patrimÔnio, planejamento e produÇÃo do espaÇo urbano: o caso da tpc em juiz de fora - mg

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO MESTRADO EM ARQUITETURA E URBANISMO Bárbara Lopes Barbosa PATRIMÔNIO, PLANEJAMENTO E PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: O CASO DA TRANSFERÊNCIA DE POTENCIAL CONSTRUTIVO EM JUIZ DE FORA – MG. Salvador, BA 2015

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O objetivo principal deste estudo é compreender a prática dos instrumentos urbanísticos presentes no Estatuto da Cidade, com foco no entendimento da não aplicação do instrumento da Transferência do Potencial Construtivo - TPC, em Juiz de Fora. A TPC tem origem no conceito do solo criado, que desvincula o direito de propriedade do direito de construir no solo urbano. Incorporado ao Estatuto da Cidade - Lei Federal 10.257/2001 – o instrumento foi regulamentado em Juiz de Fora pela Lei Municipal 09327/1998, que confere ao proprietário de bens protegidos por tombamento, ou declarados de interesse cultural/natural, a possibilidade de transferir seu potencial construtivo para outro imóvel ou área. Neste estudo, discute-se, inicialmente, a criação do “espaço-mercadoria” em Juiz de Fora, a apropriação da produção do espaço urbano pelo mercado imobiliário e por fim, as dificuldades de aplicação de instrumentos de planejamento, como é o caso da TPC nesse contexto.

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Page 1: PATRIMÔNIO, PLANEJAMENTO E PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: O CASO DA TPC EM JUIZ DE FORA - MG

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

MESTRADO EM ARQUITETURA E URBANISMO

Bárbara Lopes Barbosa

PATRIMÔNIO, PLANEJAMENTO E PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO:

O CASO DA TRANSFERÊNCIA DE POTENCIAL CONSTRUTIVO EM JUIZ DE

FORA – MG.

Salvador, BA2015

Page 2: PATRIMÔNIO, PLANEJAMENTO E PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: O CASO DA TPC EM JUIZ DE FORA - MG

Bárbara Lopes Barbosa

PATRIMÔNIO, PLANEJAMENTO E PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO:

O CASO DA TRANSFERÊNCIA DE POTENCIAL CONSTRUTIVO EM JUIZ DE

FORA – MG.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia na área de concentração Processos Urbanos Contemporâneos, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.

Orientadora: Marcia Sant’Anna.

Salvador, BA2015

Page 3: PATRIMÔNIO, PLANEJAMENTO E PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: O CASO DA TPC EM JUIZ DE FORA - MG

BARBOSA, Bárbara Lopes.

Patrimônio, Planejamento e Produção do Espaço Urbano: O Caso da Transferência de Potencial Construtivo em Juiz de Fora – MG / Bárbara Lopes Barbosa – Salvador, 2015.

139 p. il.

Orientadora: Profª. Marcia Sant’Anna.

Dissertação (mestrado) – Faculdade de Arquitetura - Universidade Federal da Bahia, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, 2015.

1. Política urbana e de proteção do patrimônio. 2. Planejamento e produção do espaço urbano. 3. Instrumentos urbanísticos. 4. Transferência do Potencial Construtivo. 5. Juiz de Fora - MG.

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PATRIMÔNIO, PLANEJAMENTO E PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO:

O CASO DA TRANSFERÊNCIA DE POTENCIAL CONSTRUTIVO EM JUIZ DE

FORA – MG.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia (PPG-AU UFBA), como requisito para obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.

Aprovada em: _____ / _____ / ______

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________Márcia Sant’Anna – Orientadora

Universidade Federal da Bahia - UFBA

___________________________________________Ana Fernandes

Universidade Federal da Bahia – UFBA

___________________________________________Ângela Franco

Universidade Federal da Bahia - UFBA

___________________________________________Pedro de Novais Lima Junior

Universidade Federal do Rio de Janeiro

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AGRADECIMENTOS

Faço um agradecimento especial à minha orientadora Profª. Marcia Sant’Anna pela dedicação, comprometimento profissional e principalmente por sua sensibilidade e apoio nas dificuldades de todo o processo.

Agradeço ao grupo de pesquisa Lugar Comum pela oportunidade de trabalhar no Plano de Bairro 2 de Julho e à Profª. Ana Fernandes por ser para mim um exemplo na academia.

Fico muito grata:

Ao Prof. Fabio Lima, pela amizade de sempre e principalmente por ter me apontado o caminho para a Bahia.

Aos técnicos da prefeitura de Juiz de Fora que se disponibilizaram a contribuir com o trabalho, especialmente à Fabiola Ramos e Paulo Gawryszewsk.

Aos amigos de Juiz de Fora, por estarem sempre tão dispostos a ajudar, principalmente ao meu irmão Nuno, à Profª. Tatiana, Paulo Stuart, Ana Leal, e Debora Hoth.

E aos amigos novos e velhos que me apoiaram neste curto e intenso tempo em Salvador. Muito obrigada à Adriana, Zé Aloir e toda Vila do Chico. Destaco também Marina, Cibele e Gloria pelas discussões sobre o tema e pela ajuda desde os primeiros ajustes aos últimos arremates.

Agradeço, todos os dias, à minha família por me ensinar a lutar pelo que acredito, por me apoiar sempre nas minhas decisões e por estar tão presente mesmo com a distância. Finalmente, ao Fabrício, meu companheiro, com quem dividi cada dúvida e cada certeza, agradeço pelos ideais e sonhos compartilhados.

Espero poder compartilhar muitas outras conquistas com estas pessoas especiais.

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BARBOSA, Bárbara Lopes. Patrimônio, Planejamento e Produção do Espaço Urbano: O Caso da Transferência de Potencial Construtivo em Juiz de Fora – MG. 139 f. Il. 2015. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.

RESUMO

O tema desta pesquisa se insere na convergência entre a política urbana e a política de proteção do patrimônio construído. O objetivo principal deste estudo é compreender a prática dos instrumentos urbanísticos presentes no Estatuto da Cidade, com foco no entendimento da não aplicação do instrumento da Transferência do Potencial Construtivo em Juiz de Fora. A Transferência do Direito de Construir – TDC tem origem no conceito do solo criado, que desvincula o direito de propriedade do direito de construir no solo urbano. Incorporado ao Estatuto da Cidade - Lei Federal 10.257/2001 – o instrumento foi regulamentado em Juiz de Fora pela Lei Municipal 09327/1998, que confere ao proprietário de bens protegidos por tombamento, ou declarados de interesse cultural/natural, a possibilidade de transferir seu potencial construtivo para outro imóvel ou área. Neste estudo, discute-se, inicialmente, a criação do “espaço-mercadoria” em Juiz de Fora, a apropriação da produção do espaço urbano pelo mercado imobiliário e por fim, as dificuldades de aplicação de instrumentos de planejamento, como é o caso da Transferência do Potencial Construtivo nesse contexto.

Palavras-chave: Política urbana e de proteção do patrimônio; Planejamento e produção do espaço urbano; Instrumentos urbanísticos; Transferência do Potencial Construtivo; Juiz de Fora - MG.

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ABSTRACT

The theme of this dissertation stands in the convergence of urban policy and heritage protection policy. The objective of this study is to understand the practice of urban planning instruments present in the City Statute, focusing on understanding the non-application of the Constructive Potential Transfer instrument in Juiz de Fora. This instrument is based on the concept of “created land”, which unbinds the property right from the right to build on urban soil. Inserted in the City Statute – Federal Law 10.257/2001 – the instrument was regulated in Juiz de Fora by the Municipal Law 09327/1998, which grants the owner of property acknowledged as heritage, or listed as of cultural/natural public interest, the possibility to transfer their constructive potential to other properties or areas. This dissertation discusses the creation of “commodity-area” in Juiz de Fora, that is, appropriation of the production of urban spaces by the real estate market, it also discusses, the difficulties in applying instruments of urban planning, such as the Constructive Potential Transfer in the aforementioned context.

Keywords: Urban policy and heritage protection policy; Planning and production of urban spaces; Urbanistic instruments; Constructive Potential Transfer; Juiz de Fora (MG).

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 13

1. INSTRUMENTOS DE PRESERVAÇÃO E POLÍTICA URBANA: NATUREZA, CONVERGÊNCIA E PRÁTICA 261.1. Instrumentos de proteção ao patrimônio 261.2. Instrumentos de política urbana 321.3. A trajetória do conceito de solo criado e da transferência do potencial construtivo no Brasil. 371.4. Experiências de transferência de potencial construtivo no Brasil, alternativas e limitações. 44

2. JUIZ DE FORA: FORMAÇÃO, DESENVOLVIMENTO URBANO E PATRIMÔNIO 512.1. A formação da cidade e seu desenvolvimento urbano 51

2.2. Caracterização do patrimônio local 59

3. JUIZ DE FORA: PLANEJAMENTO E PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO 753.1. O planejamento urbano e ordenamento do uso do solo: as principais ações de 1860 a 2013. 753.2. A construção de um sistema de preservação em Juiz de Fora. 833.2.1. O inventário do patrimônio e as leis de proteção 833.2.2. A experiência local de transferência de potencial construtivo como instrumento urbanístico e de preservação 92

4. A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: AGENTES, MUDANÇAS E IMPACTOS 1054.1. As mudanças legislativas recentes e seu impacto sobre a produção do espaço urbano 1054.2. A conformação do espaço e seus agentes: a produção real do espaço da cidade 1154.3. Análise do instrumento da Transferência do Potencial Construtivo e seu contexto na política urbana e patrimonial de Juiz de Fora 123

CONSIDERAÇÕES FINAIS 129

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 135

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LISTA DE IMAGENS

Foto 01 e 02 - Aplicação da TPC sobre imóvel protegido em Curitiba. p.46

Foto 03 - Silhueta do Corredor da Vitória (Av. Sete de Setembro). A verticalização do TRANSCON nas torres mais altas e a ocupação anterior à lei. p.49

Foto 04 - Vista áerea do parque Mariano Procópio. p.63

Foto 05 e 06 - Antiga Companhia Têxtil e atual Centro Cultural Bernardo Mascarenhas. p.64

Foto 07 - Usina de Marmelos. p.65

Foto 08- Estação ferroviária na Praça João Penido Juiz de Fora. p.66

Foto 09 - Residência na Avenida Rio Branco, próxima ao bairro Alto dos Passos. p.67

Foto 10 – Edifício das Repartições Municipais e Parque Halfeld. p.68

Foto 11- Vista interna do Cine Theatro Central de Juiz de Fora. p.69

Foto 12 - Banco do Brasil na Rua Halfeld. p.70

Foto 13 - Colégio do Instituto Metodista Granbery. p.71

Foto 14 - Casa do Juiz de Fora - Fazenda Velha. p.84

Foto 15 - Colégio Nossa senhora do Carmo em juiz de Fora. p.101

Fotos 16 e 17 - Edifícios construídos em vazios subutilizados pelo uso de estacionamento, na Rua Santo Antônio, visto da Av. Rio Branco e Esquina da Rua Floriano Peixoto com Av. Rio Branco. p.121

Fotos 18 e 19 - Processo de construção em vazios subutilizados pelo uso de estacionamento, na Avenida rio Branco e Rua Floriano Peixoto. p.121

Fotos 20 e 21 - Vila Iracema - Imóvel protegido por tombamento que se encontra vazio com estacionamento instalado no mesmo terreno. p.122

Foto 22 - Casarão Marajoara demolido em 2009. p.123

Foto 23 - Lote vazio após demolição do casarão. p.123

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LISTA DE MAPAS

Mapa 01 - Inserção do município de Juiz de Fora na região sudeste do Brasil. p.51

Mapa 02- Microrregião do município de Juiz de Fora. p.52

Mapa 03 - Localização dos setores do patrimônio reconhecido de Juiz de Fora caracterizados neste capítulo. p.58

Mapa 04 - Localização dos setores do patrimônio reconhecido de Juiz de Fora caracterizados neste capítulo. p.62

Mapa 05 - Bens com proteção por tombamento em Juiz de Fora com aproximação na região central. p.73

Mapas 06 e 07 - Primeiro Registro Cartográfico (Fernando Halfeld / 1853) e o esquema de arruamento de Gustavo Dodt (1860). p.76

Mapa 08 - Perímetro de abrangência do Pré-Inventário do Patrimônio Histórico de Juiz de Fora - MG. p.88

Mapa 09 - Regiões de planejamento de Juiz de Fora segundo o PDDU com destaque para Unidade Territorial 1. p.94

Mapa 10 - Delimitação das áreas “não-receptoras” da Transferência do Potencial Construtivo em JF-MG. p.97

Mapa 11 - Mapeamento das áreas isótimas categorizadas pelos valores estabelecidos na Planta Genérica de Juiz de Fora. p.109

Mapa 12 - Uso e ocupação do solo da Unidade Territorial 01. p.113

Mapa 13 - Localização dos bairros e eixos de expansão - Juiz de Fora. p.117

Mapa 14 - Levantamento: Vazios - Unidade Centro, de 2009. p.120

Mapa 15 - Sobreposição – Zonas de Uso e Ocupação do Solo UT 01 e Imóveis Protegidos. p.124

Mapa 16 - Sobreposição das zonas exclusivas da UT01 e patrimônio imóvel protegido de JF. p.126

Mapa 17 - Sobreposição das áreas que não podem receber potencial construtivo através da TPC e as zonas da LOUS exclusivas da UT01. p.127

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01 – Demonstração do funcionamento do instrumento Transferência do Potencial Construtivo. p.37

Figura 02 - Demonstração da variação do potencial construtivo de acordo com o coeficiente de aproveitamento definido, com base na Lei nº09327 de 1998 de Juiz de Fora. p.93

Figura 03 - Informativo acerca da campanha de regularização de edificações. p.106

Figura 04 - Interpretação da alteração da lei 6910 de 1986 em 2013 relacionada à altura máxima permitida para edificações. p.111

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1- Evolução da população do município de Juiz de Fora segundo o IBGE. p.51

Quadro 02 – Cronologia das administrações públicas do poder executivo de 1977 aos dias atuais. p.78

Quadro 03 - Possibilidade de aumento do coeficiente de aproveitamento de terrenos receptores da TPC segundo artigos 9 e 10 da Lei nº 09327/1998. p.99

Quadro 04 - Informações para cálculo das multas definidas pela Lei 12.530/2012. p.108

Quadro 05 - Demonstração de cálculo hipotético de multa definida pela Lei 12.530/2012. p.108

Quadro 06- Classificação das Zonas quanto aos modelos de ocupação permitidos, segundo revisão em 2013 da Lei 6910/86. p.112

Quadro 07- Financiamento Eleitoral 2012 do vereador e presidente da câmara Júlio Gasparette. p.114

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INTRODUÇÃO

As cidades são uma materialização de processos que as diferenciam. Elementos histórico-culturais revelam parte do passado, do cotidiano e do processo sociocultural da cidade, e assim conformam sua paisagem cultural. No livro “O direito à cidade”, LEFEBVRE (1991) destaca que a “cidade tem uma história: ela é a obra de uma história, isto é, de pessoas e de grupos bem determinados que realizam essa obra nas condições históricas”(1991. Pág. 47).

Da mesma forma, referenciando-se em uma abordagem “marxista lefevriana”1, a autora CARLOS, A. F. (2011), parte do pressuposto de que a espacialidade é imanente às relações sociais e à existência construtiva da sociedade. Na perspectiva da autora, a prática social é espacial e, assim, a sociedade, ao se produzir, também produz um espaço próprio com uma dimensão histórica específica, em um modo de produção específico. (pág. 57 e 59).

A cidade, por estar envolvida nos processos de socialização das pessoas que a constituem, não pode ser vista como uma construção artificial e simplificada a uma composição física. O espaço urbano pode ser pensado e planejado, mas a paisagem da cidade é resultado do acúmulo de processos desencadeados pelos agentes que a produzem e vivenciam.

A construção da cidade é calcada na necessidade de aglomeração, que, por sua vez, é definida pela necessidade de coesão social para produção e consumo, possuindo de tal modo, entre outras funções, a função de sustentáculo da produção. Em decorrência disso, a forma da cidade e sua dinâmica espacial são balizadas pelos imperativos da produção. Neste sentido, LEFEBVRE (1999) afirma que a concentração urbana acompanha a concentração dos meios de produção, sendo referida à sociedade pós-industrial. As sociedades urbanas são identificadas pelas diferentes culturas e contextos históricos. Ao ser produzido, o espaço intervém na produção industrial, na organização do trabalho, transporte, no fluxo de materiais e na rede de distribuição dos produtos.

A memória da cidade está também vinculada a este processo de produção e aglomeração, assim como à suas fases de ascensão e declínio, sendo estas fases responsáveis por muitos dos conflitos que surgem nos espaços urbanos. Entendendo a cidade como um campo de conflito de diferentes interesses, o patrimônio edificado, como parte de sua memória coletiva2 e símbolo concreto de acontecimentos

1 Marxista-lefebvreana é como Mauricio Abreu chama a abordagem feita a partir das obras de Karl Marx e Henri Lefebvre que segundo ele se traduziu em uma nova corrente da geografia brasileira.

2 Segundo HALBWACHS (1950) apud SILVA (2009), P. 4. “Memória coletiva é o processo social de reconstrução do passado vivido e experimentado por um determinado grupo, comunidade ou sociedade.

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socialmente significativos, se insere neste contexto como um dos objetos de disputa.

O monumento, o patrimônio edificado e as relações culturais representam diferentes momentos de um processo histórico e passam a compor a memória coletiva dos que fizeram parte deste tempo. A identidade local que prevalece é carregada de símbolos de poder, seja religioso, político ou econômico, da mesma forma que a não preservação do patrimônio na atualidade é também uma demonstração de poder. Assim, o patrimônio cultural assume posições relativas na sociedade, e as ações para sua salvaguarda expressam claros conflitos de interesse, não apenas culturais, como também, sociais, políticos e econômicos. Os conflitos de interesses, como parte dos processos sociais que constroem a cidade, direcionam a produção do espaço urbano.

A própria incorporação da proteção do patrimônio no campo do urbanismo e do planejamento urbano surgiu em meio aos conflitos que a produção e transformação da cidade estimularam, e que ainda hoje, continuam sendo definidores da preservação, ou não, do patrimônio urbano.

Sant’Anna (1995) expõe que, a partir da Revolução Industrial, os novos saberes acelerados pelas transformações do capitalismo e pelas necessidades da sociedade industrial passam a constituir o “urbano” como um fenômeno e conceito, tornando-o um campo de discursos sobre o social. A autora destaca que Choay aponta os urbanistas como os primeiros a colocar a cidade em uma perspectiva histórica e faz um paralelo entre o nascimento do urbanismo como disciplina e do conceito de patrimônio urbano. O patrimônio urbano, enquanto obstáculo para o novo modo de organização do espaço, foi inserido no contexto das grandes transformações estruturais da cidade daquele século.

Choay (2001) afirma que o patrimônio urbano surge do conflito entre a urbanização, pós-revolução industrial e a materialidade existente, ou seja, a construção histórica. De acordo com a autora, o entendimento desta memória coletiva enquanto patrimônio urbano se funda a partir das noções de monumento e dos movimentos de preservação urbana dos séculos XIX e XX.

Esta forma de organização da cidade, que acompanha o processo de industrialização, surge da necessidade de controle do espaço urbano, buscando sua legitimidade no conhecimento científico e saber médico, com a saúde pública como objetivo central.

Choay (2001) aponta o surgimento do termo “patrimônio urbano” no processo de evolução dos conceitos e práticas de valorização da memória como uma resposta desfavorável às grandes reformas urbanas ocorridas na Europa no séc. XIX. A autora destaca a insurgência de John Ruskin contra a destruição das cidades antigas,

Este passado vivido é distinto da história, a qual se refere mais a fatos e eventos registrados, como dados e feitos, independentemente destes terem sido sentidos e experimentados por alguém.”

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valorizando o tecido urbano, e enaltecendo o valor da arquitetura menor que compõe este tecido, percebendo, assim, a área urbana como “objeto patrimonial autônomo”. As ideias de Ruskin, de acordo com Choay (2001), se afastavam da prática preservacionista corrente que se voltava somente para os exemplares arquitetônicos notáveis da Idade Média. Nesta perspectiva, a noção de patrimônio urbano surge como causa e consequência do conflito que envolve a transformação do espaço urbano e passa a estar vinculado ao pensamento sobre a cidade e ao seu planejamento.

Este momento de rupturas urbanas e movimentos de preservação são complementares a partir do momento em que se escolhe o que merece ser protegido e o que é dispensável como representação da memória coletiva local. É a lógica da renovação servindo de estímulo para a lógica da preservação. Assim, por estar em um campo em conflito, o patrimônio não é estático, está em transformação contínua, acompanhando as mudanças sociais e atendendo a estratégias de poder e interesses diversos (Sant’Anna, 1995). A cidade, em sua pluralidade e desigualdade, também está imersa em conflitos de identidade e memória social, além de disputas por espaços urbanos de privilégio, envolvendo o patrimônio construído em variadas esferas de disputa.

A base material da terra urbana é natural e gratuita, mas a apropriação social a transforma em um produto produzido e que agrega valores. Em geral, a propriedade privada é o principal instituto gerador de conflitos dentro do campo que envolve o patrimônio cultural e a expansão e produção urbana. Ela representa uma das principais bases do modo de produção capitalista e possui fundamentos bastante arraigados na cultura brasileira. Neste sentido, CARLOS (2011) afirma que a produção espacial e social é transformada em mercadoria, chegando ao conceito de “espaço-mercadoria”. Assim sendo, o capital produz o espaço com o objetivo final de acumulação. A produção e construção do espaço urbano consistem em um mosaico de interesses, que se expressam através das obras arquitetônicas, infraestruturas e traçados que são espacializados na cidade, deixando transparecer as correlações de forças dos seus agentes.

De forma simplificada, os conceitos marxistas de valor de uso e valor de troca se referem respectivamente ao valor de uma dada mercadoria em função de sua utilidade e ao valor proporcional de troca de dada mercadoria por outra. O valor de uso está ligado a fatores que não necessariamente tem a ver com a relação social de produção, como caráter simbólico dado a um artigo. Já o valor de troca está ligado ao valor mercadológico e quantitativo deste artigo, sendo o valor de uso um dos elementos definidores deste valor. De acordo com a teoria marxista apropriada por Lefebvre (1991), a cidade ao ser transformada em mercadoria, produto com valor de troca, se torna espaço privado para realização do lucro. Considerando que a terra

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urbana possui características singulares, ela não pode ser reproduzida, a localização é classificada como um fator variável enquanto valor de uso, que agrega importância ao valor de troca. Neste sentido Carlos (2001) afirma que:

“o comprador de um terreno ou de uma casa na cidade continua comprando um valor de uso; apesar de a casa ser mercantilizada, o valor de uso e o valor de troca se encontram em uma relação dialética em que nenhum dos polos desaparece” (p. 38).

Para compreender a correlação entre a terra urbana como um produto produzido que se transforma em mercadoria e o patrimônio construído, utilizamos a reflexão de Lefebvre (1991) e Carlos (2001) de que todo espaço é um produto produzido socialmente, e apoiamos na discussão do ponto de vista do espaço urbano, encaminhada por Villaça (1998) que afirma que: o espaço urbano é “produzido pelo trabalho social dispendido na produção de algo socialmente útil”. A partir da produção social do espaço urbano o autor ainda afirma que:

Há aí dois valores a considerar. O primeiro é o dos produtos em si – os edifícios, as ruas, as praças, as infraestruturas. O outro é o valor produzido pela aglomeração. Esse valor é dado pela localização dos edifícios, ruas e praças, das praias – valor que, no mercado, se traduz em preço da terra. Tal como qualquer valor, o da localização também é dado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-la, ou seja, para produzir a cidade inteira da qual a localização é parte. (Villaça, 1998. Pág. 72).

Ao analisarmos o primeiro fator de valorização colocado por Villaça (1998), chegamos à questão prática de que as cidades, em sua maioria, possuem pontos de concentração de infraestrutura de melhor qualidade, expressos na mobilidade urbana, no acesso ao transporte público e a vias adequadas, na proximidade de equipamentos urbanos de uso coletivo, entre outras facilidades. Estes pontos estão geralmente agrupados nas áreas urbanas mais centrais, principalmente por questões de formação histórica, de aglomeração e adensamento, havendo menos oferta de infraestrutura nas regiões mais periféricas. Cabe destacar que há a possibilidade de existência de novos núcleos de centralidades em cidades de grande porte. Deve-se considerar ainda, que há situações específicas, onde a localização privilegiada soma esta produção social do espaço a fatores naturais, como vista para o mar, proximidade com áreas verdes, e valores simbólicos que atribuem a ela uma maior valorização mercadológica.

Villaça (1998) sintetiza que “a localização é o valor de uso produzido pelo trabalho coletivo dispensado na construção de uma cidade” (Villaça, 1998, pg. 74). Por isso, o fator localização justifica o fato de as áreas mais centrais das cidades, onde a aglomeração é mais evidente, terem um maior valor de mercado do que áreas mais periféricas, além das áreas que possuem outros fatores de valorização, como os naturais citados anteriormente. Uma mesma qualidade de infraestrutura instalada em

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diferentes pontos de uma cidade produz solo urbano com valores de troca diversos, justamente pela relatividade que a localização atribui.

Este processo está vinculado à criação de mais-valias fundiárias, o que se refere ao acréscimo de valor da terra em função de benfeitorias urbanas feitas sobre um terreno ou em seus arredores. Partindo do pressuposto de que a atividade construtiva é inerente à urbanização da terra, se a oferta de terrenos urbanizados for reduzida, o produto desta equação será a escassez social da terra. Ou seja, a pouca oferta de áreas com infraestrutura e equipamentos sociais gera o aumento do valor de mercado da terra que usufrui deste tipo de urbanização. A consequência desta escassez é a segregação espacial gerada pela disputa do acesso aos espaços com melhores condições urbanas e, por isso, mais valorizados. O ordenamento urbano é um mecanismo com potencial para amplificar ou reduzir esta segregação de classes sociais.

Baseando-se nos conceitos de Lefebvre, Villaça (1998) coloca que, apesar de não haver dois pontos idênticos no espaço, a produção do espaço enquanto mercadoria cria células idênticas, que inseridas na aglomeração que configura a cidade, têm seu valor de troca potencializado pela localização, agregada à construção física. O valor de uso de um espaço produzido consiste nas relações sociais ali desenvolvidas, tendo este espaço um diferencial para que estas relações entre espaço e indivíduo sejam valorizadas. “O valor do espaço é diferente do valor dos elementos que o constituem” (...) “O espaço produzido tem valor, e seu preço, como o preço dos produtos produzidos em geral, é a expressão monetária desse valor” (Villaça, 1998, pg. 72).

A especulação imobiliária é produto da valorização de certa localização a partir do trabalho social dispendido na produção deste espaço urbano. “O preço da terra urbana tem, portanto, dois componentes. Um que decorre do seu preço de produção, e outro que é um preço de monopólio” (Villaça, 1998). Neste sentido, Villaça (1998) traz ainda à discussão a seguinte questão:

As mudanças de uso ou transformações urbanas não geram rendas diferenciais, mas reajustes ou atualizações de preços da terra, o preço oscilando em torno do valor. A terra ainda ocupada por uma residência de dois pavimentos na Avenida Vieira Souto, em Ipanema, está com a realização de seu valor obstruída, entravada por sua residência. Sua demolição, por exemplo, para nela construir um edifício de apartamentos, fará com que este valor seja ‘liberado’; possibilitará atualizar o preço do terreno, tornando-o condizente com seu valor atual. (...) Apenas os terrenos vagos têm seu preço continuamente atualizados; só, entretanto, quando estiverem com o uso certo no momento certo, estarão com seu valor plenamente realizado. (1998, pg. 78 e 79).

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Desta forma, um terreno vago teria em seu preço de venda uma atribuição de valor superior ao terreno construído que não utiliza todo o seu potencial. Ao se transpor a visão de Villaça para os processos que envolvem o patrimônio urbano tombado como um elemento presente na construção urbana percebemos um impacto diferenciado. Como discutido aqui, o patrimônio edificado urbano se insere neste campo de conflitos relacionados ao valor da terra e à organização territorial. O patrimônio é avaliado por seu valor qualitativo, ou simbólico, enquanto representante da história e memória local.

Entretanto, em países de urbanização mais recente e economia menos desenvolvida, quando o ponto em questão é o valor de troca do patrimônio, ele é avaliado e classificado principalmente em função de sua localização, sendo considerado, sobretudo, o terreno e não o imóvel. Assim, o valor patrimonial, como valor simbólico, se agrega ao valor de uso do imóvel protegido, mas dificilmente será incorporado ao valor de troca de forma a aumentar o seu valor de mercado, sendo, muitas vezes, como já comentado, um fator de desvalorização mercadológica. A variação do valor de troca do patrimônio depende também do que se projeta, ou a que função se destina, a área onde ele se encontra.

Deste modo, ao se transformar em “espaço-mercadoria”, o patrimônio protegido tem seu valor simbólico e de uso submetido ao seu valor de troca, principalmente em áreas de maior valorização da terra, já que a localização do terreno é ponto fundamental para o grau de interesse mercadológico e especulativo. Neste sentido, ao se tratar particularmente de cidades de pequeno e médio porte, que têm em seu centro tradicional a convergência entre áreas de alto valor mercadológico e áreas de concentração de patrimônio protegido, chegamos a um ponto de grande disputa entre os diferentes interesses que envolvem a proteção do patrimônio e a indústria da construção. Assim, o valor mercadológico do edifício construído ao ser caracterizado como patrimônio, com raras exceções, se torna inferior ao valor atribuído ao terreno sobre o qual está implantado.

