paulo serra - credibilidade

12
O princípio da credibilidade na selecção da informação mediática Paulo Serra Universidade da Beira Interior Índice 1 Introdução 1 2 O princípio da credibilidade 1 3 A retórica clássica e a credibilidade como ethos 3 4 A informação jornalística e o disposi- tivo de credibilização 5 5 A Web e a credibilização do disposi- tivo 7 6 Conclusão 10 7 Bibliografia 11 1 Introdução Os desenvolvimentos mais recentes da co- municação mediática têm vindo a recolocar a credibilidade como um problema central. Vista pela retórica clássica como o primeiro meio da persuasão, a credibilidade revela-se hoje como um princípio essencial à selecção, pelo receptor, de uma informação mediática cada vez mais excessiva, tanto do ponto de vista quantitativo como qualitativo. A ques- tão que se coloca é, então, a de saber quais são os índices/critérios que, dada uma certa informação, levam o receptor a inferir acerca da sua credibilidade. A nossa tese é a de que esses critérios/índices são, no essencial, os que, tendo sido forjados na retórica clássica, sofrendo depois as necessárias adaptações, passaram a constituir o dispositivo de cre- dibilização das organizações mediáticas “in- formativas” e “noticiosas” tradicionais; um dispositivo que, através de um processo emi- nentemente reflexivo, está, neste momento, a ser exportado para a Web, tendendo a trans- formar esta numa província da informação dita “objectiva” e “imparcial”. 2 O princípio da credibilidade Os desenvolvimentos da comunicação me- diática obrigam-nos, com frequência, a pen- sar de forma nova problemas antigos. Um dos problemas em que se revela, de forma nítida, essa dialéctica entre a permanência e a mudança, a antiguidade e a novidade – ou, como diria talvez Cassirer, entre a forma e o fluxo - é o da credibilidade. Formulado enquanto problema teórico- prático pela retórica grega, mais especifica- mente por Aristóteles – também neste domí- nio o sistema retórico constituirá “uma das chaves da nossa cultura” 1 -, ele é reactuali- zado pela emergência dos meios de comuni- cação de massa e, mais recentemente, da In- 1 Olivier Reboul, Introdução à Retórica, S. Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 69.

Upload: gisele-dotto-reginato

Post on 05-Dec-2014

448 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

 

TRANSCRIPT

Page 1: Paulo Serra - credibilidade

O princípio da credibilidade na selecção dainformação mediática

Paulo SerraUniversidade da Beira Interior

Índice

1 Introdução 12 O princípio da credibilidade 13 A retórica clássica e a credibilidade

comoethos 34 A informação jornalística e o disposi-

tivo de credibilização 55 A Web e a credibilização do disposi-

tivo 76 Conclusão 107 Bibliografia 11

1 Introdução

Os desenvolvimentos mais recentes da co-municação mediática têm vindo a recolocara credibilidade como um problema central.Vista pela retórica clássica como o primeiromeio da persuasão, a credibilidade revela-sehoje como um princípio essencial à selecção,pelo receptor, de uma informação mediáticacada vez mais excessiva, tanto do ponto devista quantitativo como qualitativo. A ques-tão que se coloca é, então, a de saber quaissão os índices/critérios que, dada uma certainformação, levam o receptor a inferir acercada sua credibilidade. A nossa tese é a de queesses critérios/índices são, no essencial, osque, tendo sido forjados na retórica clássica,

sofrendo depois as necessárias adaptações,passaram a constituir o dispositivo de cre-dibilização das organizações mediáticas “in-formativas” e “noticiosas” tradicionais; umdispositivo que, através de um processo emi-nentemente reflexivo, está, neste momento, aser exportado para a Web, tendendo a trans-formar esta numa província da informaçãodita “objectiva” e “imparcial”.

2 O princípio da credibilidade

Os desenvolvimentos da comunicação me-diática obrigam-nos, com frequência, a pen-sar de forma nova problemas antigos. Umdos problemas em que se revela, de formanítida, essa dialéctica entre a permanência ea mudança, a antiguidade e a novidade – ou,como diria talvez Cassirer, entre a forma e ofluxo - é o da credibilidade.

Formulado enquanto problema teórico-prático pela retórica grega, mais especifica-mente por Aristóteles – também neste domí-nio o sistema retórico constituirá “uma daschaves da nossa cultura”1 -, ele é reactuali-zado pela emergência dos meios de comuni-cação de massa e, mais recentemente, da In-

1 Olivier Reboul,Introdução à Retórica, S. Paulo:Martins Fontes, 1998, p. 69.

Page 2: Paulo Serra - credibilidade

2 Paulo Serra

ternet. Todos e cada um destes meios produ-zem e fazem chegar, aos seus destinatários,uma informação cada vez mais diversificada,apelativa e excessiva que não pode deixar deser submetida a determinadas operações deselecção, sob pena de se confundir com omero “ruído”. A que princípios obedece umatal selecção?

A aceitarmos, com Sperber e Wilson, quea comunicação da informação, incluindo amediatizada, obedece a um “princípio depertinência”2, parece-nos ter todo o sentidoacrescentar, a esse, um “princípio de credi-bilidade”. Com efeito, pertinência e credibi-lidade parecem andar a par enquanto princí-pios orientadores da selecção da informaçãopelos receptores: se não for considerada per-tinente, uma informação, por mais credívelque ela seja, ao não concitar a atenção dosseus eventuais receptores, está condenada auma não existência de facto - uma situaçãoque é confirmada, a partir de uma outra pers-pectiva teórica, pela chamada “economia daatenção”3 ; mas, se não for considerada cre-dível, uma informação, por mais pertinenteque ela possa ser, acaba por ser desqualifi-cada e mesmo anulada como informação.4

A diferença reside em que, enquanto que o

2 Cf. Dan Sperber, Deirdre Wilson,La Pertinence.Communication et Cognition,Paris: Les Éditions deMinuit, 1989, especialmente p. 7 e 233-244.

