pedro demo - ensaio: autocontrole

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    AUTOCONTROLE

    Pedro Demo (2010)

    Refiro-me ao texto de Baumeister (2011) sobre poder da vontade ou fora de vontadecomo a maior fora humana, um tema pouco encontrado na literatura, porque, aparentementeparece um pouco esotrico. Este texto, no entanto, traz resultados interessantes e surpreendentede pesquisa, com enorme utilidade para a sala de aula, onde estamos j fartos de desmotivados estudantes, excessos de liberdade, agresses a colegas e professores, quase um vale-tudoEstaria faltando fora de vontade em nossos jovens (ou tambm em ns mesmos)? Baumeistse disps a discutir este desafio, usando o que haveria de mais atualizado na pesquisa, emborem termos suficientemente cautelosos para manter o tema como discutvel, no como receifinalizada. Mesmo assim, como uso nos Estados Unidos, o texto termina com algumas dicaspara aprimorar o autocontrole, talvez porque o autor espere poder aumentar o tom de utilidadprtica de sua discusso. O risco de moralismo salta aos olhos, porque autocontrole cheira disciplinamento comportamental imposto de fora para dentro e de cima para baixo, como fcomum em outros tempos pedaggicos movidos pelo autoritarismo ou pelo argumento dautoridade. Hoje sabemos que a motivao mais efetiva a automotivao, como consenfaticamente em Pink (2009), quando discute o que chama de Homo economicus maturu(homem econmico maduro): aquele que, ao invs de seguir impulsos individualistas irrefrevei capaz de os controlar, tanto para seu prprio bem, quanto para o bem comum. Pessoadequadamente motivada s pode ser pessoa automotivada, do que segue que controle eficaz spode ser autocontrole.

    A obra de Baumeister interessou-me porque pode ser apoio pertinente para a discusseterna e hoje candente em todo o mundo sobre indisciplina na escola. No creio que vamosolucionar questo to complexa, mas podemos iluminar cientificamente de modos promissore

    Interessa-me ainda discutir at que ponto fora de vontade seria virtude a ser cultivada emtermos educacionais, se, ao final, virtude ou adestramento (mesmo que seja autoadestramentcomo to comum em pessoas religiosas rigidamente disciplinadas). Muitos de ns estamoinquietos com os excessos de liberdade da nova gerao, incapaz de se controlar, aguardar padepois, renunciar..., um problema que poderia, ademais, estar sendo agravado pela velocidaddigital: queremos tudojust in time..., na hora, imediatamente (Carr, 2010). Ao mesmo tempo, ntemos qualquer gana de retornar ao autoritarismo pedaggico, tambm inaceitvel.

    I. RETORNO DO TEMA DA FORA DE VONTADE

    Baumeister inicia seu texto, discutindo o que seria sucesso (a exemplo de uma famlia felibons amigos, carreira satisfatria, sade robusta, segurana financeira, liberdade para buscar aprprias paixes), em geral debulhado numa srie de qualidades. Quando os psiclogos isolam aqualidades pessoais que predizem resultados positivos na vida, consistentemente encontradois traos: inteligncia a autocontrole. Vou deixar de lado aqui o possvel questionamenmetodolgico do mtodo de pesquisa que se imagina capaz de isolar tais dinmicas, emborseja pretenso comum entre empiristas (Demo, 2011). De todos os modos, o realce para essaduas virtudes da inteligncia e do autocontrole notvel. Baumeister anota que, enquanto o

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    pesquisadores ainda no encontraram como permanentemente aumentar a inteligncia, descobriram ou, pelo menos, redescobriram, como aprimorar o autocontrole (2011:58).

    Quando perguntamos s pessoas quais seriam suas maiores foras, tendem a apontar pahonestidade, gentileza, humor, criatividade, bravura e outras mais, at mesmo modsti

    Autocontrole dificilmente aparece. Por isso mesmo, os pesquisadores no se dedicaram maenfaticamente a este tema, mesmo tendo j analisado mais de um milho de pessoas pelo mund

    afora. Das duas dzias de foras de carter listadas no questionrio, autocontrole tendeu sempa constar entre as ltimas. Contudo eis o paradoxo surpreendente quando perguntadas sobsuas falhas, o falta de autocontrole sempre esteve no topo da lista. Assim, se no aparece comvirtude fundamental no lado positivo, decisiva no lado negativo. Ademais, a pesquisa semprdesvelou que a presena de desejos desencontrados nas pessoas algo normal. Por volta dmetade do tempo, as pessoas estavam sentindo algum desejo no momento em que soavam osinalizadores, sendo que um quarto disse ter sentido um desejo nos ltimos cinco minutos1. Muitodos desejos eram desejos aos quais as pessoas tentavam resistir. Os pesquisadores concluraque as pessoas gastam cerca de um quarto de suas horas despertas resistindo a desejos pemenos quatro horas por dia. Posto de outro modo, se topar com quatro pessoas a cada momentdo dia, uma delas estaria usando fora de vontade para resistir a um desejo. E isto sequer inclutosas as instncias nas quais fora de vontade exercida, porque as pessoas a usam para outracoisas, tambm, como tomar decises (Baumeister, 2011:93). Esta temtica do desejo sempre fpreocupao importante na vida das pessoas, em especial com respeito ao desafio da felicidadainda que parcimoniosamente estudada: ao contrrio do que se poderia esperar, ser feliz no tetudo o que se pretende, mas ter o que cabe, tambm porque, ao final, no questo de tmaterialmente (Demo, 2001a); saber renunciar em geral referncia fundamental de pessoafelizes. Por isso mesmo, muitas propostas de felicidades implicam dominar ou domar os desejoem especial orientais (desafio do nirvana: esvaziar a pessoas de seus desejos): vendo descontrole dos desejos como fonte principal da infelicidade, urge colocar ordem neles, sobretudacabar com eles. Da surgiu a figura notvel do renunciador (tipo de monge indiano e de outrareligies orientais) que fizeram da renncia radical (sair da convivncia comum e afastar-se paviver uma vida de extrema renncia) (Bellah, 2011) seu lema de vida em nome da felicidade.

