paul ricoeur - teoria da interpretação

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7/22/2019 Paul Ricoeur - Teoria da Interpretação http://slidepdf.com/reader/full/paul-ricoeur-teoria-da-interpretacao 1/56 Os textos aqui publicad os são uma sín t ese cla r aep r of u nd a d o pro j ecto hermenêutico de P . Ri c o e u r e das suas catego r ias c e n tra is : di scurso como . even t o , n oção d e te x to , mundo da . o b r a ; di st a nci ação e apropriação . BIBLIOTECADEFILOSOFI CONTEMPORÂNEA edições 70 PaulRicceur 41 INT TEORI TECA DE FILOSOFIA ONTEMPOR ANEA edições 70

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Os textos aqui publicados são umasíntese clara e profunda do projectohermenêutico de P. Ricoeur e dassuas categorias centrais: discursocomo . evento, noção de texto,mundo da. obra; distanciação eapropriação.

B IB L IO T E C A D E F IL O S O F I

C O N T E M P O R Â N E A

edições 70

P a u l R ic c e u r

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INT

TEORI

T E C A D E F I L O S O F I A

O N T E M P O R A N E A

edições 70

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B IB L IO T E C A D E F IL O SO F IA

C O N T E M P O R Â N E A

1. MENTE, CÉREBRO E CIÊNCIA, John Searle2. TEORIA DA INTERPRETAÇÃO, Paul Rícoeur

3. TÉCNICA E CIÊNCIA COMO .IDEOLOGIA~, Jurgen Habermas4. ANOTAÇÕES SOBRE AS CORES, Ludwig Wittgenstein5. TOTALIDADE E INFINITO, Ernrnanuel Levinas

6. AS AVENTURAS DA DIFERENÇA, Gianni Vatimo7. ÉTICA E INFINITO, Emmanuel Levinas

8. O DISCURSO DE ACÇÃO, Paul Rícoeur

9. A ESSÊNCIA DO FUNDAMENTO, Martin Heidegger10. A TENSÃO ESSENCIAL, Thomas S. Kuhn11. FICHAS (ZETTEL), Ludwig Wittgenstein12. A ORIGEM DA OBRA DE ARTE, Martin Heidegger

TEORIA

D A

INTERPRETACÃO

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DOAÇAo/OT·OtENClA E TEONOlOOIA •"I61"10/20"12FtegBtroNo583"176 DaUl..

Autor:RIOOEUR. PAUL

TI1Ulo:TEORIA DA INTERPRETAOAO

Preço:10.00

Doador:DIVERSOS

Título original: Interpretation Theory: discourse and the surplus of meaning

© 197.6by Texas Christian Unversity Press

Tradução de Artur Morão

Capa

Depósito legal n.o 18296/87

Direitos reservados para todos os países de língua portuguesapor Edições 70, Lda.

EDIÇÕES 70. LDA. Av. Elias Garcia , 81, r/c - 1000 LISBOA

Telefs . 76 27 20 / 76 27 92 / 76 28 54Fax: 761736

Telex: 64489 TEXTOS P

DELEGAÇÃO NO NORTE:EDIÇÕES 70, LDA. - Rua da Rasa, 173 - 4400 VILA NOVA DE GAlA

Telef. 370 19 12/3

NO BRASIL:EDIÇÕES 70, BRASIL LTDA. - Rua São Francisco Xavier, 224-A (Tijuca)

CEP 20550 RIO DE JANEIRO RJ

Telef. 284 29 42Telex 40385 AMU B

Esta obra está protegida pela Lei. Não pode ser reproduzida,no todo ou em parte, qualquer que seja o modo utilizado,

incluindo fotocópia e xerocópia, sem prévia autorização do Editor.

Qualquer transgressão à Lei dos Dire itos de Autor será passivelde procedimento judicial. .

P a u l R i c ~ u r

TEORIA

D AINTERPRETACÃO

o DISCURSO E O EXCESSO

DE SIGNIFICAÇÃO

~edi çOeS70

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PREFÁCIO

No outono de 1973, Paul Ricoeur foi de Paris a FortWorth dar uma série de lições como parte da celebração cen-tenária da Texas Christian University. A série tinha o título"Discurso e o excesso de significação". O texto publicadoaqui sob o título Teoria da Interpretação conserva o primeirotí tulo como subtí tulo. Esta mudança assinala o desenvolvi-mento do texto numa teoria sistemática e compreensiva quetenta explicar a unidade da linguagem humana em vista dosdiversos usos a que é sujeita.

Uma questão justa é a da localização deste texto dentrodo horizonte das investigações de Ricoeur a propósito da lin-guagem e do discurso, publicadas depois de A Simbólica doMal (1960). Este amplo horizonte é a busca de uma filosofiacompreensiva da linguagem que possa explicar as múltiplasfunções do acto humano de significar e todas as suas inter--relações. Nenhuma obra singular publicada durante esteperíodo (1960-1969) pretende oferecer semelhante filosofiacompreensiva, e também não se pretende que as investigaçõestomadas em conjunto a constituam, pois Ricoeur duvida deque ela possa ser eleborada por um só pensador.

Como se situa a Teoria da Interpretação relativamente aessa busca? Ocupa um lugar distinto, pois obras como Da

Interpretação (1965) e O Conflito das Interpretações (1969)são sobretudo investigações dos diversos usos a que a lingua-gem enquanto discurso é submetida, ao passo que a Teoriada Interpretação oferece uma explicação da unidade da lin-guagem humana em vista dessa diversidade de funções. EmTeoria da Interpretação temos a filosofia da linguagem inte-gral de Paul Ricoeur.

Como resultado da apresentação inicial das conferências,manteve-se um seminário sobre a interpretação de textos eum simpósio acerca da linguagem na Texas Christian Univer-sity em 1975. O professor Ricoeur regressou á TCU para

tomar parte nesses acontecimentos e desenvolveu a sua teoria

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pelas crí ticas que fez nos ensaios apresentados pela faculdadeda TCU e pelos estudantes de muitas e diversas disciplinas.Tais acontecimentos indicam o poder desta teoria da interpre-tação e desta filosofia da linguagem. É nossa intenção pô-Iaagora à disposição de um auditório muito mais vasto, median-te a publicação da versão ampliada das conferências centená-

rias de Paul Ricoeur da TCU.Esta Universidade escolheu o que há de melhor no sabercontemporâneo para ajudar a celebrar o seu centenário eassim honrou adequadamente o professor Ricoeur pelo con-vite que lhe fez. Por seu turno, ele proporcionou-nos omelhor da sua investigação e honrou deste modo a Universi-dade, ajudando-nos a celebrar adequadamente o seu centená-rio. Estamos-lhe muito agradecidos ..