Portanto, contrapondo ao que Villaça (1998) coloca sobre o valor econômico não ser dado pela potencialidade do terreno e sim pela efetivação dos parâmetros construtivos na edificação, o raciocínio acima se mostra mais razoável ao se tratar da questão do patrimônio. Imóveis em áreas centrais já adensadas, especialmente quando se trata de patrimônio construído e que sofrem os impactos de uma especulação imobiliária intensa, podem ter oscilações de valor a partir das mudanças das leis de uso do solo e da variação de seu potencial construtivo. O que implica que o patrimônio construído em áreas com estas características pode sofrer pressões de mercado também pelo valor do potencial de seu terreno, e não apenas pelo valor atribuído à área construída, como colocado por Villaça (1998).

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Destacamos ainda, que esta disputa especulativa não é restrita a áreas urbanas centrais, principalmente quando se trata de cidades de grande porte que possuem diversos núcleos estruturantes, com alto valor mercadológico. Nestes casos, inclusive, acontece frequentemente a desvalorização do centro tradicional. No entanto, a reflexão desenvolvida se encaixa na realidade corrente de cidades de pequeno e médio porte, que possuem uma estrutura essencialmente mononuclear.

É importante ressaltar que esta lógica é pertinente na atual dinâmica urbana brasileira, porém, assume outras tendências quando é analisada a conjuntura de países centrais3, onde o mercado potencializa o valor simbólico do patrimônio como um fator geralmente favorável ao valor de troca.

Segundo Abreu (1998), a valorização do passado das cidades como uma política urbana prioritária é uma característica recente que reflete principalmente nestes países centrais. A emergência desse tema reflete uma mudança nos comportamentos sociais e nos valores até recentemente predominantes, sendo repensados os métodos de proteção patrimonial e as relações destes com as mudanças do espaço urbano.

Inúmeras explicações vêm sendo oferecidas pelos mais diversos autores sobre esta tendência atual. Algumas delas enfatizam as transformações que já vêm ocorrendo no imaginário ocidental há algumas décadas. Outras dão ênfase à velocidade arrebatadora do período atual de globalização, que tem dado origem a uma busca ansiosa de referenciais identitários por parte das sociedades (ABREU, 1998).

Huyssen (2000) fala deste fenômeno recente de emergência da memória como uma preocupação central das políticas culturais ocidentais, e aponta uma mudança no foco, que, no século XX, era dado à valorização do futuro e à modernidade, e hoje é dado ao “passado presente”, de memória e temporalidade.

O autor defende que as referências neste “passado presente” vêm compensar a homogeneização trazida pela globalização econômica e cultural dilatada no século XXI. Ele esclarece que há uma tendência à musealização de cidades, através da proteção e comercialização de sua história e de seus marcos, espaciais e temporais, como os monumentos. Huyssen destaca “que desde a década de 1970, pode-se observar na Europa e Estados Unidos a restauração historicizante de velhos centros urbanos, cidades-museus e paisagens inteiras, empreendimentos patrimoniais e heranças nacionais, (...)” (Huyssen, 2000, pág. 14).

Contudo, é importante ressaltar que esta tendência se manifesta com maior clareza nos referidos países centrais, ou nas cidades conhecidas como Cidades Mundiais, isto é, que fazem parte de uma rede global de cidades, reconhecidas como

3 Refere-se a países de economia mais desenvolvida.

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referências globalizadas de cultura. O conceito de indústria cultural, discutido por Arantes (2000), se refere à inserção da cultura na lógica de mercado destas redes globais de cidades. Assim, a valorização de certos monumentos e símbolos passa a estar conectada a uma valorização mercadológica, que começa a ser vista como uma fórmula para recuperação do patrimônio histórico de muitas cidades. E em uma visão mais meticulosa, o investimento na proteção desta memória só é efetivo quando há uma garantia de retorno econômico para estes grandes centros e seus investidores, fazendo com que a parceria do poder público e privado seja bastante recorrente nestas cidades globais.

Em outro extremo, nas cidades que não fazem parte desta rede global, onde não houve um despertar para lógica globalizada do mercado da cultura, o valor simbólico do patrimônio cultural, especialmente no patrimônio construído, possui pouco valor comercial, havendo um desinteresse na manutenção dos bens patrimoniais, como já discutido. Sem valor de mercado, sem possibilidade de retorno de investimentos, o patrimônio muitas vezes não consegue se manter em face da dinâmica da especulação imobiliária urbana.

O acesso ao patrimônio cultural faz parte da busca pela democratização do espaço urbano e do que é público. Entretanto, os processos de proteção ao patrimônio, e demais assuntos que envolvem as práticas de produção da cidade, também estão inseridos em um campo de interesses distintos e quando se trata destas cidades não globais, estes processos se mostram antagônicos.

Na ótica das cidades globais, o patrimônio que possui aspectos valorizados pelo capital imobiliário, como privilégios de localização, é preservado pela indústria cultural, e o patrimônio que não apresenta este potencial mercadológico, não é inserido nesta lógica de preservação. Já na ótica das cidades não globais, o patrimônio que ocupa espaços com alto potencial mercadológico, é pressionado pelo mercado imobiliário que busca a renovação do espaço, devido a não valorização de seus aspectos de valor simbólico enquanto patrimônio cultural.

Considerando esta mercantilização do solo urbano, RIBEIRO (1996) reforça a reflexão de que o mercado de terras é um dos principais geradores de conflitos urbanos. O autor coloca que a intervenção do Estado é necessária para que seja feita a justiça social, já que este valor dado a terra é fruto de um trabalho social, como já mencionado. A ação do Estado na criação de normas e no controle de sua aplicação tem o encargo de equilibrar o interesse coletivo frente ao individual. Entretanto, é preciso lembrar que o Estado age não somente como mediador, mas também como agente direto na produção do espaço urbano, onde o Estado e a gestão urbana fazem parte de um sistema hierarquizado de poderes.

Como auxilio à gestão urbana, há instrumentos legais que foram criados para

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recobrar para a coletividade a valorização do solo obtida pela propriedade privada, decorrente das ações públicas. Dentre estes instrumentos legais, é possível destacar alguns que objetivam, entre outras questões, colaborar com a valorização e proteção do patrimônio. O Direito de Preempção, por exemplo, que dá a preferência de compra ao poder público no caso de venda de imóveis classificados como de interesse público no plano diretor; o IPTU progressivo no tempo, que consiste no aumento gradual do imposto de forma a incentivar a utilização de imóveis subutilizados; a Outorga Onerosa, que permite a compra de potencial construtivo pelo setor privado, sendo direcionado o recurso desta transação para melhorias urbanas e para a proteção ao patrimônio; o emprego de benefícios fiscais e tributários para os proprietários de bens protegidos, considerando-se que sua contribuição social é a própria manutenção do patrimônio pelo qual é responsável; e a Transferência do Direito de Construir (TDC), que será mais discutida neste trabalho e que permite a transferência ou a alienação do potencial construtivo de bens protegidos com o objetivo de financiar sua manutenção.

Ao refletirmos sobre a convergência entre as políticas urbana e patrimonial e sobre os conflitos de interesses que perpassam a produção do espaço urbano, o instrumento da Transferência do Direito de Construir se coloca no centro, por se tratar de uma ferramenta que traz a possibilidade de atender ao interesse social e privado por meio da geração de recursos para a proteção ao patrimônio, em contrapartida à criação de um “direito” de construir para os proprietários de bens tombados.

Este instrumento não confronta diretamente o direito de propriedade, se inserindo como uma ferramenta de equilíbrio entre o interesse público e o privado. Para trabalhar com a Transferência do Potencial Construtivo, partimos do entendimento de que não se trata de um instrumento revolucionário, mas reformista. Ou seja, ele trabalha dentro do quadro dado da política urbana brasileira, que, como já abordado, possui conflitos arraigados principalmente na cultura da propriedade privada.

O instrumento da TDC, por estar atrelado ao Zoneamento Urbano, pode contribuir com o direcionamento e criação de mais-valias fundiárias. A princípio, esta valorização pode surgir das possibilidades de direcionamento do potencial construtivo gerado pela transferência para outros imóveis e, posteriormente, da manutenção e recuperação do patrimônio cultural local.

Entretanto, no Brasil, com a divergência de interesses dos agentes produtores do espaço urbano, muito frequentemente as aplicações destas normas são desviadas de seus objetivos originais e, assim, o sistema de leis se torna insuficiente para a garantia do interesse público. Neste sentido, Maricato (2011) enfatiza a tradição arbitrária da aplicação das leis do Brasil, chamando a atenção que o funcionamento das políticas públicas e a garantia da função social da propriedade sobre os interesses privados não são somente uma questão legislativa, mas de transformação das práticas sociais e políticas.

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Além disso, em muitos casos, o planejamento desenvolvido através dos instrumentos do Estatuto da Cidade tem sido elaborado para guiar a orientação ao ambiente construído não enfrentando as questões sociais que permeiam o contexto urbano. Neste sentido, Jorgensen (2008) reflete sobre estes instrumentos serem, por muitas vezes, conduzidos para o favorecimento da propriedade privada, em detrimento do interesse público e coletivo, já em suas definições. É o caso da Transferência do Direito de Construir. O instrumento geralmente é visto como uma compensação ao proprietário que possui imóvel protegido por tombamento, que, no entanto, é uma limitação administrativa sem previsão de indenização. Assim, ao compreender que o potencial gerado por um imóvel tombado é um produto social, chegamos ao entendimento que o potencial transferido não é um direito do proprietário, mas um potencial construtivo que deve cumprir sua função social. Por este motivo, optamos por usar neste trabalho a definição de Transferência do Potencial Construtivo.

Tomando Juiz de Fora, cidade da Zona da Mata Mineira, como objeto empírico de pesquisa no presente estudo, adotamos como principal base os conceitos de Lefebvre que definem a cidade como um espaço planejado, mas também produzido por um conjunto de interesses distintos através de agentes públicos e privados. Assim, buscamos estruturar esta pesquisa em torno da investigação dos documentos e práticas de planejamento e preservação, mas também das ações reais de uso e apropriação do espaço urbano e dos rumos do desenvolvimento da cidade.

Desta forma, procuramos analisar e discutir o planejamento e gestão urbana de Juiz de Fora, para compreender os agentes e as ações que definem a produção do espaço urbano local e, por fim, identificar o lugar destinado à TPC neste processo.

Juiz de Fora passou, nesta última década, por alguns dos processos de degradação de importantes exemplares de seu patrimônio construído, movidos principalmente por interesses do mercado imobiliário, e favorecidos pela falta de eficácia das leis municipais e das ferramentas do poder executivo.

A população se manifestou contra estas perdas, e as discussões acerca das leis de proteção, das ações do poder público e dos recursos para manutenção deste patrimônio surgiram nos espaços de debate acadêmico, nos movimentos sociais ligados à defesa da cultura e do patrimônio local e nas notícias de jornal que relatavam as demolições ou a deterioração dos imóveis protegidos por tombamento.

Partindo da reflexão sobre estes conflitos, surgiram os questionamentos que serão discutidos nesta dissertação acerca da obsolescência do planejamento urbano de Juiz de Fora, frente às práticas do mercado imobiliário que passam a definir a produção urbana local, impactando também o patrimônio construído da cidade.

Assim, o objeto aqui abordado se insere nesta convergência entre as políticas de preservação do patrimônio e as políticas urbanas, diante do espaço planejado, da

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dinâmica urbana e de seus conflitos. Partindo da perspectiva do planejamento urbano sistematizado em instrumentos urbanísticos de auxilio à gestão urbana e patrimonial, compreendendo além da natureza jurídica destes instrumentos, a sua apropriação pela dinâmica urbana. Percebemos, neste processo, que a prática os molda de diferentes formas, fazendo com que um mesmo instrumento possa assumir papeis distintos e ser incorporado e movido pelos diversos interesses que a cidade abarca.

A pesquisa foi desenvolvida com propósito de transitar entre um olhar macro sobre a conjuntura da política urbana e patrimonial no país e a prática destas políticas em Juiz de Fora, enquanto cidade média em transição para cidade de grande porte Neste sentido, buscamos problematizar a questão do patrimônio, do planejamento e da produção urbana em Juiz de Fora com particular atenção na ferramenta da Transferência do Potencial Construtivo, incorporada desde 1998 nas leis municipais e ainda sem aplicação efetiva.

O instrumento da Transferência do Potencial Construtivo (TPC) surge a partir do conceito de “solo criado”, que desvincula o direito de propriedade do direito de construir na terra urbana. Este instrumento é aplicado no Brasil desde a década de 1970 e foi incorporado ao Estatuto da Cidade - Lei Federal 10.257 em 2001. A ferramenta foi criada com o intuito de controlar a especulação imobiliária relacionada a bens imóveis tombados e incentivar sua proteção e restauro, através dos recursos advindos desta operação.

A TPC foi regulamentada, em Juiz de Fora, pela Lei Municipal 9327 em 1998 e confere ao proprietário de bens protegidos por tombamento, ou declarados de interesse cultural, a possibilidade de transferir ou alienar seu potencial construtivo para outro imóvel ou área, utilizando o recurso resultante desta operação na manutenção e reparo do patrimônio construído que gerou o potencial. Contudo, até o momento, o instrumento não teve nenhuma aplicação efetiva no município.

A Transferência do Potencial Construtivo, em tese, institui uma possibilidade de financiamento para a requalificação de imóveis protegidos possibilitando ainda o direcionamento das dinâmicas imobiliárias para áreas de expansão e de valorização urbana. O estudo acerca dessa situação em Juiz de Fora mostra que a não apropriação deste instrumento pode ser, também, um reflexo do controle exercido por agentes econômicos no espaço urbano.

No percurso desta pesquisa, uma questão inicial, e de importante impacto sobre o recorte do trabalho, foi o entendimento da função social do patrimônio para a cidade e os complexos conflitos que envolveram e envolvem a classificação do que, de acordo com a avaliação do poder público, deve ser preservado ou não. Foi possível, a partir do entendimento do processo de classificação em Juiz de Fora, compreender a conformação do patrimônio reconhecido hoje, e as pressões e ações que levaram à

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perda de edificações que faziam parte da história local.

Em paralelo a isto, foi necessário construir uma cronologia do planejamento urbano municipal recente, de forma a fazê-la convergir com as decisões políticas e administrativas e a prática de gestão urbana neste período. No processo de análise desta cronologia, foi possível perceber a desvinculação da produção do espaço urbano de seu planejamento.

Na realização da pesquisa de campo, a entrevista com agentes do poder executivo, ligados ao setor de planejamento e gestão urbana e ao setor de gestão patrimonial, foi instrumento imprescindível para identificar a origem das decisões tomadas acerca da legislação municipal e demais políticas públicas, principalmente nas definições de ordenamento do solo urbano. Assim, a partir do entendimento deste campo, foi possível identificar os principais agentes ligados à produção do espaço urbano. A partir daí, com base em novas entrevistas e investigações, foram identificados os possíveis interesses destes agentes.

Neste sentido, o conceito de espaço-mercadoria (Carlos 2011) e a abordagem de outros autores, como Villaça (1998), foram importantes para compreender a conformação urbana de Juiz de Fora e a falta de reflexo do planejamento urbano sobre o espaço realmente produzido.

Ao trabalharmos os instrumentos legais urbanísticos e de proteção ao patrimônio, sobretudo o tombamento e a figura da transferência de potencial construtivo, surgiu como algo importante refletirmos sobre a natureza destas ferramentas no contexto nacional e sobre a função que se espera delas dentro da lógica urbana atual, de acordo com as peculiaridades que cada cidade apresenta.

A partir destas problematizações e a incidência delas sobre a realidade investigada nas pesquisas de campo, a análise se desmembrou em duas linhas principais, destinadas a compreender as questões que envolvem o planejamento, o patrimônio e a produção do espaço urbano, e se refletem na não aplicação do instrumento da TPC em Juiz de Fora: a análise das possíveis falhas na legislação local e a condução da gestão urbana, através do poder legislativo, pelo mercado imobiliário.

A dissertação se estrutura em quatro capítulos, além da introdução e das considerações finais. No primeiro capítulo, intitulado “Instrumentos de preservação e política urbana: natureza, convergência e prática”, são discutidos os instrumentos de proteção ao patrimônio e de política urbana, a partir da reflexão sobre sua natureza, seus objetivos e sua aplicação prática na convergência das políticas urbana e patrimonial. É abordado, ainda, o conceito de solo criado como um produto da confluência destas políticas, e a inserção deste conceito no Brasil através da Transferência do Potencial Construtivo. Em seguida, apresentamos algumas experiências de aplicação desta ferramenta, com uma discussão acerca das alternativas experimentadas e suas

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limitações.

No capítulo seguinte, “Juiz de Fora: formação, desenvolvimento, planejamento e proteção do patrimônio”, apresentamos os contextos urbano e patrimonial dessa cidade, de forma a descrever a situação existente. Desta forma, é abordada a formação da cidade e seu desenvolvimento urbano seguida de uma caracterização do patrimônio local, onde apresentamos, de uma forma geral, o que hoje é protegido por tombamento, sua localização na mancha urbana e sua importância na formação histórica da cidade.

No terceiro capítulo é feita uma leitura da conjuntura do planejamento urbano e das ações de proteção ao patrimônio do município, dando enfoque às principais ações de planejamento e ordenamento do uso do solo em Juiz de Fora. A construção do sistema de preservação municipal é também apresentada, por meio da análise do processo de inventário dos bens protegidos e de formulação da legislação referente ao tema, e da descrição da tentativa de aplicação do instrumento da TPC na cidade.

No quarto e último capítulo, a produção do espaço urbano é discutida, sendo apontados os principais agentes locais envolvidos neste processo, além das mudanças e impactos promovidos pelas ações destes agentes. Este capítulo se divide em dois tópicos que abordam as mudanças legislativas e seus possíveis impactos na produção urbana, no segundo subitem, é feita uma análise sobre a conformação atual do espaço da cidade de Juiz de Fora e suas transformações recentes vinculadas às citadas mudanças legislativas e, por fim, analisamos o instrumento da Transferência do Potencial Construtivo e seu desempenho no contexto na política urbana e patrimonial de Juiz de Fora.

Nas considerações finais desta dissertação expomos uma reflexão acerca da experiência de planejamento urbano de Juiz de Fora e dos instrumentos urbanísticos, frente ao panorama nacional das práticas de planejamento e produção urbana. Colocando, por fim, em debate as cidades, que, como Juiz de Fora, passam pela transição de cidade média para centro urbano de grande porte com problemas urbanos agravados e dificuldades de gestão.

Desta maneira, o presente trabalho contribui para ampliar a reflexão, sobre a prática de planejamento e gestão urbana firmada principalmente a partir das bases fornecidas pelo Estatuto da Cidade. Questiona o papel do planejamento na produção real do espaço urbano, examinando os agentes e interesses que, por fim, definem a forma urbana. Confronta o poder do mercado imobiliário frente às definições do Estado e, neste cenário, discute o espaço destinado ao patrimônio cultural na cidade e os demais elementos que constituem a função social da propriedade.

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1. INSTRUMENTOS DE PRESERVAÇÃO E POLÍTICA URBANA: NATUREZA, CONVERGÊNCIA E PRÁTICA

1.1. Instrumentos de proteção ao patrimônio

Segundo Queiroz (2014), no período conhecido como Era Vargas, entre 1930 a 1945, coube a Gustavo Capanema, enquanto Ministro da Educação e Saúde, a criação de um órgão voltado para a proteção dos bens de cultura nacionais e a elaboração de legislação específica sobre este tema. Com a intenção de organizar um projeto que coordenasse o processo de preservação do patrimônio cultural brasileiro, Capanema procurou o escritor e poeta Mario de Andrade, grande conhecedor da cultura brasileira, que aceitou a tarefa.

Ainda de acordo com Queiroz (2014), Mario de Andrade, em 1936, elaborou um anteprojeto considerado bastante ousado, já que os conceitos adotados por ele, relativos ao patrimônio cultural, não se limitavam a aspectos da cultura erudita, mas consideravam as diversas representações dos povos, dos diferentes saberes e culturas brasileiras. Em seu projeto, o escritor estabeleceu os objetivos do que seria o órgão estruturador da preservação do patrimônio cultural do Brasil, e o denominou como “Serviço do Patrimônio e Artístico Nacional – SPAN”.

Mario de Andrade determinou que o principal instrumento jurídico de proteção seria o “tombamento” e definiu, ainda, o conceito de “Patrimônio Artístico Nacional” como o conjunto de bens móveis e imóveis declarados de valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico, destacando também a necessidade de proteção de monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens. Ao dividir o documento em três capítulos, Mario de Andrade dedicou os primeiros às definições conceituais e o último à fixação dos procedimentos da tutela, indicando a utilização de quatro livros de tombo discriminados como: 1) Livro de Tombo Arqueológico e Etnográfico; 2) Livro de Tombo Histórico; 3) Livro de Tombo das Belas Artes; 4) Livro do Tombo das Artes Aplicadas. Este documento foi então utilizado nas discussões preliminares da criação do órgão de proteção que ficou conhecido como Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - SPHAN.

Em seguida, Capanema convidou o advogado mineiro Rodrigo Melo Franco de Andrade para dirigir a instituição recém-fundada, e o incumbiu de aperfeiçoar o projeto de Mario de Andrade, que viria a ser a base da Lei Federal para organização da proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. O projeto adaptado foi encaminhado ao Presidente Getúlio Vargas e, posteriormente, remetido ao Congresso Nacional, porém, este foi dissolvido no dia 10 de novembro de 1937 por um Golpe de Estado. Uma nova constituição foi promulgada e implantada a ditadura do chamado Estado Novo. Devido a este momento de instabilidade política pelo qual o Brasil passava, a aprovação da

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referida lei foi temporariamente suspensa. No entanto, em 30 de novembro do mesmo ano, foi aprovado o Decreto-lei n° 25.

A Constituição Federal de 1937 (CF-37) ampliava o grau de importância da proteção ao patrimônio cultural, e o novo Decreto-lei instituiu o tombamento como o instrumento de preservação do patrimônio nacional.

A criação de um órgão de proteção ao patrimônio histórico e artístico brasileiro era um objetivo comum ao projeto de Mario de Andrade e à gestão de Rodrigo Melo Franco, entretanto, segundo Queiroz (2014), muitos autores afirmam haver certo antagonismo entre as duas iniciativas, no sentido de abrangência da ação da proteção patrimonial, afirmando-se que: “(...) o DL 25/1937 teria gerado uma ação patrimonial ‘elitista’, ‘classista’”.

Ao se analisar o Decreto-lei 25/37 percebe-se que a norma abarca em seu texto as diversas manifestações culturais brasileiras, seja o patrimônio construído, móvel, imóvel e natural, alcançando ainda sítios e paisagens, não encaminhando necessariamente para uma visão elitista de proteção patrimonial. Desta forma, não era o texto da lei, mas a prática daquele período o que restringia a proteção a bens que representavam a elite, privilegiando-se a arquitetura religiosa e militar do Brasil colonial. Assim, chega-se à compreensão do motivo porque a prática de proteção patrimonial do antigo SPHAN ficou conhecida como “pedra e cal”.

Acerca da forma legislativa do Decreto-lei 25, Castro (1991) esclarece que esta legislação possui disposições para:

(...) criar obrigações, estabelecer comportamento e limitar direitos. Limitando direitos, no caso do direito de propriedade, confere-se ao Poder Executivo o exercício do poder de polícia para proteção do interesse público de preservação de bens de valor cultural que determinadas coisas possam conter”. (pág. 34).

O Decreto-lei 25/37 traz em seu primeiro capítulo a definição do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, expondo em seu artigo 1º o que constitui este patrimônio.

Artigo 1º - Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no País e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”. (art.1º. DL25/1937).

Os Capítulos II e III apresentam os procedimentos referentes ao tombamento de bens móveis e imóveis, informações acerca dos livros de tombo e suas funções, assim como os efeitos do tombamento. Cabe destacar que esta expressão tem origem no verbo tombar, que significa classificar ou arquivar. São também derivadas desse significado as expressões “livro de tombo”, como local de registro, classificação e inventário dos bens de interesse patrimonial, e “Torre do Tombo”, que é o nome dado

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ao local onde eram arquivados os inventários do Reino de Portugal.

A aplicação do tombamento é qualificada como limitação administrativa, ou urbanística, que tem a missão de fazer valer a função social da propriedade da qual deriva. As limitações administrativas são princípios de ordem pública que impõem a obrigação de não fazer ou deixar fazer, objetivando a conciliação entre o público e o privado, sem direito de indenização por parte do proprietário. Assim, o tombamento se caracteriza por ser uma limitação permanente, afastando o caráter absoluto do direito de propriedade sobre determinado bem em função do benefício da coletividade. Desta forma, o proprietário conserva em seu poder a totalidade de direitos inerentes ao domínio, ficando, contudo, sujeito, às normas que conduzem o exercício destes direitos.

O imóvel protegido por tombamento passa a ser tutelado pelo poder público, seja ele de propriedade pública ou privada. No tocante ao bem público, não é permitida a alienação deste bem a terceiros, sendo possível somente a transição entre as esferas de governo, disposição que pode ser suprimida apenas por lei federal de mesma importância. Na hipótese de o bem tombado ser de propriedade privada, a alienação é permitida, assim como a transferência e o arrendamento. No entanto, o proprietário deverá arcar com a conservação do imóvel, sendo considerada negligência e sujeita a multa a sua deterioração, e de responsabilidade do proprietário sua manutenção e reparação.

Além disso, como não é permitida a aplicação de recursos públicos em bens particulares, na possibilidade de falta de ação do proprietário para reparar o imóvel deteriorado, o poder público poderá custear o reparo, mesmo sem sua autorização. Se a falta de recursos deste proprietário não for comprovada, ele deverá arcar com os custos despendidos pelo poder público.

No Capítulo IV do Decreto Lei 25/1937, aborda-se o direito de preferência de compra pelo Estado no caso de alienação de bens tombados pertencentes a pessoas naturais ou a pessoas jurídicas de direito privado.

E, por fim, em seu Capítulo V, o DL25/1937 apresenta nas “Disposições Gerais”, dentre outras questões, a obrigatoriedade de exposição em museus nacionais de obras históricas e artísticas e algumas das competências do SPHAN.

Diferentemente do projeto elaborado por Mario de Andrade, no Decreto-lei 25/37, o tombamento somente pode ser aplicado a bens tangíveis de interesse cultural (móveis ou imóveis), não sendo, portanto, apropriado para resguardar manifestações da cultura popular, o que distanciou e manteve invisíveis os grupos que não pertenciam às heranças da cultura luso-europeia. De acordo com QUEIROZ (2014):

A ideia de preservação foi inspirada no modelo francês do século XIX e se restringia ao âmbito de museus e arquivos, sítios arqueológicos, pranchetas e instrumentais de

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arquitetos, restauradores, historiadores da arte. Patrimônio resumia-se em objetos, coisas- bens móveis e imóveis- considerados suporte de memória coletiva. (pág. 44)

De fato, ao estabelecer apenas o instrumento do tombamento como meio de proteção ao patrimônio cultural, inexistindo, naquele momento, outros instrumentos capazes de garantir a proteção da sua dimensão imaterial e de conjuntos urbanos, o DL 25/37 limitou as possibilidades de reconhecimento e preservação. Ainda assim, o tombamento foi utilizado para suprir essa carência, sendo reinterpretado e utilizado de modo a se estender a competência do instrumento, por exemplo, no tombamento de áreas urbanas, como no caso de Ouro Preto, em Minas Gerais. Segundo Sant’Anna (1995), “(...) Rodrigo Melo Franco de Andrade concebia o tombamento de áreas urbanas como um tipo especial de tombamento, embora esta distinção não existisse no Decreto Lei nº 25/37”.

Os conceitos que definem o que deve ser reconhecido e protegido enquanto patrimônio estão em continua revisão e mutação. Desta forma, as leis têm acompanhado esta evolução dos termos, conceitos e considerações, através da revisão das normas existentes, criação de novos regulamentos e novas ferramentas para valorização e proteção patrimonial. A Constituição em vigor nos dias atuais representou, no momento de sua aprovação, um grande avanço desta atualização legislativa.

Dentre as disposições destinadas especificamente ao tema do patrimônio na Constituição Federal de 1988 (CF-88), destaca-se o Art. 216, que traz uma abrangente definição do patrimônio cultural como conjunto de bens materiais e imateriais relacionados aos diferentes grupos formadores da identidade brasileira. Entre os bens considerados portadores desta identidade e memória, são destacados:

(...) I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. (Constituição Federal de 1988. Art. 216)

Neste mesmo artigo, em seu parágrafo único, a lei estabelece que a proteção a este patrimônio deverá ser promovida pelo poder público, com a colaboração da comunidade, “(...) por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”.

A CF-88 salienta em diferentes pontos a questão da preservação, estabelecendo ainda competências para sua manutenção, sendo seu texto também o responsável pela abertura da participação social nas discussões acerca do patrimônio e da cultura nacional.

Entre os documentos encaminhados à Assembleia Nacional Constituinte, que constam nas atas de Comissões que discutiam a formulação da Lei Magna em 1988,

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ressalta-se o trecho que embasa a necessidade da participação social nas discussões a respeito desta matéria:

Os processos culturais são essencialmente dinâmicos e possuem forte sentido conjuntural. Por essa razão, tanto quanto por princípio democrático, toda ação governamental na área cultural deve se fundamentar na ampla participação da sociedade civil. (ARANTES, 1987, p. 293 apud QUEIROZ 2014. Pág. 60).

A Constituição faz referência novamente à preservação do patrimônio cultural em seus artigos 23 e 24, correspondentes às competências legislativas e executivas do poder público em suas três instâncias. O inciso III do Art. 23, define a competência da União, Estados e Municípios de:

proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural.

No artigo 24, a CF – 88 define a competência da União, Estados e Distrito federal para legislar sobre: “proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico”.