    Temos aqui um tipo certamente insolvel de discusso, porque ao fundo decidem pendoreideolgicos e culturais arraigados e que, enfaticamente, se postam contra expectativas ocidentade felicidade muito presas aos bens materiais e a prazeres imediatos. Para a nova gerao, saberenunciar pode parecer imposio detestvel, porque no ter lhes parece uma privainsuportvel. No percebem que a questo mais profunda no ser, algo que muitas culturaperceberam e valorizaram enormemente, em especial religies. Viver no convento/mosteiro cristpara sempre ou afastar-se do convvio comum para viver nas periferias (em mosteiros ou no), nprivao material e sem sexo, dificilmente seria ideal de vida para o ocidental tpico. No bojo dcultura consumista, a economia faz de tudo para atrair a pessoas para o consumo, garantindo qufelicidade isso, apenas isso. Moderar-se, controlar-se, renunciar soam como conselhoimprprios e de gente antiquada, de uma velha guarda que coloca disciplina acima da satisfapessoal. Com respeito aos jovens, comum que pais faam de tudo para satisfazer ao que ofilhos querem, em parte por pieguice e revelia do que dizem educadores (Tiba, 2007; 2007a), emparte porque se imagina que educar, hoje, implica ter os filhos com suas necessidades e desejosatisfeitos. Priv-los do que desejam pareceria uma interveno violenta. Educadores, em gerano seguem isso, porque apontam para os riscos de crianas que crescem sem limite

    1 Tais sinalizadores so bips que soam em intervalos determinados pelos pesquisadores para colher e controdados. Um dos mais conhecidos pesquisadores a usar esse mtodo de coleta foi o conhecido psiclogo do flowCsikszentmihalyi (1991). Como j aleguei, no vou questionar esta propenso empirista do mtodo, mesmo que fosfcil mostrar que possivelmente mais deturpa do que trabalha tais dinmicas reduzidas a manifestaes mensurve(Demo, 2001). Como toda dinmica complexa tambm apresenta recorrncias que podem ser formalizadas pelo mtodcientfico, apesar do reducionismo empirista, possvel obter insights pertinentes (Demo, 2002).

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    experincias educacionais que tentaram montar ambientes nos quais os estudantes fazem o ququerem, sem normas e disciplinas, nunca deram certo, tendo como exemplo Summer Hill (2012No seria difcil mostrar o contrrio: ambientes ditatoriais tambm so intrinsecamendeseducativos (Illich, 1971). Provavelmente, precisamos de um meio termo.

    Para Baumeister, esta volta do tema da vontade em psicologia retoma a percepo de quteorias brilhantes so baratas. Em geral espera-se por achados retumbantes de algum gnio

    ainda que ter ideias brilhantes no seja desafio maior. Todo mundo tem uma teoria de algibeipara o que e como fazemos, razo pela qual facilmente se desdenha dos psiclogos com alusecomo minha av j sabia. Progresso em geral no provm das teorias, mas de algum qudescobre um modo de testar a teoria, como sugeriu Mischel (Mischel & Ayduk, 2004. Mische1974. Mischel et alii, 1988. Shoda et alii, 1990). Ele e seus colegas estavam teorizando sobrautorregulao na verdade, no tinham sequer discutido seus resultados em termos dautocontrole ou fora de vontade h muitos anos atrs. Estavam estudando como uma crianaprende a resistir gratificao imediata, e descobriram um modo novo criativo de observar processo em crianas de quatro anos. Trariam as crianas, uma de cada vez, numa sala, mostralhes-iam um malvavisco (marshmallow) e oferecer-lhes-iam uma aposta antes de as deixsozinhas na sala. As crianas poderiam comer o malvavisco sempre que quisessem, mas srenunciassem at que o experimentador voltasse, receberiam um segundo malvavisco pacomerem juntos. Algumas crianas devoraram tudo logo; outras tentaram resistir, mas naguentaram; algumas conseguiram esperar os quinze minutos inteiros para uma recompensmaior. As que tiveram sucesso, tenderam a fazer isso apelando para distraes, o que pareceser um achado bastante interessante ao tempo dos experimentos, nos anos 60. Muito mais tardeporm, Mischel descobriu algo a mais, graas a um golpe de boa sorte. Suas prprias filhafrequentavam a mesma escola, no campus da universidade de Stanford, onde ocorreram oexperimentos do malvavisco. Bem antes de terminar os experimentos e passar para outroassuntos, Mischel continuou a ouvir de suas filhas sobre os colegas de classe. Notou que acrianas que haviam falhado em esperar pelo malvavisco extra pareciam ter mais tropeos que aoutras, tanto dentro, quanto fora da escola. Para ver se a se poderia achar algum padro, Mische seus colegas rastrearam centenas de veteranos dos experimentos. Descobriu-se que aqueleque mostraram maior fora de vontade aos quatro anos foram os que continuaram em frente commelhores notas e escores de teste. As crianas que aguentaram resistir por 15 minutos inteiroacabaram obtendo escores de 210 pontos acima no SAT (exame tipo vestibular) do que aquelaque desabaram aps a metade do primeiro minuto (Baumeister, 2011:216). RealmentBaumeister teve tambm sorte, ao incluir suas filhas como monitoras do experimento! Saiu barae foi brilhante: um resultado extremamente elucidativo.