INTRODUÇÃO

Os quatro ensaios que constituem este volume baseiam--se em e ampliam as conferências que fiz na Texas ChristianUniversity de 27 a 30 de Novembro de 1973 como suas confe-rências centenárias. Podem ler-se ou como ensaios separados,ou também como aproximações graduais de uma soluçãopara um problema singular, o de compreender a linguagemao nível de produções como poemas, narrativas e ensaios,quer sejam literários ou filosóficos. Por outras palavras, oprograma central que está em jogo nos quatro ensaios é o dasobras; em particular, o da linguagem como obra.

Uma completa apreensão deste problema não se conse-gue antes de chegar ao quarto ensaio, que se ocupa de duasatitudes aparentemente antagónicas que podemos assumir aolidar com a linguagem enquanto obra; quero dizer, o conflitoaparente entre a explicação e_20mpreensão. CreIO, porém,que talc-õnflifO éapenas aparente eque pode vencer-se se forpossível mostrar que as duas atitudes se relacionam dialecti-camente entre si. Daí, pois que o horizonte das minhas liçõesseja constituído por essa dialéctica.

Se se puder dizer que a dialéctica entre a explicação e acompreensão fornece a referência última das minhas observa-ções, o primeiro passo a tomar nesta direcção deve ser deci-

sivo: devemos transpor o limiar para lá do qual a linguagemse apresenta como discurso. Por conseguinte, o tópico doprimeiro ensaio é o da linguagem como discurso mas, namedida em que só a linguagem escrita ostenta plenamente oscritérios do discurso, uma segunda concerne à amplitude dasmudanças que afectam o discurso quando já não é falado,mas escrito. Daí o título do meu segundo ensaio, "Fala eEscrita".. A teoria do texto que emerge desta discussão é apresen-tada mais à frente com a questão da plurivocidade, que per-tence não só às palavras (polissemia), ou mesmo a frases

(ambiguidade), mas a obras inteiras de discurso como poe-

Ted KleinPresidente do Departamento de Filosofia

Texas Christian UniversityFort Worth, Texas

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mas, narrativas e ensaios. O problema da plurivocidade, dis-cutido no terceiro ensaio, fornece a transição decisiva para oproblema da interpretação, redigido pela dialéctica da expli-cação e da compreensão, que, como indiquei, é o horizontede todo este conjunto de ensaios.

Desejo expressar a minha gratidão e o meu obrigado aos

elementos da Texas Christian University pela oportunidadeque me ofereceram de dar as lições que formam a base destaobra e também pela sua graciosa hospitalidade, durantea minha estadia ali. Foi para mim muito aprazível poder con-tribuir para a celebração do seu centenário.

1LINGUAGEM COMO DISCURSO

Os termos em que o problema da linguagem como dis-curso se discutirá neste ensaio são modernos no sentido deque não se teriam podido adequadamente formular sem otremendo progresso da linguística moderna. No entanto, se ostermos são modernos, o problema em si não é novo. Foisempre conhecido. No Crátilo, Platão já mostrara que o pro-blema da "verdade" das palavras isoladas ou nomes devepermanecer indecidido porque a denominação não esgota opoder ou a função da fala. O logos da linguagem requer, pelomenos, um nome e um verbo e é o entrelaçamento destas

duas palavras que constitui a primeira unidade da linguageme do pensamento. E mesmo esta unidade suscita uma preten-são à verdade; a questão tem ainda de decidir-se em cadacaso.

O mesmo problema reaparece em obras mais madurasde Platão como o Teeteto e o Sofista. A questão aí é decompreender como é que o erro é possível, isto é, como épossível dizer o que não se verifica, se falar significa sempredizer alguma coisa. Platão é, de novo, forçado a concluir queuma palavra por si mesma não é verdadeira nem falsa,embora uma combinação de palavras possa significar algumacoisa e, no entanto, nada apreende. O suporte deste paradoxoé, mais uma vez, ~r~ não a palavra.

Tal é o primeiro contexto em cujo seio se descobriu oconceito de discurso: o erro e a verdade são "afecções" dodiscurso, e o discurso exige dois signos básicos - um nome egm verbo - que se conectam numa síntese que vai além dasj?.alavras; Aristóteles diz a mesma coisa no seu tratádo DaInterpretação. Um nome tem um significado e um verbo tem,além do seu significado, uma indicação do tempo. Só a suaconjunção produz um elo predicativo, que se pode chamarlogos, discurso. Esta unidade sintética é que comporta oduplo acto de afirmação e negação. Uma afirmação pode ser

contradita por outra afirmação e pode ser verdadeira ou falsa.

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Este breve sumano do estádio arcaico do nosso pro-blema pretende lembrar-nos da antiguidade e da continuidadedo problema da linguagem enquanto discurso. Porém, ostermos em que agora o discutiremos são inteiramente novos,porque tomam em consideração a metodologia e as descober-tas da linguística moderna.

Nos termos desta linguística, o problema do discursotornou-se um problema genuíno, porque o discurso podeagora opor-se a um termo contrário que não era reconhecidoou tido como garantido pelos filósofos antigos. 9 termooposto é_~ o objecto autónomo da investigação científica.É o código linguíst ico que fornec~ uma estrutu!.!LesQecífic~cada um dos sistemas linguísticos, que agora conhecemoscõiüõãS diversas llnguaslaladas· pelas diversas comunidadeslinguísticas. oCLínguasignifica, pois, aqui algo de diferente dac.~E.acidadegeral de falar o.u da competênCia comum de falar.Desigga a estrutura articular do sistema lin ístico particular.

- Com as palavras "estrutu'fã"e "sistema" umá nova pro-blemática emerge que tende, pelo menos inicialmente, a pos-por, se é que não a cancelar, o problema do discurso, que écondenado a retroceder do primeiro plano da preocupação ea tornar-se um problema residual. Se o discurso ~e, paranós, é problemático é porque as principais realizações da lin-guística dizem res eito à.lingua enquanto estruturg esistema,e não enqüãnto usada. A nossã1ã"fefã será, portanto, libertaro discurso o seu exílio marginal e precário.

. - - -esta dicotomia ulcra igam-se várias distinções subsi-diárias. Uma mensagem é individual, o seu código é colectivo.{fortemente influenciado por Durkheim, Saussure conside-~nguística como um·ra~<) JãSõ'ciologiã".) A mensageme o código não pertencem ao tempo da mesma maneira. Umamensagem é um evento temporal na sucessão de eventos que

constituem a dimensão diacrónica do tempo, ao passo que ocódigo está no tempo como um conjunto de elementos con-temporâneos, isto é, como um sistema sincrónico. Uma men-sagem é intencional; é intentada por alguém. O código é an9.-mmo e não intentado. Neste sentido, é inconsciente, não no'sentido em que os impulsos e tendências são inconscientessegundo a metapsicologia freudiana, mas, no sentido de uminconsciente estrutural e cultural não libidinal.

Mais do que qualquer outra coisa, uma mensagem éarbitrária e contingente, ao passo que um código é sistemá-tico e compulsório para uma dada comunidade linguística.