3 Cf. Georg Franck,Okonomie der Aufmersksam-keit, Munich, Karl Hanser Verlag, 1998;The Eco-nomy of Attention, 1999, htttp://www.heise.de/tp/english/special/auf/5567/1.html.

4 Distanciamo-nos, assim, de teorias como a“Prominence-Interpretation Theory”, proposta por B.J. Fogg, e que considera a “proeminência” – termoque podemos tomar como sinónimo de “pertinên-cia” – já como uma das variáveis da credibili-dade. (Cf. B. J. Fogg,Prominence-InterpretationTheory: Explaining How People Assess Credibi-lity. A Research Report from the Stanford Persu-

“princípio da pertinência” se refere à pre-tensão de existência de uma informação, àsua ontologia, o “princípio da credibilidade”refere-se à pretensão de verdade dessa infor-mação, à sua epistemologia.5

Afirmar a importância da credibilidaderevela-se, no entanto, mais fácil do que de-finir o conceito, pelo menos de uma formaessencial. A dificuldade reside, basicamente,no facto de a credibilidade não ser uma enti-dade, ou uma propriedade de uma entidade,mas uma relação - que tem, como pólos,o produtor/emissor da informação e o re-ceptor dessa mesma informação. Mas estarelação bipolar não é estática. Utilizandoaqui uma distinção que remonta aos gre-gos, particularmente a Aristóteles, diremosque a credibilidade é não um resultado ouestado (ergon) mas uma actividade ou pro-cesso (enérgeia) mediante o qual um produ-tor/emissor A se vai tornando credível pe-rante um receptor B à medida que vai ga-nhando a confiança deste; e em que, recipro-camente, um receptor B vai ganhando confi-ança num produtor/emissor A à medida queeste vai conseguindo demonstrar a sua cre-dibilidade. Isto implica que, à partida, A eB sejam conhecedores dos critérios/índicesde credibilidade x, y e z que A pode apa-rentar – de forma “sincera” ou não, isso éirrelevante – para se mostrar como credívelperante B, e que B pode tomar como ante-cedentes de um processo inferencial que po-derá ter, como consequente, a credibilidadede A. Um tal processo de credibilização –passe o neologismo – parece obedecer pelo

asive Technology Lab, Stanford University, 2002,http://credibility.stanford.edu/pit.html).

5 O uso do termo “pretensão” pretende sublinhar,em ambos os casos, a ideia de que poderá ou não sersatisfeita.

www.bocc.ubi.pt

Page 3: Paulo Serra - credibilidade

O princípio da credibilidade 3

menos a quatro leis fundamentais. A pri-meira, a que chamaremos a lei da progres-são geométrica, diz que a cada caso/episódiode credibilização a credibilidade de A não sóaumenta como aumenta cada vez mais; a se-gunda, a que chamaremos a lei da indução,diz que não bastando um número potencial-mente infinito de casos/episódios de credibi-lização para que a credibilidade de A atinjao seu valor máximo, basta, no entanto, umúnico caso/episódio de quebra de credibili-dade para que a credibilidade de A se reduzaa zero;6 a terceira, a que chamaremos a leida associação, diz que a credibilidade de Aaumenta quando A é associado por B a umaentidade C a quem reconhece, por sua vez,credibilidade; a quarta, a que chamaremosa lei da transferência, diz que se A se mos-trou credível num determinado contexto, elemostrar-se-á credível num contexto diferentedo anterior.

Das múltiplas questões que um tal pro-cesso de credibilização coloca, há duas queaqui nos interessam particularmente: quaissão os critérios/índices de credibilidade uti-lizados pelo receptor para avaliar a credibili-dade de uma informação? Serão esses crité-rios os mesmos na avaliação da credibilidadeda informação comunicada pelas organiza-ções mediáticas tradicionais7 e pela Web?

6 Numa formulação deste género reside, como ésabido, o essencial da crítica popperiana do induti-vismo.

7 Designamos, com esta expressão, organizações -também ditas “informativas” ou “noticiosas” - comoos jornais, as televisões, as rádios, etc., prévias aoaparecimento da Web, que tratamos à parte.

3 A retórica clássica e acredibilidade comoethos

É a retórica grega que, como dissemos, for-mula o problema da credibilidade enquantoproblema teórico-prático da comunicação.Na definição proposta por Olivier Reboul,a retórica é “a arte de persuadir pelo dis-curso” - entendendo-se por “arte” um saber-fazer, aquilo a que os gregos chamavam umatechnê, por discurso “toda a produção ver-bal, escrita ou oral, constituída por uma fraseou por uma sequência de frases, que tenhacomeço e fim e represente uma certa uni-dade de sentido”, e, por “persuadir”, o “le-var alguém a crer em alguma coisa”.8 Ora,e este é um dos grandes postulados da re-tórica aristotélica, só se pode levar alguéma “crer em alguma coisa” quando se podelevar esse alguém a crer no alguém que oquer levar a crer. Compreende-se, assim, queAristóteles inclua, como primeiro meio depersuasão – e primeiro no duplo sentido dotermo –, oethos, “o carácter moral do ora-dor”.9 A persuasão pelo carácter pode sercaracterizada numa tripla dimensão: a dosfins, a dos meios e a do campo de aplica-ção. Em relação aos fins, estes residem, fun-damentalmente, em o orador dar ao auditó-rio a impressão – aparente ou real, para ocaso tanto importa - de que é digno da suaconfiança, de que é, como Aristóteles tam-bém diz, uma “pessoa honesta”. Quanto aosmeios, eles referem-se à forma como se pro-fere o discurso, e não a factores pré- ou extra-