    Notou-se que crianas com fora de vontade cresciam tornando-se mais populares com seupares e professores. Tendiam a ter maiores salrios. Tinham tambm ndices mais baixos dmassa corporal, sinalizando ter propenso menor para ganhar peso, medida que se chegavameia idade. Alegavam ter menos problemas com abuso de drogas. Quer dizer, resultadoestupendos, j que enormemente difcil mensurar algo na infncia que poderia ter tamanhpoder de predio em nvel significante. Alis, recordando os esforos de Freud de que a infncpesava fortemente na vida adulta, o que faltou foi esse poder de predio satisfatoriamentmensurado (Wolfe & Johnson, 1995. Moffitt et alii, 2010. Tangney et alii, 2004). Revisando estipo de literatura nos anos 90, Seligman (1993) concluiu que dificilmente haveria alguma prova dque episdios na primeira infncia poderiam ter impacto causal na personalidade adulta, coexceo possvel de trauma severo ou m nutrio. Mais recentemente, chega-se a reconheceque autodisciplina mais efetiva para predizer desempenho acadmico do que o QI (Duckwor& Seligman, 2005). Baumeister, Heatherton e Tice (1994), sem meias palavras, dizem que fracasso da autorregulao a maior patologia social de nosso tempo, levando-se em conndices crescentes de divrcio, violncia domstica, crime etc. Esta obra estimulou maexperimentos e estudos, incluindo-se o desenvolvimento de uma escala de medida d

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    autocontrole em testes de personalidade. Quando os pesquisadores compararam notas destudantes com perto de trezes traos de personalidade, autocontrole acabou se tornando o nicque predizia a mdia da nota estudantil mais que mero acaso. Autocontrole tambm se provou seo melhor preditor de notas na faculdade do que o QI do estudante ou o escore no SAT. Embointeligncia crua seja obviamente uma vantagem, o estudo mostrou que o autocontrole era maimportante porque ajudava os estudantes a mostrarem-se mais confiveis para aproveitarem a

    aulas, comearem seus trabalhos de casa mais cedo e gastar mais tempo trabalhando e menotempo vendo televiso (Baumeister, 2011:216).

    II. IMPORTNCIA DO AUTOCONTROLE CRESCE

    A evidncia mais forte, no entanto, foi publicada em 2010. Num estudo sofrido de longprazo, muito mais amplo e mais completo do que qualquer outro feito anteriormente, uma equipinternacional de pesquisadores rastreou mil crianas em Nova Zelndia desde o nascimento atidade de 32 anos. O autocontrole de cada criana foi classificado numa variedade de maneira(atravs de observao por pesquisadores, bem como de registros de problemas a partir dos paiprofessores e de outras crianas). Isto produziu uma mensurao especialmente confivel dautocontrole das crianas e os pesquisadores foram capazes de checar contra um espectrextraordinariamente amplo de resultados atravs da adolescncia at idade adulta. As crianacom alto autocontrole cresceram para adultos que tinham melhor sade fsica, incluindo menorendices de obesidade, menos doenas transmitidas sexualmente e mesmo dentes mais saudvei(Aparentemente, bom autocontrole inclui escovar os dentes e passar fio dental). Autocontrole firrelevante em depresso adulta, mas sua falta tornou pessoas mais propensas ao lcool e problemas com drogas. As crianas com autocontrole fraco tendiam a desenvolver-se maproblematicamente em termos financeiros. Trabalhavam em empregos relativamente mal pagotinham pouco dinheiro no banco e tinham menor probabilidade de possuir uma casa ou tepoupana para a aposentadoria. Desenvolveram-se tendo tambm mais crianas sendo cuidadaem domiclios de um progenitor s, presumivelmente porque tinham tempo mais difcil paadaptar-se disciplina requerida para relacionamento de longo prazo. As crianas com boautocontrole tinham maior chance de construir um casamento estvel e criar filhos numa casa ddois progenitores. Por fim (ainda que no seja a questo menos relevante), os filhos coautocontrole fraco eram mais propensos a acabar na priso. Entre aquelas com menor nvel dautocontrole, mais de 40% tinham condenao criminal aos 32 anos, comparadas como apena12% das pessoas que tinham estado no topo da distribuio de autocontrole em sua juventude(Baumeister, 2011:229). respeitvel este esforo de pesquisa, to amplo e concertadmesclando mtodos de observao e anlise, mas mais interessante a corroborao dhiptese do autocontrole como estratgia ou tecnologia fundamental para a vida futura. Oresultados so altissonantes.