Esta última oposição reflecte-se na afinidade de um códigopara a investigação científica; sobretudo num sentido dapalavra ciência que sublinha o nível quase algébrico dascapacidades combinatórias, implicadas por tais conjuntosfinitos de entidades discretas como sistemas fonológicos. Iexi-

<.cais e sintácticos. E mesmo se a parole pode escrever-se cien-tificamente, cai sob a alçada de muitas ciências, incluindo aacústica, a filosofia, a sociologia e a história das mudançassemânticas, ao passo que a langue é o objecto de uma únicaciên~i~.? a de~crição dos Sistemas sincrónkos da lingUaEem.. Este rápido panorama das principais dicotomias estabe-

I~CId~spor Saussu~e é suficiente para mostrar porque é que aIinguística conseguiu progredir sob a condicção de pôr entreparênteses a m.ensagem por mor do código, o evento por mordo -sistema, a intenção por mor da estrutura, e a arbitrarie-dade do acto pela sistematicidade das combinações dentro desistemas sincrónicos.. 2 .- eclipse do discurso foi, ademais, encorajado pela ten-tativa que se fez de estender o modeloesfrutural para alémdo seu lugar de nascimento na linguística e pela consciênciasistemática dos requisitos teóricos implicados no modelo lin-guístico enquanto modelo estrutural.

A extensão do modelo estrutural diz-nos respeito direc-

tamente, na medida em que o modelo estrutural se aplicou às

Langue e Parole: O Modelo Estrutural

A recessão do problema do discurso no estudo contem-porâneo da linguagem é o preço que devemos pagar pelastremendas realizações levadas a cabo pelo famoso Cours delinguistique général do linguista suíço Ferdinand de Saus-sure (I). A sua obra funda-se numa distinção fundamentalentre ..!!linguagem como langue e como parole, que configu-rou forte~nte a linguística moderna. (Note-se que Saussure

~ --~não falou de ISCurSO"mas de "paroM'. Mais tarde, entende-remos porquê.) Y!!lK.lfe é o CÓdIgOou o conjunto de código~- sobre cuja base falante o particular produz a ~ como

um~tp.ensagem particular.

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mesmas categorias de textos que são o objecto da nossa teo-ria da interpretação. Originalmente, o modelo dizia respeito aunidades mais pequenas do que a frase, os signos dos siste-mas lexicais e as unidades discretas dos sistemas fonológicos,de que se compõem as unidades significativas lexicais. Noentanto, ocorreu uma extensão decisiva com a aplicação do

modelo estrutural a entidades l inguísticas mais amplas do quea frase e também a entidades linguísticas semelhantes aostextos da comunicação linguística.

No tocante ao primeiro tipo de aplicação, o tratamento.dos contos pelos formalistas russos, como V. Propp (2), assi-nala uma viragem decisiva na teoria da literatura, especial-mente no que se refere à estrutura narrativa das obras literá-rias. A aplicação do modelo estrutural aos mitos por ClaudeLévi-Strauss const itui um segundo exemplo de uma aborda-gem estrutural a séries longas de discurso; uma abordagemanáloga mas, no entanto, independente, do tratamento for-

mal do folclore proposto pelos formalistas russos.Relativamente à extensão do modelo estrutural às enti-dades não linguísticas, a aplicação pode ser menos espectacu-lar - incluindo, como faz, sinais de tráfego, códigos culturaiscomo modos de estar à mesa, vestuário, códigos habitacionaise residenciais, padrões decorativos, etc. - mas é teoricamenteinteressante, por fornecer um conteúdo empírico ao concei tode semiologia ou semântica geral, que foi desenvolvida inde-pendentemente por Saussure e por Charles S. Peirce . ..A Jin :guísticª torna-se aqui uma província da teoria geral dos sig-

::Jiõs:-emborã seja uma províiicia que tem o privilégio se sersimultaneamente uma espécie e um exemplo paradigmático

de um sistema sígnico.Esta última extensão do modelo estrutural implica já

uma apreensão teórica dos postulados que governam a semio-logia em geral e a linguística estrutural em part icular. Toma-dos conjuntamente, tais postulados definem e descrevem omodelo estrutural como um modelo.

.frimei.t:.o, uma aborda em sincr9nica d!y-e_PIYcederqual-quer abordagem diacrónica, porque os sistemas são mais inte-ligíveisdo queã"Smudanças. Quando muito, uma mudança éuma mudança, parcial ou global num estado de um sistema.Por conseguinte, a história das mudanças deve vir depois da

teoria que descreve os estados sincrónicos do sistema. Este

pri~eir~ p~s.tulado expressa a emergência de um novo tipode inteligibilidade, directamente oposto ao historicismo doséculo XIX. Em segundo lugar, o caso paradigmático parauma ab~rdagem estrutural é o de um conjunto finito de enti-dades discretas. A primeira vista, os sistemas fonológicospodem parecer satisfazer este segundo postulado mais direc-

tamente do que fazem os sistemas lexicais, onde o critério definitude é mais difícil de aplicar concretamente. Contudo aideia de um léxico infinito permanece, em princípio, absurda.A vantagem teórica dos sistemas fonológicos - apenas umasquantas .dúzi?s. de signos dist intivos caracterizam qualquersIs.tema linguístico dado - explica porque é que a fonologiaveio para o pnrneiro plano dos estudos linguísticos, a seguir àobra deSaussure, embora '!. fonologia .constituísse, para ofundador da l inguíst ica estrutural, apenas uma..ciência auxi-iar_ p~ra ,o. núcleo. da Iinguística: _a semântica A posiçãopàrâdigmática dos SIstemas constituídos por conjuntos finitos

de entidades discretas reside na capacidade combinatória enas possibilidades quase algébricas que pertencem a tais con-jun~os. !~i~ .capaci?ad~s e possibilidades enriquecem o tipo~e lllte~I1?IbIhdade instituído pelo .,primeiro postulado, o da.slllcrolllcIdade

.ê?Js!.ceiro lugar, em tal sistema, nenhuma entidade quepertença à est~utura do sistema tem um significado por simesma; o sentido de uma palavra, por exemplo, resulta dasua oposição a outras unidades lexicais do mesmo sistema.,.Çomo .§aussure disse, Jlum sistema de signos, há_apenas dife-Jenças, mas nªo uma existência substancial. Este postuladodefine as l?ropriedadesformais das ent idades linguísticas opon-do-se aqui formal a substancial, no sentido de uma existênciapositiva autónoma das entidades em jogo na linguística e emgeral, na semiótica. '

[Em quarto lugar" em tais sistemas finitos, todas as rela-_. J.

