicionam e aprofundam as questões. E existem outras que podem até estudar e se formar em Filosofia, mas nunca aprenderão a fazer filosofia. É como estudar arte e nunca se tornar um artista, ou estudar música e nunca ser um músico.

Nesta unidade apresentaremos a questão da herança portuguesa legada à filosofia brasileira e qual o seu impacto em nossa formação e reflexão filosóficas. Posteriormente faremos uma reflexão sobre a Filosofia e as filosofias, numa tentativa de perceber o alcance da nossa maneira de fazer filosofia. E, por último, veremos as características mais presentes no desenvolvimento da filosofia em nosso país.

Fonte: Disponível em <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Sisebuto,_rey_de_los_Visigodos_(Museo_del_Prado).jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015.

Figura 1.3 | Suevos e visigodos coabitavam em território português.

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Seção 1

A herança portuguesa

A título de introdução a esta seção, queremos lembrar-lhe que a Filosofia anda muito próxima de diversas outras áreas do conhecimento, e a história é uma delas. Por isso, para se entender a filosofia no Brasil é preciso fazer um resgate da história da filosofia em Portugal. Os portugueses foram os responsáveis por nos inserir na cultura europeia através da língua, da religião, de aspectos culturais e folclóricos, entre outros. Contudo, a formação do pensamento português não se fez sem contradições. Cabe lembrar que contradições bem conduzidas são salutares e podem ajudar no crescimento cognitivo.

1.1 A formação do pensamento português

Coabitavam na Península Ibérica povos de diversas tendências, tais como cristãos, judeus e árabes. Além disso, havia também uma forte presença africana decorrente da proximidade desse continente. Fato que, possivelmente, contribuiu para a criação de um espírito de tolerância com o diferente, pois cristãos e muçulmanos, em tempos de paz, negociavam continuamente, se visitavam e até casavam seus filhos misturando as culturas. Chegavam, inclusive, a realizar cultos cristãos e muçulmanos nos mesmos templos, conforme nos relata João Cruz Costa (1904-1978) (1967, p. 17), o qual afirma ainda:

Quer nos parece que o humanismo, o realismo que caracteriza a cultura portuguesa explica-se, em parte, pela influência que ela recebeu da cultura árabe e das necessidades originadas desse convívio com povos de religião e tendências diversas. Como é sabido, dos árabes receberam os ibéricos o conhecimento da filosofia grega e, principalmente, a interpretação “física”, que lhe deram os primeiros. Foi sob a sua influência e também sob a influência do senso prático dos judeus que, no alvorecer do Renascimento, os portugueses iniciaram a sua obra náutica. O isolamento em que se mantém a ciência portuguesa leiga – de tendência profundamente empírica – em face do movimento filosófico de inspiração propriamente continental é mais um sintoma assaz sugestivo da influência da cultura árabe em Portugal.

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Nessa época a ciência escolástica (dominada pela Igreja com base principalmente nos pensamentos de São Tomás de Aquino) e a ciência leiga (emancipada desde Galileu Galilei e fortalecida com as contribuições de Isaac Newton, sobretudo) estavam se distanciando. Na escolástica predominava um modelo de ensino erudito, mas na Península Ibérica se fazia ciência aplicada enriquecida com a sutileza da argumentação teológico-filosófica. Prefigurando o empirismo e o pragmatismo, reinava em Portugal um espírito positivo em dissonância com os demais países europeus. As escolas náuticas são bons exemplos dessa tendência; auxiliadas por uma visão franciscana que visava aproximar o homem e a natureza, diferentemente da Península Itálica, por exemplo, que primava pela atividade industrial.

A descoberta do novo mundo contribuiu muito para ajustes profundos na física, na cosmologia e na geografia da época, e autoridades consagradas das ciências, sobretudo Aristóteles, passaram a ser questionadas e desse modo os navegadores venceram a superstição causada pelos textos clássicos. Afirmarão os lusitanos que “sabe-se mais em um dia agora pelos portugueses, do que se sabia em cem anos pelos romanos”. Porém, a partir do século XVI, impulsionada por um modelo político monopolista e teocrático, Portugal entrará em decadência e a riqueza extraída das novas terras irá parar nas mãos dos banqueiros do norte europeu ou dos piratas ingleses.

Nesse momento entram em cena os Jesuítas, os quais terão profunda contribuição na formação dos pensamentos

Para melhor aproveitamento e enriquecimento dos estudos, sugerimos que você faça uma pesquisa sobre a história de Portugal, a sua formação, suas características, o seu território e, sobretudo, os avanços e retrocessos no tocante ao campo do conhecimento. Pode usar o site http://www.historiaportugal.com/, para essa pesquisa.

Figura 1.4 | Símbolo da Ordem Jesuíta.

Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Marca_Oficial_Jesu%C3%ADtas_Brasil.png?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015.

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portugueses e latino-americanos. Enquanto a colonização do território brasileiro se iniciava, os Jesuítas, então à frente da Contrarreforma católica, foram chamados para a Universidade de Coimbra. Portugal começa a se afastar do movimento científico que começou a florescer já no século XVII e o espírito moderno vai definhando.

O ex-presidente de Portugal, Teófilo Braga (1843-1924), ao escrever sobre a história da Universidade de Coimbra, dirá que o ensino, nas mãos dos Jesuítas, perdeu a sua base natural e nacional, e o saber converteu-se em erudição livresca. As doutrinas aristotélicas voltaram a se propagar e o espírito renascentista cedeu lugar às humanidades clássicas, envolvidas em uma atmosfera teológica. Os Jesuítas afastavam Portugal da renovação científica moderna, de tal modo que Portugal nunca mais voltou a encontrar os meios para prosseguir nessa empreitada, por conta de um humanismo superficial.

Enquanto toda a Europa se debruçava sobre o pensamento de Bacon e Descartes, os portugueses refletiam acerca da contribuição escolástica. Dir-se-á que o pensamento filosófico português esteve apartado das correntes modernas que, na França e na Inglaterra, já haviam superado o tomismo. O universalismo cultural que havia originado os descobrimentos ia lentamente se distanciando no horizonte.

Esse universalismo permitiu a libertação ocidental da ameaça islâmica, a navegação em latitude ao invés de longitude e a unificação do globo terrestre, contribuindo para a criação de uma economia mundial. Ao universalizar as ciências

naturais, a geografia, a meteorologia e a medicina, os portugueses haviam sido vanguardistas da Idade Moderna e contribuíram significativamente para o colapso das visões de mundo antiga e medieval. Se o Renascimento culminou no humanismo, o universalismo português alcançou avanço ainda maior no campo moral e das ideias.

Nessa época, o interesse pela navegação atraía para Lisboa gentes das mais variadas culturas. Os descobrimentos e a fortuna fácil proporcionavam, de um lado, o luxo e, de outro, o relaxamento dos costumes. Ao luxo se ligava à falta de escrúpulos em matéria de moralidade e os portugueses passaram a cuidar apenas de exterioridades; ou seja,

Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Monumento_a_los_Descubrimientos,_Lisboa,_Portugal,_2012-05-12,_DD_09.JPG?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015.

Figura 1.5 | Monumento aos navegantes.

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como dizemos hoje, “viver de aparências”. O relaxamento dos costumes chegou a refletir até mesmo na vida eclesiástica, conforme atestam documentos da época.

Diante dessa derrocada e das mudanças científicas e religiosas da época, a filosofia em Portugal, por influência jesuítica, irá se limitar a uma tentativa de renovação dos pensamentos tomísticos e escolásticos, uma vez que a especulação pura nunca foi o ponto forte da filosofia portuguesa, como o foi o experimentalismo. Enquanto em outros países europeus a filosofia se reaviva com muita intensidade, em Portugal isso só viria a acontecer 200 anos depois e de modo ainda muito tênue.

Era esse o panorama reinante em Portugal quando eles aqui chegaram. Deles herdamos a língua, os costumes, a religião, os defeitos e as virtudes; além, certamente, de uma visão de mundo e de ser humano. Assim como a especulação, a contemplação não era forte em Portugal e também não será no Brasil. A convivência pacífica dos mais diversos povos foi e é característica bem marcante em ambos os países.

Sobre a herança portuguesa, as duas obras de João Cruz Costa apresentadas nas referências constituem-se em um material de excelente qualidade, apresentando um resgate histórico dentro de uma perspectiva filosófica.

1.2 O panorama reflexivo no brasil

Como vimos, o descobrimento do Brasil coincidiu com a decadência de Portugal, que ajudou a proporcionar novos rumos ao mundo da época, mas logo se afastou da condução da sociedade do seu tempo e passou para um mundo escuro, inerte, pobre e ininteligente. Apesar dos descobrimentos se encontrarem na raiz fecunda do capitalismo moderno, os portugueses tiraram pouco proveito dessa empreitada, pois na época o comércio era monopólio entregue pelo rei a quem melhor lhe retribuísse a concessão. Alemães e povos nórdicos foram os maiores beneficiados, ficando aos portugueses e espanhóis apenas o transporte das mercadorias das colônias para as metrópoles.

O ouro escoava-se para os países do norte. Portugueses e espanhóis apenas representavam no comércio com as colônias o papel de “transportadores” (rouliers), pois eram os outros países da Europa que enviavam para as colônias ibéricas os objetos manufaturados de que eles tinham necessidade. [...] Consideráveis prejuízos também causariam a Portugal e à Espanha o fanatismo religioso. À Holanda

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Segundo Bento Prado Júnior (1937-2007), Cruz Costa (1904-1978) “insiste no caráter mimético do pensamento brasileiro, de como o pensamento brasileiro imita sistematicamente o pensamento metropolitano, de como as ideias vinham através de navios e de como a cultura no Brasil era puramente simbólica, como um adorno da classe dominante” (PRADO JR, 1986, p. 110). Machado de Assis dirá que a nossa cultura é uma “cultura de casca”, sinalizando que ela não tem profundidade, é apenas de superfície. E, certamente, esse é um elemento constitutivo da nossa maneira de lidar com a filosofia. Porém, uma das características mais marcantes do pensamento filosófico é justamente ter profundidade e ser crítico-reflexivo. A filosofia, desde o seu início, busca compreender e analisar o mundo de modo sistemático, não condescendendo com reflexões superficiais e preconceituosas.

Éramos profundamente (talvez sejamos até hoje) influenciados pela realidade europeia, vivíamos uma realidade aqui no Brasil, mas refletíamos sobre outra, principalmente sobre a realidade europeia. É como se cultura e realidade estivessem alienadas, separadas, pois ao mesmo tempo em que escrevíamos livros baseados no liberalismo europeu, por exemplo, a nossa sociedade era escravagista. Produzíamos ideias fora do nosso contexto, ou melhor, não produzíamos, apenas reproduzíamos.

levariam os judeus expulsos da Península a sua atividade de traficantes, sua habilidade comercial e as suas riquezas. A Holanda e, logo depois a Inglaterra, seriam as verdadeiras sucessoras do patrimônio colonial ibérico (CRUZ COSTA, 1967, p. 30).

Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/Egg#mediaviewer/File:Huevo_Quebrado.jpg>. Acesso em: 19 mai. 2015.

Figura 1.6 | Cultura de casca, frágil e superficial.

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Uma nação tem o direito de exercer influência sobre outras? E hoje em dia, quantas nações não mantêm outras sob sua influência, por vezes, sem que isso seja claramente percebido? A moda, a música, os filmes, são bons exemplos de como nos deixamos levar por influências de outros povos. Faça uma análise sobre a(s) cultura(s) que mais influência exerce(m) sobre o nosso país atualmente.

Contudo, pode haver um aspecto positivo nisso, pois os europeus acabavam se expondo mais a equívocos e nós, teoricamente, tínhamos mais tempo para perceber isso e evitar tais erros. Por outro lado, parecia que não fazíamos filosofia propriamente, mas apenas brincávamos de fazê-la. Será que essa característica tem a ver com o legado português?

Herdamos uma cultura separada da modernização europeia e muito ínsita numa tradição eclesiológica de um catolicismo pragmático e - por que não dizer? - comercial. Está aí, talvez, uma explicação superficial para as nossas romarias e nossas práticas de promessas, quase com um pé numa certa modalidade de paganismo. Desse modo, não é exagero afirmar que “a história das ideias no Brasil é a história das interpretações do mundo e do Brasil” (Ibidem, p. 117). Outra razão dessa reprodução de ideias seria o fato de não se escrever para um público brasileiro, pois, praticamente, não havia esse público; escrevia-se para um público europeu, sobretudo. Nesse caso a produção foi provocada pelo consumo.

Cruz Costa (1959, p. 13) lembra que “temos simplesmente glosado o pensamento europeu e não contribuímos até hoje para o patrimônio da Filosofia com nenhuma criação”. Na sequência ele cita Raimundo Farias Brito (1862-1917), o qual havia

O legado colonial é o legado de uma cultura, da cultura portuguesa, que no momento mesmo em que faz, em que inicia a experiência da colonização, se fecha para a Europa e se fecha para a ciência. Você tem aí a presença dos jesuítas como uma presença que dá o nome próprio desse tipo de experiência cultural, ou desse tipo de tradição cultural. Então, grosso modo, você tem o seguinte: cultura livresca por oposição à cultura moderna científica, o respeito pela autoridade e não o respeito pela razão, a conservação da estrutura social ao invés da mobilidade e da transformação social (PRADO JR., 1986, 115).

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sustentado que ainda não produzimos nenhum filósofo e apresentava como razão para isso a nossa curta história, pois ainda somos um país muito recente. Segundo Farias Brito:

Se não produzimos nenhum filósofo, poderíamos nos perguntar: “então não existe uma filosofia brasileira?”. Para Cruz Costa não existe e nem deveria existir, pois a filosofia tem de ser uma experiência da coletividade humana e não de nações isoladas. A filosofia deveria buscar ser universalmente válida e não ser válida apenas nacionalmente. Contudo, temos algo de próprio em nossa experiência e em nossa vivência, embora os livros não relatem.

Os homens que migraram para o Brasil eram motivados pela aventura e pelo lucro. Os aventureiros visavam o útil e imediato e, normalmente, agiam baseados na crença de que aqui tudo era permitido, nada era pecado. Também vinham para cá religiosos buscando conquistar almas para a cristandade. Próximo de 1530 os jesuítas já estavam instalando aqui o Colégio da Companhia de Jesus. Nesses colégios estudavam os filhos dos abastados senhores de engenho, de usineiros ou plantadores

de cana-de-açúcar; ou, então, os filhos dos funcionários dos administradores do Reino Português. E a educação recebida era de base humanista, prioritariamente.

De modo imitativo se buscava aprender a escrever e pensar utilizando-se uma cultura livresca de origem europeia. Tudo não passava de simples reprodução de

Atendendo bem às nossas circunstâncias especiais, não é isto para estranhar quando é certo que, estendendo um pouco esta afirmação e olhando mais ao largo, poder-se-ia dizer a mesma coisa de toda a América [...]. Somos uma nação de ontem e para a elaboração de grandes construções filosóficas, originais e fecundas, é indispensável o concurso do tempo (FARIAS BRITO, apud CRUZ COSTA, 1959, p. 13).

Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Adventurers#mediaviewer/File:Nikolai_Leontyev.jpg>. Acesso em: 19 mai. 2015.

Figura 1.7 | Aventureiros migraram para cá.

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ideias, característica muitas vezes presente até hoje no nosso sistema educacional. Começava ali a admiração por tudo quanto fosse estrangeiro, como se isso fosse sinônimo de intelectualidade. Aliado a isso, herdamos de Portugal um pensamento acentuadamente voltado para a prática. A soma desses dois aspectos logo reduziu a nossa cultura ao comentário. O progresso científico havia se estagnado em Portugal e aqui não foi diferente. O resultado disso será que os colégios brasileiros focarão no ensino da escolástica, corrente que os países europeus mais avançados já consideravam ultrapassada.

Ainda no período colonial os estudiosos brasileiros, principalmente os mineiros, acabaram sendo influenciados pelos Enciclopedistas, levando o governo português, em 1790, a tomar medidas contra os leitores das obras dos filósofos franceses, chegando, inclusive, a colocar na prisão alguns acusados pelo crime de enciclopedismo.

Assim fomos, aos poucos, nos distanciando da influência portuguesa e nos aproximando mais do pensamento francês. Parecia estarmos direcionados para a nossa emancipação educacional e a primeira manifestação em prol da nossa independência eclodiu em Minas Gerais. Os intelectuais brasileiros, em grande parte maçons, se inspiravam nos livros dos franceses Diderot, D’Alembert, Voltaire e Montesquieu, entre outros, juntamente com o genebrino Rousseau. Estava lançada a semente que originaria o fim da colônia e o surgimento de uma nova nação independente.

De qualquer modo, deixamos de ser influenciados por um país europeu e passamos a ser influenciados por outro, ou seja, a cultura brasileira é filha da contribuição de estrangeiros. Tanto é verdade que não nos é possível estudar a nossa história prescindindo da história das imigrações ao nosso país. Há quem se oponha a essa influência, mas dificilmente poderíamos nos livrar dela, pois a América é filha da Europa, somando-se a ela contribuições também de índios, africanos e asiáticos, entre outros. Assim, a filosofia no Brasil, mesmo rudimentar, foi um luxo para os mais afortunados e, infelizmente, de certo modo, ela ficou elitizada. Inclusive, as pessoas que recebiam a educação humanística eram consideradas pessoas de classe.

Quando Portugal, no tempo de D. Maria I, dormitava no emperramento e na imobilidade, tentando levantar nas fronteiras uma barreira que obstasse a entrada das ideias revolucionárias, os estudantes brasileiros agitavam-se em Paris e sua palavra passando os mares, ia ecoar em nossos sertões... A França, com as suas turbulências então para a liberdade, era a nossa iniciadora; vira-se o mesmo nos Estados Unidos. A América estava cansada do jugo. E, assim, desde os fins do século XVIII o pensamento português deixava de ser o nosso mestre; fomos nos habituando a interessar-nos pelo que ia pelo mundo (CRUZ COSTA, 1959, p. 27).

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Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Salon_de_Madame_Geoffrin.jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015.

Figura 1.8 | Temos influência dos enciclopedistas.

1.3 O itinerário da história das ideias

A história da filosofia em território brasileiro deve ser estudada como história das ideias que aqui chegaram e se mantiveram formando o nosso modo de ver o mundo. Não temos uma filosofia natural, espontânea, mas um ecletismo de muitas culturas, povos e ideias. A filosofia não pode ser estudada desvinculada do nosso contexto histórico, social e político, pois ela não deve ser pura e simplesmente especulação, mas uma reflexão sobre a nossa experiência vivida. Segundo Léon Brunschvicg, “a história é o laboratório do filósofo”, portanto, poderíamos dizer, contrariando o senso comum, que a filosofia não é alheia ao mundo, como pode parecer para muitos.

É preciso, porém, não esquecer que a história exclui certas restaurações. Ela não é feita para restaurar, mas para libertar do passado. A filosofia encontra a verdade na sua adequação com a realidade. Esta realidade não é permanente, mas histórica. Não é, pois, possível saltar a barreira da história. Quando muda a história, necessariamente, tem que mudar também a filosofia (CRUZ COSTA, 1967, p. 12).

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Dirá Cruz Costa que no perfil do brasileiro se lê claramente a herança indígena em nosso sentimento tanto de rebeldia quanto de resignação; do caboclo se percebe como traço bem característico a desconfiança ao estrangeiro; e dos negros herdamos tanto a sensualidade quanto a abnegação. Mas a maior influência será do branco, sobretudo do branco português, pois por seu intermédio é que nos ligamos à civilização ocidental. Podemos, então, perceber que a nossa cultura, e por extensão o nosso pensamento filosófico, se faz como produto da junção de diversas culturas, com prioridade para duas: a influência vinda pelo Atlântico e a surgida no sertão. Sertão fruto da miscigenação de várias culturas.

Além da contribuição genuína, ainda que pequena, dos povos da América, se percebe que um dos nossos problemas é a importação de ideias, bem como a delimitação de até onde assimilamos essas ideias que importamos, pois parece haver um hiato entre pensamento e ação. Fato que nos remete ainda a outra questão, já levantada nesse texto: deveria a filosofia ter aspirações nacionalistas ou universalistas? Para Bento Prado Júnior, a ideia de uma filosofia nacional não coaduna com o ideal de universalidade inerente à disciplina.

Segundo Bento Prado Júnior, o apego à história de uma filosofia nacional pode ser fruto de dois tipos de preconceitos: um psicologista e outro historicista. “A filosofia é aí pensada como a expressão de uma alma ou de um espírito cuja natureza permanece inalterada ao longo da História. É a identidade do espírito que garante a continuidade da História e que faz com que as várias filosofias pareçam suceder-se dentro de um mesmo tempo, como as frases sucessivas de um único discurso” (PRADO JR., 1985, p. 174).

Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:%C3%8Dndios_Isolados_4.jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015.

Figura 1.9 | Conversamos pouco da cultura indígena.

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Não há no Brasil um sistema filosófico próprio, e se percebe isso nos próprios pensadores à medida que assumem essa carência de cultura nacional. É como se aqui a coruja de Minerva alçasse voo ao amanhecer. É como garimpar em um passado não filosófico em busca de traços de uma filosofia que ainda está por vir, por se formar. Temos uma nação buscando formar o seu zeitgeist (termo alemão que significa “espírito da época”, “espírito do tempo”).

Para Cruz Costa, é o historicismo que caracteriza a nossa filosofia, pois é preciso recuperar a origem do pensamento filosófico retornando à cultura portuguesa e se apercebendo do aspecto negativo que foi a contribuição jesuítica e a Contrarreforma, os quais foram obstáculos à filosofia, à medida que “fecham o pensamento português ao sopro de renovação que atravessa a Europa. [...] É o humanismo formalista e livresco dessa nova escolástica que domina e cristaliza a cultura da metrópole e que estende a sua hegemonia à nova colônia” (PRADO JR., 1985, p. 178). Disso resultam o formalismo, a retórica, o gramaticismo e a erudição livresca, da primeira metade do século XIX.

Se nos voltarmos, com o mesmo espírito, da literatura para a filosofia brasileira, a nossa conclusão será diferente: o seu registro de nascimento ainda não foi lavrado. Há obras, é certo, e nenhuma “escola” filosófica, provavelmente, deixa de estar representada nas “manifestações filosóficas” de nosso país. Sem diminuir o interesse dessas obras – pois há notáveis –, cabe assinalar que resenhá-las não implicaria em nenhuma informação para o leitor europeu; [...] Aqui também se faz marxismo, fenomenologia, existencialismo, positivismo, etc.; mas, quase sempre o que se faz é divulgação (Ibidem, p. 176).

Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Templo_Positivista.JPG?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015.

Figura 1.10 | Templo Positivista à Religião da Humanidade, em Porto Alegre.

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Ainda hoje é bastante comum encontrarmos tanto professores quanto alunos muito fascinados pela retórica filosófica, por vezes até se esquecendo do seu contexto originário e construindo um mundo imaginário pela retórica e pela erística, fazendo uma filosofia desarraigada da realidade, como se a filosofia se reduzisse ao seu discurso, deixando de ser instrumento de crítica e de decifração da experiência. Somente após a Primeira Guerra Mundial a criticidade começa a emergir. Porém, jamais devemos nos esquecer de que cabe à filosofia ter olhos para a realidade e com ela se preocupar, muito mais do que discursos convincentes. Vale lembrar ainda que o pensamento português antes de ser livresco foi realista, sobretudo focado no útil e no imediato.

Na segunda metade do século XIX o Brasil é invadido por um surto de positivismo e de modo antagônico o país ficou sendo governado por burgueses proprietários de terra e respirando uma atmosfera de mudança e de ideias novas (a política era conservadora, mas o pensamento era reformador), até que por volta de 1870 a burguesia, formada por militares, médicos e engenheiros, se apossa da intelectualidade da nação, mantendo uma forte tendência ao positivismo, surgindo em seguida o movimento positivista no Brasil.

Com base nesse panorama, Cruz Costa concluirá que o pensamento filosófico brasileiro se fez em torno da dialética entre formalismo e realismo, entre especulação e pragmatismo, entre transoceanismo e erradicação da cultura nacional, e entre metafísica e crítica social.

Cruz Costa afirmava que a filosofia autêntica deve estar ligada à ação, porém aqui houve uma inversão, passando a considerar a carência e o vazio cultural como sinal de liberdade diante do peso da tradição. Desse modo, a metafísica ficou impossibilitada de florescer no novo continente e uma das razões disso ter acontecido pode ter sido o pragmatismo que herdamos da cultura portuguesa ter-se transformado numa tendência de filosofia engajada radicada na práxis. Poderia estar aí explicada a preocupação de Cruz Costa em fazer uma análise historicista e não metafísica do percurso das ideias filosóficas no Brasil.

Este sistema de oposições define, é claro, não apenas o fio condutor da interpretação do passado, mas projeta também uma concepção da própria filosofia, seu ideal e seu programa. Nesse programa, o trabalho filosófico deve passar necessariamente pela análise crítica da realidade nacional e a reflexão não pode jamais abandonar o seu referente histórico, sob pena de transformar-se em mero galimatias. Necessidade que se revela de maneira mais que evidente nas Américas (PRADO JR., 1985, p. 181).

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Voltando à questão do historicismo e do psicologismo, afirma Bento Prado Jr. que pode ser que a filosofia brasileira esteja, de fato, mais associada à inconsistente perspectiva política emergida no golpe militar de 1964. Nessa perspectiva, o Estado diz o que os alunos devem ler. Preferencialmente textos técnicos, com pouca tendência ao desenvolvimento do senso crítico.

1. Das nações europeias que tiveram o seu alvorecer, algumas também tiveram o seu declínio. No caso de Portugal isso é bem perceptível, embora o seu apogeu tenha sido em um curto espaço de tempo. Portugal foi vanguardista de um pensamento avançado e de uma tecnologia de ponta, mas por equívocos, principalmente na área da educação, viu o seu declínio surgir rapidamente.

Considere:

I – A formação da cultura portuguesa sofreu influência de muitas outras raças, dentre elas árabes e judeus, fator que lhe proporcionaria tendência à tolerância.

II – O apogeu da cultura portuguesa coincidiu com a descoberta do território brasileiro, porém, logo na sequência Portugal entra em derrocada e assiste a outras nações europeias se destacando no campo do conhecimento.

III – O povo português nunca teve tendência a valorizar o útil e o pragmático e por esse motivo a sua cultura sempre serviu de reflexo tardio às demais culturas europeias.

IV – A nação portuguesa foi pioneira na valorização do empirismo e o resultado disso pode ser percebido em suas escolas de navegação, porém, logo retornou à Escolástica e isso representou atraso científico.

Estão corretas apenas as alternativas:

a) I, II e III.

b) II, III e IV.

c) I, II e IV.

d) I, III e IV.

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2. Sendo o Brasil um país relativamente novo, fica difícil apontar a tendência filosófica mais presente na nação, inclusive, porque ainda há um ecletismo muito presente em nossa concepção de mundo. Além disso, somos herdeiros de diversas correntes filosóficas.

Sobre a filosofia no Brasil e o seu ensino, assinale a alternativa correta:

a) Houve pouca influência jesuítica no ensino de Filosofia no Brasil, pois a pedido do rei de Portugal, os Jesuítas se ocuparam da educação em território brasileiro apenas quando Portugal estava em um processo de declínio.

b) Por não ter uma estrutura de ensino com condições de pleitear sua autonomia, a Filosofia no Brasil se limitou a reproduzir um aristotelismo mitigado interpretado segundo a visão de Galileu Galilei.

c) A verdadeira filosofia brasileira é aquela que resgata o modo de compreender o mundo de acordo com a visão indígena, pois a visão crítica de mundo que eles nos legaram é similar à herança filosófica dos gregos.

d) O ensino de Filosofia no Brasil teve diversas tendências, indo desde a influência dos Jesuítas, passando por um espiritualismo e chegando a ser marcado pelas ideias positivistas.

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Seção 2

A existência ou não de uma filosofia brasileira

Introduzimos a seção lembrando que não existe um consenso quanto a essa questão da existência ou não existência de uma filosofia brasileira. Há até quem afirme que nenhuma filosofia é nacional, ou seja, não existe filosofia específica de nenhum país do mundo, pois a reflexão filosófica é pertinente ao gênero humano como um todo. Discussões à parte, vamos tentar apresentar aqui elementos que te permitam formar uma visão sobre essa questão, de modo a poder posicionar-se mais criticamente sobre o assunto.

2.1 O panorama da reflexão filosófica no Brasil

Até por questões políticas e pedagógicas em nosso país, a filosofia deixou de ser ensinada nas escolas brasileiras, e aos poucos está retornando. E nesse retorno, por vezes, percebemos algumas confusões. Há quem acredite que filosofar é ter um pensamento qualquer sobre qualquer coisa. Isso não é filosofar, isso é senso comum; é opinião (doxa para os gregos). Creio ser emblemática para essa questão a frase de Bernard de Chartres, filósofo medieval, falecido próximo ao ano 1130, o qual dizia que “vemos mais longe porque estamos sobre os ombros de gigantes”, ou seja, para filosofar precisamos nos valer daquilo que já foi elaborado por grandes pensadores.

Mas não é só isso, pois não podemos apenas reproduzir o que os outros já pensaram, precisamos também refletir acerca da nossa realidade, como já foi dito, valendo-se da contribuição, do legado dos pensamentos que já se encontram cristalizados. Pode ser fatal para um pensamento filosófico genuíno a reprodução acrítica de outras realidades distantes da sua. É como reproduzir um Natal com pinheirinho e neve artificial. O Natal brasileiro é quente, com praia, piscina, cerveja, churrasco, música, alegria e muita festa. O Natal acima do equador é de frio e recolhimento. Mas ao invés de exportarmos o nosso Natal, nós tendemos a importar o Natal deles.

Guardadas as proporções, fazemos a mesma coisa com a filosofia. Somos um povo tolerante, acolhedor e alegre. Por trás de tudo isso existe uma filosofia. Poderia ser Filosofia, mas se limita a ser apenas filosofia. A Filosofia, com efe maiúsculo,

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equipara-se à Ciência e à Religião. A filosofia, com efe minúsculo, são filosofias de vida; são subjetivas, circunscritas e limitadas. Segundo Tobias Barreto (1839-1889), “não há domínio algum da atividade intelectual em que o espírito brasileiro se mostre tão acanhado, tão frívolo e infecundo como no domínio filosófico”.

Voltamos à questão já colocada: existe filosofia no Brasil? Cruz Costa, formado na primeira turma de Filosofia da USP, defende que não existe uma filosofia “original”. É preciso determinar a que tipo de filosofia nos referimos, se no plural ou no singular. O primeiro problema a resolver é se existe filosofia nacional; segundo: a questão da originalidade da filosofia, e terceiro, o que se entende por esta filosofia.

Antes de ser criada a USP, foi criada a Missão Francesa e a ela foi outorgada a tarefa dessa criação.

Por intermédio dela vieram para cá diversos professores. No final do ano de 1934 veio Jean Maugué (1904-1990), e por aqui ficou até 1945. Em um dos seus textos, intitulado O ensino da filosofia: suas diretrizes, Jean Maugué aborda o problema da filosofia no Brasil e afirma que no tocante à sua originalidade esse problema pode ser colocado de duas formas: 1 – Existe filosofia no Brasil? Se existe 2 – Qual o seu sentido?

O referido texto estava assim estruturado:

I – Considerações gerais sobre o ensino de filosofia, o qual, em suma, trata das condições do ensino de filosofia no Brasil de acordo com a afirmação kantiana de que “a filosofia não se ensina, ensina-se a filosofar”. Nele fica ressaltado que a filosofia não tem um corpo doutrinal unitário e axiomático desvinculado de sua história, assim como as exatas. O ensino da filosofia depende de quem a ensina,

O nosso país sempre teve como marca importar, ou copiar, aquilo que se produz nos países do primeiro mundo, com alguns pequenos atrasos no tempo, ou seja, aqui não temos o costume de produzir, mas apenas de reproduzir. Isso tem algum lado positivo? É característica inerente ao nosso modo de ser, ou um dia não mais agiremos desse modo? Isso é sinal de “esperteza” ou de atraso?

Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Formulas_in_physics>. Acesso em: 19 mai. 2015.

Figura 1.11 | Não se ensina filosofia do mesmo modo que as exatas.

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a filosofia é o filósofo. As ciências particulares têm um movimento de síntese, já a filosofia procura captar a unidade, ou a inteligência do conhecimento produzido fragmentariamente pelos vários domínios da ciência. A filosofia é bastante humilde ao vir depois, pressupondo outros conhecimentos. Ela depende da produção do conhecimento de outras áreas. E ela é bastante orgulhosa por pretender ser o conhecimento que mais se aproxima da verdade total. Por isso o ensino depende muito do professor de filosofia. O filósofo é, ele mesmo, uma cátedra de filosofia. Não se pode ensinar filosofia como as exatas. Devido a isso, seu corpo axiomático compreende outras esferas do saber e não existe um conteúdo específico para ser ensinado em filosofia.

II – Condições para o ensino de filosofia: 1ª) “O ensino da filosofia não pode ser anterior à aquisição

da cultura” (ciências, artes, letras, etc.), mas deve vir depois ou concomitante. 2ª) A filosofia deve viver no presente e ter um caráter concreto. Não é corajosamente filósofo aquele que cedo ou tarde não manifeste sua opinião sobre as questões atuais. Recordemo-nos de Platão ou Descartes, os quais trataram de questões concretas de suas épocas. Partiram do concreto. 3ª) O ensino de filosofia deverá ser, pois, principalmente, histórico, pessoal e íntimo. Os prolegômenos da filosofia contemporânea são os acontecimentos históricos. Retomam-se os clássicos para ilustrar o presente. Trai-se a filosofia quando não se remete aos filósofos. Maugué ressaltava a necessidade de se aprender filosofia lendo os clássicos e não somente os manuais.

III – Traços ideológicos que afetam o ensino da filosofia no Brasil. 1º) Julgar a filosofia pela novidade. Claude Lévi-Strauss (1908-2009) diz, a partir do contato com os estudantes, que eles queriam tudo saber, mas queriam reter só as teorias mais recentes. Não liam as obras originais, tinham entusiasmo só pelo novo. As ideias novas são acolhidas no Brasil com mais entusiasmo que nos países velhos. Tal como os astros são referências para a navegação, os autores clássicos são para se conhecer o grau de conhecimento filosófico. São pontos fixos. Ao orientar-se pelas grandes obras filosóficas e não só pela novidade, se desperta um senso histórico e, ao trazê-los para a atualidade, se estabelece um vínculo com a realidade presente. 2º) Julgar a filosofia por seu aspecto prático/utilitário. O espírito tem pouco a ganhar quando se volta para a utilidade ou o sentido prático das coisas. É no repouso da reflexão, e aí somente, que o espírito se encontra. Para Jean Maugué é só através da reflexão que o estudante de Filosofia adquirirá segurança.

Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:USP-Bras%C3%A3o.jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015.

Figura 1.2 | No Brasil, a filosofia se fortaleceu pela USP.

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Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:NGC2207%2BIC2163.jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015.

Figura 1.13 | O mundo segue uma ordem.

Para Paulo Eduardo Arantes (1942-), esse texto de Jean Maugué pode ser considerado certidão de nascimento da filosofia no Brasil, ou a fundação do edifício filosófico brasileiro, o qual se consolidou na década de 50 com os estruturalistas Granjet e Guéroult. Segundo Arantes, existe sim filosofia no Brasil, mas não se trata de uma filosofia totalmente original, antes, trata-se de uma filosofia europeia de origem francesa. O segundo capítulo do seu livro Um Departamento francês de ultramar (1994) intitula-se Certidão de nascimento, e nesse capítulo Paulo E. Arantes busca fazer um resgate do nascimento da filosofia em solo brasileiro.

O nó para o desenvolvimento das ideias de Maugué teria sido a nossa cultura fraca e débil, segundo Paulo Eduardo Arantes. Para György Lukács (1885-1971) e Theodor Adorno (1903-1969), a filosofia parte de uma cultura estabelecida. O trabalho da filosofia é ordenar aquilo que já está estabelecido. Por isto o trabalho de Maugué é ensaísta, ou seja, depende, pressupõe outros conhecimentos independentes da filosofia. A forma ensaísta não prospera no nosso contexto por carências de dados de outras áreas culturais e científicas, mas aqui, infelizmente, vivemos para atender às necessidades imediatas, da mão para a boca.

Contudo, temos duas maneiras de interpretar Maugué: essa de Paulo Eduardo Arantes e outra de Marcos Nobre. Para o primeiro, não houve relação entre filosofia e as demais áreas (críticas), e para o segundo houve, sim, filosofia neste diálogo interdisciplinar. Para Marcos Nobre, a filosofia no Brasil aconteceu por um movimento mútuo e simultâneo: uma linha histórico-filosófica e outra discutindo os problemas da filosofia interdisciplinarmente, à luz das artes, ciências e cultura.

A filosofia brasileira, nesse sentido, transparece no conjunto de publicações

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filosóficas sobre determinados temas. Assim, a filosofia brasileira não é brasileira, mas importada, como a filosofia americana é importada da Alemanha. A nossa filosofia é técnica, acadêmica e se reduz à USP. Não estabelece relação com a cultura. Faz-se separada do contexto em que se encontra.

Outra mente importante nesse debate é Victor Goldschimidt, o qual tem a pretensão de dar estatuto de ciência à história da filosofia. Isto já vem do final do século XIX com a tendência, por parte da história, de ser considerada disciplina científica. Com isso ela acaba ficando reclusa à academia, separando-se das esferas políticas, sociais, etc. Goldschimidt propõe maneiras de interpretar a filosofia e elevar a história da filosofia ao status de ciência (com objetividade). A história da filosofia é essencialmente filosofia e vem sendo interpretada de duas maneiras: ou pelo método dogmático, ou pelo método genético.

Segundo Goldschimidt, tanto o método dogmático quanto o genético partem dos dogmatas, de um conjunto de verdades. O primeiro procura explicar este conjunto segundo a intenção do autor, aplicando-lhe críticas e entendendo que através dessas críticas se chegaria à verdade, a qual poderia ser oposta àquela original depois de passar por uma purificação num tempo lógico, resgatando a intenção do autor, e suprimindo o tempo.

O segundo método, o genético, também parte de um conjunto de verdades (dogmatas), porém procura explicar o sistema a partir de suas causas, seus sintomas, fazer sua etiologia. Aqui se considera o tempo na interpretação, ao contrário do primeiro. Assim não se segue a intenção do autor, mas se vai além dela.