    Procurou-se mais corroborao em outras dimenses, com destaque para biologia animaProcurando-se explicaes para crebros maiores, aludiu-se j a bananas e frutos ricos ecalorias. Enquanto isso, animais que pastam no precisam preocupar-se com a prxima refeioest tudo mo (ou boca). A bananeira que, h uma semana, tinha bananas maduras, no pontohoje pode estar sem nada ou com restos apenas. Um comedor de banana precisa de um crebmaior para lembrar de onde esto frutos maduros, tendo ainda como compensao nutrir-se dadevidas calorias, de sorte que a teoria do crebro que procura banana fazia sentido, emborapenas em teoria. O antroplogo Dunbar (1998) no encontrou suporte, ao estudar os crebrosdietas de animais diferentes, no havendo, para ele, correlao entre tamanho do crebro e tipde comida. A hiptese de Dunbar no se vincula com o ambiente fsico, mas com algo ainda macrucial para a sobrevivncia: vida social. Constatou que animais com crebros maiores tinha

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    redes sociais mais complexas, abrindo um novo horizonte para entender o homo sapienHumanos so os primatas com os lbulos frontais maiores porque temos os maiores gruposociais, e por isso aparentemente que temos a maior necessidade de autocontrole. Tendemos pensar de fora de vontade como uma fora para melhoramento pessoal assumindo uma dietterminando o trabalho no tempo previsto, saindo para fazer exerccio, deixar de fumar mas esno provavelmente a razo primria de sua evoluo to plena em nossos antepassados

    Primatas so seres sociais que tm de controlar a si mesmos para conviver com o resto do grupoDependem uns dos outros para comida de que precisam para sobreviver. Quando a comida compartilhada, muitas vezes o macho maior e mais forte que tem a primeira escolha no qucomer, enquanto os outros esperam sua vez conforme o status. Para que os animais sobrevivaem tal grupo sem serem maltratados, precisam restringir seu impulso de comer imediatamentChimpanzs e macacos no poderiam comer pacificamente, se tivessem crebros de esquiloPrecisam gastar mais calorias em lutar do que iriam consumir na refeio (Baumeiste2011:253). Parece engenhosa esta elucubrao. De fato, para viver em redes sociais imprescindvel renunciar em face de rivais que gostariam de ter a mesma chance ou de aproveitase da chance dos outros, ou mesmo pelo fato de ser viver em grupo. Entra tambm a habilidadde clculo, atravs do qual pode-se ponderar qual seria o momento mais propcio para termos anecessidades e desejos satisfeitos, implicando planejamento, renncia, estratgia, umelaborao j bastante sofisticada do crebro. No , certamente, uma explicao suficienteporque esta possivelmente jamais teremos.

    Para humanos, um dos controles mais complicados das emoes (Lewis et alii, 2000Embora hoje se assuma que fazem parte da racionalidade, no sendo, pois, seu antpod(Damsio, 1996; 1999), habilidade enorme saber lidar com elas, retirando delas as energiavitais de que precisamos para nossa motivao. Podemos facilmente nos sentir sobrecarregadopor eventos frustrantes, ou entristecidos por ocorrncias desagradveis, bem como mais felizepor boas novas; mas isto pode estar sucedendo porque o controle emocional no esfuncionando como imaginaramos. importante analisar sentimentos, no se deixar sucumbneles, como importante resistir a tentaes, para usar um conselho antigo de gente religiosa. Nentanto, resistir a tentaes pode tambm implicar maior atrao por elas. Sabemos que proibido mais gostoso, desde sempre, ou desde Ado e Eva. Em termos da pesquisa, oexperimentos tm demonstrado duas lies: i) temos um montante finito de fora de vontade quse exaure, usando-a; ii) usa-se o mesmo estoque de fora de vontade para todo tipo de tarefa(Baumeister, 2011:547). Em palavras mais populares, fora de vontade cansa rpido, no se podser heri toda hora, ningum de ferro. Lidar com emoes fortes um desafio extremo, pconta das infindas ambiguidades envolvidas, que vo desde a motivao mais radical e efetivaat ser tragado por tais vulces indomveis. Fora de vontade um trunfo que precisa sereconstrudo diariamente. No um estoque fixo e sempre disponvel, garantido.

    Baumeister categoriza o uso da fora de vontade em quatro categorias, comeando com controle dos pensamentos. Por vezes uma luta perdida quando se quer, sem xito, ignorar algsrio (esquecer algo que nos atormenta), ou quando queremos nos livrar de algo que bate nouvido. Controlar os pensamentos no pode ser tarefa completa, porque eles vazam por entre acomportas e tapumes, mas possvel avanar nessa direo. Pode-se tambm aprender a focaem especial quando a motivao forte. H pessoas que conservam sua fora de vontadprocurando, no a melhor ou a plena reposta, mas uma concluso predeterminada. Assiprocedem telogos e crentes: filtram o mundo de modo que o mundo se adapte a princpios tidopor no negociveis de sua f. Os melhores marinheiros muitas vezes tm xito, enganando-se si mesmos; banqueiros fizeram emprstimos mobilirios ignorando regras comezinhas demprstimo (por exemplo, no se empresta a quem no tem renda adequada) (Baumeister referse bancarrota dos bancos imobilirios americanos e seus emprstimos podres); Tiger Woo(campeo mais renomado do golfe e que se envolveu com aventuras extraconjugais) sconvenceu de que monogamia no era para ele e que poderia ficar incgnito e impune em seu