A CF - 88 estabelece, no artigo 30 o encargo dos municípios dentro deste tema quando afirma suas competências, sendo possível a estes municípios suplementar as normas estaduais e federais dentro das necessidades locais, desde que não contestem as leis superiores. (Castro, 1991).

Art 30 – Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

(...)

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover proteção do patrimônio histórico cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual”. (Constituição Federal. 1988, grifo da autora).

Para a ação das esferas governamentais na preservação do patrimônio há restrições, como o limite territorial, o que lhes permite a atuação somente dentro de suas fronteiras territoriais e condicionada ao grau de interesse relacionado ao bem a ser protegido, que varia de acordo com sua importância em nível nacional, estadual ou municipal. Porém, não há obstáculos para que a proteção atinja os três níveis de interesse e amparo.

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A Constituição de 1988 foi, mais uma vez, um marco ao tratar das questões relativas ao patrimônio imaterial, e às representações dos múltiplos e diversos grupos sociais brasileiros. Em uma nova perspectiva, na qual a proteção do patrimônio é de natureza fundamental e faz parte do “Direito Constitucional”, a noção de patrimônio cultural é ampliada e adaptada, apresentando um caráter antropológico.

Assim, nesta visão mais ampla da Constituição, o patrimônio cultural é entendido como produto da atribuição de valor aos produtos sociais, originados dos bens e práticas culturais interligados. Conforme QUEIROZ (2014):

O crescimento das discussões em torno da tutela jurídica da dimensão imaterial do patrimônio cultural brasileiro é fruto de intensa reivindicação dos mais diversos movimentos sociais brasileiros, repercutindo significativamente na Constituinte de 1988, e que resultou na formulação de um verdadeiro estatuto do patrimônio cultural dentro do Texto Constitucional, sobretudo nos arts. 2151 e 216. (pág. 40)

Houve assim, na CF 88, a criação e integração de instrumentos legais para o reconhecimento e manutenção do patrimônio material e imaterial, como o Tombamento já previsto, desde 1937, pelo DL 25; a desapropriação, prevista no DL 3.365/1941, além de inventários, registros, vigilância e a possibilidade de formulação e implementação de outras formas de acautelamento e proteção. Apesar de ainda não ter sido regulamentado para ter efeitos legais, o ato de inventariar já era praticado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, desde o seu surgimento.

Embora a CF-88 abra a possibilidade de outras formas de proteção, não foram instituídos, até o momento, instrumentos específicos para o acautelamento e preservação de áreas urbanas históricas. No entanto, como já comentado, a prática de tombamento de cidades ocorria desde os primeiros anos do SPHAN, como destaca Sant’Anna (1995): “o fato de não existir, em 1938, uma política de proteção específica para áreas urbanas-patrimônio não significa que ela não fosse pensada, e muito menos que não houvesse a percepção da cidade como um objeto patrimonial em si” (Pág.126). Ainda hoje, a proteção de áreas urbanas é feita caso a caso a partir da extensão do instrumento do tombamento.

A variedade e a abrangência que envolve esta nova concepção de patrimônio cultural no Brasil, traz a necessidade de novas abordagens e métodos, por parte do poder executivo, na avaliação do que passa a ser classificado como patrimônio cultural e de que forma passa a ser protegido.

Segundo Castro (1991), a ponderação e concepção do valor cultural de um

1 O artigo 215 da CF – 88, não discutido no texto, estabelece que “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”.

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imóvel, a princípio, se atinham aos aspectos artísticos do bem, envolvendo tão somente profissionais vinculados à área da arquitetura. A preservação e seus conceitos vêm se tornando mais complexos e seus moldes tradicionalmente restritivos vêm sendo transformados.

Hoje, para refletir a cultura nacional, percebe-se a necessidade de abrangência do entendimento dos bens, considerando seus aspectos diversos. Sendo assim, imprescindível o envolvimento de muitos outros profissionais de acordo com cada particularidade.

Por esta razão é que o trabalho de conceituação do que seja patrimônio cultural exige a participação integrada de outros técnicos, mormente das áreas relacionadas ao estudo do conhecimento epistemológico e filosófico, bem como de áreas de estudo da cultura das sociedades, como a antropologia, a história, e demais ciências sociais. (CASTRO, 1991. Pág. 43 e 44).

Desta forma, torna-se necessária a elaboração de estudos que analisem de forma integral e aprofundada o objeto que motivou o interesse da proteção seja por tombamento, registro ou de qualquer outro dispositivo.

Não obstante, o tombamento continua sendo a principal ferramenta utilizada para proteção dos bens declarados de importância cultural no Brasil. Destaca-se que o fato de esta ferramenta, enquanto limitação administrativa que decorre do interesse público, incidir diretamente sobre o direito de propriedade, faz com que seja vista de forma negativa pela maioria dos proprietários de bens de interesse cultural. Esta dificuldade, que abrange questões culturais e sociais em torno da propriedade privada, vem sendo trabalhada através de outros instrumentos e políticas públicas que objetivam um equilíbrio entre os interesses público e privado, como será discutido adiante.

1.2. Instrumentos de política urbana

O Código Civil é o diploma legal que agrupa as normas que regem as relações jurídicas de ordem privada no Brasil. Este código segue a tradição romana em que o direito de propriedade é entendido como o poder de usar e fruir da coisa sob seu domínio. (MEIRELLES, 1994. Apud GUERRA, Pg.17). Entretanto, este direito de propriedade, além do tombamento, é limitado, principalmente, pelo direito de construir e pelo direito de vizinhança, igualmente abordados pelo Código Civil brasileiro. As normas inerentes ao interesse coletivo nos espaços urbanos são determinadas pelo Direito Urbanístico, que também estabelece limitações ao direito de propriedade.

O direito de propriedade passou por transformações conceituais dentro da lógica da organização social brasileira, partindo inicialmente do sentido individual, de forma absoluta e permanente, para o coletivo/social, onde o uso, gozo e disposição são

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limitados pelo Estado tendo como razão o bem coletivo. Assim, partindo dos limites ao direito de propriedade que a Constituição de 1934 inseriu de forma ainda incipiente, e das ações de desapropriação, baseadas no conceito de função social que a CF de 1946 previu em seu texto, a Constituição Federal de 1988, constituiu um avanço neste sentido. Esta última carta magna condicionou o direito de propriedade à função social da propriedade, submetendo o domínio privado ao atendimento do interesse público com maior clareza.

Considera Meirelles que evoluímos da propriedade-direito para a propriedade-função, mas tanto o direito de propriedade quanto sua função social foram incluídos entre os direitos e garantias fundamentais na Constituição de 1988 (art. 5º, XXII e XXIII), ressaltando que a função social da propriedade situa-se ainda como princípio da ordem econômica, ao lado do reconhecimento da propriedade privada. (art. 170, II e III) (GUERRA, 1996. pg.45)

A função social da propriedade não questiona o fundamento da propriedade privada, mas é definida como uma estratégia de equilíbrio entre a lógica liberal e a social. A priori, ela impõe a utilização da propriedade para a realização de interesses sociais ou coletivos.

(...) para Silva, o Princípio da Função Social da Propriedade ‘transforma a sociedade capitalista sem socializa-la’, garante a propriedade como direito individual, mas projeta ela sobre um valor cultural que é a base da criação do Direito Urbanístico. (...) Assim, a Função Social da Propriedade Urbana visa atender às funções do urbanismo: habitação, o trabalho, a recreação e a circulação dos homens no território urbano. (SILVA, 1981. Pg. 93,94 e 97 apud GUERRA, 1996.pg. 46)

No dia 10 de julho de 2001, depois de mais de uma década de discussões e lutas sociais, dentro e fora do Congresso, foi aprovado o Estatuto da Cidade. O Estatuto se refere à Lei Federal nº 10.257, que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988 (CF/88) e tratam da política urbana no Brasil. A lei, que se propõe a dar suporte jurídico para a promoção da reforma urbana do país, é avaliada como uma das grandes conquistas do Movimento pela Reforma Urbana2 que foi construído e ampliado em meio a lutas sociais, a partir dos anos de 1980.

Com base no princípio da função social da propriedade e gestão democrática da cidade, a lei contém normas de ordem pública e interesse social regulando o uso da propriedade urbana de modo a garantir o bem coletivo, a segurança e o bem-estar dos cidadãos. (SAULE JÚNIOR e UZZO; 2009. pág. 6).

Para compor o Estatuto foram criadas ou reformuladas ferramentas urbanísticas

2 O Movimento Nacional pela Reforma Urbana foi criado em janeiro de 1985, a partir da junção de diversos movimentos sociais que estavam em luta pelo reforma urbana e reforma agrária no país. Este movimento foi o grande responsável por diversas conquistas da política urbana na Constituinte de 1988 e deu origem ao atual Fórum Nacional pela Reforma Urbana, que continua atuando neste sentido.

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comprometidas com a função social da propriedade e vinculadas à codificação da interferência do Estado na propriedade privada. Desde então, estas ferramentas vêm sendo lapidadas e regulamentadas nos diversos ramos do direito, objetivando facilitar o planejamento, a gestão e a organização territorial das cidades.

O que o Estatuto propõe vai além de questões técnicas e funcionais de gestão urbana. Suas ideias e diretrizes mais abstratas trazem reflexões sociais e políticas que são definidas nos termos e conceitos da função social da propriedade, da sustentabilidade e do bem-estar social. Definindo, a partir destas concepções, a essência das políticas de planejamento que devem ser propostas e desenvolvidas nas cidades.

Os instrumentos da política urbana estão no capítulo 2, seção I do Estatuto da Cidade, listados da seguinte forma:

I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social;

II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões;

III – planejamento municipal, em especial: a) plano diretor; b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo; c) zoneamento ambiental; d) plano plurianual; e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual; f) gestão orçamentária participativa; g) planos, programas e projetos setoriais; h) planos de desenvolvimento econômico e social;

IV – institutos tributários e financeiros: a) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU; b) contribuição de melhoria; c) incentivos e benefícios fiscais e financeiros;

V – institutos jurídicos e políticos: a) desapropriação; b) servidão administrativa; c) limitações administrativas; d) tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano; e) instituição de unidades de conservação; f) instituição de zonas especiais de interesse social; g) concessão de direito real de uso; h) concessão de uso especial para fins de moradia; i) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; j) usucapião especial de imóvel urbano; l) direito de superfície; m) direito de preempção; n) outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso; o) transferência do direito de construir; p) operações urbanas consorciadas; q) regularização fundiária; r) assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos; s) referendo popular e plebiscito; t) demarcação urbanística para fins de regularização fundiária; (Incluído pela Lei nº 11.977, de 2009); u) legitimação de posse. (Incluído pela Lei nº 11.977, de 2009)

VI – estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV). Lei nº 10.257, de junho de 2001).

O instrumento do plano diretor é delineado e detalhado no capítulo 3 da lei. Alguns dos instrumentos listados acima também foram detalhados nas seções seguintes

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do capítulo 2, sendo ainda destacados os que já possuem ou ainda necessitam de legislação própria para serem aplicados.

Por apresentar diretrizes gerais para a política urbana, o Estatuto deixou a cargo de cada município efetivar os dispositivos que deverão regulamentar o seu Plano Diretor, segundo as características locais. O Plano Diretor é, ou deveria ser, de forma geral, o mais completo instrumento de planejamento dos municípios brasileiros. Através dele são indicadas diversas ferramentas legais que devem colaborar com a efetivação das propostas de planejamento. Assim, para que um município consiga utilizar os instrumentos propostos pelo Estatuto da Cidade, estes instrumentos deverão estar previstos em seu plano diretor e, em alguns casos, precisarão ser regulamentados e detalhados posteriormente em leis específicas. Poucos são os casos, contudo, de aplicação destes instrumentos de política urbana, o que representa uma grande dificuldade para o emprego prático do Estatuto da Cidade na maior parte das cidades brasileiras.

O Estatuto apresenta ferramentas para a política urbana que têm como objetivo “(...) ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana (...)” (Art. 2º). Destaca-se, entre as diretrizes gerais de planejamento apresentadas no artigo 2º do primeiro capítulo, o imperativo de: “(...) proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico” (inciso XII do art.2º). Nota-se aqui, uma maior inserção da política patrimonial no planejamento do desenvolvimento urbano e uma confluência dos instrumentos de gestão nesses dois campos.

As novas possibilidades apresentadas, a princípio pela CF-88, e, posteriormente, regulamentadas pelo Estatuto da Cidade são, finalmente, detalhadas pelo Plano Diretor Participativo de cada município. Podem viabilizar, assim, a utilização de diversos mecanismos, jurídicos, políticos e tributários para a preservação do patrimônio cultural.

Com referência à proteção patrimonial no Brasil, CASTRIOTA (2009), ao levantar as possibilidades mais recentes que envolvem a salvaguarda e a valorização do patrimônio, para além do tombamento e do registro de bens culturais, afirma:

Se o instrumento do tombamento foi importante num primeiro momento, quando lidávamos com uma concepção mais restrita de patrimônio, hoje em dia necessitamos de mecanismos mais flexíveis e adequados para a necessária gestão de mudança das áreas a serem conservadas”. (CASTRIOTA, 2009. Pág. 181).

Assim, para viabilizar a possibilidade de articulação das políticas urbanas e patrimoniais, o Estatuto mobiliza e cria instrumentos que buscam, em geral, compatibilizar os interesses de distintos segmentos da sociedade em uma área protegida, como proprietários, investidores do mercado imobiliário e sociedade

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civil, de modo a minimizar os conflitos existentes, com o objetivo final de efetivar o cumprimento da função social da propriedade urbana.

O tombamento também foi inserido no Estatuto da Cidade como um instrumento e mecanismo de política urbana. Desta forma, sua aplicação se expandiu do campo cultural para o urbano, oficializando o que já vinha sendo praticado no Brasil desde a década de 1970, no que se refere à convergência destas políticas. Dentre os demais dispositivos apresentados pelo Estatuto da Cidade que, em tese, poderiam facilitar e guiar de forma participativa o desenvolvimento urbano, e ainda, contribuir diretamente com a gestão do patrimônio cultural, destacam-se três mais comumente utilizados, que, de forma mais direta, impactam de forma convergente as políticas urbana e patrimonial:

O primeiro consiste na introdução de estímulos à preservação através de incentivos e benefícios fiscais e financeiros, como a isenção do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU do imóvel classificado como patrimônio. Em geral, este benefício, quando dado a proprietários de imóveis protegidos, possibilita que o recurso que seria destinado ao imposto seja revertido em melhorias e na manutenção do bem em questão.

O segundo dispositivo refere-se ao “Direito de Preempção”, que consiste na garantia da prioridade do poder executivo na compra de imóveis de interesse público em áreas previamente demarcadas pelo plano diretor. Assim, quando o plano diretor define este dispositivo para imóveis de interesse cultural, passa a existir a possibilidade de o poder público se tornar proprietário deste bem, podendo transformá-lo em um equipamento público e, assim, garantir sua conservação;

O terceiro se refere à “Transferência do Direito de Construir”, instrumento foco deste estudo. Através deste instrumento, o proprietário de patrimônio protegido por tombamento pode transferir o potencial construtivo previsto para a zona em que se localiza o seu imóvel, para outro edifício no mesmo terreno, ou para um terreno em outra área ou, ainda, alienar este potencial excedente. (Figura 01) Torna-se, assim, possível, através desta operação, gerar recursos para a manutenção do patrimônio. Esta ferramenta também é prevista para fins de proteção de área de interesse ambiental, para a implantação de equipamentos urbanos e comunitários ou para servir a programas de regularização fundiária e de urbanização de áreas destinadas a habitação de interesse social.

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Figura 01 – Demonstração do funcionamento do instrumento Transferência do Potencial Construtivo. Elaboração: Bárbara Lopes. 2015.

A priori, a Transferência do Direito de Construir é vista como um dispositivo facilitador da gestão patrimonial e que colabora com a equidade social urbana. No entanto, a prática deste e dos demais instrumentos de planejamento estabelecidos no Estatuto da Cidade tem assumido outros sentidos no âmbito da produção do espaço urbano. A apropriação destes instrumentos pelo mercado imobiliário, ou a falta de controle e capacidade de gestão das administrações municipais, tem gerado aplicações equivocadas que vão na contramão dos princípios trazidos por esta lei. Assim, os próximos tópicos deste capítulo buscam compreender a natureza deste instrumento e sua efetivação na política urbana e na produção do espaço urbano no Brasil.

1.3. A trajetória do conceito de solo criado e da transferência do potencial construtivo no Brasil.

A preocupação do Estado com a regulação urbana despontou com maior intensidade no século XIX, em razão do pensamento econômico e higienista em voga nos países capitalistas. É possível identificar, desde esta época, ações que objetivavam controlar a produção e o uso do solo no meio urbano. Os métodos de controle do espaço construído vêm sendo instituídos como normas na cidade, de modo sistemático, desde então. Segundo Ribeiro e Cardoso (1992): “classicamente,

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os instrumentos utilizados têm sido o zoneamento funcional da cidade, a fiscalidade fundiária e o urbanismo operacional”.

De acordo com Rezende et al. (2009) e Ribeiro e Cardoso (1992), o “solo criado” surge como um novo instrumento de política urbana, com efeitos de regulação pública do uso do solo, no início dos anos 1970. Sua origem está associada à constatação das limitações que o zoneamento urbano tinha sobre o controle da elevação do preço da terra e, principalmente, à busca da reversão da segregação urbana. Estas reflexões se iniciaram na França e na Itália que, com o uso dessa ferramenta, desvincularam o direito de propriedade do direito de construir na lógica da ocupação da terra urbana.

O solo criado constitui uma proposta de enfrentamento dos efeitos da dinâmica capitalista de produção do espaço urbano, já que nasce em meio ao crescimento das lutas urbanas nas cidades europeias e contemporâneo do surgimento de governos populares, baseados em alianças socialistas. Partindo-se do princípio de que a potencialidade construtiva de um imóvel é um produto coletivo, provindo de investimentos públicos no espaço urbano, chegou-se ao entendimento de que o potencial construtivo, ou o solo criado, é um produto social. Assim, a natureza do conceito de solo criado é fundamentada na ideia de que o direito de fazer uso de uma área urbana deve ser o mesmo para todos. Desta forma, o direito de construir equitativo na cidade torna-se inerente ao direito de propriedade.

A consolidação deste conceito acontece no ano de 1971, em Roma, quando técnicos ligados à Comissão Econômica da Europa da ONU e especialistas em planejamento urbano, habitação e construção civil, firmam um documento que defende a necessidade da separação entre o direito de propriedade e o direito de construir. Em 1975, o governo italiano propõe uma lei que efetiva esta separação, denominada “Legge Terra”, definindo que o proprietário de terreno urbano, ao ultrapassar o parâmetro construtivo determinado pela lei urbana do zoneamento, deve conceder uma contrapartida para investimento no interesse coletivo. O potencial construtivo excedente é definido em função do coeficiente de aproveitamento determinado para o setor, que, por sua vez, é a relação entre a área edificável e a área do terreno. Este coeficiente poderá ser único para toda a área urbana ou diferenciado entre básico e máximo, de acordo com a legislação de cada município.

No mesmo ano de 1971, o governo francês estabelece uma norma que limita o direito de construção, inerente ao direito de propriedade, a uma vez a área do terreno, denominando-a de “Plafond Legal de Densitè” (PLD) ou Teto Legal de Densidade. A definição do PLD, estabelecido como único para todo o país (com exceção de Paris), teve o intuito de aumentar a eficácia do controle do uso e da ocupação do solo e reduzir as desigualdades sociais decorrentes do zoneamento. Para ultrapassar este teto máximo definido pela norma, o proprietário teria a possibilidade de pagar pelo

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direito utilizar o potencial de construção excedente ao poder público. Acerca desta determinação, Ribeiro e Cardoso (1992) explicam que:

O produto da venda do direito de construção excedente à área do terreno deverá ser utilizado, obrigatoriamente, no financiamento de: a) programas de constituição de espaços verdes; b) aquisição de terras para a construção de moradias de interesse social e de equipamentos coletivos; c) programas de preservação do patrimônio cultural; e d) programas de construção de moradias de interesse social, a serem alugadas aos interessados. (pg. 372).

Nos Estados Unidos, a discussão acerca da separação entre o direito de propriedade e o direito de construir surge também neste mesmo período, ou um pouco antes, por volta de 1967, porém voltada para a criação de uma ferramenta que promovesse a adaptação do zoneamento e das regulações do solo à lógica do mercado imobiliário. Tinham, portanto, objetivos diferenciados, conforme observa Rezende et al. (2009). Neste sentido, a cidade americana de Chicago introduziu e aplicou dois instrumentos denominados: “space adrift” e “zoning bônus” (espaço flutuante e bônus de zoneamento, em tradução literal), contidos no Plano para a Cidade de Chicago, de 1973.

O instrumento denominado “zoning bonus” possui funcionamento semelhante ao PLD francês e ao atual dispositivo do Estatuto da Cidade denominado “Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC)”, que permite a “compra” de potencial construtivo pelo setor privado, sendo este recurso financeiro destinado a investimentos públicos a serem determinados pelo poder executivo local. Segundo Rezende et al. (2009), a crítica mais evidente ao zoning bonus é que ele vai além de uma redistribuição de densidades aprovadas pelo zoneamento. Os bônus trazem a possibilidade de injetar aumentos de densidade na cidade que, se não forem bem controlados, podem criar áreas superadensadas e, em consequência disto, excesso de demanda por serviços públicos nestas áreas.

Já na hipótese de aplicação do “space adrift”, o potencial construtivo seria transferido de um imóvel (como uma edificação de interesse histórico/arquitetônico, por exemplo) para outro, com o objetivo de se compensar o seu proprietário que, devido ao interesse de preservação do bem, não poderia utilizar o potencial construtivo permitido para área onde se situa. Assim, nesta experiência americana:

É constituído um Banco de Direitos de Construção, administrado pela autoridade pública, sendo o crédito por ele ofertado sob a forma de direitos de construção sobre edifícios históricos de propriedade pública e, também, de direitos de construção referentes a terrenos objetos de doação. Esses proprietários se beneficiariam de reduções dos impostos sobre a renda e da carga tributária que onerava o próprio imóvel. (RIBEIRO; CARDOSO, 1992).

No Brasil, a “Carta do Embu”, publicada em 1976 por diversos juristas e planejadores urbanos, trouxe a discussão do solo criado e da transferência do potencial construtivo para o cenário nacional. Consta, neste documento, como primeira conclusão o seguinte

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trecho:

1. É constitucional a fixação, pelo Município, de um coeficiente único de edificação para todos os terrenos urbanos. 1.1. A fixação desse coeficiente não interfere com a competência municipal para estabelecer índices diversos de utilização dos terrenos, tal como já se faz, mediante legislação de zoneamento. 1.2. Toda edificação acima do coeficiente único é considerada solo criado, quer envolva ocupação de espaço aéreo, quer a de subsolo. (Rezende et al. 2009. Pág. 60)

No final da década de 1970, São Paulo, Rio de Janeiro e alguns outros municípios das periferias metropolitanas, inserem o solo criado em seus planos diretores:

À semelhança da experiência francesa, instaura-se um fundo de financiamento, composto pela arrecadação da venda de solo criado pela Prefeitura, a ser utilizado na melhoria das condições habitacionais das camadas populares: urbanização de favelas, políticas de acesso à terra, construção pública de moradias populares. Procura-se, dessa forma, orientar o controle do uso do solo num instrumento redistributivo dos custos e benefícios da urbanização realizada pela dinâmica da produção capitalista do meio ambiente construído. (RIBEIRO; CARDOSO, 1992).

Em meio aos debates da Constituinte na década de 1980, o Movimento Nacional pela Reforma Urbana retoma as discussões acerca do solo criado e as possibilidades de se instituir mecanismos derivados de seu conceito, como forma de enfrentamento das desigualdades na cidade e do combate à especulação imobiliária sobre o solo urbano.

Como desdobramento destes debates, como já apresentado anteriormente, o Estatuto da Cidade, ao regulamentar o art. 182 da Constituição Federal de 1988, incorporou o conceito de solo criado na legislação brasileira através de instrumentos de política urbana. Assim, apesar de, em algumas cidades brasileiras, muitos instrumentos já possuírem um histórico de aplicação anterior à aprovação do Estatuto, a partir de 2.001, eles foram vinculados ao plano diretor de cada município e detalhados em leis municipais específicas.

Os principais instrumentos do Estatuto da Cidade que carregam a matriz do solo criado são a Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC) e a Transferência do Direito de Construir (TDC), que, apesar de terem origens diferenciadas, tratam da cessão de potencial construtivo em troca de ações de interesse público.

O instrumento da OODC aborda o ato administrativo de concessão, por parte do poder público, de potencial construtivo acima do coeficiente básico definido pelo zoneamento urbano, mediante contrapartida financeira a ser prestada pelo proprietário do imóvel solicitante.

Os recursos provindos desta operação deverão ser utilizados na implantação de melhorias urbanas, definidas nos incisos I a IX do art. 26 do Estatuto da Cidade. Para a aplicação do instrumento, o município deverá elaborar lei municipal especifica que

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determine:

I – a fórmula de cálculo para a cobrança;

II – os casos passíveis de isenção do pagamento da outorga;

III – a contrapartida do beneficiário”. (Art. 29. L.F. 10.157, 2001).

Já ao tratar do instrumento da TDC, como apresentado no item 2.2, a Lei permite ao proprietário de imóvel urbano, privado ou público, exercer em outro local o potencial construtivo previsto no plano diretor ou em legislação urbanística dele decorrente. Este potencial é calculado através da área do terreno e de seu coeficiente de aproveitamento segundo a lei de uso e ocupação do solo.

A priori, a Transferência do Direito de Construir foi concebida com o intuito de compensar proprietários de imóveis protegidos por tombamento ou localizados em áreas de preservação ambiental, por não desfrutarem de todo o potencial construtivo permitido pelos índices urbanísticos, em função da manutenção do seu valor histórico, arquitetônico, paisagístico ou ambiental. No entanto, a partir da discussão estabelecida pelo Estatuto da Cidade, ampliaram-se as possibilidades de aplicação do instrumento, que poderá ser utilizado para os seguintes fins:

I – implantação de equipamentos urbanos e comunitários;

II – preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural;

III – servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda e habitação de interesse social. (Art. 35. L.F.10.257, 2001).

Dentro destas possibilidades, a TDC pode assumir objetivos específicos de política urbana em cada município, sendo que, em alguns casos, todos os fins apresentados são considerados.

Os instrumentos derivados do conceito de solo criado se adaptaram às especificidades dos zoneamentos das cidades, variando de acordo com os coeficientes de aproveitamento empregados que podem ser únicos ou diferenciados pelos fatores de localização, oferta de serviços, valor imobiliário, entre outros.

Percebe-se que a necessidade de se elaborar uma lei específica para estes instrumentos, que detalhe seus recortes espaciais e seus objetivos específicos, indo além do que define o Estatuto da Cidade e o Plano Diretor de cada município, possibilita a adequação do mecanismo à realidade local, mas também possibilita a fragilização do instrumento frente aos interesses do setor privado. A fixação de áreas passíveis de receber o solo criado, por exemplo, nem sempre é bem definida pela lei local, dificultando a gestão do instrumento pelo poder público e permitindo sua

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relativização frente aos interesses dos agentes da produção do espaço urbano, como será discutido adiante.

Acerca dos fins a que se destinam estes instrumentos, percebe-se certa confusão entre a figura da Outorga Onerosa e da Transferência do Direito de Construir, pois, apesar da distinção dos objetivos dos instrumentos, há uma semelhança nos métodos utilizados nestes processos. Jorgensen (2008) argumenta que a Transferência de Potencial Construtivo – TPC – expressão utilizada por este autor para designar esta ferramenta –, quando analisada na perspectiva dos lotes de destino do potencial construtivo, pode ser vista apenas como uma modalidade da OODC que, no entanto, se diferencia por permitir a transação entre particulares.

Nos dois casos, constata-se um efeito semelhante ao das Operações Urbanas Consorciadas, onde o investimento privado é utilizado para investimentos urbanos públicos, através da troca entre interesses particulares e coletivos que envolvem a transação de potencial construtivo. Percebe-se, assim, que estes instrumentos representam uma forma de inserção do capital privado na política urbana para viabilizar a produção do espaço urbano. Ao mesmo tempo, eles representam uma tentativa de conciliação entre os interesses sociais e particulares no campo urbano. Jorgensen (2008), a este respeito, traz a seguinte análise:

Pode-se argumentar que, em operações dessa natureza, o termo Transferência do Direito de Construir é supérfluo, pois já se trata de uma Operação Urbana Consorciada. E com justa razão. Penso que o termo Transferência de Potencial Construtivo (o “direito de construir” não pode ser transferido porque não existe como “bem” do proprietário) deva ser reservado para operações (especiais e correntes) de manejo espaço-temporal do potencial construtivo definido no zoneamento. (2008. Pág. 5)

Nesta mesma citação, o referido autor insere outra importante reflexão que se refere à questão do “direito” de construir, já que este direito, expresso pelo potencial construtivo não empregado, é uma construção coletiva e não um bem do proprietário. Desta forma, o potencial de construção de certa área urbanizada é uma concentração de investimento público, ou seja, é um produto social decorrente da produção social do espaço urbano. É com esta compreensão que se utiliza a expressão Transferência do Potencial Construtivo para designar o foco deste estudo, diferentemente do Estatuto da Cidade que a aborda como Transferência do Direito de Construir.