Para Goldschimidt, nenhum dos métodos é adequado para interpretar a filosofia, e então ele propõe o método da progressão (método estrutural) do tempo lógico. Ao se considerar a progressão (não se abrevia os movimentos da obra), elimina-se o enquadramento de contradição dentro de um sistema filosófico. Há uma unidade entre forma e conteúdo, ao que ele chama de explicitação do discurso.

Descreve-se, encontra-se o esquema, a estrutura da obra e percebem-se nela os passos dados pelo autor e se refaz estes movimentos internos. As verdades não são dadas em bloco, mas são dadas sucessivamente, obedecendo a um tempo lógico. Estão concatenadas. O intérprete deve se colocar como um discípulo fiel do autor. Não se busca julgar o autor, mas compreendê-lo.

A contribuição de Cruz Costa sustenta que a erudição é conhecimento teórico, porém desvinculado da vida, erudição pseudofilosófica. O modelo erudito predominava em Portugal e veio para o Brasil, enquanto o resto da Europa já buscava o modelo científico. As ciências naturais não se desenvolveram em Portugal. A cultura era livresca, era cultura de fachada, conforme já assinalamos.

Cruz Costa mostra uma antinomia: herdamos dos portugueses (1) o modelo

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erudito (e a filosofia dos Jesuítas teve este modelo como base), sendo o outro polo da antinomia também uma herança de outro traço português, (2) uma concepção de vida. Não há vínculo entre teoria e vida, é o chamado espírito prático, imediatismo, simbolizado no aventureiro que se lança às descobertas.

A colonização não visava ocupar a terra, mas explorá-la. Cruz Costa se baseia no historiador português Joaquim de Carvalho para afirmar suas ideias. Até a religião católica no Brasil acabou adquirindo conotação pragmática, com os pagadores de promessas, por exemplo. No século XVII passamos da influência portuguesa para a influência francesa. Isto, porém, não mudou a dimensão prática, a filosofia francesa tinha a política como dimensão prática: emancipação política. A dependência francesa cedeu lugar à dependência inglesa e logo após à americana. Cruz Costa tem uma tese que superaria esta antinomia.

Cruz Costa afirma que no Brasil não existem filósofos, mas filosofantes. Para ele, quando se constitui um país, o espírito teórico não tem tanto valor quanto o tem o espírito prático, propiciando infraestrutura:

estradas, indústrias, portos, etc. Ele cita Clóvis Beviláqua, que afirma que se um dia a filosofia nascer no Brasil, não nascerá da metafísica, mas da “terra-terra” (do aspecto prático). Para Cruz Costa seria possível uma filosofia no Brasil desde que se unisse teoria e prática.

Segundo Bento Prado Jr., a concepção de Cruz Costa sobre história das ideias é muito positiva e mostra que se estabeleceu relação entre a elite intelectual e as ideias, o saber erudito. Para Bento Prado, Cruz Costa era historicista. Em 1968 ele escreveu um artigo onde se autodenominava Estruturaloide, ele afirma que falar em filosofia no Brasil fere o princípio de universalidade. A universalidade é implícita às ideias, pois estas não deveriam refletir a particularidade, a especificidade de uma nação.

Em outro texto, de 1982, ele diz que o texto de 1968 (crítica a Cruz Costa) mostra que ele era um idealista, haja vista que defender a existência de filosofias nacionais postula um princípio de psicologismo (alma nacional, caráter da nação) e historicismo (buscar no passado elementos que fundamentem o modelo atual e projetem o futuro). Outras disciplinas não mostram isto, não há matemáticas

Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:AnEruditeResearcher.jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015.

Figura 1.14 | A nossa marca seria a erudição ou a pseudoerudição?

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brasileiras, francesas, etc. Contudo, Bento ainda mantém a acusação de que Cruz Costa recai num historicismo quando busca explicar o presente com base no passado e quando afirma o caráter prático do brasileiro.

Outra crítica: o modelo historicista requer linearidade (reproduzimos um modelo passado e continuaremos produzindo), não podemos ver a história como predeterminada a seguir um caminho traçado, ela é passível de imprevistos, contingências e transitoriedades. Cruz Costa acredita que não havia um consumo nacional daquilo que se produzia aqui e para ele essa defasagem continuaria, pois não haveria público leitor da produção nacional. Mas Bento Prado diz que houve uma mudança e passou-se a se consumir (ler) o que se produz.

O modelo de história social demonstrou que surgiu um mercado consumidor para a produção teórica e colocou em xeque o desprezo pelas teorias e o apego ao espírito prático. Paulo Eduardo Arantes diz que a filosofia do Brasil era importada da França, Cruz Costa diz que não há filosofia brasileira, mas há possibilidade.

O terceiro a se envolver nesse debate será Antônio Paim (1927-), o qual afirma categoricamente que há uma filosofia com características brasileiras. Ele era marxista, foi estudar na extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e se tornou liberal e antimarxista. Uma das referências de Antônio Paim são as filosofias nacionais, e nesse sentido ele se esforçará para mostrar a fundamentação destas filosofias.

A princípio parece que as filosofias nacionais são uma verdade inquestionável, mas mais adiante ele diz que é uma hipótese e que esta está sujeita à refutação e às críticas. Para ele, as filosofias nacionais poderiam ser justificadas, primeiramente dando-se a ênfase na linguagem, pois elas se caracterizam por serem expressas na língua, inclusive isso surge em decorrência da formação dos estados nacionais (a ciência torna-se popular, sai da elite e chega ao povo).

Ele lembra que Hegel atribui a Lutero a unificação da língua alemã e futuramente a unificação nacional, pois contribuiu para a identificação da nação. Segundo Hegel, uma ciência só pertence ao povo quando é expressa em sua própria língua, sobretudo a filosofia. Heidegger afirmou que só se pode filosofar em grego ou alemão. A língua nacional será o meio mais próprio para a expressão de uma filosofia. Segundo Paim, o português é sim uma língua adequada à filosofia. Cada língua permite um tipo de representação do mundo. Houve quebra da unidade do latim, enquanto língua destinada à filosofia. Rompendo-se com o latim, a língua oficial da teologia, rompe-se com a autoridade da Igreja.

Um segundo aspecto que aponta para a possibilidade de uma filosofia nacional, segundo Antônio Paim, seria a peculiaridade da tradição cultural. Assim como em relação à língua ele se apoia em Hegel, agora também ele cita Hegel por enaltecer a questão das culturas nacionais. Dá o exemplo da Inglaterra, que se preocupou com a filosofia do direito e a desenvolveu.

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Portanto, Paim defende que há filosofias nacionais e há filosofia brasileira, isto é demonstrado pela tradição cultural (peculiaridade cultural). A nossa filosofia estaria voltada para o problema do homem: liberdade, consciência e totalidade (tendendo para o aspecto transcendental).

Quanto à questão de uma filosofia nacional ferir a universalidade da filosofia, Paim utiliza Miguel Reale (1910-2006) para dizer que nossa filosofia se faz num modelo dialético de complementaridade. Miguel Reale afirma que as civilizações se distinguem por uma questão de valores e, nesse sentido, o valor subsumido pela tradição cultural brasileira seria o positivismo.

Teria Pombal (1699-1782) implantado um modelo cientificista no Brasil rompendo com o modelo jesuítico, e esse modelo cientificista pombalino teria a sua continuidade no positivismo, o qual foi introduzido em nosso território pelo brasileiro Benjamin Constant (1836-1891). O positivismo brasileiro tem algumas especificidades: não chegou ao exército e preservou o Estado da questão da educação. Joaquim da Fiori (1135-1202), português do século XII, fala que a humanidade se divide em idade do Pai, do Filho e do Espírito Santo, o que depois em Augusto Comte (1798-1857) se torna a lei dos três estados, e esse caráter tecnicista do ensino oriundo de Comte permaneceu no Brasil (subsistiram resquícios) tanto em Getúlio Vargas (1882-1954) quanto nos militares.

Cruz Costa fará uma crítica a essa visão, defendendo que o positivismo só existiu no Brasil na passagem para o império e ali mesmo acabou. É bom lembrar que Bento Prado criticou Cruz Costa por afirmar o caráter prático da filosofia brasileira e a linearidade da história, traços típicos do positivismo. Se bem que a peculiaridade pode ferir a universalidade da filosofia.

Para Marcos Nobre, além de a filosofia ter se desenvolvido num aspecto historicista, também teve um caráter interdisciplinar, em parceria com as ciências sociais e a literatura, por exemplo, servindo de instrumento para interpretação de ideias. Porém, esse modelo interdisciplinar (consórcio com outras ideias) não teve continuidade.

Oswaldo Porchat Pereira (1933-) foi orientando do estruturalista Victor Goldschimidt (1914-1981) e o defendeu por 30 anos, ele pergunta se a pesquisa deve ser feita em história da filosofia ou em filosofia. É preciso deixar preconceitos de lado para se entender o pensador. O modelo estruturalista é ótimo quando se quer formar quem conheça história da filosofia, mas para formar quem busca a filosofia em si mesma, talvez não seja um modelo tão eficiente. É bom não esquecer que os antigos fizeram filosofia a partir das discussões, eles não iniciaram diretamente no estudo da história da filosofia.

Prezada(o) estudante, pode parecer que o debate sobre a existência ou não de uma filosofia genuinamente brasileira tenha ficado vago, ou inconcluso. Não se

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assuste, é assim mesmo. Inclusive, foi por isso que alertei que esse era um assunto difícil de ser abordado e uma pergunta difícil de ser respondida. Nem sempre temos aquiescência acerca das conclusões desse tema, o que, em si, também já passa a ser um fator positivo. O mais importante é que você tenha se inteirado do debate e consiga perceber as suas nuances e as principais colaborações daqueles que se propuseram a abordar essa questão.

O Nascimento da Filosofia

A filosofia só ganha nacionalidade brasileira a partir do século XIX, mediante um processo simultâneo de assimilação da filosofia moderna e emancipação do próprio uso teórico da razão. As primeiras evidências desse processo histórico começam no final do século XVIII, quando o poeta Sousa Caldas publica uma Ode ao Homem Selvagem (1784), sob a influência da ideia de homem natural em Rousseau. Em 1800, o bispo Azeredo Coutinho funda o Seminário de Olinda, onde foram introduzidos estudos de física experimental, história natural e química. Em 1808, a corte portuguesa se transfere de Lisboa para o Rio de Janeiro em fuga da invasão napoleônica; nesse mesmo ano, Hipólito da Costa começa a publicar, em Londres, o periódico Correio Brasiliense (1808-1822), que passou a divulgar as ideias liberais. Nos anos de 1813 e 1814 são publicados, no Rio de Janeiro, 18 números de O Patriota, periódico dedicado exclusivamente à difusão do conhecimento científico no Brasil. De 1813 a 1816, Silvestre Pinheiro Ferreira organiza e oferece no Rio de Janeiro, onde se encontra como membro da corte portuguesa, um curso ao estilo do empirismo de Verney, as Preleções filosóficas, nas quais ele se serve do sensualismo de Condillac para explicar a natureza do discurso, da linguagem e das ideias. Em 1816, a mudança de um grupo contratado de artistas acadêmicos franceses para a corte do Rio de Janeiro causará,

Sobre a filosofia brasileira leia:PAIM, Antônio. Os intérpretes da filosofia brasileira. Londrina: Eduel, 1999. (Disponível em: http://www.institutodehumanidades.com.br/arquivos/Os%20Interpretes%20da%20Filosofia%20Brasileira.pdf)Leia também o artigo disponível em: http://criticanarede.com/lds_paim.html

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nas décadas seguintes, profundo impacto na vida cultural brasileira. Dez anos após a declaração da Independência (1822), e uma vez consolidada a autonomia do país, Frei Francisco do Monte Alverne, famoso orador e estudioso da literatura francesa, encontra-se a lecionar filosofia em seminário no Rio de Janeiro, onde estimulou o jovem Gonçalves de Magalhães, recém-formado em medicina, a estudar o romantismo de Chateaubriand e o espiritualismo de Victor Cousin, como também a combater o sensualismo introduzido pelo magistério de Silvestre Pinheiro Ferreira. [...] Nessa fase inicial, destacamos o nome de Gonçalves de Magalhães por ter sido ele quem concebeu e implementou um projeto de mudança de método na maneira de pensar. Estabelecido em Paris (1833-1837), ele aprofundou seus conhecimentos de ciências da natureza e humanas na Sorbonne, estudou o espiritualismo francês, frequentou as aulas de Théodore Jouffroy, vivenciou o romantismo, e editou com os amigos Porto-Alegre e Torres Homem a Niterói, Revista Brasiliense (1836), onde publicou o Ensaio sobre a história da literatura do Brasil, no qual ele discorre sobre as condições da cultura brasileira e a necessidade de reforma da literatura, denunciando a doutrina aristotélica dos estilos, então decadente, pela qual se instituíra a imitação como fundamento de uma arte retórica de caráter supraindividual, anônimo e coletivo. Gonçalves de Magalhães inaugurou o romantismo brasileiro (Suspiros poéticos e saudades, poemas, 1836) e promoveu a reabilitação do indígena brasileiro como parte da população nacional. Seus principais textos filosóficos são: Filosofia da religião (1836), Fatos do espírito humano (1858) e A alma e o cérebro (1876). (CERQUEIRA, 2011, p. 176)

(Nota: Luiz Alberto Cerqueira, autor deste texto, é coordenador do Centro de Filosofia Brasileira do Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Fonte: Disponível em: <http://textosdefilosofiabrasileira.blogspot.com.br/> Acesso em: 16 fev. 2015

1. O debate acerca da possibilidade ou não da existência de uma filosofia genuinamente brasileira parece não ter conseguido chegar a uma resposta conclusiva e nem mesmo

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2. Para Cruz Costa, o modelo erudito que predominava em Portugal veio parar no Brasil. Enquanto o resto da Europa já buscava o modelo científico, as ciências naturais tinham dificuldades de se desenvolver em Portugal. Lá, a cultura era livresca, era cultura de fachada, uma cultura de casca.

Considere:

I – Herdamos dos portugueses um modelo erudito (ou pseudoerudito), o qual era fortemente praticado e defendido pelos Jesuítas.

II – Legaram-nos, os portugueses, uma concepção de vida onde teoria e vida não têm vínculo, simbolizada no espírito prático e imediatista do aventureiro que se lança às descobertas.

III – Explorar a nossa terra era o verdadeiro propósito dos

responder se tal questão, de fato, se faz tão relevante para o campo reflexivo, haja vista que nas ciências exatas perdura o universalismo e entende-se que não poderia ser diferente.

Sobre o tema exposto, assinale a alternativa correta:

a) Raimundo Farias Brito defende que esse tema é insignificante e desde que os temas filosóficos sejam abordados em nossa língua vernácula, temos sim a existência de uma filosofia brasileira.

b) Segundo Antônio Paim, não se pode fazer filosofia a não ser na língua grega ou alemã, pois os principais temas relacionados à reflexão filosófica foram amplamente abordados unicamente por filósofos destes dois países.

c) Para Tobias Barreto, em nenhum campo da atividade intelectual o espírito brasileiro se mostra tão acanhado, tão frívolo e infecundo como no campo filosófico, pois as nossas construções filosóficas estão muito aquém do que deveriam, ou poderiam, estar.

d) Victor Goldschimidt se autodenominou Estruturaloide, e defendeu que falar em filosofia no Brasil fere o princípio de universalidade, a qual é implícita às ideias, pois estas não deveriam refletir a particularidade e a especificidade de uma nação.

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aventureiros que aqui chegaram, e não simplesmente ocupá-la como normalmente se afirma.

IV – Construir uma nação livre, soberana e altaneira, na vanguarda da ciência, sempre foi o propósito que Portugal acalentou com relação às terras brasileiras.

Estão corretas apenas as afirmativas:

a) I, II e III.

b) II, III e IV.

c) I, II e IV.

d) I, III e IV.

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Seção 3

Características da filosofia no Brasil

Como introdução ao assunto, informamos que pretendemos, nessa seção, refletir sobre o modo como alguns valores passaram a integrar um rol de atividades tipicamente brasileiras, aclarando, tanto quanto possível, a sua gênese e posterior desdobramento e solidificação como constitutivo do caráter genuinamente nacional.

3.1 Traços distintivos do povo brasileiro

É notório que o povo brasileiro tem traços muito típicos que o distinguem da grande parte de outros povos, podendo-se elencar entre eles, de modo positivo, o fato de sermos um povo acolhedor, tolerante, trabalhador, alegre, solidário, complacente, amigável, empático e despojado.

É claro que qualquer uma dessas características levada ao seu extremo pode passar a ser uma característica negativa. Além disso, também temos traços que devem ser corrigidos, ou seja, podem ser classificados como negativos. Entre estes podemos destacar pouca preocupação com o futuro (imediatismo), tendência de buscar o próprio bem levando vantagens, por vezes, de modo desonesto, excessiva desigualdade social, uma classe política descompromissada com o bem comum e muito próxima de quadrilhas especializadas e do crime organizado, superficialidade reflexiva e reprodução de ideias externas sem muito critério (deixar-se influenciar), entre outros.

Certamente todos os povos têm pontos positivos e negativos, sendo bastante importante a consciência disso, de modo a possibilitar correções ou reforços, dependendo da situação. Nesse intento, se fazem necessários o conhecimento e o estudo da nossa cultura e dos valores subjacentes às nossas visões éticas, principalmente. Mas, por outro lado, há que se ter em mente que somos uma nação relativamente recente e, talvez, ainda em busca de uma identidade cultural.

Quando comparados com países com tendências nacionalistas, parece que o povo brasileiro ainda precisa elevar sua autoestima, pois é comum, nós brasileiros, acharmos que o Brasil só tem pontos negativos e é o país com menos valor desse planeta. Habituamo-nos a falar mal do nosso país, o que, infelizmente, é lastimável. Temos de ser críticos, sim, mas também patriotas.

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Como dissemos, todas as nações têm seus pontos positivos e negativos, mas muitas aumentam os pontos positivos, enquanto o Brasil, ao invés disso, aumenta os negativos. Alguns exemplos frívolos: existem países que não têm o hábito de enrolar o sanduíche em guardanapo, ou de lavar as mãos antes de comer. Padeiros, feirantes e açougueiros recebem o dinheiro com a mesma mão com que entregam o pão ou a carne. Vendem batatas fritas enroladas em folhas de jornal e, ainda assim, têm ótima freguesia.

Em alguns restaurantes de países europeus, se você pedir uma mesa para não fumante, o garçom vai rir de você, pois não existe; lá eles fumam até no elevador. Em algumas cidades e até mesmo em capitais, onde se espera excelência no atendimento, existem garçons conhecidos por seu mau humor e grosseria, enquanto no Brasil qualquer garçom de botequim atende com tanta educação e fineza que poderia ir para lá dar aulas de como conquistar o cliente.

Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Carnaval_2014_-_Rio_de_Janeiro_(12974238474).jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015.

Figura 1.15 | A alegria é uma das nossas características.

E essa preocupação em atender bem vem se estendendo às empresas. Aproximadamente sete mil empresas brasileiras têm certificado de qualidade ISO 9000, maior número entre os países em desenvolvimento. Também podemos nos orgulhar em dizer que o mercado editorial de livros é maior do que o da Itália, por exemplo, com mais de 50 mil títulos novos a cada ano.

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Se não tiver a ver com a Filosofia em si, ao menos deve ter a ver com filosofias de vida, o que já poderia ser o início de uma reflexão sobre a nossa realidade. Para tanto, teríamos de nos aprofundar mais de modo crítico-reflexivo e consciente, o que não é o nosso forte, infelizmente. Teríamos de conhecer e entender como aconteceu o desdobrar da Filosofia aqui no Brasil, bem como as principais correntes que aqui se estabeleceram.

O Brasil tem o mais moderno sistema bancário do planeta. As nossas agências de publicidade ganham os melhores e maiores prêmios mundiais. Mais de 70% dos brasileiros, pobres e ricos, dedicam um pouco do seu tempo em trabalhos voluntários. Somos a terceira maior democracia do mundo.

O povo brasileiro é um povo hospitaleiro, que se esforça para falar a língua dos turistas, gesticula e não mede esforços para atendê-los bem, enquanto europeus deixam turistas falando sozinho nas calçadas quando estes tentam pedir informações. A alegria é a nossa marca registrada, somos batalhadores e enfrentamos a própria desgraça rindo e sambando. Por fim, vamos lembrar que os brasileiros tomam banho todos os dias, às vezes mais de uma vez por dia, enquanto os europeus tomam banho, em média, uma vez por semana. Apesar disso tudo, parece que o nosso nacionalismo só aflora por ocasião da copa do mundo de futebol. Mas isso tudo tem a ver com Filosofia?

Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Padre_vaz.JPG?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015.

Figura 1.16 | O ensino de filosofia no Brasil esteve muito atrelado aos clérigos.

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A filosofia no Brasil sempre esteve muito vinculada aos clérigos, desde os Jesuítas até o seu ressurgir na década de 1990, depois de ter desaparecido por conta da influência da educação tecnicista e da tendência da ditadura militar de suprimir estudos que despertassem a criticidade. Mas para compreender isso de modo mais aprofundado é necessário retroagir um pouco mais e, para isso, tomaremos por base a obra de Luiz Alberto Cerqueira, constante nas referências desse trabalho.

Sob o espírito de um povo subjaz uma compreensão de mundo que pode ser considerada uma filosofia, embora possa, muitas vezes, carecer de criticidade e profundidade. Nesse sentido, poderíamos entender que o povo brasileiro ainda não possui a reflexão elaborada e estruturada sistematicamente conforme reclamam as filosofias mais bem constituídas em algumas nações onde ela já se encontra presente há muito tempo. Porém, em alguns países, sobretudo do velho mundo, não apenas a religiosidade se encontra em baixo, como também a filosofia. Diante disso, poderíamos nos questionar: teremos uma filosofia brasileira? Precisamos tê-la? O que ela agregaria à nossa maneira de ser e de viver?

Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Abeja_recolectando_nectar.jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015.

Figura 1.17 | Fomos marcados pelo espírito contemplativo.

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Com o advento da modernidade, a razão emancipou-se e se tornou o paradigma da racionalidade, enfatizando a questão da liberdade frente às determinações religiosas. Já René Descartes (1596-1650) ensinava que a dúvida metódica se fundamenta na liberdade que, de modo claro e evidente, se apresenta à consciência do sujeito pensante, possibilitando-lhe crer somente naquilo que se pode conhecer claramente. Essa tendência filosófica se contrapõe à filosofia praticada pelos Jesuítas, estes priorizavam o caráter contemplativo do conhecimento, enquanto os modernos, desde Francis Bacon (1561-1626), priorizaram a ciência operativa.

Deste modo, os modernos entenderão que agir livremente é agir de modo indiferente às paixões e vontades. E ainda que Descartes reconheça a liberdade como indiferença, ele sustenta que esta indiferença não justifica falta de determinação no agir, pois para ele a indiferença deve ser apenas com relação à forma de se conhecer o mundo, o qual deve ser efetivado independente dos nossos sentidos.

O padre iluminista português Luís Antônio Verney (1713-1792) foi quem, sob a influência do Iluminismo francês, teve a tarefa de mostrar em seu país a necessidade premente de se assimilar essa doutrina cartesiana da liberdade com base nas leis da razão, mas sem ter que, necessariamente, abrir mão da lei de Deus. Mas como isso veio parar no Brasil?

Depois que o Marquês de Pombal expulsou os Jesuítas do Brasil, em 1759, e, consequentemente, ocorreu a supressão da Ratio Studiorum, foi preciso iniciar uma reforma no espírito brasileiro contemplativo e indiferente às grandes transformações culturais no mundo moderno. Para a realização dessa reforma foi necessário valer-se do caminho aberto por Verney, cuja obra intitulada O verdadeiro método de estudar, de 1746, certamente foi bem conhecida aqui no Brasil. Assim, admite-se que o fato que poderia sinalizar o nascimento da filosofia brasileira seria a introdução da ideia de liberdade como princípio de ação.

Naquele tempo se valorizava o conhecimento de si e se admitia que o homem, ao conhecer-se, se via preso aos determinismos das leis da natureza. E uma das maneiras de se fugir destes determinismos era sendo indiferente aos seus mecanismos de necessidade. Contudo, a indiferença poderia se transformar em alienação à medida que fossem transferidas para o domínio da vontade de Deus todas as aspirações de justiça no mundo concreto da vida. O resultado disso poderia ser uma separação real entre os dois domínios. Assim, a saída para que essa separação não acontecesse seria negar a indiferença.

É nesse sentido, portanto, que Domingos José Gonçalves de Magalhães (1811-1882) contrapõe a liberdade ao espírito contemplativo, quando afirma:

3.2 A contribuição de Gonçalves de Magalhães

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Podia Deus sem dúvida criar uma sociedade de espíritos puros, não obrigados a coisa alguma, não sujeitos à menor dor, seres angélicos que vivessem em uma eterna bem-aventurança, só contemplando as maravilhas do seu criador. Mas qual seria o mérito desses espíritos para tanta ventura? Necessita Deus de admiradores inúteis? [...] o que seria então a liberdade humana, se estivesse inteiramente subjugada a instintos naturais? Qual seria o nosso mérito, se nenhum obstáculo se nos apresentasse? O que seria a virtude, se a não praticássemos com algum esforço, vencendo as dificuldades e os vícios com que nos opomos uns aos outros? Qual seria a nossa ciência, quais as nossas artes, a nossa indústria, se as necessidades, as privações e as misérias humanas, a que chamamos males físicos e morais, não nos instigassem a uma contínua atividade livre, a um trabalho incessante? (MAGALHÃES, 2004, p. 355-56).

[...] para que eu seja livre, não é necessário que eu seja indiferente na escolha de um ou de outro dos dois contrários, mas principalmente, quanto mais eu tiver inclinado para um, seja porque eu saiba, evidentemente, que o bom e o verdadeiro aí se encontrem, seja porque Deus organize assim o interior do meu pensamento, tanto mais livremente o escolherei e o abraçarei (DESCARTES, 1999, p. 296).

Percebe-se, desse modo, que para Gonçalves de Magalhães a fé não se contrapõe à liberdade humana. Longe disso! Para ele o cristianismo é o ponto de partida para justificar a busca da verdade e o trabalho de criação da vida civilizada como tarefas infinitas. Assim sendo, Gonçalves Magalhães se encontra em perfeita sintonia com aquilo que Descartes já sinalizava – a simbiose das leis da natureza com a lei de Deus – ao sustentar (Meditações, IV, § 9):

Ilustra ainda essa questão outro ponto levantado mais adiante por Descartes quando indaga de onde se originam os seus enganos acerca da questão da liberdade, ao que ele responde que a vontade é muito mais ampla e extensa que o entendimento, razão pela qual estendemos a vontade também as coisas que não entendemos, e conclui: “sendo a vontade por si indiferente, ela se perde muito facilmente e escolhe o mal pelo bem, ou o falso pelo verdadeiro. O que faz com que eu me equivoque e cometa pecado” (Idem, p. 297).

Gonçalves de Magalhães era adepto da corrente filosófica espiritualista aos moldes

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do espiritualismo francês de Maine de Biran (1766-1824) e Victor Cousin (1792-1867). Eles concebem uma “ciência do espírito” separada do modelo causal de explicação mecânica das ciências da natureza, muito presente na filosofia moderna, de certo modo, por influência de Isaac Newton (1643-1727), entre outros. Porém, esse modelo – de um espírito isento de causalidade mecânica – não implica, entretanto, desprezo pelo caráter científico do saber. Ao contrário, pela primeira vez na história da filosofia no Brasil alguém procura reunir provas recorrendo ao campo das modernas ciências da natureza.

Discordando de Cousin, Gonçalves de Magalhães procura repelir o sensualismo (corrente que afirma que todo o conhecimento nasce das sensações) no mundo da vida, concebendo uma surpreendente teoria da sensibilidade, a qual descrevia que as sensações fazem parte do espírito apenas como sinais de alguma coisa. É o modo de percepção do espírito o que as reúne e conserva na memória, fazendo-as parecer sensíveis pela consciência de algo exterior (MAGALHÃES, 2004, p. 185).

Cumpre ressaltar que, segundo Gonçalves de Magalhães, o domínio do espírito e o domínio dos fenômenos físicos são irredutíveis entre si, cabendo ao domínio do espírito a primazia na ordem do saber e da ação moral. Por isso é importante que “sirva o cérebro ao espírito como o piano ao artista que nele executa a música que tem na mente” (MAGALHÃES 1876, p. 32).

O panorama da filosofia no Brasil no século XIX

No Brasil do século XIX, após dois séculos de ensino filosófico sob a Ratio Studiorum, era da maior importância compreender a diferença entre conhecimento e fé. Neste sentido, ao posicionar-se radicalmente contra a pretensão dos naturalistas e positivistas de estender o método das ciências da natureza ao conhecimento do psíquico, Farias Brito nada tem a ver com o perfil escolástico dos metafísicos à moda antiga. Outra foi a sua motivação: ele levou às últimas consequências a tese kantiana segundo a qual somente pela consideração da vontade como pertencente a uma coisa em si, isto é, a alma humana não sujeita à causalidade mecânica, podemos compreender em que sentido a liberdade é princípio de ação moral. Contrariamente a Kant, porém, ele conferiu uma significação positiva ao conceito da “coisa em si”. Para ele, o que sem dúvida está em jogo é a ação moral em sua intencionalidade própria de um espírito que é a um só tempo livre e criador. A compreensão do espírito a partir de seu “poder agente e real, vivo e concreto, que não somente sofre a ação dos elementos exteriores, como ao mesmo tempo é capaz de agir sobre eles” (BRITO, 2003, p. 60)

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define a vida do espírito do ponto de vista dele mesmo, considerado em si, e jamais como um fenômeno físico ou mesmo psicofísico. [...] Mais uma vez, ressalte-se aqui o paralelismo de seu pensamento com o de Husserl, para quem o erro do naturalismo consiste em querer fazer com que a percepção do psíquico seja objetiva, como é próprio da experiência física, quando, na verdade, as leis inerentes à esfera do psíquico são inteiramente distintas das existentes na esfera do mundo físico. Desse modo, o fracasso naturalista se deve à ingenuidade de ater-se a comprovações experimentais que não se referem senão a fenômenos sensíveis e subjetivos que devem ser descritos e caracterizados com precisão, o que não os leva, em hipótese alguma, a atingir a verdadeira esfera da consciência. Com efeito, tudo o que é eminentemente psicológico, e que diz respeito à verdadeira esfera da consciência, se perde em meio a análises ocasionais. Tais análises não podem levar em consideração a especificidade do psíquico. Farias Brito defende claramente a impossibilidade de a ordem psíquica ser concebida em analogia com a dos “fenômenos naturais”, pois esta e aquela se apresentam como dois absolutos. [...] Sendo justificável o paralelismo com Husserl em função do esclarecimento do problema central, importa nomear os autores que efetivamente foram referências constantes na trajetória do pensamento de Farias Brito: Schopenhauer e Henri Bergson. Abrindo-lhe uma janela para a filosofia oriental, e suscitando um interesse especial na doutrina do Buda, o alemão foi a ponte através da qual ele chegou a determinar a sua visão da dor como problema filosófico; já o francês foi decisivo para ele fundamentar a distinção entre a intuição de objetos e fatos empíricos e a intuição de estados e fatos de consciência. Advirta-se, porém: ele não foi sectário de nenhum dos dois (CERQUEIRA, 2011, p. 186).

De antemão se faz importante deixar claro que tanto Arthur Schopenhauer (1788-1860) quanto Henri Bergson (1859-1941) foram considerados por Raimundo Farias Brito como sendo anti-intelectualistas. Embora ambos sejam filósofos, por ele considerados com significativa parcela de contribuição para a compreensão de que “nada tem mais alta eficácia prática que a metafísica” (BRITO, 2006, p. 110), pois a metafísica é considerada por eles como a ciência do espírito, a qual “não se aprende nos livros, mas na luta mesma da vida: é uma ciência que, por assim dizer, não se aprende, mas vive-se; ciência que faz parte orgânica daquele que a possui, e em que o objeto do conhecimento é consubstancial com o sujeito” (BRITO, 2003, p. 70).

3.3 A contribuição de Raimundo Farias Brito

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Desse modo, podemos afirmar que a base da experiência será aquilo que ele denominará de “psicologia transcendente”, numa clara tentativa de poder dar conta do caráter metafísico do saber. Essa interpretação também pode ser considerada no mesmo sentido da “psicologia transcendental” de Husserl.

O que servirá como evidência do espírito humano, aqui no Brasil, será a questão da liberdade, ou seja, o espírito será considerado de modo distante e separado da matéria, indicando uma visão de espírito entendido como energia viva e criadora. E é exclusivamente por esse motivo que Farias Brito vai defender o método introspectivo como sendo o melhor método filosófico: “A este método [...] tem-se feito, e ainda se continua a fazer, uma oposição formidável. É o que se explica como consequência inevitável, fatal, do predomínio do materialismo. E realmente, se tudo é matéria, não se compreende outra espécie de observação a não ser a observação exterior” (idem, p. 408-409).

Porém, isso não significa dizer que ele não tivesse considerado o perigo do solipsismo:

Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Yin%26Yang_trasparent.png?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015.

Figura 1.18 | Aqui se fez presente a dicotomia entre espírito e matéria.

E ainda há a distinguir a introspecção direta e a introspecção indireta [...] Se não houvesse outra observação psíquica, além desta, o resultado seria o solipsismo [...] De uma para outra consciência não há, por certo,

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comunicação por processo interno. Cada uma é, sob este ponto de vista, um todo isolado e forma, a seu ponto de vista, o centro do mundo; mas há entre as diferentes consciências comunicação segura, positiva e certa por processo exterior. Tal é, por exemplo, a palavra, a linguagem em geral, como qualquer sinal com que se possa dar expressão ao pensamento. Além disto, os estados de alma refletem-se por sinais evidentes no próprio organismo. Uma emoção profunda comove até às lágrimas. O olhar fala. A raiva empalidece [...] Todos estes fatos autorizam a formar juízos seguros sobre sentimentos e ideias, emoções e paixões a que somos estranhos e que se passam em consciências estranhas à nossa. (Idem, p. 419-20).

Desse modo, podemos considerar as ideias de Farias Brito como sendo o coroamento e a síntese da experiência histórica de pensamento do povo brasileiro, distinguindo claramente, em sua obra, o problema da filosofia e sua historicidade. Seguramente, trata-se da necessidade do conhecimento de si; e o estudo crítico dessa esfera do saber, a seu ver, não era competência da ciência, mas sim do caráter metafísico dessa realidade.

Assim Farias Brito não só incorpora e amplia as ideias apresentadas pelos seus antecessores no Brasil, principalmente no que se refere ao pensamento de Gonçalves de Magalhães e Tobias Barreto, como confere à expressão “filosofia brasileira” um significado verdadeiramente filosófico.

Diante do exposto podemos, então, concluir que é possível percebermos duas tendências no pensamento filosófico brasileiro do século XX: primeiro, a crença na superação definitiva do cientificismo moderno do século XIX. E, segundo, uma tendência espiritualista resultante da herança portuguesa em solo brasileiro.

Sobre o pensamento de Farias Brito acesse:http://textosdefilosofiabrasileira.blogspot.com.br/2010/03/farias-brito-e-ideia-de-filosofia.htmlLeia: FILIZOLA NETO, Júlio. Farias Brito, um filósofo brasileiro: vida, pensamento e críticas historiográficas. 2008. 248f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Fortaleza-CE, 2008. (Disponível em: http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/3137/1/2008_Tese_JFilizola%20Neto.pdf). Acesso em: 19 mai. 2015.

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Outra importante contribuição à filosofia brasileira foi com relação ao método, onde foi formulado o método culturalista. Antes de se identificar os pensadores como pertencentes a uma determinada corrente, seria preciso ater-se à problemática por eles tratada para que se pudesse tentar reconstruir o caminho seguido por eles.

Ao lado das filosofias alemã e inglesa, a filosofia francesa tem sido uma das fontes básicas para a meditação filosófica em nosso país. Poderíamos identificar a influência dessa filosofia nos seguintes momentos: (1) no momento pombalino, quando o empirismo mitigado inspira-se nas ideias oriundas do positivismo, ou de um pré-positivismo do século XVIII; (2) no momento da formulação do ecletismo espiritualista, inspirados por Biran e Cousin; (3) no momento em que os políticos se inspiram no liberalismo doutrinário e no liberalismo democrático; (4) no momento da ascensão do positivismo e (5) no momento da reação ao positivismo, quando o espiritualismo brasileiro se fortalece. Perceba-se, então, que a presença da filosofia francesa é bem marcante em diversos momentos de construção, ou reconstrução, do pensamento brasileiro.

1. A cultura brasileira ainda é uma cultura em processo de formação e como a questão cultural é o substrato de onde se extrai o fomento para a elaboração de reflexões filosóficas, a nossa filosofia, de certo modo, fica comprometida pelas dificuldades na formação cultural brasileira.

Considere:

I – As características inerentes ao perfil do povo brasileiro, tais como alegria, tolerância, hospitalidade, etc., são suficientes para comprovar a existência da Filosofia Brasileira.

II – As nossas principais características comportamentais, embora repletas de valores positivos, servem unicamente para mostrar que temos “filosofias de vida”.

III – Os grandes estudiosos da questão da existência da filosofia brasileira já possuem material suficiente para concluir que há sim uma filosofia genuinamente nacional e, por esse motivo, essa questão é considerada encerrada.

IV – Os estudiosos da filosofia no Brasil não chegaram ainda a um consenso acerca da real possibilidade da existência de uma Filosofia do Brasil.

Estão corretas apenas as afirmativas:

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a) I e II.

b) II, e III.

c) I e III.

d) II e IV.

2. Certamente a única filosofia que não sofreu nenhuma influência externa é a filosofia grega, pois todas as demais versões suscitadas posteriormente pelo mundo afora de algum modo se inspiram no gênio criador do povo grego e, desse modo, nenhuma nação tem uma filosofia genuinamente nacional.

Acerca deste tema, assinale a alternativa correta:

a) A filosofia brasileira é herdeira, única e exclusivamente, da filosofia portuguesa.

b) A filosofia brasileira, prescindindo de todas as interpretações filosóficas vigentes, resgata a filosofia grega e só por ela é influenciada.

c) Entre as visões filosóficas que mais influenciaram os pensadores brasileiros, podemos destacar a filosofia alemã, inglesa e, principalmente, francesa.

d) Como não existe filosofia brasileira, também não existe nenhuma influência externa ao nosso pensamento filosófico.

Nesta unidade nós vimos que:

a. O povo brasileiro é um povo acolhedor, tolerante, trabalhador, alegre, solidário, complacente, amigável, empático e despojado.

b. Para filosofar precisamos nos valer daquilo que já foi elaborado por grandes pensadores, mas também precisamos refletir acerca da nossa própria realidade.

c. Conseguimos refletir com mais facilidade sobre o que aconteceu antigamente e temos mais dificuldades para refletir sobre o que está acontecendo hoje.