çoes sao imanentes ao SIstema. Nesse sentido os sistemasl..ePlió.t icos são "fechados", isto é, sem relações' êõffia reali-_dade exte.;na folãose~iótica~ À aefinição do sig~o dada porSaussure implicava ja este postulado: em vez de se definirpela relação externa entre o signo e uma coisa, relação essatornaria a l inguíst ica dependente de uma teoria das entidadesextraliuguístícas, .o,","s~gJ10_efi e-se or uma oposição entre"

-- 5l0IS asp~ctos qu~~e I~serem ,ambos dentro da circunspecção

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de uma única ciência a dos signos. Estes dois aspectos são osignificante - por exemplo, um sem, u~ ~adrão escrito, umgesto ou qualquer meio físico - e o Ingmfic~do. - Q .. . valor,diferencial no sistema lexical. O facto de 2...slg~~ficante e o- significado admitirem dois tipos d~ferentes de analise - fono~lógica no primeiro cas?, semâ~tlca n_o se,gundo - m~s, ~oconjuntamente constitUlrem o signo, nao so fornece ~ cntenopara os signos tínguístícos, mas ta~b~m por extensao, o d~sentidades de todos os sistemas semióticos, qu~ s,e.podem defi-nir com a condição de se "enfraquecer" esse cnteno. .

O último postulado basta, só por si, para caractenzar ~estruturalismo como um modo global de p_ensamento, ~ara Ia. de todos os aspectos técnicos da sua metodologia. A lmgua-gem já não apareçe ~omo uma m~di~ção entre as mentes e as·coisas. Constitui um mundo propno, dentro do qual ca~aeiemento se refere apenas a outros elementos do m~smo SIS-tema, graças à acção recíproca das opos~ções e dl~~re~ça~

constitutivas do sistema. Numa palavra~!!.nBl!.a?em ja n~o ~tratada como uma "forma. de vida", com? Wlttgenstem_ achamaria, mas como' o sistema auto~s.uficlente de relaçoes

internas,Neste ponto, extremo, _a linguagem desapareceu corno.

discufso.,

Semântica versus Semiótica: a Frase

A esta abordagem unidimensional da linguagem, para a

qual os signos são as únicas entidades básicas,. quero oporuma abordagem bidimensional, ~ar~ a qu~l a linguagem ~funda~Jlas entidades irredutlv~, ~ Sl@QSe as frases.Esta dualidade não coincide com a de Z a n g u e e paroZe , comoforam definidas por Saussure no seu C o ur s d ~ l in !5 !" 'i st iq u e

générale, ou mesmo como essa dualid~d~ foi mais tardereformulada enquanto oposição entre código e mensa~em.Na terminologia de Zangue e paroZe , apenas a Zangue e umobjecto homogéneo para uma ciên~ia ~n~ca, graças às pro-priedades estruturais dos sistemas sm~ro~l.coS. Pa,:oZe" c?modissemos, é heterogénea, além de ser individual , dlacromca econtingente. Mas a paroZe a· resenta também uma .e~t~utura

que é irredutíve1 num sentido específico ao das possIbIlIdades

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combinatórias abertas pelas oposições entre entidades discre-tas. Esta estrutura é 1!....construçãos intética da ró ria frase. enquanto distinta de qualquer combjnaçãn., nalítica de enti-.dades discretas. A minha substi~ termo "discurso" aode ' 'paroZe' ' (que exprime apenas o aspecto residual de umaciência da "Zangue") visa não só salientar a especificidade

desta nova unidade em que se apoia todo o discurso, mastambém legi timar a distinção entre a semiótica e a semânticacomo as duas ciências que correspondem a duas espécies deunidades características dslingyagem, o signrn fr.a~ ----Além-disso as duas ciências não só são distintas masreflectem igualmente uma ordem hierárquica. O objecto dasemiótica --4"0 signo~ é meramente virtual. Apenas a rase é

'I -- -- - -- .,. .-. t -' -. : : - I~ \.~~tu~l enq?anto genuíno acontecimento da fai~nao e possível passar da palavra, enquanto signo léxica parafrase, por simples extensão da mesma metodologia a umaentidade ma~s complexa. ,A frase não é uma palavra mais

ampla ou mais complexa. ~e. Pode decom-por-se em palavras, mas as palavras são algo de diferente defrases curtas. Uma frase é um todo irredutível à soma dassuas partes. É constituída por palavras, mas não é uma fun-ç~o derivativa d.as suas p~la;ras. Uma fr~põ~e~_mas ~Sl mesma nao.e um SIgno.

Nao existe, por consegumte, nenhuma progressão lineardo fonema para o lexema e, em seguida, para a frase e paratotalidades linguísticas mais amplas do que a frase. Cadaestádio requer novas estruturas e uma nova descrição. A rela-ção entre as duas espécies de entidades pode expressar-se daseguinte maneira, de acordo com a sanscritista francês Emile

Benveniste: a linguagem baseia-se na possibilidade de doistipos de operações, a integração em todos mais vastos e adissociação nas partes constitutivas. O sentido promana daprimeira operação; a forma, da segunda.

A distinção entre as duas espécies de linguística - asemiótica e a semântica - reflecte esta rede de relações. A~ciência dos signos, é formal na medida em que se~da....!la dissociação da.Jíngua ~empartes constitutivas. A

", .. ",. "" - ~- • . . . . •_ se~tlca, a CIenCIa da fraset diz imediatamente re~peito ao -conceito del sentidol( que, neste momento, se pode considerar~ signif icação, antes de se introduzir mais à

frente 'a distiiÍÇãõ'êri'ti=êSenfido e referência), na medida em

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que a semântica se define fundamentalmente mediante proce-dimentos integrativos da linguagem.

Quanto a mim, a distinção entre semântica e semiótica éa chave de todo o problema da linguagem, e os meus quatroensaios baseiam-se nesta decisão metodológica inicial. Comodisse nas observações introdutórias, esta distinção é simples-

mente uma revalorização do argumento de Platão no Crátiloe no Teeteto, segundo o qual o logos se funda no entreteci-mento de, pelo menos, duas entidades diferentes, o nome e overbo. Mas, noutro sentido, esta distinção exige hoje maissofisticação por causa da existência da semiótica enquantomoderna contraparte da semântica.

A Dialéctica de Evento e Significação

s~~ântica do discurso deve ser rectificar a fraqueza epistemo-lógica da parole, avançando do carácter fugaz do eventoenquanto oposto à estabilidade do sistema relacionando-ocom ~ prioridade ontológica do discurso,' que resulta daactualidade do evento enquanto oposto à mera virtual idadedo sistema.

É verdade que só a mensagem possui uma existênciatemporal, uma existência na duração e na sucessão' e como oaspect? sincronístico do código põe o sistema fora' do temposuceSSIVO,então a existência temporal da mensagem dá tes-temunho da sua actualidade. De facto, o sistema não existe.Tem apenas uma existência virtual. Unicamente a mensagemproporciona actualidade à língua e o discurso funda a exis-tência genuína da língua, visto que só os actos de discursodiscretos e únicos em cada tempo actualizam o código.

