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Existe um pensamento político brasileiro? Ray mundo Faoro Do Pensamento Político Existe um pensamento político brasileiro? A pergunta envolve duas proposições o pensamento político e urra especificidade, o pensamento político brasileiro. Se há um pensamento político brasileiro, há um quadro cultural autônomo, moldado sobre uma realidade social capaz de gerá-lo ou de com ele se soldar. Nesta parte, é oportuna a reflexão, dentro de farta bibliografia, da imitação, da cópia, da importação de paradigmas e modelos culturais. A primeira proposição, pertinente ao pensamento político, extrema o pensamento, o pensamento caracterizadamente político, da ideologia e da filosofia política, entendida nesta locução também a ciência política, mais por motivos de conveniência do que de rigor conceituai. Para não descer às origens, o ponto de partida é o pensamento, sem voltar ao debate socrático acerca do conhecer e do saber, como está no Teeteto (PLATÃO, p. 88 - segs.)*. Pensamento, diga-se em redução dicionarizada e simples, é o que se tem em mente, quando se reflete com o propósito de conhecer algo, de entender alguma coisa e quando se delibera com o fim de tomar uma decisão. O pensamento, como ato de pensar, é uma atividade que se dirige ao objeto e cogita de apreendê-lo. Vai-se a definição, ainda que exposta a retificações, sempre provisória. O pensamento político não é conversível à filosofia política, à ciência política ou à ideologia. Pode haver e freqüentemente pensamento político que não é ideologia e que não é ciência e filosofia política. O pensamento político se expressa, quase sempre, em uma ou outra manifestação: como ideologia e como filosofia ou ciência política. Ele tem, entretanto, autonomia. É o que se tentará demonstrar, para o efeito de caracterizar-lhe a estrutura, na sua dimensão atuante e autônoma, A filosofia política e sua enteada, a ciência política, não nascem do mesmo parto. O pensamento político é a política, não a construção da política. "A filosofia política lembra Leo Strauss - nãose identifica ao pensamento político. O pensamento político é coevo à vida política. A filosofia política, entretanto, emergiu de uma vida política específica, na Grécia, em passado que deixou registros escritos. De acordo com a visão tradicional, o ateniense Sócrates (469-399 a.C) foi o fundador da filosofia política. Sócrates foi o mestre de Platão, este, o mestre de Aristóteles. As obras políticas de Platão e Aristóteles são as obras mais antigas dedicadas à filosofia política que chegaram até nós" (STRAUSS e CROPSEY, 1973, p. 1-2). O legado socrático, na versão platônica, traduz o encontro entre filosofia política e política, numa encruzilhada dramática da humanidade, com a crise da polis grega. O acento dramático fica por conta da idéia de que o mundo político seria moldável pela arte humana, de sorte a entregar o poder político ao filósofo (WOLIN, 1960, p. 34). Nesta identificação entre filosofia e política está a base do construtivismo, que freqüenta a política ocidental em muitos momentos e em muitas direções. Trata-se de uma identificação que, na realidade, oculta o predomínio do logos sobre a praxis, em modelo sempre referenciável * Observe-se que as referências bibliográficas, a seguir, não indicam adesão ao autor citado, senão que o assunto foi por ele versado, embora em outros termos e com diferente sentido.

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Existe um pensamentopolítico brasileiro?Ray mundo Faoro

Do Pensamento Político

Existe um pensamentopolítico brasileiro?

A pergunta envolve duas proposiçõeso pensamento político e urraespecificidade, o pensamento políticobrasileiro. Se há um pensamento políticobrasileiro, há um quadro culturalautônomo, moldado sobre uma realidadesocial capaz de gerá-lo ou de com ele sesoldar. Nesta parte, é oportuna a reflexão,dentro de farta bibliografia, da imitação,da cópia, da importação de paradigmas emodelos culturais. A primeira proposição,pertinente ao pensamento político,extrema o pensamento, o pensamentocaracterizadamente político, daideologia e da filosofia política,entendida nesta locução também aciência política, mais por motivos deconveniência do que de rigor conceituai.Para não descer às origens, o ponto departida é o pensamento, sem voltarao debate socrático acerca do conhecere do saber, como está no Teeteto(PLATÃO, p. 88 - segs.)*. Pensamento,diga-se em redução dicionarizada esimples, é o que se tem em mente,quando se reflete com o propósito deconhecer algo, de entender algumacoisa e quando se delibera com o fimde tomar uma decisão. O pensamento,como ato de pensar, é uma atividadeque se dirige ao objeto e cogita deapreendê-lo. Vai-se a definição, aindaque exposta a retificações, sempreprovisória.

O pensamento político não éconversível à filosofia política, à ciênciapolítica ou à ideologia. Pode haver — efreqüentemente há — pensamentopolítico que não é ideologia e que nãoé ciência e filosofia política. O

pensamento político se expressa, quasesempre, em uma ou outra manifestação:como ideologia e como filosofia ouciência política. Ele tem, entretanto,autonomia. É o que se tentarádemonstrar, para o efeito decaracterizar-lhe a estrutura, na suadimensão atuante e autônoma,

A filosofia política e sua enteada, aciência política, não nascem do mesmoparto. O pensamento político é apolítica, não a construção da política."A filosofia política — lembra LeoStrauss - não se identifica aopensamento político. O pensamentopolítico é coevo à vida política. Afilosofia política, entretanto, emergiude uma vida política específica, naGrécia, em passado que deixou registrosescritos. De acordo com a visãotradicional, o ateniense Sócrates(469-399 a.C) foi o fundador dafilosofia política. Sócrates foi o mestrede Platão, este, o mestre de Aristóteles.As obras políticas de Platão e Aristótelessão as obras mais antigas dedicadas àfilosofia política que chegaram até nós"(STRAUSS e CROPSEY, 1973, p. 1-2).

O legado socrático, na versão platônica,traduz o encontro entre filosofia políticae política, numa encruzilhada dramáticada humanidade, com a crise da polisgrega. O acento dramático fica por contada idéia de que o mundo político seriamoldável pela arte humana, de sortea entregar o poder político ao filósofo(WOLIN, 1960, p. 34). Nestaidentificação entre filosofia e políticaestá a base do construtivismo, quefreqüenta a política ocidental em muitosmomentos e em muitas direções. Trata-sede uma identificação que, na realidade,oculta o predomínio do logos sobre apraxis, em modelo sempre referenciável

* Observe-se que as referências bibliográficas, a seguir, não indicam adesão ao autor citado, senãoque o assunto foi por ele versado, embora em outros termos e com diferente sentido.

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no voluntarismo, no denunciadodespotismo das influências das teoriassobre os fatos, na importação de valorese programas. Entre o pensamento políticoe a filosofía política, nao haveria espaçoem branco, coberto o eventualantagonismo com os filósofos no poder.Ganha dimensão, no esquema, o elementoconstrutor, arquitetônico da política. Omagistrado - dita o paradigma - seriaigual ao cego se, como o pintor, nãoreproduzisse na tela o modelo, expressona justiça (La republique, Pléiade, v. I,p. 1063) "Se o estadista for ignorante dofim a que visa, seria válido, em primeirolugar, dar-lhe o nome de magistrado, e,em segundo lugar, como poderia elesalvaguardar o fim que não conhece?"Ausente da filosofia, quem seria odetentor do poder, senão o imprevidenteoportunista? "Não seria surpreendenteque, vazio de inteligência e desensibilidade, se entregasse, caso a caso,ao fortuito da primeira coisa queocorresse?" (La republique, Les lois, t. II,p. 1119).

A redução do pensamento político àfilosofia política leva a desfigurar apolítica e a converter a história à históriadas idéias. Toda uma categoria social seperderia. A Revolução Francesa terianascido - para levar a tese à caricatura —dos filósofos. O mundo soviético teriasua origem no Manifesto Comunista,depois de quase um século de maturação.A política se desvincularia da realidade,perdida numa teia de doutrinas e deidéias, em simplismo que a tornaria odesvario de cérebros ociosos. Não faltamprecedentes a essa mistificação literária •a que, por exemplo, pintou a RevoluçãoFrancesa como a quimera póstuma deRousseau. Esta não é a tese deTocqueville, que soube distinguir opensamento político da filosofiapolítica, o intelectual, com suas fórmulas,da idéia que ganha a sociedade e, porisso, adquire o contorno de uma força

social (TOCQUEVILLE, 1952, t. II,p. 193 - segs.). Ele soube identificar, nessepasso, o espetáculo ideológico, aomostrar a França dividida em dois planosnum corria a administração, noutrofloresciam os princípios abstratos.

"Acima da sociedade real, cujaconstituição era ainda confusa eirregular, onde as leis permaneciamdivergentes e contraditórias, ashierarquias estanques, fixas as condiçõese desiguais os encargos, construia-se,pouco a pouco, uma sociedadeimaginária, na qual tudo parecia simplese coordenado, uniforme, equitativo econforma à razão" (TOCQUEVILLE,1952, t II, p. 199.)

O pensamento político atua,deformando-se, na ideologia. No estadopuro, as idéias e representaçõesproduzidas pela consciência expressamdiretamente a "atividade material e ocomércio material dos homens, como alinguagem da vida real As representações,os pensamentos, o comércio espiritualdos homens se apresentam, nessascircunstâncias, como emanação diretade seu comportamento material" (MARX

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e ENGELS, 1959, p. 25). A política, odireito, as leis traduzem o "processo devida real" dos homens. Os fazendeiros deSão Paulo, come os surpreendeu SaintHillaire, às vésperas da Independência,tipificam o comportamentonão-ideológico: "mostram-se — diz oviajante - absolutamente alheios àsnossas teorias (. . .) a única coisa quecompreendem é que o restabelecimentodo sistema colonial lhes causaria danoporque se os portugueses fossem osúnicos compradores de seu açúcar e cafénão mais renderiam suas mercadoriastão caro como agora o fazem" (SAINTHILLAIRE, 1938, v. 126, p. 167). Osistema colonial sofre, para os rudeslavradores, a objeção de seus interesses,nuamente expostos, sem apelo àsdoutrinas liberais. Estes não criam, pelavia ideológica, o imaginário que lhesuniversalize os interesses, nem o recobremdo véu que os deforma. Não entra emcena a câmara escura, na metáforafamosa, que inverte as relações,insinuando o domínio das idéias e não dasrelações reais e concretas. A ideologia,além desse papel de dissimuladorá, operacomo meio de hegemonia política, numaclasse que se pretende representar asociedade global. Por meio dela, com aintermediação dos intelectuais, como nainstância a que se aludiu, no caminhoda Revolução Francesa, cimentam-se ashomogeneidades e organiza-se a lutasocial. Ela constitui o terreno "sobre oqual os homens se movimentam, lutam,adquirem consciência de sua posição"(GRAMSCI, 1966, p. 62-3). As idéias daclasse dominante tornam-se, pelaoperação ideológica, capazes de solidificaro núcleo de comando e de satelizar asclasses subalternas aos interessesdominantes. "Em outras palavras: aclasse que exerce o poder materialdominante na sociedade é, ao mesmotempo, seu poder espiritual dominante"(MARX e ENGELS, 1959, p. 48-9).

Trata-se de um pensamento formulado,que, numa estrutura coerente, explicao contágio das ideologias, que transitamcom independência das condições reais esubstantivas para outro espaço. Asideologias por contágio revelam umaincongruência social e histórica, tal a dos"teutões pelo sangue e liberais pelareflexão", condenando os atores a pensar"em política o que outros povos fizeram"(MARX, 1968, p. 14, 29-30).

A ideologia comporta outro perfil,corrente no vocabulário político. Noparadigma marxista, a consciênciaideológica é uma "ilusória" e uma "falsaconsciência"(LUKÁCS, 1960, p. 90).Uma classe, cujo domínio político éexercido por uma minoria, no interessedessa minoria, difunde-se, para que outrasclasses se iludam, confundindo-se na suaverdadeira consciência de classe. Osideólogos dominantes lutam para que seoculte a essência da própria classe,universalizando-a em conceitos abstratos,ao mesmo tempo que nega a autonomiados interesses das outras classes. Aconsciência ilusória, ao se duplicar nafalsa consciência, "cobre a realidade e arevela, deformando-a": representa a figurade véu e de máscara (BOBBIO, 1977,p. 113). Em outro sentido, mais comumna linguagem, a ideologia significagenericamente um "sistema de crençasou de valores, utilizado na luta políticapara influir sobre o comportamento dasmassas, para orientá-las numa direção enão em outra, para dirigir o consenso,para justificar o poder" (Idem, p. 114).Não alude, no caso, à função mistificante:representa o papel de um programade um movimento político. É aideologia em sentido débil, paradistingui-la do modelo marxista. Trata-sede uma forma de pensamento políticoem batalha, com uma característica quea diferencia do pensamento políticoem estado puro. A ideologia em sentidodébil exacerba, embora não-mistificante

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por definição, um elemento dopensamento político, o elemento da ação.A eficácia da idéia assume a importânciamaior, com desprezo, emborainvoluntário, da pauta de verdade.

A ideologia, como ação desvinculadado compromisso com a verdade, éinteressada unicamente na eficácia, e aideologia, que organiza o consensohegemônico na sociedade civil, reina noterritório da praxis. Cercada numraciocínio circular, tudo seria ideologia:uma ideologia substitui outra, ainda quecriticamente. No outro extremo, afilosofia política reduz o pensamentopolítico ao logos, em proposiçõescientíficas ou filosóficas: a realidadeseria o espelho da teoria. Ambas, afilosofia política e a ideologia (nos doissentidos), sistematizam, formulam,estruturam a política. Fora delas, seaceitas suas premissas, haveria apenas apolítica alheia à congruência — espécie depolítica irracional —, a política cujosegredo é não ter política, aquela que lordActon atribuía a lord Liverpool. Apolítica cujo segredo é não ter políticaé uma pobre e insustentável falácia,falácia cuja astúcia estaria noocultamento do jogo — o mais refinadode todos. Ela, a política que não éfilosofia, nem ciência, nem ideologia, quenão se extrema na ação, nem seracionaliza na teoria, ocupa, na verdade,o espaço do que se chama pensamentopolítico, não necessariamente formulável,não correntemente racionalizado emfórmulas. "A glória de mandar, amargae bela", seria seu campo — o campo daatividade. Os fins estão no resultado,naquilo que Weber qualificou de éticada responsabilidade, responsabilidade nosentido de resposta da ação, nointercâmbio de ações, posta em segundoplano a intencionalidade da conduta.

Esse pensamento é o pensamento políticoem estado puro para efeito de definição

teórica. Ele atua como saber informulado(OAKESHOTT, 1984, p. 83 - segs.).

O pensamento político não será oresíduo, nem a escória das ideologias,nem a política em estado de modelo,composto de proposições enunciativas,que denotam em que consiste um ser ouum valor, o que na realidade é, comoexistiram os fenômenos e como sedesenvolveram (SICHES, 1965, p. 116).Sua natureza compatibiliza-se com osaber informulado, que não se confundecom a irracionalidade, nem com ooportunismo. Ele não cuida datransmissão, mas da ação, numa praxisque se desenvolve no logos. Suasprescrições são normativas, localizam-seno mundo da praxis, pelo que atuamfora da lógica preposicional. Sua funçãoé a de direcionar a conduta humana emdeterminado sentido, não de representá-laenunciativamente, descritivamente. Assuas proposições, embora mensuráveispelo critério da verdade, cuidam davalidade, como convém ao mundo dapraxis (PINTO NEVES, 1985, p. 5-6).Suas proposições assumem o significadodos sistemas nomoempíricos, tal como asnormas do direito. "O caráternomoempírico distingue-o dos sistemasnomológicos (lógicos e matemáticos),pois são-lhe relevantes os dados daexperiência. A sua função prescritiva(normativa, incluindo-o na ordemda praxis, diferencia-o dos sistemasnomoempíricos teoréticos (descritivos),insertos na ordem da gnose. Isto porque,ao contrário dos sistemas nomoempíricosdescritivos, o ordenamento jurídico(leia-se o ordenamento do pensamentopolítico) é não apenas aberto aos dadosda experiência e por eles condicionado,mas exerce também a função principal decontrolá-los e dirigi-los diretamente."(PINTO NEVES, 1985, p. 22.)

O iter do ato político, segundo omodelo e o preconceito do

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nomoempírico, marcado pelo preconceitointelectualista, se faria em três lances.

Concentra-se na idéia do pensamentopolítico como atividade que se tem emmente, não como praxis. Em primeirolugar, haveria a proposição, enunciativana sua consistência, premeditada, quelevaria, por estímulo interno, à ação. Emseguida, escolher-se-iam os meios, com osquais, em terceiro momento, seconstituiria o resultado exterior. Noesquema, perde-se a base real dopensamento, o estímulo externo. O saberseria, ainda implicitamente, o saberformulado, dedutível em proposições. Ologos, como saber formulado, organizadoem proposições, antecede e domina apraxis, que é um saber informulado,embora não-esotérico, neminformulável - mas formulável aposteriori, a partir da ação. Os eventospolíticos seriam um reflexo da idéia: noprincípio, o verbo se faz ação. Emsimplificação nao-inédita: o ContratoSocial determinou a Revolução Francesa,a Declaração de Independência, comseus princípios estruturados, culminaramna Independência Norte-Americana. Ahistória do pensamento político seriaa arena das idéias, num confronto deparadigmas abstratos, vencendo uns noimperativo de sua coerência e energiainternas. Sequer no território da ciênciapura teria pertinência o modelo: o fatocientífico e a teoria não são categoriasseparáveis. Uma e outra são amalgamadaspor uma ordem social — a comunidadecientífica — que decide pela vigência dasrevoluções do pensamento. O acento queexplica as revoluções científicas encontraseu ponto de apoio na função normativa enão na função nomoempírica (oucognitiva). A recepção do conhecimento

novo se dá dentro de uma crise, que não éuma crise intelectual, mas uma crise quedetermina a recepção do fato novo(KUHN, 1983, p. 25, 155, 199). Naverdade, outro é o roteiro do pensamento

político: ele não atua pela energia interna,impelido pela verdade ou pela justiça,mas, sem abandono da justiça e daverdade, pela probabilidade de serincorporado à ação.

O logos — a filosofia política, a ciênciapolítica, as ideologias — transita, pode serexportado e catalogado, comunica-se,freqüenta os livros e os discursos.Expressa-se em proposições enunciativas,escrito nos livros e pôs discursos: é umsaber formulado. O pensamento político,entretanto, como ação, como atividadeconcentrada, não se confunde com oexercício de jornadas intelectuais, comoexercício retórico. A ideologia e afilosofia política corporificam umprincípio político e se propõem arealizá-lo. A liberdade, a igualdade, ademocracia, o Liberalismo seriamalguns exemplos desse padrão. Designamo que se persegue independentementede como fazê-lo. Na verdade, opensamento político não se desenvolvecom base na premeditação dos princípios,mas na consideração sobre o campo daprópria política. Em suma: a atividadepolítica vem antes, precedendo as formasdo logos. O pensamento político é, assim,um ato político, compreensívelpoliticamente, não em pautas abstratas.Não há a possibilidade de fazer a política,desenvolvendo o pensamento político,segundo um manual, como não se faz umcozinheiro com urn livro de cozinha(OAKESHOTT, 1984, p. 83 - segs.). Ologos político é, desta forma, não oprefácio, mas o pós-escrito da atividadepolítica, como experiência. Para que oprincípio, o instituto jurídico, o meio derealização atuem, é necessário que elessejam mais do que a fórmula, o princípio,o premeditado fim perdido no logos. Elesdevem radicar-se na sugestão, na indiretaintimação (intimated) de uma maneiraconcreta de conduta (Idem, p. 10,121).O pensamento político está dentro daexperiência política, incorporado à ação,fixando-se em muitas abreviaturas, em

A história dopensamento político

sería a arena das idéias,num confronto de

paradigmas abstratos,vencendo uns no

imperativo de suacoerência e energiainternas. Sequer noterritório da ciência

pura teria pertinênciao modelo: o fato

científico e a teorianão são categorias

separáveis.