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d. Para se entender a filosofia no Brasil é preciso fazer um resgate da história da filosofia em Portugal.

e. O descobrimento do Brasil ocorreu quando o ensino em Portugal entrava em decadência.

f. O estudo de filosofia no Brasil ficou sendo um luxo para os mais abastados e concentrou-se mais na história da filosofia do que na reflexão filosófica propriamente.

g. O positivismo foi uma corrente filosófica facilmente aceita em solo brasileiro e amplamente difundida.

h. O espiritualismo também foi marca relevante na filosofia brasileira e teve entre os seus principais expoentes Gonçalves de Magalhães.

Assim como aconteceu, e ainda acontece, com as divisões das épocas históricas, as quais foram nominadas somente depois de transcorrido algum tempo do seu término, pode ser que aconteça o mesmo com a filosofia. Portanto, fica muito difícil afirmarmos se existe filosofia em nosso país ou não; e, caso afirmativo, como essa filosofia poderia ser classificada. Certo é que o debate, ainda que esteja inconcluso, deve prevalecer, pois essa é a maneira mais eficaz de tratar da questão, além do que, é na reflexão crítica que a filosofia se faz, sobretudo, caso seja a reflexão sobre a realidade onde estamos inseridos. Nesse momento histórico filosófico, percorrer o caminho é tão, ou mais importante, quanto chegar ao ponto pretendido.

1. Existem várias definições de filosofia, entre elas que “a filosofia é uma chave de compreensão do mundo”; ou então que ela “é um modo de compreender e explicar o mundo”; ou ainda que “é

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a história do pensamento humano”.

Sobre o conhecimento filosófico, assinale a alternativa correta:

a) A coruja é o símbolo da filosofia por ter visão abrangente (girar a cabeça para todos os lados) e por só alçar voo sob o crepúsculo.

b) O filósofo, por ter visão abrangente, não precisa submeter-se a tudo observar e nem ponderar para tirar suas conclusões.

c) Quem fala no impulso, antes de pensar, ou mesmo sem pensar, assim como quem fala e depois se arrepende, demonstra estar bem próximo dos ditames filosóficos.

d) A filosofia é toda e qualquer forma de reflexão, tanto crítica e profunda quanto reflexão circunscrita ao senso comum.

2. Por mais que os filósofos se debrucem sobre a realidade que os cerca, deve haver, contudo, uma preocupação com a objetividade, pois se não fosse assim, a filosofia seria profundamente afetada pelo desinteresse dos estudiosos. Essa pode ser uma das dificuldades para a existência da filosofia brasileira, pois há que se pensar local e globalmente ao mesmo tempo.

Considere:

I – A filosofia é reflexão sobre a realidade, mas não pode ser sobre a realidade muito recortada, muito pontual ou subjetiva, senão não desperta interesse.

II – A reflexão filosófica não pode ser sobre uma realidade universal que prescinda do contexto onde nos encontramos, senão pouco acrescenta ao que já foi elaborado.

III – A prática da reflexão filosófica deve ser inerente àquelas pessoas que nascem com propensão ao pensamento crítico-reflexivo, pois essa capacidade não se adquire.

IV – Toda filosofia é, pois se não existe filósofo sem pátria, então não existe filosofia que não se vincule a uma determinada nação e nem nação sem filósofos.

Estão corretas apenas as alternativas:

a) I e II.

b) II e III.

c) I e III.

d) III e IV.

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3. Na esfera do conhecimento, Portugal teve o seu auge na época das grandes navegações, pois era vanguardista em questões de conhecimento aplicado e pragmático, tendência que hoje encontramos fortemente presente no pensamento dos principais filósofos norte-americanos.

Sobre as características da filosofia portuguesa é correto afirmar:

a) A filosofia portuguesa não teve originalidade, pois em última instância ela apenas reproduzia o pensamento clássico elaborado por Platão e Aristóteles, principalmente.

b) A filosofia portuguesa difundiu-se muito rapidamente pela Europa e teve a sua maior aceitação em solo inglês, sobrevivendo no pensamento dos empiristas.

c) A filosofia portuguesa deve a sua verve pragmática à inestimável contribuição da Ordem Jesuítica, pois o pensamento destes era profundamente voltado para a compreensão da natureza.

d) A filosofia portuguesa teve o seu florescimento máximo antes da chegada dos Jesuítas, pois estes priorizavam a ciência escolástica em detrimento da ciência leiga.

4. O descobrimento da América contribuiu para ajustes no campo da física, da cosmologia e da geografia da época. Diante de uma ciência recém-nascida, a qual privilegiava a existência de métodos rigorosos de comprovação, a autoridade de muitos cientistas foi colocada na berlinda.

Considere:

I – As ciências portuguesas foram impulsionadas por um modelo político monopolista e teocrático gerador de muita riqueza, a qual chegou até às terras brasileiras.

II – A autoridade de Aristóteles passou a ser questionada e os navegadores venceram a superstição causada pelos textos clássicos.

III – Afirmavam os lusitanos: “Sabe-se mais em um dia agora pelos portugueses, do que se sabia em cem anos pelos romanos”.

IV – Com a chegada dos Jesuítas, Portugal começa a se aproximar do movimento científico que florescia desde o século XVII e, assim, o espírito moderno vai definhando.

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Estão corretas apenas as alternativas:

a) I e II.

b) II e III.

c) I e III.

d) III e IV.

5. Alguns estudiosos de Filosofia no Brasil insistirão no caráter imitativo do pensamento brasileiro e no modo como o pensamento brasileiro reproduz sistematicamente o pensamento metropolitano, de como as ideias vinham através de navios e de como a cultura no Brasil era puramente simbólica, como um adorno da classe dominante.

Sobre a filosofia no Brasil, considere:

I – A nossa cultura é uma cultura de casca, na interpretação de Machado de Assis, ou seja, ela não tem profundidade, é apenas de superfície.

II – A superficialidade é um elemento constitutivo da nossa maneira de lidar com a filosofia, embora o pensamento filosófico exija profundidade e senso crítico-reflexivo.

III – A filosofia, desde o seu início, busca compreender e analisar o mundo de modo sistemático, não condescendendo com reflexões superficiais e preconceituosas.

IV – Toda e qualquer expressão de nacionalidade de uma determinada nação deve ser considerada como filosofia, pois subjaz nestas expressões um modo de compreender o mundo.

Estão corretas apenas as afirmativas:

a) I, II e III.

b) II, III e IV.

c) I, II e IV.

d) I, III e IV.

6. A partir da segunda metade do século XIX o Brasil foi invadido por um surto de positivismo e, de modo paradoxal, o país ficou sendo governado por burgueses proprietários de terra

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e respirando uma atmosfera de mudança e de ideias novas (a política era conservadora, mas o pensamento era reformador), até que por volta de 1870 a burguesia, formada por militares, médicos e engenheiros, se apossa da intelectualidade da nação.

De acordo com o texto acima e os seus conhecimentos sobre o positivismo no Brasil, assinale a alternativa correta:

a) O positivismo no Brasil se reduziu unicamente aos pensadores da Escola do Recife, pois somente eles tiveram contato mais profundo com as ideias positivistas.

b) O positivismo no Brasil floresceu apenas na USP, pois em decorrência da influência francesa, os estudiosos dessa instituição se viram envolvidos com as ideias de Augusto Comte.

c) O Positivismo influenciou tanto o desenvolvimento da filosofia no Brasil que o seu lema permaneceu em nossa bandeira nacional.

d) O positivismo encontrou muita dificuldade de se desenvolver em nosso país em função da resistência dos clérigos e escolásticos.

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Referências

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BRITO, Raquel Helena da Silva. A crítica do naturalismo na filosofia brasileira do século XIX. 2006. 124 p. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.

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______. Contribuição à história das ideias no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.

FILIZOLA NETO, Júlio. Farias Brito, um filósofo brasileiro: vida, pensamento e críticas historiográficas. 2008. 248f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Fortaleza-CE, 2008.

MAGALHÃES, D. J. Gonçalves de. A alma e o cérebro − estudos de psicologia e fisiologia. Rio de Janeiro: Garnier, 1876.

______. Fatos do espírito humano. Petrópolis: Vozes-Academia Brasileira de Letras, 2004.

MORAES, R.; ANTUNTES R.; FERRANTE, V. B. (Orgs). Inteligência brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1986.

PAIM, Antônio. Os intérpretes da filosofia brasileira. Londrina: Eduel, 1999.

PRADO Jr., Bento. Alguns ensaios: Filosofia, Literatura e Psicanálise. Porto Alegre: Max Limonad, 1985.

______. Cruz Costa e a história das ideias no Brasil. In: MORAES, R.; ANTUNTES R.; FERRANTE, V. B. (Orgs). Inteligência brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1986

Unidade 2

OS PENSADORES DA FILOSOFIA BRASILEIRA

A Escola do Recife tem o mérito de dar o pontapé inicial imiscuindo-se nas tramas filosóficas do século XIX e estabelecendo vínculo entre a reflexão filosófica do velho continente e as ideias que aqui brotavam sobre a realidade concreta da sociedade brasileira, erigindo-se em baluarte da efervescência cultural da época e dialogando com os positivistas franceses de modo a adaptá-los para o linguajar e a compreensão daquele nicho acadêmico de relevância nacional.

Apresentaremos como Tobias Barreto, o Mulato Sergipano, se insere no terreno da poesia, da política, do direito e da filosofia, tendo desenvolvido análise crítica tanto da realidade brasileira quanto das ideias que aqui aportavam no século XIX. Contribui de modo significativo para o despertar da consciência filosófica, travando longos debates com a elite

Seção 1 | A influência positivista e a Escola do Recife

Seção 2 | A contribuição de Tobias Barreto

Objetivos de aprendizagem:

Com esse trabalho pretendemos levar ao estudante o conhecimento da vida, das obras e, principalmente, da contribuição reflexiva das principais personalidades brasileiras vinculadas à questão da produção filosófica em nosso país. Destacamos a importância da Escola do Recife e a contribuição de dois possíveis pensadores nacionais: Tobias Barreto e Farias Brito, os quais se debruçaram sobre a nossa realidade procurando a melhor compreensão e explicação para os fatos aqui concretizados.

José Adir Lins Machado

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Abordaremos um pouco da vida e da contribuição de Farias Brito, apresentando os seus principais feitos no campo da filosofia e da política e o modo como ele se coloca diante da influência do pensamento europeu, principalmente do positivismo e do evolucionismo muito difundidos em sua época. Também buscaremos descrever como ele se embrenha no campo da tentativa de desenvolvimento de um pensamento próprio.

Seção 3 | A contribuição de Farias Brito

intelectual da Escola do Recife e se posicionando de modo crítico e comprometido com o saber e a decência política.

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Introdução à unidade

Além da influência portuguesa e da contribuição jesuítica à filosofia brasileira, por intermédio da tendência de uma filosofia de cunho espiritualista, tivemos também outras correntes filosóficas desembarcando em nosso solo, estando a corrente positivista entre as mais relevantes. O positivismo foi tão marcante que ainda hoje temos resquícios dele em nossa sociedade. A bandeira nacional, inclusive, carrega o lema positivista, ordem e progresso.

Os intelectuais brasileiros sempre tiveram uma forte tendência de absorver, às vezes até sem muito critério, o modo de viver e pensar das sociedades do primeiro mundo, mas de um modo especial, da sociedade europeia. Daí a fácil adesão dos nossos intelectuais às principais correntes de pensamento que se desenvolvem na França, Inglaterra e Alemanha, no século XIX.

Porém, não foram todos os intelectuais que se debruçaram e abraçaram dessa maneira a filosofia estrangeira, pois dois deles se destacaram levantando uma bandeira que se contrapunha a esses pensamentos: Tobias Barreto e Farias Brito. Ambos nordestinos e ambos ligados à Escola do Recife e, de um modo mais específico, ligados às ciências jurídicas.

Infelizmente, como já buscamos apresentar, é difícil sustentar que tenhamos filósofos brasileiros, embora tenhamos grandes mentes reflexivas e tentativas de se estabelecer pensamentos com originalidade. Poderíamos listar uma grande quantidade de professores de Filosofia que se aventuraram nessa empreitada, mas focamos o nosso trabalho na figura desses dois em virtude do seu vanguardismo.

Cremos não ser infundada a afirmação de que a filosofia entrou em nosso país de mãos dadas com o direito, pois é na Faculdade de Direito do Recife onde o pensamento filosófico e o interesse pela filosofia começam a desabrochar. Essa conceituada escola representou muito ao pensamento filosófico e de um modo geral ao conhecimento e à formação de uma elite intelectual no século XIX.

Somente no século XX se dá uma reviravolta no campo da filosofia, surgindo em 1908 o primeiro curso de Filosofia aqui no Brasil, a Faculdade de Filosofia de São Bento, e depois, em 1934, a Missão Francesa se encarrega de ajudar na criação do curso na Universidade de São Paulo, onde hoje temos uma gama de professores gabaritados ligados a essa respeitada instituição.

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Seção 1

A influência positivista e a escola do Recife

Às vezes um pesquisador, ou um pensador, faz descobertas tão profundas e relevantes em uma determinada área que acabam tendo reflexos até em outras áreas para as quais, a princípio, nem sequer se imaginava ser possível. Isso é conhecido como Fecundidade da Teoria Científica. E um bom exemplo disso foi o que ocorreu com Isaac Newton (1643-1727), pois ele conseguiu, a partir das suas descobertas, conferir à ciência, sobretudo à física, um status tão rigoroso e exato que as demais áreas do conhecimento se viram motivadas a buscar o mesmo status.

Newton conseguiu universalizar as descobertas científicas. Universalizar é torná-las consideradas válidas em todos os lugares e em todos os tempos. A partir de então, Immanuel Kant (1724-1804), por exemplo, vai tentar fazer o mesmo com a ética. Kant queria que a ética pudesse ser universalizada, com base em princípios que pudessem ser válidos para todas as pessoas.

Outro filósofo profundamente afetado pela universalidade alcançada por Newton foi Augusto Comte (1798-1857), o qual entendeu que seria possível estudar e compreender a sociedade com a mesma exatidão que se estudava a física e a matemática. Não seria uma empreitada fácil, pois sobre a sociedade recaem muitos elementos, os quais podem acabar interferindo nos resultados, mas também não é uma tarefa impossível.

A seguir descrevemos as linhas gerais do positivismo conforme se encontra em nossa obra referenciada (MACHADO, 2013, p. 53s).

1.1 O positivismo de Auguste Comte

Isidore Auguste Marie François Xavier Comte nasceu no dia 19 de janeiro de 1798, em Montpellier, na França, e morreu no dia 5 de setembro de 1857, em Paris. Aos 19 anos se tornou secretário de Saint-Simon (seus discípulos o consideravam o verdadeiro fundador do positivismo), de quem herdou o interesse pela Sociologia e pela História. É considerado o pai do positivismo e também o pai da Sociologia.

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Comte ficou famoso por desenvolver sua teoria de evolução intelectual e social, que divide o progresso humano em três estágios principais, que englobam a evolução histórica e cultural da humanidade. Segundo ele, todos os ramos do nosso conhecimento teriam passado por estes três estágios, ou estados.

O primeiro é o Estado teológico ou mítico: é o ponto de partida da inteligência humana que explica as ações da natureza com base em elementos sobrenaturais. Dentro do estado religioso também houve uma evolução que permitiu a passagem da visão fetichista para a visão politeísta e desta para a monoteísta, ponto culminante deste estado.

O segundo é o Estado metafísico ou abstrato: o elemento sobrenatural foi substituído por forças abstratas inerentes aos seres, capazes de produzir os fenômenos observados. E o terceiro é o Estado científico ou positivo: a evolução racional da humanidade, combinada com observações e experimentos, possibilitou o entendimento dos fenômenos do mundo.

Para Comte, esses estágios eram evidentes, inclusive, em nós mesmos, pois na infância compreendíamos o mundo de um modo repleto de elementos sobrenaturais, na juventude a compreensão evoluiu e passou a admitir a força vital presente na matéria e, por fim, na idade adulta ficamos propensos às explicações proporcionadas pela Física.

Segundo Comte, muitas áreas do conhecimento já se encontravam, em sua época, no estado positivo, mas a organização social ainda não havia evoluído até esse ponto. Desse modo, ele se propõe estudar os fenômenos sociais e elaborar a física social, elevando o estudo da sociedade ao estado positivo, aquilo que viria a se tornar a sociologia. “A ciência à qual Comte subordina todas as ciências como ao seu fim último é a Sociologia” (MONDIN, 1983, p. 116).

Comte chegou à conclusão de que a Humanidade é o grande ser, é o único Deus, o qual merece o nosso culto, e com base nisto criou a Religião da Humanidade e o culto positivista. Criou um novo calendário, em que os dias eram dedicados às maiores figuras da religião, da arte, da política e da ciência, propôs um novo sinal para substituir a cruz dos cristãos e, por fim, buscou introduzir uma trindade positivista.

Afirmava que a humanidade estava em contínuo progresso e o ser humano em aperfeiçoamento constante. A humanidade deveria ser guiada por uma só lei moral: viver para os outros. Por isso a educação positivista deveria desenvolver os instintos altruístas dos seres humanos, até o predomínio sobre os demais instintos. Por fim, Comte acreditava que a humanidade caminharia também para a unidade política e viria o tempo em que haveria um só governo, o qual, meio ao estilo platônico, seria uma corporação de filósofos positivistas.

A certeza de que a razão, corretamente utilizada e com métodos seguros

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(sobretudo aqueles das ciências exatas, positivas), alcançaria a compreensão última da realidade e proporcionaria à humanidade uma vida melhor, livre de dores e sofrimentos, foi radicalizada pelo positivismo, corrente de pensamento que recebeu esse nome por valorizar o método científico das ciências positivas, recusando a Metafísica e por buscar aplicar este método às ciências humanas e sociais. Por isso se diz que o positivismo cultua a ciência e sacraliza o método científico.

De acordo com Herbert Marcuse, desde a primeira vez em que foi usado, provavelmente na escola de Saint-Simon, o termo positivismo designa: a) a convalidação do pensamento cognitivo por meio da experiência fatual; b) a orientação do pensamento cognitivo para as ciências físicas como modelo de certeza e exatidão; c) a persuasão de que o progresso do conhecimento depende de tal orientação.

Em consequência disso, “o positivismo é uma luta contra todas as metafísicas, contra todos os transcendentalismos e idealismos, considerados modos de pensamento obscurantistas e regressivos” (MARCUSE, apud MONDIN, 1983, p. 112). Em outras palavras, a metafísica perdeu o seu espaço para a ciência e o positivismo é reflexo dessa perda.

De certo modo, o positivismo tem semelhanças com o Iluminismo, por colocar-se contra as afirmações metafísicas e buscar a compreensão de mundo com base na ciência. Também tem aproximação com o romantismo quando sustenta que a natureza está sempre evoluindo, passando do mundo inferior e inorgânico ao mundo superior, humano. É, ainda, consoante com o materialismo, à medida que vê a matéria como princípio supremo e causa última de toda a realidade. Sendo assim, talvez a contribuição mais original do positivismo esteja na sua preocupação humanística que busca compreender o homem como ser social, utilizando-se dos métodos das ciências experimentais.

O positivismo se parece com o empirismo, porém vai além quando sustenta que de posse do conhecimento da natureza o homem poderia prever os fenômenos naturais e se antecipar aos acontecimentos, daí o seu lema prever para

Fonte: Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Substitui%C3%A7%C3%A3o_da_Bandeira_Nacional_(9659065362).jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015.

Figura 2.1 | Na bandeira brasileira encontramos o lema positivista.

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prover. Ao se antecipar e transformar a realidade, a humanidade segue rumo ao progresso. Esse rumo não deve ser aleatório, mas deve, antes, ter bases seguras e ser conduzido por uma ordem; ideia que resulta no segundo lema positivista, ordem e progresso, o qual está presente na Bandeira Nacional Brasileira, haja vista que o Brasil foi fortemente influenciado pelo positivismo e talvez tenha sido o último país positivista do mundo.

As principais contribuições da Escola situaram-se no campo da racionalidade prática – ética e política –, ao fomentar o debate acerca da situação dos mestiços brasileiros, visando à valorização do homem brasileiro, os verdadeiros filhos dessa terra. Houve também uma tentativa de incentivar o nacionalismo, tanto no campo do patriotismo quanto na criação de uma corrente brasileira de pensamento, se mantendo em diálogo franco e aberto com as correntes de pensamento europeias da época (positivismo, evolucionismo, etc).

Intelectual e culturalmente, a Escola teve uma grande abrangência, o efervescer de ideias e debates foi constante e fértil. Porém, próximo das décadas de 1930 e 1940

1.2 A escola do Recife

A primeira instituição de ensino superior, na área do direito, criada aqui no Brasil, foi a Faculdade de Direito do Recife. Ela foi criada em 1827, por Dom Pedro I (1798-1834), a partir da transferência da Faculdade de Direito de Olinda para a capital pernambucana. Sendo, a partir daí, palco do debate cultural e intelectual das regiões Norte e Nordeste.

Próximo da década de 1860 começou, na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco, um movimento cultural que abrangia muitos aspectos, e dentre eles estava também a filosofia. Esse movimento ficou conhecido como Escola do Recife. Vários intelectuais estavam imersos nesse movimento, mas o que mais se destacou foi Tobias Barreto (1839-1889).

Além de Tobias Barreto, também faziam parte da Escola do Recife: Vitoriano Palhares (1840-1890), José Higino Duarte Pereira (1847-1901), Araripe Júnior (1848-1911), Sílvio Romero (1851-1914), Capistrano de Abreu (1853,1927), Clóvis Beviláqua (1859-1944), Urbano Santos da Costa Araújo (1859-1922), Martins Júnior (1860-1904), João Carneiro de Souza Bandeira (1865-1917) e Graça Aranha (1868-1931), entre outros. Um dos mais destacados, além de Tobias Barreto, foi Sílvio Romero.

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1.3 A escola do Recife, o positivismo e demais correntes

O trecho que segue tem por base o texto de Ricardo Vélez Rodríguez, Panorama da Filosofia Brasileira (Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia, 1993. Disponível em: <http://www.cinfil.com.br/arquivos/ricardo_velez_rodriguez.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2015).

O positivismo estruturou-se paralelamente ao Iluminismo, projetando ao longo das últimas décadas do século XIX o ideário cientificista pombalino, conforme destacou Antônio Paim:

Aqui no Brasil, o principal representante da corrente positivista em âmbito militar foi Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1836-1891). Ele foi professor da Academia Militar e um dos chefes do movimento castrense que derrubou a monarquia em 1889.

O positivismo foi severamente criticado pela Escola do Recife, pois os pensadores dessa escola protagonizaram uma clara reação contra as duas formas de pensamento que dominavam o panorama filosófico nacional nas últimas décadas do século XIX: o ecletismo espiritualista e o positivismo.

Embora no começo da Escola os seus principais expoentes tivessem tomado elementos do monismo de Ernst Haeckel (1834-1919) – ideia de que a política, a ética e a economia procedem da biologia aplicada – e da própria filosofia comteana, muito cedo superaram esses limitados pontos de vista para se abrirem às ideias que garantiriam a tematização da cultura, no contexto do neokantismo (também conhecido por neocriticismo).

No contexto do pensamento filosófico brasileiro do século XIX, a "Escola do Recife" foi a mais clara manifestação do aspecto transcendental do pensamento kantiano, ao entender a filosofia como epistemologia. Os pensadores dessa escola

começaram a surgir as faculdades de Ciências Sociais e o debate, então, passou para outros centros, sobretudo Rio (na UFRJ) e São Paulo (USP). Ainda assim, a produção da Escola do Recife persistiu e colaborou muito para a reflexão crítica brasileira.

A adesão às doutrinas de Comte por parte dos líderes da Academia Militar deu-se no estreito limite em que contribuiu para desenvolver as premissas do ideário pombalino, quer dizer, a crença na possibilidade da moral e da política científicas. Para comprová-lo, basta comparar as funções às que Comte destinava as forças armadas e o papel que Benjamin Constant atribui ao Exército (PAIM, 1980, p. 259).

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assentaram as bases para o ingresso e a discussão, em solo brasileiro, das ideias provenientes do neokantismo, nas primeiras décadas do século XX.

Contudo, é bom deixar claro que ao buscar uma fundamentação transcendentalista tanto para o conhecimento quanto para a ação humana, a "Escola do Recife" culminou na concepção da cultura como dimensão especificamente humana, contrapondo-se ao mundo da natureza.

Para os pensadores da "Escola do Recife", a sociedade, vista como receptáculo para a cultura humana, configura-se através da imagem de um grande emaranhado de relações simultâneas. A sociedade (ou a cultura) deve ser vista como um sistema de regras e normas que não se limitam ao mundo da ação, mas chegam até aos domínios do pensamento. Desse modo, moral, direito, gramática, lógica, civilidade, cortesia, etiqueta, etc., são campos que têm em comum o caráter normativo.

E tudo isso é obra da cultura em luta com a natureza (de algo construído se contrapondo a algo espontâneo), luta na qual o direito é o fio vermelho e a moral é o fio de ouro, que atravessam todo o tecido das relações sociais. Direito natural tem tanto sentido quanto moral natural, gramática natural, ortografia natural, civilidade natural, etc., pois todas são efeitos, invenções culturais, segundo Tobias Barreto (1966, p. 331s).

Ao mesmo tempo em que se propunha a fazer uma crítica contumaz ao determinismo positivista, a "Escola do Recife", levando em consideração a submissão da liberdade e da consciência à natureza e reduzindo-as a efeitos da "física social"

Fonte: Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Faculdade_de_Direito_do_Recife_(sec_XIX).jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015.

Figura 2.2 | Faculdade de Direito do Recife, século XIX.

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(o primeiro nome dado por Augusto Comte à sociologia), assentou as bases para a corrente de pensamento que no século XX iria revelar-se muito influente no contexto da meditação filosófica brasileira: o culturalismo.

O krausismo também se fez presente na filosofia brasileira do século XIX. Para Miguel Reale, o pensamento de Karl Christian Friedrich Krause (1781-1832), apesar de ter entrado indiretamente no panorama brasileiro por intermédio de juristas, teve ampla repercussão na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo. Os principais representantes dessa tendência foram Galvão Bueno (1834-1883) e

Ainda que, ao longo do século XIX, a "Escola do Recife" tenha sido a mais importante herdeira do kantismo, não se pode ignorar o papel pioneiro que representaram os Cadernos de Filosofia do padre Diogo Antônio Feijó (1784-1843), os quais sintetizavam o magistério do regente do Império (1835-1837). Nestes cadernos encontramos de modo muito vivo o pensamento de Immanuel Kant (1724-1804), tanto no modo como Feijó entende a razão humana, quanto naquilo que ele diz sobre o exercício da liberdade.

As seguintes palavras, que ilustram a ideia que o padre paulista tinha acerca da meditação filosófica, partem do pressuposto da "revolução copernicana" do filósofo de Königsberg, ou seja, do seu modo de enxergar a problemática do conhecimento sob uma perspectiva estritamente humana e transcendental:

Será que a naturalização do mundo (a ideia de que “sempre foi assim”, ou de que “é assim que tem que ser”, ou ainda de que “o ‘correto’, o ‘normal’, o ‘natural’ é ser assim”) não é apenas reflexo de uma construção cultural tão arraigada em nossa sociedade, a qual acaba nos sendo transmitida como natural? Note que não estamos falando de algo distante, mas de algo presente em nossos dias, qual seja: homossexualismo, drogadição, aborto, eutanásia, corrupção, infidelidade conjugal, pedofilia, vegetarianismo, etc. Seriam eles naturais ou culturais?

Sendo o homem – afirma Feijó em seus Cadernos – a única substância conhecida por ele, é claro que toda ciência para ser verdadeira e não fenomenal, quer dizer, para ter um valor real em si, deve fundamentar-se no mesmo homem. É nas suas leis onde residem os princípios originais e primitivos de toda a ciência humana (RODRIGUEZ, 1993, p. 7s).

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João Theodoro Xavier (1820-1878), cuja obra Teoria transcendental do direito (1876), segundo Reale, "compendia os princípios fundamentais do racionalismo harmônico de Krause, com frequentes referências à doutrina de Kant". João Theodoro tentou superar o individualismo da concepção kantiana do direito, numa visão que desse lugar essencial ao papel social do mesmo, sendo assim um dos precursores do chamado "direito social", ou "direito trabalhista" no Brasil

Também foi bastante cultuada durante o império uma corrente de filosofia política conhecida como liberalismo doutrinário, a qual exerceu bastante influência na consolidação do sistema representativo brasileiro. Os principais teóricos dessa corrente foram François Guizot (1787-1874), Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830), Royer-Collard (1763-1843), entre outros. Dentre os pensadores brasileiros que mais abraçaram o liberalismo doutrinário podemos citar Paulino Soares de Souza, Visconde de Uruguai (1807-1866) e Pimenta Bueno (1803-1878).

Porém, essa visão liberal conservadora legada pelos doutrinários iria sofrer,

• Segundo Karl C. F. KRAUSE, a natureza humana é a mesma em todos os tempos; mas a reunião de homens e povos em sociedades superiores e mais orgânicas só aconteceu gradativamente, através de sucessivos desenvolvimentos.• Se com Hegel o idealismo alemão atinge as culminâncias abstratas do conceito de Estado, cabe a Krause proceder ao respectivo enquadramento numa estrutura eclética, mais susceptível de vulgarização, sobretudo entre os que não podiam aceitar a disciplina da pura dialética.• O homem passa a ser visto como uma individualidade pessoal com relações orgânicas relativamente aos diversos graus da sociabilidade humana, como a família, a nação e a própria humanidade, pelo que todas as associações humanas viveriam de uma tensão entre um elemento subjetivo ou pessoal e um elemento objetivo ou social.• A sociedade, embora constituindo um todo orgânico com diversas instituições, exigiria uma unidade central e superior: o Estado. Porque, se cada instituição mantém a sua independência relativa, todas têm também que submeter-se face a uma mesma direção central e superior. Apesar de ser um dos órgãos principais do vasto organismo social, o Estado não absorve nem o homem nem a sociedade. Pelo contrário, exige organizações sociais distintas para a moral, a religião, as ciências, as artes, a indústria e o comércio, assumindo-se como o mediador entre o destino individual e o destino social.

(Disponível em: <http://maltez.info/biografia/krause.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2015).

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aqui em terras brasileiras, um criterioso exame do ponto de vista do liberalismo democrático segundo Alexis de Tocqueville (1805-1859). Os pensadores que melhor fizeram esse exame foram Tavares Bastos (1839-1875) e José de Alencar (1829-1877). A análise realizada por eles serviu de bandeira ao Partido Liberal, principalmente nas décadas de 1860 e 1870 (RODRÍGUEZ, 1997a e 1997b).

Contrapondo-se ao pensamento liberal, surgiu o tradicionalismo, cujos principais representantes foram Dom Romualdo Seixas (1787-1860), arcebispo de Salvador, e José Soriano de Souza (1833-1895). Apesar de terem sido influenciados pelos tradicionalistas franceses Joseph de Maistre (1753-1821) e Louis de Bonald (1754-1840), os brasileiros mostraram-se muito mais tolerantes do que os franceses.

A filosofia tradicionalista brasileira foi sintetizada por Ubiratan Macedo do seguinte modo:

Em linhas gerais, traçamos aqui um relato sucinto da situação filosófica no Brasil, atendo-nos, principalmente, às correntes que tiveram maior destaque e influência significativa no panorama cultural e filosófico brasileiro. O nosso intuito foi tornar conhecido, ainda que superficial e rapidamente, o modo como se desenrolou o pensamento filosófico em nossas terras e, na medida do possível, constatar, infelizmente, a fraqueza reflexiva e a falta de originalidade de uma possível filosofia brasileira, bem como a grande dificuldade encontrada para termos filósofos de expressão mundial e com trabalhos de reconhecimento internacional.

Em nossa análise simplista, entendemos que uma das maiores dificuldades encontradas para que fosse elaborada uma reflexão filosófica de qualidade se encontra no fato de importarmos demasiadamente as ideias estrangeiras e refletirmos pouco sobre a nossa própria realidade. Notem que, normalmente, os

Pode-se afirmar que os tradicionalistas brasileiros no século XIX tinham consciência clara de um conjunto de teses filosóficas, religiosas e de caráter social, ao redor das quais desenvolveram ensaios de certa magnitude. Tais teses consistiam no menosprezo pelo racionalismo e o liberalismo; na defesa da monarquia legítima; no empenho em prol da união da Igreja e do Estado e em prol da proscrição do matrimônio civil; na luta em defesa da liberdade de imprensa e de pensamento, em nome do direito à verdade. Passando ao nível político (...) e excetuando a preferência pela monarquia, não se observa maior claridade nas opções. A monarquia constitucional vigente era francamente tolerada, assim como o regalismo (...). E quanto a ter uma atenção política estruturada, como pretendia Soriano de Souza, esta não chegou a ser considerada. O grupo, apesar de ativo, era francamente minoritário e nunca teve maior proximidade com o poder (MACEDO, 1981, p. 19).

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nossos possíveis filósofos se limitaram a traduzir aqui aquilo que estava acontecendo na Europa, sobretudo, e, portanto, não são filósofos, são apenas intérpretes da filosofia. Ainda assim vamos apresentar nos capítulos seguintes aqueles que mais contribuíram com a filosofia em terras brasileiras.

1. Alguns cientistas desenvolveram teorias tão profundas que acabaram tendo reflexos em outras áreas para as quais eles nem sequer haviam imaginado contribuir. A ideia exposta é conhecida como:a) Universalidade da Teoria Científica.b) Totalidade da Teoria Científica.c) Fecundidade da Teoria Científica.d) Abrangência da Teoria Científica.

2. Podemos afirmar que a Escola do Recife representa o primeiro esforço da intelectualidade brasileira na produção de um pensamento filosófico genuinamente nacional, com a tentativa de se contrapor às ideias vigentes na Europa.Considere:I – A Escola do Recife permite que a reflexão filosófica seja instaurada em território nacional, a partir de intelectuais ligados às ciências jurídicas.II – Tobias Barreto e Farias Brito podem ser considerados dois grandes expoentes da Escola do Recife, na medida em que buscam desenvolver um pensamento filosófico autêntico.III – A Faculdade de Direito do Recife, embora aborde questões filosóficas, teve contribuições relevantes unicamente na área do direito.IV – A Escola do Recife fará uma leitura crítica das ideias positivistas e, embora sofrendo influência dessa corrente de pensamento, apontará possíveis lacunas presentes no positivismo.Estão corretas apenas as afirmativas:a) I, II e III.b) I, II e IV.c) I, III e IV.d) II, III e IV.

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Seção 2

A contribuição de tobias barreto

Nesta seção pretendemos apresentar a primeira contribuição que, no nosso entendimento, pode ser considerada, relativamente, significativa à reflexão filosófica. Estamos nos referindo à contribuição de Tobias Barreto, o Mulato Sergipano, e para apresentá-lo nos valeremos da obra A Escola do Recife, de Antônio Paim.

2.1 Tobias Barreto

Tobias Barreto de Menezes nasceu em uma família humilde, no dia 7 de junho de 1839 em Campos do Rio Real, na época uma vila do agreste sergipano, que hoje leva o nome do seu filho mais ilustre e se chama Município de Tobias Barreto. Sua mãe se chamava Emerenciana Barreto, e o seu pai Pedro Barreto de Menezes. O pai era escrivão e tinha dificuldades de dar escola aos filhos, por isso Tobias Barreto foi professor de latim, em Itabaiana, dos 15 aos 22 anos de idade. Em seguida foi para Salvador com a intenção de se tornar padre, mas rapidamente abriu mão desse projeto.

Na Bahia estudou filosofia somente até o fim do ano, pois teve de retornar ao Sergipe por falta de dinheiro. Aos 25 anos conseguiu se matricular na Faculdade de Direito do Recife, e aos 28 anos fez o seu primeiro pronunciamento filosófico em público. Aos 30 anos concluiu o curso de Direito e tentou ganhar a vida como advogado no Recife, época em que passou a fazer parte do Partido Liberal e fundou

um jornal político, O Americano. O racismo era muito forte nessa época e ele teve dificuldades para encontrar uma esposa. Também não teve muito sucesso como advogado na capital e foi para Escada, uma cidade do interior do Pernambuco, onde

Fonte: Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Tobias_Barreto#/media/File:Realtobias.jpg>. Acesso em: 19 mai. 2015.

Figura 2.3 | Tobias Barreto, o Mulato Sergipano.

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morou de 1871 até 1882. A sua esposa era desta cidade e nela ele dedicou-se à advocacia e à política.

Interessou-se pela filosofia alemã, abordando uma variedade de temas. Nessa época, em 1878, também acabou exercendo, pelo Partido Liberal, o mandato de deputado da província. Na eleição seguinte concorreu como candidato independente, mas não foi eleito. Apesar de se ocupar com diversas propostas, nunca deixou de lado o projeto de difundir as ideias do pensamento alemão, razão pela qual, em 1881, criou a revista Estudos Alemães.

De acordo com o pensamento de Tobias Barreto, a filosofia poderia ser considerada uma síntese das ciências, pois o progresso da ciência permitia que se pensasse em uma “intuição monista do universo”. Contudo, ele acabou percebendo que essa proposta não daria conta da cultura, da moral, do direito, justamente o que mais lhe interessava. Por isso acabou aceitando o conceito neokantiano, o qual reduzia a filosofia à teoria do conhecimento (incluindo racionalidade pura e racionalidade prática).

Faltava ainda, no entanto, resolver a questão do mundo da cultura e para tanto não se podia contar com correntes externas. Por não aceitar a física social de Augusto Comte, posteriormente chamada de positivismo, ele acabou elaborando alguns argumentos contra essa corrente, numa tentativa de assegurar a autonomia da cultura sem recorrer ao espiritualismo, de acordo com a contribuição do neokantismo para o culturalismo.

Contudo, o fato de o Brasil passar de Império para República foi visto como um fenômeno positivista e isso fez com que o país começasse a ser visto como positivista, ocasionando condições desfavoráveis de atuação aos discípulos diretos de Tobias Barreto. O ensino foi reformado sob a égide da hipótese de que a ciência esgota o real – no que, aliás, continuamos até hoje –, eliminando-se a filosofia, substituída pela sociologia comteana.