8 Reboul,op. cit., p. xiv/xv.9 Tanto assim é que, como afirma Aristóteles,

“quase se poderia dizer que o carácter é o principalmeio de persuasão”. Aristóteles,Retórica, I, 2, 1356a, Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1998,p. 49.

www.bocc.ubi.pt

Page 4: Paulo Serra - credibilidade

4 Paulo Serra

discursivos que, enquanto provas “não técni-cas” ou “extrínsecas”, não pertencem à re-tórica propriamente dita. Quanto ao campode aplicação, ele permite perceber porque éque a “fé” ou “confiança” é essencial à prá-tica retórica – com efeito, tal campo refere-se a questões que não têm a ver com a ver-dade mas com a verosimilhança, e acerca dosquais não pode haver certezas mas apenasdúvidas e controvérsia.10 No que se refereàs “causas que tornam persuasivos os orado-res” – Reboul chama-lhes “condições míni-mas de credibilidade”11 – elas são, segundo oestagirita, a prudência (phrónêsis), que per-mite emitir opiniões correctas, a virtude ouhonestidade (aretê), que consiste em dizer oque se pensa, e a benevolência (eúnoia), aatitude de respeito para com o ouvinte.12

Note-se que, pelo menos aparentemente,Aristóteles incorre aqui num círculo: por umlado, é a credibilidade do orador que tornao seu discurso credível; mas, por outro lado,é o discurso credível que revela a credibili-dade do orador. O círculo pode resolver-sedizendo que a relação entre a credibilidadedo orador e a credibilidade do discurso é umarelação dialéctica, no duplo sentido em queé, por um lado, uma relação em que as quali-dades de cada um dos elementos se vão re-percutindo no outro – o orador vai-se tor-nando credível à medida que o seu discursose torna credível, e reciprocamente – e é, poroutro lado, uma relação dinâmica, que pro-gride, pelo menos idealmente, do menos parao mais. Mas, para que uma tal relação dialéc-tica se torne efectiva, exige-se que o oradore o seu discurso sejam capazes de instaurar,

10 Cf. Aristóteles,ibidem.11 Reboul,op. cit., p. 48.12 Cf Aristóteles,op. cit., II, 1, 1377b – 1388a, p.

106.

com o auditório e o seu “discurso” interior esilencioso, um tipo especial de comunicação.Esse tipo de comunicação, correspondendoao tipo de comunicação que Adriano DuarteRodrigues chama “simbólica” – e que definecomo aquela em que “o destinador comunicaa um destinatário uma experiência que é jáconhecida de ambos”13 -, deve permitir esta-belecer o acordo acerca dos “lugares“ (topoi)e dos “factos” a partir dos quais não só a ar-gumentação do orador mas, mais elementar-mente, o próprio entendimento entre o ora-dor e o auditório podem ter lugar.14

Uma questão essencial que nos é colocadapelo modelo retórico – chamemos assim àforma como a retórica coloca e resolve o pro-blema da credibilidade - é a de sabermos atéque ponto tal modelo é exclusivo da práticaretórica ou é, pelo contrário, extensível à ge-neralidade da comunicação humana, nomea-damente à comunicação da informação pelosmedia.Como procuraremos mostrar nas sec-ções seguintes, se é verdade que o modeloretórico define as condições mínimas a quedeve obedecer todo o orador/emissor e todoo discurso que queiram apresentar-se comocredíveis – a prudência, a honestidade e abenevolência, termos com significados variá-veis para diferentes auditórios mas necessá-rios para todos eles -, não é menos verdadeque a forma como essas condições se apre-

13 Adriano Duarte Rodrigues,Comunicação e ex-periência, 1997, http://www.bocc.ubi.pt. O autor dis-tingue a comunicação simbólica da comunicação in-formativa, incluindo nesta o testemunho e a transmis-são.

14 Este acordo sobre os “factos” é essencial, já que,como observa Perelman, “uma mesma acção poderia,com efeito, ser descrita como o facto de apertar umacavilha, montar um veículo, ganhar a vida, favorecer acorrente de exportação”. Chaïm Perelman,O ImpérioRetórico, Lisboa: Asa, 1993, p. 61.

www.bocc.ubi.pt

Page 5: Paulo Serra - credibilidade

O princípio da credibilidade 5

sentam não pode deixar de diferir na comu-nicação interpessoal e presencial e na comu-nicação tecnologicamente mediada.

4 A informação jornalística e odispositivo de credibilização

A comunicação informativa introduz, em re-lação à comunicação simbólica, a novidadede o destinatário comunicar, a outra pessoa,o relato de um facto ou acontecimento deque esta última não teve experiência.15 E seé verdade que já a comunicação como tes-temunho16 coloca problemas sérios em re-lação à questão da credibilidade da infor-mação comunicada – relacionados, nomea-damente, com a mediação linguística, o ca-rácter parcial das vivências do que testemu-nha, a incapacidade de distanciamento dosfactos, os hábitos e as idiossincrasias pesso-ais e sociais, o envolvimento afectivo, a de-fesa de certos interesses, etc. -, esses pro-blemas multiplicam-se com a comunicaçãocomo transmissão, que exige uma espécie decredibilidade diferida, “escorrendo” do quetestemunhou - da “fonte” - para o destina-tário primeiro, deste para o destinatário se-gundo, e assim sucessivamente, exigindo ac-tividades como a verificação dos factos efec-tivamente ocorridos, a acreditação do teste-