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corpos teóricos, em instituições e leis. Aidéia, por essa via, faz-se atividade, nãoporque fruto da fantasia ou daimaginação, mas porque escolhida,adotada, incorporada à atividade política.O vínculo entre a praxis e o logos se dápela sugerência, palavra que, em falta demelhor, indica o modo como se expressao quantum possível de saber formuladoa partir da experiência. O poder dasugerencia ultrapassa a compatibilidadelógica que se expressa no pensamentopolítico. A própria lei, ainda quecoercitivamente dotada de poder, teráeficácia circunscrita às situações deforça se despida de sugerência. Opreconceito racial, por exemplo, serepresenta um traço do pensamentopolítico, obstinar-se-á em se manter,ainda que as sanções penais o repudiem.Uma lei não se completa por outralei ainda mais severa na sanção ou maisdúctil: sua validade e,complementarmente, sua eficácia,dependem de como atue na praxis e nãono catálogo das normas obrigatórias.

O saber informulado — pela via daexperiência, a que está na sugerência —é o registro de entrada no saberformulado, canal seletivo e inibitório. Aescolha, a determinação do pensamentopolítico é uma atividade, uma açãopolítica. O pensamento político de cadaum não se afirma na fórmula intelectual,mas na atividade real, implícita na ação,ainda que, à margem desta, afirme-seoutra idéia. A eventual contradição entrea regra e a conduta rompe-se privilegiandoa conduta: nela está o pensamentopolítico real, embora a contradiçãointelectual nada tenha a ver com a má-fé.A verdadeira ação, a da sociedade e decada um, contém-se na política(GRAMSCI, 1966, p. 14-5). Aconsciência teórica da ação é irrelevante,mas equívoco seria consumi-la numafórmula.

O saber informulado, que, pela via da

praxis, compõe o pensamento político,está na sugerência; é esta que o distingueda fantasia, do arbítrio imaginativo eda ideologia. A sugerência, em direçõescontrárias, freia, de um lado, odesenvolvimento teórico, dando-lheconsistência prática, e, de outro, marcao limite da presença da sociedade. Osestilistas vitorianos da moda, lembra umensaísta já e largamente mencionado,propuseram-se criar, para as ciclistas, umtraje adequado à bicicleta. Se o processode criação fosse livre e coerente,obediente só à lógica, teriam desenhadoo short. De um ponto estritamentetécnico e intelectual, eles fracassaram, aovestirem-nas com o bloomer, poucofuncional à bicicleta, mas conveniente aorecato das castas vitorianas. Oscostureiros obedeciam, ainda queinovador o pensamento, aos limitessociais que a sugerência lhes inspirou. Emlugar de um escândalo, lançaram a modanos ousados limites da criação.

A província da praxis, em que atua opensamento político, forma-se eordena-se por meio de idéias abstratas esistematizáveis. A prática é uma atividade,mas esta atividade política não será nuncaa política cujo segredo é não ter política

Toda sua carga de vontade não a afastadas idéias. A prática — a práxis —reencontra-se com a razão prática, coma tradição normativa da ética e dodireito, desde Aristóteles "O mundoda experiência prática é um mundo dejuízos, não de meras ações, volições,sentimentos, intuições, instintos ouopiniões A verdade prática é a coerênciado mundo da experiência prática."(OAKESHOTT, 1978, p. 258.)

O pensamento político é umaatividade a atividade é o território daprática. A atividade é e ainda não é. "Aatividade envolve uma discrepância entreo que é eo que desejamos que venha aser." (Idem, p. 257.)

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Há, na atividade e, a fortiori, naprática, o trânsito entre formas eestruturas de existência, em duplaperspectiva. De um lado, no territóriodo ser, de outro lado, no campo do valor.O que é virá a ser, mas virá a ser deacordo com valores: o direito, a justiça,limitados o ser e o valor pela sugerência. 'Esta dimensão vincula a prática àexperiência, ao saber informulado e àrealidade. A realidade política não existefora da experiência, salvo nas projeçõesepistemológicas do realismo ingênuo. Aprática política descende, portanto, daética, mas não é a ética, embora ambasparticipem da razão prática. A atividadeque está no pensamento político participado campo do ser, sem que seja merovalor: é o ser que se desenvolve nummundo de valores.

O pensamento político está sob ajurisdição da praxis. A práxis, entretanto,não é um feixe caótico de instintos, masde idéias. A recuperação do pensamentopolítico, com seu isolamento conceituai,o extremo da falsa consciência, do mitoe do arbítrio teórico. Por esse meio serevitaliza a realidade política, não amítica realidade nacional, o velocino deouro do reducionismo, que a procura nasubtração das camadas de tintaestrangeiras que a recobriram(SCHWARTZ, 1977, p. 14 - segs.)Realidade tem o sentido de dinâmica, deatividade, que, ao se desenvolver, revelaa estrutura social, "fazendo a opressãomais opressiva, acrescentando-lhe aconsciência da opressão " (MARX, 1968,p. 17). O pensamento político, porqueatividade, contém carga crítica, que nãose confunde com a escolástica, nemparticipa da visão teórico-contemplativa.Como valor e como o ser que virá-a-ser,corrosivo da ideologia e do imobilismoda filosofia política. Acompanha epotencializa a dialética social, à qual sevincula, sem ser mero reflexo, por meiode manifestações múltiplas, que não

estão necessariamente submersas no saberformulado, com o rótulo político. Emcertos momentos, o pensamento políticose expressa melhor na novela do que nodiscurso político, mais na poesia do queno panfleto de circunstância. Repele asespecializações, expandindo-se em todasas manifestações culturais, ainda que seafirme o congelamento ideológico e oenciclopedismo filosófico.

A Revolução Irrealizada

Uma revolução e uma dinastianova, Aljubarrota e Avis (1385),inauguram, precocemente, a épocamoderna em Portugal. Uma revoluçãopopular e burguesa — celebrada como sefosse uma revolução democrática(CORTESÃO, 1964, p. 225) - asseguraa vitória de uma política nacional, apolítica do transporte contra a políticada fixação (SÉRGIO, 1972, p. 27). Apolítica marítima, centrada na navegaçãoe nos portos, sustentada pela burguesiacomercial, é o germe da descoberta doglobo e da expansão do mercado.Burguesia comercial, que nunca conseguiutransitar para a criação manufatureira,desvinculada da produção agrícola,incapaz, por isso, de uma duradoura euniversal mudança cultural.

Todos os bens de exportação eramobtidos fora de Portugal, nacidade-feira de Flandres. O artesanatodecai, a agricultura degrada-se. Emcompensação, vitoriosos, osdescobrimentos acentuam o podercentral, no absolutismo prematuro,enriquecido com o ouro da África e asespeciarias da Ásia. A Coroa seria adispensadora de todos os bens, atraindona Corte as energias rurais, com osfidalgos pedintes, "para sugarem ao reio produto da exportação comercial,em tenças, morgadios, reguengos,jurisdições, - de maneira que (diz umescritor do século XVI) mais parecia ser

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pai, ou almoxarife, que rei, nem senhor"(SÉRGIO, 1972, p. 95). Apesar da fendaque existia no edifício, o papel do remo,com seus enormes encargos, exigiaprofunda adequação intelectual aos finspropostos. Uma aproximação com aEuropa, nas primeiras luzes doRenascimento, seria o meio natural douniversalismo geográfico e da necessidadede estruturar conhecimentos novos,próprios às descobertas. As oficinastipográficas proliferam a partir de 1536.O ensino prospera à margem daUniversidade: "deixa de ser concebidocomo uma preparação especializada paraa clericatura ou para a administração,realizada através da Universidade. Surgeum esboço de ensino elementar (ler,escrever e contar) e escolas de culturageral para a nobreza e para a burguesia.São os humanistas que estabelecem osprogramas para estas escolas. AUniversidade medieval permaneceinalterada no seu conjunto, mas vêreduzir-se a sua influência, concorridapelas novas instituições "(SARAIVA eLOPES, 1968, p. 150). O Humanismoportuguês, como tudo, prospera com oapoio da Coroa. D. Manuel (m. 1521)e D. João III (m. 1557) pensionaramestudantes para estudar no estrangeiro.Tudo isso enquanto não vem aContra-reforma, com o Concílio deTrento (l545). Havia uma necessidadedecorrente dos próprios descobrimentosde reformar a cultura portuguesa, queestará na base do pensamento político.

"Os descobridores - escreve AntônioSérgio — recorriam constantemente, nosseus trabalhos, aos geógrafos enaturalistas da Antigüidade, que elesconheciam minuciosamente; ora, a visãoassídua dos espetáculos novos, darealidade exótica, mostrava-lhes a cadainstante os erros enormes desses autores,a cujas afirmações se prestara fé como arevelações do próprio Deus. Ao tratar-sede coisas de nossos climas (coisas

familiares, por isso, ao espírito de seusautores), eram os textos da Antigüidadesuficientemente verdadeiros; aodescreverem, porém, os produtosultramarinos, os erros dos textosacumulavam-se, imediatamenteverificáveis para quem pudesse conheceras coisas por sua direta observação." Estavisão da realidade exótica tinham-na osportugueses nas navegações: notaram osenganos das autoridades, e perderam,portanto, perante os textos a atitude dasuperstição Discutindo idéias dosautores antigos que a experiência danavegação mostrava falsas, diz DuartePacheco no seu Esmeraldo "a experiênciaé madre das coisas, e por ela soubemosradicalmente a verdade". "A verdade,para a elite portuguesa daquela época,já não se busca radicalmente pelo estudoe comentário dos autores antigos vaiprocurar-se na indagação do real Garciada Orta (1490-1568), o naturalista, foiao Oriente e pôde comparar as drogasindianas, que os seus olhos viram, comas descrições das autoridades, e entãoa experiência, 'madre das cousas",mostra-lhe que os textos tambémerravam: e cai o critério da autoridade,base incontestada da autoridademedieval. (. . . ) Garcia da Orta, se nãotivesse saído do ambiente europeu (eleo confessa), não teria ousadodesvencilhar-se da superstição dasautoridades, e passar da atitude dohomo credulus para a atitude do espíritocrítico (...)A revelação do mesmoespírito se encontra nos Lusíadas, deCamões." (SÉRGIO, 1972, p. 84-6 )

A Revolução de 1385, que culminanum rei eleito, trouxe à tona algunsprincípios, que anunciam oRenascimento, com a mesma precocidadeda supremacia burguesa. Quatro pilaressustentam o movimento popular aigualdade do homem perante a lei, adenúncia da perversão do poder por umaoligarquia, o interesse comunal —

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corporificado nos municípios — superioraos interesses e privilégios de grupo e alegitimidade eletiva do rei (REBELO,1983, p. 27). A última questão, básicapara o pensamento político português,utilizada em 1385 e 1640, entendia ser oReino defendo ao sucessor do primeiroinstituidor, de acordo com a origemdemocrática do poder (ALBUQUERQUE,s/d, p. 83, 87). Bem verdade que aeleição, apesar de sua raízes distantes,só ocorreria em momento de crise devacância da sucessão. Quando se quebravaa linha sucessória, ou não se transmitiao poder por testamento, o poder eradevolvido ao povo. Povo, em termos:tratava-se do colégio, em Cortes, devassalos que formavam os corposorganizados do país. A descendênciareal era, apesar do meio de escolha,requisito indeclinável de elegibilidade. Ojurista João das Regras fez verdadeiraginástica mental para dar ao Mestre deAvis, não só a linhagem real, senãotambém a legitimidade sucessória, o quefaria da eleição mera formalidadehomologatória. Essa concepção, que se

prolonga até a crise de 1580, quandomorre o rei sem sucessor, entronca-se noentendimento da origem do poder. Adoutrina paulina — non est potestasnisi a Deo (Ep. aos Rom., 13,1) —,dominante na Idade Média, abrandou-secom uma fórmula democrática: imperiuma Deo mediante hominum consensu. Atese da mediação popular, saída dopensamento do fim da Idade Média,encontra larga aplicação em Portugal,não só na instituição da dinastia deAvis, senão no século XVI, com particularênfase depois do desastre deAlcácer-Quibir. É importante notar quea doutrina se irradiou para as possessõesultramarinas, onde se discutiu se atransmissão dos principados indígenase afro-asiáticos era válida quando daausência de consentimento popular(popular no sentido de principais)(ALBUQUERQUE, s/d, p. 27). "Dequalquer forma, a máxima ou princípioda origem democrática do poder pode-sedizer um princípio adquirido noRenascimento português. E esteprincípio - lembrando aos governantes

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que, se o poder vem de Deus, os homenssão intermediários entre o Senhor eeles, - combinado com outros, ajudou adefinir e enquadrar o poder políticodentro de certos limites" (Idem, p. 45.)

Insistia-se, simetricamente, que omonarca deveria cumprir suas leis, deacordo com a fórmula de D. João II. "seo soberano é senhor das leis, logo se faziaservo delas, pois lhes primeiro servia". Odesenvolvimento quebrou-se, sem queamadurecessem os princípios que,consonantes com o tempo, enquadrariamPortugal na história européia. A marchatriunfal de Aljubarrota e dosdescobrimentos, o encontro com aexperiência, tudo se frustraria,imobilizado numa contradiçãoinsuperada a de um reinocomercial-marítimo, incandescente no seuprimeiro fogo, e uma monarquia feridade imobilismo.

O pensamento político brasileiro, nasua erigem, é o pensamento políticoportuguês. A colônia — a conquista, comose dizia nos documentos oficiais -prolonga a metrópole, interiorizada,geograficamente a partir de 1808,culturalmente em cada ato político, desdea integração da primeira à última (SILVADIAS, 1972). Entre a dinastia de Avis,conjugada ao Renascimento e àContra-reforma, constituiu-se anacionalidade portuguesa. Ela assentasobre um paradoxo, suscitando umproblema que não viria a resolver, comdeficientes potencialidades para lhedesenvolver as forças produtivas queestavam na base. Talvez o fato de haversido, no pórtico da Idade Moderna, nãouma unidade de fixação econômica, masa agência de interesses alheios e europeus,postos fora do controle da nacionalidade,explique a anomalia, que geraria umarevolução irrealizada. Da debilidade doRenascentismo lhe adveio a debilidade daestrutura cultural, sem o vigor das naçõesascendentes da Europa. Os pressupostos

conjugam-se, sem que frutifique oprojeto. O Renascentismo europeu, alémde privilegiar a idéia da nacionalidade,com a nota tônica posta na soberaniainterna, fixa o contorno da idéia deliberdade. O conceito, desde então, emque pese o tegumento retórico que oenvolve, significa independência eautogoverno (SKINNER, 1979, v. l,p. 41). O direito romano, recebidopelos glosadores, consolidou o poder dopríncipe, senhor da paz e da guerra,ensinado pelos conselheiros da dinastiade Avis. Neste período de glóriaportuguesa, em que se abrem os mares,revelando terras novas e gentesdesvairadas, estão os limites de seudesenvolvimento A empresa marítima,por descoordenação de forças produtivasinternas, exigia um rei forte. Nocontexto, as tendências democratizantes,tão vivas no estabelecimentorevolucionário da dinastia, cedem opasso ao absolutismo emergente

Começa aí o isolamento português,imune às nascentes teorias da soberaniapopular, já vivas na Europa pela vozde Bártolo de Saxoferrato e deMarsiglio de Padua (SKINNER, 1979,p 53, 158). De outro lado, entra em cenaa secularização da política, que seemancipa da teologia e do papado. Estacorrente não correspondia, senão quecontrariava, o interesse do Reino,preocupado em assenhorear-se, com oTratado de Tordesilhas, de metade domundo (MESNARD, 1977, p. 9). Talpreocupação monárquica explicará, nofuturo, a ausência de Maquiavel nacultura portuguesa. Tratava-se deassegurar à religião institucionalizadaa preeminência política, a qual, pela viado papado, garantia a empresa marítima,protegendo-a contra as agressões dospaíses concorrentes. Não era ocioso,desta sorte, vincular o projeto nacionalà incolumidade de um árbitro, mantidoem todo seu prestígio medieval. O

18 estudos AVANÇADOS

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entendimento destilado em O Princípe,de que a religião era mero instrumentumregni, insinuava o predomínio secular,pelo mero uso da religião, como cimentoideológico. Por isso, Maquiavel,acoimado, desde que dele se falou, de"herege", "ímpio", "perverso eignorante", esperaria, para ser traduzidoem língua portuguesa, o século XX,depois de universalmente consagrado(ALBUQUERQUE, 1974, p. 82, l 55-6)Pelas mesmas razões, a Contra-reformaencontra em Portugal campo fértil deaceitação, inquisitorialmente escoltada,agora voltada também contra asinfluências desnacionalizantes

No espaço ainda não invadido pelaCompanhia de Jesus (1534; em Portugal1540) e ainda não dominado peloConcílio de Trento (1545-63), antes daContra-reforma e da Reforma Católica,um ou dois movimentos de igual estilo,estruturou-se, vincado pela contradição, opensamento político português(DICKENS, 1969, p. 7). Ele revela oslimites orientais e ocidentais, um que olevaria ao pensamento moderno europeu,outro ao futuro "reino cadaveroso". Umdocumento, posterior (l 572), acentuatodas as perplexidades do momento Oestilo de pensar, traduzindo o caminhoda crítica, era o "saber só de experiênciasfeito", com desprezo à escolástica. Numtexto de dramática contradição, os doisrumos se mostram em toda suaprofundidade. O "saber só deexperiências feito", o saber do velho doRestelo, impugnava o exclusivismo daempresa marítima, no embarque napolítica de transporte, com as costasvoltadas à monarquia agrícola. O "incertoe incógnito perigo" rondaria o país,afastado de suas forças nacionais. Deoutro lado — esta a contradição que estána base da cultura portuguesa da época —vigora o tradicionalismo político, imuneàs fracas ondas renascentistas quepassaram sobre a paisagem portuguesa. O

ator da história seria o rei, não o povo,como já insinuava a inteligênciaeuropéia, por intermédio da soberaniapopular nascente e dentro da tese dopoder transmitido por Deus através damediação do povo. "Um fraco rei fazfraca a forte gente" (III, 138), e não ocontrário, rei que está "no régio sólioposto" por "divino conselho" (X, 146). Osúdito é o membro obediente da ,monarquia, sem resistência, passivamenteobediente

"E porque é de vassalos o exercícioQue os membros tem, regidos da cabeça,Não quererás, pois tens de rei o ofícioQue ninguém a seu rei desobedeça;"

(II, 84)"Lealdade firme e obediência "(V, 72)é a base do reino, tão mais necessáriaà medida que se estende o império:

"E o rei ilustre, o peito obedienteDos portugueses a alma imaginando,Tinha por valor grande e mui subidoO do rei que é de longe obedecido."