Pode-se perceber que o pensamento de Tobias Barreto foi amadurecendo aos poucos e passando por fases, pois é perfeitamente possível distinguir a fase de rompimento com o ecletismo espiritualista e de adesão parcial ao positivismo (1868-1874); a fase do rompimento com o positivismo (1875-1882) e, finalmente, a fase de adesão ao neokantismo.

Tobias Barreto abordou temas políticos e sociais de relevância àquela época e podemos encontrar nas suas abordagens todos ou quase todos os acontecimentos de seu tempo; com esta ou aquela opinião, o registro do fato aparece sempre em seus escritos, quase que à maneira de um cronista. O modo como ele tratou destes assuntos, hoje lhe valeria o enquadramento como sendo um socialdemocrata.

Também os temas religiosos foram abordados por ele e demonstrou não aceitar

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a suposição, popular em seu tempo, de que a religião tenderia a desaparecer com os progressos da ciência. Criticou a tese ingênua da “Irreligião do Futuro”.

Como não existiam monografias escritas em alemão, houve quem achasse que Tobias Barreto era muito esnobe, por escrever nessa língua. Mas houve também quem viu nesta sua atitude um modo de se contrapor ao que se escrevia na Alemanha sobre o Brasil.

Deve-se a Tobias Barreto a possível, autonomia da filosofia brasileira e a sua não instrumentalização para fins políticos, a valorização e o inventário da nossa tradição nessa matéria e o

primado do diálogo respeitoso, embora firme, em lugar do culto ao espírito polêmico e do dogmatismo impositivo. O culturalismo brasileiro quer expressamente ser herdeiro de Tobias Barreto e reúne grandes nomes, como os de Djacir Menezes (1907-1996), Miguel Reale (1910-2006), Evaristo de Moraes Filho (1914-), Luiz Washington Vita (1921-1968), Paulo Mercadante (1923-2013), Nelson Saldanha (1933), Vamireh Chacon (1934-) e tantos outros (PAIM, 1997, p. 149).

Guizot e a escola espiritualista do século XIX, publicado em 1868, foi o primeiro artigo de Tobias Barreto. Nesse artigo ele apresenta a sua profissão de fé espiritualista e afirma que:

Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:ReligiousSymbolsIndian.PNG?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015.

Figura 2.4 | A religião pode sumir no futuro?

Não obstante as diversas tendências particulares que o livre pensar há tomado em nossa época, a tendência geral do século é o espiritualismo. Ainda mais: refuta a crítica de Guizot, ao considerar a escola de Cousin ‘tímida e orgulhosa’, entre outras coisas por não aceitar os dados da revelação cristã. A isto objetará: A escola espiritualista não foi tímida; pelo contrário, combatendo o sensualismo, ela mostrou que a existência das ideias absolutas não é obra dos sentidos, é um dado da razão, uma manifestação de Deus, ou uma revelação; faltou-lhe a palavra, não lhe faltou a intenção. Tobias Barreto, como a grande maioria dos intelectuais de seu tempo, formava nas hostes da corrente espiritualista. (PAIM, 1997, p. 10).

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Já é possível perceber aqui uma espécie de espírito de rebeldia em relação ao meio e à própria escola de que se diz adepto. Primeiro, por acentuar a diferença entre o ecletismo de Victor Cousin (1792-1867) e as tentativas de restauração escolástica que vinham sendo feitas ao longo do século. Diz ele não acreditar que o século XIX esteja destinado totalmente às questões da filosofia religiosa. E acrescenta que a escola tradicional ousou voltar-se contra o seu aliado, ditar leis e chamá-lo à obediência. Mas era tarde, pois a razão já tinha tomado o lugar que lhe competia no domínio da ciência.

Para Tobias Barreto é um erro a escola espiritualista apenas observar os fatos, classificá-los e reduzi-los a leis, haja vista que nada impede que o método da psicologia seja idêntico ao das ciências naturais. Para ele, as leis da natureza são concebidas por meio da indução, com a precedência dos fatos particulares que se observam. Assim também, na psicologia, o eu que diz “penso”, isto é, “sinto, quero, conheço, movo-me”, e assim por diante, é uma força que se sente e que se conhece a si mesma e, portanto, particularmente, individualmente, ou seja, indutivamente. Defende que a escola espiritualista abriu o caminho para o progresso da ciência quando tomou a observação por ponto de partida e guia constante; no entanto, critica que não tenha tido sempre em vista a grande diferença que separa a psicologia das outras ciências da observação. Mas apesar dessas restrições, o rompimento com o ecletismo espiritualista só ocorreria no ano seguinte.

Tobias Barreto, que até então era conhecido como poeta e agora aparece debatendo problemas filosóficos, ainda não produziu grande impacto com o seu primeiro artigo. Já outro artigo produzido um mês depois com o título A propósito de uma teoria de S. Tomás de Aquino, foi contestado por um colega da Faculdade chamado Manuel Godofredo de Alencastro Autran, obrigando-o a voltar ao assunto logo a seguir, em junho de 1868, com o artigo Teologia e teodiceia não são ciências.

Para melhor situar a contribuição de Tobias Barreto, queremos apenas lembrar-lhe que a psicologia dessa época ainda não havia recebido as preciosas contribuições de Sigmund Freud (1856-1939), o qual, posteriormente, afirmará no seu texto “O Mal-estar na civilização”, que a ontogênese (desenvolvimento individual, do ser) repete a filogênese (desenvolvimento da espécie). Não há civilização sem sentimento de culpa e ela só permanece se houver tal sentimento. A religião é o que aumenta o sentimento de culpa. É o superego que não nos permite fazer o mal. Ao reprimirmos os desejos maus (libido e agressividade), estes se voltam para nós e nos causam mal-estar, ou seja, Freud, de certo modo, irá salientar a questão da subjetividade e da indução.

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Em ambos os artigos Tobias Barreto combate a pretensão daqueles que ainda querem a subordinação da filosofia à teologia, como na Idade Média. Na Idade Média se dizia que a filosofia era a serva da teologia, philosophia ancilla theologiae. Para Tobias Barreto, a filosofia quer e deseja ser livre, pois a liberdade é para ela mais que um distintivo, é sua própria vida e constitui o seu poder. E acrescenta que se há um fenômeno, ao mesmo tempo lastimável e ridículo, é o esforço que fazem os espíritos apoucados, para sufocar o filósofo no fundo de seu pensamento e dizer à razão: Cala-te, louca!

O seu propósito era demonstrar a impossibilidade de uma ciência de Deus.

Para ele, Deus é objeto de amor e não de ciência. Afirma que o individual, encarado em si mesmo, não pertence à ciência, pois o que a ciência procura nos indivíduos é o que eles têm de geral, de comum às diversas classes de seres ou de fatos. O amor que se tem a Deus é um fenômeno particular do espírito e, como tal, cai sob as vistas da consciência, mas ainda assim não é por si só um objeto científico. O amor pertence à classe dos fenômenos sensíveis, e estes, por sua vez, à classe dos fenômenos espirituais em geral.

Para contestá-lo mais uma vez, o seu colega de Faculdade chegará à afirmação absurda de que o conhecimento de Deus “só nos é dado pela ciência”, ao que Tobias replicará que setenta e cinco por cento da humanidade, se não mais, protestariam contra essa besteira, uma vez que, se assim fosse, a maioria dos homens, aquela que não cultiva as ciências, estaria condenada ao ateísmo.

Essa primeira polêmica lançou Tobias Barreto para o terreno das ideias, mantendo, ele e o seu colega de Faculdade, Godofredo Autran, um respeitoso debate. Em 1870, infelizmente, não acontecerá a mesma coisa. Desta vez o seu oponente será o velho Conselheiro Autran, o qual tinha sido seu professor na Faculdade. Coube então a esta segunda polêmica e não à primeira o papel de iniciar a efervescência cultural que, na sequência, se tornará um fenômeno generalizado no país até assumir caráter abertamente político.

No último ano de Faculdade, 1869, Tobias Barreto publicou alguns trabalhos que marcaram a sua evolução filosófica e o rompimento com o ecletismo espiritualista. No primeiro desses trabalhos ele se ocupa da obra Fatos do Espírito Humano, de

Fonte: Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Medaglia_di_Domenico_Grimani_-_Palazzo_Grimani_a_Venezia_-_Foto_Giovanni_Dall%27Orto_-_8_Ago_2011_586.jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015.

Figura 2.5 | Philosophia ancilla theologiae.

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Gonçalves de Magalhães. Considera que o autor mostra-se o mais alheio possível ao estado atual da filosofia. A época em que Magalhães escreveu era justamente de transições e revoluções filosóficas na França e na Alemanha. Na Itália, onde Magalhães estivera a negócios, fulguravam os nomes de Gioberti e de Rosmini. No mundo filosófico se ouvia o embate das mais fortes discussões movidas pelos mais robustos combatentes. E, no entanto, o Sr. Magalhães nada ouviu!

O que ele rejeita do positivismo é a teoria dos três estados, pois, segundo ele, é possível notar que, em geral, não se sente pela metafísica o profundo e sistemático rancor do positivismo, e afirma que ainda há muito espaço para as pesquisas filosóficas. Podemos perceber, portanto, que, com apenas 30 anos de idade, Tobias Barreto já havia aderido e rompido com o espiritualismo, fenômeno bastante comum a outros intelectuais brasileiros daquele período. Contudo, diferentemente dos demais intelectuais, ele não aderiu de corpo e alma ao positivismo.

Depois da morte de Hegel, em 1831, os seus discípulos se dividiram em esquerda e direita hegelianas, de acordo, entre outros problemas, com as posições adotadas diante da religião. Para Hegel, a filosofia e a religião têm o mesmo conteúdo, porém expresso de modo diferente: a religião na forma de representação e a filosofia na forma de conceito.

Nesse alentado estudo – no qual consuma o rompimento com o ecletismo espiritualista – proclama a adesão parcial ao positivismo. Dirá: “Não nos enganamos, quando aderimos firmemente ao pensamento da escola de Augusto Comte, na parte relativa ao desdém da teologia”. Essa aceitação de certos pontos de vista da doutrina positivista não significa a aprovação integral do pensamento de Comte. É o próprio Tobias quem o esclarece no mesmo artigo: “Tendo em alta estima a concepção grandiosa da escola positivista, fazemos, contudo, algumas reservas que julgamos importantes; e não podemos, por conseguinte, declarar-nos seu fiel discípulo” (PAIM, 1991, p. 12s).

O ser humano sempre buscou compreender o mundo e a vida, e, para isso, recorre às diversas possibilidades de compreensão, com destaque para a religião, a filosofia e a ciência. A ciência, até em função do seu método, tem mais facilidade de aceitação nos dias atuais em virtude da comprovação de suas teses, enquanto a religião fala em linguagem

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Contudo, Hegel acabou não se aprofundando sobre alguns problemas religiosos, tais como: Deus, a imortalidade da alma etc. Ainda assim, a direita hegeliana se mantinha fiel ao seu mestre utilizando a sua doutrina para justificar as crenças religiosas tradicionais, com o que não concordava a ala esquerda, estabelecendo-se, então, prolongada polêmica.

Ludwig Feuerbach (1804-1872) contribuiu com este debate procurando explicar as religiões a partir das exigências e necessidades humanas. Desse modo, a questão religiosa destacou-se entre os temas da filosofia europeia do século passado. Houve quem valorizasse o Cristianismo não do ponto de vista do sobrenatural, mas como manifestação de um ideal moral, originado a partir de determinadas condições materiais.

A refutação de suas ideias não veio de modo sereno e nem se limitou às ideias. Contudo, Tobias Barreto aceitou bem a polêmica e a luta se arrastou por vários números de O Americano e de O Católico. E ainda que as polêmicas tenham sido travadas com um tom áspero e caracterizadas pela pouca cortesia, ele nunca foi intolerante em matéria religiosa. Justiça seja feita! É bom responsabilizar ambos os lados pela boa condução do debate.

Muito embora Tobias Barreto tenha sido desde o começo contra a Escolástica, ele nunca caiu na estreiteza sectária do combate à religião como fizeram os enciclopedistas franceses. Ele defendia o mais absoluto respeito aos sentimentos

figurativa, esotérica e velada. Contudo, tanto ciência quanto religião não têm explicação para todos os fenômenos apresentados pela realidade em que nos encontramos, ou seja, possivelmente passaremos por esse mundo sem compreendê-lo e sem saber o motivo – se é que existe um – de estarmos aqui. Sem saber, por exemplo, se a matéria findará um dia ou existirá para sempre.

Em 1870, já formado e tentando ganhar a vida como advogado no Recife, Tobias Barreto, conforme já relatamos, ingressou no Partido Liberal e, após fundar o jornal O Americano, nele publicou vários artigos reunidos sob a denominação genérica de Notas de Crítica Religiosa. Diz ali que “a crítica religiosa é um dos poderes do século, cuja atmosfera moral está impregnada da poeira a que tem reduzido as antiqualhas caducas; sua influência é inevitável a qualquer espírito ambicioso de luz; os grandes homens que se hão colocado à frente do movimento são de uma enorme estatura, e projetam até nós suas sombras gigantescas” (TOBIAS BARRETO, apud PAIM, 1997, p. 14).

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religiosos e sempre manifestou a preocupação de limitar as suas divergências ao terreno filosófico. Motivos sociais e epistêmicos impunham uma atitude de respeito diante da religião e foi o que ele procurou manter durante toda a sua vida.

Ainda assim, a polêmica de 1870 alcançou grande repercussão na capital pernambucana, principalmente na esfera acadêmica, acirrou os ânimos e alargou o círculo dos partidários das ideias novas, evidenciando o desejo de renovação cuja tendência irreversível iria acentuar-se, tanto na década iniciada como na seguinte.

Apesar de ser, incontestavelmente, muito inteligente, Autran representava o passado, numa época de transição e, somente com muita dificuldade, poderia contrapor-se a quem falava a linguagem do futuro. Em 1870, essa contenda foi considerada a manifestação de uma corrente espiritual que se inaugurava empunhando a bandeira do espírito moderno.

Mesmo Tobias Barreto tendo se mudado para o município pernambucano de Escada, não perdeu a ligação com o movimento intelectual

da capital. Sílvio Romero diz que durante os dez anos em que ele residiu em Escada, as lutas continuaram ainda mais renhidamente nas duas cidades, pois Tobias Barreto ia quinzenalmente ao Recife e colaborava com os jornais da capital, além de fazer inúmeros discursos no tribunal do júri.

No artigo O Atraso da Filosofia entre Nós, Tobias Barreto diz que em vão Autran se esforça por fazer a árvore seca da Idade Média reflorir e frutificar. Ela já morreu. Além da reafirmação de suas posições antitomistas, este trabalho é um documento importante para se avaliar a inquietação espiritual de Tobias Barreto e o sentido que vai tomar a sua meditação filosófica. Além disso, ele também toca em um problema

Apreciando esta primeira polêmica, escreve Clóvis Beviláqua: “A Crônica dos Disparates” interessa mais à história das ideias da Faculdade de Direito, por ser uma polêmica entre Autran, antigo lente, representante das velhas ideias católicas e tomistas, e Tobias, recém-formado, futuro lente, representante do espírito novo, que começava a invadir o país... Autran orçava pelos sessenta e cinco anos e escrevia no “Católico”, periódico destinado à defesa das ideias da religião dominante (PAIM, 1997, p. 15).

Fonte: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Escada_%28Pernambuco%29>. Acesso em: 19 mai. 2015.

Figura 2.6 | Mesmo morando em Escada – PE, ele participava da vida intelectual do Recife.

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que irá absorvê-lo muito, o conceito de filosofia. Diz ele que nos últimos tempos a questão filosófica mais inquietante é sobre a própria essência e limites da filosofia.

É possível encontrar em Tobias Barreto a ideia de culturalismo, que é o modo como ele busca se contrapor à ideia positivista de que seria possível compreender a sociedade com a mesma exatidão da física de Isaac Newton (1643-1727). Para ele não seria possível conhecer a sociedade como se conhece a natureza, embora certos segmentos da sociedade possam ser estudados pela ciência.

Para corroborar as suas afirmações ele passa a considerar as ideias de liberdade e finalidade e destaca a cultura como tema de investigação filosófica, compreendida ao modo do neokantismo. Segundo Tobias Barreto, a cultura era o sistema de forças erigidas para humanizar a luta pela vida, tanto em escola animal como humana. A organização da vida em sociedade se deu como forma de sobrevivência. “A cultura assim definida permitiria identificar a especificidade do humano, cujos fundamentos, equivocadamente, se pretendeu pudessem ser encontrados na natureza” (PAIM, 1997, p. 54).

Tobias Barreto lembra que Henry Maudsley (1835-1918) afirmou que o ladrão, assim como o poeta, nasce feito, não se faz. Ele concorda com isso, mas salienta que mesmo a existência de ladrões sendo um produto da natureza, nós (a partir de um produto cultural – a ética e a política) fazemos um esforço para que eles não existam. Assim também parece ser um resultado natural que haja luta pela vida entre grandes e pequenos, fortes e fracos, ricos e pobres. O trabalho cultural consiste na harmonização dessas divergências. Diante disso, se pode dizer que não foi inspirando-se na natureza que o homem erigiu a cultura, mas ao contrário, ela é criação humana que tem por objetivo limitar e corrigir possíveis distorções da natureza. E conclui que seguir a natureza, em vez de ser o fundamento da moralidade, é a fonte da imoralidade; e que o direito é o fio vermelho, e a moral o fio de ouro, que atravessa todo o tecido das relações sociais, conforme já assinalamos.

Nos últimos anos de vida, Tobias Barreto se aproximou ainda mais do neokantismo, um movimento que surgiu na Alemanha a partir da década de 1860 e veio até a Primeira Guerra Mundial. Na obra Kant e os epígonos, de 1865, o seu autor, Otto Liebman, afirma no final de cada capítulo: “É preciso retornar a Kant”. E essa ideia se difundiu entre os intelectuais da época, contribuindo para que as ideias de Kant renascessem.

O neokantismo ganha status filosófico com Friedrich Albert Lange (1828-1875), docente em Bonn e Zurich, nomeado professor da Universidade de Marburgo em 1872. [...] Lange abandona as tentativas de solução do problema do conhecimento pela via psicológica, mas não restaura plenamente a perspectiva transcendental. [...] Semelhante desfecho seria obra de Hermann Cohen. Cohen restaura a ideia

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kantiana de que a objetividade da ciência é assegurada pela estrutura formal do pensamento, que é regido por leis a priori, independentes da experiência. Não há em sua obra quaisquer concessões ao cientificismo ou à interpretação psicológica do conhecimento. Contudo, seu entendimento do kantismo não é de molde a ressaltar a especificidade da experiência ética (PAIM, 1997, p. 55).

Foi deste modo que o neokantismo alemão se fez presente no culturalismo de Tobias Barreto. Para Kant, a razão teórica origina a ciência e a razão prática a moral, porém isso gera uma cisão no espírito humano, a qual não foi restaurada pelo professor de Königsberg. Essa questão reaparece dentro da reflexão conhecida como ciência do espírito, tendo quem defendesse que tal ciência era distinta das ciências da natureza e também quem afirmasse um modelo único de ciência.

Naquela época houve quem afirmasse que entre um juízo de existência e um juízo de valor, existiriam os juízos referidos a valores. Assim como, correspondentemente, entre as categorias de natureza e ideal, é preciso dar lugar à categoria da cultura. O fato cultural seria uma realidade referida a valores. Assim, se abria o caminho para o restabelecimento da unidade do espírito, mediante a legitimação da experiência ética, jurídica ou cultural e não apenas natural. É, portanto, nesta perspectiva da evolução do neokantismo que se insere a significação de culturalismo em Tobias Barreto.

Aos poucos ele foi deixando de acreditar na política da época e acabou tendo desentendimentos com os abolicionistas do Recife, os quais não lhe foram solidários quando ele teve de arriscar a própria vida para alforriar os escravos que havia recebido como herança. “A incoerência dos abolicionistas chega a tal ponto, segundo diz em carta a Sílvio Romero, que, ao pedido de apoio de Tobias Barreto, retrucaram ‘ser um despropósito meu, uma iniquidade sem igual, pois eu não tinha o direito de alforriar todos os escravos’. Acabaria concluindo que a política do seu tempo não tinha muito a ver com princípios” (PAIM, 1997, p. 102).

Na tentativa de mudar a mentalidade vigente, tenta ser professor na Faculdade de Direito do Recife e para isso quer encontrar uma filosofia que lhe permita se posicionar contra o pensamento que vinha se firmando, o positivismo; e ao mesmo tempo não quer voltar ao passado se valendo do espiritualismo. Com esse intento, vai se ocupar de direito e de filosofia e vê na reforma pretendida pelos juristas alemães Rudolph von Ihering (1818-1892) e Albert Herman Post (1839-1995) – os quais se valiam do evolucionismo de Charles Darwin (1809-1882) e Ernst Haeckel (1834-1919) – uma boa alternativa.

O concurso foi realizado em 1882, ele foi aprovado em primeiro lugar, mas a instituição estava dificultando a sua admissão pelo fato dele ser negro. Os alunos,

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então encantados com o discurso do mulato – ou “mulato de Sergipe”, segundo ele próprio –, exigiam a sua contratação. Ali ele passou a ensinar Filosofia do Direito e Economia Política. Cinco anos depois ficou bastante doente e nos seus últimos seis meses de vida não conseguiu mais se levantar da cama. Faleceu no dia 16 de junho de 1889. A causa da morte parece ter sido insuficiência renal crônica, na época conhecida como doença de Bright. Tudo indica que ele morreu muito pobre, e amparado por um aluno, pois a Faculdade não mais pagava o seu salário.

Cremos que de modo sucinto e superficial, amparados pela magnífica obra do professor Antônio Paim, apresentamos para vocês um pouco do muito que Tobias Barreto significou para a reflexão filosófica em nosso país. Certamente, não fosse a brevidade de sua vida, muitas outras contribuições nos seriam legadas e, quiçá, à filosofia como um todo, superando as nossas fronteiras geográficas.

Tobias Barreto não era nenhum diletante, mas um homem preocupado com a sua terra e com a sua gente. Queria que o país dispusesse de uma elite culta e nosso povo fosse retirado da miséria e da ignorância. O projeto que lhe deu ânimo por toda a vida formulou-o nestes termos: “O único meio de salvar e engrandecer o Brasil é tratar de colocá-lo em condições de poder ele tirar de si mesmo, quero dizer, do seio de sua história, a direção que lhe convém” (PAIM, 1997, p. 146).

1. Tobias Barreto se demonstrou um espírito inquieto e polêmico, e ao mesmo tempo tolerante e afeito à discussão de temas relevantes para o crescimento intelectual e cognitivo de sua época.

Acerca do pensamento de Tobias Barreto, considere:

I – Foi amadurecendo aos poucos e passando por fases.

II – É perfeitamente possível distinguir a fase de rompimento com o ecletismo espiritualista e de adesão parcial ao positivismo.

III – A sua última fase é de adesão ao neokantismo.

IV – O auge do seu pensamento encontra-se na adesão ao positivismo de Augusto Comte.

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Estão corretas apenas as alternativas:

a) I, II e III.

b) I, II e IV.

c) I, III e IV.

d) II, III e IV.

2. O culturalismo pode ser considerado uma das contribuições mais relevantes e autênticas de Tobias Barreto e foi o modo encontrado por ele para se contrapor às ideias estrangeiras, as quais eram aceitas pela maioria da intelectualidade brasileira, por vezes, de modo integral e sem questionamentos significativos.

Sobre o culturalismo é correto afirmar que:

a) Dá ênfase à cultura brasileira e vê nela um modo de emancipação social frente às opressões do escravagismo.

b) Visa resgatar a cultura do homem do campo, pois somente ela pode ser considerada genuinamente nacional.

c) Prima pela simbiose entre as culturas estrangeiras e nacionais para o maior enriquecimento da visão de mundo de todos os povos.

d) Entende que alguns valores podem não ser naturais, mas frutos de uma construção cultural.

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Seção 3

A contribuição de Farias Brito

Nesta seção vamos nos ocupar do pensamento de um dos primeiros estudiosos que se ligaram à filosofia em nosso país; buscaremos mostrar a sua compreensão de filosofia, a sua luta em desenvolver um pensamento original, bem como as suas conquistas e desencantos com o tratamento dado à disciplina.

Foi numa casa próxima da Igreja do povoado de São Benedito, no Ceará, que no dia 24 de julho de 1862 nasceu Raimundo Farias Brito. Em 1865 a família mudou para um sítio em Alagoinha e posteriormente, para a terra natal paterna, Sobral, onde haveria mais oportunidade de estudo para os dois filhos do casal. Ali abriram um pequeno comércio, mas não tiveram muito êxito. Em 1874 Farias Brito é aprovado para o Ginásio de Sobral e em 1876 obtém distinção em francês, latim e matemática.

Diante do bom destaque do filho, Marcolino José, o seu pai, passa a apoiar a sua educação de modo quase obsessivo. Mas, devido às dificuldades no comércio a família se viu obrigada a retornar para o sítio em Alagoinha. Depois de um ano de muita seca, foram obrigados a procurar melhores condições de vida em Fortaleza, ali chegando em 1878. Mais tarde, já com 34 anos de idade, Farias Brito irá relatar este acontecimento como sendo uma das páginas mais

tristes do terrível flagelo por ele presenciado, em que “pela manhã passavam uns após outros, formando verdadeiras fileiras, carregadores conduzindo mortos envoltos em redes, que gotejavam pus” (BRITO, 1966, p. 249; apud FILIZOLA NETO, 2008, p. 43).

Instalados em Fortaleza, Farias Brito participou, como ouvinte, das aulas do Liceu,

3.1 A formação de Farias Brito

Fonte: Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Raimundo_de_Farias_Brito.jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015.

Figura 2.7 | Retrato de Farias Brito.

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pois as matrículas já haviam sido encerradas. O seu pai incentivava muito os seus estudos e em 1880 ele concluiu a fase secundarista no melhor colégio de ensino público do Ceará. Terminou em menos de dois anos um curso que geralmente era feito em quatro ou cinco anos. E para ajudar nas despesas de casa, ainda como estudante, ele também já lecionava.

Terminada essa fase, a família se mudou para o Recife a fim de que Farias Brito pudesse realizar o sonho do seu pai: cursar direito na Faculdade do Recife e, posteriormente, participar da vida política e cultural da região, como era costume acontecer com a maioria dos egressos dessa conceituada faculdade.

Ao se preparar para tornar-se bacharel em Direito, Farias Brito se aproximou da filosofia e para ela despertou, tendo a oportunidade de debater e aprofundar muitas ideias, além de dedicar-se profundamente à leitura das principais obras dos maiores filósofos. Para Filizola Neto, o auge da reflexão filosófica de Farias Brito foi mais tarde. Diz ele: “Consideramos a fase principal de Farias Brito o período compreendido entre 1905 e 1914, quando seus escritos atingem um grau de maturidade e suas ideias se desenvolvem de forma mais afirmativa e com certa originalidade” (FILIZOLA NETO, 2008, p. 44).

O clima cultural da Escola do Recife era de grande efervescência, discutindo desde o positivismo, o evolucionismo e monismo até Kant. A proposta desta escola era vencer o conservadorismo reinante entre os acadêmicos brasileiros, e Farias Brito encontra ali a fase em que o debate filosófico foi mais acirrado, o que aconteceu entre 1870 e 1881. Além disso, também teve a oportunidade de ter, por dois anos, Tobias Barreto como seu professor.

A influência de Tobias Barreto foi rápida e impactante sobre Farias Brito, e logo surgiu uma recíproca admiração. Além do interesse pela filosofia, também comungavam o destino de serem retirantes e de terem origem pobre. Porém, não comungavam o mesmo temperamento, pois enquanto Tobias Barreto era carismático, expansivo e comunicativo, Farias Brito era prudente e acanhado, embora vencesse estas possíveis limitações quando discursava em público.

Por ser polêmico e não poupar ataques aos seus adversários, Tobias Barreto teve muitos desentendimentos; enquanto Farias Brito era partidário do trato suave e com isso conseguiu evitar alguns aborrecimentos, com Sílvio Romero, por exemplo, quando o criticou por ter uma compreensão equivocada do pensamento de Baruch Spinoza e, sutilmente, sugere erro tipográfico. O reconhecimento viria quando Sílvio Romero deu parecer favorável para que Farias Brito ocupasse a cadeira de Lógica do Colégio Dom Pedro II, após a morte de Euclides de Cunha. Lembrando que Euclides da Cunha havia se classificado em segundo lugar e Farias Brito em primeiro, mas o presidente da República, Nilo Peçanha, atendendo ao pedido do Barão do Rio Branco, havia nomeado o segundo colocado.

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Ao referir-se a Farias Brito, Clóvis Beviláqua (1977, p. 179) afirma:

Foi uma das mais nobres inteligências que tem tido o Brasil. A sua obra filosófica é, no gênero, a mais vasta e a mais profunda da nossa literatura. A “Finalidade do Mundo” é a crítica do pensamento filosófico. A erudição, nessa obra, é considerável e a probidade transparece em todas as páginas. Farias Brito é investigador, que vai às fontes, que não se contenta com informações de segunda mão. O resultado da sua crítica é que nenhum dos sistemas criados satisfaz, plenamente, a sede de verdade que o domina. [...] Eloquência, clareza, sagacidade, são qualidades, que dão aos trabalhos filosóficos de Farias Brito particular sedução. Mas o que lhe cria lugar à parte em nossa literatura é que ele foi, como salientou Nestor Vítor, o filósofo representativo da nossa gente.

Farias Brito é a síntese da experiência histórica de pensar do povo brasileiro. Em sua obra distingue-se claramente o problema da filosofia em sua historicidade. Trata-se da necessidade do conhecimento de si. Seu estudo crítico dessa instância do saber na era da ciência, o caráter metafísico desse estudo, não só incorpora e amplia as ideias apresentadas pelos seus antecessores no Brasil, especialmente Antônio Vieira, Gonçalves de Magalhães e Tobias Barreto, como confere à expressão “filosofia brasileira” um significado verdadeiramente filosófico (CERQUEIRA, 2011, p. 188).

Com base em sua obra A filosofia como atividade permanente do espírito humano, é possível inferir que Farias Brito pretendia – além de discutir os sistemas filosóficos, seus autores e suas obras – elaborar a sua própria filosofia, pois os seus escritos são bastante autônomos e independentes das ideias dominantes em sua instituição formadora. Diante disso, não seria exagero afirmar que ele contribuiu para que a reflexão brasileira desse um importante passo rumo à maturidade, ao tecer críticas ao pensamento francês e anglo-germânico muito presentes nos círculos acadêmicos da segunda metade do século XIX.

Dirá Luiz Alberto Cerqueira, coordenador do Centro de Filosofia Brasileira da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que

Depois de formado em Direito, Farias Brito retornou ao Ceará e se tornou

3.2 A carreira de Farias Brito

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promotor público em Viçosa e ali, próximo da serra onde havia nascido, também se dedicou ao ensino e à filosofia. Depois de um desentendimento com o juiz e buscando melhores condições de sucesso profissional e político, pediu transferência e foi para a comarca de Aquiraz.

Em certa ocasião o Presidente da Província, Antônio Caio Prado, visitou aquela localidade e coube a Farias Brito fazer-lhe a saudação, o que acabou impressionando o presidente, que em seguida lhe convidou para integrar o seu governo. Próximo da capital, ele começou a se envolver nos movimentos literários e acabou participando do Clube Literário.

As publicações que Farias Brito fez nessa época versavam sobre temas como o indivíduo, a natureza e o conhecimento, por exemplo, posicionando-se criticamente com relação ao cientificismo da época, contrariando a maioria dos membros do Clube Literário. Isso não significa que ele negasse o papel que a ciência devia ocupar, antes, porém, buscando mostrar que não se podia atribuir caráter absoluto e inquestionável às afirmações científicas.

Nessa época surgem iniciativas para instruir os operários ministrando-lhes aulas à noite, contrariando as correntes de pensamento conservadoras e angariando a simpatia e o apoio da maçonaria local. Mas logo em seguida as posições antagônicas se unem em prol de um ideal maior, o fim da escravidão no Ceará.

O Clube Literário visava, entre outras coisas, incentivar o nível cultural do povo cearense e com esse intuito participou das comemorações do primeiro centenário da Revolução Francesa, em 1889. Nessa ocasião foi possível perceber a hegemonia da burguesia e dos valores capitalistas enquanto herdeiros das revoluções Francesa e Industrial.

Dentre os vários artigos escritos por Farias Brito nessa época, podemos encontrar um sobre psicologia etnográfica, a qual pressupõe que “em quaisquer condições que diferentes indivíduos formem um grupo social, constituindo uma sociedade, sai do consenso de todos os espíritos individuais um espírito comum que se torna ao mesmo tempo a expressão, a lei, e órgão de todos” (FILIZOLA NETO, 2008, p.54s).

Ele se posiciona criticamente diante dessa corrente que defende a existência de um espírito objetivo, afirmando ser um absurdo conceber a existência de um espírito apartado da natureza, sendo esse a face interna das coisas, a manifestação subjetiva da energia dos seres. Para ele, não poderia haver uma substância sem corpo. Já se leem nas entrelinhas desse seu trabalho os prenúncios de uma nova metafísica que ele chamará de naturalista.

Com relação ao cientificismo, conforme já mencionamos, após constatar os avanços tecnológicos do século XIX e a forte tendência de só se aceitar como conhecimento aquilo que for seguro e incontestável, prescindindo do valor do

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conhecimento em si e priorizando as aplicações práticas das descobertas e invenções, Farias Brito enfatiza o papel relevante da poesia como necessidade da existência humana. Na poesia, segundo ele, se concentravam todas as forças da alma rumo ao predomínio do bem, superando a realidade acanhada com a harmonia do ideal. Naquela época a parte oriental da Europa estava fortemente influenciada por uma poesia de viés realista e tendências pessimistas, possivelmente seguindo a tônica de Arthur Schopenhauer.

Para Filizola Neto (2008, p. 56),

Além do Clube Literário, Farias Brito também participou do Centro Literário, caracterizado pelo ecletismo cultural e pela relação conflituosa com o poder oligárquico dominante (FILIZOLA NETO, 2008, p. 58); e, em 1894, foi membro-fundador da Academia Cearense de Letras, onde apresentou seu primeiro trabalho filosófico sistematizado, com o título A Filosofia como Atividade Permanente do Espírito Humano.

[...] Schopenhauer também exerceu influência sobre Farias Brito, mas o filósofo cearense sempre mantém uma posição crítica em relação às ideias do filósofo alemão. O distanciamento crítico em relação às ideias europeias foi a marca de nosso filósofo. Enquanto a jovem geração intelectual cearense da segunda metade do século XIX, e mesmo os arautos da Escola do Recife, aderiam quase incondicionalmente ao positivismo, ao evolucionismo, ao monismo e ao kantismo, Farias Brito se tornou um crítico contundente, bem informado e articulado das novas ideias que por aqui aportavam, pois ele mergulhou decisivamente na compreensão de tais ideias para situar-se no mundo.

Sobre o Centro Literário“[...] Foi um grupo como dezenas de outros que pululavam no Ceará em fins da centúria passada; na verdade, além de haver quebrado a quase tradicional transitoriedade da maioria dos agrupamentos de intelectuais, o Centro conseguiu manter uma revista, a Iracema (criada em 1895 e que, segundo Dolor Barreira, ‘parece ter-se mantido somente até fins de 1896, durante dois anos, portanto’), publicou livros, e acima de tudo reuniu nomes da maior significação em nossas letras, como [...] Farias Brito, que contribuíram generosamente com o prestígio de seus nomes para a criação do grêmio” (AZEVEDO, 1995, p. 193s).

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Farias Brito era um homem envolvido com os problemas da sua época, livre de preconceitos e intolerâncias com ideias e crenças. Embora não fosse um católico assíduo e praticante e até tivesse dificuldades em aceitar alguns dogmas, mantinha a sua religiosidade exaltando, sobretudo, os aspectos éticos a ela pertinentes. Diz ele: “olho com soberano desprezo para a impiedade banal de muitos supostos homens de ciência, ao passo que nunca deixarei de me curvar reverente ante o valor moral do ensino de Jesus” (FARIAS BRITO, 1966, p. 262).

Uma das grandes empreitadas de Farias Brito foi lutar pela criação de cursos superiores no Ceará, sobretudo na área jurídica, engajando-se na luta pela criação da Faculdade de Direito. Depois de criado o curso ele não foi incluído entre os seus professores, e nessa ocasião muda-se para o Pará, para a cidade de Belém. Se em função ou não da sua exclusão do quadro de professores, é difícil precisar. A maioria dos docentes e administradores da faculdade recém-criada estava ligada ao governador efetivo Nogueira Accioly, político influente na época. Efetivo porque o governador eleito era Pedro Borges, mas Nogueira Accioly era quem detinha o poder. Por sugestão de Accioly foram fechadas 90 escolas primárias a fim de viabilizar os recursos para a criação da faculdade.

Accioly foi governador do Ceará por 16 anos, de 1896 até ser deposto em 1912. Em 1891 o Brasil mudou o sistema de votação, passando do voto censitário para o voto de alfabetizados. De 1824 até 1891 o nosso país praticava o chamado voto censitário, o qual permitia direito a voto apenas às pessoas que tinham dinheiro. Essa lei foi substituída dando direito ao voto aos homens maiores de 21 anos e alfabetizados. Ao se fechar as escolas primárias, o Governador Accioly diminuía o número de pessoas alfabetizadas e, consequentemente, o número de eleitores, assim ficando mais fácil manipular as eleições.

Rodolpho Theophilo descreveu a administração de Nogueira Accioly da seguinte maneira:

3.3 As realizações de Farias Brito

A sua administração teria sido regular atentas as condições em que recebeu o Ceará, se não fossem dois atos seus que a macularam. Um deles a supressão de 90 escolas primárias para criar uma Faculdade Livre de Direito, absurdo este exigido pelo Sr. Nogueira Accioly, para fazer bacharéis a dois filhos seus, genro, muitos parentes e o Sr. Cracho Cardoso [...]. O que importa ao Sr. Accioly que centenas de crianças pobres ficassem sem aprender a ler, se assim era preciso para que seus filhos fossem doutores? (THEOPHILO, 2001, p. 12s).

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A primeira incursão de Farias Brito na política foi na campanha abolicionista, se fazendo presente junto à Sociedade Cearense Libertadora, desde dezembro de 1880, por ocasião de sua inauguração quando, inclusive, é uma das personagens que discursa em favor da libertação dos escravos. Entre outros, escreveu os versos Cantos de Liberdade, onde empunha a bandeira abolicionista. A maioria dos intelectuais que defendiam a abolição também aderia às ideias cientificistas, mas Farias Brito não é fervoroso defensor destes ideais, como já assinalamos. Desse modo, guiado por seu senso crítico e busca de autonomia intelectual, vai buscar na filosofia moderna contemporânea elementos que lhe permitam constituir uma nova metafísica.