Mas, este primeiro critério, por si só, seria mais engana-dor do que elucidativo, se a "instância do discurso" como a

chama Benveniste, fosse meramente o acontecimento evanes-ce~te: Então a ciência estaria justificada em pô-lo de lado e apnonda?e ?ntológica do discurso seria insignificante e semconsequencias, No entanto, um acto do discurso não é sim-plesmente transitório e evanescente. Pode identificar-se ereidentificar-se como o mesmo, de maneira que o possamosdizer novamente ou por outras palavras. Podemos até dízê-lonoutra língua ou traduzi-l o de uma língua para outra. Aolongo de todas as transformações preserva uma identidadeprópria, que pode chamar-se o conteúdo proposicional o"dito enquanto tal". '

Temos, pois, de reformular o primeiro critério - o dis-curso como evento - de um modo mais dialéctico a fim dese tomar em consideração a relação que constitui o discursoenquanto t~l, a relação entre evento e significado. Mas, antesde conseguirmos apreender esta dialéctica como um todoconsideremos o lado "objectivo" do evento da fala. '

A parte seguinte deste ensaio será consagrada à busca de

critérios adequados para diferenciar a semântica e a semió-tica. Construirei os meus argumentos a partir da convergên-cia de várias abordagens que, por diversas razões, têm a vercom a específicidade da linguagem como discurso. Estasabordagens são a linguística da frase, que fornece o títulogeral de semântica; e a fenomenologia da significação, quederiva da primeira Investigação lógica de Husserl (3 ); e o tipode "análise linguística", que caracteriza a descrição filosóficaanglo-americana da "linguagem comum". Todas estas realiza-ções parciais se reunirão sob um título comum, a dialética deevento e signif icação no discurso, para o qual descreverei emprimeiro lugar o pólo do evento, em seguida, o pólo da signi-

ficação enquanto componentes abstractas desta polaridadeconcreta.

Discurso como Evento

Partindo da distinção saussuriana entre langue e parolepodemos dizer, pelo menos de um modo introdutório, que o@scurso é o evento da linggagem, Para urna linguística apli-cada à estrutura dos sistemas, a dimensão temporal desteevento exprime a fraqueza epistimológica de uma linguísticada parole. Os eventos esvanecem-se, enquanto os sistemas

permanecem. Por conseguinte, o primeiro passo de uma

Discurso como Predica ção

Considerada do ponto de vista do conteúdo proposicio-nal, ? f~se pode caracteriz~r-se QQ ! um único traço distintivo:..!e~.!:!!!!..2realcaao. Como observa Benveniste, o sujeito gra-

matical pode faltar, mas não o predicado. Mais ainda, esta

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nova unidade não se define pela oposição a outras unidades,como um fonema a outro fonema ou um lexema a outrolexema no interior de um sistema. Não há diversas espéciesde predicados; ao nível dos categoremas (categorema, emgrego=praedicatum, em latim), existe precisamente uma espé-cie de expressão linguística, a proposição, que constitui umaclasse de unidades dist intivas. Por conseguinte, não há nenhu-ma unidade de .uma ordem superior que possa fornecer umaclasse genérica à frase concebida como uma espécie. É possí-vel conectar proposições segundo uma ordem de concatena-ção, mas não integrá-Ias.

Este critério linguístico pode relacionar-se com descri-ções estabelecidas pelos teóricos da linguagem comum. Opredicado, que, como afirma Benveniste, é o único facto r"indisQensável da frase, faz sentido nos casos aradigmátlcosOnde as suas "fun.c_ões''Se.podem)ig<!~_~....op_oL "função" do.. suoe~ico. Assim, uma característica importante do predi-cado vem para primeiro plano com base na antítese entre o

predicado e o sujeito. Enquanto o sujeito genuinamentelógico é o suporte de uma identificação singular, o que o pre-dicado diz do sujeito pode sempre tratar-se como uma carac-terística "universal" do sujeito ..Sujeito e predicado não fazemo mesmo trabalho na proposição. O sujeito pega em algo desiJ!gular - Pedro, Londres, esta ~, a queda de Roma, oprimeiro homem que subiu ao Evereste, etc. - mediantevários dispositivos gramaticais que servem esta função lógica:nomes próprios, pronomes demonstrativos (este e aquele,agora e então, aqui e ali, tempos do verbo enquanto relacio-nados ao presente) e "descrições definidas" (assim e assado).

O que todos eles têm em comum é que identificam um só eapenas um só elemento:.. O predicad0t-~lo contrário, designa

•... uma espécie de qualidade, uma classe de coisas, um ipo de- .. . • ~- -.relação ou um tipo de acção.

A polaridade fundamental entre identificação singular ea predicação universal proporciona um conteúdo específicoà noção de proposição concebida como o objecto do eventoda fala. Mostra que o discurso não é simplesmente um eventoevanescente e, como tal, uma entidade irracional, como pode-ria sugerir a oposição simples entre parole e langue. O dis-curso tem uma estrutura própria, mas não é uma estrutura no

sentido analítico do estruturalismo, isto é, como um poder

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combinatório baseado nas oposições prévias de unidades dis-cretas. É, antes, uma estrutura no sentido sintético, isto é,como o entrelaçamento e o efeito recíproco das funções deidentificação e predicação numa só e mesma frase.

A Dialéctica do Evento e Significação

O discurso considerado quer como um evento ou umaproposição, isto é, como uma função predicativa combinadacom uma identificação, é uma abstracção que depende dotodo concreto que é a unidade dialéctica de evento e signifi-cação na frase. Esta constituição dialéctica do discurso pode-ria passar-se por alto numa abordagem psicológica ou exis-tencial, que se concentraria no efeito recíproco das funções,na polaridade da identificação e da predicação universal. Atarefa de uma teoria concreta do discurso consiste em tomartal dialéctica como sua directriz. Qualquer ênfase no conceitoabstracto de um evento de fala justifica-se apenas como ummodo de prostesto contra uma redução anterior mais abs-tracta da linguagem, a redução dos aspectos estruturais dalinguagem como langue, pois a noção de fala, enquanto acon-tecimento, fornece a chave para a transição de uma linguís-tica do código para uma linguística da mensagem. Recorda--nos que o discurso se realiza temporalmente e num momentopresente, ao passo que o sistema da língua é virtual e fora dotempo. Mas, este traço aparece somente no movimento deactualização da língua para o discurso. Por conseguinte, todaa apologia da fala como evento é significativa se e somente setorna visível a relação de actualização, graças à qual a nossa

competência linguística se actualiza na performance.Mas esta mesma apologia torna-se abusiva logo que o

carácter de evento se estende da problemática da actualiza-ção, onde é válido, a outra problemática, a da compreensão.Se todo o discurso se actualiza como um evento, todo o dis-'-- -- -~ - - - - - . . . .-_curse: é co,!!pree!}d.!!!.ocomo significação. ~ão ousentido desl no aqui "o conteu o Qroposic.iQnal,_ que iusta-mente descrevi como-síntese de duas funções: a.identífica ãü.e a prediciÇão. NãOé" à evento, enquantõ t;an;itório, quequeremos compreender, mas a sua significação - o entrela-çamento do~nome e do verbo, para falar como Platão -

enquanto dura.