(II, 85)

O "Reino Cadaveroso"

O Renascimento, em Portugal,submetido ao pêndulo que o levariaprematura e inapelavelmente àContra-reforma, ainda que, antes deTrento, pela via da Reforma Católica,esgotou rapidamente a energiareformadora e revolucionária.Predominou, como se observou, depoisde vacilações débeis, o preceito paulino,retor da política: "Todo homem estejasujeito aos poderes superiores; porquenão há poder que não venha de Deus "(Ep. aos Rom., 13, 1). No fim doséculo XVIII, depois do movimentopombalino, Tomás Antônio Gonzagaadvertia: "A lei de nenhuma formacarece da aceitação do povo. Esta regrauniversal não admite mais que a exceçãoquando o rei cede do seu direito econsente que a lei, para obrigar, seja

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primeiramente recebida" (GONZAGA,1957, v. 2, p. 142). O controle das Cortestornou-se cada vez mais distante, pelararidade crescente de sua convocação.Uma poderosa corrente de pensamentoportuguês, expressa por Herculano,Rebelo da Silva, Teófilo Braga, e Anterode Quental, admite que o pensamentoportuguês não chegou a se emancipar daIdade Média. Não conseguiu, em direçãoeuropeizante e não-ibérica, assegurar oprincípio da soberania popular, nãoobviamente a soberania popular imediatasequer aos seus necessários pressupostos.Não vingou a tese da origem popular dopoder, não obstante seu auspiciosoaparecimento na Revolução de Avis, dasupremacia da lei sobre o príncipe, daseparação entre o rei e a Coroa, dadoutrina da resistência ao poder tirânico.Dentre os mencionados, Herculanoacentua, como influência deformante ebásica, o centralismo, que aboliu omunicipalismo. Centralismo é, narealidade, a pálida imagem de umamonarquia vergada debaixo da tarefa aque se propôs, no tour de force contraos meios de sua débil economiaautônoma. A deficiência, fundada naincontrastável soberania do príncipe, naorigem divina do poder, na incondicionalobediência, retardaria a aceitação, depoisdo nascimento, em outro sítio, da noçãodos direitos do homem. O Humanismorenascentista, fora da Península Ibérica,já conseguira firmar o esboço da base dasDeclarações de Direitos, que, mais tarde,serviram de sustentáculo à ordem liberal(RITTER, 1964, p. 205-8).

Talvez haja precipitada antecipação emver na própria descoberta da Índia o"termo da grandeza sólida e verdadeirade Portugal". A razão — indicava-aCoelho da Rocha — estava em que ogoverno via no comércio o fruto dasconquistas, "não o prendia comestabelecimentos calculados, nem curavade remover os obstáculos que no futuro

o podiam arrumar" (D'ARRIAGA, 1886,v l, p. 21). Desprezada a agricultura,expulsos os judeus, que levaram seuscabedais e sua experiência para animar ocomércio e a indústria de outras nações,instituída a Santa Inquisição em 1536,todos os trunfos se concentraram na cartaaleatória do comércio de trânsito. Jáno tempo de D. Sebastião (m 1578), opovo, abandonando os campos e sememprego, aglomerou-se em torno dosmosteiros, para viver da caridade OEstado, promotor de favores e deriquezas, foi entregue, juntamente coma Igreja, às classes altas, à numerosae empobrecida fidalguia.

Logo que os "fumos da Índia" semostraram ilusórios, esvaiu-se a veleidaderenascentista portuguesa A tragédia emÁfrica é a dramatização do fim, o fiminelutável que estava na base da empresamarítima Com D. Sebastião desaparece,nas cinzas do "saber de experiênciasfeito", o sonho imperial, sucedendo-sea modesta e decadente melancolia. Ascondições sócio-econômicas foram oterreno fértil para a instalação da muralhaque isolará Portugal da Europa, apoiadona Reforma Católica e na Contra-reformaHá aparente incongruência entre ocomércio internacional, para o qual oReino era a base geográfica, e oisolamento cultural. Explica acontradição a própria estagnação doesquema econômico, com a passividadede Portugal. O país, nacionalmenteconstituído, manteve-se impenetrável àciência européia, ao pensamento políticouniversal, regando o cordão sanitáriocom água-benta e autos-de-fé. Trêsséculos durará a quarentena, imposta,em direta proporção, ao Brasil. A prisãode Damião de Góes, em 1572, o ano dapublicação de Os Lusíadas, marca adefinitiva vitória do "reino cadaveroso"(REGO org., s/d). O Humanismo, sob asseveras penas da Inquisição, estavabanido de Portugal.

As condiçõessócio-econômicas foramo terreno fértil para ainstalação da muralhaque isolará Portugal daEuropa, apoiado naReforma Católica e naContra-reforma. (...) OHumanismo, sob asseveras penas daInquisição, estavabanido de Portugal.

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O pensamento político portuguêsconfinara-se nos limites impostos pelosistema educacional e cultural tolerado. ACompanhia de Jesus, que chegara em1540 a Portugal, mais tarde ajustada,como fiel intérprete do Concílio deTrento, cimentou a coluna opaca que, apretexto de combater a heresia, isolou-oda cultura européia. Iam para o olvidoos movimentos criativos dos séculos XV eXVI, dissociados de uma prática tolhida

Em breve, o silêncio cairia sobre aprodução dos escolásticos maisindependentes, como Francisco deVitória (1492-1546), com o relevo aodebate acerca do direto à autonomia dosíndios americanos da Escola deSalamanca, robustecido por FranciscoSuarez (1548-1617), que lançara a tesedo necessário consentimento dos novossúditos à autoridade real. Por doisséculos, de meados do século XVI ameados do século XVIII, vigorou oanacronismo que se veio a denominarde segunda escolástica portuguesa (PAIM.1984, p. 206). A união com a Espanha(1580-1640) nada mudou do quadro,certo que as elites ibéricas seamalgamavam em igual obscurantismo,que legaram à América Latina. Os jesuítasocuparam todo o ensino médio ninguémentraria na Universidade sem passarpelos seus preparatórios. O domínio foiextensivo à Universidade de Évora, queeles conseguiram dominar por inteiroe não só espiritualmente, como emCoimbra. A esta impuseram os estatutos,reduzindo as faculdades a três (Teologia,Cânones e Leis, e Medicina), banidas asciências naturais, bem como a história dodireito civil romano e português. "NaContra-Reforma portuguesa predominariao espirito escolástico, se por issoentendemos um estilo circunscrito àrepetição de princípios já estabelecidos,onde não se fazem presente a inquirição,a dúvida ou a pesquisa liberta depreconceitos. Esse predomínio acha-se

expresso na Ratio Studiorum, nomonopólio virtual do ensino exercidopelos jesuítas e na ferocidade da censurainquisitorial pelos próprios Tribunais doSanto Oficio, ao longo do século XVIIe na primeira metade do seguinte."(PAIM, 1984, p 209.)

O regime de estudo, com as fériasprolongadas, o despotismo das postilas,a ausência de exercícios, formava letradosornamentais, engastados aotradicionalismo vigente. Os livros postosao alcance dos alunos giravam em tornoda Suma Teológica (35a regra), lendo-seAristóteles nos comentaristas autorizadosO Index Romano proibia Montaigne,Bacon, Locke, Hobbes, Giordano Bruno,Spinoza, Mallebranche. Em 1768, empleno consulado pombalino, era proibidaa venda do Ensaio sobre o EntendimentoHumano. Em matéria de história,ensinava-se coisas deste gênero,encontradas na Corografia Portuguesa, dopadre Antônio Carvalho da Costa. "Amaior parte dos historiadores, assimestrangeiros, como naturais, dizem queesta cidade (Lisboa) foi fundada porElisa, bisneta de Noé, 3259 antes davinda de Cristo, da qual dizem alguns quetomara o nome de Lusitânia toda aprovíncia Depois a reedificou o astutoUlisses". Como herança desse espírito, empleno século XIX, Herculano sofreu duracampanha de descrédito por haverduvidado da conferência entre Cristoe Afonso Henriques, no campode Ourique.

O rei D. Sebastião, pela lei de 1571,com o fim de "impedir as astúcias queo demônio um para perverter oentendimento dos católicos" proíbeimprimir, importar, vender, emprestar eter em casa livros "luteranos, heréticose reprovados". A pena é a morte natural,com perdimento dos bens. A proibiçãoalcança também os livros proibidos pelos"Santos Padres e pelo Santo Oficio daInquisição", por motivo de proteção da

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fé, os quais só se podiam ter com licençados inquisidores e prelados ordinários.

A proibição, ponderado o tempo e oabsolutismo, não é um fatoextraordinário. A rainha Elizabeth, daInglaterra, e seu sucessor tambémimpediram a edição de livros sem realautorização (HUME, 1975, p. 217). Asingularidade está na persistência secularda restrição. Causa espanto que osimpedimentos, em dois séculos, nãotenham encontrado, como na Inglaterrae na França, reação interna, por viadireta ou oblíqua. A dependênciaintelectual casava-se à dependência aopríncipe, que desde 1641 não maisreuniu Cortes "só com o braço do povo".

O parlamento existia como um favor dorei, raramente concedido, numa naçãoinerte e passiva. O obscurantismo adotou,em certos momentos, a tática das idéiasnovas. No reinado de D. João V (m.1750) criaram-se academias, como réplicacatólica aos grupos de renovaçãoeuropéia, sob a ótica, entretanto,jesuítica. A Academia Real de História,não-desprezível por alguns estudospertinentes à sua área, reunia-se paraaprovar as determinações do Vaticano,com juramentos e Te-Deum laudamus. Aomesmo tempo, na primeira metade doséculo XVIII, os bruxos, possessos efeiticeiros mantiveram ocupada aInquisição. O ouro do Brasil inchara ametrópole, mas não lhe mudara aestrutura, como reclamavam algunsespíritos que se antecipavam ao futuro. Asuperstição embriagava a ciência.Bartolomeu de Gusmão fez subir suamáquina aerostática. Logo recaiu nassuspeitas de feiticeiro e ajudante deSatanás. "O povo começou a desconfiardesse cultor da ciência que tantos serviçosestá prestando atualmente à civilização;começaram a circular rumores de que eravisto conversar com o demônio àmeia-noite, fazendo coisas estupendas,maravilhosas e mil outras extravagâncias

que o jesuíta inspirara ao povo. Foiquanto bastou para o Santo Oficiotomar conta dele e ordenar a sua prisãocomo feiticeiro. Teria sido lançado àschamas, se não fugisse incógnito paraEspanha, onde morreu desgraçado numhospital" (D'ARRIAGA, 1886, v. l,p. 175). Os bens da civilização, que seinsinuavam em Portugal, sofriam apressão ambiente, povoada de bruxariase grosseira ignorância.

O mundo colonial deveria ser, pelasnormas absolutistas vigentes, uma cópiado mundo português. As normas daadministração da "conquista" obedeciamaos cânones metropolitanos, aindadurante o período da união ibérica, que,na realidade, admitiu a autonomiaadministrativa de Portugal. A "literaturacolonial era um aspecto da literaturaportuguesa, da qual não podia serdestacada o cenário americano serviapara lhe dar sabor exótico, nunca paralhe dar autonomia, pois o cenário nãobasta se não corresponder à visão domundo, ao sentimento especial quetransforma a natureza física numavivência" (MELLO E SOUZA, 1981,v. l, p. 73-4). Manifestações existem, semexigir uma literatura particular acercade questões coloniais, especificamentecoloniais. Em alguns momentos, a sátiraem verso manifesta o inconformismo aospadrões estabelecidos. Este será o casode Gregóno de Matos (1633-96), numacarreira de protestos que chegará atéàs Cartas Chilenas, na segunda metadedo século XVIII. A correspondênciajesuítica — sem constituir uma literaturaà parte — será outro ramo, emmanifestações que incluem desde asCartas de Nóbrega até a Cultura eopulência do Brasil, de Antonil(1649-1716). Outra manifestação daconsciência colonial, às vezesinconformada com a administração e ametrópole será o sermão, exponte doqual é o padre Antônio Vieira

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(1608-1697). O pensamento políticocorre, no período colonial, dentro daordem administrativa, e, à margem,mas não sem relevância, nasmanifestações literárias e de ensino,inclusive na catequese.

O ingresso do gentio na civilizaçãoportuguesa será obra principalmente dasmissões ultramarinas da Companhia deJesus, que chegou ao Brasil com Tomé deSousa, em 1549. O padre Manuel daNóbrega (1517-1570), um dos seisjesuítas, declara que "esta terra é nossaempresa", adequando a civilizaçãoindígena aos padrões portugueses, contraas mancebias, pela regularização conjugaldos convertidos, pela liberdade contra oinjusto cativeiro dos índios, contra aantropofagia, pela pureza da fé, pelahierarquia eclesiástica, pela instrução eeducação, com colégios e livros, pelaagricultura e indústria local e pela boaimigração (LEITE, 1965, p 3-4)Depois de se estabelecer na capitania deSão Vicente, propôs-se estender asmissões ao Paraguai. Impediu-o ogovernador, temeroso de que a capitaniase despovoasse com o cheiro das minas,então descobertas no Peru. A autoridadecivil desconfiava que tais territóriosestavam fora da jurisdição portuguesa. Osistema adotado para congregar os índiosserá o aldeamento, em estilo diversoda encomienda espanhola. O Diálogosobre a Conversão do Gentio, "primeiraobra propriamente literária do Brasil",lança os fundamentos da catequese."Pensamento fundamental: os gentios sãocapazes de se converter em direito porquesão homens, e de facto porque muitosjá se converteram. O que urgia era criarcircunstâncias externas que facilitassem aobra da graça, num regime de autoridadepaterna, sobretudo com a educação dosmeninos. "(LEITE, 1965, p. 20.)

Os índios aldeados aprendiam adoutrina e os costumes portugueses,firmando a reserva, de outro lado, da

defesa do território. O problema eraassegurar-lhes sustento e trabalho. Aatividade tradicional dos índios, a caça,a pesca e o plantio da mandioca,encontraria, logo a seguir, as restriçõesdo povoamento dos portugueses, quedevoravam, pelo regime das sesmarias, asterras. Nóbrega queria que os índiostivessem suas terras próprias. Ogovernador Mem de Sá demarcousesmanas para servirem de assento àsaldeias do Colégio da Bahia. Osconflitos com os colonos foram,todavia, freqüentes, em torno daescravização do índio e das terras."Numerosas aldeias se fundaram depoise nem sempre os encarregados deconceder terras viam com olhoscatequéticos estas fundações, comosucedeu nos sertões da Bahia, na Jacobinae margens do rio de São Francisco,lugares onde a seguir às perturbaçõespaulistas do sul e às guerras holandesasno norte, que quebrantaram o espíritomissionário, se tentou o aldeamento dosíndios. Mas aí os donos das imensassesmarias, em que já estavam repartidasas terras, interpretavam que por seremsenhores delas podiam também dispordos índios que as habitavam. Osconflitos foram inevitáveis e violentos.

Até que o alvará régio de 23 deNovembro de 1700 ordenou que se desseàs aldeias do Brasil uma légua de terraem quadra, não a arbítrio dosdonatários ou sesmeiros, mas ondeos índios preferissem, ouvida a Juntadas Missões. Davam-se as terras a eles,porque, 'tendo-as os índios, as ficamlogrando os missionários, no que lhes fornecessário para ajudar o seu sustento epara ornato e custeio das igrejas'.Prudente cláusula jurídica, de posse como usufruto coletivo aos índios, aospadres e à Igreja, o que tirava atentação aos vizinhos e confinantesde se intrometerem com as terras dasaldeias" (LEITE, 1965, p. 70-1.)

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A favor da liberdade dos índios,obteve o padre Vieira, depois de ásperasdisputas com os colonos, a Lei de 9 deabril de 1655. No sermão, defendeu osíndios, sobretudo no Sermão dasTentações, famoso ao lado do Sermãoaos Peixes, contra o cativeiro injustoe do Sermão da Palavra de Deus, estepregado na Corte. Missionário ele próprio,percorreu parte do território do estadodo Maranhão, na linhagem do padreNóbrega ao sul.

O conflito entre colonos e padres,estes aliados à autoridade civil, teveefeitos profundos no pensamento políticoespecificamente americano. No sul, comos bandeirantes, chegou a separar asociedade do Estado, num hiato em quese projetaria, ainda que larvarmente, umanota de rebeldia nativista. "Reflita-sedesde já que a severa atitude daCompanhia, condenando essa fáciladaptação ao estilo de vida e à ética doindígena, foi uma das causas do conflito,tão violentamente desencadeado, entrejesuítas e colonos, uns e outros animadospor dois sentidos de vida, não sódiferentes, mas, com freqüência, opostos.E apenas os colonos adquiriram, com afundação das Câmaras, a consciência e oórgão definidor das suas diretrizespróprias, essa oposição volveu-se, comosucedeu em quase todas as cidadesbrasileiras, e, particularmente, em SãoPaulo, em defesa do ataque organizado."(CORTESÃO, 1966, v. l, p. 89.)

O Colégio e a Câmara tornaram-setermos antagônicos, deixando um espaçode autonomia possível, dentro do sistemaabsolutista, transplantado à colônia. Osbandeirantes, ora dissociados, oradirigidos pela autoridade civil, foramuma peça essencial nesse espaçoautônomo, particularmente quandoresistem à invasão, pela via do Guairá,contra São Vicente. Eles reforçaram asecularização do poder, desta forma maisdenso do que na América Espanhola.

Outro espaço nativista foi o queresultou das guerras holandesas. "Certascamadas ou grupos sociais mantinhamacesa a recordação da experiência,quando mais não fosse por interessecorporativo ou estamental. Entre a'nobreza da terra', ela fora preservadagraças à sua simbiose com as pretensõesnobiliárquicas; nas ordens religiosas, aodesejo de fazer valer junto às autoridadesregias os serviços, materiais e espirituais,por elas prestados à restauração"(MELLO, 1986, p. 27-8). Abre-se, emconseqüência, um processo de críticacolonial, que se projeta desde 1654, coma expulsão dos holandeses, adquirindocor revolucionária em 1817. "É durantea crise de 1710-1711 ou o movimento de1817 quando melhor se deixa surpreendero imaginário político do nativismo; oque nas épocas de tranqüilidade fora ditoimplícita ou veladamente, via-se agoraproclamado alto e bom som, mesmoquando, por prudência, mantinha-se umaparte do discurso fora do registroescrito" (MELLO, 1986, p. 100.)

Os colonos adquiriram a consciênciade que, sem ajuda da metrópole, haviamconsolidado a posse territorial. Afidelidade à Coroa, com isso, formariaum vínculo contratual, com largoscréditos nas fileiras da administraçãocolonial, à "nobreza da terra", Todos oselementos dispersos — o conflito peloíndio e pela terra, a resistência ao fisco,o imaginário nativista — conjugar-se-ão,em dado momento, para o ajuste decontas com o sistema colonial. Essenúcleo formará a idéia de direitos doscolonos, que a metrópole despreza.

A Ruptura Pombalina

O reencontro de Portugal com aEuropa não foi um raio em céu azul.Tem, firmado nas reformas de Pombal,longos antecedentes de natureza culturale de natureza político-econômica.

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(Sebastião José de Carvalho e Melo,1699-1782). O certo é que os efeitosda incorporação do Iluminismo seriamimediatos e mediatos. Imediatamente,renovou-se o Remo, econômica eculturalmente. Mediatamente, com oreforço do absolutismo, desestabilizou-seo sistema, abrindo espaço à futurarevolução liberal Portugal contava, paraa reforma, com valioso contingente depessoas cultas, a maioria residindo noestrangeiro, muitos por cautela ao SantoOfício. Entre os estrangeirados, LuísAntônio Verney (1713-1792) era o maisilustre deles A denúncia da culturaportuguesa está no Verdadeiro Métodode Estudar (1747). Culturalmente,Portugal achava-se na Idade Média, depoisde haver proclamado, no Renascimento,o princípio do experimentalismo. Maistarde, escreveu Herculano. "Quando osdiamantes e o ouro do Brasil vinhaminundar Portugal de riquezas entãoera preciso entulhar de frades, decapelães, de cônegos, de monsenhores,de principais, de escribas, dedesembargadores, de ca turras, derimadores de epitalâmios e de elegias,o insondável sorvedouro das inutilidadespúblicas. Como de outro modo devoraras entranhas da América? Esta era agrande indústria portuguesa de então,para ela se deviam organizar os estudos. OTesouro do Estado substituía a ação doshomens. Com agentes espertos paravender diamantes na Holanda e obreiroshábeis para cunhar ouro nos paços damoeda, estavam supridos trabalhos,educação do povo, atividade, tudo"(SÉRGIO, 1972, p. 122). As reformaspreconizadas por Verney, RibeiroSanches (1699-1783) e D. Luis da Cunha(1662-1749), entre outros, encontrariamem Pombal o executor hábil e enérgico. Afilosofia e a ciência, fechadas em círculosque as segregavam, voltariam a integraro ensino, rompendo a escolástica.