A política era uma atividade que atraía muito os jovens intelectuais cearenses, sobretudo os mais pobres, pois poderia se configurar em possibilidade de ascensão social. Efetivamente, Farias Brito participou da política desempenhando por cerca

Mesmo morando em Belém, Farias Brito tentou fazer frente aos desmandos de Accioly, mas a imprensa escrita lhe disponibilizava espaço apenas para as reflexões filosóficas. Também tentou contrapor-se à tendência cientificista, principalmente das correntes positivista e evolucionista, mas não obteve tanto êxito quanto pretendia. O professor de Filosofia do Direito, Soriano de Albuquerque, adepto do cientificismo, ganhou mais destaque na consolidação da Faculdade de Direito do Ceará.

Desde 1894 Farias Brito se opunha às correntes que defendiam a objetividade desprezando as dimensões subjetivas e artísticas do conhecimento. Também se contrapunha à negação, por parte de Augusto Comte, da validade da metafísica. Contudo, se ressentia de que a filosofia dificilmente encontrava espaço na intelectualidade brasileira, e não se tinha estímulos à pesquisa e nem mesmo alguém que se dispusesse a objetar as suas ideias para assim viabilizar um bom e

produtivo debate filosófico.

O interesse filosófico de Farias Brito era mais por questões existenciais e metafísicas, possivelmente influenciado por seu professor, Tobias Barreto, no afã de mostrar que o Brasil tinha possibilidade de desenvolver uma filosofia nacional. Segundo Tobias Barreto, provar que o Brasil não tinha cabeça filosófica era como dizer que o sol não é frio. Clóvis Beviláqua irá reconhecer Farias Brito como o grande incentivador da reflexão filosófica em território brasileiro.

3.4 Farias Brito e a política

Fonte: Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Nogueira_Accioli.jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015.

Figura 2.8 | Retrato de Nogueira Accioly.

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de um ano a função de Secretário de Governo do Presidente da Província Antônio Caio da Silva Prado. Mas o interesse dele era dedicar-se mais à Filosofia do que à política, embora tenha reavivado seus ideais políticos por ocasião da proclamação da República, ao acreditar que mudanças substanciais iriam acontecer. Infelizmente, logo se desilude desse novo cenário político nacional e percebe que até tinha sido ingênuo por acreditar na propaganda republicana.

Desiludido com o Centro Republicano, passou a participar do Clube Democrático e também do Partido Operário, o qual reunia profissionais liberais e trabalhadores, onde, mesmo não participando da direção do partido, participa como advogado da classe operária. Além disso, também colaborava com o jornal Cearense, fazendo frente ao governo oligárquico de Accioly e ao poder estabelecido.

Em 1891, agora tendo por presidente da província do Ceará o general Clarindo de Queiroz, Farias Brito volta o ocupar um cargo político atuando como Secretário do Interior. Entre outras atribuições dessa secretaria estava a responsabilidade pelo ensino público, bibliotecas, museus, institutos, colégio e associações artísticas e literárias. Esta atuação também não foi longa, pois o presidente da República, marechal Deodoro da Fonseca, foi obrigado a renunciar e junto com ele caiu o general Clarindo.

Depois de resistir o quanto pôde, apresenta a sua renúncia. O manifesto de renúncia assinado pelo general teria sido redigido por Farias Brito, o qual enaltece a sua resistência “e denuncia o poder ditatorial que estava se instalando no país, sob o comando de Floriano” (FILIZOLA NETO, 2008, p. 89). Critica de um lado a ditadura do marechal Floriano, mas nem sequer faz menção à ditadura do seu antecessor, o marechal Deodoro, o que poderia ser indicativo de que a redação do manifesto não teria sido feita exclusivamente por Farias Brito.

O professor Júlio Filizola Neto (2008, p. 90) nos lembra que

Com a queda de Clarindo de Queiroz, Farias Brito foi perseguido e teve que se esconder por várias semanas. A desilusão com a República nascente, que um dia saudara entusiasticamente em versos, o afasta da carreira política e passa a dedicar-se, com mais empenho, ao estudo e ao ensino; assim como Platão fizera diante da condenação de seu mestre Sócrates, e das injustiças praticadas pelos representantes do partido aristocrático.

O conturbado cenário político que se desdobra na vida de Farias Brito entre 1889 e 1992 parece adentrar também em sua vida pessoal. No dia 02 de dezembro de 1893, Farias Brito se casou com Ana Augusta Bastos. No dia 17 de fevereiro de 1895 nasceu o primeiro filho, mas este veio a falecer com apenas dez meses de vida, no

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dia 08 de dezembro do mesmo ano. Ele relata que o filho faleceu às três horas da manhã do mesmo dia em que aprendeu a falar “mamãe”. Com dois anos e meio de casado ficou viúvo, no dia 11 de junho de 1897, às seis horas da manhã, faleceu a sua Nanoca, como ele a chamava.

Devido à sua boa oratória Farias Brito acabou se tornando o orador oficial da Academia Cearense e também da Associação Comercial do Ceará, chegando a ser chamado de Tribuno do Comércio. Também foi ímpar a contribuição da sua eloquência quando da criação da Faculdade Livre de Direito do Ceará. Contudo, quando ela foi fundada, em 1903, ele já estava vivendo em Belém do Pará.

Em Belém ele tem uma vida de muita produção e trabalho, atuava como professor, advogado, promotor público e escritor. Ainda assim ele encontra tempo para se opor ao governo cearense, mas infelizmente sem poder contar com o apoio dos conterrâneos cearenses que residiam no Pará e sem poder contar com o apoio da imprensa. Em algumas correspondências da época dá para perceber que ele ainda nutria o desejo de retornar à sua terra natal e envolver-se mais na política.

Desilude-se da política após a eleição de Accioly e então passa a dedicar-se mais à filosofia e seu ensino, bem como ao trabalho de promotor e advogado. Voltará e ter participação política quando já está morando no Rio de Janeiro e se envolve na Campanha Civilista em favor de Rui Barbosa. Em duas audiências públicas que teve com o então presidente da República, o marechal Hermes da Fonseca, pede a este que renuncie para evitar uma ditadura militar e até mesmo uma guerra civil.

Em 1911 um grupo de intelectuais cariocas cogitou lançar o nome de Farias Brito para concorrer a uma vaga de deputado pelo Partido Republicano Liberal. Porém, ele acabou desistindo da candidatura. Nessa época escreve muitos artigos aos jornais e revistas propondo que Rui Barbosa é o legítimo presidente da nação e Hermes da Fonseca um usurpador. Além disso, mesmo morando no Rio de Janeiro, ele continuava a acompanhar a política cearense. Em 1915 o seu nome é novamente citado para concorrer a uma vaga à Câmara Federal e desta vez ele não desiste, porém não conseguiu ser eleito. Houve indícios de fraude na eleição e ele entrou com recurso, mas o mesmo não foi deferido.

Em 1901 Farias Brito perdeu o seu ícone e baluarte, o pai Marcolino José de Brito. Antes da morte do pai ele pediu permissão para casar pela segunda vez, pois a sua primeira esposa, antes de morrer, lhe fez jurar que se dedicaria apenas à filha do casal e que não se casaria novamente. O pai lhe deu a permissão e ele se casou com uma ex-aluna, Ananélia Alves, no dia 29 de setembro de 1901. Ele com 39 anos e ela com 19.

3.5 Desfechos familiares e morte

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Em 1902, como já dissemos, mudou para o Pará e ali contou com a amizade do governador do Estado, Dr. Augusto Montenegro, ex-colega na Faculdade de Direito do Recife. Morou em Belém por sete anos e considerou esse tempo os melhores de sua vida. No Pará se envolveu na defesa do padre Júlio Maria e nessa ocasião teve a oportunidade de demonstrar a sua compreensão do positivismo, angariando a simpatia dos intelectuais paraenses.

O padre Júlio Maria defendia a participação da Igreja no mundo social e político. Farias Brito procura ser imparcial, mas mesmo assim se diz mais próximo do padre do que do positivismo. Ambos aceitam o positivismo, mas a partir de premissas bem diferentes. Lembra ainda que enquanto Augusto Comte condenava expressamente o militarismo, os positivistas brasileiros, em sua maioria, eram militares. Além desta polêmica, Farias Brito vai se envolver em outra com Luís Barreiros, sobre o evolucionismo.

Para Farias Brito a verdade não é absoluta e o papel da filosofia não é a posse, mas a busca da verdade. No campo político ele sustenta que o Estado só tem legitimidade se reconhecer o poder da consciência coletiva, assim pactuando com o direito de rebelião contra poderes despóticos.

A sua vida profissional estava muito bem na capital paraense, com boa situação financeira, prestígio social e intelectual. A vida pessoal também lhe rendia muito contentamento, pois do segundo casamento teve três filhas. Mas apesar da estabilidade ele queria experimentar novos nichos culturais e acreditou que na capital federal obteria maior reconhecimento por suas contribuições. Foi quando resolveu participar do concurso de lógica, do Colégio Dom Pedro II, no Rio de Janeiro, já relatado aqui.

Inicialmente ele sofreu muito no Rio de Janeiro, não só porque teve de passar por uma grande humilhação, pois mesmo tendo sido classificado em primeiro lugar no concurso, não foi contratado, mas o segundo lugar, Euclides da Cunha, o foi, mas também porque o reconhecimento que esperava encontrar ali, não veio de imediato, ou, talvez possamos dizer, nunca veio. Deixou uma vida estável e segura e agora tinha de lutar para angariar o sustento de 13 pessoas que o acompanhavam, além do próprio sustento. No dia 15 de agosto de 1909 tragicamente morre Euclides da Cunha e Farias Brito assume o cargo no Colégio Dom Pedro II, que já deveria ser seu, e o exerceu até a sua morte, em 1917.

Ele tinha muitos projetos para desenvolver no Rio de Janeiro, a capital da nação, mas, ao eclodir, a Primeira Guerra Mundial deslocou o foco da atenção para a Europa e o momento ficou sendo apenas de expectativas e de projetos suspensos. Além disso, encontrou dificuldades para publicar os seus artigos nos jornais cariocas.

O tom de seus escritos nessa época é bastante polêmico e agressivo, voltando seus escritos e discursos, inclusive, contra aquele que até pouco tempo atrás ele

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defendia ardorosamente, Rui Barbosa, considerado agora por ele como o maior dos nossos sofistas. Talvez o seu novo estilo seja devido aos insucessos políticos e acadêmicos, dentre eles podemos citar a preterição no concurso de lógica e a perda da cadeira para a Academia Brasileira de Letras.

No Rio de Janeiro nutre amizade profunda com Jackson de Figueiredo (1891-1928), um fervoroso militante da Igreja Católica. A amizade deles foi intensa, Jackson se tornou o melhor amigo de Farias Brito no Rio de Janeiro e há até quem diga que no fim da vida Farias Brito teria se tornado mais católico em virtude dessa amizade. Contudo, há quem negue tal catolicização de Farias Brito. Por outro lado, tampouco Jackson de Figueiredo se tornou seu discípulo.

Farias Brito sempre se demonstrou um pensador que elaborava suas reflexões debruçando-se sobre questões existenciais, destacando-se dentre elas a

questão da morte e do sentido da vida. Parece que uma das maiores frustrações de Farias Brito foi a de não ter deixado nenhum discípulo para dar sequência ao seu pensamento. Teve esperanças de fazer Jackson de Figueiredo se tornar seu discípulo, mas este tendia mais para a filosofia de Blaise Pascal.

Farias Brito faleceu no dia 16 de janeiro de 1917, de hemoptise. Sua filha assim relatou a sua morte:

Fonte: Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Euclides_da_Cunha#/media/File:Euclides_da_Cunha.jpg>. Acesso em: 19 mai. 2015.

Figura 2.9 | Retrato de Euclides da Cunha.

Às vezes papai chegava-se a nós, olhava-nos num sorriso e dizia: vou viver cem anos! No dia 16 de janeiro de 1917 tivemos o mais triste dia de nossa infância... Quando estávamos em volta da mesa havia muita alegria, apenas sentimos a ausência de papai que estava acamado. Num dado momento fui vê-lo no quarto. Estava deitado com a cabeça no travesseiro e lençóis de linho alvo cobriam-lhe o corpo franzino e magro. Estava pálido e silencioso. À noite tivera uma notícia alegre. Recebera um telegrama de Paterson, grande escritor argentino, achando que Farias Brito e Jackson de Figueiredo eram os maiores filósofos da América. Mais tarde, após grande hemoptise, meu pai morreu (CASTRO, 1992, p. 10).

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O professor Júlio Filizola Neto sustenta em sua tese de doutorado que o “entusiasmo com a amizade com Jackson de Figueiredo faz Farias Brito rechaçar a ideia de um personagem de Ibsen, segundo o qual o homem mais poderoso do mundo é o mais isolado, aquele que conseguiu poder viver absolutamente só” (FILIZOLA NETO, 2008, p. 132).' Aqui podemos refletir sobre o sentido da vida, ou dos valores que a vida nos apresenta. Parafraseando o Evangelho: De que vale ao homem ganhar o mundo inteiro se vier a perder a sua alma? Ou seja, de que vale tantas conquistas se a mais desejada não é alcançada? Se o sonho de Farias Brito era ter discípulos, talvez possamos nos perguntar: morreu realizado ou morreu frustrado?

1. Para ser coerente com os ensinamentos do mestre Tobias Barreto, Farias Brito precisaria discordar dele, pois ele ensinava que era necessário que cada um desenvolvesse a sua própria filosofia.

A filosofia desenvolvida por Farias Brito pode ser chamada de:

a) Cientificismo, pois ele defende que a ciência é a melhor resposta acerca do pleno funcionamento do mundo.

b) Culturalismo, pois para ele o homem é fruto mais da cultura do que propriamente da natureza.

c) Naturalismo, pois para ele seria um absurdo conceber a existência de um espírito apartado da natureza.

d) Evolucionismo, pois entendeu que as ideias de Darwin e Spencer precisariam ser adaptadas à realidade brasileira.

2. Dentre as características presentes no pensamento filosófico de Farias Brito é possível encontrar aquelas que mais

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revelam os seus valores e interesses e, portanto, podem ser enquadradas numa perspectiva de originalidade.

Considere:

I – Farias Brito desenvolve suas reflexões levando em conta a vivência concreta das pessoas e se debruça sobre questões existenciais.

II – Farias Brito foi um fervoroso defensor das teorias de Augusto Comte, pois as suas ideias figuravam entre as que mais promoviam o progresso humano e científico no século XIX.

III – Farias Brito entendia que o papel da filosofia era a busca permanente da verdade, mais do que a sua posse.

IV – Farias Brito era um homem religioso, embora não fosse dogmático, pois exaltava o aspecto ético das religiões.

Estão corretas apenas as alternativas:

a) I, II e III.

b) II, III e IV.

c) I, II e IV.

d) I, III e IV.

Nessa unidade nós vimos que:

a) O nosso país foi profundamente afetado pela filosofia europeia do século XIX, de modo especial, pelo positivismo.

b) Que a Faculdade de Direito do Recife tornou-se a porta de entrada da reflexão filosófica em nosso país, a qual se deu muito vinculada ao direito.

c) Um grupo de intelectuais tenta se contrapor à aceitação pacífica das filosofias europeias, destacando-se Tobias Barreto e Farias Brito.

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d) O pensamento crítico-reflexivo de Tobias Barreto passa por fases, indo desde o rompimento com o ecletismo espiritualista e da adesão parcial ao positivismo, passando pela fase de rompimento com o positivismo e finalmente a fase de adesão ao neokantismo.

e) Tobias Barreto se destaca na Escola do Recife como intelectual ligado à questão filosófica e desenvolve a corrente culturalista, sustentando que alguns valores que nos são apresentados como naturais na verdade são culturais.

f) Farias Brito segue as pegadas de Tobias Barreto e desenvolve uma filosofia humanística com reflexões existencialistas.

g) Para Farias Brito é inconcebível um espírito objetivo, separado da natureza.

1. (Questão extraída e adaptada a partir do concurso para professor de Filosofia – SEDUC – Piauí – FUNADEPI – 2010).

Sobre o desenvolvimento e algumas características da Filosofia no Brasil, assinale a opção correta.

a) O Ecletismo foi uma corrente de traços materialistas caracterizada pela adoção de várias teorias filosóficas em busca de identidade para um pensamento filosófico genuinamente brasileiro.

b) A Filosofia no Brasil desenvolveu-se somente a partir da fundação da USP, quando a tradição de se fazer filosofia pela história passou a ser o modelo de formação predominante dos filósofos nacionais.

c) Nas últimas décadas, a Filosofia brasileira se tornou majoritariamente acadêmica, pois os números da Pós-Graduação em Filosofia revelam um grande crescimento da produção nacional e mostram uma variedade temática que vai do Empirismo à tradição analítica, passando pelo idealismo alemão, pelos estudos nietzscheanos, marxistas, fenomenológicos, e pela

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2. (Questão extraída e adaptada a partir do concurso para professor de Filosofia – SEDUC – Piauí – FUNADEPI – 2010).

Um dos problemas que aparecem com certa frequência quando se trata da Filosofia brasileira é a questão da "originalidade" do pensamento que se produz no cenário nacional.

Sobre essa questão, é correta a seguinte alternativa:

a) A preocupação com a originalidade só faz sentido se concebermos que as produções filosóficas nacionais possuem características tais que comprometem o próprio conceito de Filosofia, impossibilitando assim uma classificação de nossa produção junto à Filosofia produzida em outras partes do mundo.

b) É imprescindível a definição de uma filosofia nacional cujo tema seja o problema do desenvolvimento de uma cultura autônoma, tendo em vista o papel condutor que um conhecimento filosófico desempenha na modificação da estrutura social.

c) A originalidade da filosofia brasileira consiste na sua tentativa de incorporação à filosofia universal através da produção de obras exegéticas e comentários qualificados da filosofia alemã, francesa, inglesa e americana.

d) É irrelevante a tentativa de se produzir uma filosofia autenticamente nacional, pois um país subdesenvolvido como o Brasil ainda não reúne condições estruturais para uma produção filosófica de reconhecimento internacional.

3. (Questão extraída e adaptada a partir do concurso para Professor de Filosofia - INES - RJ - Magnus – 2014) Numa entrevista em 2007, o pensador brasileiro Mário Ferreira dos Santos (1907 - 1968) respondeu à seguinte pergunta: Pode-se falar numa Filosofia de Portugal ou apenas numa Filosofia em Portugal? A seguir a resposta de Mário Ferreira:

produção em História da Filosofia.

d) No século XX, a filosofia brasileira foi inspirada pelo Positivismo de Augusto Comte, corrente que defende a superioridade da filosofia em relação ao conhecimento científico e advoga a independência temática e metodológica entre os dois tipos de saber.

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"Pode-se falar, sim, numa Filosofia de Portugal e também numa Filosofia em Portugal. Ainda hoje, "famosos professores de Filosofia" em Portugal dizem que é impossível criar-se uma Filosofia autóctone naquele país. [Assim também] Podemos dizer que existe uma Filosofia no Brasil, mas se quiséssemos realmente falar numa Filosofia do Brasil, tal afirmação exigiria exame. Não conhecemos obra de criação propriamente peculiar. Se estamos tentando realizar algo nesse sentido, não podemos afirmar, por motivos óbvios, que o seja. Podemos dizer que, pela nossa completa libertação de um passado metafísico, filosófico, histórico, que pese sobre nós e entrave as nossas possibilidades de ação, estamos em condições de criar uma Filosofia Ecumênica, uma Filosofia que seja realmente a Filosofia, por entre os muitos modos de filosofar".

(Disponível em: <http://www.tirodeletra.com.br/ensaios/MarioF.Santos-Entrevista.htm>)

Sobre a filosofia brasileira podemos afirmar:

a) Hoje em dia há uma produção filosófica brasileira expressiva e crescente.

b) Nunca houve uma Filosofia do Brasil, mas uma Filosofia no Brasil.

c) Mário Ferreira ainda tem razão, devemos examinar melhor a questão.

d) Para afirmar uma Filosofia do Brasil devemos fortalecer o ensino de Filosofia.

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Referências

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Unidade 3

SOCIOLOGIA NO BRASIL: HISTÓRIA E DESAFIOS

Trazendo por um fio condutor as reflexões que vão dar origem na sociedade moderna à sociologia, tal como a conhecemos hoje. Quem são os primeiros pensadores que imaginaram que a nossa reflexão tem o poder de definir as ações sociais.

Veremos quem são os indivíduos que diante da realidade brasileira acenderam um candeeiro capaz de dar ao cidadão a autonomia que lhe permite pensar a sociedade não apenas como coadjuvante.

Na atualidade, quais são os principais desafios encontrados na sociedade brasileira que impedem que o indivíduo se reconheça como capaz de pensar, refletir e deixar de ser espectador de sua vida.

Seção 1 | Sociologia histórica

Seção 2 | Sociologia no Brasil

Seção 3 | Sociologia e seus desafios modernos

Objetivos de aprendizagem: Transmitir os conceitos capazes de possibilitar uma introspecção aos assuntos

referentes à sociedade, quando estes conceitos afetam ou não as minhas decisões e sobre eles debruçar-se em uma reflexão para avaliar sua valorização social. Desenvolver a percepção dos indivíduos em reconhecer que na sociedade atual, o indivíduo, embora esteja sendo bombardeado de informações prontas e acabadas, não pode furtar-se ao direito de refletir sobre elas e decidir sobre aquilo que convém para suas relações com a sociedade e com as pessoas.

Claudiane Ribeiro Balan

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Introdução à unidade

Olá, caros alunos, é com muita satisfação que nesta unidade iremos tratar de conhecer um pouquinho sobre a sociologia em nosso Brasil. Tenho certeza de que o tema, embora pareça muito novo em relação aos demais conteúdos, veremos que é muito prazeroso o assunto que nos será apresentado. Veremos que a sociologia brasileira vai divergir um pouco da sociologia do mundo tal qual nós estudamos até agora. Não teremos os catedráticos que desejavam mudar a sociedade, mas aqueles que se apresentam a nós com ideias a serem levadas para a reflexão, e com estas reflexões tornar a sociedade um pouco mais crítica. Mudar a sociedade nessa altura já é um pensamento ultrapassado, hoje temos inúmeras situações e interferências tecnológicas que atravessam o pensamento sociológico, então precisamos somente reaprender a pensar e refletir, com a finalidade de nos tornarmos pessoas melhores, críticas e com conhecimento capaz de tomar decisões.

Pasmem, mas o mundo atual nos traz ideias prontas e acabadas, as quais precisamos apenas incorporá-las, mas isso é um perigo, visto que com nossa pressa e urgência cotidiana, estamos deixando de lado valores essenciais para a vida em sociedade. Em nome de uma agilidade, em nome da falta de tempo, em nome da facilidade, deixamos de decidir sobre nosso próprio futuro. Fazemos o que todo mundo está fazendo, escolhemos o que todo mundo está escolhendo e aceitamos tudo sem maiores questionamentos, afinal, não queremos nada que nos dê mais trabalho.

Na verdade, desaprendemos a pensar, a refletir sobre as nossas próprias vidas, o computador está fazendo isso por nós. É desta forma que muitas pessoas atualmente estão fazendo, apenas esquecendo que os valores sociais, estes sim, mudam uma sociedade. E com este pensamento, quando os indivíduos se derem conta, cadê a sociedade? Seremos todos programáveis. Então nossos sociólogos brasileiros vêm resgatar na nossa sociedade atual esta propriedade que é apenas do ser humano: refletir.

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Seção 1

Sociologia histórica

O ato de pensar e de refletir não é uma condição humana na sociedade moderna, ele remonta desde os primórdios, quando o homem começava a viver em sociedade, embora de forma extremamente rudimentar. Mas ele buscava formas de entender como se relacionar e como realizar suas necessidades mais básicas, entendendo que deveria haver algumas ações que fossem um ritual, mostrando-se iguais e comuns a muitos indivíduos. Então estava estabelecida uma conduta social.

1.1 O padrão sociedade

Será que a sociedade sempre foi composta de forma organizada e padronizada? Pois é, não mesmo, mas isso não é ruim, serve para que possamos apreciar como nós, humanos, somos capazes de evoluir. Por termos tido, no início da sociedade, diversas dificuldades, os primeiros filósofos buscavam uma explicação simples, uma forma de expressar o estado de caos e ordem dentro da sociedade. Nesta época os filósofos eram inspirados a se ater a estas reflexões, pelos deuses, pois estes eram suas representações de ordem e perfeição. A partir disto, entendia-se então todas as ordens das demais condições e relações entre os indivíduos, uma explicação dos diversos contraditórios.

É uma questão bastante comum acharmos que a sociologia começou nesta fase primária da sociedade, mas não, a filosofia é que nasceu aí, mas temos que respeitar esse passado histórico, onde renomados filósofos, como Sócrates, Platão, Aristóteles, tiveram inumeráveis contribuições que, com o passar dos anos, foram sendo refinadas e testadas. As afirmações filosóficas foram provadas pela reflexão exaustiva e hoje as conhecemos como normas e padrões que regem a nossa sociedade.

Platão valorizava os métodos de debate e conversação como formas de alcançar o conhecimento. De acordo com Platão, os alunos deveriam descobrir as coisas superando os problemas impostos pela vida.

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De Aristóteles temos a definição no campo das ações éticas. Onde a ética tem valor de ação, e a ação humana não só é definida pela virtude, mas também pelo bem e pela obrigação, pertencem àquela esfera da realidade na qual cabem a deliberação e a decisão ou escolha. Essa definição foi sendo tratada e pensada através dos anos, e hoje chegamos à definição de homem virtuoso. É certo que a história da filosofia não está finalizada, ela se apresenta em discreta e silenciosa caminhada nos idos da sociedade moderna.

Para Sócrates, as nossas ações devem expressar a nossa liberdade de decisão, só somos completos quando passamos a ter a possibilidade de escolher de acordo com aquilo que nos faz felizes. E nesta definição só podemos ser felizes quando estamos num convívio social, pois aí sabemos o valor da satisfação, uma vez que para tomarmos a decisão de nossas vidas devemos fazer uso da razão, esta razão que é defendida por Sócrates, e serve para contextualizar a decisão tomada perante a sociedade.

Platão é outro filósofo que marcou o momento inicial de todas as discussões e descobertas da sociedade enquanto meio de convívio entre os indivíduos. Em seus ensaios reflexivos ele nos traz o conceito dos valores reais que nos induzem a tomar as decisões, se nossas decisões seguem de fato uma razão coerente com a realidade apresentada. A discussão de Platão leva para o social as decisões que são motivadas pelo coletivo, e não porque de fato expressam a vontade individual, apontam para as verdadeiras razões que devem motivar a ação do indivíduo.

Então estes são alguns dos mais conhecidos filósofos que começaram a mexer com o mundo das ideias e fazê-las representativas no mundo das relações sociais. Sem eles não teríamos hoje a sociologia como tal, foi neste berço filosófico que se deram as condições de percebermos a sociedade como um grande e rico objeto de estudo.

Aristóteles se preocupou menos com hipóteses de uma sociedade ideal e mais com um estudo dos sistemas políticos e leis existentes em sua época. Aristóteles pensou uma sociedade que não fosse nem totalmente democrática e nem totalmente aristocrática: a política permitiria que os conflitos entre ricos e pobres pudessem ser amenizados.

1.2 O início

Foi a Revolução Francesa o estopim que deu aos iluministas, filósofos que

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almejavam uma forma de transformar a sociedade, argumentação que embasaria a propagação da ideia de liberdade e igualdade entre os indivíduos, sendo mostrada através da demonstração da irracionalidade e das injustiças de algumas instituições. Essa forma, na verdade, descobriu-se bem mais tarde ser também um falso dogma, neste cenário oportuno constrói-se uma condição favorável a um estudo científico da sociedade.

O século XVIII foi de fato um momento oportuno para as transformações, possibilitando ao homem analisar a sociedade, um momento novo para se definir um objeto de estudo, isso graças às revoluções Industrial e Francesa, que redefiniram completamente o trajeto que a sociedade estava percorrendo naquele momento. Com a Revolução Industrial, consolidou-se o capitalismo, uma nova forma de relações sociais e de trabalho, a falência de alguns costumes e instituições, a autonomia das diferentes classes sociais, o aumento de números de suicídios, prostituição e violência, a constituição de um proletariado, etc. Todas essas novas situações, que até então não estavam previstas na ordem natural das sociedades, vão, gradativamente, alterando o pensamento moderno, que vai se tornando mais racional e científico, modificando aquelas explicações teológicas, filosóficas e de senso comum que davam um ar muito fluido à sociedade. As situações agora são muito mais reais e palpáveis.

Foi Augusto Comte quem primeiro sinalizou para o termo sociologia a fim de esboçar uma nova ciência. Comte não fez nada muito esplêndido, apenas uma fusão de dois conceitos, socius e logos, traduzindo, sociedade e conhecimento, que em uma expressão única forma: sociologia. Nasce uma nova ciência, que a partir de agora dedica-se ao estudo da sociedade, como uma aurora que traz a expressão de uma nova situação, o positivismo, embora muitos considerem Comte como filósofo e não um cientista social inovador. Mas a verdade é que ele superou a todos de sua época, pois sua linha de raciocínio foi a mais coerente e promissora dentre os que participaram desta mesma fase. Ele demonstrou estar na mesma linha dos teóricos do século XIX, que aspiravam à estruturação de um grande sistema que abrangesse a compreensão do passado e a interpretação do presente na civilização humana, apontando a um futuro. Estes representaram então o idealismo. Uma ilusão óbvia.

A Revolução Francesa foi um dos acontecimentos mais importantes da história contemporânea do Ocidente. Todos os homens poderiam exercer o poder. Mas para isso era necessário criar instituições que garantissem esse exercício.

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A Revolução Industrial, ocorrida na Europa no século XVIII, mudou radicalmente a estrutura da sociedade. Homens passaram a ser substituídos por máquinas, que produziam mais e custavam muito menos.

Entretanto, contextualizando historicamente o desenvolvimento da sociologia, é inegável o valor deixado por Comte. Desconsiderando seu delírio filosófico, atribuir a condição de ciência social com a reconhecida importância da sociologia para a sociedade contemporânea, isso já lhe rende um tributo. Mas quanto a fatos não temos argumentos, e entre os historiadores das ciências sociais, é unânime atrelar as condições que trazem como fundadores da sociologia moderna, assim como a conhecemos, os nomes de Marx, Durkheim e Weber, respectivamente. Estes são os cientistas sociais que ficaram com todas as honrarias de terem definido a ciência social moderna. Comprovação disso é que em qualquer curso de introdução à sociologia, a mínima ementa traz estes três nomes como os grandes fundadores, e é condição irrefutável o conhecimento de suas obras e contribuições.

Contra esta revolução, estes pensadores tentavam articular a sociedade, restabelecendo ordem, através do conhecimento das leis que regem os fatos sociais. Uma clara demonstração do positivismo que surgia com eles era a instituição da ciência da sociedade, essa forma de expressão trouxe a revalorização de certas instituições que a Revolução Francesa fazia força para destruir, e criou uma "física social", expressão criada por Comte. Neste novo momento, outro pensador positivista, Durkheim, desponta como grande teórico da nova ciência, quer fazê-la independente e torná-la uma disciplina científica.

1.3 Os grandes pensadores: Karl Marx

Karl Marx (1818-1883) - este pensador sempre se preocupou com a exploração do trabalho do homem, que ele defendia com a seguinte teoria: o homem não sente prazer em trabalhar, ele se submete a tal para garantir sua sobrevivência. Ele construirá uma visão de que o trabalhador não fica com o resultado de seu trabalho, ele não é o dono de seu trabalho, o resultado do trabalho acaba, em sua maior parte, ficando nas mãos dos donos do capital. Ele dedicou-se em buscar uma solução para que a situação de expropriação e de alucinação dos trabalhadores chegasse ao fim. Na constante busca por resposta, examinou de forma metódica e científica todo o percurso da humanidade até a sociedade capitalista, que era a sociedade na qual ele estava inserido e onde estavam acontecendo as relações sociais da chamada sociedade de classes. Outro fator para o qual Marx chama a atenção é a luta de

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classes, que para ele é o propulsor da história. A teoria de Marx resume-se em indicar uma nova sociedade, na qual todos os homens tenham iguais possibilidades de desenvolver seu potencial integralmente, em seus diferentes aspectos, construindo um indivíduo pleno.

Embora Marx seja muito criticado por suas ideias comunistas, pois ele ateve-se e muito a este assunto, inclusive ao escrever o Manifesto Comunista, a intenção dele era mais chocar do que propriamente defender essa ideia de comunismo. O conceito estava muito próximo do socialismo, ele só não deu este nome por uma questão de dúbias interpretações, pois o socialismo engendra também conceitos e doutrinas cooperativistas e mais utópicas, porém mais tarde ele mesmo assume essa junção dos termos.

Marx construiu uma teoria, que foi além do social, foi também política e econômica, conhecida por marxismo, que pode ser considerada um conceito para definir o mundo e seu materialismo moderno. É claro que ele teve um fiel colaborador neste processo, que foi Engels, mas este na história sempre teve um papel coadjuvante, embora seu potencial tenha sido tão grande quanto o de Marx. Os dois formularam diferentes contextos históricos, econômicos e sociais de acordo com as mudanças que estavam ocorrendo naquela época, dentro de uma visão já capitalista de sociedade. Sua teoria é muito conhecida por definir o trabalho como sendo a expressão de vida do ser humano, é através do trabalho que ele vai alterar e interagir com os demais indivíduos e com a natureza. Com esta definição ele entende e propaga a ideia de que é através do trabalho que o homem pode transformar a si.

No centro da teoria marxista encontra-se o trabalho, que, para ele, seria a expressão da vida humana, por meio da qual é alterada a relação do homem com a natureza.

Pode-se dizer que o pensamento de Karl Marx (1818-1883) se apoia, numa certa medida, em três tradições intelectuais já bem desenvolvidas na Europa do século XIX: a filosofia alemã, o pensamento econômico britânico e a teoria política francesa.

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Entretanto, ajudou a construir essa ideia de comunismo e socialismo distintos o fato de ter acontecido a I Grande Guerra Mundial. A partir deste acontecimento social no mundo, crescem as diferenças entre essas duas concepções, ou seja, os acontecimentos na sociedade moderna colaboram para afirmar os conceitos que estavam no plano das ideias, isso faz com que estes pensadores vejam e sejam capazes de refletir dentro de situações reais. Vejam que Marx vai novamente escrever sobre uma questão polêmica em O Capital, quando ele descreve como funciona a sociedade capitalista. Ele expõe o conceito de mais-valia, que nada mais é que a diferença entre o valor do salário recebido pelo trabalhador e o valor daquilo que ele produz, numa discussão onde ele apresenta que o valor pago aos trabalhadores é infinitamente insignificante mediante o valor agregado aos bens que ele produziu.

Mas não foi só Marx que presenciou estas novas condições sociais, muitos outros viram o capitalismo se desenvolver e salpicaram formas ideológicas que visavam romper com esta suposta exploração do sistema. É claro que o sistema venceu; até mesmo Marx, que teve grande força em seu discurso na época, não conseguiu frear esta nova sociedade emergente, não porque seus conceitos e palavras não tivessem sentido e fundamento, mas porque a própria sociedade apresentou indícios de algo novo ainda não experimentado pelos homens, e estes queriam vivenciar estas mudanças, embora não soubessem e não tivessem clareza suficiente para o fazer. Com a Revolução Industrial, a organização do trabalho foi alterada, os trabalhadores deixaram de ter o controle do processo produtivo, eles já não mais são donos dos meios de produção, nem sequer do produto que produzem, o que eles possuem agora é a força de trabalho, e esta passa a ser negociada com os donos dos meios de produção, é a força de trabalho sendo vendida à burguesia. Desta forma, estabeleceu-se um novo modelo de sociedade, baseado naqueles que vendem sua força de trabalho e naqueles que utilizam a força de trabalho, conhecido como os proletários e burgueses.

Estes últimos, afoitos por lucros, são os proprietários dos meios de produção e dos produtos, que determinam uma carga de trabalho abusiva sobre os trabalhadores. Como tudo isso na sociedade é extremamente novo, esta separação entre os indivíduos e suas relações de trabalho, a sociedade ainda não dispunha de regulamentações que dessem garantias e estabelecesse parâmetros para esta relação entre proletariado e burguesia, o que foi até mesmo pela lógica o motivo pelo qual a burguesia aproveitou para explorar os trabalhadores sobremaneira. É como se fosse na Idade Média, o país que perdia a guerra tornava-se escravo daquele que tinha vencido. Por não ter nenhuma regra estabelecida, a própria burguesia tratou de fazer a sua regra, que foi aceita socialmente, e tornou-se prática comum em todos os lugares onde a Revolução Industrial chegava. Vejam como a maioria dos indivíduos permitia-se ser explorada. Embora pensadores como Marx e seus contemporâneos chamassem a atenção para esta condição degradante, os próprios indivíduos não se atinham a estas ideias e conceitos, alguns levantes foram feitos, mas isso não

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foi suficiente para parar o movimento social que surgiu, e se estabeleceu porque a sociedade consentiu que fosse assim.

As cargas horárias diárias de trabalho abusivas, as remunerações baixas e indistinção entre o trabalho de crianças e adultos, homens e mulheres, foi assim que o capitalismo foi se consolidando socialmente, moldado pela burguesia com seus interesses comerciais. Como dissemos, as manifestações contra esse sistema surgiram, mas logo ganharam outra conotação, meramente política. Mas o legado de Marx foi passado para os indivíduos e até nos dias atuais suas propostas são calorosamente defendidas, pois de fato apresentam uma argumentação ideológica bastante séria, embora não seja para todos a compreensão de seu legado. Na época o marxismo questionou a relação de trabalho imposta pela burguesia, e defendeu o proletariado imputando a este a única força capaz de romper com o domínio exploratório. Marx ideologicamente acreditava que o proletariado seria capaz de evoluir em sua condição social e chegar por si a uma condição onde os trabalhadores seriam organizados a ponto de eles mesmos estabelecerem o que seria para o bem da coletividade, rompendo com o domínio burguês. É claro que o proletariado não chegou nem perto desta condição, por não entender o que Marx estava propondo, por isso o capitalismo se sustenta, num constante impasse de luta de classes, que assim foi definido pelo pensador.