15 Cf. Rodrigues,op. cit..16 Adoptamos , no que se segue, a distinção de

Adriano Duarte Rodrigues a que já fizemos referên-cia, entre “testemunho” - a relação “que existe entrealguém que teve a experiência directa e imediata deum acontecimento ou de um fenómeno e que a comu-nica a outra pessoa que não teve a mesma experiênciadirecta e imediata” – e “transmissão” – que “compre-ende os casos em que alguém transmite a outra pessoao relato de um acontecimento ou de um fenómeno quelhe foi comunicado, de que não teve, portanto, umaexperiência directa e imediata.” (Rodrigues,ibidem).

munho do que experienciou tais factos e aapreciação da fidelidade de cada um dos elosda “cadeia de transmissão”.17

Ora, sendo verdade que este conceito detransmissão traduz bem o tipo de comunica-ção que caracteriza a “tradição”, não é me-nos verdade que, com as devidas adaptações,ele poderá servir-nos, também, para carac-terizar a chamada informação jornalística –dos jornais e não só. Com efeito, este tipode informação obriga a colocar o problemada credibilidade em termos bastantes dife-rentes do que acontece com a prática retórica– uma diferença que poderia ser colocada emtermos da dicotomia proximidade/distância.Proximidade, no caso da prática retórica, namedida em que, por um lado, ela se exerceao nível da interlocução e da relação inter-pessoal e, por outro lado, incide sobre “fac-tos” ou “acontecimentos” de que orador e au-ditório têm um conhecimento mínimo e quese trata, essencialmente, de interpretar e jul-gar. Distância, no caso da informação me-diática, na medida em que, por um lado, osdestinadores e os destinatários não partilhamo mesmo contexto de interlocução18 e, poroutro lado, ela trata de “factos” ou “aconte-cimentos” que, em princípio, só os primei-ros conhecem, de forma geralmente já indi-recta, e intentam dar a conhecer aos segun-

17 Cf. Rodrigues,ibidem. Seguimos aqui, no es-sencial, a argumentação do autor.

18 O que assim se perde de fundamental, em rela-ção à prática retórica e à credibilidade comoethos,são os aspectos ligados à acção (hypocrisis), à “pro-ferição efectiva do discurso, com tudo o que ele podeimplicar em termos de efeitos de voz, mímicas e ges-tos”. (Reboul,op. cit., p. 44). É claro que o modeloaqui explicitado se aplica, essencialmente, aosmediaassentes na escrita – podendo colocar-se a questão desaber até que ponto meios como a rádio e a televisãoconseguem recuperar aqueles aspectos.

www.bocc.ubi.pt

Page 6: Paulo Serra - credibilidade

6 Paulo Serra

dos. Deste modo, o problema da credibili-dade passa a colocar-se em cada um dos vá-rios níveis e etapas do processo de constru-ção da informação, do processo que medeiaentre os “factos” ou “acontecimentos” bru-tos e os mesmos enquanto conhecidos peloleitor/receptor.

A solução desse problema é encontrada,pelos jornalistas e pelas organizações mediá-ticas, na sua auto-subordinação a um con-junto de princípios deontológicos e técnicos,mais ou menos precisos e codificados, e deque se destacam os seguintes: i) Produção deuma informação de qualidade, entendendo-se por tal uma informação exacta, devida-mente confirmada, originada em fontes deabsoluta confiança19, assente no princípio docontraditório, objectiva - e, como tal, distin-guindo claramente entre factos e opiniões -, rigorosa, profunda, independente - nome-adamente de interesses políticos e econó-micos, nomeadamente publicitários - e ac-tual; ii) Responsabilização de cada jorna-lista, traduzindo-se, nomeadamente, na assi-natura das peças que produz e na garantia daveracidade de informações por si publicadase não atribuídas a fontes identificáveis; iii)Correcção pronta e adequada das falhas; iv)Reconhecimento do direito de resposta; v)Relação transparente com os outros órgãosde comunicação social, traduzida na recusado plágio e na devida atribuição das notíciasaos seus autores; vi) Utilização de um es-tilo rigoroso, implicando a observância das

19 A questão da “competência” e da “seriedade”das fontes é aqui decisiva, já que, e como se depre-ende do que dissemos atrás, a transmissão da infor-mação se refere, na maior parte dos casos, não aos“factos” propriamente ditos mas ao relato dos factospelas fontes – primárias ou, em muitos casos, já se-cundárias.

regras ortográficas e gramaticais e das con-venções e códigos de escrita.20

Este conjunto de princípios, que aparecenos Livros de Estilodas organizações me-diáticas como algo de feito e acabado é, defacto, o resultado de um longo processo, queremonta a meados do século XIX e que en-volveu a adaptação crescente da informaçãomediática aos “desejos” do público mas, si-multaneamente, a criação no público dessesmesmos “desejos”, num verdadeiro processode causalidade circular.21 Esquecidas as suasorigens - e o que existia antes dessas origens-, um tal conjunto de princípios constitui-se hoje, e de há muito, como um disposi-tivo22 de credibilização que se escora numaretórica que tem como característica espe-cial o seu apagamento como retórica.23 Que-remos com isto dizer que, ao materializar-se de acordo com tais princípios, o discurso

20 Cf. Jornal Público,Livro de Estilo, Lisboa: Pú-blico, 1998, especialmente p. 29, 59-63, 65-66 e 159.

21 Cf. David T. Z. Mindich,Just the facts. How“objectivity” came to define American Journalism,New York: New York University Press, 1998.

