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PEDAGOGOS DA FUNDAÇÃO CASA/SP: POSSÍVEIS CONTRADIÇÕES PRESENTES EM SUAS ATRIBUIÇÕES LEGAIS
Anderson Soares de Souza1
Ângela Maria Martins2 [email protected]
Eixo temático: Pesquisa, Políticas Públicas e Direito à Educação
Modalidade: Comunicação
RESUMO: Serão analisadas atribuições dispostas no Edital 01/2009 e no Caderno da
Superintendência Pedagógica (2010) no que tange ao exercício profissional dos
pedagogos atuantes na Fundação Casa. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica com o
apoio da análise documental. Nos documentos analisados, constatam-se contradições
nas descrições feitas ao cargo de pedagogo sendo, portanto, relevante à realização de
pesquisa de campo para verificar e identificar como esses profissionais lidam com tais
desencontros na prática cotidiana.
Palavras-chave: Atribuições. Pedagogos. Fundação Casa.
1 Mestrando em Educação pela Universidade Cidade de São Paulo (Unicid) na linha de
pesquisa: políticas públicas de educação. 2 Profa. Dra. do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Unicid.
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Introdução
Partiremos de uma investigação maior, em desenvolvimento por este
pesquisador no Mestrado em Educação da Unicid, sob o título: “Pedagogos da
Fundação Casa/SP: possibilidades e limites de atuação na medida socioeducativa de
internação”, orientado pela professora Dra. Ângela Maria Martins.
O texto ora apresentado trata-se de uma pesquisa bibliográfica amparado por
análise documental, com destaque à reflexão de aspectos referentes às atribuições
dos pedagogos da Fundação presentes no Edital de Concurso Público 01/2009 que
abriu as inscrições para o cargo de analista técnico/pedagogo e no Caderno da
Superintendência Pedagógica (2010).
A finalidade é compreender como a Fundação determina as atribuições dos
pedagogos frente ao trabalho com o adolescente que cumpre a medida socioeducativa
de internação. Os documentos supramencionados foram acessados por meio da
página da web da Fundação Casa/SP3 na qual constam o Caderno da
Superintendência Pedagógica e o Edital 01/2009, dentre outros.
O Caderno da Superintendência Pedagógica, o Edital 01/2009 e o papel dos
pedagogos
O Caderno intitulado “Superintendência Pedagógica Educação e Medida
Socioeducativa: conceito, diretrizes e procedimentos” é um documento que norteia
todos os trabalhos da equipe pedagógica em exercício nas Unidades de atendimento
às medidas socioeducativas de internação e semiliberdade executadas pela Fundação
Casa. Esse documento foi elaborado no ano de 2010, por uma “equipe técnica”,
integrante da Superintendência Pedagógica (SP)4, formada por diferentes
profissionais. O objetivo desse documento é o de “fixar e uniformizar diretrizes nos
atendimentos adstritos à Superintendência Pedagógica que coordena as atividades
dos ensinos formal, de iniciação profissional, arte e cultura e desportivo” (SÃO
PAULO. FUNDAÇÃO CASA, sítio eletrônico, 2010, p. 4). Cabe dizer que, a SP é
responsável por garantir e organizar as diretrizes nacionais de atendimento ao
adolescente, tendo como parâmetro os seguintes documentos: Lei de Diretrizes e
3 Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente do Estado de São Paulo;
instituição ligada à Secretaria de Justiça e Cidadania para a execução das medidas
socioeducativas, de acordo com as determinações do (ECA) e do Sinase (2006). 4 Órgão localizado na sede da Fundação Casa no Bairro da Luz, São Paulo/SP.
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Bases da Educação Nacional (LDB, 1996), Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA,1990) e Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase, 2006)5.
Para cumprir as diretrizes desses documentos, a SP se organizou a partir da
composição de quatro “Gerências”: escolar, educação profissional, arte e cultura e
educação física e esporte. A finalidade dessas Gerências é executar as diretrizes e os
procedimentos de cada área, bem como orientar para o cumprimento das concepções
pedagógicas previstas no Caderno. Concepções estas que preveem a figura de um
gestor responsável pela equipe técnica, tendo em vista que cada Unidade requer
“equipes de funcionários com clareza de seus papeis e atribuições; gestores
preparados para coordenar setores, a fim de desenvolver um atendimento integral ao
adolescente” (SÃO PAULO. FUNDAÇÃO CASA, sítio eletrônico, 2010, p. 55).