"MasDescartes, Newton e Gazendo?" —

pergunta um retardado defensor daescolástica.- "Eram por demais conhecidos emPortugal, posto que seguidos porpoucos" (ANDRADE, 1946, p. 354-5.)

A dificuldade, na renovação, nãoestaria em adotar um ou outro tópicoda cultura européia. Tratava-se, comopercebeu Verney, de reorganizar todo ocódigo mental do país, no seu sistemade ensino. Há sempre o risco, visívelna época e nas suas efêmerasconseqüências, de adotar teorias de forapara dogmatizá-las. No tempo carceráriode duzentos anos, mudara na Europa aciência, a religião, a política, a filosofia.Mais do que a filosofia, a religião, apolítica, a ciência, mudara a maneira decompreendê-las e de vê-las, debaixo dairradiação iluminista. Não havia emPortugal o veemente estímulo socialpara fechar o desacerto entre a históriae o pensamento. Em plena indigênciamental, o Reino mergulhou noIluminismo, pela mão de um ministro,à força, com espanto e surpresa.Incorporar resultados da atividadeespiritual pareceu a Hegel tarefasemelhante à de incorporar produtosmortos. "A impaciência se esforça emrealizar o impossível chegar ao fimsem os meios." (RODRIGUESPANIAGUA, 1984, p. 9.)

O resultado não é todo o real, o qualestá no devenir, no seu desenvolvimento,obrigando ao respeito as etapasdesprezadas.

Desde que se restaurou a monarquia,em 1640, os intelectuais portugueses —políticos e economistas — insistiamno esgotamento do modelo manuelino. Osistema econômico, simbolizado no remoda pimenta, chegara à agonia no séculoXVIII. Era necessária uma reforma,capaz de abranger, na sua amplitude, opaís e o pacto colonial. Portugaltornara-se pensionista do Brasil, cujovínculo com a metrópole revela-se cada

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dia mais precário com o advento deoutro centro, industrial e hegemônico,a Inglaterra. Os caminhos da África eda Ásia, freqüentados sucessivamentepelos holandeses e ingleses, desvaneceramo sonho monopolista, sempre maisnominal do que real. O ouro do Brasilexauria-se rapidamente, de restomal-aproveitado na metrópole, que, semfruí-lo produtivamente, o escoava paraa metrópole da metrópole. O mundoeuropeu vivia na Inglaterra e florescia noIluminismo francês, ao lado do "reinocadaveroso", entorpecido e anacrônico. Operfil da mudança fixou-se num traçogeral: engastar Portugal na Europa, daqual se distanciara, sem comprometero absolutismo, a autoridade e o sistemacolonial. As reformas econômicas seinsinuavam pelos letrados,reverentemente, cautelosamente, aosouvidos do príncipe. O motor dasmudanças estava constituído e dele seirradiariam as medidas. O Estado seriao centro, sustentado e animado pelaburguesia comercial. A lista dosinovadores é longa, particularmente vivaznos séculos XVI e XVII: Luis Mendes deVasconcelos, Duarte Ribeiro Macedo,José Acúrcio das'Neves, Alexandre deGusmão, D. Luis da Cunha, José Vaz deCarvalho, Manuel Almeida e Carvalho,entre outros (SÉRGIO, 1924).

Contribuem para a crítica os nacionais ou"castiços" e os "estrangeirados", todoshostis ao isolamento cultural, ao domínioda escolástica e ao controle inquisitorial(FALCON, 1982, p. 204). Entre todos,avulta um "castiço ", o santista Alexandrede Gusmão (1695-1753), pela influênciaque exerceu nos negócios públicos noreinado de D. João V (m. 1750), e pelapercepção da crise. Mercantilista, comomercantilista seria Pombal, defendia apermanência do dinheiro dentro dasfronteiras de Portugal. Denunciava, nabalança comercial desfavorável, a fuga donumerário — o ouro brasileiro — que

corria para a Inglaterra, sem nada deixarno seu lugar, senão a inchada pompa dosfidalgos. Sugeria, para consertar odesequilíbrio, reativar a agricultura,fomentando a indústria interna, além deexpandir o comércio dentro e fora dasfronteiras. Não receou criticar, naexposição de suas propostas, o Tratadode Methuen (1703), que mais do que atroca de vinhos por manufaturas, carreavapara o parceiro inglês a riqueza colonial(MAGALHÃES, 1967, p. 356 - segs.): NaCorte deslumbrada com o ouro do Brasil,sempre em trânsito, como de trânsito eraa economia, a terra jazia sem cultivo,senão com a vinha, para amenizar ascontas do Tratado de Methuen. Quandonão se importava trigo, porque oslavradores não tinham como plantá-lo,o povo não tinha o que comer. Osfidalgos, fascinados pelo fausto, giravamem torno dos favores de D. João V,entregue ao luxo e aos desperdíciosarquitetônicos. "A indústria nacionalconstava de óperas e devoções. Oportuguês só sabia ser lojista: todo ocomércio externo estava na mão dosingleses, principalmente, e de italianos."(OLIVEIRA MARTINS e PEREIRA,1942, t. II, p. 151.)

Dentre os estrangeirados avulta, pelainfluência que virá a exercer, Verney,com sua filosofia antiaristotélica eescolástica, com seu Verdadeiro Métodode Estudar (l747), um, entre muitos,que viam, como Pombal veria, o Reinode fora, com seu escandaloso atraso.

O terremoto de Lisboa (1755) sacudiua política e a terra, abrindo espaço paraas reformas, conduzidas pelo ministro deD. José I (m. 1777). "Antes daqueleacontecimento — escreveu o marquês dePombal — todas as reformas, que apolítica poderia intentar, dariam emfalso (. . .) é necessário um golpe de raio,que abisme, e subverta tudo, para tudoreformar (. . .) Uma calamidade pública,de ordinário, reúne os corações, e

Antes daqueleacontecimento —escreveu o marquês dePombal — todas asreformas, que a políticapoderia intentar,dariam em falso ( . . . ) énecessário um golpe deraio, que abisme, esubverta tudo, paratudo reformar (.. .)Uma calamidadepública, de ordinário,reúne os corações, eespíritos. Quanto nãopode fazer umreformador.

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espíritos. Quanto não pode fazer umgrande reformador." (CARVALHO EMELO - "Marquês de Pombal", 1861.v. 2, p. 186.)

As reformas partiam do claropressuposto da decadência econômica eintelectual do Reino. "A monarquiaestava agonizando - reconhecia oministro. Os ingleses tinham peado estanação e a tinham debaixo da suapendência eles a haviam insensivelmenteconquistado, sem ter provado nenhumdos inconvenientes das conquistas."(Idem, p. 103.)

O que se segue da alavanca reformistadará o contorno do pensamento políticoportuguês, com imediata e duradourainfluência no Brasil. Influência que seprojetou pela via ideológica, com a

renovação cultural, no preparo daselites que viriam decidir os destinos dacolônia e do nascente império. Elassobrepuseram-se, depois de muitasconcessões táticas, à onda liberal,contemporânea do rompimento do pactocolonial. Voltar-se-á ao assunto.

A base das reformas pombalinasrenovará o Estado, com a restauração daautoridade pública, fraca, corrupta eatrasada. O centro das mudanças seprojetará na economia, com agências ecompanhias de fomento. Neste ponto, aodisputar a predominância inglesa, aocuidar de incentivar a agricultura, aindústria e o comércio, reforçava osistema colonial, com o enrijecimentodo comando da metrópole. O

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absolutismo — "absolutismo esclarecido"e não "despotismo esclarecido"(PRÉLOT, 1966, p. 339) - libertou-sede suas travas históricas, desarmandoa fidalguia sem liquidá-la. Osimpedimentos culturais removeram-se apartir da expulsão dos jesuítas (1759),com a renovação do ensino e do modelouniversitário. Ao manter, emboraatenuada, a aristocracia, retirando-lheapenas o papel de controle político,sem substituí-la por outra classe, aburguesia comercial, o absolutismoadquiriu forma peculiar que o distinguedo francês e do Iluminismo europeu.Afasta-se, desta sorte, o pré-Liberalismoaristocrático, que medrou, emboratimidamente, como oposição irrealizada,na Corte de Luis XIV, ao qual se entroncao Liberalismo moderno, num caminhoque vai de Fénelon até o duque deSaint-Simon, para, mais tarde, florescerem Montesquieu (Idem, p. 359 - segs.).Recuperava-se o princípio, em plenamonarquia absoluta, da intermediaçãodo povo na origem divina do poder,princípio que se expande noConstitucionalismo, depois apropriadopelo Liberalismo (SKINNER, 1979, v. 2,p. 113 - segs.). O absolutismo português,com a renovação pombalina, ao contrário,reativava as raízes medievais, como fato,num contexto cultural modernizante. Oplano pombalino repousa sobre umacontradição, que se expandirá numaambigüidade. O Estado, o agente dareforma, utilizava, sem permitir-lheautonomia, a burguesia comercial, postaao lado da aristocracia vigiada. A reforma,desta maneira, incide, de modo principal,sobre os delegados estatais,universitariamente reequipados. Aideologia, orientada pelo poder público,subordina o pensamento político,impedindo que ela se liberte parafreqüentar o espaço liberal.

As inovações, por conseqüência, nãotocam as camadas populares. Elas "não

atingem senão os setores privilegiados,como a nobreza ou o clero, o ensinosuperior e tudo o que possa haver umraio de confidencia" (BESSA-LUIS,1981, p. 167). Cria-se o Colégio dosNobres (l761) para expandir a culturados que, pelo nascimento, estavamdestinados à diplomacia e às armas,com o traquejo nas línguas vivas, namatemática e nas ciências experimentais.

Os estudos menores e preparatóriosserão reformulados, em conseqüênciada expulsão dos jesuítas, retirada aênfase da língua latina e alcançandosetores das classes médias, para cujosustento se criou um tributo, o subsídioliterário. Em todo o país criam-se cadeirasautônomas de latim, grego, retórica efilosofia, num ensaio rudimentar doensino laico e oficial. O ensino comercialse faz na Aula de Comércio. As reformasprincipais no campo da cultura serãoo Colégio dos Nobres (1761), a Lei daBoa Razão (1769), a criação da MesaCensoria (1768), a Reforma daUniversidade (l 772), a abolição entrecristãos-novos e cristãos-velhos (1773) e onovo regime da Inquisição (1774). Oabsolutismo não permitia a extinção dosinstrumentos principais de repressãoideológica, a censura e a Inquisição,"remodelados e postos sob diretadependência do Trono, que governade ciência certa e vontade esclarecida"(SARAIVA e LOPES, p. 524). O poderrégio, "emanado do mesmo Deusdiretamente", liberta-se de restriçõeseclesiásticas, das Cortes e do papa. Aunificação da censura na Real MesaCensoria, embora areje o ambiente, nãocede de sua severidade. Locke continuariaconfinado, como banida ficaria a filosofiapolítica européia, permitindo, nomáximo, a tradução, em 1768, dosElementos de Direito Natural, deBurlamaqui, livro que influenciouRousseau e os constituintes americanos(DERATHÉ, 1979, p. 84-9). Não estava o

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paradigma europeu liberto da censura. Adiferença estará na ausência de condiçõesintelectuais que a refreiem ou a rompam.

O estudo do direito natural, modernizadode seu ranço absolutista, será a fonte, emPortugal, do Liberalismo. Cabral deMoncada encontra, não em Burlamaqui,mas no barão de Martini, adotado emCoimbra desde a reforma de 1772, abase da renovação, cujas sementes,lançadas em sucessivas gerações, abrindo"os canais subterrâneos de ligação entre amonarquia absoluta do século XVIII e ademocracia liberal do século XIX"(MONCADA, 1949, v. 2, p 313-4).Da Universidade reformada sairiam osintelectuais que, ideologicamente,demarcariam, no futuro, a renovaçãopolítica, dentro do nevoeiro pombalino.Finalmente, embora restrita a uma tênueelite, Portugal saía do cárcere daContra-reforma. A veneração sem críticaao direito romano cede o lugar ao direitonacional, com a recuperação, fora docampo do direito, do Iluminismo. Semaudácia, a razão se recupera doformalismo escolástico e da subserviênciaà autoridade, o que produzirá efeitospolíticos distantes, embora politicamentefreados no reinado posterior (1777). "Ométodo de comentários - observamhistoriadores da mudança - e de disputasformalistas, o uso de postilas (sebentas)são absolutamente banidos. O essencialdos cursos resume-se em compêndios,para evitar a dispersão, e o mestre expõepor dedução matemática ou por induçãoexperimental A história das ciênciasdeverá acompanhar o seu aprendizado, Atendência experimentalista concretiza-senum Horto Botânico, num Museu deHistória Natural, num Teatro de FilosofiaExperimental (isto é, um Laboratóriode Física), num Laboratório Químico,num Observatório, num TeatroAnatômico, num Hospital Escolar (. . .)A Faculdade de Artes, que era a queanteriormente iniciava os estudantes no

espírito das disputas praticamenteinverificáveis, é substituída pela deFilosofia, de cunho naturalista. Cria-se,enfim, a Faculdade de Matemática,cuja freqüência se torna obrigatória paraos candidatos aos cursos finais, durantemais ou menos tempo." (SARAIVA eLOPES, p. 535-6.)

O espaço que está entre o pensamentopolítico e a ideologia revela-se depoisda queda de Pombal, com odesaparecimento de seu patrono — porque não inspirador? — D. José I (1777). Aprovisoriedade de reformas, queabrangem apenas a elite e que não sealicerçam na hegemonia de uma novaclasse, explode da Viradeira, com aperseguição ao ministro e o retorno daspráticas beatas do Reino tradicional. Avolta ao passado não conseguiria retornarao ponto de partida, ao modelomanuelino. De outro lado, o absolutismoesclarecido também não conseguiriamanter os padrões instalados. A elite serenovara — e a elite era quase tudo.Estes 27 anos de luz e de provisoriedadenão seriam anulados com a beatice deD. Maria, depois D. Maria, a louca: eles,os 27 anos, seriam um fato permanente,não como queria Pombal, não comoqueria a burguesia comercial, não comoqueria a nobreza, não como queriamos intelectuais. A Inquisição, apesar deseus surtos impetuosos e temporários, ojesuitismo aristotélico-tomista, obanimento da ciência experimental,foram para o museu das antigüidades,sem remissão, apesar do retornorepressivo. O absolutismo continuaria aremar. Mas a veleidade liberal, às vezespor inspiração tática, outras vezesinfluenciada pela sua inelutável inspiraçãopedagógica, continuaria presente. Opequeno e limitado círculo, que aUniversidade alimentaria, afirmar-se-ia,no futuro português e no futurobrasileiro. A reforma seria, ausente anova hegemonia política, mais do que

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uma pincelada ornamental, menos doque uma mudança revolucionária. OliveiraMartins, ao realçar o consuladopombalino, não esconderia que a "naçãode estufa, com gente de fora ", teriamostrado ao "português, beato eensandecido, que havia alguma coisano mundo mais do que freiras emarmelada, outeiros e arruaças, piedosaluxúria e visões desvairadas" (. ..) "talvezum vislumbre de verdadeira luz raiassejá no cérebro nacional quando aoobservar a restauração das coisas pátrias,com a sua natural pachorra, o povodizia depois: 'Mal por mal, melhor comPombal" (OLIVEIRA MARTINS ePEREIRA, 1942, t. H, p. 208-9).

As reformas pombalinas, na medidaque aliviaram o peso do ranço imobilistae jesuítico, descomprimiram o meiocultural. Mas entre este passo e oLiberalismo medeia distância imensa,não raro coberta pela fantasia histórica.Pombal encontrou o meio de encarnar,tentando superá-la, a "crise mental doséculo X V I I I " (CIDADE, s/d, t. II, p. 29).Tratava-se de aproximar o Reino velhodo Reino novo, necessário para seadequar à Europa e sobretudo necessáriopara fomentar a economia, artificialmenteativada pelo ouro do Brasil esubterraneamente devastada pelaRevolução Industrial, à qual o paíspermanecia alheio e, pelo Tratado deMethuen, vendido. Recomeçava-se, pelamão régia, o renascimento interrompido.Voltaram as ciências, agora renovadaspor Newton, Laplace, Buffon, Lamarcketc. Há evidente exagero em dizer, comose disse, que os estatutos da Universidadede Coimbra se inspiraram emMontesquieu, Rousseau e Kant(D'ARRIAGA, 1886, t.I, v. l, p. 191).Ao contrário, o absolutismo continuou aimperar, corrompendo a presençaeuropéia com o verniz da descompressão,na verdade seletiva e rigorosa em todosos setores suscetíveis de abalar aautoridade, campo no qual se destaca a

timidez do Verdadeiro Método. É certoque se difundiu a instrução pública,liberta das cautelas jesuíticas, comescolas de instrução primária no Remoe no Ultramar. Também é verdade que seabrandou a Inquisição, controlada peloministro, em pessoa de sua família,obediente mais aos poderes régios do queaos eclesiásticos. As novidades chegarama permitir a tradução do teatro deVoltaire, autor que convivia com o"absolutismo ilustrado" do tempo. Comosempre acontece em períodossemelhantes, expandem-se as ciênciaspoliticamente neutras — a matemáticae as ciências naturais. Na filosofia, evita-seo contágio do enciclopedismo. "Aindanesta parte importante os nossosreformadores, ou revolucionários, seafastaram da França. Nesta imperavam,ou a filosofia cartesiana, que morreuestéril em Port-Royal, e inspirou asteorias hipotéticas e pouco sérias deRousseau, ou a filosofia materialista,cética, apaixonada, violenta eexageradísima, que teve a mesma sorteda metafísica. Os portugueses do séculoXVIII e sequazes do grande marquêsde Pombal desejaram evitar o negativismodas idéias francesas, e mostraram todaa predileção pelos filósofos ingleses,mais práticos, sensatos e retos. Aomovimento imprimido aos espíritos peloestadista não convinham, nem os exagerose hipóteses gratuitas da metafísicacartesiana, nem o ceticismo e descrençada escola materialista francesa."(D'ARRIAGA, 1886, t.I, v. l, p. 334.)

Verney advertira, no seu VerdadeiroMétodo, que "nas matérias teológicasverdades novas não as há".

Há um campo, na corrente abertapela descompressão pombalina, queforma um esboço de novo pensamentopolítico, confundido, mas diferente doLiberalismo. Será, na verdade, umaideologia e uma filosofia política queentrará, mais tarde, no lugar do

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Liberalismo. "Primeiro germinaram asidéias; os fatos e realidades vieramdepois", diz Cabral de Moncada(1949, p. 105). O veículo será a moral,a filosofia e, sobretudo, o direito, aindapresos ao direito natural. Pascoal José deMelo, lente de Coimbra, fruto daUniversidade renovada, incumbe-se dedemonstrar que o código fundamental damonarquia portuguesa está nas Cortes:

as Cortes de Coimbra que elegeramD. João I e as de 1641 que elevaram aotrono D. João IV. Sustenta o valordos forais, com as garantias que deramao povo, bem como a importância doregime municipal e comunal. "Não éuma obra, é uma barricada contra oabsolutismo e o estado político e civilda nação portuguesa dessa época (. . .)Esta obra tem para Portugal a mesmaforça revolucionária do Espírito dasLeis de Montesquieu" (D'ARRIAGA,1886, t. I, v. l, p. 415). Outros juristas efilósofos se seguem, sem chegar,embora admitindo-a implicitamente, àmonarquia constitucional e parlamentar.Ribeiro dos Santos não citaria, maistarde, nem Rousseau, nem Montesquieu.