22 Utilizamos aqui o termo no sentido em que, aoreferir-se à Técnica moderna, Heidegger diz que a suaessência reside no seu carácter de “dispositivo” –Ges-tell, derivado de “Ge”, o que congrega, e “Stell”, raizdo verbo “stellen”, pôr em pé -, isto é, de algo quenão depende da “vontade” do homem e funciona, as-sim, de forma “natural”. Cf. Martin Heidegger, “Laquestion de la technique”, inEssais et Conférences,Paris: Gallimard, 1990, p. 27-28.

23 O jornalismo conflui, neste aspecto, com odiscurso científico. Cf., sobre este último, Boa-ventura Sousa Santos,Introdução a uma CiênciaPós-Moderna, Porto: Afrontamento, 1989, p.114.Para uma comparação entre os discursos jornalís-tico e científico, cf. Eduardo Meditsch,O Jor-nalismo é uma Forma de Conhecimento?, 1997,http://www.bocc.ubi.pt;Journalism as a way of kno-wledge: a Brazilian pedagogical experience, 1999,http://www.bocc.ubi.pt.

www.bocc.ubi.pt

Page 7: Paulo Serra - credibilidade

O princípio da credibilidade 7

da informação jornalística consegue dissi-mular o “fazer crer” e o carácter de “ilusãode realidade” que o caracterizam, podendoapresentar-se, assim, comoo “saber” acercada “realidade”.24

Que este dispositivo de credibilização fun-ciona de forma perfeita não só do lado dosemissores mas também do lado dos recepto-res, prova-o o facto de que a maior parte dascríticas que hoje são dirigidas aos jornalis-tas e às organizações mediáticas tende a atri-buir a crescente falta de credibilidade de unse outros ao seu afastamento do cânone de-finido pelo dispositivo, ao privilegiarem uma“informação” que se confunde cada vez maiscom o entretenimento e a publicidade.25 Ali-cerçado no consenso dos emissores, dos re-ceptores e dos próprios “críticos”, o cânonedetermina, assim, não só quem pode produ-zir a informação mas, mais liminarmente,oqueé informação – excluindo todos e tudo oque nele não couber.

5 A Web e a credibilização dodispositivo

A facilidade e a liberdade quase ilimitadasde publicação que caracterizam a Web26, aausência degatekeeping, levam a que, aomesmo tempo que se rompe o “monopólio”de produção da informação das organizaçõesmediáticas tradicionais, se esbata, em grande

24 Cf. José Rebelo,O Discurso do Jornal, Lis-boa: Editorial Notícias, 2000, p. 87 e 109. Acercadesta mesma temática, cf. também Américo deSousa, A retórica da verdade jornalística, 2002,http://www.bocc.ubi.pt.

25 Cf., por exemplo, James Fallows,Breaking theNews, New York: Vintage Books, 1997.

26Centramo-nos, no que se segue, nos sítios Webclassificados como “de notícias e informação”.

parte27 , o dispositivo de credibilização postoem jogo por estas. Não há agora, entre os“factos” e o receptor, uma organização que,dotada de um conjunto de princípios técnicose deontológicos, garanta a validade da infor-mação, tornando-a um dado inquestionável;cabe a cada um dos receptores decidir, por sipróprio, que informação é ou não é credível,que informação é mais ou menos credível.Mediante que critérios, explícitos ou implí-citos, é tomada uma tal decisão? Serão essescritérios diferentes, no essencial, dos aplica-dos pelo receptor na avaliação da credibili-dade da informação das organizações mediá-ticas tradicionais?

As respostas a estas e outras perguntas têmvindo a ser procuradas, basicamente, atravésde estudos empíricos incidindo sobre os uti-lizadores da Web. Antes de examinarmos, deforma sucinta, os resultados de alguns des-ses estudos que nos parecem mais relevan-tes, importa analisar a forma como se efec-tua, pelo menos neste momento, o processode credibilização da informação – e dos res-pectivos sítios – na Web.

Estabelecendo uma comparação com oque acontece com as organizações mediáti-cas tradicionais – em que, como dissemos,existe implantado, de forma consensual, umdispositivo de credibilização da informação-, diremos que a Web se caracteriza, nestemomento, por um processo de credibiliza-ção do dispositivo. No seu conjunto, e deforma sumária, este processo pode ser des-

27 Dizemos em grande parte porque, como é sa-bido, muitas das organizações mediáticas tradicio-nais, seja sob a forma deshovelwareseja sob a formade produção específica para o on-line, procuraramtransportar para a Web uma credibilidade que já ti-nham antes e fora dela – visando, assim, um verda-deiro “efeito de halo”.

www.bocc.ubi.pt

Page 8: Paulo Serra - credibilidade

8 Paulo Serra

crito em três momentos: num primeiro mo-mento, o da utilização, o utilizador decide vi-sitar um sítio que, mediante critérios mais oumenos implícitos e tácitos, considera comocredível; num segundo momento, o da pes-quisa, os estudos empíricos tornam explíci-tos os critérios de credibilidade usados, deforma implícita e tácita, pela maioria ou pelamédia dos utilizadores; num terceiro mo-mento, o da aplicação, os construtores dossítios constróem estes tendo em conta os cri-térios de credibilidade explicitados pela pes-quisa.28 Este processo de reflexividade29 éreforçado, e muito, pela utilização dos pró-prios motores de busca ditos “de segundageração”, de que oGoogle pode ser vistocomo paradigma: com efeito, ao incluíremnos seus critérios de relevância parâmetrosque, procurando ultrapassar a mera “popula-ridade”, têm já a ver com a credibilidade –referimo-nos, nomeadamente, a parâmetroscomo a estrutura de ligações de um sítio dee para páginas consideradas como “autori-dades”30 -, criam, nos utilizadores, a ideiade que um sítio que obtém uma boa posiçãonum motor de busca é credível, e, recipro-camente, de que um sítio que é credível ob-

28 Um exemplo claro deste processo é o doPer-suasive Technology Labda Universidade de Stanford.Cf. B. J. Fogg, "Stanford Guidelines for Web Credibi-lity."A Research Summary from the Stanford Persua-sive Technology Lab, Stanford University, May 2002,http://www.Webcredibility.org/guidelines.