Todas as questões burocráticas voltadas para a garantia do acesso a
educação escolar dos internos na Fundação Casa ficam, portanto, a cargo da
Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SE/SP). O Caderno ora analisado
também apresenta reflexões sobre a atenção que deve ser dada face às
especificidades que a trajetória escolar do adolescente apresenta no processo de
alfabetização e letramento. Como possibilidade de diagnóstico da aprendizagem e
posteriores encaminhamentos, a equipe da Gerência Escolar (GE) elaborou um teste
com exercícios de leitura/escrita e matemática, o qual deve ser aplicado ao
adolescente assim que este adentrar os umbrais da instituição. Tal procedimento tem
como objetivo “verificar as variáveis externas que possam ter interferido no processo
de aprendizagem vivenciado durante o desenvolvimento do adolescente” (SÃO
PAULO. FUNDAÇÃO CASA, sítio eletrônico, 2010, p. 36).
Segundo orientações do Sinase (2006) uma equipe pedagógica que trabalha
com a medida socioeducativa de internação deve ser composta de profissionais de
diferentes áreas do conhecimento (psicologia, a terapia ocupacional, o serviço social,
a pedagogia, a antropologia, a sociologia, a filosofia e outras áreas afins). Mediante as
especificidades de atendimento ao adolescente, no que diz respeito à educação formal
e não formal, e as orientações do Sinase (2006), verifica-se a necessidade de se
compor uma equipe de profissionais com saberes que se articulem com essas
diretrizes. Nesse âmbito, o Caderno elenca a composição do quadro profissional que
compõe o atendimento formal (escolarização e cursos de educação profissional) e não
5 Este documento foi elaborado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente (Conanda) no ano de 2006 e tem por propósito a orientação de todas as dinâmicas que envolvem o atendimento ao adolescente que cumpre as medidas socioeducativas previstas no ECA.
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formal (oficinas culturais, atividades lúdicas, dentre outras). Segundo consta no
Caderno, os profissionais que dão corpo a essas atividades são provenientes das
“instituições parceiras”, ou seja, Organizações não Governamentais (Ongs) e SE/SP
as quais disponibilizam os seguintes educadores para intervirem com os adolescentes:
professores da rede estadual, arte-educadores e instrutores de educação profissional.
O quadro de servidores efetivos lotados no setor pedagógico de cada Unidade
é composto por: analista técnico/pedagogo, analista técnico/professor de educação
física, agente educacional e agente técnico. Cabe ressaltar que o Caderno não
descreve com mediana clareza o ideal de formação para esses dois últimos cargos. Já
no Edital 01/2009, verifica-se a exigência de licenciaturas para atuação no cargo de
Agente Educacional.
Ainda em relação ao quadro funcional do setor pedagógico, o Caderno explicita
que a composição desses profissionais “segue a lógica da organização de trabalho em
que a composição deve possibilitar a complementaridade de saberes e afazeres
específicos” (SÃO PAULO. FUNDAÇÃO CASA, sítio eletrônico, 2010, p. 56). De fato,
o pedagogo e o professor de educação física são os únicos profissionais ligados a sua
área de formação acadêmica. Nos outros cargos, inclusive de Coordenador
Pedagógico (CP), não há menção do pré-requisito para atuação.
O Caderno descreve tanto o perfil quanto as atribuições dos servidores,
começando com CP, o qual tem a missão de articular todo o trabalho do setor
incluindo a formação em serviço dos profissionais, articulando as diferentes áreas do
conhecimento. Requer ainda que esse profissional tenha o perfil de ter: “a) o
compromisso de ser gestor; b) o compromisso de ser educador junto aos demais
profissionais e c) o compromisso de ser pesquisador como decorrência de seu papel
de gestor” (SÃO PAULO. FUNDAÇÃO CASA, 2010, p. 57). Contudo, ressalta-se, não
se faz menção ao pré-requisito (formação acadêmica) para atuação.