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Ao dizer isto, não estou a dar um passo atrás da linguís-tica da fala (ou discurso) para a linguística da língua (comoZangue). É na linguística do discurso que o evento e a signifi-cação se articulam. A supressão e superação do evento nasignificação é uma característica do próprio discurso. Atesta aintencionalidade da linguagem, a relação de noese e noema

dentro dela. Se a linguagem é um meinen, um intentar, issodeve-se precisamente à Aujhebung, pela qual o evento é can-celado como algo de meramente transitório e retido como omesmo significado.

Antes de tirar a principal consequência da interpretaçãodialéctica do evento de fala para o nosso empreendimentohermenêutico, elaboremos de modo mais completo e tambémmais concreto a própria dialéctica, na base de alguns corolá-rios importantes do nosso axioma: isto é se todo ~ ~iscursose actualiza como um ~veri~o, é compreendido como signifi-

cação.

o Significado do Locutor e Significado da Enunciação

A Auto-referência do Discurso

o conceito de significação admite duas interpretaçõesque reflectem a dialéctica principal entre evento e sentido.Significar é o que o falante quer dizer, isto é, o que intentadizer e o que a frase denota, isto é, o que a conjunção entre afunção de identificação e a função predicativa produz. Poroutras palavras, a significação é noética e noemática. Pode-

mos conectar a referência do discurso ao seu falante com olado eventual da dialéctica. O evento é alguém falando. Nestesentido o sistema ou código é anónimo, na medida em que émeramente virtual. As línguas não falam, só as pessoas. Maso lado proposicional da auto-referência do discurso não devedescurar-se, se é que o significado do locutor utterer's mea-ning, para usar um termo de Paul Grice, se não deve reduzira uma simples intenção psicológica. O significado mental emmais nenhum lado se pode encontrar a não ser no própriodiscurso. O significado do locutor tem a sua marca no sentidoda enunciação. Como?

A linguística do discurso, que chamamos semântica,

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para a distinguir da semiótica, fornece a resposta. A estruturainterna da frase refere-se ao seu falante através de procedi-mentos gramaticais, que os linguistas chamam "conectores"(shifters). Os pronomes pessoais, por exemplo, não têm signi-ficado objectivo. "Eu" não é um conceito. É impossívelsubstituir-lhe uma expressão universal como "aquele que estáagora a falar". A sua única função é referir toda a frase aosujeito do evento da fala. Tem um novo significado sempreque é usado e sempre se refere a um sujeito singular. "Eu" éaquele que, ao falar, aplica a si mesmo a palavra "eu", queaparece na frase como um sujeito lógico. Há outros conecto-res, outros suportes gramaticais da referência do discurso aoseu falante. Incluem os tempos do verbo, na medida em quese centram em torno do presente e, por conseguinte, se refe-rem ao "agora" do evento da fala e do falante. A mesmacoisa se verifica com os advérbios de tempo e de espaço ecom os demonstrativos que podem considerar-se como parti-culares egocêntricos. Por conseguinte, o discurso tem muitos

modos substituíveis de se referir ao falante.Mediante a atenção aos dispositivos gramaticais da auto-

-referência do discurso, obtemos duas vantagens. Por umlado, conseguimos um novo critério da diferença entre dis-curso e códigos linguísticos. Por outro, somos capazes defornecer uma definição não psicológica, porque puramentesemântica, do significado do locutor. Nenhuma entidademental precisa de ser hipotetizada ou hipostasiada. O sentidoda enunciação aponta para o significado do locutor graças à

auto-referência do discurso a si mesmo enquanto aconteci-mento.

Esta abordagem semântica é reforçada por outras duascontribuições à mesma dialéctica do evento e da proposição.

Actos Locucionários e l/ocucionários

A primeira é a bem conhecida análise linguística (no sen-tido anglo-americano do termo) do "àcto de linguagem". J. L.Austin foi o primeiro a notar que os "performativos" -comopromessas - implicam um empenhamento específico dofalante, que faz o que diz ao dizê-lo. Ao dizer "prometo", elepromete efectivamente, isto é, coloca-se sob a obrigação de

fazer o que diz que há-de fazer. O "fazer" do dizer pode

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comparar-se ao pólo acontecimental na dialéctica do evento eda significação. Mas este "fazer" segue também regras semân-ticas que são exibidas pela estrutura da frase: o verbo deveser o da primeira pessoa do indicativo. Aqui também uma"gramática" específica suporta a força performativa do dis-curso. Os performativos são apenas casos part iculares de uma

característica geral exibida por toda a classe de actos da lin-guagem, quer sejam ordens, desejos, perguntas, advertênciasou asserções. Todas elas, além de dizerem algo (o acto locu-tionário), fazem algo ao dizer (o acto ilocucionário) e produ-zem efeitos por o dizerem (o acto perlocucionário).

O acto ilocucionáro é o que distingue uma promessa deuma ordem, de um desejo ou de uma asserção. E a "força" doacto ilocucionário apresenta a mesma dialéctica de evento esignificação. Em cada caso, uma "gramática" específica cor-responde a uma certa intenção para a qual o acto ilocucioná-rio exprime a "força" distintiva. O que se pode expressar emtermos psicológicos como acreditar, querer ou desejar, éinvestido de uma existência semântica graças à correlaçãoque existe entre estes dispositivos gramaticais e o acto ilocu-

cionário.

o Acto lnterlocucionário

A outra contribuição para a dialéctica do evento e doconteúdo proposicional é fornecida pelo que se poderia cha-mar o acto interlocucionário, ou acto alocucionário, parapreservar a simetria com o aspecto ilocucionário do acto da

fala.Um aspecto importante do discurso é que ele é dirigido a

alguém. Há outro falante que é o endereçado do discurso. Apresença do par, locutor e ouvinte, constitui a linguagemcomo comunicação. O estudo da linguagem a partir do pontode vista da comunicação não começa, no entanto, com asociologia da comunicação. Como Platão afirma, o diálogo éuma estrutura essencial do discursso. Perguntar e respondersustentam o movimento e a dinâmica do falar e, em certosentido não constituem um modo de discurso entre outros.Cada acto ilocucionário é uma espécie de pergunta. Asseriralguma coisa é esperar acordo, tal como dar uma ordem é

esperar obediência. Mesmo o solilóquio - o discurso solitá-

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rio - é um diálogo consigo mesmo ou, para citar mais umavez Platão, a dianoia é o diálogo da alma consigo mesma.Alguns linguistas tentaram reformular todas as funções dalinguagem como variáveis dentro de um modelo omni-englo-bante para o qual a chave é a comunicação. Roman Jakob-son, por exemplo, parte da tríplice relação entre falante,

ouvinte e mensagem e acrescenta, em seguida, três outros fac-tores complementares, que enriquecem o seu modelo. Sãoeles, código, contacto e contexto. Com base neste sistema deseis factores, estabelece um esquema de seis funções. Ao locu-tor corresponde a função emotiva, ao ouvinte a conativa, àmensagem a função poética. O código designa a função meta-linguística, ao passo que o contacto e contexto são os supor-tes das funções fática e referencial.