29 Utilizamos aqui o conceito no sentido que lhe édado por Giddens – que vê precisamente, na “reflexi-vidade”, uma das características essenciais da moder-nidade. (Cf. Anthony Giddens,As Consequências daModernidade, Lisboa: Celta, 1992, especialmente p.28-34).

30 Tratei desta questão no ensaioA Internet e o mitoda visibilidade universal, 2002, http://www.bocc.ubi.pt.

tém uma boa posição num motor de busca.Deste modo, credibilidade e relevância vão-se confundindo, cada vez mais, na teoria e naprática da busca da informação na Web peloutilizador comum.31

Mas quais são esses critérios de avalia-ção da credibilidade que o utilizador usade forma implícita, a pesquisa explicita e oconstrutor dos sítios aplica? Alguns estudosempíricos recentes32 mostram que eles repe-

31 Assim, num estudo empírico recente, os inqui-ridos a quem é pedido para ordenarem, por grau decredibilidade, dez sítios previamente seleccionadospelos investigadores, colocam nos primeiros cincolugares os seguintes (por ordem decrescente): TheNew York Times, Yahoo! News, CNN, Time,MSNBC (Cf. B.J. Fogg, Ph.D., Cathy Soohoo, DavidDanielsen, Leslie Marable, Julianne Stanford, Ellen-R. TauberHow Do People Evaluate a Web Site’sCredibility?Results from a Large Study, PersuasiveTechnology Lab, Stanford University, Consu-mer WebWatch, Sliced Bread Design, LLC, 2002,http://www.consumerwebwatch.org/news/report3_credibilityresearch/stanfordPTL.pdf, p. 66). Numa pes-quisa feita por nós em 13 de Janeiro de 2003,utilizando a palavra “News”, oYahoo! dá, comocinco resultados mais relevantes, os seguintes (tam-bém por ordem decrescente): CNN, BBCNews,Yahoo!News, ABC News, MSBNBC; oGoogledá, por sua vez: CNN, CNETNews, ABCNews,BBCNews, USNews.

32Referimo-nos, concretamente, aos estudosseguintes: B.J. Fogg, Ph.D., Cathy Soohoo, DavidDanielsen, Leslie Marable, Julianne Stanford, EllenR. Tauber,How Do People Evaluate a Web Site’sCredibility? Results from a Large Study, PersuasiveTechnology Lab, Stanford University, Consu-mer WebWatch, Sliced Bread Design, LLC, 2002,http://www.consumerwebwatch.org/news/report3_credibilityresearch/stanfordPTL.pdf; Howard Finberg,Martha L. Stone, Dyane Lynch,Digital JournalismCredibility Study, Online News Association, 2002,http://www.journalists.org/Programs/credibility_study.pdf; Julianne Stanford, Ellen R. Tauber,B.J.Fogg, Leslie Marable,Experts vs. On-line Consumers: A Comparative Credibility

www.bocc.ubi.pt

Page 9: Paulo Serra - credibilidade

O princípio da credibilidade 9

tem, no essencial, os critérios consignadosno dispositivo de credibilização das organi-zações mediáticas tradicionais - como o con-firma, aliás, e de forma irrefutável, o facto dea quase totalidade dos utilizadores inquiridosnum desses estudos afirmar como importanteou muito importante, para a avaliação da cre-dibilidade de um sítio, a pertença deste a umaorganização noticiosa com nome já feito forada Internet.33 Assim, apesar das disparidadese, por vezes, mesmo algumas contradiçõesentre os diversos estudos empíricos - deri-vadas quer do seu carácter recente34, quer

Study of Health and Finance Web Sites, Sli-ced Bread Design, LLC, Stanford PersuasiveTechnology Lab, Consumer WebWatch, Octo-ber, 2002, http://www.consumerwebwatch.org/news/report3_credibilityresearch/slicedbread.pdf;Kate Scribbins,Credibility on the web. An internati-onal study of the credibility of consumer informationon the internet, Consumers International, Office forDeveloped and Transition Economies (ODTE), 2002,http://www.consumersinternational.org/document_store/Doc509.pdf; Princeton Survey Research As-sociates,A Matter of Trust: What Users Want FromWeb Sites, Results of a National Survey of Inter-net Users for Consumer WebWatch, January 2002,http://www.consumerwebwatch.org/news/report1.pdf;Rasha A. Abdulla, Bruce Garrison, Michael Salwen,Paul Driscoll, Denise Casey,The credibility ofnewspapers, television news, and online news, Apaper presented to the Mass Communication andSociety Division, Association for Education inJournalism and Mass Communication, annual con-vention, Miami Beach, Fla., August 9, 2002, http://www.miami.edu/com/car/miamibeach1.htm.

33 Cf. Howard Finberg, Martha L. Stone, DyaneLynch, op. cit., p. 22. Mais exactamente, 91,5% dosutilizadores inquiridos dizem que é “importante” e,destes, 23,3% dizem que é “muito importante”.