Partindo deste pensamento, questiona-se o habitual entendimento da Transferência do Potencial Construtivo (TPC) como forma de compensação aos proprietários de imóveis que estão sujeitos às limitações administrativas do tombamento, ou a outra semelhante. A ação compensatória, geralmente justificada pelo fato de que a limitação urbanística reduz o valor do imóvel, pode ser questionada quando comparada a outras limitações urbanísticas ou administrativas que também são motivadas pela utilidade

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pública. Cabe destacar que, as limitações administrativas não necessariamente geram o dever de indenizar, como é o caso das áreas classificadas como non aedificandi por serem cortadas por cursos d’agua com faixas de preservação permanentes, por exemplo. Assim, no caso da Transferência do Potencial Construtivo, não há critérios suficientes na legislação existente que possam conferir potencial de construção como medida compensatória à limitação urbanística de forma justa.

Da forma corrente, a transação acontece partindo da autonomia do particular de solicitar a transferência do potencial construtivo (não utilizado) do seu terreno, que é baseado no valor vigente na zona em que o terreno se encontra, desconsiderando a proporção entre os custos do atendimento ao interesse coletivo e o valor arrecadado pelo particular na transferência.

Segundo Jorgensen (2008), este formato, geralmente utilizado na regulamentação desta ferramenta, cria a falsa ideia de que constituiria direito do proprietário se apropriar privadamente do potencial construtivo previsto em lei. Ou seja, que as ações de conservação serão pagas pelo valor de mercado do imóvel, transferindo recursos coletivos para o proprietário passivo. De acordo com o referido autor: “No limite, [o instrumento] altera em favor da propriedade a regra constitucional segundo a qual a desapropriação só se aplica no caso de esvaziamento do conteúdo econômico da propriedade imóvel” (pág. 6).

O entendimento do instrumento como meio compensatório à propriedade privada também não considera que as operações de TPC induzem gastos do poder público com a execução de projetos de interesse público, já que as áreas receptoras de potencial construtivo passam a demandar maior infraestrutura urbana devido ao aumento do adensamento.

Entende-se, portanto, que diferentemente de constituir uma compensação ao proprietário pela perda de um suposto direito construtivo, o instrumento deve ser visto como um incentivo à proteção ao patrimônio. A transferência é, assim, uma forma de obtenção de recursos para manutenção e proteção do patrimônio cultural, semelhante à da isenção de impostos e que, em uma hipótese mais coerente com os objetivos do instrumento, a transação pode acontecer de forma que o montante pago em títulos da TPC seja calculado com base no dispêndio da ação de restauração do imóvel, manutenção do patrimônio arquitetônico ou ambiental, ou, até mesmo, de desapropriação por interesse público. Esta interpretação e sua forma de funcionamento já são aplicadas em algumas experiências brasileiras, como é o caso de Curitiba que será apresentado junto de outras experiências e interpretações no item a seguir.

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1.4. Experiências de transferência de potencial construtivo no Brasil, alternativas e limitações.

Considerando o panorama das diversas experiências de uso da TPC no Brasil desde a década de 1970, é possível encontrar aplicações relativamente positivas ou negativas, seja do ponto de vista do imóvel que cede, seja daquele que recebe potencial construtivo. Cabe destacar que, assim como outras normativas urbanas, a transferência do potencial construtivo é um instrumento sujeito à pressão dos agentes modeladores do espaço urbano e passível de manipulação por parte de interesses privados.

Para ilustrar este panorama, vale citar algumas aplicações e particularidades ocorridas em cidades que implementaram este instrumento anteriormente à aprovação do Estatuto da Cidade, e que revisaram a ferramenta em seus planos diretores após a aprovação desta lei federal.

No Brasil, em 1969, o município de São Paulo estabeleceu, na Lei Municipal nº 7.288/69, a possibilidade de proprietários de imóveis particulares, atingidos pelo alargamento da Av. Paulista, doarem seus terrenos à prefeitura, facultando-se aos doadores adicionar a área doada no cálculo do índice de aproveitamento a ser aplicado no imóvel remanescente. Em 1975, Porto Alegre aprovou um decreto semelhante, como se detalhará adiante”.

Assim, desde a década de 1970, a cidade de São Paulo discute e aplica leis baseadas no conceito do solo criado. Foi justamente neste período que técnicos ligados à Secretaria Municipal desta cidade organizaram o evento que deu origem à já mencionada carta de Embu, e realizaram debates conceituais acerca do solo criado. Contudo, transferência do potencial construtivo, propriamente dita, foi aprovada neste município através da Lei nº 9.725 de 1984, que estabeleceu incentivos, obrigações e sanções relativas à preservação de imóveis históricos. São Paulo também foi uma das primeiras cidades a aprovar um plano diretor elaborado de acordo com o Estatuto da Cidade. Este plano, denominado Plano Diretor Estratégico de São Paulo (PE-SP), foi aprovado em 2002 e apresentou a TPC em seu Capítulo III, dentre os Instrumentos de Gestão Urbana e Ambiental.

O PE-SP retoma os termos do Estatuto da Cidade ao disciplinar que o instrumento da TPC se destina à implantação de equipamentos urbanos e comunitários, preservação ambiental e atendimento a interesse social ou cultural. O plano determina, ainda, que podem utilizar a transferência, os imóveis inseridos em áreas destinadas à preservação, recuperação e manutenção do patrimônio cultural, denominadas no zoneamento urbano como Zonas Especiais de Preservação Cultural – ZEPEC, de acordo com o art. 24, Inciso I, da lei de zoneamento urbano decorrente deste plano (nº 13.885/2004).

Grande parte das experiências práticas do município de São Paulo com

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o instrumento da TPC, entretanto, está vinculada à gestão urbana com fins de regularização fundiária, construção de habitações de interesse social e urbanização de áreas ocupadas por famílias de baixa renda. Estas soluções têm facilitado as negociações entre o Estado, enquanto mediador do interesse social, e o setor privado.

Dentre estas experiências, destaca-se a iniciativa de regularização fundiária e reestruturação urbana da favela Paraisópolis com a utilização da TPC. A operação alcançou seus objetivos por meio da negociação entre o poder executivo e os proprietários das terras ocupadas pelos moradores da favela. Os proprietários repassaram seus títulos de propriedade para a municipalidade em troca de potencial construtivo em outras áreas. Em alguns casos, o repasse do terreno ao poder público foi negociado através do perdão da dívida relativa ao IPTU dos terrenos que estavam em atraso.

No caso da cidade de Curitiba – PR, a TPC é um instrumento presente na Lei Orgânica do Município, regulamentada desde 1982 pela Lei nº 6.337, e tem o objetivo de preservar o patrimônio histórico local através de incentivos construtivos. Em 2000, seu uso foi ampliado, inserindo-se na lei os objetivos de preservação de áreas verdes e fundos de vale e de regularização fundiária de assentamentos informais.

Na aplicação da ferramenta, em Curitiba, é utilizado um mecanismo de controle de adensamento denominado “fator de correção”. O fator de correção tem valor variável em cada área da cidade e tem como objetivo incentivar a transferência para áreas onde há um interesse de adensamento por parte do poder público, por serem áreas com boa oferta de infraestrutura, por exemplo. Desta maneira, quanto mais baixo o fator de correção de determinada área, maior será o potencial transferível. Os valores dos fatores de correção são determinados e zoneados através de decretos específicos. Acerca do limite de recepção do potencial construtivo neste município, Guimarães (2007) destaca que:

Em Curitiba, os imóveis que recebem o potencial construtivo deverão atender aos demais parâmetros da Lei de Zoneamento e Uso do Solo. Cabe ressaltar que na introdução do instrumento Solo Criado, pela Lei nº 7420/1990, os coeficientes de aproveitamento máximos existentes passaram a ser os coeficientes básicos. (2007. Pág. 64)

Analisando-se esta lei regulamentada em Curitiba em 1982 e revisada em 2000, encontra-se uma possível resposta ao questionamento da TPC como uma compensação aos proprietários de imóveis com limitações administrativas. A legislação prevê que o valor do potencial transferido deve ser equitativo ao custo da ação de interesse público efetuada sobre o bem. Ou seja, no caso do patrimônio protegido, o valor econômico do potencial construtivo a ser transferido deverá ser equivalente ao custo estimado para o restauro ou manutenção do bem em questão. Para isso, a prefeitura do município expõe em seu endereço eletrônico, uma tabela onde consta

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a disponibilidade de solo criado passível de aquisição por particulares, deixando o processo mais simplificado. Assim, utilizando o mecanismo de conversão do custo do restauro de edifícios públicos em cotas de potencial construtivo a serem vendidas pelo município, a administração conseguiu viabilizar o restauro de construções historicamente importantes para a cidade. Este foi o caso da Basílica de Curitiba, que teve seu restauro financiado por este tipo de transação.

No entanto, os impactos da aplicação do instrumento ainda são questionáveis no que diz respeito ao ambiente urbano que recebe potencial, como é o caso de algumas das experiências em que sua aplicação foi efetuada no mesmo terreno do imóvel gerador de potencial, produzindo efeitos negativos e demonstrando a falta de critério no emprego do instrumento. As fotos seguintes (Foto 01 e 02) mostram o efeito meramente fachadista, do ponto de vista da preservação do imóvel histórico, e favorecedor de interesses do mercado imobiliário decorrente da aplicação do potencial construtivo numa edificação histórica da Alameda Dr. Carlos de Carvalho, em Curitiba.

Foto 01 e 02 - Aplicação da TPC sobre imóvel protegido em Curitiba. Fonte: Google StretView. Acesso em maio de 2015.

Estas soluções são apresentadas como um acordo equilibrado entre os interesses públicos e privados, mas na realidade, os casos expostos retratam claramente a submissão dos interesses de preservação aos interesses do mercado imobiliário e da indústria da construção civil.

De forma genérica, há uma crítica à TPC no sentido de ela promover um aumento de densidade inconveniente e sem controle de certas áreas das cidades onde é aplicada. Esta interpretação é equivocada, já que a causa real deste tipo de deturpação está, comumente, na falta de limites máximos estabelecidos para a utilização do instrumento em um mesmo imóvel, ou na ampliação prévia dos índices e parâmetros construtivos (como coeficientes de aproveitamento máximos, gabarito, taxa de ocupação, entre outros) pelos planos diretores e leis específicas, ou, ainda, na sobreposição de instrumentos de indução da urbanização. Assim, a alteração

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dos índices urbanísticos das leis específicas dos municípios interfere diretamente na aplicação dos instrumentos de política urbana, como no caso do cálculo de potencial a ser transferido pelo instrumento da TPC.

Esta é mais uma questão levantada na aplicação do instrumento em Curitiba, onde, devido à falta de uma visão de planejamento global, permitiu-se que áreas recebessem aumento de potencial construtivo provindos da OODC e da TPC, concomitantemente, possibilitando-se o superadensamento de certas áreas.

No ano de 2014, os temas da transferência de potencial construtivo e do solo criado foram intensamente debatidos em Curitiba, em decorrência de uma operação ligada à reforma do estádio do Atlético Paranaense para a Copa do mundo de futebol da FIFA que gerou questionamentos. A transação em questão relacionava-se ao financiamento da obra, que reunia investimentos do estado, do município e do Clube Atlético Paranaense, o qual era proprietário deste estádio também conhecido como “Arena da Baixada”. No Convênio 19.275, ficou estabelecido que cada uma destas partes, seria responsável por 1/3 do valor estimado para execução da obra. O estado do Paraná, que ficou responsável por intervenções estruturantes, deixou a cargo do município dois terços desta reforma. Ao Clube Atlético Paranaense, por fim, couberam contrapartidas sociais extremamente ínfimas perto do montante público investido.

De forma sintética, a estratégia que o poder público municipal encontrou para repassar ao Clube os valores correspondentes à sua parte na operação financeira foi através da instituição de títulos de potencial construtivo em nome do Atlético Paranaense. O Tribunal de Contas apontou irregularidades, falta de transparência e objetividade nos dados apresentados a partir dessas negociações. Segundo Franzoni e Luft (2014):

A complexidade da engenharia financeira e urbanística utilizada neste caso, levou a uma série de confusões a respeito da natureza jurídica deste potencial construtivo e da sua adequação ao ordenamento urbanístico. Chegou-se até a afirmar que se tratava de um novo instituto criado pelo Município de Curitiba. (Pág. 249).

O mecanismo utilizado para esta operação foi o Cerificado de Potencial Adicional de Construção (CEPAC), comumente utilizado em Operações Urbanas Consorciadas, que consiste em um título imobiliário de livre circulação no mercado. A negociação de TPC, quando permitida entre particulares, tem funcionado como o CEPAC, mas, a certidão da TPC aprovada pode ser convertida em valor monetário, diferentemente deste primeiro instrumento.

A transação relativa à Arena da Baixada levantou a discussão acerca de qual instrumento urbanístico estava efetivamente sendo utilizado, concluindo-se que se tratava de uma operação de Outorga Onerosa de Potencial Construtivo. Entretanto, o

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controle sobre estas operações foi questionado e debatido, principalmente no quesito da possibilidade de distorção de seus objetivos e métodos.

Em Salvador - BA, o TPC, conhecido como TRANSCON3, foi criado sobre as bases legais da Lei Municipal nº 3805/1987, da Lei Orgânica/1990 e do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano - Lei nº 6586/2004. O TRANSCON foi instituído para fins de preservação de áreas de interesse do patrimônio histórico, artístico, paisagístico e ecológico, implantação de infraestrutura urbana, equipamentos urbanos ou comunitários, ou utilização pelo próprio Município, regularização de situação fundiária e formação de estoque de terrenos pelo Município. A lei também determinava que as áreas potencialmente receptoras do potencial construtivo deveriam ser indicadas pelo Plano Diretor, considerando-se que este seria revisto em 1992 e que as operações seriam então objeto de avaliação específica e aprovadas mediante autorização legislativa. Desta forma, cada situação seria analisada em sua particularidade.

Em 1990 foi aprovada a Lei Orgânica do Município, que reafirmava a utilização do TRANSCON. Na Lei Orgânica foi aberta a possibilidade de alienação do potencial construtivo calculado, assim como sua transferência de uma zona para outra. A lei também permitiu que particulares ao doarem seu imóvel, ou parte dele, ao poder público para fins de implantação de infraestrutura urbana, receberiam em potencial construtivo o valor desta transação. Sendo possível seu uso também como moeda de troca nos casos de desapropriação para fins de utilidade pública. Entretanto, a escassez progressiva de áreas para recepção deste potencial gerou um grande desequilíbrio, ampliando a pressão do mercado imobiliário sobre as alterações na legislação urbanística local.

A revisão do PDDU, prevista para 1992, aconteceu em 2004, quando por pressão do mercado imobiliário, aprovou-se um dispositivo que condicionava o uso da OODC à redução dos estoques de potencial construtivo originados pela aplicação do TRANSCON. Neste dispositivo, a implantação da Outorga Onerosa no município era postergada até a redução do saldo de certificados de Transcon a 20% do total existente naquele momento de aprovação do PDDU/2004. Esta determinação foi amplamente debatida devido a seu descabimento e finalmente suprimida do PDDU em 2008.

Sampaio (2010) traz uma análise acerca da aplicação do TRANSCON em Salvador, demonstrando como este instrumento foi utilizado pelo mercado imobiliário para se apropriar das mais valias urbanas, assumindo um papel legislativo que se sobrepõe ao próprio plano diretor municipal. O autor destaca a inexistência de delimitação de áreas passíveis de aplicação do instrumento, tanto doadoras e a serem protegidas, quanto receptoras deste potencial construtivo adicional. Ele aponta, assim,

3 Transferência do Direito de Construir.

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a fragilidade da norma, o que deixa o tema sujeito a avaliações subjetivas e variadas interpretações.

Esta fragilidade da lei permitiu que, ao contrário de um desenvolvimento urbano qualitativo, as bordas marítimas da cidade, que são áreas de extrema valorização fundiária, fossem sensivelmente impactadas pelo direcionamento de potencial construtivo adicional, em torres que se destacam na paisagem urbana soteropolitana.

A Lei continua sendo utilizada como uma espécie de moeda para o mercado imobiliário, potencializando a especulação imobiliária local, além de continuar permitindo que a paisagem da cidade seja agredida dentro da legalidade. (Foto 03).

Foto 03 - Silhueta do Corredor da Vitória (Av. Sete de Setembro). A verticalização do TRANSCON nas torres mais altas e a ocupação anterior à lei. Fonte: Recorte de

panorâmica de Thairo Pandofi. 2014.

Em 1975, Porto Alegre aprovou um decreto semelhante que possibilitava aos proprietários de terrenos que cedessem área para ações de interesse coletivo, adicionar ao potencial construtivo do seu imóvel, o índice de aproveitamento referente à parte abdicada. É possível perceber que estas duas ações já constituíam uma forma incipiente da, atualmente denominada, transferência de potencial construtivo. Nesta experiência, a área urbana é decomposta em macrozonas de planejamento. Assim, os índices construtivos podem migrar de um lote para o outro, desde que dentro desta mesma unidade territorial.

O adensamento de Porto Alegre é limitado em cada Unidade Territorial, assim como planejado para cada quarteirão. O controle deste adensamento é feito pela Secretaria de Planejamento do município e a atualização da densidade é feita a cada aprovação de nova edificação.

A maior parte das cidades não faz um estudo preliminar para determinar áreas receptoras de TPC, e sem esta avaliação não é possível reconhecer a demanda do mercado imobiliário por potenciais construtivos adicionais. Deve-se observar ainda que a TPC não é a única maneira de aquisição de potencial construtivo adicional, como é o caso da Outorga Onerosa do Direito de Construir, possibilitando assim, que

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a TPC seja utilizada conjugada a estes instrumentos ou que se torne supérflua em determinadas situações.

Além disso, ao se estabelecer o limite de que a transação seja feita somente entre edifícios de uma mesma unidade territorial ou zona de planejamento, pode-se criar algumas dificuldades para a aplicação do instrumento, principalmente na possibilidade de preservação e manutenção de centros históricos. Isto se justifica pelo fato de que, em geral, as edificações de valor histórico se encontram nos centros tradicionais das cidades, em zonas que, comumente, já atingiram seus índices urbanísticos máximos ou não dispõem de terrenos que podem receber o potencial construtivo adicional produzido pela operação da TPC.

Percebe-se que o controle sobre o adensamento das cidades e o interesse do mercado imobiliário são muitas vezes vetores opostos das forças que promovem a produção do espaço urbano. O uso das ferramentas, que por sua natureza teriam a função de garantir a função social da propriedade, tem sido, contudo, no Brasil, determinado, comumente, pelo mercado imobiliário e guiado pelas melhores vantagens apresentadas para o setor privado. Na análise que se segue, são avaliados alguns dos processos relativos ao planejamento e à gestão urbana em Juiz de Fora, bem como apontados os reflexos da pressão do mercado imobiliário sobre as posições assumidas sobre o espaço construído.

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2. JUIZ DE FORA: FORMAÇÃO, DESENVOLVIMENTO URBANO E PATRIMÔNIO

2.1. A formação da cidade e seu desenvolvimento urbano

O município de Juiz de Fora é o principal centro da polarizadora Zona da Mata Mineira (Mapa 01), localizando-se em um eixo estratégico de acesso às metrópoles

de Belo Horizonte, São Paulo e principalmente Rio de Janeiro.

Mapa 01 - Inserção do município de Juiz de Fora na região sudeste do Brasil. Elaboração: Bárbara Lopes. Agosto de 2015.

Esta proximidade influencia em muitos aspectos o desenvolvimento demográfico e econômico do município, que se encontra entre os cinco mais populosos do estado de Minas Gerais. No último senso, em 2010, foram contabilizados 516.247 habitantes e estimados 545.942 habitantes para o ano de 2013, demonstrando um crescimento demográfico ascendente. Ainda segundo as estatísticas de 2010, na área da unidade territorial de 1.435,664 km², a densidade demográfica é de 359,59 (hab/km²). (Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, Censo 2010). (Quadro 01)

Quadro 1- Evolução da população do município de Juiz de Fora segundo o IBGE.

Elaboração: Bárbara Lopes. 2015.

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Mapa 02- Microrregião do município de Juiz de Fora. Elaboração: Bárbara Lopes sobre base de Boscariol, Antônio. 2013.

Acerca da formação histórica de Juiz de Fora, segundo o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Juiz de Fora – PDDU (2004) e OLIVEIRA (2006), em 1703, foi criada uma nova estrada, passando pela Zona da Mata Mineira, para facilitar o transporte do ouro extraído das minas para o Rio de Janeiro. Esta estrada, conhecida como Caminho Novo, possibilitou uma maior circulação de pessoas pela região, que, anteriormente, era composta de mata fechada e habitada por poucos índios das tribos Coroados e Puris.

Nesta época, o Império passa a distribuir terras (denominadas sesmarias) na região para pessoas de origem nobre, facilitando o povoamento e a formação de fazendas que mais tarde se especializariam na produção de café. Já em 1853, em função das hospedarias e armazéns que surgiram ao longo do Caminho Novo, formou-se a Vila de Santo Antônio do Paraibuna, situada na região do atual bairro Alto dos Passos. Esta Vila foi emancipada de Barbacena e elevada à categoria de cidade e, em 1865, ganhou o nome de cidade do Juiz de Fora. Entretanto, “(...) a ocupação efetiva de Juiz de Fora, só se fez durante a segunda década do século XIX, quando as minas já se encontravam em processo acelerado de esgotamento”. (PASSAGLIA4, 1983. p. 21).

4 PASSAGLIA, Luis Alberto. Preservação do Patrimônio Histórico de Juiz de Fora. Medidas iniciais. Juiz de Fora,1982. Neste livro o autor relata as primeiras ações que envolveram a gestão patrimonial no município, além de descrever o processo de pré-inventário do patrimônio cultural de Juiz de Fora.

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Segundo Leal (2010),

(...) o delineamento da cidade iniciou-se em meados da década de 1843, quando o tenente Antônio Dias Tostes (figura ilustre da história da região) deixou para seus filhos, em testamento, as terras que mais tarde comporiam o centro da cidade. (...) Essas terras ficavam ao longo da ‘Estrada Nova’ – desvio do Caminho Novo para a margem direita do Rio Paraibuna. (LEAL, 2010. Pág. 62)

O nome da cidade possui sua origem etimológica pouco precisa, no entanto, a versão mais conhecida afirma que o nome Juiz de Fora é uma referência a um juiz, magistrado, do tempo colonial, nomeado pela Coroa Portuguesa, que deveria atuar onde não havia juiz de direito. Este juiz se hospedou em uma fazenda da região que passou a ser conhecida como a Sesmaria do Juiz de Fora, onde posteriormente surgiria a Vila de Santo Antônio do Paraibuna.

No final do século XVIII, a capitania de Minas Gerais possuía a maior concentração populacional, possuindo atividades urbanas significativas ligadas ao comércio e principalmente à indústria têxtil, que, segundo Passaglia (1983), foi o motivo que levou ao decreto real que proibia atividades produtivas que pudessem ameaçar a hegemonia produtiva do reino ou que pudessem desviar a mão-de-obra da exploração de minérios. “Temos assim, em Minas, a presença de fatores que vieram a propiciar o desenvolvimento de uma sociedade burguesa e de uma classe de agricultores com nítidos princípios de organização mercantilista, fundamentados no suprimento deste mercado”. (PASSAGLIA, 1983. Pág.22. Ibidem).

Segundo o PDDU 2004, a ocupação do município se iniciou às margens do Rio Paraibuna, condicionando sua forma originalmente linear e limitada pela topografia natural. Posteriormente, as expansões desta ocupação foram conduzidas pelo desenvolvimento dos meios de transporte e de suas vias de ligação regional, entre os quais se destacam: a estrada de rodagem da Companhia União Indústria, inaugurada em 1861 por Dom Pedro II, que fazia a ligação Petrópolis (RJ) a Juiz de Fora (MG) e, posteriormente, pelas linhas férreas que cruzavam a cidade. A primeira, denominada linha Dom Pedro II, posteriormente chamada de Central do Brasil, que chegou a Juiz de Fora em 1875; e, em seguida, pela Linha Férrea Leopoldina, inaugurada em 1884, que ligava Juiz de Fora a Piau - MG. (Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Juiz de Fora, 2004). Destaca-se o fato de estas três principais vias de transporte, que norteavam os eixos de expansão urbana da cidade, perpassarem a área chamada de “cidade-baixa”, marcada hoje pela Praça Doutor João Penido, conhecida como Praça da Estação. A posteriori, estes eixos de transporte originais vieram a sofrer um processo de dispersão, induzido pelos vários corredores de desenvolvimento formados por caminhos espraiados que se estendem em um formato que se aproxima ao de uma estrela (PDDU 2004).

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A construção da Estrada de Rodagem União Indústria ficou conhecida por ser a primeira rodovia macadamizada5 da América Latina, e representou um marco na ocupação da cidade de Juiz de Fora, sendo bastante representativa da modernização da vida econômica brasileira. A obra da estrada, que liga Petrópolis à Juiz de Fora, foi administrada pelo empresário, juiz-forano, Mariano Procópio, proprietário da Companhia União e Indústria, que deu nome à rodovia. Para sua construção e custeio, Procópio recebeu sua concessão por 50 anos, sendo autorizado a cobrar pedágio pelas mercadorias que ali circulavam. A construção da estrada União Indústria demandou altos investimentos, experiência técnica e mão de obra qualificada. O investimento em rodovias de conexão era apresentado como um recurso de impacto no desenvolvimento econômico local e regional, incentivando o desenvolvimento do processo industrial da cidade6.

As circunstâncias nas quais a cidade se desenvolveu influenciaram bastante a conformação de seu espaço urbano, nas técnicas construtivas empregadas e os costumes locais.

Esta tendência de natureza urbana que a iniciativa de Mariano Procópio continha, propiciou a formação de uma classe média, aumentada na medida em que crescia a sua polarização comercial. (...) A partir da década de 1880, se acentuou as atividades industriais e de serviços. A instituição da primeira casa bancária de Minas, a Escola de Comércio e uma companhia de eletricidade, esta última possibilitou que as oficinas e as indústrias concentrassem no núcleo urbano, encerrando toda uma fase de dependência das quedas d’aguas. Aqui temos a formação de uma classe operária e empresarial na composição de sua população. (PASSAGLIA, 1982. Pág. 23. Ibidem).

Juiz de Fora, que já possuía um crescimento constante, sofreu um aumento populacional vultoso na década de 1970, advindo de uma população de 238.510 habitantes, no início dos anos 70, que saltou para 307.525 habitantes em 1980. (Quadro 01). O PDDU (2004) de Juiz de Fora, aponta que este aumento se deu, em grande parte, em razão da migração para a cidade de contingentes originários, prioritariamente, do sudeste mineiro, que, juntamente com as áreas fluminenses próximas da divisa com Minas Gerais, constituíam então as áreas polarizadas pelo município. Neste período Juiz de Fora já era considerada uma cidade de médio porte, que exercia grande influência política, econômica e de acesso a produtos e serviços em âmbito regional.

Em função da propagação de fábricas de modelo de produção fordista, com aspectos semelhantes aos exemplos arquitetônicos britânicos, a cidade ficou conhecida

5 Tipo de pavimentação que se assemelha ao asfaltamento.

6 Mais sobre a estrada União Indústria in http://www.ufjf.br/centrodeciencias/projetos/museu-usina-marmelos-zero/ e Patrícia Falco Genovez, in A viagem enquanto forma de poder: a viagem de Pedro II e a inauguração da rodovia União e Indústria, em 1861.

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como “Manchester Mineira”, como referência à cidade inglesa, que, na época, era bastante representativa dos maiores polos industriais do mundo. O cognome surgiu devido ao pioneirismo de Juiz de Fora na industrialização brasileira, no período de 1850 a 1930 (com maior vigor em 1880), o que a tornou, naquela época, o principal centro industrial do estado de Minas Gerais.

Juiz de Fora possui hoje um grande acervo de patrimônio industrial como consequência daquele momento de prosperidade econômica. As construções daquele período estão concentradas no centro tradicional da cidade e representam alguns dos principais bens patrimoniais reconhecidos pelo município na atualidade. Esta concentração está ligada aos métodos de produção utilizados por cada processo fabril, desde a viabilização de mão de obra, até o acesso às fontes de energia. Passaglia (1983) comenta que dentre as influências do avanço das instalações fabris na cidade, está a chegada do imigrante alemão para suprir a demanda por mão de obra no setor.

Nessa fase de crescimento do setor industrial, as linhas férreas Dom Pedro II e Leopoldina ganharam maior importância por estarem ligadas ao transporte que dava apoio às fabricas que vinham conquistando espaço na cidade. Em 1875, foi inaugurada a Estação Ferroviária da estrada Dom Pedro II, que hoje abriga o Museu Ferroviário de Juiz de Fora. A linha férrea Central do Brasil é hoje utilizada para transporte de cargas e a antiga estrada de ferro da Companhia Leopoldina teve, em 31 de janeiro de 1972, seu último trem de passageiros saindo do ramal de Juiz de Fora, que foi suprimido pela Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA) dois anos e meio depois.

A economia urbana cresce apoiada na difusão da indústria fordista e no mercado imobiliário criando bairros, vilas operárias e adensando a ocupação da área central da cidade. (...) O transporte de bondes chega à cidade em 1880, quando foi criada a CIA. Ferro Carril de Bondes de Juiz de Fora. (MENEZES, 2010).

Assim, a cidade prospera com bases no setor industrial até a crise de 1950, que altera significativamente sua estrutura econômica. Além disso, com a mudança da capital federal do Rio de Janeiro para Brasília inicia-se um processo de estagnação econômica especialmente na região definida como Sudeste Oriental, incluindo Juiz de Fora. A crise regional dos anos 1950 somada à crise nacional dos anos 1960 determinou uma grave crise da indústria local (Meneses, 2010).

De forma geral, a configuração da rede urbana brasileira, que, antes das décadas de 1960 e 70, era formada, principalmente, por uma hierarquia de grandes centros urbanos e pequenas cidades diluídas no território, com o passar do tempo, foi adquirindo uma conformação mais complexa. Esta conformação era constituída por cidades de diferentes portes que se diferenciavam não somente pelo número de habitantes, mas por diversos fatores como fluxos econômicos e inserção regional, dentre outros.