Este modelo é interessante porque: (1) descreve directa-mente o discurso e não um resíduo da língua; (2) descreveuma estrutura do discurso, e não apenas um evento irracio-nal, e (3) subordina a função do código à operação conectora

da comunicação.Mas por sua vez, este modelo exige uma investigação

filosófica que possa ser proporcionada pela dialéctica deevento e significação. Para o linguista, a comunicação é umfacto e mesmo até o facto mais óbvio. As pessoas, efectiva-mente, falam umas às outras. Mas, para uma investigaçãoexistencial, a comunicação é um enigma e até mesmo ummilagre. Porquê? Porque o estar junto, enquanto condiçãoexistencial da possibilidade de qualquer estrutura dialógicado discurso, surge como um modo de ultrapassar ou de supe-rar a solidão fundamental de cada ser humano. Por solidão

não quero indicar o facto de, muitas vezes, nos sentirmosisolados como numa multidão, ou de vivermos e morrermossós, mas, num sentido mais radical, de que o que é experien-ciado por uma pessoa não se pode transferir totalmente comotal e tal experiência para mais ninguém. A minha experiêncianão pode tornar-se directamente a vossa experiência. Umacontecimento que pertence a uma corrente de consciêncianão pode transferir-se como tal para outra corrente de cons-ciência. E, no entanto, algo se passa de mim para vocês, algose transfere de uma esfera de vida para outra. Este algo não éa experiência enquanto experienciada, mas a sua significação.

Eis o milagre. A experiência experienciada, como vivida,

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permanece privada, mas o seu sentido, a sua significaç~otorna-se pública. A comunicação é, deste modo, a superaçaoda radical não comunicabilidade da experiência vivida enquan-to vivida.

Este novo aspecto da dialéctica de evento e significaçãomerece atenção. O evento não é apenas a experiência enquan-

to expressa e comunicada, mas também a própria troca inter-subjectiva, o acontecer do diálogo. A instância do di~curso .éa instância do diálogo. O diálogo é um evento que liga dOISeventos, o do locutor e o do ouvinte. É em relação ao eventodialógico que a compreensão como significação é homógenea.Daí a questão: que aspectos do próprio discurso são significa-tivamente comunicados no evento do diálogo?

Uma primeira resposta é óbvia. O que se pode comuni-car é, antes de mais, o conteúdo proposicional do discurso; eretrogradamos assim para o nosso critério principal - o dIS-curso como evento mais o sentido. Porque o sentido de umafrase é, por assim dizer, "externo" à frase, pode transferir-se;a exterioridade do discurso a si mesmo - que é sinónima daautotranscendência do evento na sua significação -abre odiscurso ao outro. A mensagem tem o fundamento da suacomunicabilidade na estrutura da sua significação. Isto impli-ca que comunicamos a síntese da' função de identificação (daqual o sujeito lógico é o suporte e a função predicativa (que épotencialmente universal). Ao falarmos a alguém, ~pont~~ospara a única coisa que queremos dizer graças aos dlSpOSIt1VOSpúblicos dos nomes próprios, demonstrativos e descriçõesdefinidas. Ajudo o outro a identificar o mesmo elemento parao qual aponto, graças aos dispositivos gramaticais que forne-

cem uma experiência singular com uma dimensão pública. Omesmo se verifica com a dimensão universal do predicado,comunicada pela dimensão genérica das entidades lexicais.

Naturalmente, este primeiro nível de compreensão mútuanão se dá sem algum mal-entendido. As nossas palavras nasua maioria são polissémicas; têm mais de um significado.Mas a função contextual do discurso é, por assim dizer, fil-trar a polissemia das nossas palavras e reduzir a pluralidadedas interpretações possíveis, a ambiguidade do discurso queresulta da polissemia não fil trada das palavras. E a função dodiálogo é iniciar esta função de filtragem do contexto. O con-

textual é o diálogo. É neste sentido preciso que o papel con-

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textual do diálogo reduz o campo do mal-entendido a propó-sito do conteúdo proposicional. E consegue, em parte, superara não comunicabilidade da experiência.

No entanto, o conteúdo proposicional é apenas o corre-lado do acto locucionário. E que dizer da comunicabilidadedos outros aspectos do acto da linguagem, especialmente o

acto ilocucionário? É aqui que se revela mais complexa a dia-léctica do acto e da estrutura, do evento e da significação.Como pode o carácter do discurso, que é ou constatativo ouperformativo, ser um acto de asserir alguma coisa ou deordenar, desejar, prometer e admoestar, ser comunicado ecompreendido? Mais radicalmente, podemos nós comunicaro acto de linguagem enquanto acto ilocucionário?

Sem dúvida, é mais fácil confundir um acto ilocucioná-rio com outro acto ilocucionário do que entender mal umacto proposicional. A principal razão é que os factos não lin-guísticos se encontram entrelaçados com as marcas linguísti-cas, e estes factores - que incluem fisionomia, gestos eentoação da voz - são mais difíceis de interpretar porquenão se fundem em unidades discretas, e os seus códigos sãomais instáveis e a sua mensagem mais fácil de ocultar ou falsi-ficar. No entanto o acto ilocucionário não está desprovido demarcas linguísticas, as quais incluem o uso dos modos grama-ticais como o indicativo, o conjuntivo, o imperativo e o opta-tivo, bem corno so tempos dos verbos e os termos adverbiaiscodificados ou outros dispositivos perifrásticos equivalentes.A escrita não só preserva as marcas linguísticas da enuncia-ção oral, mas também acrescenta sinais distintivos suplemen-tares como os sinais de citação, os pontos de exclamação e de

interrogação, para indicar as expressões fisionómicas e ges-tuais, que desaparecem quando o locutor se torna um escri-tor. Por conseguinte, os actos ilocucionários podem, de mui-tos modos, comunicar-se ao ponto de a sua "gramática"fornecer o evento com uma estrutura pública.

Sinto-me inclinado a dizer que o acto perlocucionário-o que fazemos por meio do acto de falar - assustar, sedu-zir, convencer, etc. - é o aspecto menos comunicável do actode ,linguagem, porquanto o não linguístico tem prioridadesobre o linguístico em tais actos. A função perlocucionária é,pois, a menos comunicável porque é menos um acto inten-

cional, exigindo uma intenção de reconhecimento por parte do

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ouvinte, do que uma espécie de "estímulo", que gera uma"resposta" num sentido comportamental. A função perlocu-cionária ajuda-nos antes a identificar a fronteira entre ocarácter de acto e o carácter de reflexo da linguagem.

Os actos locucionários e ilocucionários são actos - e,por conseguinte, eventos - na medida em que a sua intenção

implica a intenção de serem reconhecidos pelo que são: umaidentificação singular, predicação universal, enunciado, ordem,desejo, promessa, etc. (4). Este papel de reconhecimento permi-te-nos dizer que a intenção de dizer é, até certo ponto, tam-bém comunicável. A intenção tem efectivamente um aspectopsicológico que é experimentado enquanto tal só pelo locu-tor. Na promessa, por exemplo, existe um compromisso;numa asserção, uma crença; num desejo, uma carência; etc.,que constituem a condição psicológica do acto de linguagem,se seguirmos a análise de John Searle (5). Mas estes "actosmentais" (Peter Geach) não são radicalmente incomunicáveis.