34 Apenas a título de ilustração, refira-se que oPer-suasive Tecnology Lab, da Universidade de Stanford,que tem vindo a dedicar-se de forma sistemática a taisestudos, iniciou a sua actividade apenas em 1998. Cf.http://credibility.stanford.edu/.

da heterogeneidade das amostras e das meto-dologias utilizadas35 -, neles são geralmentemencionados critérios como os seguintes: aindependência, nomeadamente de interesseseconómicos, traduzida na distinção clara en-tre publicidade e informação; a responsabili-dade, traduzida na identificação dos respon-sáveis pelo sítio e pela informação, incluindoos proprietários; o direito de resposta e in-tervenção do leitor/receptor, um aspecto quetem vindo a ser estudado a partir do tema da“interactividade”; a correcção de erros e fa-lhas; qualidades da informação como a ac-tualidade, a sua origem em fontes de confi-ança, a imparcialidade, a exactidão, a clarezae a legibilidade. O que é realmente novo,nos critérios mencionados pelos inquiridos,mas que tem a ver mais com as caracterís-ticas do meio Internet do que propriamentecom as qualidades da informação, são aspec-tos como a rapidez da actualização da infor-mação – cada vez mais próxima do “aconte-cimento” -, a política de privacidade - crucialnum meio em que cada pesquisador é, simul-taneamente, objecto de pesquisa e de registo-, o design e a estrutura do sítio e da infor-mação – que não podem deixar de ter emconta condições de leitura muito diferentesdas dos meios tradicionais -, a facilidade denavegação, a rapidez do carregamento, etc..Todo este conjunto de resultados é resumidode forma liminar, pelos autores de um dosestudos sobre jornalismo online, na conclu-são de que “o público online pretende infor-mação exacta, completa e imparcial de umafonte de confiança – e quere-a já”– querendo

35 Parecem observar-se diferenças assinaláveis nosresultados obtidos quando se utilizam questionáriosde perguntas fechadas, incluindo ou não escalas comoa de Lickert, ou questionários de perguntas abertas;quando o inquérito é feito online ou por telefone; etc..

www.bocc.ubi.pt

Page 10: Paulo Serra - credibilidade

10 Paulo Serra

significar que, no fundo, residirá neste “já”a única diferença essencial entre o “velho”jornalismo e o jornalismo online.36 O que,dito de outra forma, significa que o processode credibilização do dispositivo em curso naWeb parece tender, de forma irreversível, aimplantar, aí, o dispositivo de credibilizaçãoda informação próprio das organizações me-diáticas tradicionais.

Um dos efeitos mais importantes desseprocesso é a anulação efectiva – a invisibili-dade - a que ele vai condenando toda a in-formação não produzida de acordo com odispositivo de credibilização das organiza-ções mediáticas tradicionais, sejam estas or-ganizações mediáticas que, existindo já forada Web, passaram também a existir na Web(e.g., aCNN), sejam organizações que, tendoiniciado a sua existência na Web, conse-guiram sucesso económico e financeiro aoaparentar-se, o mais possível, às primeiras(e.g., oYahoo!). O mesmo é dizer que a poli-fonia informativa, vista desde sempre comouma das grandes qualidades da Web, tenderáa aproximar-se, cada vez mais, da monofoniae da monotonia que caracterizam a informa-ção tal como a conhecemos no mundo “real”.

6 Conclusão

Vista pela retórica clássica como um dosmeios essenciais do discurso persuasivo, acredibilidade revela-se, na comunicação me-diática, como um princípio essencial à selec-ção da informação pelo receptor. Por issomesmo, e sob pena de a informação pro-duzida e transmitida ser considerada comonula pelos seus potenciais receptores, torna-

36 Cf. Howard Finberg, Martha L. Stone, DyaneLynch,op. cit., p. 60.

se crucial para os produtores/emissores deinformação mostrarem-se credíveis. No en-tanto, enquanto que na prática retórica o ora-dor pode ir avaliando, passo a passo, osefeitos do seu discurso sobre o ouvinte, e,em função de tais avaliações, ir fornecendoàquele os índices/critérios de credibilidademais adequados, na comunicação mediáticaé a própria construção da informação quedeve incluir, como elementos essenciais, osíndices/critérios da sua credibilidade - umasituação que procurámos traduzir dizendoque, na comunicação mediática, a credibili-dade se transforma em dispositivo. Medianteeste dispositivo, a informação aparenta ser ocontrário da persuasão, o discurso informa-tivo o contrário do discurso retórico. Na re-alidade, o que há, em ambos os casos, sãodiferentes estratégias de persuasão, perfeita-mente adequadas ao facto de uma serin pra-esentiae a outra serin absentia. Se numa aintenção de persuadir é ostensiva, claramenteperceptível para o auditório – faz parte, porassim dizer, das “regras do jogo” -, na ou-tra essa estratégia encontra-se dissimuladano carácter “objectivo” e “imparcial” do dis-curso, mas não é menos imperativa e essen-cial.

Comparada com as organizações mediáti-cas tradicionais, a Web caracteriza-se, nestemomento, por um processo de credibiliza-ção do dispositivo – uma expressão que uti-lizámos para designar o processo medianteo qual se procura estender, à Web, o disposi-tivo de credibilização característico das orga-nizações mediáticas tradicionais, e que obe-dece, no essencial às leis a que chamámos daassociação e da transferência.