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Como consequência das mudanças estruturais ocorridas em âmbito nacional, Juiz de Fora na década de 1970 passa a estar ligada à economia regional mineira, representando uma complementaridade do setor metalúrgico de Belo Horizonte. A cidade recebeu naquele período algumas multinacionais ligadas à metais não ferrosos e outros produtos variados, como gases químicos e fábrica de embalagens.

No cenário internacional, a década de 1970 foi marcada pelo ápice de uma profunda crise no modo capitalista de produção (HARVEY, 1992) dos países de economia central, sendo este um dos principais fatores que contribuíram para as mudanças estruturais ocorridas nas redes urbanas. Esta crise, que tem início já na década de 1960 e grande repercussão nos Estados Unidos, teve como uma de suas causas a elevação dos preços do petróleo e de matérias primas que subsidiavam as indústrias, marcando, segundo Harvey (1992), a transição do modelo fordista de produção para outro que denomina de “acumulação flexível”.

A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional (HARVEY, 1992, pag. 140)

Para superar a crise, com a limitação da intervenção do Estado na economia, foram postas em marcha novas relações de trabalho e novas estratégias para aumento da taxa de lucro por meio da redução dos custos de produção. Esta reestruturação produtiva, que implicou o surgimento de uma nova fase na divisão internacional do trabalho, foi marcada pela expansão das multinacionais e dos investimentos diretos no exterior.

Com vistas à diminuição dos custos de produção, investimentos foram direcionados para países de economias periféricas e semiperiféricas, o que transformou empresas multinacionais em transnacionais, com espaço ampliado para decisões de investimento e produção no exterior. Estas ações suscitaram um processo de restruturação econômica, política, social, espacial e ideológica em nível mundial, balizado pela difusão do “meio técnico-científico informacional” (Santos, 1996).

O regime de “acumulação flexível”, com certa defasagem temporal, estendeu-se também ao Brasil, como um país de economia periférica, e produziu novas estratégias de gestão e de escolhas locacionais, assim como novas relações de produção e de trabalho. Essas novas estratégias favoreceram a desconcentração das atividades industriais e a difusão territorial de filiais de grandes empresas nacionais e estrangeiras.

A década de 1990 marca uma profunda mudança na estrutura econômica brasileira, com uma aproximação do poder privado nas decisões, atividades e

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serviços públicos através das privatizações, e com uma reestruturação produtiva e internacionalizada, entre outros fatores, inseriam o Brasil no processo chamado “globalização”.

As décadas de 1990 e 2000 em Juiz de Fora são marcadas pelo planejamento estratégico e pela prática urbana limitada a algumas obras de infraestrutura urbana, investimentos no mercado imobiliário de alta renda, com a implantação de condomínios fechados e centros empresariais e marketing como parte da estratégia de competição entre cidades.

Acerca do processo de expansão urbana recente, Menezes (2010) elucida:

De acordo com a cartografia do espaço urbano a cidade se expande em direção aos eixos rodoviários, notadamente aos acessos da BR 040 - Rio-Brasília. No entanto, pode-se afirmar haver uma clara divisão territorial do trabalho entre o que comumente é designado como acesso sul e o que se reconhece pelos habitantes como acesso norte. Localizados no eixo do acesso norte a cidade se estende na forma de bairros populares, ocupações e programas de habitação social, assim como, grandes equipamentos industriais e de logística; ao contrário do eixo sul, onde a cidade se organiza enquanto espaço de uso e ocupação da elite local e regional, privilegiando a existência de condomínios fechados, equipamentos de comércio em forma de leasing e condomínios, bem como espaços privados de lazer e cultura.

Percebe-se assim, que a expansão urbana do município de Juiz de Fora segue a lógica capitalista, se estruturando sempre em resposta às demandas do capital. Assim, sua expansão ocorre em saltos, “mantendo vazios urbanos que serviram como reservas à especulação tendo seu valor ampliado com a chegada da infraestrutura básica, criando e garantindo a existência de graus diferenciados de valorização.” (Oliveira, 2006. pág. 41).

No mapa 03, é possível identificar a formação e ocupação urbana de Juiz de Fora. Observa-se que a mancha na cor vermelha escura, que representa o desenvolvimento inicial da cidade, se concentra ainda próxima ao leito do Rio Paraibuna e, na medida em que a cidade cresce, as tonalidades claras mostram a forma difusa desse crescimento, que seguiu as várias conexões de transporte.

2.2. Caracterização do patrimônio local

Alguns trabalhos foram desenvolvidos em Juiz de Fora com o intuito de caracterizar seu patrimônio e arquitetura, estando entre os mais conhecidos, o livro “Preservação do patrimônio histórico de Juiz de Fora”, que reúne informações acerca do Pré-Inventário de Juiz de Fora (1983), de autoria do professor Luiz Alberto do Prado Passaglia, e publicado através da Comissão Permanente Técnico Cultural, do Instituto de Pesquisa e Planejamento (IPPLAN); a série de artigos reunidos na Coleção História

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58Mapa 03 - Evolução da mancha urbana de Juiz de Fora. Elaboração: Equipe geoprocessamento SEPLAG/SSPLAT - Juiz de Fora. 2014. Fonte: Prefeitura Municipal de Juiz de Fora.

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e Arquitetura de Juiz de Fora, coordenados por Patrícia Falco Genovez, publicados pela Clioedel - Clio Edições Eletrônicas, através do Projeto virtual do Arquivo Histórico da UFJF (1998); e o Guia dos bens tombados de Juiz de Fora (2002), coordenado por Paulo Gawrysewski, que apresenta os imóveis tombados individualmente, destacando sua localização, histórico e caracterização, época da edificação e tombamento municipal.

Com o intuito de caracterizar o patrimônio de Juiz de Fora e sua relação espaço-temporal com a produção da cidade, serão abordadas mais diretamente as publicações de Passaglia (1983) e Genovez (1998), por estarem mais ligadas aos processos de reconhecimento do patrimônio protegido pelo poder público, como será discutido no item 3.2.

No livro de Passaglia (1983), por ser a extensão do primeiro trabalho que visou instrumentalizar o poder público no setor patrimonial, não há tanta preocupação com as características arquitetônicas, mas com o contexto histórico dos bens do Pré-Inventário e sua relação com a configuração urbana. Destacam-se neste trabalho as relações sociais que envolviam estes bens, incluído os esforços, de alguns membros atuantes da sociedade juiz-forana para a preservação de determinadas edificações até 1983.

Nesta publicação, baseada no “Pré-inventário dos Bens Culturais”, foi feita uma setorização física e histórica que apresenta as diferentes etapas de formação da cidade e uma segunda categorização que envolve cinco setores da região central. A primeira categorização, que remete à setorização físico-histórica não possui terminologia adequada, deixando esta classificação confusa. Denomina-se como ocupação “proto-histórica” a primeira fase da formação urbana da cidade, passando pelos períodos de crescimento econômico, desenvolvimento da construção civil e chegando-se, por fim, na etapa denominada “organização dos serviços básicos que caracterizavam a cidade como entidade urbana”.

Já a segunda categorização, que define cinco setores da região central, foi realizada da seguinte forma: 1) Setor Mariano Procópio; 2) Setor Praça Antônio Carlos; 3) Setor Praça João Penido; 4) Setor Parque Halfeld; e 5) Setor Alto dos Passos. Segundo o autor, não foi possível classificar cronologicamente outros imóveis enquanto conjunto, visto que não se encontravam em situação de vizinhança. Estes imóveis por não se encaixarem no conceito urbanístico utilizado de classificação espaço-temporal, foram apresentados de forma isolada, sendo destacada sua importância histórica na formação da rede urbana.

No caso da coleção de Genovez (1998), publicada pelo Clioedel, os artigos fazem parte de uma parceria entre o extinto Instituto de Pesquisa e Planejamento (IPPLAN) e a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) para caracterização

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histórica e arquitetônica dos edifícios que foram inventariados pela empresa Século 30, em 1996, com o objetivo final de tombamento de aproximadamente 170 imóveis. Para esta análise foi feita uma setorização que apresenta nove núcleos históricos e arquitetônicos, os quais convergem, em parte, com a classificação proposta por Passaglia (1983): 1) Praça Dr. João Penido; 2) Ruas Marechal Deodoro e Halfeld (parte baixa); 3) Ruas Marechal Deodoro e Halfeld (parte alta); 4) Rua Batista de Oliveira (parte central) e Avenida Getúlio Vargas, 5) Bairro Granbery; 6) Rua Espírito Santo; 7) Avenida Rio Branco (Alto dos Passos), 8) Avenida Rio Branco (entre Parque Halfeld e Largo do Riachuelo); 9) Bernardo Mascarenhas, Avenida dos Andradas e Bairro Mariano Procópio. A análise conta com um panorama histórico e, exceto em alguns casos, destaca os aspectos arquitetônicos dos bens inventariados.

Desta forma, a caracterização do patrimônio edificado reconhecido pelo poder público e hoje protegido por tombamento, será aqui desenvolvida considerando a abordagem destes dois autores. Assim, o mapa 04 traz a localização dos setores definidos a partir da interpretação destas classificações. Destaca-se que a Unidade Territorial 1, apresentada no mapa, se refere à classificação do Plano Diretor (2000) e abrange o centro tradicional da cidade.

Setor Mariano Procópio

Em termos urbanos, em meados do séc. XIX, a cidade de Juiz de Fora se concentrava às margens do Caminho Novo, traçado pelo engenheiro Halfeld e, posteriormente, chamado de Rua Direita. Entretanto, com a construção da Estrada União Indústria em 1861, esta situação mudou, como descreve Genovez (1998):

(...) comendador Mariano Procópio, mexeu nos pilares da organização urbana da cidade, deslocando o traçado da Rodovia para fora do perímetro urbano, cuja concentração já se fazia ao longo da rua Direita. Assim, o comendador deu início à primeira transformação no traçado urbano do município. (Genovez, 1998, Núcleo Histórico da Avenida dos Andradas e bairro Mariano Procópio, pág. 17).

Mariano Procópio, entretanto, sem se preocupar em estabelecer uma ligação com a cidade, ao instalar a Estação Central do Rio Novo a três quilômetros de distância do centro tradicional, criou dificuldades para a população e irritou a Câmara, que não participou dos processos decisórios. Esta estação possuía a função de centralizar os procedimentos de carga e descarga de material da região e servia de abrigo à outros serviços ligados à rodovia.

Assim, a região do atual bairro Mariano Procópio teve sua ocupação inteiramente ligada à construção da estrada de rodagem União Indústria, já que nesta região se concentravam os principais serviços de apoio à rodovia, incluindo a referida Estação,

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com oficinas, armazéns de apoio ao transporte rodoviário de cargas, hotéis e a colônia dos imigrantes que trabalhavam na construção da estada.

Apesar de, nessa época, Juiz de Fora possuir um número reduzido de estrangeiros, havendo alguns portugueses, italianos, e uma quantidade considerável de escravos vindos do continente africano, destaca-se que a participação do imigrante alemão, neste empreendimento específico, foi de grande relevância, tendo também influenciado bastante na formação da cidade e de sua cultura. Há ainda hoje, nesta região, uma concentração de descendentes desses imigrantes alemães, especialmente nos bairros Fábrica, São Pedro e Borboleta.

Procópio também influenciou na construção da primeira estação ferroviária de Juiz de Fora, por volta de 1875, no mesmo setor:

(...) a construção da Estrada de Ferro D. Pedro II configurou-se no novo pesadelo na década de setenta. A estação da tão esperada ferrovia, que na época parecia apenas um sonho, permaneceu no mesmo lugar onde fora instalada a estação da Rodovia, ou seja, a três quilômetros de distância da cidade. A construção de uma estação dentro do município só aconteceu após a morte do comendador Mariano. (Genovez, 1998, Núcleo Histórico da Avenida dos Andradas e bairro Mariano Procópio, pág. 21).

Dentre os principais equipamentos deste setor estão atualmente o Parque e Museu Mariano Procópio e a Estação da Estrada de Ferro que leva o mesmo nome. (Foto 04) Estes equipamentos simbolizam o núcleo original do setor.

Foto 04 - Vista áerea do parque Mariano Procópio. Acervo PJF. Humberto Nicoline. Fonte: http://mapro.pjf.mg.gov.br/index.php/apresentação. Acesso: julho de2015.

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62Mapa 04 - Localização dos setores do patrimônio reconhecido de Juiz de Fora caracterizados neste capítulo. Elaboração: Bárbara Lopes sobre imagem Google Earth 2014.

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Setor da Praça Antônio Carlos, Rua Batista de Oliveira e Avenida Getúlio Vargas

O setor histórico da Praça Antônio Carlos retratado por Passaglia (1983) e também abordado como Núcleo Histórico e Arquitetônico da Rua Batista de Oliveira e Avenida Getúlio Vargas (Genovez, 1998), constituído no início da década de 1890, é localizado em um dos meandros aterrados do Rio Paraibuna, retificado pelo engenheiro alemão Heinrich Halfeld em 1836. Na descrição histórica e caracterização do setor, Genovez (1998) destaca a presença e influência de imigrantes, principalmente alemães, italianos, árabes e alguns ibéricos, nas construções desta área.

Este setor, cortado pelos trilhos da antiga Central do Brasil, foi marcado pela construção de edifícios de grande importância histórica e arquitetônica para a cidade. Estes edifícios tinham uso variado, sendo o comércio bastante desenvolvido na área.

A Praça Antônio Carlos constituiu-se em um interessante ponto para alocação de indústrias, como a Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas (Fotos 05 e 06), por diversos fatores facilitadores como o acesso à mão-de-obra local, a proximidade do transporte ferroviário, terrenos de baixo custo, devido ao risco de inundações existente na época, e a proximidade da Usina Transformadora de Marmelos (Foto 07), construída em 1889 e considerada a primeira hidrelétrica da América do Sul, que garantia a energia elétrica necessária para a produção industrial.

Nas proximidades da Praça Antônio Carlos, Passaglia (1982) faz referência especial aos seguintes imóveis: Antiga Fábrica Bernardo Mascarenhas (1880); edifício da então Alfândega Ferroviária do Estado (1893), servindo atualmente à 4ª Região militar; as instalações da Firma de Construção Pantaleone Arcuri (1895); o Conjunto formado pela antiga Companhia Mineira de Eletricidade; e a escola Normal (1930).

O edifício da firma Pantaleone Arcuri está localizado na parte baixa da Rua Espirito Santo, e é de autoria de Rafael Arcuri, filho primogênito do fundador da empresa, que seguiu os passos do pai na construtora. Além da importância do edifício da Firma dentre os bens patrimoniais de Juiz de Fora, há uma significativa e variada produção arquitetônica da construtora na cidade. Muitos dos edifícios construídos pela firma são reconhecidos como patrimônio cultural local, marcando o nome da família e de sua construtora na história da cidade.

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Foto 05 e 06 - Antiga Companhia Têxtil e atual Centro Cultural Bernardo Mascarenhas. Autoria: Nuno Melo. Agosto 2012.

Foto 07 - Usina de Marmelos. Fonte: Dossiê de Tombamento do Conjunto Arquitetônico, Paisagístico e Acervo de Bens Móveis do Museu da Usina de Marmelos. IEPHA de 2005.

Acesso: junho de 2015.

Setor histórico da Praça João Penido

O setor histórico da Praça João Penido está ligado à implantação das ruas que seguem o traçado da Rua Principal, atual Avenida Rio Branco, que, encontrando obliquamente a via que segue o leito do Rio Paraibuna e a Ferrovia Central, forma um largo triangular.

Segundo Genovez (1998), a estação da linha férrea Central do Brasil, que foi construída neste local, só foi viabilizada após o falecimento do Comendador Mariano Procópio, como já relatado, e, com a falta de recursos da Câmara, a compra do terreno para implantação do equipamento só foi efetuada através das contribuições pessoais

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dos vereadores. Assim, com a implantação da primeira estação dentro da cidade, os arredores da Praça João Penido passaram a abrigar todo um sistema de serviços e comércio ligados ao fluxo trazido pela linha férrea e pela Estrada União Indústria.

Além do edifício da Estação Central do Brasil (Foto 08), sobre o fim do sec. XIX e as décadas 10 e 20 do século seguinte nesta área, Genovez (1998) destaca:

O conjunto eclético, emblema deste período de transição pelo qual não apenas a economia juiz-forana passava, mas a de todo o Brasil, é bastante significativo. Os prédios do Hotel Renascença, o mais antigo, da Associação Comercial, com elementos mais clássicos, o Príncipe Hotel, os prédios que abrigam a Padaria Glória e o Bretas, trazem nas fachadas e interiores as marcas da transição econômica, social e, principalmente, cultural, onde os costumes de uma sociedade agrária estão sendo sobrepujados pelos novos modos de pensar e agir da sociedade industrial. Todas estas construções, (...) montam um cenário em que a história tem continuidade nas décadas posteriores, até 1940, com construções art-déco (Genovez, 1998, Núcleo Hist. e Arq. da Praça Dr. João Penido, pág. 18).

Nas proximidades deste setor e da Praça Antônio Carlos, se localizava grande parte da população de baixa renda, em habitações proletárias, cortiços e ainda oficinas e indústrias de pequeno e médio porte. Esta área, localizada na parte baixa da cidade, sofria com as cheias do Rio Paraibuna até sua retificação.

Foto 08- Estação ferroviária na Praça João Penido Juiz de Fora. Autoria: Diego Gazola,

2008.

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Setor Alto dos Passos e Av. Rio Branco

Segundo Esteves (1956, apud Passaglia, 1982, pg. 93), com a construção da Av. Rio Branco na década de 1830, cortando a cidade no eixo norte-sul, iniciou-se a concentração de moradores no atual bairro Alto dos Passos. Esta denominação é derivada do nome da Irmandade que se instalou em 1848 nesta área. Foi uma das primeiras regiões de concentração urbana e reúne as edificações em forma de chácaras e palacetes onde residia a elite juiz-forana. O bairro, ainda hoje, concentra uma população com médio e alto poder aquisitivo e mantém grande parte das construções que remontam à história da elite local.(Foto 09).

De acordo com Passaglia (1982), o setor é definido “pelas atuais instalações da Santa Casa de Misericórdia, acrescidas dos edifícios da pró-reitoria, Grupo escolar Duque de Caxias, o Círculo Militar e os demais que são de propriedade privada como, por exemplo, a casa que foi do Barão de Santa Helena”. O autor destaca que, devido ao processo de verticalização da avenida em questão, este setor é uma área importante a ser preservada.

Foto 09 - Residência na Avenida Rio Branco, próxima ao bairro Alto dos Passos. Autoria:

Bárbara Lopes. 2014.

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Setor Rua Halfeld e Marechal Deodoro (parte baixa e parte alta)

O Caminho Novo, traçado pelo engenheiro Halfeld, posteriormente chamado de Rua Direita e atualmente denominado Avenida Rio Branco, se configura, ainda hoje, como a principal via da cidade de Juiz de Fora. Nas margens desta avenida, pelas quais a cidade se desenvolveu no decorrer do século XIX, se concentravam os principais centros de poder de juiz de Fora, a Igreja, as Repartições Públicas, a Praça Central da cidade e os sobrados de propriedade de membros da elite local. Assim, a cidade se formou e se concentrou ao longo desta via por um longo período. Sobre esta conformação urbana, Genovez (1998) relata:

Foi logo depois que a vila de Santo Antônio do Paraibuna transformou-se em cidade que o centro do município foi configurado. O vereador Alves Garcia propôs a abertura de cinco novas ruas: rua do Cano (atual Sampaio), Califórnia (atual Halfeld), Imperial (ou Imperatriz, atual Marechal Deodoro), Santo Antônio e rua Formosa (a rua do Comércio, atual Batista de Oliveira). Estava traçado o centro nervoso da cidade, local de concentração do comércio, da política e da cultura (Genovez, 1998. Núcleo Histórico e Arquitetônico das ruas Halfeld e M. Deodoro. Pág. 13).

A praça central da cidade, denominada parque Halfeld, se localiza em ponto médio entre as extremidades da Estrada Nova, atual Avenida Rio Branco. Esta área, conhecida anteriormente por Largo da Câmara, era delimitada por ranchos de propriedade do engenheiro Halfeld. Entre 1852 e 1854, a Câmara adquiriu a residência do engenheiro para alojar a cadeia e, em seguida, foram instaladas neste setor as Repartições Municipais, definindo-se assim, segundo Passaglia (1982), o núcleo cívico de Juiz de Fora, bem como o alinhamento das ruas adjacentes a este largo: Rua Califórnia e da Câmara, atuais Rua Halfeld e Santo Antônio.

Dentre as principais edificações deste setor, estão: o prédio da Academia de Comércio; a Igreja de São Sebastião; o edifício das Repartições Municipais ou Prefeitura (Foto 10), o antigo Fórum, além do remoto Pavilhão Central, projetado por Rafael Arcuri em estilo Art-Déco, onde se instalou, posteriormente, a Biblioteca Municipal.

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Foto 10 – Edifício das Repartições Municipais e Parque Halfeld. Autoria: Nuno Melo. Abril 2015.

Atualmente, nesta região do núcleo tradicional, ainda se encontra o principal centro comercial da cidade, assim como as primeiras agências bancárias e equipamentos institucionais. É onde se concentra grande parte do patrimônio edificado reconhecido e protegido por tombamento, como o Cine-Theatro Central de Juiz de Fora (Foto 11).

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Foto 11- Vista interna do Cine Theatro Central de Juiz de Fora. Autoria: Theatro Central/Alexandre Dornelas. Fonte: http://www.theatrocentral.com.br/gerais/. Acesso: agosto de

2015.

Com a construção da estrada de rodagem União Indústria e das vias férreas, a ocupação das ruas Marechal e Halfeld começou a se expandir para a parte baixa da cidade. Foi nesta região que, mais tarde, na década de 1950, foi construído o edifício do Banco do Brasil, projetado por Oscar Niemeyer e que se destaca como ícone do Movimento Moderno em Minas Gerais. (Foto 12).

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Foto 12 - Banco do Brasil na Rua Halfeld. Autoria: Bárbara Lopes. Janeiro de 2014.

Assim, a Rua Halfeld possui grande importância na conformação social e urbana de Juiz de Fora, e é um signo fundamental do patrimônio cultural da cidade.

A Rua Halfeld desce como um rio, do morro do Imperador, e vai desaguar na Praça da Estação. Entre suas margens direita e o Alto dos Passos estão a Câmara; o Fórum; a Academia de Comércio(...); a Matriz, (...); a Santa Casa de Misericórdia, (...); a Cadeia, (...). Esses estabelecimentos tinham sido criados, com a cidade, por cidadãos prestantes que praticavam ostensivamente a virtude (...). Já a margem esquerda da Rua Halfeld marcava o começo de uma cidade mais alegre, mais livre, mais despreocupada e mais revolucionária. O Juiz de Fora projetado no trecho da Rua Direita era, por força do que continha, naturalmente oposto e inconscientemente rebelde ao Alto dos Passos. Nele estavam o Parque Halfeld e o Largo do Riachuelo, onde a escuridão noturna e a solidão favorecia a pouca vergonha. Esta era mais desoladora ainda nas vizinhanças da linha férrea... (NAVA, Pedro; 1983. Pág. 20 e 21, apud Genovez, 1998. Núcleo Hist. e Arq. da Praça Dr. João Penido, pág. 12).

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Setor da Rua Espirito Santo e Granbery

A Rua Espirito Santo possui sua ocupação marcada pela implantação da Companhia de Construção de Arcuri e Spinelli, que estava vinculada à expansão da utilização dos métodos construtivos de produção industrial no município, sendo responsável por fábricas de ladrilhos hidráulicos, de esquadrias e produção de móveis, além do trabalho efetivo na construção civil. Além disso, na vizinhança da Companhia de Construção de Arcuri e Spinelli, foi implantada a sede do empreendimento de Bernardo Mascarenhas que introduziu a eletricidade na cidade a partir da implantação da primeira usina hidrelétrica da América Latina. “Completando este novo espaço urbano voltado para empreendimentos comerciais e industriais ainda podemos citar a fábrica Bernardo Mascarenhas e a Malharia Meurer” (Genovez, 1998. Núcleo Histórico da Rua Espírito Santo, pág. 16).

A partir da expansão da cidade, através da Rua Espírito Santo, a ocupação vizinha a esta área, atualmente denominada bairro Granbery, se iniciou com a concentração de residências, oferta de serviços de profissionais liberais, como médicos, dentistas e advogados, além de instituições religiosas e de caráter filantrópico. Os conjuntos arquitetônicos reconhecidos como patrimônio edificado neste setor se concentram nas ruas Batista de Oliveira, Barão de Santa Helena, Sampaio e Antônio Dias, sendo as principais edificações de propriedade do Instituto Metodista Granbery. (Foto 13).

Foto 13 - Colégio do Instituto Metodista Granbery. Autoria: Bárbara Lopes. Janeiro de 2014.

Assim, o acervo do patrimônio reconhecido de Juiz de Fora reúne bens imóveis que remontam aos principais períodos de formação e consolidação da cidade, passam pela expansão do sistema rodoviário e ferroviário e pela industrialização.

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Segundo o inventário dos bens culturais, são poucos os exemplares vinculados ao modo de construir do período colonial que se mantiveram íntegros até o século XIX, a maior parte dos imóveis protegidos possuem características ligadas ao ecletismo historicista. A arquitetura religiosa segue as composições neogóticas e neorromânicas que predominaram na virada do século XIX. Já o neocolonial e repertórios posteriores, como o ‘Art-Déco’ e o Modernismo são presentes em edifícios como o Missões e o ‘Chalet’ de influência europeia.

É no fim do século XIX que se difunde em Juiz de Fora a arquitetura industrial, caracterizada pelo uso de tijolos aparentes. Já no século XX, o ecletismo foi predominante. Respondendo às demandas trazidas pelos higienistas, a lógica e ambiência urbana se alteraram, com maiores afastamentos frontais e laterais das construções. As fachadas apresentam maiores movimentos e surgem detalhes em ‘Art-Nouveau’. Estas e outras influências foram sendo incorporadas, ocorrendo reformas pontuais em fachadas, principalmente nas construções mais modestas que se adaptam à linguagem da moda.

Nota-se que o rico e variado acervo arquitetônico de Juiz de Fora tem uma maior concentração na área constituída pelo triângulo formado pelas Avenidas Rio Branco e Getúlio Vargas e pela Rua Espirito Santo, considerado o ‘núcleo histórico’ da cidade. Outras áreas, como a do Alto dos Passos e a do núcleo do Colégio Granbery, também abrigam uma parte considerável desse acervo, com edificações destacando-se ora isoladas, ora em conjunto (Século 30, 1996. Pág. 51).

Constam no mapa 05, todos os imóveis protegidos por tombamento até o ano de 2014. É possível perceber que há uma maior concentração desses bens protegidos na região central da cidade, que corresponde ao núcleo de formação de Juiz de Fora. Estão inseridos nesta área os bens considerados de maior valor histórico e arquitetônico do município, incluindo o Cine Teatro Central, o Conjunto da Praça da Estação e da Praça Antônio Carlos, o núcleo histórico do bairro Granbery, entre outros.

Em 1946, quando houve a demolição da chamada Fazenda Velha - casa do Juiz de Fora – e, posteriormente, em 1986, com a demolição do Colégio Stella Matutina e, ainda mais recentemente, em 2005, com a demolição do Colégio Magister, a discussão da comunidade juiz-forana esteve vinculada, principalmente, à falta de amparo legal para a preservação dos imóveis de interesse cultural e histórico que não possuíam proteção por tombamento. Assim, em 1982 foi definida e regulamentada a proteção ao patrimônio, através das Leis 10.777 e 11.000 que tornavam efetivo o instrumento de proteção por tombamento. No entanto, mesmo após a inserção destes mecanismos legais de defesa ao patrimônio, depara-se com situações que demonstram que a proteção legal não é suficiente para garantir a conservação dos bens patrimoniais.

Para exemplificar estas situações, é possível citar o ocorrido em 2009, quando

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73Mapa 05 - Bens com proteção por tombamento em Juiz de Fora com aproximação na região central. Elaboração: Bárbara Lopes. Desenho sobre imagem Google Earth. 2014.

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a mídia local divulgou e debateu amplamente a demolição de um casarão, construído na década de 1940, na esquina da Rua Delfim Moreira e Avenida Rio Branco. O imóvel teve o seu processo de tombamento iniciado, sendo reconhecido pela Divisão do Patrimônio Cultural de Juiz de Fora como o único exemplar residencial da arquitetura Art-déco Marajoara na cidade. Segundo a lei, não poderia sofrer qualquer intervenção antes da decisão final dos órgãos competentes. Este foi o primeiro caso de demolição de imóvel protegido e o fato gerou muitas discussões acerca da garantia de proteção dada pelo instrumento do tombamento, frente à especulação imobiliária. E as questões que sempre se destacam em meio às discussões são: a falta de entendimento da função social do patrimônio cultural, a insuficiência dos incentivos fiscais como compensação aos proprietários de imóveis tombados e a falta de recursos para manutenção do patrimônio protegido.

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3. JUIZ DE FORA: PLANEJAMENTO E PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO

3.1. O planejamento urbano e ordenamento do uso do solo: as principais ações de 1860 a 2013.

Da mesma forma que a maior parte dos municípios brasileiros, Juiz de Fora somente sofreu intervenções do poder público relacionadas ao ordenamento do crescimento, tempos após sua consolidação e formação de seus aspectos de vida urbana. A ocupação, como já apresentado, foi moldada pela topografia que colocava limites à expansão horizontal da cidade, por meio de seus morros, e, posteriormente, conformada pelos vetores de desenvolvimento econômico.