Contrapunha as leis do rei às leis doReino, num apelo irrevelado às Cortes.Depois de 1789, viriam osafrancesados, com leituras severamenteproibidas no Remo. Predominava sobreesses padrões, a presença de Bentham,o Rousseau dos portugueses. Destasafra virá mais tarde Silvestre PinheiroFerreira (1769-1846), embora mais tardiasua presença. Outro lente de Coimbra,Antônio Soares Barbosa, seguena tímida trilha aberta por Verney, masnão aceita a idéia do direito naturalabsoluto, no modelo de Justiniano,Hobbes, Pufendorf e Rousseau. Acentuao valor da liberdade, como base dasciências morais, sem permitir-sevinculá-la à política. Não esconde aigualdade natural e jurídica dos homens,rejeitando a teoria do contrato social.

Antes de Vicente Ferrer (1798-1886), osistematizador máximo do Liberalismoportuguês, Joaquim José Rodrigues deBrito, também lente em Coimbra, numlivro de 1804, procura renovar o direitonatural, valorizando o bem-estar material,moral e intelectual como o fim dasociedade. Em reação ao pombalismo,entram em Portugal, ainda no fim doséculo XVIII, as idéias de Adam Smith.Daí por diante se abrirá o caminho damudança em Portugal, dentro da pautapombalina, com acento na renovaçãonacional e não nos direitos do homem. OEstado será o objeto da reforma e, porvia dele, nas relações com a sociedade.

Porque Pombal desarticulou aestrutura jesuítica, rompendo aimobilidade, seu nome vinculou-se aoLiberalismo. A tese, que prosperou emmuitas instâncias, esclarece o que, emPortugal e no Brasil, mais tarde seentendeu que fosse o Liberalismo.Liberalismo no qual a nota tônicadescansa sobre a reforma do Estado,eventualmente na origem popular —popular, em termos — do poder.Oliveira Martins afirma que o Portugalpombalino "era um falso Portugal deimportação, nas idéias, nas instituições,nos homens ". O dinheiro do Brasildava para tudo: dava para sobrepor aoPortugal embalsamado um Portugalpostiço. Por essa via, pelas fronteirase pela alfândega, no contágio ideológicoe na recepção da filosofia política,germinou a futura transformação daestrutura de poder. "Por isso mesmoque a máquina era construída commateriais da Europa, onde umarevolução se realizava nas idéias, oshomens de fora vieram lançar no torrãoportuguês a semente das revoluçõesfuturas." (OLIVEIRA MARTINS ePEREIRA, 1942, t. II, p. 207-9.)

O desmantelamento do Santo Ofício,a reforma do ensino, a aproximaçãocom a Europa seriam os pilares do futuro

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Liberalismo. O assunto assumiu asproporções de uma polêmica. Contra amitologia do precedente protestouCamilo, por ocasião do centenário,destacando a contradição entredemocracia e o estadista do poderabsoluto. "Só à falta de um nomepomposo e aureolado de fulgores sinistrosem que pudesse encarar a idéia do bem, ademocracia, que não sabe fazer andaruma idéia levantada e grande sem aencostar às muletas dum título, adotouum marquês - o tipo emblemático dopoder absoluto que, a um tempo,triturava fidalguia e ralé (...)."(CASTELO BRANCO apud FALCON,1982.)

O certo é que a irrupção pombalinarearticulou o Estado, aproximando-o desetores novos, rompendo com a aliança —senão hegemonia — eclesiástica, numatransação com a burguesia mercantil,com o enfraquecimento do setor maisconservador da aristocracia, liquidando asdiferenças entre cristãos-novos ecristãos-velhos. Por aí entraria emPortugal o Liberalismo, com a Revoluçãode 1820 e por aí se fixaria o modeloliberal do Brasil, oficial e dirigido doalto, como apêndice do Estado.Liberalismo, pela sua origem, irrealizável,senão com a condição, historicamenteimpossível, de desarticular oaparelhamento estatal, para convertê-loem guarda dos direitos individuais, nãode seu tutor, mas sim de seu algoz.

No Tratado de Direito Natural, obrade 1768, encontra-se a súmula da filosofiapolítica portuguesa, dentro da qual, como limite ideológico, articula-se opensamento político. O livro é dedicadoa Pombal e aprova a política do ministro,ao sobrepor o poder civil ao eclesiástico,em convivência, porém, com o"absolutismo ilustrado". Sustenta asuperioridade do Concílio sobre o papa.Nega a jurisdição temporal do papa:

"Se o papa tivesse jurisdição temporaldireta ou indireta sobre os reis,seguir-se-ia que o poder temporal do reinão era supremo na terra e quereconhecia outro superior que nãofosse Deus" (GONZAGA, 1957, p. 89).Não há a intermediação popular nopoder, que emana diretamente de Deus.(Idem, p. 101.). O direito de resistêncianão existe, em nenhuma circunstância."Viveríamos sempre em umacontinuada discórdia, se por qualquerinjustiça houvesse o povo de se armarcontra o soberano para o castigar edepor" (Idem, p. 103). "A minhaopinião é que o rei não pode ser de formanenhuma subordinado ao povo; e por isso,ainda que o rei governe mal e cometaalgum delito, nem por isso o povo sepode armar de castigos contra ele. Jámostramos que os delitos do rei nãopodem ter outro juiz senão a Deus, deque se segue que como o povo não podejulgar as ações dele, o não pode tambémdepor, pois que a deposição é um atode conhecimento e por conseqüência desuperioridade." (Idem, p. 106.)

À futura audácia de Pascoal José deMelo, que, sem contestar o absolutismo,resgatava a histórica origem eletiva dosreis, se contrapõe a doutrina oficial.Mesmo que eletivo o rei, a transferênciado poder será irrevogável — este o leitoem que pisariam os pensadores seguintes."Todas as vezes pois que o povo elege aalgum para seu soberano e este aceita,adquire logo o império de tal forma, quenem o mesmo povo lho poderá maistirar nem ele carecerá de confirmaçãoalguma, inda a do mesmo papa"(Idem, p. 111). O rei legisla, julga,tributa, com o domínio iminente sobretodos os bens dos vassalos, em regimepatrimonialista. "A obrigação de seobedecer nasce da superioridade de quemmanda e não do consentimento dosúdito." Mais: o príncipe não se obrigacom suas leis. "Logo, não podemos

O certo é que airrupção pombalinarearticulou o Estado(...). Por aí entrariaem Portugal oLiberalismo, com aRevolução de 1820 epor aí se fixaria omodelo liberal doBrasil, oficial e dirigidodo alto, como apêndicedo Estado.

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por obrigação no rei, nascida de suaprópria lei, pois que ele não pode exigira si mesmo a sua observação."(GONZAGA, 1957, p. 143-4)

As reformas pombalinas irradiam-seno Brasil, entre os letrados, algunsegressos de Coimbra. Houve um arremedodo Século das Luzes, crítico, sem refletircom energia a crise do colonialismo. "Onosso - depõe Antônio Cândido — foium Século das Luzes dominantementebeato, escolástico, inquisitorial; mas elasse manifestaram nas concepções e noesforço reformador de certos intelectuaise administradores, enquadrados pelodespotismo relativamente esclarecido dePombal Seja qual for o juízo sobre este,a sua ação foi decisiva e benéfica parao Brasil, favorecendo atitudes mentaisevoluídas, que incrementariam o desejode saber, a adoção de novos pontos devista na literatura e na ciência, certareação contra a tirania intelectual doclero e, finalmente, o nativismo."(MELLO E SOUZA, 1981, v. l, p. 69 )

As expressões escritas maiores são,segundo o mesmo autor, o Uraguai(1769), de Basílio da Gama, de feiçãoantijesuítica, O Desertor (1771), deSilva Alvarenga, com o destaque postona reforma intelectual e O Reino daEstupidez (1785), de combate àViradeira, de D. Maria I (m. 1816;regência de D. João, depois o VI, em1799). Era uma literatura integrada naportuguesa, embora o círculo de letradosque a produziu e o círculo maior aoqual pertenceram seja atraído pelainquietação colonial, com o vínculoliberal que a marcará, Liberalismo só portransação ajustado ao Liberalismo oficialque se expandirá, dentro do Estado,como reflexo da Revolução Portuguesade 1820.

As manifestações literárias de nossaÉpoca das Luzes não dão idéia certaacerca do nível educacional dapopulação. No fim do século XVIII, a

população do Brasil seria de dois e meiomilhões de habitantes, dos quais um emeio livres, com cerca de 830 milbrancos, os únicos, pela origem social,aptos a se instruírem. Em Minas Gerais,por exemplo, em 1786, numa populaçãode 362 847 habitantes, a percentagemde escravos atingia 47% (HALLEWELL,1985, p. 176/MAXWELL, 1973, p. 266).

Embora houvesse bibliotecas nos colégios,particularmente nos jesuíticos, aimpressão local de livros era praticamentenula. As bibliotecas particulares eramraras, embora elas denunciassem apossibilidade de obter livros proibidosde circular. Southey retratou bem asituação, mostrando os limites que acircunstância impunha ao pensamentopolítico, que, para se propagar, precisavaformular-se por escrito, como por escritotambém alcançava a audiência dametrópole. "Outra prova de miserávelignorância foi não se tolerar no Brasiltipografia alguma antes da transmigraçãoda corte. Achava-se a grande massa dopovo no mesmo estado como se nuncase houvesse inventado a imprensa. Haviamuitos comerciantes abastados que nãosabiam ler, e difícil era achar jovenshabilitados para caixeiros e guarda-livros.Nem era raro um opulento sertanejoencomendar a algum de seus vizinhosque de qualquer porto de mar lhetrouxesse um português de bons costumesque soubesse ler e escrever, para casar-lhecom a filha. Contudo, havia, na maiorparte das povoações, escolas públicas deprimeiras letras, tomando os respectivosmestres bem como os de latim, na maiorparte das vilas, o título de professoresrégios, instituição singularmenteincongruente com esse sistema cego queproibia a imprensa. Os que tinhamaprendido a ler poucas ocasiõesencontravam de satisfazer o desejo dealargar os seus conhecimentos (se acasoo possuíam), tão raros eram os livros.Desde a expulsão dos jesuítas, nenhuma

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das religiões fizera timbre da sualiteratura, nem do seu amor ao Estado,e as livrarias deixadas por aqueles padrestinham quase inteiramente desaparecidonum pais onde, não sendo conservadoscom cuidado, depressa são os livrosdestruídos pelos insetos." (SOUTHEY,1965, v. 6, p. 365-6.)

O quadro traçado por umcontemporâneo, Luis dos Santos Vilhena(m. 1814), confirma o desprezo pelainstrução. No tempo dos jesuítas, havianos colégios sete classes, nas quais "segastava meia vida de um estudante como simples estudo de gramática latina".

Com o sistema dos professores públicos,depois instituídos, houve carência derecursos para manter a rede de ensino. Orespeito ao ensino era mínimo, com aprisão dos estudantes melhoraproveitados para servirem comosoldados: "não é, declara a propósitodesses atos de tirania, das menoresdesgraças viver em colônias longe dosoberano, porque nelas a lei que deordinário se observa é a vontade do quemais pode". "Ser professor, e não sernada, é tudo o mesmo" (VILHENA,1969, v. l, p. 273 - segs.). O traço maissaliente da reforma cultural não será,entretanto, a produção de algunsescritores, nem a da disseminação doensino, mas o de uma escola de elites. Obispo Azeredo Coutinho (J.J. da CunhaAzeredo Coutinho - 1742-1821) fundouo Seminário de Olinda, que introduziano Brasil o novo ensino, divulgado porVerney e protegido pelo marquês dePombal, centralizando a instrução dacapitania, seminário "logo consideradoo melhor colégio de instrução secundáriano Brasil" (OLIVEIRA LIMA, 1975,p.216).

Não tardaria em se manifestar,pelos padres aí educados, a mudança damentalidade colonial até entãomodorrentamente imóvel.

Os Liberalismos

Há, na base que se constitui o eixosobre o qual gravitará o pensamentopolítico brasileiro, o encontro de duasrotas. Caberá indagar quais eram essascorrentes e qual a natureza dessacombinação sobre a qual repousa apergunta acerca de um pensamentopolítico autônomo e dinamicamentecentrado no País. O momento e oprocesso da junção será a independência."A independência, tal como se operou,teve aliás o caráter de uma transaçãoentre o elemento nacional mais avançado,que preferiria substituir a velhasupremacia portuguesa por um regimerepublicano segundo o adotado nasoutras colônias americanas, por essetempo emancipadas, e o elementoreacionário, que era o lusitano, contrárioa um desfecho equivalente, no seuentender, a uma felonia da primitivapossessão e a um desastre financeiroe econômico da outrora metrópole. Areferida transação estabeleceu-se sobre abase da permanência da dinastia deBragança, personificada no seu rebentocapital, à frente de um impérioconstitucional e democrático, cujosoberano se dizia proclamado 'pelagraça de Deus e pela unânime aclamaçãodos povos' a um tempo ungido do Senhore escolhido pela vontade popular."(OLIVEIRA LIMA, 1947, p. 11.)

A transação, de que natureza foi?Consagrou a ideologia liberal, preparadapela filosofia política, ou foi uma meracontemporização, uma conciliação, queconserva o antigo com verniz novo?Permaneceu intocado, na junção, um doselementos, que iria ser represado, semnunca se expandir, uma vez que seudesenvolvimento dependeria de novaestrutura do Estado? Na mistura dedois liberalismos, qual será oLiberalismo, o da transação, expressona dissolução da Constituinte de 1823

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e na Constituição de 1824, ou o outro,que ficaria submerso e irrealizado,quando sua realização era a condiçãonecessária para a superação do passado?

O elemento nacional compõe acorrente emancipacionista, larvarmentenativista, preso à crise do sistemacolonial. Forma um ciclo que semanifesta, com intensidade variável, nosmovimentos de 1789 (InconfidênciaMineira), na repressão do Rio deJaneiro (3 794), na Revolução dosAlfaiates da Bahia, de 1798, irradiando-sedepois em 1817, 1824, em 1831, nasinsurreições regenciais, em 1842 eeventualmente da Praieira, em 1848. Esteé um padrão político, que se contrapõee contende com a reação econtemporização ao Liberalismoda Revolução Portuguesa de 1820, oqual, irradiando-se no Brasil pela via daCorte, ditará o perfil político daIndependência. O elemento nacionalestá no sentido certo: não se trata deum pensamento nacional, de um paíscomo Nação, mas como núcleosnão-homogêneos, com um projeto -apenas como projeto — nacional. Ascircunstâncias — a dissolução do sistemacolonial — teriam configurado as basesde uma consciência histórica, estamentale virtualmente de classe, sem que se possaconfigurar uma situação revolucionária,pelo menos no seu momento inicial,pela ausência do projeto. Mas o quadroé de um conjunto de possibilidades,num processo difuso. Trata-se de umaconsciência possível (GOLDMANN,1972, p. 7). A consciência possível nãoatinge a realização na consciência real.Explica-se, com isso, que a filosofiapolítica, livrescamente adotada, e aideologia, perfilhada dogmaticamente,não se convertam na práxis, no efetivofazer, realizar e transformar, mas emverbalismo desligado da realidade.

A crise do sistema colonial coincidecom o processo de ruptura do

absolutismo. Em torno de 1776, aindependência das colônias britânicascoincide com o fim do consuladopombalino. "Do consulado pombalinoà vinda do Príncipe Regente para aAmérica transita-se nas águas revoltasda crise geral do Antigo Regime e dosistema de colonização mercantilista."(NOVAIS, 1985, p. 11.)

A crise gerou forças contraditórias:de um lado, o neopombalismo, que searticula na transação promovida pelaCorte, de outro lado, pelas tentativas deruptura, na escala colonial autônoma. Ofato que estava em questão era apenetração mundial do capitalismoindustrial, que rompia os moldes domercantilismo, sem que Portugal,sentindo o grave inconveniente dainvasão, pudesse dispensar, em termospolíticos, a aliança do país-líder datransformação, a Inglaterra. Para ascolônias, o regime de trocas, sob oponto de vista do produtor, dispensavao entreposto colonizador, merointermediário, fiscalista, no velho regimeda economia de trânsito. "Fixemos -depõe Fernando Novais — o mecanismobásico do regime comercial, eixo dosistema da colonização da épocamercantilista. O 'exclusivo' metropolitanodo comércio colonial consiste em sumana reforma do mercado das colôniaspara a metrópole, isto é, para a burguesiacomercial metropolitana. Este omecanismo fundamental, gerador delucros excedentes, lucros coloniais;através dele, a economia centralmetropolitana incorporava osobreproduto das economias coloniaisancilares. Efetivamente, defendo aexclusividade da compra dos produtoscoloniais, os mercadores da mãe-pátriapodiam deprimir na colônia seus preçosaté ao nível abaixo do qual seriaimpossível a continuação do processoprodutivo, isto é, tendencialmente aonível dos custos de produção; a revenda

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na metrópole, onde dispunham daexclusividade da oferta, garantia-lhessobrelucros por dois lados — na comprae na venda. Promovia-se, assim, de umlado, urna transferência de renda realda colônia para a metrópole, bem comoa concentração desses capitais na carnadaempresária ligada ao comércioultramarino." (NOVAIS, 1985, p. 89.)

Os historiadores e os contemporâneos,no fim do século XVIII, mostram, comtoda a clareza, a inquietação colonial,os apertos da camada produtiva, da qualviriam os protestos contra a ordemcolonial. Tudo estava em crise, o açúcar,o algodão, o ouro, e, mais tarde, asculturas emergentes. Sufocavam-nos oregime colonial, com os monopóliose estancos, o sistema de trocas, e,devorando tudo, fiscalismo predatório,que compensaria a produção reprimida."Cumpre advertir — nota o circunspectoVarnhagen — que todos os artigos deprodução do país estavam tãosobrecarregados de direitos, e estessubdivididos de um modo tal, que nemmesmo o fisco sabia bem quantoarrecadava, nem os produtores quantotão complexamente pagavam."(VARNHAGEN, 1956, v. 5, p. 62.)

A mão-de-obra escrava, tributada eencarecida, era aplicada em produtosde exportação, geradores de lucrosimediatos, com o descuido da lavourade subsistência, com crises de fomeda população desprivilegiada. Para acudirao mal-estar, visível e expansivo, aestrutura repressiva exacerbou-se."Grandes abusos havia que alto clamavampor emenda. Até agora tinham exercidoos governadores autoridade despóticanas suas capitanias, não reguladas porleis, não refreados pelos costumes, nãoassoberbados pela opinião pública, pornenhuma responsabilidade contidos.Absolutos como outros tantos paxás,levavam aos sub-déspotas turcos avantagem de ter perfeitamente seguras

as cabeças. Nos antigos tempos, quandopara o serviço do Estado se carecia dealguma contribuição nova, era a matériaproposta pelo governador ao senado dacâmara, e resolvida com o assentimentodo povo: este direito cortinuaram ascâmaras e o povo a exercê-lo até que emPortugal se apagaram os últimos vestígiosde bom governo, estendendo-se entãoao Brasil o sistema arbitrário sob o qualdefinhava a mãe-pátria. Tomou o governocolonial caráter meramente militar, sendoas câmaras convidadas não a consultar,mas a obedecer." (SOUTHEY, 1965,v.6, p. 360-1.)

A introdução das tropas regularesenrijeceu o sistema de subordinação, comos recrutamentos forçados, queabrangiam, como se viu, os estudantes,perturbando o ensino. "Outro agravo —prossegue o mesmo historiador — vinhado modo por que se recrutavam as tropasregulares, o princípio era dar cadafamília que tivesse dois ou mais filhossolteiros, um para o exército, e serempresos para soldados todos os indivíduosde má nota entre dezesseis e sessentaanos de idade." (Idem, p. 363.)

É claro que a má nota corria por contada vontade dos recrutadores, com obeneplácito, em última instância, dosgovernadores.