Apesar das diferenças nas formas comose joga o processo de credibilização da in-formação nas organizações mediáticas tradi-

www.bocc.ubi.pt

Page 11: Paulo Serra - credibilidade

O princípio da credibilidade 11

cionais e na Web, há um aspecto que lhesé comum, e que foi evidenciado, há muito,pela retórica clássica: a de que a credibili-dade é,em todos os casos, uma construçãoque vai sendo feita pela acção conjugada doorador/emissor e do ouvinte/receptor. Umaspecto que, generalizado ao problema darecepção dos produtos mediáticos mostra,mais uma vez, a dificuldade que se colocaa todas as teorias que, de uma forma ou ou-tra, encaram o processo de recepção de umaforma mecanicista e incorrem, assim, no queJohn Thompson chama o “mito do receptorpassivo” e a “falácia do internalismo”.37

7 Bibliografia

ABDULLA, Rasha A., GARRISON, Bruce,SALWEN, Michael, DRISCOLL,Paul, CASEY, Denise,The credibi-lity of newspapers, television news,and online news, A paper presentedto the Mass Communication andSociety Division, Association forEducation in Journalism and MassCommunication, annual conven-tion, Miami Beach, Fla., August 9,2002, http://www.miami.edu/com/car/miamibeach1.htm.

ARISTÓTELES,Retórica, Lisboa, ImprensaNacional – Casa da Moeda, 1998.

FALLOWS, James,Breaking the News, NewYork, Vintage Books, 1997.

FINBERG, Howard, STONE, Martha L.,LYNCH, Dyane, Digital Journalism

37 Cf. John B. Thompson, Ideology and the Mo-dern Culture, Cambridge: Polity Press, 1996, p. 98 ess.

Credibility Study, Online News Associ-ation, 2002, http://www.journalists.org/Programs/credibility_study.pdf.

FOGG, B. J., "Stanford Guidelines for WebCredibility."A Research Summary fromthe Stanford Persuasive TechnologyLab, Stanford University, May 2002,http://www.Webcredibility.org/guidelines.

FOGG, B. J., Prominence-InterpretationTheory: Explaining How People As-sess Credibility. A Research Reportfrom the Stanford Persuasive Techno-logy Lab, Stanford University, 2002,http://credibility. stanford.edu/pit.html.

FOGG, B.J., Ph.D., SOOHOO, Cathy, DA-NIELSEN, David, MARABLE, Les-lie, STANFORD, Julianne, TAUBER,Ellen R., How Do People Evaluate aWeb Site’s Credibility? Results froma Large Study, Persuasive TechnologyLab, Stanford University, ConsumerWebWatch, Sliced Bread Design, LLC,2002, http://www.consumerwebwatch.org/news/report3_credibilityresearch/stanfordPTL.pdf.

FRANCK, Georg,Okonomie der Aufmersk-samkeit, Munich, Karl Hanser Verlag,1998.

FRANCK, Georg,The Economy of Atten-tion, 1999, htttp://www.heise.de/tp/english/special/auf/5567/1.html.

GIDDENS, Anthony,As Consequências daModernidade, Lisboa, Celta, 1992, es-pecialmente p. 28-34.

www.bocc.ubi.pt

Page 12: Paulo Serra - credibilidade

12 Paulo Serra

HEIDEGGER, Martin, “La question de la te-chnique”, inEssais et Conférences, Pa-ris, Gallimard, 1990.

JORNAL PÚBLICO, Livro de Estilo, Lis-boa, Público, 1998.

MEDITSCH, Eduardo, Journalism asa way of knowledge: a Brazi-lian pedagogical experience, 1999,http://www.bocc.ubi.pt.

MEDITSCH, Eduardo, O Jornalismo éuma Forma de Conhecimento?, 1997,http://www.bocc.ubi.pt.

MINDICH, David T. Z., Just the facts. How“objectivity” came to define AmericanJournalism, New York: New York Uni-versity Press, 1998.

PERELMAN, Chaïm,O Império Retórico,Lisboa, Asa, 1993.

PRINCETON SURVEY RESEARCH AS-SOCIATES,A Matter of Trust: WhatUsers Want From Web Sites, Results ofa National Survey of Internet Users forConsumer WebWatch, January 2002,http://www.consumerwebwatch.org/news/report1.pdf.

REBELO, José,O Discurso do Jornal, Lis-boa, Editorial Notícias, 2000.

REBOUL, Olivier,Introdução à Retórica, S.Paulo, Martins Fontes, 1998.

RODRIGUES, Adriano Duarte, Co-municação e experiência, 1997,http://www.bocc.ubi.pt.

SANTOS, Boaventura Sousa,Introduçãoa uma Ciência Pós-Moderna, Porto:Afrontamento, 1989.

SCRIBBINS, Kate, Credibility on theweb. An international study of thecredibility of consumer informationon the internet, Consumers Inter-national, Office for Developed andTransition Economies (ODTE), 2002,http://www.consumersinternational.org/document_ store/Doc509.pdf.

SERRA, Paulo, A Internet e o mitoda visibilidade universal, 2002,http://www.bocc.ubi.pt.

SOUSA, Américo de, A retóricada verdade jornalística, 2002,http://www.bocc.ubi.pt.

SPERBER, Dan, WILSON, Deirdre,La Per-tinence. Communication et Cognition,Paris: Les Éditions de Minuit, 1989.

STANFORD, Julianne, TAUBER, EllenR., FOGG, B.J., MARABLE, Les-lie, Experts vs. Online Consu-mers: A Comparative CredibilityStudy of Health and Finance WebSites, Sliced Bread Design, LLC,Stanford Persuasive Technology Lab,Consumer WebWatch, October, 2002,http://www. consumerwebwatch.org/news/report3_credibilityresearch/slicedbread.pdf.

THOMPSON, John B.,Ideology and theModern Culture, Cambridge, PolityPress, 1996.

www.bocc.ubi.pt