Em virtude da topografia acidentada, a cidade se desenvolveu com um padrão verticalizado de crescimento, aproveitando ao máximo os terrenos edificáveis, provocando um grande adensamento dos vales nas áreas mais centrais e acarretando, em algumas áreas, problemas de ventilação e insolação. Enquanto isso, as periferias foram ocupadas sem planejamento, de forma inadequada à topografia e tendo como consequências grandes dificuldades de mobilidade, entre outros problemas de infraestrutura urbana.

Teixeira (2010) apresenta duas fotocópias dos primeiros registros cartográficos da antiga Vila de Santo Antônio do Paraibuna, além de um plano desenvolvido pelo engenheiro Gustavo Dodt, em 1860, no qual se observam as primeiras iniciativas de planejamento urbano e de alinhamento de ruas ainda não existentes. (Mapas 06 e 07)A autora descreve o mapa da seguinte forma:

Observa-se a configuração da Avenida com nome de Rua Direita (atual Avenida Rio Branco), formando um ‘V’ com a Estrada da Cia. União Indústria (atual Av. Getúlio Vargas). Entre elas já se observa a trama urbana de ruas paralelas e transversais que configuram o espaço central da cidade nos dias atuais, assim como o traçado do córrego Independência que, mais tarde se transformaria em Avenida e acabaria por compor o ‘triangulo central’ da área urbana e comercial da cidade (...) (LEAL, 2010. Pág. 64).

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Mapas 06 e 07 - Primeiro Registro Cartográfico (Fernando Halfeld / 1853) e o esquema de arruamento de Gustavo Dodt (1860). Fonte: Juiz de For e seus pioneiros (1985) in LEAL

(2010).

Segundo OLIVEIRA (2006, pag. 18), uma das primeiras ações de planejamento de Juiz de Fora consistiu na tentativa de ordenamento das ocupações urbanas que, sem controle, se difundiam em áreas de risco, sem infraestrutura adequada e sem condições de habitabilidade. Uma das iniciativas foi a criação do Código Municipal de Obras (Decreto Lei nº 23 de setembro de 1938), responsável pelo zoneamento da cidade e fixação de regras relativas ao uso do solo e a construção.

Após a elaboração do Código de Obras, aprovado em 1938, a cidade ficou um longo período sem preocupação com o planejamento urbano. Entre as décadas de 1970 e 80, muitos foram os problemas decorrentes do crescimento populacional no município e da falta de habitação e equipamentos urbanos. Estes problemas foram causados, em parte, pela chegada em massa de imigrantes em busca de trabalho nas empresas e fábricas sem a estrutura urbana necessária para acolhê-los.

Na escala nacional, o golpe militar de 1964 promoveu conceitos de planejamento e intervenção pública na questão urbana de viés tecnocrático, como meio de otimização da administração e do desenvolvimento das cidades. As cidades médias, nesse momento, desempenhavam um papel importante no processo de desconcentração produtiva, com grande parte dos investimentos internacionais sendo direcionados para elas.

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O governo militar criou, no plano federal, órgãos de planejamento urbano, como o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo – SERFHAU, e iniciou ações de incentivo à reordenação territorial dos municípios através dos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND), baseados na teoria dos polos de crescimento. Tais ações levaram o poder público de Juiz de Fora a retomar, de certa forma, o planejamento urbano, sendo iniciada uma série de intervenções pontuais que tentavam resolver os problemas gerados pelo crescimento desordenado da cidade.

Dentre estas iniciativas, em grande parte paliativas, houve a elaboração do primeiro Plano de Desenvolvimento Local Integrado, em 1975, financiado pelo governo federal, que buscava principalmente a ampliação da rede viária, cuja infraestrutura já apresentava graves problemas. Foi desenvolvido um diagnóstico dos principais problemas encontrados no município, destacando-se a especulação imobiliária e a falta de controle sobre os novos loteamentos e construções.

Ainda em 1976, Mello Reis, candidato a prefeito de Juiz de Fora pela ARENA7, ganhou a confiança da população, que, há 10 anos, elegia candidatos do MDB, e se elegeu ao apresentar uma possibilidade de aliança com o governo federal. Mello Reis conduziu seu governo realizando obras e políticas impactantes na infraestrutura da cidade, como a transposição da linha férrea, a criação de novas vias, do viaduto conhecido como “Mergulhão”, a construção do acesso à BR-040, de um novo terminal rodoviário e do novo estádio municipal, entre outras obras. Além disso, criou, na década de 1970, o Instituto de Pesquisa e Planejamento - IPPLAN, responsável pelo planejamento e gestão urbana, com a participação de técnicos de diversos setores.

Mesmo com as sucessivas trocas de governo (Quadro 02), o IPPLAN passou pelas gestões dos prefeitos Tarcísio Delgado (1983/88), Alberto Bejani (1989/92) e Custódio Mattos (1993/96), permanecendo na estrutura administrativa como responsável pelas ações e políticas urbanas de Juiz de Fora. Em 1996, Tarcísio Delgado volta a ser eleito, se mantendo no cargo por dois mandatos consecutivos. Entre o fim da sua primeira gestão e início da segunda, em 2001, altera a estrutura administrativa e extingue o IPPLAN. A figura abaixo apresenta a cronologia das administrações públicas do poder executivo de 1977 aos dias atuais.

7 Durante o período militar, entre 1966 e 1979, haviam apenas dois partidos no Brasil, a ARENA - Aliança Renovadora Nacional - representando apoiadores do regime militar e o MDB - Movimento Democrático Brasileiro - que representava um movimento de oposição ao regime.

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Quadro 02 – Cronologia das administrações públicas do poder executivo de 1977 aos dias atuais. Elaboração: Bárbara Lopes com base em informações da administração

municipal. 2015.

Durante este período de quase 25 anos, o IPPLAN foi responsável pelas principais ações ligadas ao planejamento urbano de Juiz de Fora que serão destacadas a seguir.

Em 1978, objetivando criar soluções para os problemas urbanos diagnosticados pelo Plano de Desenvolvimento Local Integrado, o IPPLAN elaborou estudos de caracterização da cidade, propostas de projetos e soluções urbanas, visando à inserção de Juiz de Fora entre os municípios de porte médio que teriam obras urbanas financiadas pelo Bank International for Reconstruction and Development – BIRD. Tais propostas foram aprovadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU e a cidade foi incluída no programa de investimentos desse organismo internacional. Entre as propostas apresentadas, previa-se recursos para projetos de urbanização nas zonas oeste e norte do município, além de recursos para regularização de áreas ocupadas e criação de novos loteamentos.

Apesar da tentativa de controle do uso, ocupação e expansão urbana da cidade através da elaboração da Lei nº 5.740, de 1980, que regulamentava o parcelamento da terra urbana em JF, foi também aprovada a Lei nº 5.833/1980 que abria a possibilidade de aprovação de loteamentos sem infraestrutura básica instalada pelo loteador, criando novas demandas por serviços urbanos. Diferentemente da legislação federal de 1979 que tratou o parcelamento do solo de forma mais severa, a legislação local foi bastante tolerante com as irregularidades. Esta norma, que a princípio beneficiaria a população de baixa renda, acabou por privilegiar empreendedores e agravou os problemas de ocupação irregular.

Segundo Oliveira (2006), devido aos problemas gerados por esses assentamentos e loteamentos irregulares, foi implantado o projeto CURA – Comunidade Urbana de Recuperação Acelerada, financiado pelo Banco Nacional de Habitação, com o objetivo de inserir infraestrutura básica nas áreas mais precárias.

Ainda na década de 1980, novos projetos urbanos foram implementados e novas regulamentações criadas e revisadas pelo IPPLAN, como as leis de Uso e Ocupação

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do Solo (Lei nº 6910/ 1986), Código de Obras (Lei nº 6909/ 1986) e de Parcelamento do Solo Urbano (Lei nº 6908/ 1986).

O Instituto elaborou ainda planos setoriais, como o Plano Diretor de Água da Área Urbana, em 1985, que considerava a projeção demográfica até 2011, e, já na década de 1990, o Plano Diretor de Limpeza Urbana, que tratava da coleta e disposição de resíduos e a limpeza das ruas, ambos assuntos que necessitavam de soluções emergenciais. Além disso, o órgão foi responsável pela elaboração da legislação que tratava da proteção do patrimônio nas décadas de 1970 e 80, através de uma divisão administrativa voltada para o tema.

O Instituto foi encarregado de elaborar, além das leis específicas e planos diretores setoriais já destacados, o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano – PDDU, em 1995. Os técnicos do IPPLAN foram responsáveis pela elaboração desta proposta, que incluia também com a revisão das leis urbanísticas, aprovadas em 1986, referentes à regulação do solo urbano.

A década de 1980, como já mencionado, foi marcada pelos movimentos que lutavam pela Reforma Urbana e traziam novas propostas metodológicas para pensar o urbano, que envolviam uma maior participação social na gestão urbana e uma perspectiva mais social para propriedade privada. Estes movimentos buscavam uma alternativa ao planejamento de concepção tecnocrática implementado nos anos 1960 e 70. Com a consolidação destes motes na CF – 88, em muitas cidades do país repercutiu a necessidade de trazer esta matriz de planejamento para o âmbito municipal. Somando-se a isto, por estar sob a influência de grandes centros onde essa discussão estava mais avançada, como Rio de Janeiro, pela proximidade, e São Paulo, pela vinda de profissionais de lá para o corpo técnico administrativo local, Juiz de Fora iniciou a elaboração de seu PDDU buscando inserir em seu desenvolvimento este modo de pensar a cidade. Reconhece-se, no entanto, que, pelo fato de a difusão deste pensamento ser de um processo lento, as concepções tecnocráticas ainda ocupavam grande espaço no planejamento e gestão urbanos.

A princípio, a elaboração do PDDU em Juiz de Fora partiu, não só da necessidade latente de se planejar a cidade, mas da obrigatoriedade de implementação de planos diretores para cidades com população acima de 20 mil habitantes, de acordo com a Constituição Federal. O instrumento em sua natureza, tinha como objetivos gerais e principais gerar subsídios para a efetivação da reforma urbana e do direito à cidade, seguindo a pauta levantada pelo movimento de luta pela Reforma Urbana, e que viriam a ser incorporados pelo Estatuto da Cidade, em 2001.

Em 1992, houve uma primeira iniciativa dos técnicos do IPPLAN, que reuniram documentos sínteses das secretarias e órgãos da administração pública. Em 1995, o prefeito em exercício, Custódio Mattos (PSDB), se propôs a iniciar o processo, dando

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ao IPPLAN a incumbência de coordenação do projeto.

Assim, foi feita a contratação de uma equipe técnica, que reunia diferentes profissionais, além de pesquisadores vinculados à UFJF e UFV para dar início aos estudos e ao planejamento metodológico para envolver a sociedade civil no processo de elaboração. Segundo Oliveira (2006, pág. 51): “A efetiva participação da comunidade se deu com a realização de 12 (doze) Audiências Públicas em cada uma das Regiões Sanitárias, visando a abrangência de toda área urbana do município.”

Em 1996, junto do volume propositivo do PDDU, foram configuradas algumas reformulações nas leis de Parcelamento (Lei nº 6808/ 1986) e de Uso e Ocupação do Solo (Lei nº 6910/ 1986), com o intuito de conter a tendência de espraiamento da mancha urbana, assim como de reverter o desequilíbrio das densidades de ocupação na cidade. A respeito das proposições elaboradas no PDDU, Tasca (2010) expõe que:

A concepção geral do reordenamento proposto consistiu na articulação ponderada de uma série de medidas amadurecidas, ao longo da elaboração do plano: buscava, de um lado, confirmar valores historicamente consolidados e, de outro, reordenar estruturas inadequadas que foram instalando-se à medida que a cidade crescia, produzindo não só efeitos negativos na distribuição social do espaço, mas também relações conflitantes entre o ambiente natural e o ambiente construído. (Pág. 133).

Ainda em 1996, o projeto de lei foi encaminhado para a câmara de vereadores para avaliação e aprovação. No mesmo ano houve a troca de gestão municipal, na qual, Custódio Matos (PSDB) deixou o cargo de prefeito e Tarcísio Delgado (PMDB) assumiu novo mandato, permanecendo no cargo por duas gestões consecutivas, como já mencionado.

Já no inicio da nova gestão, o projeto do Plano Diretor foi retirado da câmara para revisão, sendo a falta de participação social a justificativa para esta ação. A falta de senso de continuidade e comunicação do modelo de gestão com os técnicos em exercício, principalmente aqueles ligados ao IPPLAN, gerou desequilíbrios na administração. Segundo Oliveira (2006):

(...) foi retomada a discussão do Plano Diretor, sendo propostas alterações em relação ao documento anterior. Este fato causou muita insatisfação de técnicos da prefeitura, principalmente do IPPLAN. Com isso a equipe que havia trabalhado neste documento foi acuada, sendo criada outra equipe para retomada do plano. ‘Houve descontinuidade: a equipe que retomou o projeto em 1997 era totalmente diferente da que trabalhou no projeto anterior’ (Entrevista da autora Miriam Oliveira com Álvaro Geannini – Arquiteto ex-Diretor do Departamento de Planejamento do IPPLAN). (Pág. 47)

Nesta reformulação do plano foram retiradas as propostas relativas à revisão das leis de parcelamento, uso e ocupação do solo (Leis 6908 e 6909 de 1986), e da proteção dos mananciais São Pedro e Espírito Santo, estreitando a efetividade do PDDU.

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O plano revisado foi encaminhado à Câmara dos Vereadores em 1999 e aprovado em 27 de Junho de 2000 com a denominação: “Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano – PDDU Juiz de Fora Sempre”, através Lei nº 9.811.

Na segunda gestão de Tarcísio Delgado, de 1997 a 2004, uma nova metodologia de planejamento e gestão foi incorporada à administração municipal. Entre as mudanças ocorridas, a partir de uma reforma administrativa em 2000, o IPPLAN foi extinto e suas funções passam a ser geridas pela Secretaria de Planejamento e Gestão Estratégica (SPGE).

Essas novas metodologias estão enraizadas nas transformações econômicas de escala mundial que ocorreram na década de 1980, quando o regime conhecido como de “acumulação flexível” 8 causou profundas mudanças nos países de capitalismo avançado, com desdobramentos e diversas inflexões, a partir da década de 1990, nos países de economia emergente, como o Brasil. É nesse momento, sem a interferência da política estatal do período militar, que se sente no Brasil os maiores impactos das mudanças nos processos de mercado e inserção da lógica neoliberal na gestão urbana. Assim, a partir de 1990, o discurso da reforma urbana, bastante evidente na década de 1980, é suprimido pela agenda competitiva, que acompanha a difusão e hegemonia da ideologia neoliberal na década de 1990, e segue pelos anos 2.000. O planejamento, associado a esta nova ideologia, coloca a cidade como um agente no mercado, ou como uma empresa, e as ações sobre ela seguem a lógica produtiva e de eficácia empresarial.

Esse novo modelo de planejamento, que vem ocupar o lugar deixado pelo padrão tecnocrático, é definido por Castells e Borja (1996) como planejamento estratégico, e decorre de uma concepção de cidade que busca unificar diagnósticos e articular atuações públicas e privadas. Um dos seus pressupostos é a necessidade de inserção competitiva da cidade na economia globalizada.

Vainer (2000) sintetiza este pensamento através de três analogias constitutivas: “a cidade é uma mercadoria e, como tal, é colocada à venda em múltiplos mercados; a cidade é uma empresa e, como tal, é reduzida a um centro de administração de negócios; finalmente, a cidade é uma pátria, cujo destino depende de uma bem construída coesão cidadã em torno de um líder carismático e visionário”.

Este modelo se difunde no Brasil e na América Latina através da ação de agências como o BIRD e de consultores internacionais, em especial a consultoria catalã da “GFE Associats ltda”, presidida por Manuel de Forn, que tenta replicar neste continente o “sucesso” do planejamento estratégico de Barcelona.

8 David Harvey. A Condição Pós-Moderna.

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Em Juiz de Fora, o prefeito Tarcísio Delgado (PMDB) incorpora ao seu discurso de incentivo à participação popular na gestão urbana, a metodologia trazida por este modelo de planejamento e o desenvolvimento de estratégias competitivas, com o intuito de colocar a cidade como referência dentro da rede de cidades em nível local, regional e nacional. O prefeito convida então João Carlos Vitor Garcia, que esteve ligado à Secretaria de Planejamento do governo de São Paulo, para fazer parte de seu mandato como Secretário Municipal de Desenvolvimento Econômico. João Garcia possuía experiências no processo de planejamento estratégico, tendo conhecimento acerca da realização do plano da cidade do Rio de Janeiro e de Barcelona.

O referido secretário e o prefeito Delgado participaram em Barcelona, no ano de 1997, do seminário “As cidades Latino-americanas e do Caribe no Novo Século” promovido pelo “Centro Ibero-americano de Desenvolvimento Estratégico Urbano – CIDEU”, que objetivava compartilhar os benefícios derivados do Planejamento Estratégico Urbano – PEU, utilizando a experiência de Barcelona como mote.

Assim, com as orientações de Manuel de Forn, o prefeito criou um consórcio mantenedor com empresas instaladas em Juiz de Fora para financiar a elaboração do PEU do município. O objetivo deste plano era dar condições de infraestrutura para a competição com outras cidades e receber a instalação de empreendimentos de grande porte, sendo o setor automotivo o ponto de maior interesse.

O consórcio mantenedor foi firmado em agosto de 1997 com a função de dar sustentação institucional e financeira, além de coordenar, o futuro plano estratégico então denominado “PlanoJF”. Segundo Oliveira (2006):

As atividades de coordenação, implementação e promoção do Consórcio foram desempenhadas pelo Centro Industrial, a Associação Comercial, a Câmara de Dirigentes Lojistas, a Associação das Micro e Pequenas Empresas de Juiz de Fora e a Agência de Desenvolvimento de Juiz de Fora e Região. Esta parceria entre os setores público e privado, expressa na constituição do Consórcio, que garantiu suporte financeiro à realização do Plano JF e possibilitou a contratação de consultoria especializada. (pág. 74)

Com a contratação da empresa “GFE Associats Ltda”, a metodologia proposta para Juiz de Fora seguiu a mesma orientação dos planos de Barcelona e do Rio de Janeiro. O plano aprovado em 2000 teve suas propostas estruturadas em cinco “Linhas Estratégicas”, definidas da seguinte maneira: Cidade Educadora, Cidade Competitiva, Cidade com Espaço Urbano Atrativo, Cidade Solidária e Cidade Eficiente.

Assim, concomitantemente à revisão do PDDU, iniciada no primeiro mandato de Delgado e aprovada em 2000, acontecia a elaboração do Plano Estratégico de Juiz de Fora, que foi aprovado no mesmo ano. Coordenado pelo IPPLAN, o PDDU dava ênfase à regulação do uso e ocupação do solo urbano, enquanto o PlanoJF, encabeçado pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, trazia

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diretrizes de potencialização do desenvolvimento econômico para o município. A aprovação destes dois planos, em vertentes paralelas de planejamento, demonstra o estado de esquizofrenia na gestão da política urbana e social que imperava em Juiz de Fora nesse período.

As funções do IPPLAN, extinto em 2001, passaram a ser exercidas pela Secretaria de Planejamento e Gestão Estratégica (SPGE). Em 2008, na gestão de Alberto Bejani (PTB), a SPGE também foi extinta, e suas funções relativas ao planejamento urbano repassadas para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Em 2010, na gestão de Custódio Matos (PSDB), foi criada a Subsecretaria de Planejamento do Território - SSEPLAT, sendo modificada, posteriormente, para Secretaria de Planejamento e Gestão – SEPLAG, dentro da Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Econômico. As funções de planejamento foram divididas entre a SEPLAG, através do Departamento de Planejamento e Organização Territorial – DPOT, e a Secretaria de Atividades Urbanas, que já existia anteriormente, mas foi reestruturada, sendo responsável pela regulação urbana no município. A subsecretaria DIUSO ficou, por fim, responsável pela supervisão de estudos urbanísticos.

Assim, desde a extinção do IPPLAN, as funções relativas ao planejamento urbano não possuem um órgão que concilie os esforços neste sentido, estando as demandas urbanas de planejamento e gestão, distribuídas em subdivisões de secretarias, dificultando o diálogo entre os técnicos de cada setor.

Cabe destacar que, em 2013, foi dado início ao processo de revisão do PDDU aprovado em 20009.

3.2. A construção de um sistema de preservação em Juiz de Fora.

3.2.1. O inventário do patrimônio e as leis de proteção

O tema da preservação do patrimônio histórico e cultural na administração municipal de Juiz de Fora só passou a fazer parte de um programa de governo a partir de 1977, na gestão do Prefeito Mello Reis (ARENA). Entretanto, documentos antigos informam sobre ações isoladas, desenvolvidas no sentido de proteger símbolos de importância para a história da formação da cidade.

Dentre os documentos encontrados, os mais remotos referem-se à atuação do Professor Lindolfo Gomes, em 1939, na preservação da “Fazenda Velha do Juiz de Fora” - prédio que constituía o marco de fundação da cidade (Foto 14). Estes documentos foram encaminhados por ele ao então diretor do SPHAN10 - Serviço do

9 Esta pesquisa não aborda o processo de elaboração do plano.

10 O SPHAN, Serviço do patrimônio Histórico e Artístico Nacional, foi criado em 13 de janeiro de

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Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Dr. Rodrigo Mello Franco de Andrade. O tombamento do imóvel, como solicitado, não se consolidou por ter sido considerado irrelevante histórica e estilisticamente. O edifício foi então demolido em 1946. Este e outros documentos referentes a registros fotográficos do engenheiro Artur Arcuri, de imóveis considerados de valor cultural para o município, em grande parte hoje inexistentes, foram arquivados na sede do SPHAN no Rio de Janeiro.

Foto 14 - Casa do Juiz de Fora - Fazenda Velha. Fonte: Esteves, A. Álbum do município de Juiz de Fora. 2ª ed. Juiz de Fora: FUNALFA, 2008. Pág. 45.

Segundo Passaglia (1982), foi a ameaça e, depois, a demolição do Colégio Stella Matutina que despertou na comunidade juiz-forana a consciência da importância da valorização do patrimônio cultural do município e da necessidade de se tomar medidas neste sentido. O Colégio e a capela adjacente foram construídos em 1926, ambos dotados de referências estilísticas góticas e medievais. O colégio funcionou até 1976, e sem a proteção legal do tombamento, foi demolido, em 1986, dando lugar a um edifício de salas e escritórios, o Stella Central. O autor relata que nesse período a conduta de cobrança por parte da comunidade legitimou a criação de um setor na administração municipal para tratar do tema do patrimônio. As manifestações descritas pelo autor têm em geral, como precursores, representantes da área acadêmica e das artes plásticas na cidade.

Passaglia (1982) cita ainda movimentos populares e institucionais que reforçaram esta demanda insurgente da comunidade juiz-forana pela preservação de seu patrimônio. Entre estas manifestações, o autor destaca o “Movimento popular para a preservação dos Grupos Centrais”, a realização da Primeira Semana de História

1937, visando a proteção do “conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja do interesse público. Este órgão é o precedente do atual IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

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de Juiz de Fora, em 1979, e a exposição realizada pela Pró-Reitora de Assuntos Comunitários da UFJF, em 1980, com o tema: “Juiz de Fora - Ontem. Aspectos físicos, humanos e sociais”.

Durante a gestão Mello Reis, em 1981, foi elaborado um “pré-inventário” através da Comissão Permanente Técnico-Cultural. Esta comissão, regulamentada pelo Decreto nº 3949 - de 22 de abril de 1998, era parte do Instituto de Pesquisa e Planejamento – IPPLAN, que também foi criado nesta mesma gestão. Posteriormente, em 1996, na gestão do prefeito Tarcísio Delgado, foi realizado um segundo projeto para catalogação e inventário do patrimônio, desta vez pela empresa Século 30, que recebeu o nome de “Inventário do Patrimônio Cultural de Juiz de Fora: Arquitetura e Urbanismo”.

O primeiro levantamento, denominado “Pré-inventário dos Bens Culturais de Juiz de Fora” tinha como objetivo instrumentalizar e dar diretrizes para o poder público municipal viabilizar a valorização e conservação do patrimônio cultural do município. Segundo o Passaglia11, o título de ‘pré-inventário’ foi incorporado posteriormente, após as mudanças ocorridas no quadro político local, o que modificou toda a gestão urbana municipal. Segundo este professor12, o termo “foi gestado justamente pelo reducionismo que fez parte do processo de desconstrução política ocorrida posteriormente à administração do Mello Reis” 13.

O trabalho de pré-inventário realizado compreendeu ações de elaboração de Planos de Atuação em curto, médio e longo prazo, para orientar o desempenho das funções da administração municipal relacionadas à preservação do patrimônio cultural. Segundo Passaglia, o primeiro documento elaborado pela Comissão data de maio de 198114.

Em 1982, a primeira legislação de proteção ao patrimônio histórico foi criada em

11 No decorrer dos próximos itens, serão citados alguns relatos de pessoas que foram entrevistadas durante o trabalho de campo desta pesquisa, ou que enviaram informações em troca de e-mails. São eles: Alberto Passaglia (fevereiro de 2014), Jorge Arbach (novembro de 2013 e janeiro de 2014) Paulo Gawryszewski (setembro de 2014; janeiro, fevereiro e abril de 2015) e Fabíola Ramos (setembro e outubro de 2014; março e abril de 2015).

12 Luís Alberto Passaglia é arquiteto, lecionou no curso de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora e atuou ativamente nas ações e debates relativos à proteção do patrimônio da cidade. Fez parte da equipe que deu início ao IPPLAN e coordenou o processo de elaboração do Pré-Inventário do Patrimônio Cultural Local, que foi adaptado para publicação em formato de livro. Incorporou, através de entrevistas via e-mail, informações importantes acerca do processo de elaboração do pré-inventário e sobre a visão global da gestão patrimonial de Juiz de Fora, da qual foi um importante agente estruturador.

13 Entrevista Passaglia (02/2014)

14 Entrevista Passaglia (02/2014)

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Juiz de Fora, através da lei n. 610815. Passaglia destaca que esta legislação introduziu o mecanismo do tombamento e criou dois conselhos, um técnico e o outro consultivo. Segundo o autor, o conceito de participação social desenvolvido em 1982, através da metodologia aplicada nos conselhos técnico e consultivo, não foi implementado pelas administrações públicas posteriores16 17.

Sobre a inserção da Comissão Permanente Técnico-Cultural, na década de 1980, no IPPLAN, Passaglia justifica que fazia parte da proposta metodológica e da matriz conceitual então adotada para a preservação dos bens culturais. Segundo ele, esta junção veio da necessidade de uma atuação que atendesse a todos os aspectos do patrimônio – o arquitetônico, o paisagístico e o ambiental –, de forma que se encontrassem “integrados com planejamento e a legislação do uso e parcelamento do solo urbano, vindo assim a otimizar, e não compartimentar as ações dentro da estrutura administrativa local” (PASSAGLIA, 1983. Pg. 9).

Já em 1983, os primeiros pedidos de tombamento dos imóveis cadastrados pelo pré-inventário foram solicitados pelo coordenador do projeto, o próprio Passaglia. Segundo ele, os tombamentos foram em número limitado, mas estratégicos, tendo em vista as circunstâncias encontradas naquele momento, que reunia instabilidade política e pressões diversas sobre as ações de proteção.

Em entrevista (2014), acerca do documento elaborado, Passaglia coloca que:

O “pré-inventário”, instrumento de um processo de trabalho mais amplo, teve o objetivo “de construir um repertório, a partir do qual pudéssemos analisar o que foi (e o que estava sendo) a produção arquitetônica em Juiz de Fora, desde o seu primórdio até os nossos dias.” (Preservação do Patrimônio Histórico de Juiz de Fora, Pág. 20), portanto, nada tem a ver com o que foi realizado posteriormente e muito menos com o enfoque distorcido a respeito deste instrumento nos procedimentos de cadastro / catalogação e de identificação / hierarquização, pretendendo assinalar o que é e não é objeto de interesse e qual o grau de valor que se atribui ao fato assinalado.

Ao falar do “enfoque distorcido” na aplicação do instrumento de proteção, o professor Passaglia se refere aos tombamentos efetuados em maior quantidade e sem a mesma metodologia de pesquisa realizada por esta primeira equipe do

15 Lei 6108 de 1982 - Autoriza o Poder Executivo Municipal a implantar o tombamento dos bens culturais situados no Município, móveis e imóveis; cria a Comissão Permanente Técnico - Cultural de preservação dos bens culturais, o Conselho Consultivo e dá outras providências.

16 Entrevista Passaglia (02/2014).

17 Em 2004, foi estruturado o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (Comppac), segundo os preceitos estabelecidos pela Lei nº 10.777/04. Este Conselho, atuante até os dias atuais, é um órgão administrativo e consultivo, diretamente vinculado à ‘Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage’ (FUNALFA), que, por sua vez, é subordinada à ‘Diretoria de Política Social’

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IPPLAN. Após a troca de gestão, como será tratado adiante, se iniciou um processo de tombamento de bens que categorizavam o patrimônio de acordo com seus aspectos arquitetônicos e estilísticos, mas que não se aprofundava nas relações sociais e históricas estabelecidas por eles.

De acordo com Passaglia (1983), foi com o intuito de elaborar um trabalho técnico/cultural que retratasse a cultura local de forma aproximada, que foi colocada como prioridade a participação de técnicos locais, de nativos ou pessoas já integradas na vida comunitária de Juiz de Fora. Assim, a equipe foi formada por dois arquitetos do IPPLAN, José Carlos Coutinho e Jorge Arbach; pelo coordenador do Patrimônio Histórico e Artístico da FUNALFA - Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage, Carlos Henrique Lopes, pela artista plástica Nívea Bracher e, como já mencionado, pelo professor Luís Alberto Passaglia, coordenador do projeto.