O sistema capitalista se fundamenta na luta de classes, não existe burguesia se não existe proletariado. Com apenas uma ressalva: a burguesia é a parte privilegiada da relação, por ter o controle dos meios de produção, e com isso os benefícios de explorar a força de trabalho, o que resulta em benefícios privados. Neste contexto, o pensador lança o conceito de Ditadura do Proletariado, que seria o despertar da classe para a consciência da exploração do capitalismo sobre os operários a condição de ser a classe proletária a única com a capacidade de reverter essa situação. Para chegar a isso, só com uma tomada de poder, retirando a burguesia através de uma revolução e implantando aquele ideal de bem comum a todos que já havia sido definido por Marx, é claro que utilizando-se de um regime regido com pulso firme, para colocar a todos numa mesma condição social.

Quando Marx começou a se dedicar ao estudo da economia política, na quinta década do século XIX, esta ciência já tinha recebido uma formulação teórica bastante completa, abrangentemente sofisticada por uma série de autores, que passaram a ser conhecidos como "clássicos".

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No marxismo, a quantidade de trabalho socialmente necessária para produzir uma mercadoria é o que determina o seu valor. A ampliação do capital ocorre porque o trabalho produz valores superiores ao dos salários (que é a força de trabalho). Esse diferencial, que irá se tornar um conceito fundamental da teoria de Marx, é considerado a fonte dos lucros e da acumulação capitalista.

Um exemplo dessa revolução foi a Comuna de Paris em 1871, que foi derrotada, e que trouxe a comprovação de que os proletários não são comprometidos com esta teoria e preferem de algum modo esse tipo de condição expropriatória do capitalismo. Outra insurreição foi em 1917, a Revolução Russa, onde o proletário subiu ao poder através de um líder, conhecido na história, Lênin, e através do qual a União Soviética estabeleceu um regime socialista por meio de Stálin, contudo este tipo de sociedade, embora tenha durado mais de 40 anos, não provou eficiência, pois sucumbiu ao regime capitalista na década de 1990.

Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/Karl_Marx?uselang=pt>. Acesso em: 09 abr. 2015.

Figura 3.1 | Karl Marx

1.4 Os grandes pensadores: Émile Durkheim

Durkheim enxerga a sociedade como um “reino social”, da mesma forma que os reinos animal e mineral. Como possuidora de caracteres próprios, necessita de uma ciência que busque compreender seus caracteres através de metodologia apropriada. Para ele, a sociedade é uma realidade sui generis, formada pelas consciências individuais que se fundem para formar uma realidade sintética, que é nova e maior que a soma de suas partes. Esta realidade só pode ser entendida na sua totalidade, é irredutível às partes que a compõem, e não pode ser entendida em termos da biologia ou psicologia, mas sim em termos sociológicos.

Para isso, Durkheim introduz o conceito de “fato social”, que são elementos da

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vida social que existem independentemente e exercem influência sobre a ação dos indivíduos. São modos de pensar, sentir e agir que forçam os indivíduos a se adaptarem às regras da sociedade onde vivem. Pode-se pensar então que qualquer ação dos indivíduos pode ser um fato social, porém Durkheim estabeleceu condições para se categorizar um fato como social. Para ser considerado como tal, deve apresentar três características: coercitividade, generalidade e exterioridade. A coercitividade é a força já mencionada com a qual os padrões culturais se impõem aos indivíduos, levando-os a cumpri-los. A exterioridade refere-se a algo que já existe exteriormente ao indivíduo; quando ele nasce, os padrões culturais, legais e financeiros já estão dados na sociedade em que ele vive, e pela coercitividade eles são aprendidos pelo indivíduo. A generalidade significa que os fatos sociais nunca se referirão a um só indivíduo, mas sempre ao grupo.

Para garantir a objetividade da Sociologia, Durkheim diz, em sua obra “As regras do método sociológico”, que os fatos sociais devem ser estudados como coisas. Ele afirma que os fatos sociais são assimilados pelo pensamento; se não forem vistos como coisas podem ter sua análise enviesada pela ideologia de quem os estuda, pois o sociólogo também sofre a coerção dos fatos sociais.

Outro conceito importante da obra de Durkheim é o de solidariedade, que é o motor que faz com que a sociedade se organize e funcione com base nos fatos sociais. Existem dois tipos de solidariedade, segundo Durkheim: solidariedade mecânica e orgânica. A mecânica seria aquela das sociedades primitivas, cuja estrutura é menos complexa. Os indivíduos desses grupos compartilhariam os mesmos valores morais, religiosos, e também os interesses materiais para a subsistência do grupo. A solidariedade orgânica é a que

Para Durkheim, as concepções apresentadas por ele eram insuportáveis, pois eram deduções e não tinham validade científica, eram crenças fundamentadas em concepções a respeito da natureza humana. Durkheim acreditava que o conhecimento dos fatos sociológicos deve vir de fora, da observação empírica dos fatos.

Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/w/index.php?search=emile+durkheim&title=Special%3ASearch&go=Go&uselang=pt>. Acesso em: 09 abr. 2015.

Figura 3.2 | Émile Durkheim

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prepondera nas sociedades complexas, ou ditas “modernas”, nas quais os indivíduos não compartilham dos mesmos princípios morais, religiosos ou materiais. Nesse caso, a sociedade precisa funcionar como um organismo, pois o bem-estar do grupo depende do cumprimento do papel de cada membro.

Sem a solidariedade, a sociedade se desestrutura e se torna anômica, que é quando há falhas na organização social e os indivíduos não conseguem a provisão de suas necessidades pela estrutura social.

A realidade social para Weber é caótica, posto que impregnada do caos das ações individuais. Para que o sociólogo consiga sistematizar o estudo das ações sociais, Weber cria os tipos ideais de ação social, os quais são:

- ação tradicional: baseada nos costumes, como, por exemplo, festejar a Páscoa;

1.5 Os grandes pensadores: Max Weber

O pensamento de Max Weber diferencia-se do de Durkheim porque muda o paradigma de estudo da sociedade. Enquanto Durkheim afirma que a sociedade é regida por leis que se sobrepõem aos indivíduos (os fatos sociais), Weber considera que a sociedade funciona a partir das ações individuais. Ele restitui ao indivíduo sua importância enquanto agente ativo na construção da sociedade. Weber não está interessado em buscar a causa dos fenômenos sociais e nem determinar leis de funcionamento da sociedade. Ele busca a compreensão do sentido da ação de cada indivíduo para o funcionamento da sociedade. Ele busca entender como as ações individuais afetam a sociedade como um todo. Para isto, ele cria o conceito de “ação social”, que é aquela que o indivíduo realiza e tem efeito social. Ele quer entender o significado das ações, ou seja, o que as motiva e lhes dá sentido. Um exemplo prático é a troca de presentes no Natal: o indivíduo compra presentes para as outras pessoas não porque ele é obrigado a isto pela sociedade, ou igreja, mas porque ele atribui um significado para essa ação, e por isso ela se torna recorrente. Se um dia ele não mais considerar essa ação plena de significado que justifique sua prática, ele poderá abandoná-la.

A organização burocrática é condição sine qua non para o desenvolvimento de uma nação, por ser indispensável ao funcionamento do Estado, gestor dos serviços públicos, e de todas as atividades econômicas particulares.

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- ação afetiva: baseada em emoções e sentimentos, como uma torcida esportiva;

- ação racional orientada para valores: é uma ação baseada na razão e em valores morais, como o trabalho voluntário;

- ação racional orientada para fins: ação racional realizada para obtenção de um fim específico, como o trabalho em uma empresa.

Weber afirma que em cada tipo de sociedade, algumas destas ações são mais valorizadas que outras e é isso que faz os grupos diferentes. Com este modelo, Weber fez um estudo a respeito do florescimento do capitalismo na sociedade ocidental, especialmente na Europa, descrito no ensaio “A ética protestante e o espírito do capitalismo”. Sua pergunta era o porquê de o capitalismo não ter vicejado com tanta força nas sociedades orientais quanto na Europa, no século XVI. Ele concluiu que o tipo ideal de ação incentivada pela ética protestante era uma intensa valorização do trabalho e do ascetismo para se chegar à salvação da alma. Em outras palavras, os homens deveriam trabalhar arduamente e abdicar dos prazeres, e consequentemente da liberalidade financeira, para purificar sua alma. Esse tipo ideal de ação favoreceu o fortalecimento do capitalismo nos países de forte influência protestante. Weber ressalta que não foi esta a única causa para a ascensão do capitalismo, mas que a ética protestante foi fundamental. Assim, para ele, o capitalismo não é meramente um sistema econômico, mas sim um processo sociocultural.

Outro conceito importante na sociologia de Weber é a dominação, ou seja, como se instala a dominação dos indivíduos uns pelos outros, ou por grupos. Ele distingue três tipos puros de dominação:

• Dominação tradicional: baseada nos costumes e regras consolidadas anteriormente. Um exemplo é a monarquia, no período medieval;

• Dominação carismática: baseada no carisma pessoal do líder e sua capacidade de comando. Esse tipo de dominação é utilizado até hoje no cenário político. Muitas vezes se funde com a dominação tradicional, como é o caso do papa.

• Dominação racional-legal: é assentada na noção de direito que se liga a aspectos racionais e técnicos de administração. Esse tipo de dominação é muito presente na sociedade moderna, em que racionalidade e justiça se fundem.

Poder significa, para Weber, a probabilidade de impor a própria vontade dentro de uma relação social, mesmo contra qualquer forma de resistência e qualquer que seja o fundamento dessa probabilidade.

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Weber analisa também o fenômeno da burocracia nas sociedades modernas, onde estão presentes o tipo ideal de ação racional orientada para fins e também a dominação racional-legal. A burocracia permeia hoje todas as instituições sociais, desde o governo, igrejas, clubes de esportes. O problema que Weber aponta nisto é que a burocracia tende a ser extremamente racional e pode coibir a criatividade humana.

Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/Max_Weber>. Acesso em 09 abr. 2015.

Figura 3.3 | Max Weber

1.6 Expandindo as fronteiras

A Sociologia não nasce “do nada”, ela nasce e se desenvolve à medida que o mundo moderno vai estabelecendo suas relações sociais, econômicas e culturais, a sociologia vai atender a princípio a necessidade das reflexões sobre a época e as transformações. Como vimos através dos pensadores clássicos, em alguns momentos ela é precisa, embora ainda não científica, mas consegue desvendar alguns dos dilemas sociais que emergem; a todo o momento ela se atém ao presente e suas especificidades, porque todos os conceitos são também muito novos, a sociedade está se construindo com outros valores e conceitos, por isso em suas reflexões sendo do presente, ela sempre procura fazer menção a uma condição futura. São comuns os impasses que percorrem a Sociologia, assim como são inúmeras as dúvidas surgidas no mundo. Se voltarmos nosso olhar sobre os clássicos da Sociologia e suas contribuições teóricas, logo chegaremos a uma compreensão com as mais diversas expressões desse mundo. Sob diversos aspectos, ela nasce e desenvolve-se. Mais do que isso, o mundo moderno vai precisar da Sociologia para ser explicado, para ser compreendido, talvez sendo ainda mais ousado dizer que esse mundo seria mais confuso, incógnito e caótico se não houvesse a sociologia.

É em meados do século XVIII que os pensadores sociais começaram a traduzir a sociedade, através não só das análises filosóficas, mas através de questionamentos empíricos de uma sociedade que está em ebulição rompendo em Revolução Industrial e Francesa, onde a sociedade apresenta franco desenvolvimento, realizando-se.

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É uma época em que é possível ser não só espectador das mudanças, mas fazer parte delas, presenciar as forças sociais, as configurações sociais, as originalidades e os impasses contraditórios e divergentes da sociedade civil, a caracterização de uma sociedade urbano-industrial, a classificação da burguesia e do proletariado, e a nascente sociedade capitalista.

As pessoas começam a ser definidas conforme suas opções ou imposições dentro do contexto social, os personagens dessa história ganham identidade social, perfis, e acabam por se organizar de acordo com os movimentos que vão sendo estabelecidos, aparecem os grupos sociais, nesta fase, duas classes, burgueses e proletariados, os movimentos sociais e partidos políticos; a massa social começa a ser classificada, aparecem os camponeses, operários, intelectuais, artistas e políticos. Não só as pessoas começam a ser classificadas e separadas de acordo com o enquadramento, as condições e relacionamentos sociais também começam a ser especificados e determinados, aparece o conceito de mercado X mercadoria, capital X expropriação, tecnologia e força de trabalho, mais-valia, acumulação de capital, tem-se agora elementos que permitem que uma sociedade seja então entendida como tal em suas relações, o conceito divisão internacional do trabalho e colonialismo; revolução e contrarrevolução, são consequências previsíveis quando fazemos então uma análise crítica e histórica deste momento.

Um fator muito forte nessa sociedade foi a definição e a implantação do conceito capital, este conceito mudou o rumo de toda a história. Tudo começa em torno deste símbolo, ele parece exercer sobre todos os aspectos da sociedade uma certa hipnose, um poder de coerção, é o capital que estabelece os limites e as sombras que marcam a sociedade antes e depois desta definição, presente e o passado, o trabalho e a letargia, a nação e um povo, a tradição e a modernidade. O capital traz consigo um poder de definir conotações sociais, políticas e culturais, além de econômica. O capital parece ser a solução esperada durante toda a vida egressa da sociedade, uma espécie de incumbência em tornar a sociedade civilizada, com suas características regionais e mundiais. Um verdadeiro divisor de águas para a sociologia enquanto ciência.

Na Sociologia, considera-se que os grupos sociais existem quando em determinado conjunto de pessoas há relações estáveis, em razão de objetivos e interesses comuns, assim como sentimentos de identidade grupal desenvolvidos através do contato contínuo.

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Na verdade, a sociologia, desde o seu início, sempre foi algo mais do que uma mera tentativa de reflexão sobre a sociedade moderna. Suas explicações sempre contiveram intenções práticas, um forte desejo de interferir no rumo desta civilização.

Tudo isso, é claro, não teria sido possível se não existissem os filósofos, que em suas épocas davam já indícios por onde estes novos pensadores deveriam trilhar. Eram formas muito simples de sociologia, devido também à condição simples da sociedade, então não poderiam elaborar conceitos sociológicos em uma sociedade que ainda não existia. Entre esses renomados filósofos são referências Montesquieu, Vico e Rousseau e Kant, esses buscavam compreender as manifestações sociais de acordo com a sociedade em que estavam vivendo, que ainda eram muito simples em suas relações. O mundo moderno veio através das revoluções, como foi dito, e transformaram todos os conceitos, que passaram a ser objeto de reflexão enquanto estavam ocorrendo.

É, portanto, uma possibilidade inquestionável dizer que a Sociologia é uma linhagem diferenciada e peculiar construída pelo mundo moderno. Tanto que ela traz características originais e específicas, ao tempo que tem traços de insólita e estranha, e isso é de forma abrangente em todas as suas principais características, seja na forma de pensamento, ou como simplesmente um ingrediente desse mundo.

1.7 Conceitos e princípios

Vieram as novas tendências do século XVIII e começo do XIX. A compreensão das atuais conjunturas é a maior e de mais valiosa importância para as ciências sociais em geral e para a Sociologia em particular. Os conceitos de liberalismo, iluminismo, jacobinismo, conservantismo, romantismo e evolucionismo surgem e complementam-se, são expressão das várias interpretações e das principais manifestações do pensamento europeu nesse tempo. São a representação da revolução cultural que floresce e que tem nas obras de filósofos sua representatividade. O mundo passa a saber quem são os cientistas e artistas como Rousseau, Kant e Hegel, Goethe, Stuart Mill, Beethoven e Schiller, Adam Smith, Ricardo, Herder e Condorcet, uns com mais relevância de acordo com seus escritos, outros menos, apenas como observadores reflexivos. Com a grande diversidade de gênero e forma dessas correntes de pensamento, assim como também suas contradições, é inquestionável o surgimento das questões epistemológicas, bem como sua valorização quanto ao desenvolvimento das ciências sociais em geral e da Sociologia em particular.

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Embora pareça contraditório que, por um lado, tenta-se transferir ou compreender o campo da sociedade, da cultura e sua história como procedimentos já instituídos e, por outro, uma forma de elaborar, ou melhor, reelaborar aquilo que já está pronto nas ciências físicas e naturais. Talvez isso explique porque em trabalhos de Sociologia, passados e atuais, existam características organicistas, evolucionistas, funcionalistas e outras, todas derivadas das ciências físicas e naturais. São paradigmas que influenciaram e continuam a influenciar a reflexão de sociólogos catedráticos até hoje. Essa tendência, que não foi suprimida ao longo da história, acaba por explicar o sentido das sugestões epistemológicas encontradas nas obras de Bacon, Galileu, Descartes e Kant, entre outros, é então com essas indicativas que ganharam valor os procedimentos de pesquisa e explicação da sociologia científica.

Surgia então uma nova forma de reflexão do contexto social, justificando a criação de novos procedimentos de reflexão, de modo que atenda às indagações emergentes do cenário, e que represente a originalidade dos fatos, acontecimentos e impasses que caracterizam a vida social no mundo moderno. Uma emergente sociedade civil, urbano-industrial, burguesa e capitalista, passava a lançar desafios sobre o pensamento, que tentava de uma nova forma explicar ao senso comum estas novas tendências.

Dois acontecimentos marcantes, a revolução burguesa ocorrida na Inglaterra no século XVII e a Revolução Francesa iniciada em 1789, o século XIX presencia inúmeras revoltas populares no campo e nos centros urbano-industriais; é um momento social ímpar na história. O Cartismo na Inglaterra, e a Revolução de 1848-49, na

Portanto, a Sociologia nada mais é do que uma filosofia positiva, carrega a essência da defesa do método, como forma de obter o distanciamento do observador. É a única ciência que não é determinada por leis específicas, ou seja, que não segue um padrão determinado e nem permanente, pois seu objeto de estudo, que é o homem em suas relações, não tem como ser intacto e inalterável.

A sociologia, ciência que tenta explicar a vida social, nasceu de uma mudança radical da sociedade, resultado do surgimento do capitalismo.

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França e em outros países europeus, marcam a insurgência do operariado como figura histórica. Traduzindo em diferentes condições, algumas linhas dessa história também aparecem na Alemanha, Itália, países que compõem o Império Austro-Húngaro, Rússia, Espanha e outros. A Europa civilizada inteira é berço desta nova tendência social, e seus movimentos de protestos, greves, revoltas e revoluções. Aí está a sociedade moderna já formatada nos padrões de divisão de classes.

Diante de todo este cenário, é evidente que a revolução social está no eixo central de todas as linhas e tendências da sociologia. A preocupação eminente é compreender, explicar ou erradicar, em todo o mundo. À medida que conseguiam avançar na compreensão das condições revolucionárias, eram bastante ousados para expandir suas observações e atuação também nas demais regiões do globo, como nas Américas e na Ásia. Naturalmente, as revoluções não são as mesmas, com os mesmos ideais, causando por isso um interesse maior, num primeiro momento. Tenta-se uma explicação sob a ótica da revolução burguesa, tentando também uma outra ênfase sobre a revolução popular, operária, camponesa. São situações que desafiam os pensadores, a inflexibilidade fica por conta da análise da revolução social, que é a forma mais natural de se conhecer a sociedade, as forças sociais que governam e seus movimentos sociais como um todo.

1. Com a Revolução Industrial, consolidou-se o capitalismo, uma nova forma de relações sociais e de trabalho, a falência de alguns costumes e instituições, a autonomia das diferentes classes sociais, o aumento de números de suicídios, prostituição e violência, a constituição de um proletariado, etc. Todas essas novas situações que até então não estavam previstas na ordem natural das sociedades, vão, gradativamente, alterando o pensamento moderno, que vai se tornando mais racional e científico, modificando aquelas explicações teológicas, filosóficas e de senso comum que davam um ar muito fluido à sociedade. As situações agora são muito mais reais e palpáveis. Dentre os nomes célebres deste momento histórico estão:a) John Lockeb) Auguste Comtec) Kantd) Maquiavel

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2. Um fator muito forte nessa sociedade foi a definição e a implantação do conceito capital, este conceito mudou o rumo de toda a história, tudo começa em torno deste símbolo, ele parece exercer sobre todos os aspectos da sociedade uma certa hipnose, um poder de coerção. É o capital que estabelece os limites e as sombras que marcam a sociedade antes e depois desta definição, presente e o passado, o trabalho e a letargia, a nação e um povo, a tradição e a modernidade. Estamos falando de um conceito defendido por um célebre pensador, conhecido como:a) Montesquieub) Émile Durkheimc) Karl Marx d) Max Weber

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Seção 2

Sociologia no Brasil

Agora que tivemos um primeiro contato com a sociologia dos grandes pensadores, conhecemos o berço sociológico, que foi a filosofia, estamos prestes a conhecer como isso tudo chegou à nossa realidade brasileira, uma vez que todo o processo de construção desse conhecimento se deu na Europa, como fomos influenciados e a partir de quando começamos a enxergar nossa realidade, como e com os mesmos princípios sociológicos que na Europa.

2.1 No Brasil

Na América Latina, a Sociologia chegou no início do século XX, sofreu intensas influências das teorias marxistas, uma vez que estávamos em franca expansão capitalista. Entretanto, um diferencial que até hoje marca nossa história, fazemos parte de um segmento de países subdesenvolvidos. Esta é uma herança que não foi nem será tão cedo superada, e o objeto da sociologia para nós, latino-americanos, será sempre o conflito de classes.

No Brasil, foi na década de 1920 e 1930 que estudiosos se ativeram em procurar um entendimento sobre a formação da sociedade brasileira, analisando temas culturais como abolição da escravatura, êxodos e estudos sobre índios e negros. Dentre os pensadores brasileiros apresentam-se Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil-1936), Gilberto Freyre (Casa Grande & Senzala-1933) e Caio Prado Júnior (Formação do Brasil Contemporâneo-1942), o que para a época demonstrava a nossa maior problemática.

Darcy Ribeiro é muito conhecido também por seus trabalhos desenvolvidos a partir das temáticas voltadas para os povos indígenas, com riquíssimas observações e relatos antropológicos.

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Passados estes ensaios sociológicos e já na década de 40, a industrialização do Brasil em franca ascensão leva os sociólogos a se voltarem para a problemática relacionada às classes trabalhadoras, tais como salários e jornadas de trabalho, e também comunidades rurais. Contudo, a maturação sociológica brasileira, embora conhecesse seus pensadores mais ilustres, parece que estagnou-se e apenas na década de 1960 a Sociologia passou a se preocupar com o processo da industrialização do país. Difícil de entender, pois os problemas só faziam aumentar, nas questões de reforma agrária e movimentos sociais na cidade e no campo; de forma muito discreta, a partir de 1964 o trabalho dos sociólogos voltou-se aos problemas socioeconômicos e políticos brasileiros, só que em momento tenso da sociedade, estávamos em pleno regime militar (ou ditadura militar, que no Brasil foi de 1964 a 1985).

Em todos esses anos a Sociologia foi banida do ensino e de forma muito velada algumas reflexões eram realizadas às escondias, período muito difícil para a sociedade, que ficou sendo servida por condições extremamente avessas aos conceitos filosóficos que deram corpo à sociologia. Após esse período volta a sociologia, que é reconhecida como ciência e como tal se propõe a estudar as relações sociais e, a partir da sociedade, tentar entender as relações individuais. Os eixos filosóficos da sociedade já estão todos redefinidos, e agora o social é que deve ser estudado para a compreensão do indivíduo em suas relações com os outros indivíduos.

2.2 Alguns pensadores brasileiros: Octávio Ianni

Octávio Ianni foi um ícone em sua época e nas vindouras, sua capacidade intelectual era formidável, embora sua época tenha sido lá no início - ele é nascido em 1926 -, sua capacidade perceptiva e sua perspicácia quanto às condições sociais no Brasil lhe davam uma invejável capacidade de estabelecer aspectos quanto às condições sociais e políticas da época, de acordo com seu conhecimento acumulado e seu interesse em estabelecer conceitos, foi um farol para os seus sucessores. Além disso, seus estudos não ficaram só no contexto Brasil, ele procurou ampliar seus conhecimentos para as questões mundiais da globalização e sua dominação imperialista.

Sergio Buarque de Holanda é reconhecido como um dos mais importantes historiadores brasileiros, mas demonstra também importante influência e participação na área da Sociologia. Um de seus principais trabalhos, intitulado “Raízes do Brasil”, aborda aspectos centrais da formação da cultura brasileira e do processo de formação da sociedade, que, como vimos, é a preocupação mais recorrente dos grandes sociólogos do Brasil.

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Ele era um entusiasta e sob a orientação de Florestan Fernandes, chefe da Cadeira I de Sociologia da USP, recebeu o título de mestre em 1957, com sua abordagem e preocupação focada na problemática da Cor e mobilidade social em Florianópolis. Esse seu estudo repercutiu e o incentivou a continuar suas pesquisas e nesta mesma área que descrevia a condição da raça vista pela sociedade brasileira. Seu título de doutor veio com outro estudo direcionado às condições do negro na sociedade de castas, sua importância se dá pelo motivo de que ele sempre fidelizou sua pesquisa nas condições raciais da sociedade; na década de 1960 ele já publica também um estudo que abrange mais a fundo as questões raciais, e leva o título de As metamorfoses do escravo, pela Difusão Europeia do Livro.

Como docente na academia e devido a estar em plena ditadura militar, foi aposentado com outros renomados sociólogos, mas sua atuação continuou, juntamente com seus correligionários e parceiros, fazendo parte do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), entretanto devido a impasses e divergências pessoais e ideológicas.

Em sua vida dedicada à sociologia no Brasil, diversas foram suas contribuições:

1) a questão da escravidão; ele aborda de forma literária esta questão, e devido a seu intelecto e cultura, seus escritos não são embargados;

2) a relação entre raças e classes; ele consegue, através da sociologia científica, estabelecer a associação entre as raças e as classes sociais no Brasil, sendo este conceito um farol para a sociologia;

3) a revolução social; ele consegue identificar as questões que estão presentes na revolução social brasileira;

4) a industrialização; ele reconhece a industrialização como um processo de dominação social;

5) o Estado; ele define o Estado e seu poder manipulador e coercitivo;

6) a cultura; um fator determinante em sua pesquisa são os traços culturais, que a partir de então são também reconhecidos por outros contemporâneos;

Enquanto o indivíduo na sua singularidade é estudado pela psicologia, a Sociologia tem uma base teórico-metodológica, que serve para estudar os fenômenos sociais, tentando explicá-los, analisando os homens em suas relações de interdependência.

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7) a América Latina; reconhece o processo pelo qual a América Latina está passando e alerta para o não atrelamento de nossos costumes com os ideais latino-americanos;

8) a reflexão sobre o fazer sociológico, exalta a Sociologia como um campo de estudos, rico em ações capazes de dimensionar a sociedade brasileira;

9) a questão agrária; embora reconheça a dimensão do problema, não define de forma eficiente a questão agrária naquele momento;

10) a globalização e o imperialismo; quando ele atém-se a este assunto, já está na esfera internacional da sociedade, buscando uma explicação mais sólida e coerente para os efeitos que essa globalização traz para dentro do contexto nacional.

Apesar de hoje sabermos da importância de todas essas temáticas levantadas, sua principal linha foram mesmo os estudos referentes à questão racial na trajetória do intelectual. De forma sintética, vamos expor o tema que permeou toda a sua trajetória, e que de forma muito apaixonante ele deixa como legado para a sociedade, todos os engendramentos de suas pesquisas levando em consideração os aspectos sociais, econômicos, políticos e históricos como sociólogo.

Em sua pesquisa podemos identificar que na década de 1950, em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), ele inicia uma pesquisa encomendada por este órgão para identificar acerca das relações raciais no Brasil, no pós-Segunda Guerra Mundial, a condição em que as relações sociais no Brasil assemelham-se às organizações de uma Alemanha combatente do nazismo, com a intenção de demonstrar ao mundo que no Brasil temos relações pacíficas entre diferentes raças. O Brasil foi o país escolhido para a realização desse projeto por ser considerado um paraíso racial. Acreditava-se que aqui as relações eram de paz e cooperação entre as diferentes "raças" e etnias, e porque de certa forma Ianni já tinha se mostrado no cenário mundial. Octávio Ianni mostra sua preocupação mais profundamente com as relações entre as informações, que são extraídas dos fatos através de pesquisas empíricas, respaldadas pela teoria sociológica e de contextos históricos, políticos e socioeconômicos.

Uma das preocupações em geral dos intelectuais era o interesse da descoberta do Brasil verdadeiro, contradizendo aquela visão etnocêntrica dos europeus. Buscavam também desenvolver e modernizar a estrutura social brasileira.

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2.3 Alguns pensadores brasileiros: Florestan Fernandes

2.4 O ressurgimento

Este nome é considerado o criador da sociologia crítica no Brasil, sua vasta obra evidencia as questões indígenas, uma vez que esta é uma característica genuinamente brasileira, possui mais de 50 obras publicadas.

Passamos a fase ruim, com a abertura política nos anos 80 o país retoma sua identidade social. Durante a ditadura, muitos intelectuais foram aposentados e impedidos de realizar suas atividades. Houve uma estagnação interna, alguns dos que conseguiram sair do país vez ou outra faziam publicações autônomas no exterior.

Sua sociologia tem estilo analítico e crítico, redescobriu com seu método peculiar a pesquisa sociológica no país. Dentro do cenário nacional, não é errôneo afirmar que Florestan transformou a maneira de se realizar a investigação sociológica. Ele é um contemporâneo, pois seu falecimento se deu em 10 de agosto de 1995, em São Paulo. Ele era considerado não só um cientista social, mas também um professor, pois seu objeto de pesquisa tendeu sempre para a educação, é dele a frase: "Em nossa época, o cientista precisa tomar consciência da utilidade social e do destino prático reservado a suas descobertas".

Ele em sua trajetória militava em favor do socialismo e não apartava o trabalho teórico de suas convicções ideológicas. Suas convicções pautavam-se no conceito de que a educação e a ciência têm grande potencial transformador. Defendia essa teoria ferrenhamente e ousava indicar essa teoria como instrumento para a elevação cultural e o desenvolvimento social das camadas menos favorecidas da população. Sua trajetória pautada na educação de um povo era a única maneira de erradicar a miséria.

Ele chamou para si o comprometimento de romper com a tradição das ciências humanas no país e apresentar uma reconstituição comprometida com a mudança social, de acordo com suas análises sociológicas. No entanto, devido aos fatores históricos, como a escravidão tardia, a herança colonial e a dependência em relação ao capital externo, a sociedade torna-se resistente a qualquer tipo de mudança.

Florestan pregava a “sociologia militante”, que visava unir a teoria com a prática, logo teve uma grande influência de Marx. Essa busca em conciliar a teoria e a ação prática foi uma grande marca em sua vida.

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Com esta abertura, muitos motivados pelo desejo ávido de fazer sociologia adentram as carreiras políticas.

Pasmem os senhores, mas o partido que mais se beneficiou com essa nova atuação dos cientistas sociais foi o PT (Partido dos Trabalhadores), os renomados e reconhecidos internacionalmente buscaram engajar-se na política do PT. Com essa nova forma social, os intelectuais deram uma relevante importância para este período histórico do fim da ditadura, tratava-se de uma integração de teorias sociais e práticas políticas, já estabelecidas e testadas em países no exterior, que estes intelectuais trouxeram para a nossa sociedade, agora como representantes políticos. O ápice foi em 1988, com a promulgação da nova Constituição do Brasil, a sétima em vigor, porém a única com o emblema de “cidadã”, como descrito por Ulysses Guimarães.

Nesta nova sociedade percebe-se um campo muito fecundo para as análises científicas das ciências sociais, a sociedade agora já está bem mais estabelecida e consolidada em suas relações, sendo o maior trabalho agora definir em qual segmento iniciar as pesquisas. A sociologia se torna cada vez mais interdisciplinar e diversificada no Brasil. Os sociólogos buscam redefinir seus conceitos de interdependência em um mundo cada vez mais globalizado.

Agora os sociólogos ficaram famosos em nossa sociedade e conhecidos pela nação, não pelos seus trabalhos científicos de sociologia, pois estes a poucos interessam, mas porque depois da ditadura os sociólogos engendraram em carreiras políticas, um específico, e este chegou à Presidência da República, homem de fato muito capaz e com intelecto refinado, mas com vistas a atender apenas a anseios políticos, nessa fase não trouxe contribuição sociológica. Seus trabalhos são conhecidos apenas em épocas anteriores a 1994, quando foi eleito Presidente da República. Ele só voltou a produzir agora com outras referências sociológicas, após ter deixado o poder.

Com a abertura política nos anos 80, o país busca retomar sua identidade social. Durante o regime militar, muitos intelectuais foram aposentados e impedidos de lecionar, outros foram exilados ou se exilaram por espontânea vontade.

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1. Apesar de hoje sabermos da importância de todas essas temáticas levantadas, sua principal linha foram mesmo os estudos referentes à questão racial na trajetória do intelectual. De forma sintética, vamos expor o tema que permeou toda a sua trajetória, e que de forma muito apaixonante ele deixa como legado para a sociedade, todos os engendramentos de suas pesquisas levando em consideração os aspectos sociais, econômicos, políticos e históricos como sociólogo. Estamos falando de um sociólogo brasileiro com expressiva representatividade no cenário das ciências sociais. Assinale a alternativa correta:

a) Florestan Fernandes

b) Octavio Ianni

c) Marilena Chauí

d) Paulo Freire

2. Ele, em sua trajetória, militava em favor do socialismo e não apartava o trabalho teórico de suas convicções ideológicas. Suas convicções pautavam-se no conceito de que a educação e a ciência têm grande potencial transformador. Defendia essa teoria ferrenhamente e ousava indicar essa teoria como instrumento para a elevação cultural e o desenvolvimento social das camadas menos favorecidas da população. Sua trajetória pautada na educação de um povo era a única maneira de erradicar a miséria. Esta ideologia é defendida por um cientista político, marque a opção correta:

a) Fernando Henrique Cardoso

b) Ruth Cardoso

c) Ayrton Fausto

d) Florestan Fernandes

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Seção 3

Sociologia e seus desafios modernos

Vemos que a massa social tem procurado retroceder, buscando na sociologia uma forma de explicar os contextos sociais atualmente vigentes. Nossa sociedade passa por uma intervenção tecnológica gigantesca e isso tem mudado o cenário das relações sociais. Buscam-se novos rumos e uma metodologia que se encaixe nos novos temas que aparecem nessa mudança secular. Pode-se considerar que foi uma vitória quanto à transmissão do conhecimento, ter de volta a sociologia na grade curricular em escolas do Ensino Médio. Em menos de meio século os sociólogos eram pessoas desprezíveis na sociedade e agora uma necessidade de ensinar esta mesma sociedade a entender-se em suas relações sociais, econômicas, culturais e religiosas. Devido à grande lacuna criada pela ditadura, os indivíduos não se reconhecem mais como pessoas capazes e dotadas de conhecimento para uma grande conquista.

Alguns sociólogos atuais destacam-se quando apresentam estudos que repercutem no coletivo, como é o caso de José Pastore e Nelson do Valle Silva; Mobilidade Social no Brasil. Estes autores contemporâneos trazem à luz os resultados da mobilidade social no Brasil, fazendo uma comparação entre dados adquiridos nas décadas de 1970 e final dos anos 90. Onde no início de sua pesquisa não existia essa necessidade social, hoje, além de ser uma necessidade, já está até amparada pela legislação. É uma pena, mas no Brasil prevalece ainda a teoria de que muitos sobem pouco, e poucos sobem muito, essa divergência acarreta cada vez mais diferenças sociais.

Andamos às avessas da sociedade mundial. De acordo com os estudos

Na nossa sociedade, o sentimento de pertencimento ao grupo social faz com que a pessoa se sinta aceita e necessariamente não marginalizada; tanto é dessa maneira que, ocasionalmente, quando agimos de uma forma não muito agradável ao grupo, a pena é a exclusão.

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apresentados, a mobilidade social no Brasil começa a ser determinada por elementos de competição no mercado de trabalho, uma contramão da tendência mundial, pois lá começa-se a valorizar a mobilidade social, através de projetos educativos, é na educação o real e essencial valor do contexto mobilidade social.

Outro grande representante da sociologia nacional é Ayrton Fausto, é dele o estudo sobre as maiores organizações que visam à construção de sociedades mais justas, através da democratização, pela crescente participação da sociedade, da política, da economia e da cultura. Esta tendência vem sendo difundida desde a década de 1980, este autor Ayrton Fausto defende em seus estudos sociais a finalidade da construção de uma sociedade mais justa, como no contexto internacional, através da sociedade hoje chamada globalização, com uma integração supranacional e democrática; o panorama econômico influencia na política internacional, que por sua vez reflete no desemprego, na crise fiscal do Estado, e no bem-estar social; são comuns as migrações em massa por razões econômicas, e o aumento da criminalidade e da corrupção e outros situações divergentes em nossa sociedade.

Atualmente já estamos no século XXI e a sociologia tem se tornado cada vez mais interdisciplinar e plural, com sinais de diversificação própria da globalização e a cada vez maior de grande multiplicação nos objetos de estudos.

Somos manipulados a cada momento, e essa manipulação acaba condicionando as nossas escolhas; não nos vestimos simplesmente como queremos, ou não pintamos nossos cabelos da maneira que escolhemos impreterivelmente, nós somos manipulados a agirmos e nos vestirmos, e, pasmem, até pensarmos da maneira que a sociedade nos impõe, o que está entrelaçado à nossa cultura ou em uma cultura suprema.

3.1 Sociologia e seus apêndices

Esta sociologia que hoje conhecemos é uma ciência muito complexa, não só para a realidade brasileira, mas na sociedade brasileira ela apresenta uma particularidade. Embora apresente um método sistemático científico, foi somente no início da década de 30 que o pensamento sociológico surgiu com este formato de ciência para nossa sociedade, tanto que nas ideias abolicionistas e republicanas, o losango que aparece em nossa bandeira é símbolo do positivismo europeu, trazido por estes idealizadores no final do século XIX.

Mas, independente de todas estas particularidades peculiares na sociedade

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brasileira, nunca deixou de ser meta de estudo da sociologia no Brasil o estudo dos relacionamentos sociais e todos os seus desdobramentos, visto que para uma sociedade é de fundamental importância saber como é o comportamento social dos indivíduos frente a diversas situações.

Quando a sociologia volta à grade curricular do Ensino Médio, pode-se dizer que foi um êxtase e o coroamento dos esforços empreendidos pelas múltiplas forças dos sociólogos que vinham, ao longo de décadas, enfatizando a necessidade de se ensinar teorias e conceitos que expliquem as ações sociais, para que a nação seja consciente de seus desafios, e que os mesmos possam ser superados através de medidas científicas e não através de anarquias e movimentos vazios, trazer a reflexão sociológica ao conhecimento dos cidadãos para torná-los mais cultos, mais capazes, mais atentos às mudanças sociais no Brasil daqui para a frente.