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    Religies so um fenmeno de rara ambiguidade, alm de fora histrica incomum (Bella2011. Shermer, 1997; 1999). No h grupo humano conhecido que no estruture este tipo dmanifestao, e tambm nos tempos modernos (e ps-modernos), religies no cessam daparecer, sempre mostrando dupla face: de um lado, satisfazem necessidades bsicas humanaque, sob a forma da religiosidade ou espiritualidade, podem alcanar expresses de rara virtude autorrealizao; de outro, so negcios escusos, mquinas de guerra, fundamentalismo

    exclusivistas, povos eleitos e outros tantos vcios segregacionistas, sombra de Deus (odeuses) bem urdidos para sustentarem as respectivas hierarquias. Um dos traos maimponentes das religies a imposio de mltiplas formas de autocontrole, tendo sua expressmxima nos renunciadores orientais ou nos monges ocidentais (cristos), capazes de renunciaao sexo, riqueza e mesmo prpria vontade (obedincia). Qualquer atividade religiosa aumenta longevidade (McCullough & Willoughby, 2009. McCullough et alii, 2000), segundo viso dMcCullough e colegas, compulsando mais de trs dzias de estudos que haviam perguntado pessoas sobre suas devoes religiosas e acompanhando-as no tempo. Descobriu-se qupessoas no religiosas morriam antes e que, em qualquer ponto do tempo, uma pessoativamente religiosa tinha 25% a mais de chance de ficar viva. A pesquisa disponvel s teconfirmado tais resultados. Algumas das pessoas com vida longa alegam que Deus estardiretamente respondendo a suas preces, embora esta no seja hiptese vlida para cientistaEstes encontraram razes mais terrenas. De fato, pessoas religiosas tendem menos que outras desenvolver hbitos no saudveis, como bebedeira, sexo arriscado, drogas ilcitas, cigarrTendem mais a usar cintos de segurana, ir ao dentista, tomar vitaminas. Com suporte social doutros crentes, sua f ajuda a lidar com infortnios, sendo uma das virtudes mais eminentes autocontrole. O estudo de McCullough & Willoughby (2009) teria mostrado: religio promovvalores familiares e harmonia social, em parte porque alguns valores ganham em importncquando se supem vinculados vontade de Deus ou a outros valores religiosos. Benefciomenos bvios incluam o achado de que religio reduz conflitos internos das pessoas entdiferentes objetivos e valores. Como anotamos antes, objetivos em conflito impedem autorregulao; assim, a religio reduz tais problemas oferecendo aos crentes prioridades maclaras (Baumeister, 2011:2614).

    Esta argumentao ilustra o valor de uma vida sem vcios, sem entrar no mrito se autocontrole implicado poderia ser justificado sem mais. Viver a vida toda trancado no conventsob a f de estar seguindo o exemplo de Cristo que tambm assim viveu em total renncia pode ser visto como projeto estranho de vida, em especial para denominaes religiosas quseguem a teologia da prosperidade, no do despojamento, como foi a vida de Cristo relatada nNovo Testamento. Mas conhecido que pessoas religiosas com este nvel de renncia possuegrande chance de vida longa, em grande parte porque no praticam vcios arriscados odiretamente danosos, sem falar num estilo de vida tranquilo, sem maior estresse. A religio afedois mecanismos centrais para autocontrole: construir fora de vontade e aprimorar monitoramento. Desde o incio dos anos 20, pesquisadores j notaram que estudantes investindmaior tempo na escola dominical apresentavam escores mais elevados em testes de laboratrde autodisciplina. Crianas com devoo religiosa mais visvel mostram impulsividadrelativamente menor frente aos pais e professores. A pesquisa no saberia (ainda) responder sorar/rezar aprimora o autocontrole, mas tais rituais acabam colaborando na construo da fora dvontade como todo exerccio de ascese, incluindo-se sentar de modo adequado e falar copreciso. Tambm exerccios de meditao envolvem esforo de autorregulao e ateno, comno caso conhecido da meditao zen, que comea contando a respirao at dez e depois dnovo e de novo. A mente facilmente vagabundeia, mas na meditao forada a concentrar-sdisciplinadamente. Efeito similar poderia ser rezar o rosrio, cantar salmos hebreus, repemantras dos hindus. Quando os neurocientistas observam as pessoas rezando ou meditandveem atividade incisiva em duas partes do crebro que tambm so importantes para autorregulao e controle da ateno. Psiclogos veem um efeito quando expem pessoas

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    palavras religiosas subliminarmente, significando que palavras so lanadas numa tela trapidamente que as pessoas no se conscientizam do que viram. Pessoas expostasubliminarmente a palavras religiosas como Deus ou Bblia se tornam mais vagarosas ereconhecer palavras associadas com tentaes como drogas ou sexo pr-marital (Id.:2615Observa McCullough que, na pesquisa, se tem a impresso de que as pessoas associam religicom o poder de dominar tentaes, sugerindo que rituais de orao e meditao so um tipo d

    execuo anaerbica para autocontrole (Baumeister, 2011:2627).Religio contribui para o autocontrole, entre outras coias, organizando o dia e o tempo egeral, em torno de rituais que o devoto assume, obrigando-o a se disciplinar. Algumas religiecomo o isl, exigem oraes em determinados momentos do dia, outras prescrevem tempo d