Concernente ao trabalho dos analistas técnicos/pedagogos, o Caderno relata
que esses servidores executam ações diretamente orientadas pelo CP, e devem ser
responsáveis por uma das duas “frentes de trabalho”, quais sejam: Estrutura e
Funcionamento e Práticas Educativas (1 e 2), para as quais são elencadas as
seguintes atribuições:
1. Estrutura e Funcionamento: Alimentação do Portal; Controle da Matrícula e documentação escolar dos alunos – considerando que é função da Unidade resgatar o processo escolar dos adolescentes que abandonaram os estudos e possuem documentos em várias escolas;
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Solicitação de abertura de classes, participação em atribuição de aulas de professores e controle de freqüência; Controle de verba prevista ao setor pedagógico, seja na compra de materiais pelo administrativo da Unidade e Regional, seja na utilização da verba disponibilizada pela SEE; Organização dos quadros de acompanhamento das atividades pedagógicas; Organização dos quadros dos profissionais do setor pedagógico; Organização dos demais documentos de natureza administrativa do setor pedagógico; Participação no planejamento da Unidade. 2. Práticas Educativas: Acompanhamento diário da rotina pedagógica e do cumprimento das atividades planejadas; Atenção ao planejamento de ações suplementares para o caso da necessidade de substituição de professores ausentes; Acompanhamento do trabalho dos Agentes Educacionais na função de referência das atividades realizadas por profissionais parceiros; Acompanhamento do controle do material das atividades pedagógicas escolares, de educação profissional e de arte e cultura, o qual é feito por cada um dos Agentes Educacionais ao avaliar as demandas de reposição de material e de sua melhor utilização; Avaliação do desenvolvimento de cada atividade no que tange ao aproveitamento dos alunos e desempenho do profissional parceiro, juntamente com cada Agente Educacional (referência para cada área). Aqui também se inclui a avaliação do professor da Rede Estadual, a qual deverá ser feita bimestralmente. (SÃO PAULO. FUNDAÇÃO CASA, sítio eletrônico, 2010, p. 59)
Observa-se que as funções elencadas acima são, em sua maioria, voltadas ao
atendimento de questões administrativas. Além disso, deixam evidente o papel que a
Fundação Casa, por meio da SP, designou para o profissional pedagogo, ou seja, um
servidor que subsidia o setor na resolução de burocracias provenientes do trabalho de
organização, desconsiderando, assim, a sua ação direta com o adolescente.
Entretanto, ao consultar o Edital 01/2009, verifica-se que há presença de outras
atividades que deveriam ser trabalhadas por esses profissionais, como o atendimento
individual e grupal aos adolescentes visando à Orientação Educacional. Essa
atribuição, apesar de prevista no Edital, foi retirada no momento em que se deu a
elaboração do Caderno em 2010.
É, portanto, oportuno refletir que as propostas para a atuação profissional dos
pedagogos no Brasil são determinadas pela Resolução do Conselho Nacional de
Educação, Conselho Pleno (CNE/CP) nº 1, de 15 de maio de 2006, na qual constam
as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a formação em pedagogia. Abaixo,
constam apenas quatro parágrafos do artigo 5º para que se possa subsidiar essa
reflexão em torno dos papeis a ser desenvolvido pelos egressos do curso de
Pedagogia, a conhecer:
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IV - trabalhar, em espaços escolares e não-escolares, na promoção da aprendizagem de sujeitos em diferentes fases do desenvolvimento humano, em diversos níveis e modalidades do processo educativo; XI - desenvolver trabalho em equipe, estabelecendo diálogo entre a área educacional e as demais áreas do conhecimento; XII - participar da gestão das instituições contribuindo para elaboração, implementação, coordenação, acompanhamento e avaliação do projeto pedagógico; XIII - participar da gestão das instituições planejando, executando, acompanhando e avaliando projetos e programas educacionais, em ambientes escolares e não-escolares (BRASIL. CNE/CP, sítio eletrônico, 2006).
Percebe-se nesses incisos uma predominância da relação do trabalho do
pedagogo com os processos de elaboração e acompanhamento da gestão que ocorre
nos espaços escolares e não escolares com o intuito de promover o desenvolvimento
humano em diferentes espaços sociais nos quais se manifestam modalidades
educativas. A gestão pedagógica deve dar conta de promover/organizar a educação
dos indivíduos por meio dos aportes teóricos e metodológicos presentes na formação
e na atuação do pedagogo. Ao se ler o inciso IV, nota-se um trabalho pedagógico, ao
passo que no inciso XII percebem-se tarefas direcionadas ao processo de gestão
administrativa de espaços educativos.