A sua intenção implica a intenção de serem reconhecidos, porconseguinte, a intenção da intenção do outro. Esta intençãode ser identificável, reconhecido como tal pelo outro, é parteda própria intenção. No vocabulário de Husserl, poderemosdizer que é o noético no psíquico.

O critério do noético é intenção da comunicabilidade, aexpectação do reconhecimento no próprio acto intencional. Onoético é a alma do discurso enquanto diálogo. Por conse-guinte, a diferença entre o ilocucionário e o perlocucionárionada mais é do que a presença, no primeiro, e a ausência, noúltimo, da intenção de produzir no ouvinte um certo acto

mental, mediante o qual ele reconhecerá a minha intenção.Esta reciprocidade de intenções é o evento do diálogo. Osuporte deste evento é a "gramática" do reconhecimentoincluída na significação intentada.

Para concluir a discussão da dialéctica de evento e signi-ficação, podemos dizer que a própria linguagem é o processopelo qual a experiência privada se faz pública. A linguagem éa exteriorização graças à qual uma impressão é transcendidae se torna uma expressão ou, por outras palavras, a trans-formação do psíquico em noético. A exteriorização e acomunicabilidade são uma só e mesma coisa, porque nada

mais são do que a elevação de uma parte da nossa vida ao

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logos do discurso. De qualquer modo, a solidão da vida é aíiluminada por um momento pela luz comum do discurso.

Significação como "Sentido" e "Referência"

Nas duas secções precedentes, a dialéctica de evento esignificação foi desenvolvida como uma dialéctica interior dasignificação do discurso. Significar é o que o locutor faz, masé também o que a frase faz. A significação da enunciação -na acepção do conteúdo proposicional - é o lado "objectivo"deste significado. O significado do locutor - no tríplice sen-tido da auto-referência da frase, da dimensão ilocucionária doacto linguístico e da intenção de reconhecimento pelo ouvinte- é o lado "subjectivo" da significação.

Esta dialética subjectiva-objectiva não esgota o signifi-cado e, por conseguinte, não exaure a estrutura do discurso.O lado "objectivo" do discurso pode tomar-se de dois modos

diferentes. Podemos significar o "quê" do discurso ou o"acerca do quê" do discurso. O "quê" do discurso é o seu"sentido", o "acerca de quê" é a sua referência. A distinçãoentre o sentido e referência foi introduzida na fi losofia moder- I

na por Gottlob Frege, no seu famoso artigo" Üeber Sinn undBedeutung" que se traduziu para inglês como "On sense andReference (6). É uma distinção que se pode conectar directa-mente com a nossa distinção inicial entre semiótica e semân-tica. Só o nível da frase nos permite distinguir o que é dito eaquilo acerca de que se diz. No sistema da língua, digamosenquanto léxico, não existe o problema da referência; os sig-

nos apenas se referem a outros signos dentro do sistema.Com a frase, porém, a linguagem dirige-se para além dela.Enquanto o sentido é imanente ao discurso, e objectivo nosentido de ideal, a referência exprime o movimento em que alinguagem se transcende a si mesma. Por outras palavras, osentido correlaciona a função de identificação e a função pre-dicativa no interior da frase, e a referência relaciona a lingua-gem ao mundo. É um outro nome para a pretensão do dis-curso a ser verdadeiro.

O facto decisivo, aqui, é que a linguagem só tem umareferência quando se usa. Como Strawson mostrou, na sua

famosa resposta ao artigo de Russell, "On Denoting", a

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Dizem sobretudo respei to ao uso e ao abuso do conceitode evento linguístico na tradição romântica da hermenêutica.A hermenêutica, tal como deriva de Schleiermacher e Dilthey,tendeu a ident ificar a interpretação com a categoria de "com-preensão" e a definir a compreensão como o reconhecimentoda intenção de um autor do ponto de vista dos endereçadosprimitivos, na situação original do discurso.

A prioridade concedida à intenção do autor e ao auditó-rio original tendia, por seu turno, a fazer do diálogo omodelo de toda a situação de compreensão, por conseguinte,a impor o enquadramento da intersubjectividade sobre ahermenêutica. Compreender um texto é, pois, apenas umcaso particular da situação dialógica em que alguém respondea mais alguém.

Esta concepção psicologizante da hermenêutica teve umagrande influência na teologia cristã. Alimentou as teologias

da Palavra-Evento, para as quais o acontecimento por exce-lência é um evento linguístico e este evento linguístico é oquerigma (kerygma), a pregação do Evangelho. O significadodo evento original dá testemunho de si mesmo no aconteci-mento presente pelo qual o aplicamos a nós mesmos numacto de fé.

Esforço-me aqui por impugnar os pressupostos destahermenêutica a partir de uma filosofia do discurso a fim delibertar a hermenêutica dos seus preconceitos psicologizantese existenciais. Mas o meu objectivo não é opor a esta herrne-nêutica, baseada na categoria do envento linguístico, umahermenêutica que seria apenas o seu oposto, como seria uma

análise estrutural do conteúdo proposicional dos textos. Umatal hermenêutica sofreria da mesma unilateralidade não dia-lógica. Os pressupostos de uma hermenêutica psicologizante- como os da sua hermenêutica antagónica - provêm deum duplo mal-entendido que leva, por sua vez, a atribuir umatarefa errónea à interpretação, uma tarefa que se exprimebem no famoso slógan "compreender um autor melhor doque ele a si mesmo se compreendeu". Por conseguinte, o queestá em jogo nesta discussão é a definição correcta da tarefahermenêutica.

Não pretendo dizer que o presente ensaio baste por simesmo para eliminar todo o mal-entendido. Sem uma inves-

tigação específica da escrita, uma teoria do discurso ainda

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não é uma teoria do texto. Mas .um texto escrito é uma f ' se Co~segUIrmos mostrar queforma de inscrição, então orma de. d:scurso, discurso sob adIScurso são também d' as condIçoes da possibilidade dod· - as o texto CISCUssaodestas condições .: orno mostrou a nossaestá ~ancelada, antes se e~c~ noçao de ev~nto l inguíst ico não

polandades dialécticas co d ntra submetIda a uma série dee,s i?Dificação e de sentid~ ee~:d~s ~o dU~lo título de eventolécticas permitem-nos antecí erencIa. TaIS polaridades di a-e diálogo não se devem exct~r que os conceitos de intenção~ntes libertar-se da unilater~l?~r:a dhermenêutica, mas devemtico de discurso. I a e e um conceito não dialéc-

Deste modo, . , o presente ensaio' _~ serre, pelo menos verdadeir ' e, se na? o cerne de todatido forte da palavra. amente o ensaio inicial, no sen-

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