    jejum, como o Yom Kippur dos judeus, o ms do Ramadan islmico, os quarenta dias dquaresma dos catlicos. Por vezes h regras para comer que mandam suprimir certas iguarias oprescrevem o vegetarianismo. Tendo Deus como presena constante, os religiosos se monitoramporque se sentem monitorados. Este controle s aumentado pelo controle de outros religiososvolta. O sacramento da confisso entre catlicos, implicando contar para o padre seus pecadose quiser perdo, uma ttica de monitoramento muito forte, invasiva. Baumeister afasta alegao de que este autocontrole resultado apenas do medo de Deus, porque preciso levaem conta todo o universo circundante de valores religiosos fortemente autodisciplinadores. Adenominaes pentecostais atuais (religies ditas evanglicas recentes) vangloriam-se, entoutras coias, de arrumarem a vida das pessoas em todos os sentidos: refazem casamentoreaproximam famlias, consertam a vida de negcios, disciplinam valores e atitudes, em especiafastam vcios (drogas, lcool, desregramento), alm de, exigindo o dzimo de cada um, montaum controle financeiro na vida de todos. um grande trabalho e que justifica, em parte, envolvimento forte que gera nas pessoas. Pode-se discutir at morrer sobre a oportunidademesmo decncia de tais iniciativas religiosas, por exemplo, que a hierarquia no tem nada a vcom a vida concreta de Cristo (o exemplo mais radical de autocontrole, despojamentautodisciplina), se locupleta custa do dzimo dos mais pobres, montam imprios para upretenso Deus que aprecia o fausto (de novo, nada a ver com Cristo), mas que desfrutado pelopastores e chefes. Nada de novo, porm. Todas as religies surgem para acabar com as outras, fazem a mesma coisa, abusando da linguagem do amor... Ironicamente, o ambientalismo de hoconclama a humanidade para renunciar a desperdcios, indicando que a vida no Planeta s vivel se todos souberem restringir suas ganncias. De uma forma ou de outra, estamobuscando os 10 mandamentos do bom comportamento ambiental! Assim, um corpo amplo novo de pesquisa reconhece o valor de prticas religiosas, ou regras como essa: O melhor modpara reduzir estresse em sua vida parar de contorcer-se. Significa arrumar sua vida de sorte se ter uma chance realista de xito. Pessoas exitosas no usam fora de vontade como defesa dltima trincheira para as parar do desastre, pelo menos no como estratgia regular, comBaumeister e seus colegas observaram recentemente nos dois lados do Atlntico. Quandmonitoraram alemes durante o dia (com observaes monitoradas por bips), os pesquisadoreficaram surpresos em encontrar que as pessoas com forte autocontrole gastavam menos tempresistindo aos desejos do que outras (Baumeister, 2011:3474).

    IV. PARA APRIMORAR O AUTOCONTROLE

    Baumeister, seguindo a tradio americana de transformar cincia em autoajuda, tamboferece dicas ou frmulas para aprimorar o autocontrole. Talvez seja a parte mais questionvde sua obra, mas, no sendo demasiadamente exigente neste caso, podemos observar o que eprescreve. Comea censurando com veemncia a procrastinao (deixar para depois), um vcquase universal (2011:3498). Em surveys modernos, 95% das pessoas admitem procrastinar pe

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    menos s vezes, um pecado que estaria se alastrando com a multiplicao das tentaesSegundo Steel (2011; 2007), analisando dados das ltimas quatro dcadas, concluiu que houvaumento incisivo dos procrastinadores. Em surveys americanos, mais da metade se diz crnicprocrastinador, sendo que trabalhadores tambm assumem que, por dia, jogam fora duas horade trabalho, deixando as coisas para depois. Por vezes, a procrastinao pode ser devido aperfeccionismo, mas isto raro e serve mais como desculpa. A questo mais importante parec

    ser a impulsividade, o que acabou sugerindo que procrastinao mais prpria do homemhomens possuem impulsos mais difceis de controlar. Em vez de enfrentar o problema que surgedeixam para depois e buscam outras ocupaes secundrias, tambm para se conseguirerecompensas imediatistas. Alguns chegam a dizer que produzem melhor sob presso, mas estcomo mostram as pesquisas, enganando a si mesmos.

    Primeira lio do Willpower 101 (101 nmero usado para indicar uma lista de coisaessenciais, neste caso para aprimorar a fora de vontade) (101.2012): Conhea seus limite(Baumeister, 2011:3547). Tomando em conta que, i) o suprimento de fora de vontade limitado ii) que usamos este recurso para muitas outras tarefas, fundamental medir o tamanho doombros, para saber o que e como carregar. Ademais, o mundo de hoje mais complexo, impmais expectativas e exigncias, em meio a novos atrativos e distraes. Por mais que, olhando dmodo otimista, limites sejam desafios, s vencemos desafios limitados, para sermos minimamenrealistas. A seguir vem a lio: Observe sintomas (Baumeister, 2011:3568). preciso auscultsintomas tnues, sutis, mas decisivos, que indicam nossas fraquezas e chances. As coisas npodem nos preocupar mais do que merecem, nem de menos, o que pede desconfimetroserenidade e capacidade de deciso. Escolha suas batalhas outra lio. No se podecontrolar ou predizer os estresses que incidiro sobre a vida, mas, podemos, nos perodos dcalma, ou pelo menos em momentos mais pacficos, planejar nosso ataque. Podemos evitabatalhas perdidas, cuja luta s perda de tempo. Podemos divisar estratgias para podermochegar mais longe. Podemos poupar energias preciosas. Faa uma lista de tarefas prxima lio. Se no quisermos ser propositivos logo de sada, podemos comear pelo outlado: tarefas que no devem ser feitas..., aquelas preocupaes que no nos deveriam preocupaaqueles desgastes de que no precisamos, aquelas trapalhadas que nada acrescentam. Esta lisdepende, naturalmente, do conhecimento que se tem de si mesmo: nossos fortes e nossos fracos