Após análise da Resolução CNE/CP 1/2006, Libâneo (2008, p. 847), aponta,
dentre outras questões, que o egresso do curso graduação em Pedagogia possui
especificidades na articulação de procedimentos e da análise crítica no contexto da
educação e do processo de ensino. Na formação desse profissional, encontra-se o
“aprofundamento na teoria pedagógica, na pesquisa educacional e no exercício de
atividades pedagógicas específicas”. Nesse sentido, o autor entende que a pedagogia,
como ciência das práticas educativas, lida com inúmeros fenômenos culturais,
históricos e sociais, em diferentes espaços em que ocorrem as modalidades
educativas: formal, não formal e informal (LIBÂNEO, 2010). Essas características
podem ser encontradas nas atribuições presentes nos dois documentos aqui
analisados em relação à gestão educacional que os pedagogos executam.
Com relação ao processo de gestão, uma das atribuições previstas no Caderno
e que reforça a presença da gestão administrativa dentre as funções dos pedagogos
é: “Contribuir na realização de contatos, visitas, reuniões que visem promover a
integração dos recursos existentes na Unidade/setor e na comunidade, que venham a
incrementar o trabalho desenvolvido” (SÃO PAULO. FUNDAÇÃO CASA, sítio
eletrônico, 2010). Além disso, incumbe ao pedagogo trabalhar a formação continuada
da equipe pedagógica e dos parceiros da Fundação que atendem aos adolescentes
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por meio de Ongs e outras instituições, com o intuito de fornecer subsídios técnicos e
teóricos para o desenvolvimento das ações que visem o atendimento às
peculiaridades do adolescente autor de ato infracional. Esse profissional deve também
garantir a alimentação do Portal6 e demais informações pertinentes ao registro dos
trabalhos desenvolvidos nas unidades, bem como acompanhar o preenchimento, o
envio e o registro de toda a documentação pertinente às áreas: cultural, educação
escolar, educação profissional e educação física e esporte.
Todavia, para além das responsabilidades previstas no Caderno em relação ao
trabalho dos pedagogos, o Edital 01/2009 descreve 29 atribuições que misturam ações
pedagógicas e administrativas, e outras que evidenciam tarefas em que se nota a não
exigência de uma formação acadêmica para sua realização, como por exemplo:
“assessorar e dar suporte quanto à distribuição e organização dos materiais de
consumo dos cursos de Educação Profissional”. De fato, essa função possui
características de ordem prática a qual não exige um saber elaborado
epistemologicamente para sua execução. Tanto no Caderno quanto no Edital,
identifica-se a predominância de funções que distanciam o pedagogo de um trabalho
direto com os adolescentes em detrimento de tarefas burocrático-administrativas.
Contudo, no Edital 01/2009, e somente nele, são mencionadas atribuições de
atendimento direto com o adolescente, conforme descrito abaixo:
realizar atendimento individual e grupal aos adolescentes no que se refere à orientação educacional, viabilizando estratégias de participação dos profissionais da área pedagógica no Plano Individual de Atendimento (PIA), com atitudes que reforcem o papel dos profissionais e parceiros que compõem o setor; elaborar relatórios e pareceres pedagógicos, a partir de entrevistas e análises individuais, subsidiando, assim, as equipes psicossocial e pedagógica (grifos meus) (SÃO PAULO. FUNDAÇÃO CASA, sítio eletrônico, 2009).
Nessas descrições, nota-se que a SP resgata uma habilitação do pedagogo
não mais prevista na Resolução CNE/CP 1/2006, a saber: a Orientação Educacional7.
Tudo indica que essa função, presente no Edital 01/2009, deve ser realizada pelos
pedagogos na articulação do processo pedagógico voltado às especificidades da
6 O Portal Casa é um programa para computadores (software) elaborado com o objetivo de
armazenar todas as informações e procedimentos que são realizados com os adolescentes da Fundação Casa (sitio eletrônico da Fundação Casa, 2013). 7 Segundo o Art. 64 da LDB “A formação de profissionais de educação para administração,
planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica, será feita em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional (grifos meus).