Está entre estes desafios da sociedade brasileira a necessidade de elaboração de materiais didáticos de qualidade; o que é utilizado principalmente nas escolas públicas é um material não sem valor mais antigo, onde ainda não tínhamos a influência da tecnologia e os efeitos da globalização, eles servem sim de material e referencial teórico, mas não mais podem ser usados como fonte inspiradora, para a capacitação de profissionais qualificados para trabalhar em escolas de Ensino Médio.

Deve-se empenhar esforços em elaborar materiais que concentrem o maior número possível de teorias e referências conceituais básicas da atualidade, para orientar o trabalho nas diferentes redes de ensino; além disso, os anseios é que estes profissionais também sejam reciclados esporadicamente, afinal a função profissional a que estes profissionais se dedicam é dentro de uma sociedade globalizada, dinâmica e tecnológica. É mister que pelo menos estas funções sejam ocupadas por profissionais que possuam formação na área.

A criação de espaços de socialização de experiências metodológicas é rica, porém, ao longo de mais de dois séculos na construção dos conhecimentos a respeito da sociedade, e no Brasil há praticamente um século, a Sociologia ainda engatinha nas questões de maturidade para abrir campos de estudo específicos, e praticamente é zero a promoção dos diálogos envolvendo as outras áreas do conhecimento. Ora, a sociologia não é uma multiplicidade de conhecimentos? Por

A sociologia se torna cada vez mais interdisciplinar e plural no Brasil. Os sociólogos buscam redefinir seus conceitos de interdependência em um mundo cada vez mais globalizado.

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que tantas barreiras? Seria a desinformação?

Talvez por isso, ao invés de a sociologia ir realizando desdobramentos conforme a sociedade vai se apresentando, acabaram por surgir outras sociologias: a Sociologia rural, a Sociologia urbana, a Sociologia jurídica, da Administração, da Educação, do Esporte, da Cultura, do Conhecimento, da Saúde, do Desenvolvimento, entre outras. Nestas Sociologias, são tantas sem fundamentação que não há nem como trabalhar todas elas em seus campos e especificidades, pois necessitam avançar muito na produção de conhecimentos científicos que tenham como referência a sociedade brasileira.

Embora os diversos desencontros, ainda a Sociologia produzida no Brasil alcançou reconhecimento internacional, visto que nossos sociólogos saíram e produziram muito lá fora, mas também porque um de nossos mais representativos sociólogos chegou à Presidência da República. Temos de fato uma qualidade bastante interessante perante o mundo lá fora, e talvez pela influência vivida lá e a capacidade e o gosto pelas ciências sociais trouxeram para nossas academias cursos renomados de formação para sociólogos. São pessoas de diversas partes do mundo que passam por aqui para usufruir do rico mundo das ideias sociológicas num país que é ímpar no ensino desta ciência, pois tendo visto que não temos uma economia e um país estável. Os sociólogos brasileiros são muito solicitados para atuação como professores convidados em instituições internacionais de ensino e de pesquisa.

Isso é de grande contribuição para a sociedade brasileira no contexto do processo de ensino-aprendizagem. Essas ricas experiências vividas lá fora são transformadas em conhecimento acadêmico nas universidades.

Para uma sociedade que emergiu recentemente de uma profunda letargia sociológica, os pensadores sociólogos e educadores têm uma fonte inesgotável de conhecimento.

Para o sociólogo Tavares dos Santos, sua visão aponta para uma tendência neste século XXI, para o movimento de “translação conceitual”, que seria uma espécie de classificação das categorias geradas pela formação e reprodução das sociedades capitalistas com características atuais, na direção de outras categorias emergentes do interior das sociedades contemporâneas. Este novo movimento vai estabelecendo as condições para a emergência de um outro saber sociológico, já capaz de reconstruir intelectualmente a contextualização do novo século, com indicativos de uma nova

A Revolução Industrial não modificou apenas os ritmos e as modalidades de organização do trabalho. Alterou significativamente as formas e estilos de vida, o cotidiano e a cultura de todos os segmentos da população.

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morfologia do social e a urgência de questões sociais com outras características.

Com estas reflexões intelectuais sobre a Sociologia contemporânea, superou-se uma conhecida crise dos paradigmas e começou-se a construir um vigoroso campo intelectual, pleno de dinamismo teórico e de rigor histórico e empírico, são as novas condições sociais. Tavares dos Santos (1999) também aborda a crescente necessidade de compreensão das transformações em curso na sociedade contemporânea, como fato empírico e objeto de estudo a partir das últimas décadas do século XX, que culminaram nesse conhecimento da totalidade histórico-social diversificada, abrangente, complexa, heterogênea e contraditória, e ainda praticamente desconhecida.

Com as principais transformações que ocorrem nesta nova sociedade, ficam evidentes algumas características que são de fácil percepção aos olhos da sociologia: num primeiro momento, a nova sociedade tecnológica, onde as relações são realizadas sobre um campo de conhecimento científico e tecnológico, a nova fase industrial é agora uma produção que envolve aspectos da energia nuclear, da revolução da microeletrônica e das novas tecnologias das comunicações. As multinacionais estão em plena expansão e passam a conduzir a maior parte das atividades econômicas, é claro que com capital estrangeiro; uma sociedade globalizada que fundamenta acordos de ordem globalizada como na União Europeia, Nafta, Asean, Mercosul, o que dinamiza as relações e confere novos tipos de relações; a influência financeira e decisiva para o mercado interno das organizações internacionais (Banco Mundial, BID, Bird, FMI, OCDE, OMC).

Estas mudanças econômicas são acompanhadas por um plano da reorganização do trabalho, já se estabelece uma tendência à industrialização flexível, com a precarização do trabalho e uma forte tendência à terceirização, que vai buscar na teoria fordista inspiração. Uma proposta se faz urgente quanto à maneira de fazer ciência social, demarcando uma real preocupação com os fatores políticos e com as lutas sociais, mas sem deixar de engendrar as reais formas de descontinuidades do conhecimento teórico e as vicissitudes que são próprias da intelectualidade. Fica ainda manifesta a necessidade de um processo de trabalho sociológico que será

A própria concepção de vida social alterou-se bruscamente. Não se tratava mais de seguir a tradição, a estática de uma posição estabelecida pelo nascimento, mas de situar-se em uma dinâmica social em constante transformação e movimento.

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capaz de realizar críticas às teorias vigentes e, ao mesmo tempo, aceitar a influência de novas tendências sociais.

Vimos que nos dias atuais a sociologia é bastante teórica, e com estes apontamentos é possível que sejamos capazes de entender a construção do pensamento sociológico, com as influências próprias do século XX. Embora a sociedade brasileira apresente condições muito peculiares, nossas influências metodológicas são em bases muito consistentes das ciências sociais, então não há como distorcer uma trajetória capaz de identificar quem são os organismos e os principais fatores epistemológicos da reflexão.

A trajetória da sociologia no Brasil mostra com clareza as principais situações problemáticas e reflexivas que mudaram os contextos sociais.

1. Embora os diversos desencontros, ainda a Sociologia produzida no Brasil alcançou reconhecimento internacional, visto que nossos sociólogos saíram e produziram muito lá fora, mas também porque um de nossos mais representativos sociólogos chegou à Presidência da República. Temos de fato uma qualidade bastante interessante perante o mundo lá fora, e talvez a influência vivida lá e a capacidade e o gosto pelas ciências sociais trouxeram para nossas academias cursos renomados de formação para sociólogos. Considere as afirmações:I - Para o sociólogo Tavares dos Santos, sua visão aponta para uma tendência neste século XXI, para o movimento de “translação conceitual”, que seria uma espécie de classificação das categorias geradas pela formação e reprodução das sociedades capitalistas com características atuais, na direção de outras categorias emergentes do interior das sociedades contemporâneas.II - Tavares dos Santos (1999) também aborda a crescente necessidade de compreensão das transformações em curso na sociedade contemporânea, como fato empírico e objeto de estudo a partir das últimas décadas do século XX.III - Os sociólogos brasileiros nunca foram solicitados para atuação como professores convidados em instituições internacionais de ensino e de pesquisa.

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2. Deve-se empenhar esforços em elaborar materiais que concentrem o maior número possível de teorias e referências conceituais básicas da atualidade, para orientar o trabalho nas diferentes redes de ensino; além disso, os anseios é que estes profissionais também sejam reciclados esporadicamente, afinal a função profissional a que estes profissionais se dedicam é dentro de uma sociedade globalizada, dinâmica e tecnológica. É mister que pelo menos estas funções sejam ocupadas por profissionais que possuam formação na área. Faça uma análise da atividade do sociólogo dentro da sociedade contemporânea, demonstrando as exigências as quais este profissional deve atender.

Marque a alternativa correta:a) I e II correta e III incorreta.b) I correta e II e III incorreta.c) I e III correta e II incorreta.d) II correta e I e III incorreta.

Estamos chegando ao final de mais uma unidade, e de certa forma esperamos que você, aluno, tenha se interessado pela sociologia, como uma ciência que pode trazer não só a compreensão dos fatos e acontecimentos sociais, mas também como uma ferramenta que pode levá-lo a estudar os movimentos sociais desde suas origens até suas repercussões atuais. Sabemos que por vezes pode parecer que as reflexões sociológicas são um tanto desalinhadas ao contexto social, mas elas não são desvinculadas em momento algum da condição social, o que por vezes acontece é que os cidadãos não se reconhecem e não se identificam em seus ambientes sociais.

Deixam-se levar por conceitos de senso comum, agem como se não existisse uma ordem, não são capazes de identificar-se enquanto agentes pensantes de um processo de evolução natural

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da sociedade. Existe uma massificação de conceitos onde todos parecem ser hipnotizados e furtados de sua razão racional.

Estudar a sociologia na modernidade e principalmente na sociedade brasileira é um processo bastante interessante, temos uma realidade bem distinta das demais regiões do mundo. Na França, por exemplo, a escola sociológica é forte, mas eles têm uma sociedade estabilizada, no nosso país temos uma riqueza muito grande de materiais sociológicos, em contraponto nossa sociedade é extremamente vulnerável, os movimentos sociais não são consistentes, as formações sociais são superficiais, parece não existir raízes que permitam atestar sobre as condições de forma acabada.

Temos uma forma muito própria de fazer sociologia, com renomados sociólogos, um rico e extenso material teórico, métodos científicos sólidos e eficazes, mas atestar uma condição social como definitiva em nossa sociedade seria imaturo e leviano, existe sim uma tendência que os sociólogos acabam por apresentar, isso sim, já é um sinal de adesão à proposta sociológica.

Pois bem, caros alunos, finalizamos a terceira unidade, e nela fechamos mais uma etapa de nosso conhecimento. Passamos por uma contextualização histórica para entender como acontece hoje a sociologia, relembramos o papel dos grandes pensadores que deixaram um legado imortal para fazermos sociologia. Embora suas definições e conceitos tenham vindo em uma sociedade muito diferente da atual, suas inegáveis contribuições se mostram até hoje atuais se aplicadas sob alguns eventos sociais.A sociologia brasileira é bastante rica, com seus sociólogos, e embora tenha passado um tempo de dormência, agora ressurgiu e entrou novamente nas cátedras, desenhando um novo rumo para o ensino da sociologia.Hoje muito mais que antigamente, a sociologia está preocupada em entender a sociedade, e com isso numa ação vitoriosa dos sociólogos contemporâneos ela já está dentro das escolas de

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Ensino Médio. Tamanha a importância atual de reconhecimento das ações sociais e individuais que envolvem as relações sociais.Finalizando nossa unidade, é nossa intenção que você entenda que não queremos fazer uma sociologia catedrática, queremos que as pessoas conheçam e saibam reconhecer-se enquanto agentes capazes de identificar nas ações sociais aquilo que as representam e como elas querem ser representadas.Pois bem, desejamos a vocês sucesso e uma excelente utilização destas informações, que agora já não são mais simples informações, agora fazem parte de seu arcabouço teórico, capaz de melhorar todas as suas relações e também ajudar a outros a melhorar.

1. Ele é um contemporâneo, pois seu falecimento se deu em 10 de agosto de 1995, em São Paulo. Ele era considerado não só um cientista social, mas também um professor, pois seu objeto de pesquisa tendeu sempre para a educação, é dele a frase: "Em nossa época, o cientista precisa tomar consciência da utilidade social e do destino prático reservado a suas descobertas". Estamos reconhecendo este discurso na pessoa de:

Marque a alternativa correta:

a) Marilena Chauí

b) Octávio Ianni

c) Florestan Fernandes

d) Ayrton Fausto

2. Talvez por isso, ao invés da sociologia ir realizando desdobramentos conforme a sociedade vai se apresentando, acabaram por surgir outras sociologias: a Sociologia rural, a Sociologia urbana, a Sociologia jurídica, da Administração, da Educação, do Esporte, da Cultura, do Conhecimento, da Saúde, do Desenvolvimento, entre outras. Nestas Sociologias, são tantas sem fundamentação que não há nem como trabalhar todas elas em seus campos e especificidades, pois necessitam avançar muito na produção de conhecimentos científicos, que tenham

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como referência a sociedade brasileira. Avalie as sentenças abaixo:

I - A criação de espaços de socialização de experiências metodológicas é rica, porém, ao longo de mais de dois séculos na construção dos conhecimentos a respeito da sociedade, e no Brasil há praticamente um século.

II - Embora a sociedade brasileira apresente condições muito peculiares, nossas influências metodológicas são em bases muito consistentes das ciências sociais, então não há como distorcer uma trajetória capaz de identificar quem são os organismos e os principais fatores epistemológicos da reflexão.

III – Mas, independente de todas estas particularidades peculiares na sociedade brasileira, nunca o estudo da sociologia no Brasil foi para os relacionamentos sociais e todos os seus desdobramentos.

Marque a alternativa correta:

a) Verdadeira, falsa, verdadeira.

b) Falsa, verdadeira, verdadeira.

c) Falsa, falsa, verdadeira.

d) Verdadeira, verdadeira, falsa.

3. Se voltarmos nosso olhar sobre os clássicos da Sociologia, e suas contribuições teóricas, logo chegaremos a uma compreensão com as mais diversas expressões desse mundo. Sob diversos aspectos, ela nasce e desenvolve-se. Mais do que isso, o mundo moderno vai precisar da Sociologia para ser explicado, para ser compreendido, talvez sendo ainda mais ousado dizer que esse mundo seria mais confuso, incógnito e caótico se não houvesse a sociologia. Marque a segunda coluna de acordo com a primeira:

(1) Karl Marx

(2) Émile Durkheim

(3) Max Weber

( ) A realidade social é caótica, posto que impregnada do caos das ações individuais. Para que o sociólogo consiga sistematizar

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4. Em outras palavras, os homens deveriam trabalhar arduamente e abdicar dos prazeres, e consequentemente da liberalidade financeira, para purificar sua alma. Esse tipo ideal de ação favoreceu o fortalecimento do capitalismo nos países de forte influência protestante. Este tipo de conceito identifica Weber, e seu legado se dá através de outras teorias. Nas alternativas abaixo identifique a resposta INCORRETA:

a) ação tradicional: baseada nos costumes, como, por exemplo, festejar a Páscoa.

b) ação afetiva: baseada em emoções e sentimentos, como uma torcida esportiva.

c) ação racional orientada para valores: é uma ação baseada na razão e em valores econômicos, tendendo a atender às necessidades físicas.

d) ação racional orientada para fins: ação racional realizada para obtenção de um fim específico, como o trabalho em uma empresa.

5. Com a Revolução Industrial, consolidou-se o capitalismo, uma nova forma de relações sociais e de trabalho, a falência de alguns costumes e instituições, a autonomia das diferentes classes sociais, o aumento de números de suicídios, prostituição e violência, a constituição de um proletariado, etc. Todas essas novas situações, que até então não estavam previstas na ordem natural das sociedades, vão, gradativamente, alterando o pensamento moderno, que vai tornando-se mais racional e científico, modificando aquelas explicações teológicas, filosóficas

o estudo das ações sociais, ele cria os tipos ideais de ação social.

( ) Marx ideologicamente acreditava que o proletariado seria capaz de evoluir em sua condição social e chegar por si a uma condição onde os trabalhadores seriam organizados a ponto de eles mesmos estabelecerem o que seria para o bem da coletividade, rompendo com o domínio burguês.

( ) Ele afirma que os fatos sociais são assimilados pelo pensamento, se não forem vistos como coisas podem ter sua análise enviesada pela ideologia de quem os estuda, pois o sociólogo também sofre a coerção dos fatos sociais.

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e de senso comum que davam um ar muito fluido à sociedade; as situações agora são muito mais reais e palpáveis. De acordo com a teoria durkheimiana, contextualize a sociedade moderna.

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Referências

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VITA, Álvaro de. Sociologia da sociedade brasileira. 5. ed. São Paulo: Ática, 1996.

VALORES MORAIS E ÉTICOS

Seção 1 | Contribuições filosóficas acerca da ética e da moral

Seção 2 | A ética e a moral na sociologia

Seção 3 | A sociologia no ensino médio

Objetivos de aprendizagem: - Analisar a questão da ética e da moral no campo filosófico e sociológico;- Relacionar a questão da moral e da ética com a docência.- Refletir sobre o campo de luta em que se insere a disciplina de

Sociologia no Ensino Médio.

Mariana de Oliveira Lopes Vieira

Unidade 4

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Introdução à unidade

Caros alunos, nesta unidade, “Valores morais e éticos”, vocês serão levados a analisar a questão da ética e da moral tanto no campo filosófico quanto no campo sociológico. Esta reflexão nos dará a possibilidade de entendermos como estes valores contribuem para pensarmos a questão da docência, nossa escolha profissional. A união da teoria e da prática é imprescindível ao professor e, mais ainda, ao professor de Sociologia. Buscaremos relacionar a ética e a moral à docência, especificamente à prática profissional do professor de Sociologia. Ademais, esta unidade possibilitará que vocês compreendam um pouco o campo de lutas em que a Sociologia se insere como disciplina na Educação Básica.

Diante de nossa realidade atual, onde muitas vezes não sabemos como lidar com nossos alunos em sala de aula, onde a violência e o desrespeito ao professor parecem ser a regra, ainda é possível falarmos de ética?

Nos grandes meios de comunicação as notícias parecem ser sempre de caos social; que estamos diante de uma sociedade corrupta, de partidos sem ideologia, enfim, com sérios problemas relacionados à ética e à moral. Enfim, mas o que é, afinal, ética? E moral? Existe só um exemplo de moral? Podemos analisar os diversos comportamentos a partir de retratos da realidade feitos pela grande mídia?

Diante desse cenário, muitas vezes, como professor de Sociologia, principalmente, seremos questionados sobre a nossa opinião, análise e, mais do que isso, que nos posicionemos, que tomemos parte diante da realidade política, econômica e institucional.

Para não cairmos em compreensões fragmentadas e do senso comum da realidade, precisamos estudar como o pensamento científico pode nos ajudar a compreender os fenômenos sociais e com isso contribuir com nossa formação política e social. Antes de discutirmos como a Sociologia analisa a questão da ética e da moral, faremos uma breve introdução destes conceitos no pensamento filosófico, afinal, a filosofia foi quem nos introduziu a este debate.

Entretanto, desde Maquiavel se denuncia a falta de "ética na política", embora o próprio conceito de política tenha se modificado substancialmente da Renascença até aos nossos dias, devido ao impacto que as "revoluções burguesas", as "revoluções proletárias", "o totalitarismo" e "o progressismo" tiveram sobre o ambiente político e social.

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Se tomarmos o ponto de vista da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que converte cerca de 30 princípios morais em "direito universal", e compararmos com a situação nacional, poderíamos afirmar que o Brasil é um país imoral, ilegal, que não cumpre nem metade dos acordos que assina, que investe mais em cimento que em educação, em pessoas? Se fôssemos fazer uma discussão sobre a ética, a conclusão assombraria até os mais acomodados dentre nós, visto que seríamos forçados a concordar que estamos muito longe dos ideais que almejamos.

Como se pode perceber, para discutirmos ética ou filosofia moral no Brasil precisaríamos de uma longa introdução, o que não é o propósito dessa unidade. No entanto, como a ética é uma ciência baseada nos costumes, é perfeitamente admissível que se comece a explanação conceitual a partir da problematização de situações reais como as vivenciadas por todos nós cotidianamente em nosso cenário político e social.

Na primeira seção faremos uma breve introdução de como a filosofia, ao longo da história, discutiu e analisou a questão da ética e da moral. Veremos como os gregos iniciaram o debate sobre a ética e, na sequência, discutiremos a ética socrática, a platônica, a aristotélica, a cristã e, por fim, a ética moderna.

Na segunda seção passaremos a analisar a moral e a ética para o pensamento sociológico. Veremos como Durkheim, Marx e Weber, os chamados clássicos da Sociologia, nos ajudam a entender a ética e a moral nos dias de hoje, na sociedade moderna. Em seguida discutiremos como este pensamento pode contribuir com uma análise acerca da ética na docência, importante objeto de análise para aquele que se propõe seguir a carreira da licenciatura.

Na terceira e última seção buscaremos fazer uma análise da profissão do licenciado em Sociologia. Para isso discutiremos como esta profissão se encontra no Brasil. Faremos uma breve reconstituição histórica do ensino de Sociologia no Brasil, para em seguida discutirmos um pouco como esta disciplina está dividida nos currículos do Ensino Médio. Espero que esta seção seja útil para vocês, assim como toda esta nossa unidade!

Boa leitura e bons estudos!

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Seção 1

Contribuições filosóficas acerca da ética e da moral

Os problemas e análises sobre a ética começaram com o filósofo Sócrates. Ele se interrogava sobre o bem moral, ou seja, como o homem deve pautar sua ação, que, para ele, deve ser pautada pelo conhecimento. A busca pelo conhecimento deve ser uma obrigação moral, e isso determinaria sua felicidade (“Eudaimonia” - todos os filósofos discutem este conceito). Sócrates é conhecido como fundador da ética.

A ética de Sócrates foi pouco desenvolvida, mas outro filósofo, Aristóteles, pôde dar uma maior sofisticação ao termo. Na filosofia se faz necessário pensar a ética fora do campo da religião. Sócrates pensou o bem moral fora do pensamento religioso de seu tempo, à luz da racionalidade e não dos costumes.

Na linguagem coloquial, os termos "ética" e "moral" são usados de modo indistinto, quase como sinônimos. Ouvimos frequentemente alguém dizer que "aquela pessoa é ética", "precisamos de mais ética na política", "tal conduta é imoral", "esse caso é um atentado contra a moral", etc. Afirmações como essas nos indicam, se não o significado conceitual dos termos, ao menos onde devemos buscá-lo, isto é, no âmbito dos costumes.

Com efeito, tanto o termo "ética" como o termo "moral" possuem suas raízes etimológicas ligadas aos "costumes". No dicionário básico de filosofia (JAPIASSU; MARCONDES, 2001, p.69), lemos que o termo "ética" deriva do vocábulo grego "ethos", que significa costumes, espaço da convivência humana. No mesmo dicionário notamos que o termo "moral", por sua vez, remonta ao vocábulo latino "morus" (ou "moris" no plural), que significa costume(s) (JAPIASSU; MARCONDES 2001, p. 134). Assim, se fôssemos considerar apenas a origem etimológica dos termos, haveríamos de concordar que a ética e a moral são a mesma coisa, pois ambas lidam com questões ligadas aos costumes.

Ademais, devemos lembrar que tanto um termo quanto o outro são usados ora como substantivo, ora como adjetivo, o que colabora para certa confusão acerca dos seus significados. Aqui, obviamente, nos interessam suas definições substantivas.

Embora seja evidente a qualquer estudioso o parentesco entre os conceitos, na

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literatura filosófica especializada procura-se distinguir essas noções, dando-lhes dimensões específicas. Neste sentido, destaca-se a moral como o "conjunto dos costumes", como a "conduta dirigida ou disciplinada por normas", ao passo que a ética é vista como a "parte da filosofia prática que tem por objetivo elaborar uma reflexão sobre os problemas fundamentais da moral" (JAPIASSU; MARCONDES, 2001, p. 69). De acordo com essa distinção, a ética é vista como a disciplina filosófica que examina os princípios da conduta moral dos indivíduos, entendidos como seres racionais, dotados de vontade e capacidade de escolha, enquanto que a moral é entendida como o sistema de normas que se destina a regular a conduta individual e a convivência social nas diversas sociedades históricas. (ABBAGNANO, 2007, p. 682).

Diferentemente da moral, portanto, a ética está mais preocupada em detectar os princípios de uma vida conforme à sabedoria filosófica, em elaborar uma reflexão sobre as razões de se desejar a justiça e a harmonia e sobre os meios de se alcançá-las. A moral, por sua vez, está mais preocupada com a construção de um conjunto de prescrições destinadas a assegurar uma vida comum em um determinado arranjo social. (JAPIASSU; MARCONDES, 2001, p. 134).

1.1 A ética e moral na história

1.1.1 Ética grega

1.1.2 Ética Socrática

Atribui-se aos gregos a criação da ética enquanto disciplina filosófica autônoma, isto é, como um modo racional de se conduzir a análise do fenômeno moral (ação voluntária), desvinculado da religião e dos costumes vigentes. A ética grega em seu conjunto é reconhecida pela sua apologia à virtude (areté), conceito com o qual os gregos denominavam as formas de excelência do caráter. Em Homero, por exemplo, onde se encontra a base da formação da aristocracia militar, a ética é baseada na areté (excelência) dos heróis. Já em Hesíodo, o foco é a formação do homem do campo, através do cultivo dos valores do trabalho e da moderação (PAVIANI, 2014, p. 227).

Mais especificamente, outorga-se a Sócrates (469-399 a. C.) a fundação da filosofia moral. Afastando-se da tradição mítica que apregoa a obediência aos costumes, por um lado, e criticando o corpo de valores reinantes no cenário da democracia ateniense, por outro, Sócrates busca eleger um critério universal que possa guiar o homem no caminho da correção moral, propiciando-lhe a felicidade e a paz de espírito. A meta da ética socrática é, neste sentido, o desenvolvimento da "enkrateia", termo grego que significa autodomínio, sinal de autoconhecimento. A "enkrateia" socrática visa tornar o homem senhor dos seus desejos, de suas paixões, de seus temores, em suma, libertá-lo daquelas situações que lhe causariam alguma espécie de sofrimento desnecessário, equivocado. (REALE, 1990, p. 91).

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1.1.4 Ética aristotélica

1.1.3 Ética platônica

Aristóteles escreveu alguns tratados de ética, dos quais se destaca a Ética a Nicômaco, texto que se tornou um clássico da filosofia moral ocidental. Neste livro,

A filosofia moral de Platão (428-348 a. C.), por seu turno, está intimamente ligada à sua teoria política, isto é, o seu ideal de homem não pode ser descolado do seu ideal de sociedade (REALE, 1990). Embora concorde com seu mestre que o conhecimento racional é o mais elevado dos bens, ele não o recomenda a todos os homens. Talvez por sua ascendência aristocrática, Platão deixa a entender que nem todos os homens nascem para a atividade do pensamento, para ter uma vida filosófica. Existem alguns "tipos humanos" e cada qual possui a sua virtude, a sua forma de excelência (areté).

Na República, Platão projeta uma sociedade idealizada dividida em três classes, produtores, guardiões e governantes, cada classe devendo cumprir sua função segundo a virtude (excelência) que lhe é específica. Aos produtores Platão recomenda o cultivo da temperança (sofrosine), aos guardiões cabe a fortaleza ou coragem (andreia), e aos governantes compete desenvolver a prudência e a sabedoria (frônesis/sofia). Ao governante filósofo ainda cabe a busca, através da dialética, da contemplação da Ideia do Bem, a partir da qual ele poderá governar promovendo a justiça, que é a harmonia e cooperação entre as classes. (VALLS, 1994, p. 27).

Qual critério Sócrates elege como guia da ação humana? A resposta é bem simples, considerando que se trata de um filósofo. O conhecimento, afirma Sócrates, é o único guia capaz de levar o homem à felicidade, ou seja, à vitória contra os revezes causados pelas paixões, pelos desejos e temores que nos assombram constantemente. Se considerarmos as lições atribuídas a Sócrates, haveremos de concordar que nem a tradição - por mais antiga que seja -, nem o ambiente político da cidade são capazes de fornecer os valores que guiarão o homem rumo à realização plena de sua natureza racional. O conhecimento é a mais elevada forma de excelência (areté), isto é, a virtude no mais alto grau (REALE, 1990, p. 89).

É preciso a autocrítica (só sei que nada sei), a autoanálise (conhece-te a ti mesmo), ou seja, a busca pelo conhecimento da natureza humana para que cheguemos a uma velhice feliz. Sócrates elabora, portanto, uma ética de cunho racionalista.

Na perspectiva socrática, o sábio é feliz e o ignorante é infeliz, não porque seja mal - nossa natureza racional nos inclina a agir com retidão -, mas porque não busca ou desconhece o bem mais precioso, que é o conhecimento. Essa concepção ética atribuída a Sócrates é denominada "intelectualismo moral", concepção segundo a qual o intelecto bem nutrido pelo conhecimento é capaz de guiar a vontade no caminho do bem moral, ou seja, da virtude (areté). (CHAUÍ, 2000).

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o filósofo estabelece que a ética é a ciência que tem por finalidade identificar o que é o bem do homem, considerando sua natureza racional, e os meios para se realizá-lo. Essa perspectiva que busca o fim ou a finalidade da vida humana é denominada teleologia (doutrina dos fins), tal que atribui-se a Aristóteles a elaboração de uma ética teleológica (ABBAGNANO, 2007, p. 380).

Qual é o bem supremo do homem, aquele que submete todos os bens particulares, aquele para além do qual nada mais se almeja? A resposta de Aristóteles está em concordância com os costumes da nossa sociedade, visto que o filósofo afirma que o "télos" (finalidade) da vida humana é a felicidade (eudaimonia) e os meios para se conquistá-la é a prática cotidiana das virtudes. Aristóteles divide as virtudes em duas categorias, a saber, as virtudes éticas, manifestas mediante a ação moral, e as dianoéticas, que são as virtudes intelectuais, uma voltada para a prática (frônesis - prudência) e outra de viés teórico (sofia - sabedoria filosófica). As virtudes intelectuais dão suporte para as virtudes éticas, as quais são adquiridas pelo hábito de se praticar ações virtuosas, ao passo que as virtudes intelectuais são adquiridas através da experiência e dos estudos (CHAUÍ, 2000).

Dentre as virtudes morais fundamentais, o filósofo destaca o papel da justiça (dike), da coragem (andreia) e da amizade (philia), enquanto alicerces sem os quais o homem não realiza o seu "télos", sua natureza racional. A eudaimonia (felicidade) aristotélica é uma atividade da alma (conforme a razão), bem em conformidade com o ideal grego de "vita contemplativa", que estipula o trabalho intelectual como via privilegiada para a felicidade. A felicidade aristotélica é uma composição de prazer, bem-estar material, honra, amizade e filosofia, só alcançável na maturidade da vida, no amadurecimento da razão, exatamente porque supõe a prática das virtudes, a experiência, os estudos e a vitória sobre as paixões (REALE, 1990).

1.1.5 Ética helenística: epicurismo e estoicismo

Nos séculos de hegemonia da filosofia helenística, que domina o cenário intelectual do império macedônico, da república e do império romano até a cristianização, destacam-se as posturas éticas do epicurismo e do estoicismo, as quais preconizam a "ataraxia" e a "apatia" ou "eutymia" como guias para a felicidade (NICOLA, 2005). A ataraxia dos epicuristas preconiza uma espécie de dieta para as paixões e os desejos em sua relação com a vida pensante, orienta-nos especialmente no modo de proceder em relação aos deuses e aos temores e sofrimentos da vida. A apatia estoica concebe o império da razão como lei universal, regulando os acontecimentos naturais, e servindo de parâmetro para a conduta individual. O seu ideal de apatia, em pleno acordo com essa visão cosmológica, zela pelo quietar das emoções, dos instintos irracionais, resultado de um aprimorado cultivo da razão.

Epicuro é muito claro na apresentação do seu critério para a ação moral e do seu guia para a vida feliz, ao afirmar que "nós dizemos que o prazer é princípio e o

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1.1.6 Ética cristã

Na medida em que se convencionou chamar a Idade Média europeia o período cristão do Ocidente, o pensamento ético que conhecemos está, portanto, todo ele ligado à religião, à interpretação da Bíblia e à teologia.

Após a cristianização do império romano, ocorre também uma mudança na concepção do "viver bem", pela qual se deixa de difundir uma "ética das virtudes" em favor de uma "ética do dever" (deontologia). A boa vida apregoada pelos intelectuais cristãos não é a vida baseada na prática das virtudes morais e políticas, mas sim a vida baseada na obediência aos mandamentos sagrados. Em vez da felicidade terrena pautada na prática das virtudes, busca-se a partir de agora a "salvação da alma".

Durante os séculos de domínio do pensamento cristão, a razão torna-se serva da fé, isto é, a filosofia passa a ser vista não mais como uma atividade independente e autônoma na busca da verdade e da vida boa, mas sim como um braço da teologia, uma ferramenta complementar à vida religiosa. Em termos éticos ou morais, isto tem uma consequência profunda: quando o homem se pergunta como deve agir, não pode mais satisfazer-se com a resposta que manda agir de acordo com a natureza, mas deve adotar uma nova posição que manda agir de acordo com a vontade do Deus pessoal. Para que isto seja praticamente viável, torna-se necessário conhecer a vontade deste Deus pessoal, e a filosofia sente a necessidade de uma ajuda fundamental fora

fim último da vida feliz. Nós sabemos que ele é o nosso bem primeiro e congênito; dele partimos em qualquer ação de escolha e de rejeição, e a ele nos reportamos ao julgarmos todo bem como base nas afeições assumidas como norma" (EPICURO, apud NICOLA, 2005, p. 108).

Um fragmento de Sêneca ilustra perfeitamente a busca desse ideal de tranquilidade: "Nós estamos à procura dos modos pelos quais a alma possa proceder com equilíbrio e harmonia, estar em paz consigo mesma e satisfeita com sua condição; de como possa não turbar essa alegria e se manter serena, sem nunca se exaltar nem se abater. Essa será a tranquilidade (da alma)." (SÊNECA, apud NICOLA, 2005, p. 113).

Dois aspectos dessas teorias éticas que valem a pena destacar são, primeiramente, a apologia da amizade por parte do epicurismo, e a seguir, a defesa do cosmopolitismo da parte dos estoicos. A primeira torna-nos parte de uma "comunidade de iguais", ao passo que a segunda nos torna "cidadãos do mundo", capazes de assimilar valores de culturas estrangeiras, ao mesmo tempo que exportamos valores, e manter com elas um produtivo contato. A comunidade de iguais, ao seu modo, nos liberta das obrigações e dos problemas da vida comunitária - burocracia, por exemplo. Esse tipo de comunidade nos transporta para um ambiente de prazer físico e intelectual, inserido no qual a subjetividade encontra espaço para a sua realização.

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dela: os homens procuram a revelação de Deus. (VALLS, 1994, p. 36).

Os dois principais filósofos cristãos do período medieval, Agostinho de Hipona (354-430) e Tomás de Aquino (1225-1274), concentraram suas reflexões em torno de dois problemas centrais: a origem do mal moral e o livre-arbítrio. Ambas essas reflexões procuram resolver o problema do pecado, que é a mais importante questão moral a ser equacionada na doutrina cristã.

Agostinho rejeita o determinismo e afirma a liberdade da vontade humana, sustentando que o pecado consiste na submissão da razão às paixões. De acordo com este pensador da Igreja, o livre-arbítrio foi-nos dado por Deus para que agíssemos bem voluntariamente, pois "não é porque o homem pode usar a sua vontade livre para pecar que se deve supor que Deus a concedeu para isso". O mal moral, por sua vez, é uma espécie de privação, de não ser no sentido da filosofia grega, pois toda realidade provém de Deus, e o mal não tendo existência positiva, não provém da vontade divina (MARCONDES, 2007, p. 51).

Tomás de Aquino, por sua vez, recusa a concepção segundo a qual o Mal é algo, uma entidade. Ele o entende como parte da natureza, no sentido da imperfeição ou da corrupção das coisas criadas, que podem ser perecíveis e imperfeitas. No tratado sobre o homem, Tomás de Aquino discute o livre-arbítrio em termos da liberdade do ato voluntário, enquanto escolha racional. Para ele, o livre-arbítrio decorre da própria racionalidade humana e é um pressuposto da ética enquanto possibilidade de escolha daquilo que é bom em detrimento do que é mau. (MARCONDES, 2007, p. 59)

1.1.7 Ética Moderna

Na Idade Moderna, que coincide com os últimos quatro ou cinco séculos, apresentam-se então duas tendências: a busca de uma ética laica, racional (apenas), muitas vezes baseada numa lei natural ou numa estrutura da subjetividade humana, que se supõe comum a todos os homens, e, por outro lado, novas formas de síntese entre o pensamento ético-filosófico e a doutrina da Revelação cristã. (VALLS, 1994).

A partir do Renascimento, da Reforma Protestante e do Iluminismo, e da Revolução Industrial, ou seja, aproximadamente entre os séculos XV e XVIII, a burguesia que começava a crescer e a impor-se, em busca de uma hegemonia, por meio do liberalismo acentuou outros aspectos da ética: o ideal seria viver de acordo com a própria liberdade pessoal, e em termos sociais o grande lema foi o dos franceses: liberdade, igualdade, fraternidade. (VALLS, 1994).

A ideologia liberal, iluminista e antropocentrista influenciará no surgimento de novas formas de análise da realidade social, da ética e da moral, em especial. No século XIX, no bojo da consolidação do modo de produção capitalista, surge a Sociologia como ciência para explicar esta nova realidade social que nascia. Desta forma, esta nova

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ciência tenta dar conta dos novos padrões de comportamento, valores e normas que passam a reger a vida em sociedade. Neste sentido, teremos análises sobre as normas e regras de comportamento gerais da sociedade moderna, com Durkheim; teremos análises das especificidades da origem do capitalismo no Ocidente com o papel da ética protestante em Weber; e as ideologias construídas pela sociedade capitalista (normas, valores etc.) analisados por Marx.

Desta forma, veremos na próxima seção como a Sociologia, através dos chamados clássicos (Durkheim, Weber e Marx), analisa as questões que envolvem os valores morais e éticos.

1. De que forma o pensamento filosófico nos ajuda a compreender a ética e a moral hoje? Dê um exemplo de ética ao pensarmos o comportamento político.