    Fuja da falcia do planejamento sinaliza a importncia de no planejar o que no temuita chance de acontecer, como se, s por planejar, garantimos a realizao. Baumeister dcomo exemplo a promessa de prdios em construo que nunca terminam no prazo e custamais do que se havia prescrito. Muito menos, podemos planejar que termine seis meses antesNo esquea o bsico Trata-se de no deixar de lado tarefas bsicas d o exemplo dtrocar as meias todos os dias imaginando que, com isso, se poupa tempo para, digamoestudar mais para a prova. Na prtica contraproducente, porque no trocar as meias, no lavar loua, no cuidar dos cabelos, no preparar comida saudvel acabam incidindo em situaevexatrias que reduzem ainda mais nossa capacidade de reao. Alm do mais, taprocedimentos interferem nos outros, que, vivendo juntos, precisam conviver com meias sujaloua por lavar, cabelos mal cheirosos, comida ruim... Faz parte do autocontrole bem feito ter acoisas bsicas da vida bem arrumadas. Esta lista pode ter sua utilidade, mesmo que tenha sabde autoajuda. No custa transformar resultados de pesquisa em indicaes prticas. O problemaque se acredita demais em sadas automticas ou miraculosas, perdendo-se de vista que chancepodem vir por acaso, mas mais prudente correr atrs delas.

    Analisando o futuro do autocontrole (Baumeister, 2011:3784), Baumeister questiona o vezantigo de colocar o autocontrole nas mos de Deus ou nos comparsas de mesma religioPreceitos divinos e presso social a partir do resto da congregao tornaram religio o promotmais poderoso do autocontrole para a maior parte da histria. Hoje, muito embora a influncia dreligio esteja recuando em alguns lugares, as pessoas esto aprendendo outros modos parempurrar o autocontrole para os outros: amigos, smartphones, sites da web que monitora

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    comportamentos e foram apostas, para vizinhos que se renem na igreja e para redes sociaconectadas eletronicamente. Temos novas ferramentas para quantificar quase tudo que fazemoe compartilhamos isso com novas congregaes. Entrementes, cada vez mais pessoas chegam perceber que autocontrole fraco central para problemas pessoais e sociais (Ib.). O ponto crucido autocontrole no produtividade, porque as pessoas hoje j no precisam trabalhar tarduamente. No sculo XIX, o trabalhador tpico tinha mal e mal uma hora livre por dia e n

    existia aposentadoria. Hoje, gastamos por volta de um quinto das horas despertas no trabalhoBaumeister avalia que o tempo restante , na verdade, um surpreendente dom, sem precedentena histria humana, mas isto exige um tipo nunca dantes visto de autocontrole para o desfrutabem. Facilmente preferimos procrastinar, mesmo quando se trata de prazer, supondo que, nfuturo, teremos ainda mais tempo. Assumimos um compromisso em trs meses no futuro, quandno o faramos jamais se estivssemos a uma semana dele. Dizemos sim, imaginando que nfuturo tudo se resolve com o prprio tempo. Deixamos de ir ao zoolgico ou passear num fim dsemana, sem perceber que so, na maioria das vezes, chances perdidas. Por isso, Baumeisteconsidera estratgia importante saber atacar, ficar na ofensiva, no deixar nada para depoiSendo nosso tempo na terra limitado, urge aproveit-lo todo. Entre as descobertas masignificativas de Baumeister que pessoas com fora mais forte de vontade so mais altrusta(Ib.). So mais capazes de fazer doaes, trabalho voluntrio e oferecer suas casas para abrigdesabrigados. Fora de vontade evoluiu porque foi crucial para nossos ancestrais convivmelhor com o resto do cl, e ainda serve a este propsito hoje. Disciplina interna ainda orienpara gentileza externa. por isso que, a despeito de todas as fraquezas e fracassos descritonesse livro, h razo para sermos agressivos no autocontrole. Fora de vontade est evoluindoMuitos de ns sucumbiram recentemente a novas tentaes, e haver um monto de novodesafios pela frente. Mas, independentemente do que novas tecnologias vo oferecer, oindependentemente de quo avassaladoras algumas das novas ameaas paream, os humanopossuem a capacidade de lidar com elas. Nossa fora de vontade nos tornou as criaturas macapazes do planeta e estamos redescobrindo como nos ajudar mutuamente. Estamoaprendendo, de novo, que fora de vontade a virtude que mais nos distingue como espcie, e que nos torna fortes (Ib.).

    No sei se tantas promessas so minimamente realistas, tambm porque aparece eBaumeister uma valorizao excessiva dos humanos como expoentes da natureza, encontrandno autocontrole uma das alavancas de sua superioridade. Estamos aprendendo que esta visest ultrapassada (Latour, 2005), porque todas as virtudes humanas so expresses da mesmnatureza, naturais, portanto, no superiores. Poderamos talvez alegar que fora de vontade uma tecnologia mais desenvolvida nos humanos, com alguma ligao (ainda pouco decifradacom nossos crebros maiores, sem falar que seu apreo tambm depende de contextos culturaiH culturas que apreciam o trabalho como sentido da vida, como se pode averiguar da proposmarxista (trabalho a categoria central da sociedade, por isso Partido dos Trabalhadorerepresentam a sociedade inteira, no s trabalhadores), enquanto outras podem divisar ntrabalho tambm seus traos degradantes. Em sociologia, conhecida a tese de Weber sobre tica protestante ou o esprito do capitalismo (ironizado na obra marcante de Boltanski Chiapello, 2005), segundo a qual culturas que apreciam trabalho como sentido da vida sdesenvolvem melhor, tambm porque mais facilmente economizam para investir (saberenunciar). Esta tese insinua que culturas catlicas, por exemplo, em geral so mais atrasadapossivelmente porque nelas se trabalha menos... A Europa nrdica e pases similares (EstadoUnidos, Austrlia, etc.) so pases mais avanados e que tambm apreciam novas tecnologiasconhecimento inovador, gerando ambientes de maior competitividade e produtividade. Este tipo dviso, ainda que parea ter evidncias empricas, desanda facilmente em etnocentrismos doquais a Europa est cheia e que esto presentes em guerras mundiais massacrantes. Ressoa a noo prfida do povo eleito bblico: este fabrica seu Deus que, por sua vez, diz o que este pov