Os comerciantes, a burguesiacomercial, que depois se ligara aoelemento reacionário na transação daIndependência, portugueses pela origeme pelos interesses, aliam-se ao poder,depois integrando-se na Corte. Elesserão o esteio do Liberalismo oficial,transmigrado de Portugal. O elementonacional, o dos produtores reprimidos,com seus intelectuais — padres eletrados — seguirá outro rumo. É hora deinsistir na quebra da falácia doreacionarismo dos produtores, dapropriedade agrícola, vinculada comos mineradores ao repúdio ao sistemacolonial. Uma testemunha da época,

Os comerciantes, aburguesia comercial,que depois se ligara aoelemento reacionáriona transação daIndependência,portugueses pelaorigem e pelosinteresses, aliam-se aopoder, depoisintegrando-se naCorte. Eles serão oesteio do Liberalismooficial, transmigrado dePortugal.

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Vilhena, documenta a ascendência, aolado dos administradores nomeados pelaCoroa, dos comerciantes. Nota que"tendo seus pais vindo não há muitosanos para o Brasil, para serem caixeiros,quando tivessem capacidade para o ser,porque a fortuna lhes foi propícia, ejuntaram grandes cabedais, cuidam seusfilhos, que o imperador da China éindigno de ser seu criado. ' "Sabe —continua — todo o mundo comerciante,que a praça da Bahia é uma das maiscomerciosas das colônias portuguesas,e que o seu comércio, bem a pesar dasnações estrangeiras, é somente privativoaos vassalos da Coroa de Portugal, semque o possam manter, ou girar àexportação, mais do que para esse Remo,e algumas das suas colônias, ou senhorios,como sejam todas as costas, e interiordo Brasil, ilhas dos Açores, e aindaCabo Verde, Remo de Angola, eBenguela, Moçambique, ilha de S. Tomée Príncipe, além dos portos no golfo,e costas de Guiné. Compõem-se o corpodos comerciantes existentes na Bahiade cento e sessenta e quatro homens (. . .)e que alguns destes comerciam só comseu nome, e com cabedais de personagensa quem seria menos decente o saber-seque comerciam (. . . ) Nem todos oscompreendidos naquele número sãomatriculados, mas sim chamadoscomissários (. . .)" (VILHENA, 1969,v l, p. 52, 56.)

E os soberbos senhores de engenhos,os agricultores, os que eram reputadoscomo os que mandavam, que eram eles?Que eram os mineradores ao lado doscomerciantes de ouro e diamantes e dospoderosos contratadores, espécie defuncionários do Estado patrimonialista?Entre os proprietários de terras, os quenão fossem também comerciantes,qualidade a última que os aproximavada aristocracia colonial,estamentalizando-os, sofriamtodo o peso do sistema colonial.

"Grandes fortunas — ao deles tratar,nota Oliveira Lima — não existiam,o que havia eram extensas propriedades,proporcionalmente de escassaremuneração por não ocorrerem,com o sistema do monopólio mercantil,oportunidades de especulação. Aliás, asgrandes fortunas são por via de regraantes industriais e comerciais do queagrícolas os lucros agrícolas costumamser moderados, sendo precisascircunstâncias excepcionais (. . :) paracertos artigos darem elevados proventos.Os latifúndios coloniais apresentavam-se,em larga proporção, baldios e nãopodiam, nestas condições, assegurar umrendimento sequer suficiente e estável. Onúmero dos ricos andava limitado, graçasà divisão da propriedade, a não ser peloresultado do próprio trabalho efelicidade ora, com a obrigação doesforço individual, maior ou menor,cessava a primeira condição de umaaristocracia do lazer" (OLIVEIRALIMA, 1947, p. 33.)

Vilhena, em tintas mais vivas, descrevea relativa desvalia dos agricultores esenhores de engenho, comparados comos comerciantes, vinculados ao regimecolonial e à administração pública,poderosa e onipotente. "Venho de dizerque um país extensíssimo, fecundo pornatureza, e riquíssimo, é habitado porcolonos, poucos em número, a maiorparte pobres, e muitos delesfamintos. (. . .) Os senhores de engenhonada têm, a maioria deles, que aaparência de ricos; pois que a maiorparte das safras dos seus engenhos,descritos na Carta V, não chegam parasatisfazerem aos comerciantes assistentes.Todo o mais povo, à exceção doscomerciantes e alguns lavradoresaparatosos, como os senhores de engenho,é uma congregação de pobres, . . ."(VILHENA, 1969, v. 3, p. 914-5). Maso cronista não esquece o estilo de vida: a''aparência de ricos" e os "lavradores

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aparatosos". Os senhores de engenho são"soberbos de ordinário, e tão pagos dasua glória vã, que julgam nada se podecomparar com eles, logo que se vêemdentro nas suas terras, rodeados de seusescravos, bajulados de seus rendeiros,servidos de seus mulatos, e recriadosnos seus cavalos de estrebaria (. . .)Esta é pois a glória dos senhores deengenho, e para maior auge dela, têmna cidade casas próprias, ou alugadas;cumpre muito que tenham cocheira,ainda que não haja sege, o que supremasseadas cadeiras, que todos têm, em quesaem acompanhados de seus lacaiosmulatos, ornados de fardamentosasseados" (VILHENA, 1969, v. l,p. 185).

A consciência da exploração dosistema colonial se expressa na ideologialiberal, que é, ao mesmo tempo, umafilosofia política. O pensamentopolítico — tal como o conceituamosneste ensaio, como integrado na práxis —tem conexão necessária com oLiberalismo? Por que, sem exame crítico,identificar a massimilação, que nãochegou a criar uma consciência nacional,com um tipo cultural? Será pobre einsuficiente a explicação do contágioideológico. O contágio ideológico traduzuma situação estrutural que permite,facilita e o estimula. O vínculo deve serreexaminado, para que se entenda aapropriação, que depois de 1820 sefará, desse legado, para que a consciênciapossível não se converta em consciênciareal. Os atores e ideólogos nãomencionam a revolução, numaconjuntura, embora não-nacional, narealidade revolucionária. "Nessa crise, queexpressa a desagregação de todo umregime e de uma colonização, é geradoo espírito revolucionário. Espíritorevolucionário que, de resto, não éalimentado apenas por leiturasimportadas da Europa ou da AméricaInglesa." (MOTA, 1979, p. 32.)

Leituras importadas, seletivamenteadotadas e rejeitadas, não para adefinição, mas para um esboço depensamento. O projeto, a utopiarevolucionária, define-se com vacilação,transitando, mais tarde, pela transação de22. Há uma maneira irada e uma maneirasuave de construir a ponte — a ponteimaginária que será a moldura da futuraNação. Ambas, a maneira irada e amaneira suave, não coincidem,entretanto, com o molde imposto pelaCorte e que estará na Constituiçãode 1824. Talvez um acidente expliquemuita coisa A vinda da Corte, em 1808,tenha interrompido uma jornada,rompendo a autonomia de um processoe interiorizando a metrópole (SILVADIAS, 1972, p. 165). O fato,entretanto, como prova odesenvolvimento do séculoXIX, é que o rumo do elementonacional, embora transacionado,permaneceu vivo, apesar denão-dominante. Ele atua, naprática, no cerne do pensamentopolítico, com a irrealizada superaçãoIrrompe, no curso da história, nos doisséculos, na dobra de todas as crises desistema e de governo. A conjecturade um veio inesgotado permanece,portanto, atual e inexplicada, truncandoo desenvolvimento de um pensamentopolítico nacional, dinamicamenteautônomo e capaz de levar a um estágiopós-liberal.

A emancipação intelectual do universoportuguês, o acanhado universo mentalmetropolitano, ocorre gradativamente, nopenoso esforço de juntar idéias européiase, muitas vezes, proibidas. Osconspiradores mineiros, homens de prol,proprietários e senhores de clientelas,não mais admitiam captar os favoresoficiais para atenuar a carga do sistemacolonial. O escopo era a separação dametrópole e a organização de um Estado,republicano por necessidade. A

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justificação ideológica vinha pela viafrancesa, e, pela via francesa, seconsolidava o modelo americano.Importância fundamental exerceria aobra de Raynal, a Histoire Philosophiqueet Politique des Établissements e duCommerce des Européens dans les DeuxIndes, publicada originariamente em1770, com muitas reimpressõessucessivas. O volume era encontrado nasbibliotecas do tempo, as apreendidas e asque se salvaram (FRIEIRO, 1981, p. 40/BURNS, 1971, p. 9/MAXWELL, 1973,p. 126). Circulava entre os conspiradoreso Recueil des Loix Constitutives desÉtats-Unis de l'Amérique, publicado emFiladélfia em 1778, que continha OsArtigos da Confederação, mais asconstituições da Pensilvânia, NewJersey, Delaware, Maryland, Virginia, asCarolinas e Massachussets (MAXWELL,1973, p. 126). O padrão confederativo,vitorioso nos Estados Unidos, inscientesos conspiradores de suas deficiências,por carecerem de informações maisrecentes, parecia-lhes viável, cogitando-sede uma união com São Paulo e Rio deJaneiro, sem a idéia nacional. O regimerevigorava, por outros meios, omunicipalismo, com suas Câmaras, que,refundidas em cada cidade, sesubordinariam a um ParlamentoPrincipal. Coexistente ao corte dovínculo com a metrópole, colocava-seo problema da representação, o problema,afinal, do governo. Ao deliberarem pelaabolição do exército permanente, emfavor da milícia popular, reservavamo comando da força em favor dosprincipais. Para evitar a hostilidade dosescravos, numa capitania onde elesconstituíam a maioria da população,fixou-se o compromisso de libertar osmulatos e negros nascidos no País, comoexpediente de segurança do movimento(MAXWELL, 1973, p. 134). "Aconspiração de Minas foifundamentalmente um movimento

feito por oligarcas no interesse dosoligarcas, no qual o nome do povo seevocou como mera justificação.(Idem, p. 139.)

Era necessário, ao lado do sistemarepresentativo a ser adotado, que sefixassem os direitos dos cidadãos, emmovimento correlato à liberação doabsolutismo metropolitano. Um pactoentre iguais, baseado num catálogode direitos, dava a nota necessariamenteliberal. Nenhum constrangimento háentre liberalismo e escravidão, certo queo novo aparelho estatal protege osdireitos, entre os quais, e, no caso,sobretudo, o de propriedade, abrangentedos escravos. O caminho da revoluçãopassava, de outro lado, uma vez que sereorganizaria o Estado, pela viacontratual pela entrega do poder, queestá nos revolucionários, a uma entidadea eles superior e deles dependente.Explica-se, desta sorte, a popularidadede Rousseau e dos enciclopedistas,tudo pelo meridiano de Paris. A filosofiapolítica reinante portuguesa sustentavaa origem divina e imediata do poder,e, como se notou, repelia a idéia deresistência, ainda que criminoso outirano o rei. Não se mostrava adversa,de acordo com os pensadores do direitonatural adotado em Coimbra, à admissãode que a sociedade civil ou cidade unia oshomens "por pactos expressos ou tácitos,para haverem de gozar uma vida maissegura e mais tranqüila" (GONZAGA,1957, p. 91). O pacto era o pacto desujeição, irretratável e irrevogável. Poresta porta entraria, estimulada porRousseau, uma revisão, em favor dopacto de associação. É de ver, entretanto,que, para aceitar o pacto, negando aigualdade, era necessário um Liberalismomais consistente: o que estava naDeclaração de Independência, depoisno Direito dos Homens, corporificadona filosofia política de Locke, não deRousseau, com sua direção coletivista.

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Igualdade, portanto, em termos: nomodelo liberal e não no modelodemocrático. Embora francesas asinfluências - vindas da língua francesa -o quadro mental percutirá o Liberalismode Locke, e de Adam Smith, conhecido e,sem que se tenha verificado, traduzidopor um dos inconfidentes.

A sugerência, alimentada pelas leituras,traça um modelo suave de Liberalismo,mais tarde, porque Liberalismo, reputado"radical", confundido ao Liberalismoirado. A linha de pensamento obedeceà inspiração de Locke, que se filtraem todo o pensamento do século XVIII,inclusive em Rousseau (DERATHÉ,1979, p. 116 - segs.). Duas proposições,ambas necessárias ao Estado a contruir,ganham relevo. O Estado não cria apropriedade, mas é criado paraprotegê-la (LOCKE, 1952, §§ 124, 134).No conceito de "propriedade", vinculadaao trabalho, compreende-se "a vida, aliberdade e a possessão", o conjunto dosdireitos naturais e não unicamente terrase bens (LOCKE, 1952, §§ 123,87/GOUGH, 1974, p. 96). O outro tópicodefine o governo, baseado noconsentimento, como agente daconfiança (trust), o que permite àsociedade, em defesa própria, resistirao rei (LOCKE, 1952, § 233/GOUGH,1974, p. 154 - segs./DUNN, 1984, p. 54).Com o trust, não tem lugar o Estadopatrimonialista. A presença de expressõesdas camadas populares tornou atraente,ao lado desse Liberalismo, uma linharevolucionária, inspirada em Rousseau eMably. A fisionomia suave do Liberalismoserá a de Voltaire — se é que Voltaire foium liberal — e Montesquieu. OReformismo, que descende de Pombal,do mercantilismo ilustrado (NOVAIS,1985, p. 230), ao qual se filia JoséBonifácio até a presença, ainda quetímida, de Adam Smith, nas reflexõesde Azeredo Coutinho, por exemplo(HOLANDA, 1966, p. 31).

O Liberalismo irado terá sua expressãono Norte. Entre a Bahia e Minas Geraisestará o Rio de Janeiro, cuja presençaconjuratória se limitará à descoberta deleituras proibidas e havidas comorevolucionárias (LACOMBE, 1970, t.1,v. 20, p. 406 - segs.). Para o oficialismo, adiscussão das novas idéias nenhumapertinência tinha com a realidade, naqual não identificava a crise do sistemacolonial, sequer de seu arcabouço mental.Tudo não passava da difusão, segundouma voz do quadro dirigente, dos"abomináveis princípios franceses",precedente das "idéias exóticas ealienígenas" de nosso tempo(VARNHAGEN, 1956, p. 23). Achamada Inconfidência Bahiana de 1798traz a contribuição democrática, cujasbases, compostas dos setoresdesprivilegiados da sociedade, sentiamque poderiam tirar benefícios da quebrado sistema. Enquanto em Minas seencontrou um expediente manipulatório,na Bahia o elemento popular encontra,embora em mínimas proporções, a vozjacobina. Desta vez não haviaambigüidade acerca da escravidão: todosseriam livres. Havia, na sociedadebrasileira, uma insatisfação de pardose artesãos, discriminados na sociedade,que veriam, como possível, uma aliançacom os escravos, num meio onde apenasum terço da população era branca. Ainquietação foi detectada desde 1792, porum arguto observador, estimulada pelarevolta escrava de São Domingos(MAXWELL, 1973, p. 218 - segs.). Para ahistoriografia conservadora, tudo nãopassava do "alastramento das chamasincendiarias da revolução francesa", destavez "com tendências mais socialistas doque políticas, como arremedo que eradas cenas de horror que a França e,principalmente, a bela ilha de SãoDomingos acabavam de presenciar"(VARNHAGEN, 1956, p. 24). Haveriasimplificação primária em caracterizar a

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conjura pelo simples contágio, comoseria incorreto nela ver apenas uma lutados homens de cor contra os brancos,sequer se escravos contra senhores. Omovimento descolonizador e liberalcompõe, com o movimento, mais umelo do pensamento, que, mais tarde,adquirirá clareza e consistência. Nelaaparece uma grande e, no futuro,influência liberal, a de Cipriano Barata,formado em filosofia na Universidadede Coimbra, cirurgião, proprietário esenhor de escravos. Sem clarocompromisso com o antiescravismo,recomendava "cautela com essa canalhaafricana" (DIAS TAVARES, 1959,p. 21). Os conjurados se propunham,pelas alusões às leituras estrangeiras, naação nacionalizada, a contestar asupremacia do rei — "poder indigno","rei tirano" — com veemênciadesconhecida até então. A base domovimento se fixará em concretasreivindicações, o comércio livre, liberto

do monopólio colonial português, e,sobretudo, os senhores de terras e deengenho, que, "além do monopólio,sofriam a exploração do capital usuráriodos comerciantes portugueses, queemprestavam dinheiro ou forneciamescravos e roupas em troca de colheitas(açúcar, fumo e algodão)" (DIASTAVARES, 1959, p. 24). No queconcerne ao comércio livre, lembre-se queo inspirador era Adam Smith, lido pelefuturo visconde de Cairu, como lidofora pelos inconfidentes mineiros. Omovimento nada tinha de socialista,numa paródia da conspiração dos iguaisde Gracchus Babeuf. O extremo limitedas reivindicações repousa na igualdadede direitos para todos, o que afastaqualquer precocidade socialista. Nadefinitiva opinião de Luis HenriqueDias Tavares: "As aspirações sociais dosrevolucionários de 1798 eramcondicionadas pelas relações existentesnuma sociedade escravista (. . .) Sentiamo preconceito da cor e as restriçõesinjustas aos negros e pardos, mesmoaos livres, mesmo aos suboficiais dasmilícias ou das linhas. Todavia, a revoltacontra essas inibições sociais e de coreram dirigidas especificamente contra opoder luso. Os revolucionários não seerguiam — mesmo os escravos, libertosou filhos de escravos — contra oslatifundiários escravistas, exploradoresdiretos do trabalho escravo. Não osvendo como inimigos, o que é explicável,dadas as condições de uma colôniaportuguesa do século XVIII e à próprianatureza do movimento, — basicamenterepublicano e de libertação —responsabilizavam a condição colonialpelas injustiças e perseguições quesofriam" (DIAS TAVARES, 1959, p. 28)

Os "abomináveis princípiosfranceses" (Rodrigo de Sousa Coutinho)entram num rol de fontes gerais e defontes vinculadas ao movimento. Asfontes gerais são as do século,

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contrabandeadas em Minas, no Rio, naBahia, em Pernambuco: Raynal, osenciclopedistas, Montesquieu, Condillac,Mably, além do popularíssimo Voltaire.Rousseau circulava na Bahia, emtradução portuguesa, não o Rousseaude O Contrato Social, mas o Rousseauda novela Júlia ou a Nova Heloísa,tradução patrocinada pela loja maçônicaCavaleiros da Luz, pela via da qual teriahavido assíduo intercâmbio com aFrança banida e revolucionária,não-estranha à conjura de 98. Omovimento encontrou expressão —evitemos a dubiedade da palavrainfluência — em O Orador dos EstadosGerais de 1789, na Fala de BoissyD'Anglas e em O Aviso de Petersburgo(QUEIRÓS MATTOSO, 1969, p. 12). OOrador coloca o rei dentro da doutrinado trust: ele é delegado da Nação e aela deve prestar conta de sua conduta. ODiscurso de Boissy D'Anglas parecepouco pertinente à situação: trata depolítica internacional e da tentativa deisolar a França do mundo. O Aviso dePetersburgo concerne ao desprezo comque são vistos os homens da "zonatórrida" e de uma Igreja compatívelcom os princípios do direito dahumanidade. O texto tem em vistaa crítica aos padres enfeudados aospoderes dominantes. Um passo deirreversível definição doutrinária estavadado. A soberania popular conquistavaa categoria de premissa necessária àemancipação. O governante, porconseqüência, não seria o rei compoderes emanados de Deus, mascontratualmente fixados, num regimerepublicano. Os que resistiam à ordeminstituída ficavam advertidos, além disso,que deveriam contar com o princípio daigualdade, ainda que não a igualdadesocial, abolicionista e democrática.