Em entrevista concedida para esta pesquisa, Jorge Arbach18, relata que o Professor Passaglia veio de São Paulo trazendo uma grande experiência na área de planejamento e uma relação aproximada com as políticas de proteção ao patrimônio histórico, tendo grande influência nos trabalhos desenvolvidos em Juiz de Fora, ligados ao planejamento urbano, através do IPPLAN, e à proteção ao patrimônio. Desta forma, o IPPLAN reuniu diversos atores com este perfil técnico, iniciando aí a proteção de bens mediante tombamento.

A princípio, o pré-inventário se propôs a cadastrar e avaliar imóveis da parte mais central do setor urbano da sede. O recorte contemplava o trecho compreendido entre os bairros de São Mateus e Alto dos Passos, na zona sul, seguindo até o bairro Fábrica, no setor norte, circunscritos pelo Morro do Imperador a oeste e Avenida Sete de Setembro a leste. (Passaglia, 1982). (Mapa 08)

Com o objetivo de construir um repertório para análise da produção arquitetônica da cidade, a equipe buscou explorar não somente “(...) a documentação de edifícios ou conjuntos arquitetônicos mais antigos ou interessantes, mas sim, através de um critério de amostragem, registrar a maior gama possível de épocas, estilos, camada social, etc.” A amplitude deste envolvimento, se deve à compreensão da ampliação do conceito de patrimônio cultural que vinha fundamentando as ações do IPHAN e que se difundia com a criação de novos órgãos nas esferas estaduais. Segundo a orientação então seguida, o valor do patrimônio está vinculado aos interesses de uma sociedade para com suas raízes, não sendo considerado somente o valor histórico,

18 Jorge Arbach é arquiteto, lecionou no curso de arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora e atuou junto da equipe vinculada ao IPPLAN no tema da gestão e proteção do patrimônio em Juiz de Fora. Colaborou com esta pesquisa através de entrevistas concedidas por e-mail e em conversas informais, em novembro de 2013 e janeiro de 2014, nas quais relatou parte do processo de elaboração do Pré-inventário.

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88Mapa 08 - Perímetro de abrangência do Pré-Inventário do Patrimônio Histórico de Juiz de Fora - MG. Elaboração: Bárbara Lopes. Desenho sobre base Google Earth. 2015.

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restrito às antiguidades.

Foram, assim, cadastrados 550 imóveis, entre conjuntos, unidades isoladas e bens de interesse documental que passariam, em um momento posterior, por uma pesquisa mais detalhada. A metodologia utilizada para o pré-inventário abordava a pesquisa documental e depoimentos de diversas pessoas e órgãos, já que o poder público não possuía informações e arquivos sobre o tema. Através do cadastro feito em campo, os bens eram identificados e classificados segundo suas características estilísticas e espaço-temporais, de acordo com as etapas de formação da cidade. Partindo do interesse histórico, artístico e ambiental, foram estabelecidos os seguintes critérios de classificação: 1º- Edifícios do poder público (federal, estadual e municipal), 2º- Edifícios com urgência de ação objetiva (imóveis abandonados), 3º- Bens declarados de utilidade pública ou interesse social e 4º Imóveis particulares.

Na sequência da ação do pré-inventário foram criadas as leis 6108/1982 (já citada) e 7282/1988 (regulamentada pelo decreto Nº 3949/198819), que dispõem sobre a proteção do patrimônio cultural da cidade e estabelecem, junto com a efetivação do tombamento de alguns imóveis, um progressivo empenho da gestão pública em criar mecanismos de defesa do patrimônio local.

Segundo Passaglia20, havia um empenho coletivo da comunidade juiz-forana na consolidação da proteção ao patrimônio local. Além da presença do Conselho Técnico e do Conselho Consultivo na tomada de decisões, campanhas e ações populares desenvolvidas naquele período, relacionadas à preservação do Cine Teatro Central e da “Casa do Bispo”, são evidências deste envolvimento. Na mesma entrevista, Passaglia relata que:

(...) os artigos publicados no jornal Tribuna de Minas de 01 de outubro de 1981 a 14 de março de 1982, na coluna especialmente criada para a nossa iniciativa de difusão, durante este período saiu todos os domingos no seu segundo caderno totalizando 24 artigos escritos sobre os temas correlatos ao patrimônio cultural e das ações em consecução no âmbito da administração pública.

Além disso, foi também deste período a criação Museu da Cidade, que representava o primeiro Centro Cultural sob a gestão do setor público. Este equipamento, entretanto, foi suprimido pela administração subsequente à de Mello Reis.

Como já abordado, Francisco Antônio de Mello Reis, prefeito de Juiz de Fora pela ARENA, de 1977 até 1983, foi responsável por estruturar o planejamento urbano da cidade, através do IPPLAN, sendo substituído por Tarcísio Delgado, do PMDB (1º mandato), que manteve o funcionamento do órgão e de suas subsecretarias, porém

19 Decreto Nº 3949 - Trata do funcionamento da Comissão Permanente Técnico-cultural.

20 Entrevista Passaglia em fevereiro de 2014.

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modificando projetos que vinham sendo desenvolvidos, como foi o caso do já citado Museu da Cidade.

Já em 1996, no segundo mandato do prefeito Tarcísio Delgado, a administração pública contratou, como já informado, a empresa “Século 30, Arquitetura e Restauro”, de Belo Horizonte, para elaboração de um novo inventário, denominado Inventário do Patrimônio Cultural de Juiz de Fora – Arquitetura e Urbanismo. Este inventário compunha o diagnóstico que estava sendo desenvolvido para a elaboração do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano que foi aprovado em 2001. Destaca-se que esta ação da administração municipal vem ao encontro da conjuntura política e econômica da década de 1990 no Brasil, com o Estado abrindo espaço para o setor privado no planejamento e gestão urbana.

É possível notar um grande salto no número de bens protegidos por tombamento neste período. Entre os anos de 1983 a 1998, a média era de dois a três tombamentos por ano, e, logo após a elaboração deste diagnóstico, de 1999 até 2004, a média anual passou para vinte tombamentos, se mantendo posteriormente numa média de oito tombamentos anuais, demonstrando que houve uma estruturação dos processos de tombamento após o inventariado.

Segundo Paulo Gawryszewski21, uma equipe de suporte à empresa Século 30 foi composta, para a elaboração das instruções dos processos, de arquitetos e historiadores, a partir de um convênio com a UFJF – Universidade Federal de Juiz de Fora, e de mais dois consultores externos ligados ao IPHAN.

As informações preliminares que subsidiaram o trabalho foram retiradas do pré-inventário, realizado em 1981, e as etapas definidas pelo projeto contavam com Pesquisa arquivística, bibliográfica e iconográfica; Pesquisa de campo; Diagnóstico; e Formulação de propostas.

Dentre os materiais elaborados, foi feito um mapeamento com classificação valorativa do acervo inventariado. Este mapeamento, denominado “Mapa de mérito arquitetônico” avaliava a qualidade da expressão arquitetônica e o significado histórico dos elementos componentes do acervo. As categorias utilizadas foram: valor excepcional; valor relevante; valor ambiental; e valor documental. Percebe-se que a classificação estabelecida para estes tombamentos segue uma hierarquização definida principalmente pelos valores técnicos / construtivos / arquitetônicos e pelo valor histórico atribuído ao bem, não havendo com clareza, no relatório, uma preocupação com a valorização e representatividade local daquele bem enquanto um signo da cidade. Neste aspecto, Passaglia (1983) ressalta que o pré-inventário, desenvolvido

21 Paulo Gawryszewski é arquiteto da FUNALFA - Fundação Alfredo Ferreira Lage. Contribuiu com a pesquisa através de diversas entrevistas concedidas entre os meses de setembro de 2014 e fevereiro de 2015.

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anteriormente, tinha como pressuposto justamente a importância social do bem para definir sua condição de proteção, assim como a opinião pública a este respeito.

Atualmente, Juiz de Fora possui sob proteção por meio do tombamento municipal, 177 imóveis, 30 monumentos em praças públicas, sete núcleos históricos, seis acervos documentais e seis bens imateriais registrados. Destes bens, dois possuem também tombamento em nível Federal, o Edifício do Cineteatro Central e o Acervo do Museu Mariano Procópio, e quatro, em nível estadual: 1 - Edifício Sede do antigo Banco de Crédito Real e acervo do Museu do Crédito Real; 2 - o Conjunto Arquitetônico e Paisagístico das Antigas Estações Central do Brasil e da Estrada de Ferro Leopoldina e seu Acervo do Núcleo Histórico Ferroviário; 3 - o Conjunto Arquitetônico, Paisagístico e o Acervo do Espaço Cultural da Usina de Marmelos Zero; e 4 - o Conjunto Arquitetônico, Paisagístico do Museu Mariano Procópio e seu acervo.

A gestão do patrimônio cultural em Juiz de Fora passa por dificuldades semelhantes às de tantas outras cidades brasileiras, que vão desde a falta de entendimento do instrumento do tombamento pelos proprietários de bens de interesse cultural, até a falta de recursos para manutenção do patrimônio público e privado. A política denominada “ICMS Patrimônio Cultural”, consiste em um dos critérios de distribuição do ICMS22 entre os municípios mineiros, e segundo o arquiteto Paulo Gawryszewski, tem influenciado na conformação da gestão municipal do patrimônio protegido. Esta política é normatizada pelo órgão estadual de patrimônio, o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA), e incentiva a expansão das iniciativas de proteção, assim como a organização e sistematização dos processos de proteção patrimonial, otimizando as ações de recuperação e melhorias.

O ICMS do Patrimônio Cultural foi delineado pelo governo de Minas Gerais através da Lei nº 18.030 de 200923, que corresponde à quarta versão da Lei nº 12.040, de 28 de dezembro de 1995, também conhecida como “Lei Robin Hood”. O instrumento surgiu com o objetivo de descentralizar os encargos estaduais com as políticas de patrimônio cultural, educação, saúde, meio ambiente, responsabilidade fiscal e produção de alimentos, dentre outros.

Gawryszewski relatou que a rotina da FUNALFA, responsável pela gestão do patrimônio cultural como órgão da administração indireta da Prefeitura de Juiz de Fora foi modificada em vários aspectos após a incorporação do instrumento do ICMS Cultural, com atividades que incluem a elaboração de relatórios para a comprovação de atividades do setor, envolvimento do conselho do patrimônio em decisões relativas

22 ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços.

23 Dispõe sobre a distribuição da parcela da receita do produto da arrecadação do ICMS pertencente aos Municípios.

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à gestão patrimonial, além da realização de atividades culturais que podem garantir a obtenção de recursos para aplicação no setor do patrimônio cultural. Segundo o arquiteto, a obrigatoriedade de prestação de contas incentiva a ampliação dos trabalhos que envolvem a educação patrimonial, o inventário de bens de interesse, e a preservação do patrimônio em si, o que dá à divisão de patrimônio uma importância diferenciada dentro da administração municipal.

Ainda segundo Paulo Gawryszewski, Juiz de Fora tem conseguido situar-se entre as quinze cidades mais bem classificadas em Minas Gerais pela aplicação do ICMS Cultural, sendo suplantada somente pelas já reconhecidas cidades históricas mineiras, como Ouro Preto, Mariana, entre outras. De 2002 a 2011, o valor dessa parcela do ICMS tem variado entre R$ 184.744,14 e R$ 338.568,10, que devem ser investidos na proteção e recuperação do patrimônio protegido.

3.2.2. A experiência local de transferência de potencial construtivo como instrumento urbanístico e de preservação

A preocupação com a preservação do patrimônio cultural no município surgiu, como visto, com os trabalhos desenvolvidos pelo IPPLAN nas décadas de 1980 e 90. Dentre as ações realizadas pelo órgão neste sentido, foi aprovada, em 1998, a lei da Transferência do Potencial Construtivo (TPC), com o objetivo de financiar o restauro de bens protegidos por tombamento. Apresenta-se neste item, uma análise da lei nº 9327/1998, que regulamenta este instrumento no município de Juiz de Fora, e, posteriormente, apresentam-se as iniciativas de aplicação desse dispositivo no município.

A lei da Transferência do Potencial Construtivo, como é nomeada em Juiz de Fora, estabelece um instrumento análogo à Transferência do Direito de Construir apresentada pelo Estatuto da Cidade em 2001.

A norma expõe de forma clara, em sua ementa, que visa ao estabelecimento de incentivos, obrigações e sanções para a proteção do patrimônio protegido por tombamento no município, e traz, em três parágrafos, as disposições que deverão ser obedecidas para utilização do instrumento da TPC.

Conforme esta lei, o antigo IPPLAN seria responsável por dar prosseguimento aos processos de transferência que, por sua vez, seriam iniciados pelo órgão de proteção ao patrimônio, à época, a Comissão Permanente Técnico Cultural (CPTC). Porém, em 2000, com a extinção do IPPLAN, essa função de acompanhamento passou a ser exercida pela Secretaria de Planejamento e Gestão Estratégica (SPGE), através da Subsecretaria de Planejamento Territorial. Da mesma forma, as funções da Comissão Permanente Técnico Cultural foram repassadas para a Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage - FUNALFA, já que não há uma secretaria específica para o tema do patrimônio cultural no município. A

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FUNALFA faz parte das entidades da administração indireta, ficando responsável pelas análises do estado de conservação, e propostas de reparos dos imóveis protegidos, expressas na lei.

O primeiro parágrafo do artigo 1º da lei em questão apresenta o cálculo a ser desenvolvido para obtenção da área relativa ao potencial construtivo que poderá ser transferido. Assim, o potencial construtivo de um imóvel protegido por tombamento ou declarado de interesse cultural: “(...) é constituído pela área do terreno, multiplicada pelo seu coeficiente de aproveitamento, determinado pela Lei de uso e Ocupação do Solo e subtraída a área referente ao imóvel tombado, quando tratar-se de coeficiente de aproveitamento igual ou maior que 4.” (§1, art. 1º da Lei nº 09327/98). Na figura 02, é apresentada a hipótese de um terreno de 200m² que possui taxa de ocupação de 50% (TO) e área construída de 400m². Na primeira possibilidade, se o coeficiente de aproveitamento (CA) é igual a dois, o potencial construtivo passível de transferência é de 400m². Já no segundo caso, se o coeficiente de aproveitamento é quatro, a equação é corrigida e o potencial construtivo continua sendo igual a 400m².

Figura 02 - Demonstração da variação do potencial construtivo de acordo com o coeficiente de aproveitamento definido, com base na Lei nº09327 de 1998 de Juiz de Fora.

Elaboração: Bárbara Lopes. 2015.

Desta forma, ao se analisar a lei de uso e ocupação do solo de Juiz de Fora, chega-se à conclusão que a subtração da área do imóvel na segunda equação corresponde somente aos modelos de ocupação denominados M6A, M7A e M8A, que constituem as áreas com CA maior ou igual a 4. Estes modelos de ocupação se referem aos parâmetros urbanísticos que são definidos para os corredores de comércio da região central da cidade, delimitada como Unidade de Planejamento 01, ou UT01, e que integra a Região de Planejamento Centro. (mapa 09). Assim, a LOUS local já coloca uma limitação para a

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94Mapa 09 - Regiões de planejamento de Juiz de Fora segundo o PDDU com destaque para Unidade Territorial 1. Elaboração: Desenho Bárbara Lopes sobre mapa do PDDU-JF 2000 e imagem do Google Earth 2015

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possibilidade de transferência de potencial construtivo nesta área, embora ela concentre a maior parte do patrimônio edificado que se encontra tombado.

De acordo ainda com o segundo parágrafo do artigo 1° da lei da TPC, o potencial total a ser transferido não poderá exceder a 3.000 m². Além disso, ao se realizar a transferência, o cálculo do potencial deverá observar o valor da terra que o está cedendo e o valor da terra que o está recebendo, de acordo com a planta de valores da prefeitura, de forma que haja uma proporção entre o potencial construtivo a ser transferido e o valor econômico de cada área da cidade. Assim, ao considerar a transferência de potencial originada de um mesmo imóvel e recebida por dois terrenos diferentes, estando um em uma região mais valorizada e outro em uma região menos valorizada, o primeiro receberá um potencial construtivo menor. nas regiões mais valorizadas economicamente, o potencial a ser recebido será inferior ao potencial transferido, a partir de um mesmo imóvel, para uma área menos valorizada economicamente.

Segundo a norma, a concessão do incentivo é feita pela Divisão de Patrimônio da FUNALFA, que deverá consultar à SPLAT (Subsecretaria de Planejamento Territorial) para as seguintes definições: delimitação da área do imóvel sobre a qual a lei incidirá; o potencial construtivo que poderá ser transferido para outra área; e, quando for o caso, as definições para sua utilização no próprio terreno do imóvel protegido.

As avaliações acerca do imóvel protegido e as ações que serão realizadas nele são definidas pela FUNALFA, como explicita o artigo 3º da referida lei:

Art. 3º - O estudo das condições de uso do incentivo construtivo no próprio terreno, bem como das condições de aproveitamento, reforma ou ampliação dos imóveis de valor cultural, histórico ou arquitetônico, incluídos ou não no Inventário Técnico Cultural do Município de Juiz de Fora, deverão ser apreciadas pela Comissão Técnico-Cultural. (Art. 4º da Lei 09327/98).

No caso de imóveis parcialmente tombados24, o proprietário poderá direcionar o potencial construtivo para o próprio imóvel, transferindo para outro imóvel o potencial restante.

Para que o proprietário possa aplicar o instrumento em seu imóvel e usufruir do incentivo construtivo, é necessário que ele apresente ao setor responsável:

I – projeto de restauração do imóvel, elaborado por profissional legalmente habilitado, sob orientação do Instituto de Pesquisa e Planejamento;

II – projeto arquitetônico de aproveitamento, reforma ou ampliação, observada a legislação em vigor e de acordo com o respectivo processo de tombamento

24 O termo parcialmente tombado se refere a imóveis que não possuem proteção integral por tombamento, sendo possível definir a proteção apenas para a volumetria, fachada ou ambiência urbana, a depender da definição da legislação local.

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ou de declaração de interesse cultural;

III – projeto arquitetônico da nova edificação nos casos previstos nesta Lei, se for o caso;

IV – contrato de prestação de serviços com a empresa responsável pelas obras de restauração, acompanhado do respectivo cronograma de execução, assinado pelo responsável técnico legalmente habilitado. (Art. 4º da Lei 09327/98).

Assim, se faz necessário que o proprietário forneça ao órgão responsável documentações e projetos que lhe gerarão despesas consideráveis, como por exemplo, o custeio da elaboração do projeto de restauro, anteriormente à efetivação da TPC. Além disso, o proprietário do imóvel em questão só poderá transferir, ou alienar, cinquenta por cento do potencial construtivo calculado para seu imóvel, até que seja concluído o processo descrito no artigo 4º, citado acima. Estre trâmite dificulta a aplicação do instrumento por proprietários que não dispõem de recursos financeiros.

Por solicitação do proprietário do imóvel tombado ou declarado de interesse cultural, a Comissão Permanente Técnico Cultural deverá fornecer a certidão administrativa com dados do proprietário e do imóvel em questão, junto ao potencial construtivo passível de transferência. Sendo deferido o pedido, o proprietário assume responsabilidades que incluem a execução das obras de restauro necessárias.

A formalização do processo e a efetivação da transferência do potencial construtivo são feitas por meio de escritura pública, acompanhada do recolhimento dos tributos devidos.

A Lei estabelece ainda que o potencial construtivo de um imóvel uma vez transferido, não poderá ser objeto de nova transferência. E, por fim, ela traz as devidas sanções para o caso de não cumprimento das normas de proteção ao patrimônio por parte do proprietário. Estas são constituídas por multas e pela restituição dos valores dos impostos não recolhidos em função das isenções concedidas ao Município de Juiz de Fora.

Na perspectiva do terreno receptor, a Lei 09327/98, em seu artigo 6º, define que o potencial a ser transferido só poderá ser destinado “para zonas com a mesma classificação daquela onde se encontra o imóvel protegido”, de acordo com a Lei de Uso e Ocupação do Solo. Além disso, este artigo traz, em seu parágrafo único, uma listagem de logradouros que não podem ser receptores, os quais são formados, em geral, por vias de maior porte, já consolidadas e localizadas, principalmente, na região central da cidade. Assim, as vias que são submetidas a esta restrição estão em regiões consideradas já suficientemente adensadas, ou em áreas de proteção ambiental, como é o caso do entorno do Morro do Imperador, destacado no Art. 7º da lei. Estes logradouros estão demarcados no mapa 10.

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97Mapa 10 - Delimitação das áreas “não-receptoras” da Transferência do Potencial Construtivo em JF-MG. Elaboração: Bárbara Lopes Barbosa. Croquis sobre imagem de satélite do software Google Earth. 2014

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Prevê-se também um incentivo à ocupação da área de expansão localizada próxima às margens do Rio Paraibuna, denominada “Eixo Paraibuna”, através das definições do Art.9º, que coloca para esta área uma possibilidade de 50% de acréscimo do coeficiente de aproveitamento nas transações de TPC. O incentivo ao adensamento do Eixo Paraibuna é destacado pelo PDDU (2000), que salienta as características de mobilidade e infraestrutura instalada como pontos favoráveis a uma maior ocupação da área. O referido “Eixo Paraibuna” está também demarcado no mapa 10.

Destaca-se o fato de que a legislação de uso e ocupação do solo de Juiz de Fora, definida pela Lei nº 6910/86, apresenta, através de seus parâmetros urbanísticos, apenas o coeficiente de aproveitamento máximo permitido para cada modelo de ocupação definido. Esta questão faz da conjuntura de Juiz de Fora uma exceção entre as experiências mais conhecidas de aplicação de instrumentos vinculados ao conceito de solo criado nas cidades brasileiras. Em geral, as cidades definem um coeficiente de aproveitamento básico e um coeficiente de aproveitamento máximo, sedo que este último somente será alcançado através de ferramentas como a TPC ou OODC.

Assim, para definir o aumento do potencial construtivo dos imóveis receptores da TPC, que será facultado através do aumento do coeficiente de aproveitamento destes, a lei que regulamenta o instrumento traz em seu artigo 9º as seguintes definições:

Art. 9.º - O Terrenos receptores de potencial construtivo poderão ter seu coeficiente de aproveitamento aumentado, conforme a seguir:

I - terrenos situados no “Eixo Paraibuna” terão seus coeficientes acrescidos em até 50% (cinquenta por cento);

II - terrenos receptores com coeficientes de aproveitamento de 1,00 a 1,65, terão seus coeficientes acrescidos em até 30% (trinta por cento);

III - terrenos receptores com coeficientes de aproveitamento de 1,8 a 2,2 terão seus coeficientes acrescido sem até 20% (vinte por cento);

IV - terrenos receptores com coeficiente de aproveitamento de 2,5 terão seus coeficientes acrescidos em até 15% (quinze por cento);

V - terrenos receptores com coeficientes de aproveitamento de 3,00 terão seus coeficientes acrescidos em até 10% (dez por cento);

VI - terrenos receptores com coeficiente de aproveitamento de 3,5 terão seus coeficientes acrescidos em até 05% (cinco por cento).

Parágrafo Único - Os terrenos com coeficiente de aproveitamento igual ou superior a 4,5 não poderão receber potencial construtivo.

(Art. 9º - Lei 09327/98).

E delimita ainda, de acordo com seu artigo 10º, que estes acréscimos devem variar de acordo com a dimensão do terreno receptor e serão então repassados na

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seguinte proporção:

I - terrenos com área menor ou igual a 800,00 m2 (oitocentos metros quadrados): integralmente;

II - terrenos com área entre 800,00 m2 (oitocentos metros quadrados) e 1,500 m2 (hum mil e quinhentos metros quadrados): 50% (cinquenta por cento);

III - terrenos com área acima de 1.500 m2 (hum mil e quinhentos metros quadrados): 25% (vinte e cinco por cento).” (Art. 4º da Lei 09327/98).

Destaca-se que os aumentos nos coeficientes de aproveitamento apresentados no Art. 9º variam em proporção inversa aos índices existentes na lei de uso e ocupação. Desta forma, terrenos receptores com CA de 1,00 a 1,65, têm seus coeficientes acrescidos em até 30%, enquanto os terrenos receptores com CA de 3,5% terão seus coeficientes acrescidos em até 0,5%. (ver quadro 03) Ressalta-se, ainda, o fato de que a lei de uso e ocupação que deu base a estes cálculos foi revisada em 2013, fazendo com que os valores aqui apresentados não correspondam mais à situação atualmente posta, como será discutido adiante.

Quadro 03 - Possibilidade de aumento do coeficiente de aproveitamento de terrenos receptores da TPC segundo artigos 9 e 10 da Lei nº 09327/1998.

Autoria: Bárbara Lopes. 2015.

Em 2012, o vereador e presidente da Câmara de Juiz de Fora, Júlio Gasparette, entrou com uma proposta de revisão da Lei 09327/98, que trata da TPC, com os seguintes objetivos: 1) revogar o artigo 6º, que trata das áreas que não podem receber potencial construtivo, para possibilitar que terrenos localizados nestas áreas tornem-se receptores da TPC; 2) dar nova redação aos incisos IV, V e VI do artigo 9º, que estabelecem os limites de aumento do coeficiente de aproveitamento para os diferentes modelos de ocupação da LOUS, permitindo que um maior acréscimo aos terrenos com CA entre 2,5 e 3,5; e ainda 3) revogar o parágrafo único do mesmo artigo que proíbe que os terrenos com coeficiente de aproveitamento máximo maior que 4,5 recebam potencial construtivo.

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Em síntese, o Projeto de Lei apresenta a seguinte justificativa, exposta pelo vereador proponente para as modificações:

As alterações pretendidas têm o cunho de dar efetividade à Lei, que ora se altera. Os artigos e incisos que se propõe para serem alterados engessam a Lei nº 9327/98, não se verifica a pretensão do empresariado em utilizar-se das faculdades contidas na Lei, considerando os entraves ou ainda as proibições contidas nos artigos alterados. Com as alterações propostas decerto iremos movimentar o mercado imobiliário de nossa cidade podendo inclusive dar garantias e manutenção aos imóveis objeto de Tombamento e considerados de interesse cultural. (Proposição: PLEI – Projeto de Lei 80/2012 – Processo 0244-06 1987)

Este projeto não foi levado adiante pela Câmara, apesar do parecer favorável, mas com ressalvas, por parte da Comissão de Legislação, Justiça e Redação, através do então vereador Noraldino Junior.

Em entrevista realizada no âmbito desta pesquisa, o vereador Júlio Gasparette25 afirmou que sua iniciativa tinha o intuito de responder às demandas por regularização fundiária dos empreendimentos que ultrapassaram os parâmetros construtivos estabelecidos pela legislação local. O vereador colocou ainda que percebeu a potencialidade da TPC para resolver questões como esta quando ocupava o cargo de Secretário de Atividades Urbanas em administrações passadas, e que acredita que o poder executivo incentiva de forma insuficiente a regularização fundiária no município. Destaca-se que as mudanças colocadas pelo vereador buscam atender à adequação de construções irregulares e não à regularização fundiária relativa à urbanização de favelas.

Na ocasião dessa entrevista, Gasparette afirmou não ter persistido no projeto de revisão desta norma devido à aprovação da Lei de Regularização Fundiária, nº 12.530, de julho de 2012, que facilitou a regularização de empreendimentos e, posteriormente, e à revisão, em 2013, da Lei de Uso e Ocupação do Solo, nº 6910 de 1988, que possibilitou uma maior densidade construtiva em algumas áreas da cidade. Assim, o vereador afirmou não haver mais motivos para mudança na TPC, demonstrando o seu interesse exclusivo em beneficiar o avanço da construção civil e, em especial, os grandes empreendimentos na cidade. As mudanças nas leis citadas e seus impactos na cidade serão discutidas no capítulo 4 deste trabalho.

O instrumento da TPC, até o momento, não teve nenhuma aplicação efetiva no município de Juiz de Fora. Em um processo ocorrido em 2011, referente à solicitação de aplicação do instrumento para o edifício do Colégio Nossa Senhora do Carmo (Foto 15), situado à Rua Dona Maria Helena, 112, a transferência não foi efetivada, ficando a ação interrompida. O Colégio foi tombado pelo decreto municipal 6890/2000

25 Entrevista ao vereador Júlio Gasparette em setembro de 2014.

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e é de propriedade da Congregação das Irmãs Carmelitas da Divina Providência.

Segundo a atual diretora do Colégio, Irmã Marina26, a instituição tomou conhecimento da existência deste instrumento, através da área jurídica da Congregação, que se localiza em Belo Horizonte, e esclareceu que o seu interesse era conseguir recursos para o restauro do imóvel que abriga o Colégio Nossa Senhora do Carmo. A Irmã colocou ainda que, enquanto proprietária representante da Congregação, acredita na importância deste instrumento para manutenção do patrimônio local, já que ele torna possível o financiamento da manutenção do bem protegido por tombamento.

Foto 15 - Colégio Nossa senhora do Carmo em juiz de Fora. Fonte: Site do colégio: http://www.carmojf.com/index.php/o-colegio/estrutura. Acesso: fevereiro de 2015.

Em quatro de agosto de 2008, a administração do Colégio encaminhou aos órgãos responsáveis pelo patrimônio municipal, representados pela FUNALFA e pelo COMPPAC, a solicitação da Certidão Administrativa para comprovação do tombamento e do potencial construtivo do imóvel que viria a ser negociado através da TPC. A instituição educacional, de direito privado e sem fins lucrativos, é isenta de tributos e alegava não ter recursos para o restauro do edifício, o que era estimado em duzentos mil reais naquela época.