2. Descreva quais as principais escolas da filosofia e quais as suas teses sobre a ética.

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Seção 2

A ética e a moral na sociologia

2.1 A contribuição dos Clássicos da Sociologia no debate sobre moral e ética

Bom, agora que já vimos e discutimos como a ética e a moral foram desenvolvidas pela filosofia, analisaremos nesta segunda seção como os chamados clássicos da Sociologia (Durkheim, Weber e Marx) discutiram o tema e em que medida estas reflexões nos auxiliam para pensarmos nossa vida profissional (professor de Sociologia).

A Sociologia compreende os valores e normas dentro de uma determinada sociedade. As normas são leis e regulamentos inscritos na estrutura jurídica de uma sociedade, estabelecida por meio de convenções; os valores são aprovações e reprovações dentro de critérios de julgamento de si e dos outros, mas nunca individuais, sempre compartilhado socialmente. A sociedade é composta por um conjunto de normas e valores, que definem o que é certo e o que é incorreto, louvável e repugnante, bom e mau, virtuoso e pecaminoso. Estes pressupostos são importantes na medida em que regulam o comportamento humano. Desta forma, a visão moral de uma sociedade é importante para delimitar o comportamento dos indivíduos em sociedade e para estabelecer critérios para o convívio social.

Para analisarmos a questão da moral e da ética no pensamento sociológico, acreditamos que seja necessária uma reflexão sobre o tema no campo da educação, ou seja, precisamos entender que as ações empreendidas com o objetivo de educar estão relacionadas com técnicas aplicadas, normas vigentes e valores compartilhados pelos indivíduos envolvidos neste processo, em uma sociedade historicamente dada. Desta forma, para a Sociologia, não há técnica pedagógica neutra, todas são construídas e utilizadas em meio a valores e normas. Assim sendo, analisaremos ainda como os clássicos da Sociologia debatem estas questões que envolvem a ética na docência.

Segundo o pensamento sociológico clássico (Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx), os valores e normas dentro de uma determinada sociedade são estabelecidos por meio de convenções; os valores são aprovações e reprovações dentro de critérios

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de julgamento de si e dos outros, mas nunca individuais, sempre compartilhados socialmente. As normas são leis e regulamentos inscritos na estrutura jurídica de uma sociedade.

A sociedade é composta por um conjunto de normas e valores, que definem, como vimos, o que é certo e o que é incorreto, louvável e repugnante, bom e mau, virtuoso e pecaminoso. Estes pressupostos são importantes na medida em que regulam o comportamento humano e constituem um fator de coesão social. Desta forma, a visão moral de uma sociedade é importante para delimitar o comportamento dos indivíduos em sociedade e para estabelecer critérios para o convívio social. Por exemplo: normas de proibição do incesto, símbolos religiosos, assassinato, traição, laços familiares, etc.

COESÃO SOCIAL é o grau em que os indivíduos que participam de uma sociedade determinada se identificam com ela, se sentem obrigados a seguir as regras, as normas, as crenças e a estrutura desta sociedade. O sociólogo que se dedicou a entender a questão da coesão social foi Durkheim. Para ele, o grau da coesão depende da maneira como os sistemas sociais são organizados. Existem duas fontes básicas da coesão social, do consenso, união da sociedade: solidariedade mecânica e solidariedade orgânica. Enquanto na primeira a coesão se dá por meio da cultura (estilos de vida, valores, crenças comuns), a segunda se baseia em uma complexa interdependência devido ao alto grau de complexificação da sociedade, principalmente no que se refere à divisão social do trabalho.

Para entender mais sobre o assunto, leia a obra de Émile Durkheim, “Da divisão do trabalho social”. São Paulo: Abril Cultural, 1984.

Do ponto de vista sociológico, o comportamento moral possui quatro características básicas: 1) jamais tem o interesse pessoal do ator como objetivo principal; 2) inclui um aspecto de comando, o que faz com que todas as pessoas sintam obrigação de fazer o que é certo; 3) é vivenciado como sendo desejável e dele se tira certa satisfação e prazer; 4) é considerado como sagrado, no sentido em que sua autoridade é experimentada como além de controle humano. O assassinato, por exemplo, não pode ser legalizado sem romper a estrutura moral da sociedade, ou então precisa ser apresentado como outra coisa que não o homicídio (JOHNSON, 1995, p. 154).

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De acordo com o Dicionário do Pensamento Social do século XX (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996), ética refere-se à avaliação normativa das ações e do caráter dos indivíduos e grupos sociais. Utiliza-se geralmente o termo ética juntamente com o de moral para referir-se às obrigações e deveres que governam a ação dos indivíduos em sociedade. A moralidade é uma instituição moderna e a ética uma categoria mais complexa.

Em todas as culturas as ideias do que é considerado importante, válido, são fundamentais na medida em que dão sentido e fornecem uma direção aos homens, enquanto esses interagem no mundo social. Os valores e as normas variam muito através das culturas.

Contudo, sabemos que mesmo dentro de um determinado território os valores e normas podem ser diversos e até contraditórios. Conforme Giddens:

Segundo Giddens (2005, p. 38), enquanto algumas culturas valorizam o individualismo, outras dão mais ênfase no coletivo. Por exemplo: na Grã-Bretanha, os alunos reprovariam o comportamento de um aluno “colando” na prova, na medida em que defendem os valores de liberdade, igualdade e respeito ao individualismo. Entretanto, na Rússia, ajudar o outro a passar em uma prova reflete o valor que os russos dão à igualdade e à solução coletiva dos problemas.

Qual a sua reação diante deste problema? Como poderíamos analisar seu comportamento de acordo com os valores defendidos aqui em nosso país?

Alguns grupos ou indivíduos podem valorizar crenças religiosas tradicionais, enquanto outros podem enfatizar o progresso e a ciência. Enquanto algumas pessoas preferem conforto material e sucesso, outras podem preferir a simplicidade e uma vida tranquila. Em nossa época de mudanças, tomada pelo movimento global das pessoas, das ideias, dos bens, da informação, não é surpreendente que encontremos exemplos de valores culturais em conflito (GIDDENS, 2005, p. 39).

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Além de podermos observar em uma mesma sociedade diversos valores e normas de comportamento, frequentemente, ao longo da história, os valores culturais mudam. Pensem em nossa sociedade: no Brasil temos uma diversidade de ideias e normas de comportamento. Muitas delas se transformaram ao longo do tempo, por exemplo, as regras no que diz respeito ao casamento. Hoje em dia, com os novos arranjos familiares, temos a possibilidade de constituirmos família de diferentes maneiras, como, por exemplo, o casamento homoafetivo, famílias monoparentais ou até casais vivendo em casas separadas.

Relações de igualdade na família:Apesar das mudanças pelas quais passou a família, nas relações entre seus membros e na concepção de seu amparo político e jurídico, encontra-se ainda bastante arraigada em suas bases a ideologia patriarcal. Até 2002, por exemplo, o Código Civil brasileiro (que estava em vigor desde 1916) conferia ao homem a condição de chefe nas configurações familiares.Do ponto de vista jurídico e social, a mulher brasileira era considerada incapaz, devendo ser representada pela figura masculina do pai ou do marido. Tal situação foi alterada apenas pela Constituição de 1988, que reconheceu a união estável entre um homem e uma mulher como uma família e equiparou a posição dos sexos, além de não fazer diferença com relação aos filhos desse tipo de união e aos novos vínculos. No entanto, apesar dos avanços nas leis, sabemos que a cultura de uma sociedade não se transforma da noite para o dia.Um novo texto do Código Civil, estabelecido em 2002, distingue-se dos anteriores sobretudo pelo princípio da isonomia: homens e mulheres possuem direitos iguais. Além disso, outra mudança importante é que hoje não se fala mais em pátrio poder, expressão que remete à figura masculina, mas em poder familiar, pelo qual cabe ao pai e à mãe, em igual medida, cuidar da família. (Texto retirado da obra: Sociologia. ARAUJO, S. M.; BRIDI, M. A.; MOTIM, B. L. São Paulo: Scipione, 2013).

Segundo a nossa Constituição e o Código Civil, homens e mulheres possuem direitos iguais. Discorra sobre esta situação na realidade em que você vive. Em seu estado, região, como se dão as relações de parentesco e profissionais, no

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Ao discutirmos sociologicamente os valores, normas de comportamento social, se faz necessário que recorramos aos chamados clássicos. Um autor se torna um clássico na medida em que seus pensamentos, teorias e conceitos sirvam de pressupostos ao longo dos tempos. Assim sendo, partiremos das análises desenvolvidas por Durkheim, Weber e Marx para discutirmos os valores morais e éticos.

A questão da moral foi muito debatida e analisada por Durkheim ao longo de suas obras. Para o autor, os fatos morais são fenômenos como outros, “isto é, que a moral era um sistema de fatos realizados, ligados ao sistema total do mundo, e é a partir dessa premissa que ele tenta tratar os fatos da vida moral a partir do método das ciências positivas” (MELO, 2009, p. 9). A análise desenvolvida pelo autor sobre a divisão social do trabalho está totalmente relacionada com a moral, na medida em que o que dá a coesão, o consenso social, é a solidariedade social (fenômeno moral).

A moral está diretamente relacionada à divisão social do trabalho, na medida em que esta deve ter um caráter moral, “porque as necessidades de ordem, harmonia, de solidariedade social são geralmente tidas como morais” (DURKHEIM, 1995a, p. 30). Segundo Melo (2009), moral em Durkheim pode ser entendida como um sistema de regras de conduta que tem como característica a obrigação e a significação, ou seja, não cumprimos as regras somente porque devemos, porque somos obrigados, mas também porque possuem um significado. Entretanto, o cumprimento das regras de conduta moral gera certo constrangimento nos indivíduos, na medida em que não há ato que apareça puramente como bom, desejável, mas sim, que essas esferas se mesclam na realidade “O impulso, mesmo entusiasta, com o qual possamos agir moralmente, nos afasta de nós mesmos, nos eleva acima de nossa natureza, o que não ocorre sem dificuldade ou sem contenção” (DURKHEIM, 1995a, p.44).

A sociedade é um bem desejável ao indivíduo e, desta forma, o indivíduo não vive sem ela, fora dela, a sociedade é considerada, portanto, uma autoridade moral. A moral paira sobre a sociedade como uma consciência coletiva e se expressa nas relações que os indivíduos possuem em sociedade. Estas relações, interações, são determinadas em cada momento histórico.

que tange às questões de gênero?Para ter acesso à nossa Constituição, acesse o link:ht tp://www.planal to .gov.br/cc iv i l_03/const i tu icao/constituicao.htm. Acesso em: 19 mai. 2015.

A moral, como apresentada por Durkheim, impede a possibilidade de ser julgada, ou seja, se ela é produto da coletividade, deve se colocar para

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o indivíduo de modo que este a aceite e a exerça sem contestações. “Seríamos assim condenados a seguir sempre a opinião, sem jamais poder, com justa razão, contra ela nos insurgir” (DURKHEIM, 1906, p. 66). Todavia, Durkheim coloca que a moral está em constante mudança e alguns de seus elementos somem da consciência pública, que passa a negá -la ou, inclusive, manter -se pela força das tradições. Durkheim responde a essas críticas explicitando que não somos obrigados a nos submeter facilmente à opinião moral, sendo possível a luta dos indivíduos contra determinadas leis morais que se apresentem inaplicáveis a um dado tipo de sociedade. Ou seja, ele denota que apesar de não estar preocupado com o julgamento da moral em seus estudos, esse ocorre nas sociedades. Sem dúvida, esses são casos de consciência sempre delicados, que não pretendo resolver com uma palavra; quero apenas mostrar que o método que adoto permite apreciá- lo (MELO, 2009, p.10).

Durkheim buscou entender a essência da moral e seu papel em nossa sociedade capitalista, ou reino social, ou ainda reino moral. O reino moral seria o lugar onde se processariam os fenômenos morais (ideias ou ideais coletivos). Para entender este meio moral, buscou aquilo que se generaliza na sociedade, ou seja, as leis gerais. Para ele, o objeto de análise da Sociologia são os fatos sociais, não é mesmo?!

Assim sendo, para Durkheim, a moral acaba revelando o quanto dos outros há em nós, de todos os outros! Ou seja, as representações coletivas que construímos social e historicamente são exteriores aos indivíduos e podem assumir diferentes estágios, dependendo da evolução da sociedade. Lembram que vimos aqui que pensar em moral em Durkheim deve passar pela questão da solidariedade social? Pois, então! Para Durkheim, dependendo do estágio em que a sociedade se encontre, você pode observar um maior ou menor grau de compartilhamento de valores, ou seja, em sociedades ditas primitivas, com pouca diferenciação social, os valores, normas, são compartilhados e a consciência coletiva é maior (o que Durkheim chamou de solidariedade mecânica).

Em outras sociedades, como a sociedade moderna, capitalista, onde há uma

Vocês já devem ter visto ou ouvido em outros lugares (ou em outras disciplinas aqui do curso de Licenciatura em Sociologia), mas os Fatos sociais para Durkheim são maneiras de agir, pensar, normas de comportamento, exteriores aos indivíduos, e exercem sobre ele uma coerção social.

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Conforme Giddens (2005), Weber tentou responder à pergunta: por que o capitalismo se desenvolveu apenas no Ocidente? Para responder a esta questão, Weber vai buscar nos elementos culturais as raízes do espírito do capitalismo. Inicia tentando mostrar a diferença entre a indústria moderna e as antigas formas de

grande diferenciação social, onde a divisão do trabalho se complexificou (chamada por Durkheim de solidariedade orgânica), há um enfraquecimento da consciência coletiva, na medida em que cada indivíduo, em função de seu trabalho e da especialização, assume valores, crenças e normas diferenciadas conforme o grupo em que se enquadra; as regras ficam relativizadas. Neste tipo de sociedade, a rigidez das regras é diminuída e por isso os indivíduos têm certa liberdade de ação e julgamento. Entretanto, o individualismo, em termos de crenças e valores, gera uma perda de sentimentos gregários e de respeito às normas gerais da sociedade. O problema neste contexto seria, portanto, encontrar maneiras de preservar uma parte da consciência coletiva, uma moral coletiva, sem a qual uma sociedade não poderia sobreviver (RODRIGUES, 2007, p. 26).

Na busca de uma compreensão sobre a sociedade moderna e a forma complexa que se dão as relações sociais no interior da mesma, o sociólogo Max Weber focou suas análises na questão da ética. Para Weber, ao tentarmos, como sociólogos, entender o surgimento do capitalismo, antes precisamos buscar o “espírito do capitalismo”, o “ethos” desta sociedade.

A discussão sobre ética em Sociologia refere-se à obra de Max Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo. Segundo o dicionário de Sociologia (JOHNSON, 1995, p. 100), a ética protestante é uma ética religiosa que enfatiza o comportamento rigorosamente controlado, um planejamento metódico e defesa do trabalho árduo, abnegação, dedicação. Weber afirma que a Reforma Protestante na Europa produziu e defendeu uma ética que facilitou e respaldou algumas características fundamentais do capitalismo, particularmente aquelas relacionadas a investimentos e acúmulo de capital. Uma das principais contribuições de Weber foi mostrar que alguns aspectos da cultura afetam profundamente a estrutura dos sistemas sociais.

Ao rejeitar a Igreja e seus ritos como meios seguros de salvação, o protestantismo confiou, em vez deles, na autonomia e na responsabilidade individuais que, por seu lado, geraram grande ansiedade e a necessidade de reafirmação de que a salvação pessoal estava garantida. A resposta protestante a essa ansiedade foi promover uma coerência ética e um estilo de vida que ajudaram a criar um ambiente cultural que legitimava e promovia todos os tipos de práticas e valores que permitiriam ao capitalismo florescer (JOHNSON, 1995, p. 100).

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atividade econômica. O desejo de acúmulo de riquezas, para o autor, existiu em diversas sociedades, entretanto, no desenvolvimento do capitalismo no Ocidente este acúmulo de riquezas assume um aspecto singular, ou seja, o acúmulo de riquezas não tinha como objetivo uma vida luxuosa, conforto, mas uma vida abnegada e frugal, com sobriedade e sossego. Estes grupos não esbanjavam riqueza, ao contrário, reinvestiam-na para promover sua empresa.

Essa nova postura frente à acumulação de riquezas é vista por Weber como o “espírito do capitalismo”, cuja origem está na religião, ou seja, as normas, valores e crenças que determinam a vida em sociedade no capitalismo possuem origem no protestantismo, em especial o puritanismo. Os primeiros capitalistas eram, em sua maioria, puritanos.

Algumas ideias do calvinismo servirão de base para o ethos capitalista, como, por exemplo, a ideia de vocação, predestinação e vida regrada, ou seja, o sucesso (prosperidade material), ao exercer uma vocação, significaria que este era um dos eleitos por “Deus”, predestinado.

Diferente de Durkheim e de Weber, a moral na concepção marxista é paradoxal. Segundo o Dicionário do Pensamento Marxista (BOTTOMORE, 2001), o marxismo:

Além da análise da ética no capitalismo, Weber desenvolveu uma pesquisa sobre a ética na vida política. O que o autor chama de ética da convicção e ética da responsabilidade. Para o autor, quanto maior o grau de inserção de determinado político na arena política, maior será seu afastamento de suas convicções pessoais e adoção de ações orientadas pelas circunstâncias a que está inserido. Este afastamento será determinado pela ética da convicção ou pela ética da responsabilidade. A primeira refere-se a um conjunto de normas e valores que orientam o comportamento do político subjetivamente (convicções pessoais), já a segunda representa o conjunto de normas e valores que orientam a decisão do político a partir de sua posição como governante ou legislador (o que pode e deve ser feito com responsabilidade).

Pretende, de um lado, que a moral é uma forma de ideologia, que qualquer moral dada surge sempre de um estágio particular do desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção e é sempre relativa a um modo particular de produção e a interesses particulares de classe, que não há verdades morais eternas, que a

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Para Marx e Engels, as ideias de uma época são sempre as ideias das classes dominantes. Assim sendo, as regras de comportamento, as leis, as normas no interior do capitalismo, servem para reproduzir esta lógica de exploração e dominação. As ideias de família, educação, trabalho, etc. são construídas a partir do modo de produção a que se insere. Desta forma, devem ser vistas e analisadas a partir da perspectiva de classes.

Este paradoxo descrito na citação acima vale tanto para Marx quanto para Engels. Podemos afirmar que grande parte das pessoas que se vinculam à teoria marxista, o faz por motivos morais. Entretanto, o socialismo de Marx não se baseia em uma exigência moral subjetiva, mas em uma teoria da história. Para ele, a sociedade capitalista como está não representa o fim da história, muito pelo contrário, o modo de produção capitalista cria alguns pressupostos materiais de uma futura sociedade socialista e do comunismo. Esta análise não pretende ser um julgamento moral, mas antes, demonstrar as contradições iminentes ao modo de produção capitalista (BOTTOMORE, 2001, p. 142).

própria forma da moral e de ideias gerais como a liberdade e a justiça não podem desaparecer completamente a não ser com o desaparecimento total de classe (…). Por outro lado, os escritos de Marx estão cheios de juízos morais, implícitos e explícitos. Desde os seus primeiros escritos, em que expressa seu ódio ao servilismo quando discute a alienação nos Manuscritos econômicos e filosóficos e em A ideologia alemã, até os violentos ataques às condições vigentes nas fábricas e à desigualdade em O Capital é evidente que Marx era movido pela indignação e por um intenso desejo de um mundo melhor (BOTTOMORE, 2001, p. 270).

As obras descritas na citação acima nos proporcionam uma análise importante acerca da forma com que Marx e Engels discutiam a questão da moral. Em um como ideologia, outras como moral de classe. Importante leitura!

Segundo Marx e Engels, socialismo significa uma etapa em que o proletariado toma o poder político e constrói o Estado da maioria

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(trabalhadores). Significa ainda a socialização dos meios de produção. O comunismo significa o “livre desenvolvimento de cada um para o livre desenvolvimento de todos” (sociedade sem Estado e sem classes sociais). Para isso, ver: MARX, K. & ENGELS, F. O Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Boitempo, 2010.

Agora que já vimos um pouco sobre a perspectiva teórica dos clássicos da Sociologia acerca da moral e da ética, estudaremos como as normas sociais, regras de comportamento, crenças são reproduzidas ou reelaboradas no campo da educação.

2.2 Ética na docência

Ao discutirmos a ética e a moral no âmbito da educação, precisamos entender que as ações empreendidas com o objetivo de educar estão relacionadas com técnicas aplicadas, normas vigentes e valores compartilhados pelos indivíduos envolvidos neste processo, em uma sociedade historicamente dada. “Para a Sociologia, não há técnica pedagógica neutra, todas são construídas e utilizadas em meio a valores e normas” (RODRIGUES, 2007, p. 9).

Educar é manter e reproduzir a realidade tal como está posta ou é transformar? É contribuir com um processo de consciência crítica da realidade ou impedir a desordem social? O que significa ser ético na profissão de professor? Estas questões são próprias de nós, professores, mais ainda, de Sociologia. Qual o papel da educação na sociedade? Como podemos contribuir com a análise, a crítica e a transformação social?

Quais são as perspectivas de alguém que decida dedicar-se profissionalmente à ciência? Segundo Weber, todo jovem que acredite possuir a “vocação de cientista deve dar-se conta de que a tarefa que o espera reveste duplo aspecto. Deve ele possuir não apenas as qualificações do cientista, mas também as do professor” (WEBER, 2011, p. 24).

Ou seja, para Weber a preocupação do estudante de licenciaturas deve ser na pesquisa (teoria) e na prática de sala de aula. Entretanto, para o autor, uma das tarefas pedagógicas mais árduas é a de expor problemas científicos de maneira que seus alunos possam compreendê-los.

Para Émile Durkheim, aprender a ser professor não é simplesmente preparar aulas e provas. É aprender a agir na vida como professor, relacionar-se com os outros a partir desta profissão, ou seja, aprender a agir de acordo com o que a sociedade

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espera de um professor. Significa entrar em um meio moral, através da aquisição de uma moral profissional. Assim sendo, para o autor os meios morais são específicos, entretanto, sempre existirão crenças e valores básicos que devem ser comuns a todos (RODRIGUES, 2007, p. 28).

Conforme afirmou Durkheim, a sociedade nos molda e desta forma a educação que recebemos tem por objetivo nos enquadrar às expectativas do meio social em que estamos inseridos (nossa classe social, profissão, meio moral). Cada geração transmite à seguinte os elementos necessários para a manutenção da estabilidade da ordem colocada, e isso se dá principalmente pela educação.

Por outro lado, nos resta questionar como a educação neste contexto social pode contribuir com a emancipação humana, livrá-lo da opressão social (RODRIGUES, 2007, p. 31).

Somos seres morais e as sociedades sempre criaram sistemas de valores e normas morais para possibilitar o convívio social. Nesta relação descobrimos a diferença entre o ser e o dever-ser e a vontade de construir um mundo diferente e melhor do que este em que estou inserido. Como docentes, para implementarmos tal intento, não nos bastam boas intenções, mas um controle sobre os efeitos não intencionais das nossas ações (GUNG; SILVA, 1995, p. 22) e o conhecimento de que questionar a moral colocada, hegemônica, pressupõe um conflito, uma luta que precisaremos enfrentar.

A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social, tem por objetivo suscitar e desenvolver na criança certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio moral a que a criança, particularmente, se destine (DURKHEIM, apud RODRIGUES, 2007, p. 29).

A consciência ética que surge desse conjunto é diferente de uma simples assimilação de valores e normas morais vigentes na sociedade. Ela surge com a desconfiança de que valores morais da sociedade - ou os meus - encobrem algum interesse particular não confessável ou inconsciente que rompe com as próprias causas geradoras da moral. Desconfiança de que interesses imediatos e menores são colocados acima do bem da coletividade, ou que é negada aos seres humanos a sua liberdade e a sua dignidade em nome de valores petrificados ou de pseudoteorias (GUNG; SILVA, J. C., 1995, p. 22).

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Desta forma, enquanto professores, ou futuros professores, devemos nos questionar se o nosso papel é o de reprodução ou crítica transformadora. Estamos, como docentes, diante de um campo importante de intervenção social, lidamos com muitas pessoas e diferentes visões de mundo. Entretanto, nos cabe, ao menos, questionar a realidade que nos cerca, este é um papel político, ético, de um profissional da docência.

1. Quais formas e/ou dinâmicas poderíamos utilizar em sala de aula para contribuir com a crítica da realidade social?

2. Como a Sociologia nos ajuda a entender o papel da moral na sociedade capitalista? Existe possibilidade de intervenção social para a transformação de uma moral vigente? Como?

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Seção 3

A sociologia no ensino médio

3.1 Histórico da disciplina de Sociologia no Ensino Médio: lutas e resistências

Nesta seção discutiremos como a Sociologia foi implementada no Brasil, enfatizando a intermitência desta disciplina nos currículos do Ensino Médio. Buscaremos demonstrar como historicamente, em determinados momentos, esta disciplina foi introduzida e, em outros, retirada dos currículos com o objetivo de demonstrar a luta e relações de poder em que esta disciplina se insere na Educação Básica.

Veja, aluno, por que, afinal, houve um aumento nos cursos de Licenciatura em Ciências Sociais ou Sociologia no Brasil nos últimos anos? Vocês mesmos estão inseridos nesta conjuntura! Quais os interesses por detrás da entrada e retirada da Sociologia no Ensino Médio? Qual o papel político do professor de Sociologia?

Estas e outras questões serão debatidas nesta terceira seção. Buscarei relatar algumas experiências de sala de aula como professora de Sociologia do Ensino Médio. Espero que gostem!

O ensino de Sociologia na Educação Básica no Brasil foi intermitente, a proposta de inclusão data de 1870, quando Rui Barbosa propõe a substituição da disciplina de Direito Natural pela Sociologia (a proposta, no entanto, não foi sequer votada). Com Benjamim Constant em 1890, no ensejo da Reforma da Educação Secundária, a Sociologia reaparece como disciplina obrigatória e esta vai, lentamente, sendo inserida na escola secundária, servindo para justificar o papel transformador ou conservador da educação, conforme o contexto, os homens, os interesses (MORAES, 2006, p. 101).

Nas primeiras décadas do século XX (entre 1925 e 1942), a Sociologia integra-se nos currículos da educação básica e até como exigência em alguns vestibulares. A partir de 1942 a Sociologia passa a ser intermitente. Com a nova LDB (Lei nº. 9.394/96), a Sociologia se torna obrigatória, entretanto houve uma interpretação equivocada da lei, quando os conteúdos passam a ser ministrados por diferentes disciplinas.

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Como podemos observar, a intermitência do Ensino de Sociologia não está, necessariamente, relacionada a governos e políticas ditatoriais e conservadoras. Durante o governo Vargas a Sociologia existia no Ensino secundário e durante o governo democrático de Fernando Henrique Cardoso não, vetado pelo próprio presidente. Isso se deve porque a Sociologia nem sempre possui um caráter crítico e transformador, ou seja, quando precisou ela teve um caráter conservador.

Depois de um processo de muita luta e organização dos professores de Sociologia, principalmente ao longo da década de 1980 e 1990 e da própria LDB 1996, a Sociologia como disciplina volta a ser discutida. Em 2007, com a determinação do ensino de Sociologia na educação básica pelo Conselho Nacional de Educação, a disciplina passa a ser implementada nos currículos dos diferentes estados. Entretanto, somente com a Lei nº.11.684, de 2008, é que ela passa a ser obrigatória nas escolas de todo o país.

Com esta lei a Sociologia é implementada no Ensino Médio, mas fica a cargo das escolas (ou resoluções estaduais) determinar o número de aulas respectivo. No Paraná, onde sou professora, prioriza-se a equidade das disciplinas no Ensino Médio, então esta possui duas aulas semanais por turma.

Mas vocês podem estar se perguntando: o que devemos ensinar aos alunos do Ensino Médio com a Sociologia? A Sociologia deve, como disciplina, seguir determinadas orientações e diretrizes curriculares. De acordo com as Orientações Curriculares para o Ensino Médio Nacionais (OCN, 2006), a Sociologia deve modificar os modos de pensar, questionar as concepções de mundo, de economia, de sociedade. Trazer a historicidade aos fenômenos sociais, desnaturalizando-os, problematizar, gerar estranhamento. O papel da sociologia, portanto, é humanizar o homem.

Para isso se faz necessário que pensemos a linguagem, os objetos, os temas, levando-se sempre em consideração o público-alvo (nossos alunos). A contextualização da realidade social analisada é tarefa imprescindível do professor de Sociologia, ou seja, este deve articular o caso concreto por meio da teoria, conceito e tema. Ademais, segundo as OCN (2006), a Sociologia no Ensino Médio deve passar pelo conhecimento, mas também pela intervenção política na escola, enfatizando o papel político da comunidade escolar.

Abaixo segue o link da Lei nº. 11.684, de 2008.http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11684.htm. Acesso em: 19 mai. 2015.

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Ao desenvolver tal intento, devemos começar por algumas reflexões epistemológicas da nossa ciência: O que é imaginação sociológica? (WRIGHT MILLS, 1959), O que é raciocínio sociológico? (PASSERON, 1991). O pressuposto teórico-metodológico deve ser buscado nos próprios clássicos, relacionando-os com a atualidade.

A Sociologia (como qualquer outra disciplina) só faz sentido se for delimitada dentro de um projeto maior de educação, de formação de jovens e adultos (OCN, 2006). Desta forma, ensinar é uma práxis humana, uma atividade política que visa à transformação dos alunos.

Como a sociologia no Ensino Médio é recente, temos ainda poucos materiais de apoio. No ano passado, 2014, pudemos escolher dentre seis o livro a ser implementado na escola. Isso foi um grande avanço, tanto para a contribuição nas nossas aulas quanto pela solidificação da Sociologia no Ensino Médio.

Neste guia vocês encontrarão os materiais didáticos-pedagógicos para a Sociologia no Ensino Médio. Vale a pena!

O objetivo da Sociologia, portanto, é garantir o desenvolvimento de uma postura intelectual diante da vida social e das práticas sociais. Mas lembrem-se, historicamente ela já foi utilizada para justificar práticas conservadoras e até governos ditatoriais. Precisamos nos posicionar diante da realidade que nos cerca e propor práticas pedagógicas que levem a uma crítica e transformação social dos alunos.

Na escola em que leciono Sociologia aqui em Londrina, Paraná (C.E. Hugo Simas), conto com a ajuda dos alunos bolsistas do PIBID. Este ano estamos propondo que os alunos construam o grêmio estudantil na escola. O PIBID é um programa do governo federal MEC, que visa ao incentivo à formação docente. Meu vínculo é como supervisora do PIBID pela UEL (Universidade Estadual de Londrina).

Acreditamos que a Sociologia pode contribuir com a crítica e a transformação social de toda a comunidade escolar e, por isso, propusemos a criação do grêmio

Para acessar o guia de livros didáticos do MEC: http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=3&ved=0CCkQFjAC&url=http%3A%2F%2Fwww.fnde.gov.br%2Farquivos%2Fcategory%2F125guias%3Fdownload%3D9011%3Apnld2015sociologia&ei=vMAZVY37CYjhsATC7IKQDA&usg=AFQjCNEqEB1_N4XHcrbP6bg0Mq359eZwQ&bvm=bv.89381419,d.bGg

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por meio de, inicialmente, oficinas de formação política, em seguida formação de chapas, assembleia e, por último, a eleição em si. Este é um exemplo, mas temos outros tantos em diversas escolas no país.

O importante é levarmos em consideração a formação política dos alunos e o papel político dos professores, para com isso propor atividades que levem em consideração a intervenção social.

1. Descreva quais são os principais objetivos da Sociologia como disciplina no Ensino Médio.

2. Procure em escolas de seu estado, cidade, exemplos de práticas pedagógicas que colaboram com a crítica e transformação social.

Nesta seção discutimos como a sociologia foi implementada no Brasil, enfatizando a sua intermitência nos currículos do Ensino Médio. Buscamos demonstrar como historicamente, em determinados momentos, esta disciplina foi introduzida e, em outros, retirada dos currículos com o objetivo de demonstrar a luta e relações de poder em que esta disciplina se insere na Educação Básica. Vimos a importância de sua implementação obrigatória no Ensino Médio, por meio da Lei nº 11.684, de 2008. Ademais, demonstramos como esta ciência pode ser utilizada para a conservação quanto para a transformação social. Entretanto, como vimos, de acordo com as OCN de 2006, a Sociologia deve contribuir com a crítica e a transformação social no interior das escolas no país.

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Caros alunos, nesta unidade “Valores morais e éticos” vocês viram a questão da ética e da moral, tanto no campo filosófico quanto no campo sociológico. Espero que esta reflexão lhes tenha sido útil para compreender como os valores, as normas, as regras de comportamento são importantes na vida em sociedade, mas que também é dada a possibilidade de refletir que os mesmos não são estáticos, que mudam com o passar dos tempos. Assim sendo, espero que esta base teórica tenha contribuído para vocês refletirem sobre a moral e a ética na docência, a escolha profissional de vocês! A união da teoria e da prática é imprescindível ao professor e, mais ainda, do professor de Sociologia. Ademais, buscamos nesta unidade refletir um pouco sobre o papel social e político do professor de Sociologia e desta disciplina no interior dos currículos do Ensino Médio no Brasil. Busquem materiais sobre o assunto, pesquisem sobre modelos de práticas pedagógicas, além de experiências em Ensino de Sociologia. Isso será muito importante para a formação docente de cada um de vocês!

A UEL possui um site do LENPES (Laboratório de Ensino de Sociologia) com materiais de apoio, relatos de experiências, simpósios etc. Vale a pena pesquisar!Segue o link: http://www.uel.br/projetos/lenpes/. Acesso em: 19 mai. 2015.

1. Leia o texto a seguir e responda à afirmativa que se pede:

“O que significa exatamente essa expressão antiquada: ‘virtude’? – perguntou Sebastião.

- No sentido filosófico, compreende-se por virtude aquela atitude de, na ação, deixar-se guiar pelo bem próprio ou pelo bem alheio – esclareceu o senhor Barros.

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2. Para Émile Durkheim, o fato social constitui o objeto de estudo da Sociologia. Em sua obra As Regras do Método Sociológico, ele formula com clareza os passos da construção desse objeto. A respeito deste conceito e de outros elaborados por Durkheim, analise as proposições abaixo e assinale a alternativa INCORRETA:

a) Segundo Durkheim, os indivíduos possuem uma constante compulsão para subverter as regras sociais ou o acordo coletivo, sendo necessária, por isso, a atuação de órgãos de repressão como a polícia, para garantir a ordem e o respeito às hierarquias.

b) Segundo Durkheim, a intensa divisão do trabalho social que caracteriza a sociedade industrial moderna leva, inevitavelmente,

- O bem alheio? – perguntou Sebastião.

- Sim – disse o senhor Barros. – É verdade que a coragem e a moderação são virtudes, em primeiro lugar, para consigo mesmo, mas também há outras virtudes, como a benevolência, a justiça e a seriedade ou confiabilidade, ou seja, a qualidade de ser confiável, que são disposições orientadas para o bem dos outros.” (TUGENDHAT, Ernst; VICUÑA, Ana Maria; LÓPES, Celso. O livro de Manuel e Camila: diálogos sobre moral. Trad. de Suzana Albornoz. Goiânia: Ed. da UFG, 2002. p. 142.).

Com base no texto e nos conhecimentos adquiridos nesta unidade, como a filosofia descreve as chamadas “virtudes”?

a) Segundo o texto, virtude significa ações orientadas para o bem, que pode tanto ser em relação a si próprio quanto em relação aos outros.

b) As ações virtuosas são aquelas em que levo em consideração somente a minha percepção e compreensão do mundo.

c) Virtude no texto se relaciona apenas às ações determinadas pelo todo social, ou seja, está relacionada com as normas vigentes na sociedade e que devemos seguir.

d) A virtude significa uma ação qualquer independente dos princípios de bem e envolve outras pessoas.

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3. Ao discutirmos a ética e a moral no âmbito da educação, precisamos entender que as ações empreendidas com o objetivo de educar estão relacionadas com técnicas aplicadas, normas vigentes e valores compartilhados pelos indivíduos envolvidos neste processo, em uma sociedade historicamente dada. Neste sentido, assinale a alternativa correta no que tange à questão da ética na educação.

a) O professor não deve se posicionar frente à realidade colocada em sala de aula.

b) Não existe ciência neutra, mas o docente deve separar o que é teoria do que é a prática.

c) O professor deve se posicionar e contribuir com uma crítica social e, se possível, com uma transformação social.

d) O professor não tem o poder de transformar nada. A escola é somente um espaço de reprodução das normas vigentes.

4. Para Marx e Engels, as ideias dominantes de uma época são sempre as ideias das classes dominantes. Para os autores, as regras de comportamento, as leis, as normas no interior do capitalismo,

à predominância de uma solidariedade orgânica, uma vez que é no dia a dia que a interdependência entre os indivíduos pode ser observada, garantindo a coesão social, e comprovando o maior avanço social da sociedade industrial comparado à sociedade primitiva.

c) Uma vez identificados e caracterizados os fatos sociais, a preocupação de Durkheim dirigiu-se à conduta necessária ao cientista social. Para Durkheim, é necessário que o pesquisador afaste as suas pré-noções e sentimentos pessoais para garantir a objetividade do conhecimento.

d) Para Durkheim, o fato social pode ser normal ou patológico. O fato patológico é aquele que não extrapola os limites dos acontecimentos mais gerais de uma determinada sociedade e que reflete os valores e as condutas aceitas pela maior parte da população.

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5. O papel da sociologia, portanto, é humanizar o homem. Para isso se faz necessário que pensemos a linguagem, os objetos, os temas, levando-se sempre em consideração o público-alvo (nossos alunos). A contextualização da realidade social analisada é tarefa imprescindível do professor de Sociologia, ou seja, este deve articular o caso concreto por meio da teoria, conceito e tema. Levando-se em consideração a prática pedagógica do professor de Sociologia, assinale a alternativa correta:

a) deve contribuir com a reprodução das normas e regras sociais.

b) deve contribuir com a desnaturalização e estranhamento.

c) não deve proporcionar a crítica transformadora.

d) não deve levar ao estranhamento.

servem para reproduzir a lógica capitalista de exploração e dominação. As ideias de família, educação, trabalho, etc. são construídas a partir do modo de produção a que se insere. Desta forma, devem ser vistas e analisadas a partir da perspectiva de classes. Neste sentido, como podemos pensar a educação no capitalismo, para os autores?

a) como ideologia.

b) como revolucionária.

c) como reprodutora das ideias dos dominados.

d) como conhecimento.

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