Na vertente que analisa a crisemeramente pelo colapso do sistemacolonial, a transmigração da Corte, em

1808, cortara o vínculo emancipacionistaao pensamento liberal. O monopóliocomercial rompia-se pela própria naturezadas coisas: a Corte, a metrópole, estavano Brasil. A abertura dos portos sefazia inspirada em personagem inspiradoem Adam Smith, o futuro visconde deCairu, que, em outras circunstâncias,seria um fator desestabilizador damonarquia, como foram os conjuradosde Minas e da Bahia. A ala esquerdado Liberalismo perdia sua bandeira, emfavor de uma futura ala direita, quetentaria, com êxito, metropolizar acolônia. Desligar-se-ia, desta sorte, acausa nacional da causa liberal. Por queo esquema não operou, deixando espaçoao Liberalismo, em particular aomovimento de 1817, que traduz umacorrente indelével no pensamentopolítico brasileiro, com o signopermanente da irrealização? De outrolado, a transmigração deixa um roteiromais do que secular, que, passando pelaIndependência, dimensionará o esquemade poder, sem rupturas, em permanentese continuadas conciliações. Oestrangulamento da dinâmicapolítica, da dialética filosófica,encontra seu ponto de partida emousada hipótese. Há uma terra incógnitaa percorrer, encantada pelo fascíniodas origens.

A monarquia portuguesa, pelos seusintérpretes mais perspicazes, percebeuque havia, na colônia, mais do queconspirações isoladas, filhas dapropagação dos "abomináveis princípiosfranceses". Em julho de 1789, um altodignitário da Corte advertia que nãohavia pelo "que recear quanto aopresente, mas sim que prevenir para ofuturo" (MOTA, 1979, p. 33). No finaldo século XVIII e início do XIX, depoisdos acontecimentos de Minas Geraise até a transmigração da Corte,procurou-se instituir uma políticade compromisso. Luis Pinto de Sousa

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Coutinho será a voz mais significativada proposta de mudanças, do alto de seuposto de secretário de Estado paraassuntos ultramarinos. Propunhafavorecer a prosperidade do Brasil,com a abolição dos monopólios e aatenuação da carga fiscal. Ousadamente,via a permanência da monarquia natransformação da colônia numaprovíncia. Suas idéias se debatiam coma oposição interna: combater ocolonialismo ultramarino importavaem provocar o nacionalismo nametrópole. Previa a mudança da Corte,numa transação entre o mercantilismoe o livre-comércio, num impérioluso-brasileiro, ao qual não era estranhoo pensamento de José Bonifácio: "sobreo seu Brasil, — escrevia-lhe Coutinho —grande será seu destino" (MAXWELL,1973, p. 204-239). Tratava-se, numplano que discutia a própria conveniênciado trabalho escravo, fonte deendividamento dos produtores diantedos comerciantes, de mudar paraprevenir. Essa política, uma vez quenão havia mudado a equação de forças,numa colonização interiorizada, ditao procedimento do regente D. João. OLiberalismo entrava na receita, comocondescendência, para frustrar amudança, esta realmente baseada nopensamento liberal. "Um ardiloso planode resistência esboçara-se, porém, naimaginação do herdeiro da monarquiaao compreender o perigo iminenteda separação, plano que consistiu emconceder à colônia o máximo dasfranquias econômicas, para garantir omínimo das cedências políticas."(OLIVEIRA LIMA, 1975, p. 228.)

Esta política, a da resistência, seráposta em execução no Brasil, por D.João VI e Pedro I, numa política queimobiliza o movimento político etransaciona para que, mais tarde, semantenha, à custa de reformas, o núcleoneopombalino do Estado. Procurava-se

divorciar, como se acentuou, a extinçãodo colonialismo do Liberalismo.

A atividade do pensamento políticoacentuou-se no ponto mais próspero dacolônia. As guerras napoleônicas, arebelião de São Domingos, osinfortúnios colonizadores nas possessõesinglesas e norte-americanas restituíramPernambuco aos melhores dias do começodo século XVIII. O açúcar voltara areinar, num espaço freqüentado peloimaginário nativista, ressentido com orevés dos mascates. Em 1800, pensou-seem projetar uma república sob a proteçãofrancesa, na qual se comprometeramprestigiados senhores de engenho. Em1817, chegar-se-á ao momentoculminante do processo dedescolonização, que conseguiu, pelaprimeira vez, empolgar o poder noterritório convulsionado (MUNIZTAVARES, 1917). O motor dainsurreição seriam os produtores —os senhores de engenho — contra osmercadores, que, transferida a Corte,mantinham os privilégios metropolitanos.O ingrediente popular, alastrando-se nosescravos, dará a medida de umLiberalismo que, como Liberalismo,não dispensa a defesa dos direitosindividuais, embora no nível mínimopara formar a representação política. "Naverdade, cumpre avaliar o peso dasrelações sociais desenvolvidas — eagravadas - nas duas primeiras décadasdo século passado, para que se percebamas motivações da ampla insurreiçãohavida em 1817, aprofundada em 1821e 1824. (. . .) Os antigos senhores rurais,que dominavam a história do períodoanterior, transmudavam-se numa'aristocracia agrária' e, nesse sentido,procuravam afirmar-se em 1817; istoé, na qualidade de camada dominantee — exceção feita de uma minoria que nãoconseguiu impor seus pontos de vistasobre a organização do trabalho livre -escravista. (. . .) Na verdade, o que se

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observava era uma degradação paulatinanas relações entre a aristocracia nativae os antigos mercadores que faziam asarticulações do sistema colonialportuguês. Na base de tal degradação,colocava-se o problema da propriedade:à propriedade dos 'grandes filhos dopaís´, contrapunham-se os 'bens doseuropeus, cuja maior porção constituia massa mais opulenta do comércio'."(MOTA, 1972, p. 20-1.)

A política de contemporização daCorte encontra os obstáculos irremovíveisda administração portuguesa —transplantada com a Corte em 1808 —,na verdade o Estado, exposto nacentralização, no sistema tributário eno favorecimento estamental aocolonizador. Formara-se, ao lado daburocracia estamental e portuguesa, umasubcamada brasileira, discriminada noexército e na administração civil, o que,nas circunstâncias, lhe ditava a lealdadepossível. O vínculo prenuncia umaaliança que voltará a se repetir em 1821,1824, 1831 e 1848 (MOTA, 1972, p. 50).A revolução, capaz de atrair vultos comoAntônio Carlos Ribeiro de Andrada(1773-1845) e Antônio de Moraes Silva(1757-1824), além dos padres, maldefiniu seu perfil republicano, semlograr questionar a escravidão e aparticipação real das classes populares.Liberalismo não significava democracia,termos que depois se iriam dissociar,em linhas claras e, em certas correntes,hostis. Os intelectuais da revoluçãoeram os padres — 60 padres e 10frades —, ao ponto de o movimentohaver sido qualificado de uma revoluçãode padres, o que traía a presença doSeminário de Olinda (VILAR DECARVALHO, 1980, p. 62 - segs.). Entreeles, sobressaem João Ribeiro e opróprio cronista da revolução, monsenhorMuniz Tavares (1793-1876).

1817 marca um ponto de separaçãoe um ponto de confluência na história

do pensamento político. Daí se projetará,pelo reformismo, a transação daIndependência, com a absorção dametrópole e do Estado português. Estalinha verá na revolução um equívoco,que certas concessões impediriam que serepetisse. Esta é a visão cortesã e daCorte, expressa por um Varnhagen:"Nem cremos — escreveu ele — que oBrasil perde em glórias, deixando decatalogar como tais as da insurreição dePernambuco de 1817, nós que fazemosvotos pela integridade do império, eque vimos no senhor D. João VI outroimperador. E menos ainda lamentamosque não se conte desde 1817 a madurezada independência, nós que a fazemospreceder da carta régia sobre o franqueiodos portos, e por conseguinte ao mêsde janeiro de 1808; e, portanto, commais glória para o Brasil, que destarteremonta a sua emancipação colonialda Europa a uma época anterior a detodas as repúblicas continentaishispano-americanas." (VARNHAGEN,1956, t. V, p. 150-1). O fim político docolonialismo, já destruídoeconomicamente em 1808, será aindependência, com o abandono daplataforma liberal, em favor daconstrução do império. Esta linhaadotará o nome, sem conservar acoisa, não por astúcia, mas pelalimitação do princípio dentro doEstado transmigrado. De outro lado,properará o Liberalismo, na letra e noespírito, já presente em 1817, cominclinação, em alguns casos, para asidéias democráticas, sem que se toquena situação escrava. Liberalismonacionalista, não-popular, com acidadania negada às "baixas camadasda sociedade" (MOTA, 1972, p. 252 -segs.). Muitos revolucionários de 1817,como Antônio Carlos, aderem à transação,que se deveria processar no interior daAssembléia Constituinte. A maior partedeles aceita o império, mas com ele

O fim político docolonialismo, jádestruídoeconomicamenteem 1808, será aindependência, como abandono daplataforma liberal,em favor da construçãodo Império. Esta linhaadotará o nome, semconservar a coisa, nãopor astúcia, mas pelalimitação doprincípio dentro doEstado transmigrado.

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romperá quando este, ao se constituir,arquiva a intangibilidade dos direitose a soberania nacional como fonte dopoder, sem a precedência monárquica, aqual criará, dentro de si, um corpo queserá o grande eleitor — o podermoderador, a representação das camadasque associaram a descolonização aoLiberalismo. Este Liberalismo seráacoimado de radical, para distingui-loda acoimadação imperial.

Cipriano Barata (1762-1838) e freiCaneca (Joaquim do Amor Divino— 1779-1825) serão os críticos doprocesso de desvirtuamento doLiberalismo (MONTENEGRO, 1978).Cipriano percorre o ciclo liberalcompleto — 1798,1817 e 1824. Dá-lhecontinuidade frei Caneca que, acordecom o compromisso da AssembléiaConstituinte, não aceita a outorga regia,nem o esquema andradino de Estado.Cipriano Barata, um dos deputados àsCortes de Lisboa, percebe que oabsolutismo persiste apesar de 22. Emtorno da Independência, depois dadissolução da Assembléia Constituinte,governará o Partido Absolutista,percepção que será comum aos liberaisda época (MARINHO, 1977, p. 51).Repelem, na sua doutrinação, oLiberalismo da restauração, que aquientrará em revide acoimadatício —"conter e dirigir" na fórmula de umalto conselheiro de D. João VI(OLIVEIRA LIMA, 1975, p. 266). Nadefesa constante do processo que ocondenou à morte pela participação naConfederação do Equador, frei Canecatraça, com clareza, a medula de seupensamento. Nega que fosse separatistae republicano, mas afirma, de acordocom seus escritos: "A soberania estavanos povos. Os povos não são herançade ninguém. Deus não quer sujeitarmilhões de seus filhos ao capricho deum só. Os reis não são emanação dadivindade, são autoridades

constitucionais. (. . .) Os povos têmo direito de mudar a forma de governo.As Cortes são superiores ao imperador.Clamando-se ao soberano congresso sobrealguma lei, que dele emanar, a qualcontrária seja aos interesses dos povos,se estes não forem atendidos, desfeitoestá o pacto; cabe-nos então reassumirnossos direitos. (. . .) O povo do Brasildeu por generosidade o trono aoimperador. O governo absoluto, o maiorde todos os males . . . " (FREI CANECA,1979, p. 79-80). Percebeu Caneca, aoacompanhar os trabalhos da AssembléiaConstituinte e sua dissolução, que seestava a criar "não um impérioconstitucional, sim uma monarquiaabsoluta". O absolutismo estava naausência de representação nacional, aindano grau limitado proposto pelos liberais.Inexistente ou inautêntica arepresentação nacional, perguntará "Quebarreira haverá contra os ataques que oexecutivo fizer aos direitos da Nação ?

Quem fará suspender a propensão doexecutivo para a tirania? (. . .) Quempunirá as arbitrariedades do ministérioe seus oficiais? Qual será o cidadão, quepossa contar com a segurança da suavida, da sua propriedade, da sua honra?"(FREI CANECA, 1979, p. 452, 454).À inspiração, em citações explícitas,virá de Locke e Montesquieu. Combatea "cabala portuguesa" o elementocolonizador, embora interiorizado, emnome dos "homens probos,constitucionais, ricos proprietários". ACarta de 1824 não estava na "esteira dosLocks, dos Hamilton", do Espírito dasLeis (Idem, p. 459-60). Pregava, coerentecom o programa liberal, a rejeição daConstituição de 24, com a conseqüentedissolução do pacto social, admissívelpelo poder de resistência. "Nós queremosuma constituição que afiance e sustentea nossa independência, a união dasprovíncias, a integridade do império,a liberdade política, a igualdade civil,

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e todos os direitos do homem emsociedade; o ministério quer que, àforça de armas, aceitemos um fantasmairrisório e ilusório da nossa segurançae felicidade... "(Idem, p. 553). Aíestará o radicalismo, cuja essência é oLiberalismo norte-americano e europeu,socialmente conservador. O que importaacentuar é que esse Liberalismo nãopôde, em nenhum momento,compatibilizar-se com o Estadobrasileiro. Os liberais têm, com opoder, uma relação tempestuosa ouambígua: serão potencial ou realmentesediciosos, ou, sem tocar no Estado,farão a política conservadora. Estacisão está na base do pensamento políticobrasileiro e terá conseqüências queimpedem o desenvolvimento, a adequaçãodo pensar e o fazer. Melhor: de incorporarao fazer o pensar.

O Liberalismo não conseguiu alterar aestrutura do Estado, instituindo umEstado protetor de direitos. Conseguiramos liberais, só eles, agregar camadaspopulares e urbanas aos seus objetivos,sempre frustradamente. O ponto dedissídio na Assembléia Constituinte seráa precedência do rei sobre a Constituição.Mesmo com o malogro do compromissodos liberais, não prosperou sua políticapara um sistema republicano e federativo.Dividem-se na facção exaltada e na facçãomoderada. Virá a época da Cabanada noPará, da Balaiada no Maranhão, daSabinada na Bahia e da Farroupilha noRio Grande do Sul. De 1817 a 1850,formou-se a ideologia e a consciênciapossível esteve às portas da consciênciareal, como em 1831, quando tremeu oTrono de D. Pedro. O Ato Adicional de1834, com as facções congregadas,revelou-se instrumento insuficiente paradescentralizar o império e manter osdireitos que o Código de ProcessoCriminal de 1832 havia assegurado.Quem narra a história dos malogros éTeófilo Otoni (1807-1869), que,

discípulo de Cipriano Barata, fazendorenascer o Liberalismo, cede ao aulicismode uma cadeira senatorial em 64. "O 7 deAbril foi um verdadeiro journée dêsdupes. Projetado por homens de idéiasliberais muito avançadas, jurado sobre osangue dos Canecas e dos Ratecliffs, omovimento tinha por fim oestabelecimento do governo do povopelo povo por si mesmo, na significaçãomais lata da palavra." (Texto extraídoda Circular, 19 set., 1860, semindicações). O acordo se fechara parasalvar o princípio monárquico. Explicao autor da Circular o motivo de suaadesão aos moderados: "E se ademocracia criasse então uma oposiçãoregular, eu não me chegariaprovavelmente para os moderados. Poréma oposição começou a revolver na cortee na Bahia os mais perigosos instintosda nossa sociedade, chamou em seuapoio a espada de soldadosindisciplinados, quando se tratava dasolução das mais graves questõesconstitucionais. Órgão e defensor dademocracia pacifica, o redator daSentinela do Serro em tal contingênciapreferiu acostar-se ao princípiomonárquico, contanto que a monarquiafizesse por meio de reformas legais naconstituição largas concessões aoprincipio democrático". A inspiraçãoseria republicanizar a monarquia comteses de Jefferson, que o autor menciona.As reformas cogitariam de anular o PoderModerador, abolir o senado vitalício edescentralizar, até a federação, o império.Os liberais temiam, na amplitude daaliança, os portadores dos "perigososinstintos da nossa sociedade". Osconservadores, os absolutistas e osmoderados, se recompõem e, em poucosanos, freiam o "carro revolucionário".Seu sustentáculo será a Corte,consorciada ao comércio, acumpliciadocom o tráfico. O liberal Teófilo Otoni, deseu lado, "nunca sonhou senãodemocracia pacífica, a democracia da

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classe média, a democracia da gravata t

lavada, a democracia que com o mesmoasco repele o despotismo das turbas ou atirania de um só. Ao passo que censuravaos chefes do Partido Liberal Moderado,porque desvirtuavam a revolução, de quese haviam apoderado, a Sentinela doSerro com mais energia estigmatizavaos excessos anárquicos aplaudidos pelasfolhas democráticas da Corte." A aliançacom a "classe média" dependia de outropaís, o país da propriedade parcelada,com empresas urbanas, um país que nãoexistia. Não foi difícil, vencida a ondaque se abre em 31 e abrange todo oespaço regencial, restaurar oconservadorismo, agora cristalizadonum partido. Em pouco, as reformas daestrutura estatal, ainda que tímidas,foram cortadas e podadas pela reaçãocentralizadora. As franquias do júri —que asseguravam a justiça dos donos deterras e clientelas —, o direito deresistência, previsto no Código Penal, aexposição do Poder Moderador, afastadoo anteparo do Conselho de Estado, estase outras garantias se amesquinhariamdiante do poder oligárquico da Corte.Era o fim de um ciclo, com muitasjornadas de insubmissão, nos sucessivosmalogros de um pensamento que nãoconseguiu se realizar, casando-se à prática.

O Liberalismo teve uma base socialdefinida, embora não-compacta. Nãocontou com a burguesia industrial, comoo europeu, por ainda inexistente oindustrialismo interno. A RevoluçãoIndustrial atuou, entretanto, de fora,impulsionando — aqui em ideologialiberal atuante, sugerente — oLiberalismo. Ele, ao contrário do modeloeuropeu, isolou-se dos "excessosanárquicos", das "turbas", dos "perigososinstintos de nossa sociedade", naspalavras de Teófilo Otoni. Conviveucom o escravismo, o que não o desajustade seu arcabouço teórico, de acordo como padrão mais persistente, o de Locke.

Ocorreu que, articulado à descolonização,não logrou organizar o Estado, porcarência estrutural e pela deficiênciade uma consciência nacional real(PRADO JR., 1963, p. 187 - segs./SILVADIAS, 1972, p. 165/COSTA, 1977,p. 29 -segs./HOLANDA, 1970, t. II, v. 10,p. 29 - segs.). Este não será, entretanto, oLiberalismo que a historiografia leva emconta. Há outro Liberalismo, com diversafonte, que bem merece figurar entreaspas, havido como peculiar, específicodo Brasil

Que é este Liberalismo, havido porespecífico no seu significado, que seexpressa no século XIX? (COSTA, 1977,p. 110-1). Este não é o Liberalismocomo consciência possível, vinculado àdescolonização, o de Cipriano Baratae de Caneca. Este Liberalismo é outroe provém de duas fontes, ambas compassagem pelo filtro oficial: a dosdescolonizadores em compromisso,como Antônio Carlos Ribeiro deAndrada, que, pretendem, sob o páliomonárquico, com o aproveitamento dacasa de Bragança, organizar umatransação, mantida a supremacia e aprecedência do poder real. A outrafonte, a que dirigirá os acontecimentos,a que atuará dentro da práxis, comopensamento político, desvinculada daideologia e da filosofia política, sacrificaos valores liberais em favor damanutenção do Estado reformado.Será pela origem de seus executores epela ênfase da obra, neopombalina. Seumomento de constituição será o períodoque vai da Revolução Portuguesa de1820 até a dissolução da AssembléiaConstituinte, em 12 de novembro de1823. Ele — este tipo de Liberalismo —se define na presença da Revolução de1820, tal como é assimilada pelas Cortesde D. João VI e D. Pedro I. Um ministrode D. João VI, Silvestre Pinheiro Ferreira(1769-1846) e um ministro de D. Pedro I,José Bonifácio de Andrada e Silva

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(1763-1838), serão os intérpretes dopensamento político dito liberal.Liberalismo que se esvazia para secristalizar em constitucionalismo, navisão de um, e de unidade nacional, navisão de outro. Para o último, JoséBonifácio, o velho nativismo, onacionalismo, que era antiportuguêsno ataque à exploração comercial, secondensam numa obra do Estado. Parao outro, Silvestre Ferreira, todo omovimento dos novos tempos estariana consagração de um estatuto, aindaque nominal.