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    quer ouvir, em especial o mandato de evangelizao geral de todos sob um fundamentalismo ssem esquecer o dzimo para a hierarquia.

    preciso gostaria de argumentar distinguir modos de autocontrole. H aquele feito pargarantir superioridade blica, produtiva, cultural, onde a renncia mormente estratgcolonialista. Mas h aquele que podemos encontrar em filosofias de vida oriental, voltado para controle dos desejos e para a renncia em nome de outras dimenses da sociedade, com

    mensagem enftica de que vida que vale a pena aquela da qual temos controle pautomotivao. No difcil ver vemos em casa todo dia com nossos filhos que pessoas comautocontrole mais avanado se produzem chances mais interessantes na vida, porque correatrs delas, investem tempo e dedicao para se prepararem, recomeam sem desnimperseveram. Esta mensagem me parece importante como filosofia de vida e como tentativa dredescobrir que, em educao, esta viso importante. Se criamos filhos sem limites, eles ntero limites, e as primeiras vtimas podemos ser ns mesmos. Ao mesmo tempo, conseguir quos filhos percebam a importncia de limites uma engenharia finssima, a maior pedagogimaginvel, porque implica suscitar uma criatura capaz de entender que ela mesma precisa sabelimitar-se em nome da convivncia possvel. Podemos, como fez muito bem Baumeister, observaessa questo nas religies: todas promovem a renncia, porque partem da constatao de queser humano tende a ser uma figura decada, viciada, pecadora, urgindo resgatar um tipautodisciplinado de comportamento. Mas preciso, de novo, distinguir: h quem se autocontropor motivos religiosos impostos de fora, como ter de pagar o dzimo a qualquer custo (como sDeus precisasse de dzimo!), bem como h quem tem automotivao religiosa (religiosidade, nreligio) para levar uma vida regrada, porque acredita que isto constri uma sociedade melhor um sentido alternativo de vida.

    Como a humanidade sempre vai de um extremo a outro, o fato de estarmos fartos dcrianas sem limites e de bandidagem solta sem lei (no s de bandidos fora da lei, maprincipalmente daqueles dentro da lei), pode provocar o outro extremo: voltar ao AntigTestamento dente por dente, olho por olho. Saber renunciar fundamental. Talvez seja um dogestos mais formativos. Mas sempre preciso perguntar pela razo. Muita renncia pode seapenas explorao: somos obrigados a renunciar, para que o outro desfrute nossa custa. Vnisso tambm algo de mistrio, que a pesquisa no deslindou ou talvez, por limitaemetodolgicas, jamais v decifrar: a renncia necessria por conta de nossos desejos incontidoe destrutivos; desejos so, porm, uma das energias mais substanciais do ser humano e de outracriaturas naturais. uma gangorra sem soluo. Mesmo assim, parece claro: no se constri umvida interessante, autossatisfatria e satisfatria para a sociedade sem renncia. Esreconhecimento fundamentou por sculos uma pedagogia do castigo (tambm fsico). Ponto algde qualquer castigo obrigar a renunciar. No queremos voltar no tempo. Mas podemos teexagerado no outro lado: quando as crianas fazem o que querem e os pais veem nisso umgracinha, podemos estar cultivando pequenos monstros que, depois, nos vo engolir, maltratar. mundo digital pode ter sua parte nesse risco, porque, sobretudo para crianas, aparece comhorizonte infinito de entretenimento, informao, interao, consumo, aguando a expectativa dquerer tudo na hora.

    PARA CONCLUIR

    Alguns reparos que coloquei aqui obra de Baumeister no deveriam deixar a impresso dque se trata de algo descartvel. Quero dizer o contrrio. surpreendente que este estudo tenhentrando com tanta fora em nossas filosofias de vida, mexendo profundamente com paradigmavigentes familiares, educacionais, produtivos, etc. O mais importante o esforo ingente dcolocar tudo no plano da pesquisa cientfica, com devidas evidncias empricas. Chamou-me

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    ateno o espao dedicado ao papel das religies no autocontrole. Pode ser decisivo na vida dmuitas pessoas que, finalmente, se arrumaram um norte e a eles se subjugam, manifestandento, um estilo de convivncia mais condizente. A religio um fenmeno de rara ambiguidadServe para qualquer coisa, tambm como negao da prpria religio. Apesar dos pesares, nse escapa de constatar que pessoas religiosas apresentam vantagens claras sobre pessoaviciadas. Isto lembra a clebre discusso sobre liberdade. Todos a querem como bem elevad

    Mas, s a temos relativamente, porque liberdade prpria s existe junto com a liberdade dooutros. Ou seja, liberdade s pode ser bem praticada com devida renncia. Viver em sociedade viver renunciando, como o caso de casamentos que duram muito: ambos sabem renunciar. uma dimenso sui generis, porque atinge comportamentos naturais por exemplo, sexo que simpem limitaes que agridem a naturalidade da vida. Muitas religies prescrevem este tipo dperspectiva: viver com pouco, pretender pouco, no se impor. Talvez ainda seja a maneira maprtica de ser feliz: saber renunciar.

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