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medida socioeducativa aplicada ao adolescente, no que se refere ao seu
desenvolvimento por meio da educação formal e não formal. Ressalta-se, porém, que
o Caderno da SP reforça atribuições aos pedagogos direcionando-os para a
elaboração, a orientação e a organização de todo o trabalho pedagógico, dando
assessoria direta ao CP, predominado, assim, atribuições administrativas.
A partir dessas análises é razoável inferir que as atribuições do pedagogo
previstas tanto no Edital 01/2009 quanto no Caderno (2010) apresentam-se de forma
difusa uma vez que mesclam funções de ordem burocrática, pedagógica e
administrativa, com predomínio, contudo, desta última. Identifica-se que as atribuições
deste profissional são marcadas por ambigüidades no que diz respeito às tarefas que
deve desenvolver para o atendimento, sobretudo, da medida socioeducativa de
internação. Tanto o Edital 01/2009, quanto o Caderno induzem a várias interpretações
para se conhecer as especificidades de trabalho dos pedagogos. No que se refere às
normativas que regem as ações dos pedagogos, constata-se, ainda, que os dois
documentos não dialogam.
Pode-se aferir que os achados neste estudo sinalizam a reflexão depreendida
por Lima (2011) em relação à organização das instituições educativas, sobretudo, o
que o autor denomina “infidelidade normativa”, ou seja, em relação ao conteúdo das
normas proclamadas há configurações que caracterizam a infidelidade normativa
sendo que: “a implementação das diretivas normativamente estabelecidas pode,
portanto, em teoria, assumir pelo menos três formas distintas: a reprodução total dos
conteúdos normativos, a reprodução parcial, ou a não reprodução” (LIMA, 2011, p.
69). A infidelidade normativa ocorre em face de uma contradição da norma
estabelecida pela instituição “como contraponto ao normativismo burocrático” (id., ibid.,
p. 70). Outras características são apontadas pelo autor em relação a esse fenômeno:
“desconhecimento dos normativos, reprodução deficiente dos conteúdos normativos,
erro intencional de interpretação ou de aplicação de aplicação [...]” (id., ibid., p. 69).
Essa infidelidade pode apresentar também um conteúdo extremamente diversificado a
partir de três tipos:
(1) em relação à letra, mas não ao espírito; (2) em relação ao espírito e não à letra; em relação à letra e ao espírito. A combinação de algumas destas possibilidades teóricas (não exaustivamente discriminadas), sobretudo quando se acentuam a intencionalidade, o caráter voluntário, o conteúdo formal e substantivo, parecem prefigurar uma fuga deliberada ao normativismo (LIMA, 2011, p. 69).
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Ainda segundo Lima (ibid., p. 71), as regras criadas dentro de uma perspectiva
da infidelidade normativa sofrem uma mudança quando são vivenciadas pelos
profissionais de uma instituição educativa. “Se interrogados sobre [as regras], os
atores poderão responder convicta e sinceramente que estão apenas a cumprir a lei”.
Tanto o normativismo quanto a infidelidade normativa existem mutuamente nas
instituições, fator esse que corrobora com a análise dos documentos aqui analisados:
o Caderno e o Edital, pois apresentam possíveis ambivalências, não dialogam ente si.
De fato, algumas atividades previstas ao cargo de pedagogo são próximas de
secretários escolares8, como por exemplo: “Organização dos quadros dos profissionais
do setor pedagógico; e Organização dos demais documentos de natureza
administrativa do setor pedagógico” (SÃO PAULO, sítio eletrônico, 2010, p. 59).
Entende-se que as múltiplas (e multifacetadas) funções do pedagogo da Fundação
Casa exigem um preparo/domínio teórico e técnico, uma vez que são funções
destinadas a uma atividade diferenciada da realidade escolar, pois transcendem ao
trabalho que envolve apenas o processo de ensino-aprendizagem. Pode-se inferir,
portanto, que para essa realidade seria o pedagogo o profissional qualificado para
executar intervenções nos processos formal, não formal e informal, os quais compõe a
realidade de cada Unidade da Fundação e necessitam de um olhar específico para a
tomada de decisões e posteriores encaminhamentos nessa realidade (LIBÂNEO,
2001).