A Revolução Portuguesa de 1820 seinscreve no processo de atualizaçãoibérico com a Europa, tarda no séculoXIX e tarda no século XX. Ela reagecontra o obscurantismo pós-pombalino,contra uma reforma interrompida,iluminada com a mudança social epolítica do continente. Os exilados,entre os quais avulta, em Londres,Hipólito José da Costa (1774-1823),com o Correio Braziliense desde 1808,não se mostravam fascinados pelosprincípios da Revolução Francesa. Eram,como os futuros revolucionários, vítimasda repressão, que pretendia segregarpolicialmente Portugal do mundo. Em1820, o fascínio pelos abomináveisprincípios franceses estava atenuadopela invasão peninsular e pela restauraçãofrancesa, com a literatura que provocouem defesa da monarquia. "É um errobem grande — dirá um copiosohistoriador dos acontecimentos — suporque devemos tudo à revoluçãofrancesa (.. .) o movimento intelectualiniciado pelo marquês de Pombal temum caráter acentuadamente nacional, porisso mesmo que foi criado nas nossasnecessidades e no nosso meio. As idéiaspropenderam mais para as teorias inglesas,cujas escolas tiveram mais aceitação dossábios portugueses. Depois, os excessos darevolução francesa produziram emPortugal a mesma impressão que na

Alemanha. Os revolucionáriosportugueses, como os alemães,procuraram legitimar as mudançaspolíticas antes nas necessidades públicase locais do que nas teorias francesas,cuja prática não foi das maisedificantes. (...)A cada momentoque falam na necessidade de umarevolução, acrescentam logo que nãoa querem, como a da França,anárquica e sanguinária. Esta reaçãoexagerada contra aquele país veio criarlaços mais íntimos entre as idéiasportuguesas e as dos sábios epublicistas britânicos." (D'ARRIAGA,1886, v. l, p. 474-5.)

O trio — liberdade, igualdade efraternidade — não freqüenta os escritosdos revolucionários e reformistasportugueses. O apoio maior domovimento português repousarásobre a burguesia comercial, para aqual D. João VI, "mal se viu seguro noBrasil, começou a promover odesenvolvimento do novo império, àcusta do negociante português, sobrecujas mercadorias lançou pesadosimpostos, enquanto abria os portosdaquele pais a todas as nações"(D'ARRIAGA, 1886, v. l, p. 586). Nesteponto, a Revolução Portuguesa, que sepropagou no Brasil e aqui foi sustentadapelo exército português, mostrava suaface não-exportável. Os interesses dosprodutores brasileiros eram adversos aosnegociantes portugueses, cujo projetochegaria, se vencedor, ao retorno dametrópole: o Liberalismo daqui eraoposto ao Liberalismo de além-mar.Além da distância em que se situava aRevolução Portuguesa da Francesa,aberta quando estavam exaustos osímpetos igualitários e libertários, olíder máximo, Manuel FernandesThomaz, invoca os precedentespombalinos de sua formação coimbrã,quer vinculando o movimento à tradiçãodas Cortes portuguesas, quer invocando

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Pombal sobre o problema do comércio dePortugal. Ele se propõe — e supõe queesse seja o escopo revolucionário —completar a reforma pombalina(D'ARRIAGA, 1886, v. 20, p. 537-8;572 - segs.). As tendências da burguesiacomercial seriam mercantilistas, numpaís desprovido de indústrias e com aagricultura em abandono. As Cortes deLisboa firmaram, antes da Constituição,as Bases da Constituição, pelo decretode 9 de março de 1821, juradas no Brasil,o que abriu o espaço ao exercício dosdireitos ao debate político, até entãopolicialmente impedido. Esta terá sidosua contribuição real ao Liberalismobrasileiro. Em Portugal, o pensamentoliberal, posto que esboçado naConstituição, que não chegou a vigerno Brasil, encontraria, depois de golpese contragolpes, os seus fundamentos nasreformas de Mousinho da Silveira, queextirparam, na década de 30, a agriculturado "parasitismo fidalgo e clerical"(SÉRGIO, 1972, p. 135). Depois dosacontecimentos de 1831 a 34, a históriado Liberalismo em Portugal deixou deser "uma comédia de mau gosto"(HERCULANO, s/d, t. II, p. 171).Muito esperaria o Reino, entretanto, paracompletar, pela representação nacional,o edifício liberal.

A Revolução de 1820, nas suasconseqüências sobre a Coroa, levouSilvestre Ferreira ao ministério de D.João VI. Seu nome distinguia-se fora docírculo cortesão, pelas preleções defilosofia, na sala do Real Colégio deSão Francisco. Pertence, ao lado de JoséBonifácio e Pereira da Fonseca, o futuromarquês de Maricá, à revista O Patriota.Procede do grupo que, desde Coimbra,adotara o pombalismo, sem retrair asreformas ao círculo traçado einconformado com sua interrupção noreinado de D. Maria I, ao qual pertenceraD. João, como regente. Convencido,depois da relutância inicial, de que

deveria adequar-se à onda revolucionáriaportuguesa, com o risco da sobrevivênciada Coroa, D. João VI socorre-se dospréstimos de Silvestre Ferreira, "não sóum espírito de uma independênciafundamental e irreconciliável, comoum reformador implacável, posto quemanso, ao ponto de não raro parecerparadoxal e por vezes quimérico"(OLIVEIRA LIMA, 1945, v. 3, p. 1133).

Ele será, com suas dilações e suasconcessões, o padrinho do "novo sistemarepresentativo no Brasil". O impulsoganhara o exército e o clero, numímpeto que aos espíritos da ordemparecia anárquico e aniquilador dasprerrogativas regias. O ministrocogitava — este o limite de seureformismo — ficar "num caminho aigual distância dos desmandosrevolucionários, que queriam reduzira realeza a uma ficção, e das ilusõesdos retrógrados, que julgavampossível continuar a fazer pouco darevolução que rompera fremente napenínsula" (Idem, p. 1156). Ele aceitao Constitucionalismo, havendo-o comosinônimo de Liberalismo, para organizar,na monarquia constitucional, o sistemarepresentativo. Para que fosse liberalo sistema, digno do nome, deveriaformar-se sobre um núcleo de direitose garantias individuais, constituindoa organização dos poderes empromotores e defensores dessesfundamentos, sob a garantia darepresentação nacional (JARDIN, 1985,p. III). Questionável é que se trate deLiberalismo — trata-se de uma reformaabsolutista, com o caráter deliberalização. "O propósito deSilvestre Ferreira - é o que evidenciamseus escritos e sua ação — consiste semdúvida em contribuir para que secompletem as reformas iniciadas porPombal, promovendo — é a liberalizaçãodas instituições políticas e, desta forma,completando o processo de inserção

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de Portugal na Época Moderna. Outronão era o ideal de parcela representativada elite de seu tempo." (PAIM, 1934,p. 272.)

Na súmula de suas idéias — segundopalavras suas — o exercício do poderlegislativo, encarnado pelas Cortes, sefaria com o "concurso e o consentimentodo rei" (FERREIRA, 1888, p. 277). Amonarquia constitucional teria dois eixos:as Cortes, expressão da vontade popular,e a aristocracia, composta de umanobreza hereditária, mas pelo méritohabilitada ao governo. A vontadepopular — diria o liberalizante — sedepuraria por um meio, "insignificante,mas único que existe": que "os homensmenos espertos de cada povoação selouvem em outros mais instruídos nosinteresses dos povos". (FERREIRA,1888, p. 293).

Em momentos de crise, surge sempreuma voz que revela que os atoresescondem, velados na severa fisionomiada ação. O conselheiro e espectador,que irrompe subitamente no Rio deJaneiro, neste ano de 1821, será o condede Palmela (Pedro de Sousa Holstein,depois duque de, 178-1850, com orecado inglês de ceder para não perder.Era o absolutista vestido de liberal,opinando que, antecipando-se àsCortes, D. João VI outorgasse umacarta constitucional. O cosmopolita ecético, oportunista e realista, trazia alição de Luis XVIII, que aprendera nasCortes européias, na convivência deMadame de Stael e Benjamin Constant.Se fosse possível resistir, resistir-se-ia;em caso contrário, se transigiria,antecipando as reformas às que fossemexigidas. "Palmela tornou-se adeto doconstitucionalismo saído da santa aliança,ou da liberdade, não inspirada nasoberania nacional e nos interesses dospovos, mas da liberdade inspirada nosinteresses das Coroas..." (D'ARRIAGA,1886, v.2, p. 425.)

É o Liberalismo como táticaabsolutista. Seu parecer, no qualaconselha a outorga de uma constituição,claramente explica o teor do Liberalismovigorante: "E, para me explicar melhor —dizia a D. João VI —, direi que no meuconceito, vossa majestade tem duascoisas a fazer: a primeira é conceder oque já agora não pode negar; a segunda éimpedir que essas concessões passem decertos limites, o que sem dúvidaaconteceria se se deixassem em Portugalos revolucionários legislar sem freio esem receio. O primeiro objetoconseguiria vossa majestade por meiode uma carta constitucional quepromulgasse; o segundo só poderiaobter-se indo vossa majestade em pessoa,ou mandando o seu filho primogênito,para inspirar respeito e servir de centroaos bons portugueses " (D'ARRIAGA,1886, v. 2, p. 313-4.)

Este, o esquema que será posto emmarcha, ora como coluna principal, oracomo expediente subsidiário noConstitucionalismo brasileiro. Trata-sedo modo comum de pensar, numageração formada na atmosferaabsolutista, arejada pelo Iluminismoe as reformas pombalinas.

A organização do regimeconstitucional brasileiro não éconversível, ao contrário do queentendeu a historiografia brasileira, noLiberalismo. O teor de suas idéias nãoultrapassava o neopombalismo, tais comoexpressas por José Bonifácio. O pontode partida não é a carta de direitos, nemsequer a Constituição. No início de 22,contra Ledo, Clemente Pereira e Januárioda Cunha Barbosa, explodia em palavrasduras: "hei de dar um pontapé nestesrevolucionários". "Hei de enforcarestes constitucionais na praça daConstituição" — eram ditos, ao tempo,a ele atribuídos. Seu projeto, narealidade, partia de outra base: aindependência "moderada pela

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união nacional" (Obras Políticas deJosé Bonifácio, 1973, v. l , p. 271).Queria "um governo forte econstitucional", forte porqueconstitucional, para desimpedir o"caminho para o aumento da civilizaçãoe riqueza do Brasil" (CALMON, 1972,p. 125) Pessoalmente, como percebeucom alegria o embaixador da Áustria,não era "nem democrata, nem liberal"(SOUZA, 1972, t. 11, v. 3, p. 445). Ocentro de seu esquema de construçãonacional será o Estado, no esquemapombalino. "O Estado nacional brasileironascia de uma tradição absolutista comuma forma liberal, para cooptar interesseseconômicos divergentes, tais como osenhor rural e os do comercianteurbano."(BARRETO, 1977, p. 105)

Hipólito José da Costa, este com maistítulos de Liberalismo do que JoséBonifácio, receitava as reformas pelavia do poder de cima para baixo."Ninguém deseja mais do que nós asreformas úteis, mas ninguém aborrecemais do que nós, que essas reformas sejamfeitas pelo povo, pois conhecemos as másconseqüências desse modo de reformar,desejamos as reformas, mas feitas pelogoverno, e urgimos que o governo as devefazer enquanto é tempo, para que seevite serem feitas pelo povo." (LIMASOBRP, 1977, p. 79-80.)

A anomalia desse Liberalismo não eraa convivência com a escravidão, mas anota tônica do sistema constitucional,colocada no Estado e não no indivíduo,seus direitos e garantias (COSTA, 1977,p. 28) Os inconvenientes do escravismoestavam presentes no espírito de JoséBonifácio, como no de Hipólito, sentidosque foram no próprio século XVIII,como atesta Vilhena. O Liberalismonão é inconciliável com este escravismo.A participação popular no Liberalismo,ao contrário da democracia, exclui dacidadania não apenas o escravo, mas ossetores negativamente privilegiados, aquie na Europa, sem escândalo ostensivo. A

liberdade teria barreiras — como as temno Liberalismo — ostensivas e profundasno horizonte mental do formulador daindependência. Em texto apresentado àAssembléia Constituinte, por ele escrito,lido sob a responsabilidade de D. Pedro,define o cerne de suas idéias, no fundoabsolutistas, com o verniz liberalizante.Reclama dos deputados "umaconstituição que, pondo barreirasinacessíveis ao despotismo, quer real,quer democrático, afugente a anarquia,e plante a árvore daquela liberdade, acuja sombra deve crescer a união,tranqüilidade e independência desteimpério. (. . .) Todas as constituições,que, à maneira de 1791 e 92, têmestabelecido suas bases, e se tem queridoorganizar, a experiência nos temmostrado que são totalmente teoréticas,e metafísicas, e por isso inexeqüíveis,assim o prova a França, Espanha eultimamente Portugal. Elas não têmfeito, como deviam, a felicidade geralmas sim, depois de uma licenciosaliberdade, vemos que num países jáapareceu, e em outros ainda não tardaa aparecer o despotismo em um, depoisde ter sido exercitado por muitos, sendoconseqüência necessária ficarem os povosreduzidos à triste situação depresenciarem e sofrerem todos oshorrores da anarquia" (BONAVIDES eAMARAL VIEIRA, s/d, p. 100).Excluídos os modelos revolucionáriosda França, da Espanha e de Portugal, oque resta? Sobra o Constitucionalismo darestauração de Luis XVIII, uma vez quenão se alude ao sistema norte-americano,rejeitado pelo conteúdo republicano.

O pensamento da restauraçãoincumbe-se de separar o Liberalismoda democracia, unidos inicialmente peloindividualismo. A conexão entredemocracia e Liberalismo mostra suaface contrária. Conjurar a soberania dopovo, ao mesmo tempo que proclama,define e organiza a liberdade, será o

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esforço de Benjamin Constant, Staèl,Royer-Collard e Guizot (FAGUET, s/d,p. XV). Sua preocupação estará, nãoem proteger a liberdade, mas, temendoa democracia, vigiá-la num equilíbrio depoderes, dos quais nenhum tem realmenteorigem popular. A bête noire seráRousseau. O inspirador, BenjaminConstant, com as brochuras que publicaa partir de 1814, dogmaticamente aceitas."Rousseau — diria Constant — amavatodas as teorias da liberdade, masforneceu o pretexto a todas as pretensõesda tirania." (CONSTANT, 1872, t.I,p. 128.)

A liberdade dos antigos, pelo seu teorparticipativo, continha o perigo deaniquilar os direitos invioláveis ao Estado.Só a liberdade moderna conseguiuestabelecer a barreira que os garantem.A nota tônica recai sobre o regimerepresentativo, numa conciliação queleva em conta os poderes públicos, nofundo excluindo o "perigo" democrático(CONSTANT, 1872, t. II, p. 539-segs.).Esse Liberalismo, que já havia passadopela crítica dos conservadores, comoJoseph de Maistre e De Bonald,emancipava-se da própria maioria,como instância legitimante (Idem, t..I,p. 278). O resíduo, sobre o qual prosperao Liberalismo restaurado, será aorganização do poder, limpo dasimpurezas despóticas, de um lado, e, deoutro, com a recuperação da eficiência dopoder, não apenas o instrumento capazde evitar o arbítrio. O caráter outrorameramente negativo do Liberalismo,numa vertente aberta desde Montesquieu,seria negado, em proveito de ummecanismo a organizar e a construir(HOLMES, 1984, p. 128). Por essa viaentraria um quarto poder - o "poderneutro" — denominado na Carta de 1824de Poder Moderador, caricaturado peloabsolutismo dos tradutores. Quanto aopovo, o limite era Montesquieu: liberdadedo povo, não poder do povo.

A ossificação do modelo liberal, oabsolutismo mascarado de D. João VI ede D. Pedro I, pela voz de seusintérpretes, soldado ao Liberalismorestaurador, desclassificou todas asconcepções liberais autenticamenteliberais. O Constitucionalismo, que seapresentou como o sinônimo doLiberalismo, seguiu rumo específico,particularmente na Carta outorgada de1824. O ciclo se fecha: o absolutismoreformista assume, com o rótulo, oLiberalismo vigente, oficial, o qual, emnome do Liberalismo, desqualificou osliberais. Os liberais do ciclo emancipadorforam banidos da história das liberdades,qualificados de exaltados, de extremados,de quiméricos, teóricos e metafísicos.Com a terminologia herdada darestauração — radicaux —, "os radicaisforam expulsos da história dopensamento político" (COLOMBO,1984). Seu liberalismo foi afastado,mas não superado, nem ultrapassou oestágio de consciência possível. Quesignificará a exclusão, hoje irrecuperável,em virtude da mudança da estrutura,da sugerência que o tornou um dianecessário?

O Elo Perdido

Um pensamento político semLiberalismo, esta a conclusão? Naverdade, um pensamento político queo arredou, que vitoriosamente lutou paraarredá-lo da vida nacional — o que não é amesma coisa. A corrente banida, porquebanida e não-inexistente, atua, ainda quesubterraneamente, irrompendo nasuperfície em momentos de desajustedo sistema e de crise. Uma interrogação:qual a conseqüência atual do elo perdido?Hoje, com a mudança no campohistórico, seria impossível recuperar otempo perdido, que ocuparia o espaço deum anacronismo. Como ideologiaimportada, de outro lado, teria atividadeadjetiva, retórica, ornamental, sem

O ciclo se fecha: oabsolutismo reformistaassume, com o rótulo,o Liberalismo vigente,oficial, o qual, emnome do Liberalismo,desqualificou osliberais. Os liberais dociclo emancipadorforam banidos dahistória das liberdades,qualificados deexaltados, deextremados, dequiméricos, teóricose metafísicos.

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impacto sobre a dinâmica política. Aidéia sugere que o Liberalismo, urna vezsuperada a luta emancipacionista colonial,seria inútil, postiço, matéria morta noterritório das idéias políticas.

A realidade é outra. A ausência doLiberalismo, que expressava umadinâmica dentro da realidade social eeconômica, estagnou o movimentopolítico, impedindo que, ao sedesenvolver, abrigasse a emancipação,como classe, da indústria nacional. Seuimpacto revelaria uma classe, retirando-ada névoa estamental na qual se enredou.Interrompida ficou, em conseqüência,a luta do produtor na crise do sistemacolonial e do produtor quando aRevolução Industrial penetra no País. OLiberalismo, ao se desenvolverautenticamente, poderia, ao sair dacrisálida da consciência possível, ampliaro campo democrático, que lhe é conexo,mas pode ser-lhe antagônico. Por meioda representação nacional — que énecessária ao Liberalismo — amplia-seo território democrático, e participativo,conservando, ao superar, o núcleo liberal.Chegar-se-ia a um ponto em que o que

fosse democrático pressupusesse o espaçodos direitos e garantias liberais, ampliáveissocialmente. O socialismo, numa fasemais recente, partiria de um patamardemocrático, de base liberal, como valorpermanente e não meramenteinstrumental. O quadro seria, em outrapaisagem, o de nível europeu, sem queuma reivindicação, por mínima que seja,abale toda a estrutura de poder. OEstado seria outro, não o monstropatrimonial-estamental-autoritário queestá vivo na realidade brasileira. Daincongruência da dinâmica dopensamento político, resultou que todasas fases suprimidas se recompõem comosubstitutos numa realidade absolutista,ainda que reformista, neopombalina emum momento, industrialista em outro,nunca com os olhos voltados ao povobrasileiro, primeiro no respeito aos seusdireitos, depois às suas reivindicaçõessociais. Com o salto, criou-se ummonstro, tal como na imagem deEuclides da Cunha; o HérculesQuasímodo". Quasímodo, se entende,pelo histórico aleijão. O Hércules é acharada da fábula.

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