Considerações Finais
Refletir sobre as atribuições dos pedagogos presentes dos documentos
supracitados, elaborados pela SP da Fundação Casa, permitiu esboçar, mesmo que
provisoriamente, uma breve análise sobre as diretrizes elaboradas, sobretudo em
relação ao cargo de pedagogo. Tudo indica que as orientações previstas no Caderno
auxiliam na organização das ações realizadas pelas equipes pedagógicas das
Unidades.
Contudo, durante as análises do Caderno e do Edital, especificamente em
relação às atribuições dos pedagogos, encontram-se possíveis divergências o que
incide, segundo Lima (2011), na infidelidade normativa. Na elaboração do Caderno
8 cf. Resolução SE nº 52/2011. Dispõe sobre as atribuições dos integrantes das classes do
Quadro de Apoio Escolar. Disponível em: <http://www.profdomingos.com.br>. Acesso em: 13 nov. 2013.
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constata-se a retirada e, ao mesmo tempo, a criação9 de novas funções para o
trabalho dos pedagogos, desconsiderando, inclusive, a intervenção desses
profissionais nas demandas individuais e grupais dos adolescentes, atividade esta
prevista no Edital, mas não contemplada no Caderno.
Nesse contexto de rupturas e ambigüidades, observa-se que o pedagogo vive
um dilema: cumprir as determinações proclamadas no Edital ou as que estão previstas
no Caderno? Ou, segundo Houssaye et al. (2004, p. 14) este profissional pode estar
envolto “[...] entre domesticação e emancipação, entre análise simplificadora e
rupturas da complexidade, entre adaptação a um sistema e modificação do mesmo,
entre perspectiva teórica e aquilo que se faz diariamente” (grifos meus).
Assim, no intuito de desenvolver uma análise temporária em face dos achados
apresentados, uma questão é importante: qual a definição profissional dos pedagogos
da Fundação Casa, hoje? Essa indagação aponta direcionamentos para novas
pesquisas e embates em relação ao trabalho dos pedagogos lotados nessa instituição.
Exige ainda um estudo exploratório com a finalidade de compreender como estes
profissionais lidam, na prática, com as diretrizes que regem suas ações e, dessa
forma, contribuir com as discussões sobre políticas públicas destinadas às medidas
socioeducativas no Estado de São Paulo.
Referências Bibliográficas
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9 Segundo a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 que institui normas para licitações e
contratos da administração pública, em seu parágrafo § 4º, (inciso IV do Artigo 21), consta: “Qualquer modificação no edital exige divulgação pela mesma forma que se deu o texto original, reabrindo-se o prazo inicialmente estabelecido, exceto quando, inquestionavelmente, a alteração não afetar a formulação das propostas” (grigos meus).
11
______. Ministério de Educação e Cultura. LDB - Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996. HOUSSAYE, Jean; SOÖTARD, Michel; HAMELINE, Daniel; FABRE, Michel. Manifesto a favor dos pedagogos. Porto Alegre, RS: Artmed, 2004. LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e pedagogos, para quê? 12º ed. São Paulo: Cortez, 2010. ______. Diretrizes curriculares da pedagogia: imprecisões teóricas e concepção estreita da formação profissional de educadores. Revista Educação e Sociedade, Campinas,SP, v. 27, nº 96, especial, p. 843-876, out. 2006 ______. Pedagogia e pedagogos: inquietações e buscas. Revista Educar, Curitiba, nº 17, p. 153-176. Editora da UFPR, 2001. LIMA, Licínio C. Produção e reprodução de regras: normativismo e infidelidade normativa. In: A escola como organização educativa. 4º ed. São Paulo: Cortez, 2011. SÃO PAULO. Fundação Casa. Superintendência Pedagógica. Educação e Medida Socioeducativa: conceito, diretrizes e procedimentos. São Paulo, 2010. Disponível em: <www.fundacaocasa.sp.gov.br/pdf/Educacao_e_Medida_Socioeducativa.pdf>. Acesso em: 22 jul. 2013. ______. Edital de abertura de inscrições e instruções especiais nº 001/2009. Disponível em: <www.casa.sp.gov.br/Concursos/EDITAL%20CP%202009-2010.PDF>. Acesso em: 22 jul. 2013. SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23º ed. rev. atual. São Paulo: Cortez, 2007.