Assim, através da FUNALFA, enquanto representante do setor do patrimônio na

26 Entrevista realizada à Irmã Marina, via e-mail, em outubro de 2014.

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administração municipal, foi encaminhado um pedido ao IPPLAN de fornecimento do cálculo do potencial construtivo da área, passível de transferência, e de indicação da zona passível de recepção deste potencial. A equipe responsável por este processo era formada pela arquiteta Maria das Graças Monteiro Lima, que fazia parte da Divisão de Uso e Ocupação do Solo, pela arquiteta Fabíola Ramos que respondia pela Secretaria de Atividades Urbanas – SAU, e por outros técnicos que respondiam por pontos específicos.

O procedimento de cálculo do potencial a ser transferido foi finalizado em 2009 e certificado pelo superintendente da FUNALFA, Antônio Carlos Siqueira Dutra somente em 2011, o que demonstra a morosidade de todo o processo. Esse documento, em cumprimento da lei que dispõe sobre a TPC, certifica que o imóvel denominado Colégio Nossa senhora do Carmo:

(...) Possui um potencial construtivo, passível de transferência, de 3.000,00 m² (três mil metros quadrados), que poderá ser utilizado dentro do próprio terreno do imóvel, conforme estabelecem as Leis nº 6.910/1986 e 9.327/1998, ouvidos a ‘SAU/DLU/DIUSO e o Conselho Municipal de Preservação do patrimônio Cultural – COMPPAC’, ou ser transferido para imóveis receptores localizados em Zonas residenciais 2 – ZR2, na seguinte forma: se na categoria de uso residencial, o coeficiente de aproveitamento será aumentado em 20% e, se na categoria de uso comercial/serviços, institucional e industrial, o coeficiente será aumentado em 30%. A análise e entendimento do incentivo construtivo, deverão ser feitos por órgãos competentes da prefeitura. (...) (Certidão de potencial Construtivo expedida pela FUNALFA em 3 de maio de 2011. Presente no Dossiê do processo27.).

Fabíola Ramos,28 que fez parte da referida equipe, hoje atua na Subsecretaria de Planejamento Territorial (SPLAT) da Secretaria de Planejamento e Gestão (SEPLAG) e ainda é a responsável pelos processos relacionados à Transferência do Potencial Construtivo. Em entrevista, destacou que, considerando as limitações colocadas pela lei, o potencial deve ser descarregado em um certo número de imóveis receptores para não haver uma grande concentração. Assim, a administração determinou que o potencial de 3.000 m², apurado para nesta transferência deveria ser repassado para 20 imóveis receptores diferentes, originando aproximadamente 150 m² por receptor.

De acordo com o parágrafo 3º do artigo 1º da lei que regula a TPC: “A área adicional edificável é determinada com observância da equivalência entre os valores do metro quadrado do imóvel de origem e do receptor, com base na planta de valores

27 Dossiê que reúne a documentação relativa ao processo da Transferência do potencial Construtivo do Colégio Nossa Senhora do Carmo � Juiz de Fora 2011.

28 Fabíola Ramos atua na Subsecretaria de Planejamento Territorial (SPLAT) da Secretaria de Planejamento e Gestão (SEPLAG). Contribuiu em diversos momentos para esta pesquisa. Esta entrevista foi feita em setembro de 2014.

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do Município”. Segundo Fabíola, esta disposição não foi obedecida, visto que não havia sido determinado um terreno de destino para ser analisado. Assim, a aplicação deste artigo somente acontecerá no momento de efetivação da transferência do potencial,o que não ocorreu até o momento.

De acordo com a norma, finalizado o processo, cabe ao proprietário, ao receber a certidão, formalizar a transferência via escritura pública, e consolidar a melhoria do imóvel protegido. Entretanto, como já mencionado, a Congregação, proprietária do imóvel, não efetivou a transferência do potencial construtivo.

Segundo a diretora do Colégio, a Congregação encontrou outra opção de financiamento das obras de restauro que se faziam necessárias e, por isto, não houve esforço, após obtenção da referida certidão, em transferir este potencial construtivo. Além disso, a diretora afirmou que nenhuma proposta de compra deste potencial foi feita à Congregação até o momento.

A falta de interesse na compra deste potencial pode ser justificada pela falta de conhecimento da população acerca das possibilidades abertas pela lei da TPC, além de pela falta de interesse do Colégio em divulgar o potencial construtivo transferível em sua posse, já que o restauro do imóvel aconteceu por outras vias.

Na ocasião da entrevista, Fabíola Ramos destacou algumas dificuldades da aplicação da Lei, que envolvem, inclusive, dificuldades de interpretação da norma que estava sendo aplicada pela primeira vez naquele momento.

Em meio ao dossiê29 do processo do Colégio Nossa Senhora do Carmo, há o registro de algumas solicitações e sugestões de reestudo da Lei, por parte da Divisão de Uso e Ocupação, à direção da Secretaria de Atividades Urbanas, vistas as dificuldades encontradas em sua aplicação.

A principal questão colocada se referia à transferência ser permitida somente para imóveis localizados em áreas de mesma classificação como zona de uso e ocupação do solo. De acordo com o dossiê30, ainda na simulação do processo do Colégio, foram encontrados apenas três ou quatro logradouros que poderiam receber o potencial construtivo gerado a partir da aplicação do instrumento.

Acerca desta questão, Maria das Graças Monteiro e Fabíola Ramos, respondendo pela DIUSO, sugeriram que a Lei “(...) para melhor cumprimento e alcance do bem coletivo, deveria indicar previamente áreas, dentro do perímetro urbano, para recepção do incentivo construtivo proposto.” (Documento referente à solicitação do colégio do Carmo, em 25 de março de 2009. C/ OPROC. 4954/97).

29 Dossiê que reúne a documentação relativa ao processo da Transferência do potencial Construtivo do Colégio Nossa Senhora do Carmo - Juiz de Fora 2011.

30 Idem.

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Apesar de o diretor da Secretaria, na época o engenheiro Cesar Augusto Cardão Fovoleri, concordar com a necessidade de revisão da norma em vigor, seu posicionamento foi que se deveria informar ao requerente sobre as limitações colocadas pela legislação atual, e deixar a seu critério a decisão de utilização do potencial construtivo, ou aguardar possíveis alterações na regulamentação do instrumento.

Desta forma, fica clara a dificuldade da administração na aplicação deste instrumento, por se entender que o texto é excessivamente restritivo em alguns quesitos. Somam-se a esta questão, as pressões que partem do mercado imobiliário e da própria dinâmica urbana do município, como será tratado na análise que se segue.

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4. A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: AGENTES, MUDANÇAS E IMPACTOS

4.1. As mudanças legislativas recentes e seu impacto sobre a produção do espaço urbano

A falta de protagonismo do setor de planejamento dentro das administrações municipais que se seguiram após a extinção do IPPLAN, dentre outras consequências, faz com que o trabalho dos técnicos da área se enfraqueça. O planejado fica, assim, vulnerável à pressão mercadológica e às decisões originadas no poder legislativo sem estudo prévio. Um fato ocorrido em 2012, que ilustra esta situação, trata da aprovação, pela Câmara de Vereadores, do projeto de lei que dispõe sobre a regularização de construções, reformas, modificações ou ampliações de edificações, realizadas sem licença prévia por parte da Prefeitura de Juiz de Fora, ou que estão em processo de licenciamento, e que não se enquadravam nos parâmetros definidos pelas leis municipais de uso e ocupação do solo e pelo código de obras31. A Lei n.º 12.530, decorrente deste projeto e aprovada em 19 de abril de 2012, facilita a regularização dos empreendimentos que descumprem os parâmetros urbanísticos de construção na cidade.

O setor técnico da prefeitura afirma que, a princípio, havia interesse em criar uma lei que regulamentasse a regularização de áreas ocupadas por populações de baixa renda e inibisse a irregularidade em grandes empreendimentos. Entretanto, a Câmara aprovou modificações nesta lei que facilitam operações de regularização em áreas de alto valor econômico, evidenciando esta iniciativa como uma mera resposta à pressão da indústria da construção e do capital imobiliário local, questão que será discutida neste capítulo. A figura 03 é um recorte da publicação, veiculada no site da Prefeitura Municipal, para divulgação e incentivo à regularização através desta lei.

31 A Lei Municipal 6.910 regulamenta o uso e ocupação do solo de Juiz de Fora e a Lei municipal 6.909 dispõe sobre o código de obras da cidade. Ambas foram aprovadas em de 31 de maio de 1986.

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Figura 03 - Informativo acerca da campanha de regularização de edificações. Fonte: Site da PJF. http://www.pjf.mg.gov.br/secretarias/sau/documentos/regularizacao_edificacoes.

pdf. Acesso em 14/12/2014

A priori, a lei nº 12.530/2012 definiu em seu Artigo 7º alínea “a” que o requerimento para regularização deveria ser protocolado ate o dia 31 de dezembro de 2012, atendendo aos imóveis construídos anteriormente a esta data. Além disso, no parágrafo único do mesmo artigo, define-se que “após a data fixada na alínea “a” deste artigo, os valores das multas para regularização das edificações serão calculados na forma dos arts. 5º e 6º desta Lei, acrescido do percentual de 100% (cem por cento)”. No entanto, desde a aprovação da referida lei, foram aprovadas leis complementares que alteraram esta alínea, postergando o prazo para solicitação da regularização como destacado a seguir:

Lei nº 12.755 de 15 de janeiro de 2013 – Altera a alínea “a” do art. 7º, definindo que o requerimento poderá ser protocolado até 31 de dezembro de 2013;

Lei complementar nº007 de 13 de janeiro de 2014 - Altera a alínea “a” do art. 7º, definindo que o requerimento poderá ser protocolado até 31 de dezembro de 2014;

Lei complementar nº024 de 24 de junho de 2015 - Altera a alínea “a” do art. 7º, definindo que o requerimento poderá ser protocolado até 31 de dezembro de 2015;

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As recorrentes alterações desta Lei demonstram um claro interesse em trazer benefícios para o setor privado em detrimento do interesse público, o que é ressaltado nas análises que se seguem acerca do texto da norma.

Para melhor entendimento da análise da legislação aqui apresentada se faz necessário compreender como as definições da planta genérica de valores do município se espacializam, a fim de destacar as áreas consideradas de maior e menor valor econômico. Para esta avaliação foi feita uma categorização das áreas isótimas32, que definem o valor do metro quadrado da terra para fins de cálculo do IPTU em Juiz de Fora, chegando-se ao produto abaixo. O mapa 11 demonstra a concentração dos imóveis com maior valor do solo e de imposto no miolo da região definida como Unidade Territorial 01 – UT1, que abarca o centro tradicional da cidade.

A lei 12.530 isenta de multa a regularização de imóveis com área máxima construída de 100 m² que estejam localizados em qualquer um dos setores definidos nos anexos VII e VIII da lei nº 11.925, de 2009, que trata da Planta Genérica de Valores (PGV) do município. Esta isenção facilita a regularização de áreas ocupadas por população de baixa renda, permitindo, por exemplo, o acesso a programas de financiamento habitacional. Já nos artigos 5º e 6º da norma, são abertas possibilidades de regularização, em áreas mais valorizadas e em terrenos de maior dimensão. A primeira possibilidade atende a edificações com área máxima de 500 m² e a segunda trata de edificações com dimensão superior a 500 m². Os cálculos são definidos da seguinte forma:

Sendo:

32 Área isótima ou área de isovalor é uma área cujos limites englobam imóveis que possuem as mesmas características genéricas e o mesmo valor unitário. Esta identificação leva em consideração aspectos de caracterização física, condições de salubridade, localização de equipamentos e serviços públicos, entre outros.

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Quadro 04 - Informações para cálculo das multas definidas pela Lei 12.530/2012. Elaboração: Bárbara Lopes. 2015.

A partir dos dados apresentados, desenvolve-se a seguir uma simulação de cálculo de multa para regularização de um empreendimento hipotético construído na área considerada de maior valor pela PGV. Assim, nesta situação hipotética, a multa aplicada estaria entre as mais dispendiosas admitidas pelas determinações do artigo 5º da Lei n.º 12.530/2012.

Sendo considerada uma edificação 500 m² construídos (ou menos), localizada entre a Rua Halfeld e a Av. Getúlio Vargas, pertencente ao “grupo A” na categorização da planta de valores, com área a ser regularizada de 100 m², tem-se a seguinte equação:

Quadro 05 - Demonstração de cálculo hipotético de multa definida pela Lei 12.530/2012. Desenho: Bárbara Lopes. 2015.

É possível mensurar o benefício que isto representa para o mercado imobiliário ao se fazer uma rápida pesquisa acerca dos valores dos imóveis que veem sendo vendidos naquela região, mesmo que não estejam entre as áreas isótimas de maior valor definidas pela PGV. Encontra-se, por exemplo, um apartamento de aproximadamente 120m², em prédio antigo, com três quartos, na Avenida Independência (atual Av. Presidente Itamar Franco), nas proximidades da Av. Rio Branco, com IPTU mais baixo que o exemplo de cálculo da multa dado acima, e valor de venda de R$ 612.000,00 (seiscentos e doze mil reais) em 2014. Considerando-se que, em edifícios novos,

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109Mapa 11 - Mapeamento das áreas isótimas categorizadas pelos valores estabelecidos na Planta Genérica de Juiz de Fora. Fonte: Sobreposição de informações cedidas pela PJF sobre base Google Earth. Elaboração: Bárbara Lopes Barbosa. 2014.

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este valor de venda é mais alto, chega-se à conclusão de que a multa cobrada por metragem quadrada no exemplo apresentado é de 151 reais, enquanto na venda do primeiro apartamento o preço da metragem quadrada é de R$ 5.100,00 (cinco mil e cem reais).

Estas possibilidades abrem margem para que grandes empreendedores da construção civil regularizem seus imóveis através de uma multa com valor relativamente baixo frente às possibilidades de lucro e aos impactos urbanos causados ao se exceder os parâmetros urbanísticos definidos para cada região.

Se considerados os valores venais destes imóveis, o preço que se pagaria pela regularização é inferior ao que geralmente se cobra pela outorga onerosa do potencial construtivo, que apesar de estar prevista no PDDU de 2000 não foi regulamentada. E, da mesma forma, o valor da multa também não torna atraente para o mercado imobiliário a utilização da TPC nos casos cabíveis de aplicação. O grande diferencial para o poder público é que a utilização da OODC geraria fundos para a urbanização e a TPC repercutiria nos imóveis tombados, o que não acontece no caso da regularização em que o recurso vai para o Tesouro Municipal, sendo possível que ele não retorne como infraestrutura para amortecer este potencial construtivo excedente.

Situação semelhante ocorreu em novembro de 2013, ao se aprovar na Câmara de Vereadores alterações nas leis urbanas básicas do município que foram, em seguida, sancionadas pelo prefeito. As alterações foram efetuadas na Lei nº 6909/1986, que dispõe sobre as edificações no município de Juiz de Fora, e na Lei 6910/1986, que dispõe sobre o ordenamento do uso e ocupação do solo.

Com esta revisão, o cálculo da área edificada para efeito do cumprimento dos parâmetros de ocupação foi alterado, não sendo mais computadas, por exemplo, varandas e sacadas com áreas equivalentes a 15% do cômodo, diferentemente da lei anterior que previa um porcentagem de 10%, e coberturas de edifícios que ocupem no máximo 60% do pavimento. Da mesma forma, áreas de estacionamentos que tenham 100% do seu nível no subsolo, não serão consideradas áreas edificadas para efeito de cálculo, assim como áreas de uso coletivo, como vãos de elevadores e circulação de edifícios (com algumas ressalvas), além de outras situações semelhantes.

Houve ainda, alterações no cálculo da altura máxima que um edifício poderá alcançar. Esta altura era determinada a partir da dimensão linear do afastamento frontal, somada ao dobro da dimensão linear da largura da via. Após a revisão, o cálculo da altura máxima é feito com o dobro da dimensão linear do afastamento frontal, como demonstra a figura 04, onde “h” representa a altura máxima segundo a lei 6910 de 1986 e “h1” representa a altura máxima definida na revisão da mesma lei em 2013.

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Figura 04 - Interpretação da alteração da lei 6910 de 1986 em 2013 relacionada à altura máxima permitida para edificações. Elaboração: Bárbara Lopes. 2015.

Além das disposições destacadas, foram alterados os anexos 6 e 8 da Lei 6910/86, correspondentes ao zoneamento urbano e seus modelos de ocupação, além dos parâmetros construtivos de cada modelo. As principais mudanças ocorreram nos seus coeficientes de aproveitamento. (Quadro 06)

Foram criadas novas classificações para os modelos de ocupação M2, M2A, M3, M3A e M433, com índices de taxa de ocupação e coeficiente de aproveitamento, ampliados. Nesta revisão, o único condicionante para aplicação desses novos coeficientes, é o suprimento de vagas de garagem, variando de acordo com a dimensão da unidade do imóvel em questão.

33 Os modelos de ocupação se referem à classificação dos parâmetros urbanísticos definidos pelo zoneamento urbano de Juiz de Fora.

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Quadro 06- Classificação das Zonas quanto aos modelos de ocupação permitidos, segundo revisão em 2013 da Lei 6910/86.

Fonte: Base em dados da Lei complementar 006 de 2013 sobre a Lei 6910/86. Elaboração: Bárbara Lopes. 2015.

O mapa 12 traz o zoneamento urbano de uso e ocupação do solo da Unidade Territorial 01 (UT1), e nele é possível identificar os modelos de ocupação que tiveram seus índices alterados pela revisão da norma.

Estes modelos de ocupação estão presentes em diversas zonas da cidade, como nas Zonas Residenciais ZR2, ZR3, e Zonas Comerciais ZC1, 2, 3, 4 e 5. No entanto, grande parte da UT-01, que corresponde à região central da cidade e que, por sua vez, equivale à área urbana mais adensada, é constituída pela zona ZR2, cujos modelos de ocupação M3 e M3A tiveram seus coeficientes de aproveitamento máximo34 alterados, respectivamente, de 1,8 para 2,4 e de 2,2 para 2,8. Destaca-se ainda o fato de que apenas a UT-01 possui um zoneamento detalhado, diferentemente das demais unidades de planejamento que são classificadas de forma mais simplificada. As unidades territoriais que abrangem os bairros fora da UT-01 possuem apenas a classificação ZC5 para zonas comerciais, por exemplo. Estas questões mostram uma possibilidade de aplicação mais intensa destes novos parâmetros na região central da cidade.

É, portanto, na região central, definida pela UT-01, que acontecem os principais impactos das mudanças legislativas destacadas. Entende-se, assim, que a mudança

34 Como já comentado anteriormente, destaca-se que a legislação urbanística de Juiz de Fora, através de sua lei de Uso e Ocupação do Solo, não define um coeficiente de aproveitamento Máximo (CAM) e Básico (CAB), trabalhando apenas com a definição do CAM como parâmetro de limite construtivo.

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113Mapa 12 - Uso e ocupação do solo da Unidade Territorial 01. Fonte: Reprodução do Anexo 4 da Lei de Uso e Ocupação do Solo sobre base Google Earth. Elaboração: Bárbara Lopes Barbosa. 2014.

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desses parâmetros permitirá um maior adensamento nas áreas da cidade que já possuem infraestrutura sobrecarregada e pouca possibilidade de expansão, conforme destacaram os estudos realizados para o Plano Diretor de 2000, uma situação tem se agravado nos últimos anos.

As mudanças legislativas aqui analisadas são um reflexo do interesse do mercado imobiliário no aumento do aproveitamento construtivo em especial na região central da cidade. A origem destas propostas, seguidas da aprovação pela Câmara de Vereadores de Juiz de Fora, remetem ao financiamento de campanhas eleitorais por parte de construtoras locais. É evidente a existência de uma relação entre os vereadores propositores e apoiadores das leis destacadas, que beneficiam o mercado imobiliário local, e seus financiadores eleitorais.

Destaca-se, como exemplo, a situação do presidente da Câmara Júlio Gasparette (PMDB), eleito para seu quarto mandato. Gasparette é o proponente das duas modificações aqui citadas e de outras propostas que tramitam no legislativo municipal e que, objetivam, em geral, conceder benefícios à indústria da construção e ao capital imobiliário, em detrimento da qualidade de vida urbana e sem qualquer coerência com um planejamento de longo prazo da cidade.

De acordo com dados da Justiça Eleitoral (Quadro 07), constata-se que parte dos recursos utilizados na campanha eleitoral de Gasparette vem das empresas “Synergia Empreendimentos Ltda” e “Atlantida Engenharia Ltda”, da mesma forma que outros vereadores da casa que defendem essas propostas. As empresas citadas fazem parte do Grupo Rezzato, que engloba ainda as firmas “Juiz de Fora Engenharia”, “Garantia Engenharia” e “WHM Construções”. O grupo Rezzato é hoje responsável por grande parte dos empreendimentos da construção civil no município.

Quadro 07- Financiamento Eleitoral 2012 do vereador e presidente da câmara Júlio Gasparette

Fonte: site do Tribunal Superior Eleitoral . http://inter01.tse.jus.br/spceweb.consulta.receitasdespesas2012/abrirTelaReceitasCandidato.action . Acesso março 2015.

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Estas ações pontuais sobre a legislação urbanística caminham na contramão de um planejamento que considere os diferentes aspectos da cidade, onde os diversos setores estão correlacionados e devem ser pensados conjuntamente. Afinal, mudanças nas normas que trazem impacto no uso e ocupação do solo, como estas revisões recentes, impactam a dinâmica urbana da cidade em diferentes aspectos. Além disso, este descompasso do planejamento e das práticas de gestão inibe a utilização de instrumentos que tenderiam a equilibrar as demandas da produção do espaço urbano, como é o caso da Transferência de Potencial Construtivo, que apesar de necessitar de ajustes, continua sendo um instrumento que tem o potencial de favorecer a produção planejada do espaço urbano, direcionando seu retorno para a proteção do patrimônio local.

4.2. A conformação do espaço e seus agentes: a produção real do espaço da cidade

Embora a classificação e hierarquização do porte das cidades sejam geralmente determinadas pela dimensão populacional de cada uma delas, compreende-se a complexidade de se classificar e hierarquizar centros urbanos com variados graus de dependência e articulação que formam redes de cidades em escala regional, estadual e nacional.

Sem dúvida, múltiplos fatores sociais, espaciais e relativos a contextos regionais podem mudar a função e estrutura de uma cidade. Em uma categorização simplificada, são definidas como cidades de médio porte, de acordo com o IBGE, aquelas que possuem uma população entre 100 e 500 mil habitantes. Para Sposito (2010) as cidades médias, entretanto,

[...] são aquelas que desempenham papéis de ligação, de intermediação entre as pequenas e as maiores cidades, sem desprezar o tamanho populacional como primeiro nível da análise, pois como já destacado, existe a estreita relação entre quantidade e qualidade das dinâmicas e processos (SPOSITO, 2010, p.6).

Segundo o IBGE, em seu relatório técnico intitulado “Estimativas da população dos municípios brasileiros” com data de referência em 1º de julho de 2014, “as maiores taxas geométricas de crescimento da população verificadas entre 2013 e 2014 estão nos municípios de ‘médio porte’, que possuem entre 100 mil e 500 mil habitantes em 2014 (1,12%)”. Com base em dados como esses, entende-se então, que apesar do contínuo crescimento das periferias metropolitanas, as cidades de porte médio têm assumido uma posição estratégica na continuidade da desconcentração produtiva no Brasil, devendo ser considerada ainda sua função como polarizadoras regionais e fatores importantes na dinâmica de dispersão da população urbana brasileira. Como

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já apresentado, apesar de a população de Juiz de Fora ter ultrapassando o índice normalmente utilizado para classificar cidades de médio porte, a cidade ainda mantém aspectos sociais, econômicos e urbanos de uma cidade média.

Como importante centro polarizador, sendo classificada na hierarquia urbana do IBGE como Capital Regional A35, Juiz de Fora expressa, em muitos aspectos, um caráter de cidade de grande porte, principalmente na dinamização e variedade de serviços prestados, como, por exemplo, na oferta de serviços médicos, de ensino e de comércio, tendo como causa e consequência o aumento da população flutuante do município. Um dos impactos destas características está na intensificação do processo especulativo, que, a princípio, tem concentrado os principais investimentos nos bairros mais centrais.

Assim, entende-se que a atual conformação territorial e urbana de Juiz de Fora remete a uma cidade em vias de transição, onde outras centralidades ainda se encontram em processo de fortalecimento, com o desenvolvimento mais intenso de alguns núcleos, principalmente na região do bairro Benfica, na zona norte e do bairro São Pedro, próximo à Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF.( Mapa 13).

O Benfica é o principal bairro da zona norte de Juiz de Fora. Teve seu desenvolvimento urbano ligado à linha férrea, com a construção da Estação Ferroviária em 1877, mas sua ocupação aconteceu concomitantemente à ocupação da área central. Sua expansão ocorreu principalmente devido à implantação de indústrias que geravam emprego na região. Atualmente, importantes indústrias, como a siderúrgica Arcelor Mittal e a montadora Mercedes-Benz localizam-se nas proximidades do bairro. A densidade demográfica da região é baixa, com muitos vazios urbanos e sua infraestrutura permite que o acesso ao centro tradicional seja esporádico. No entanto, esta zona não é atrativa para empreendimentos de alto padrão, por concentrar uma população de baixa renda, com grande número de habitações sociais e o uso industrial. De acordo com o plano diretor, a ocupação da região “concentrada ao longo da Av. Juscelino Kubitschek, antiga estrada Juiz de Fora/Belo Horizonte, e os grandes vazios urbanos na sua periferia dão uma característica linear à mancha urbana”. Esta característica limita a ligação da zona norte da cidade com seus demais setores.

O bairro São Pedro, também conhecido como Cidade Alta, tem origem na migração alemã e na ocupação urbana trazida pelo acesso à BR-040. A região

35 Capital regional: exerce uma grande influência e abriga vários centros regionais, porém seu domínio se limita à fronteira estadual. Nesse caso, se trata de cidade de grande e médio porte que apesar de não se enquadrar na categoria de metrópole possui indústrias e prestação de serviços como hospitais, bancos, centro comercial e muitos outros (Hierarquia urbana brasileira – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE).

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tem sua expansão intensificada com a construção da Universidade Federal de Juiz de Fora que faz uma importante ligação desta área com o centro tradicional da cidade. Sua atual ocupação é marcada por moradias alugadas por estudantes, pelo comercio local e, mais recentemente, pelas expansões de condomínios fechados, com habitações unifamiliares de alto e médio padrão. A produção imobiliária do bairro está em ascensão, especialmente após a ampliação de vagas na UFJF e com a possibilidade de transformação da via São Pedro em BR-440, que de acordo com o projeto, possibilitará a ligação rodoviária com outras regiões do município.

Mapa 13 - Localização dos bairros e eixos de expansão - Juiz de Fora. Fonte: Bárbara Lopes. 2015.

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Destaca-se que esta via foi planejada no PDDU de 2000 de Juiz de Fora, em um momento em que a expansão urbana ainda não havia alcançado a área projetada para este fim. Atualmente, grande parte desta região possui uso habitacional, fazendo com que o traçado proposto para a rodovia seccione os bairros que surgiram ao longo da Via São Pedro. Além disso, a construção da via vem causando inúmeros danos ambientais em todo o trajeto proposto, incluindo a deterioração da Represa de São Pedro e a canalização do córrego que corta toda a região. No entanto, a proposta é vista positivamente pela indústria da construção civil que já vinha criando áreas de produção imobiliária na região, em especial para empreendimentos de alto padrão como o condomínio em processo de construção da empresa AlphaVille Urbanismo, localizado na BR 040 que teria seu acesso à cidade facilitado pela rodovia.

Segundo o PDDU de 2001, Juiz de Fora é uma cidade compacta na região central e na porção leste, e esparsa nas demais regiões. Esta leitura continua sendo válida após 14 anos. Sua área central se encontra saturada, principalmente no que diz respeito à infraestrutura urbana de mobilidade e à macro acessibilidade. Seu trânsito já apresentava, na época de elaboração do plano diretor, entre os anos 1996 e 2000, sinais de ineficiência e saturação, o que vem piorando com o passar dos anos, principalmente pela inserção de grandes empreendimentos em sua região central.

Como já discutido anteriormente, após os anos 2000, observa-se na cidade iniciativas de gestão urbana, vinculadas a ações voltadas para o “empresariamento urbano” (Harvey, 1996). Segundo Novais et al. (2010), o investimento em grandes projetos urbanos reflete esta tendência, sendo evidenciados, alguns empreendimentos desenvolvidos em Juiz de Fora nesta linha de concepção de cidade, que possui caráter estratégico e desenvolvimentista. Os três grandes projetos destacados pelos autores são: o Shopping Independência, o Hospital Monte Sinai, ambos nas proximidades da UFJF, e a duplicação da Avenida Deusdedith Salgado, que liga a Avenida Presidente Itamar Franco à BR040. Segundo os autores, o primeiro empreendimento, inaugurado em abril de 2008, “(...) recebeu incentivos da Prefeitura Municipal que participou ativamente no processo de implantação, permutando áreas para construção, transformando áreas públicas em pontos de infraestrutura para o shopping, fornecendo incentivos fiscais, entre outros pontos. (...)” (Novais et al., 2010).

Na mesma região, com início das obras em 1998, foi construído o Hospital Monte Sinai, em uma área em que não era permitida a construção de edifícios pela lei de zoneamento, mas a carência da área da saúde na cidade justificava, para a Prefeitura Municipal, a aprovação do projeto por meio da alteração da lei.

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Estes empreendimentos constituem elementos de valorização imobiliária das regiões em que se encontram, com consequente aumento do IPTU e criação de novos núcleos de interesse e investimentos. Entretanto, o shopping e o hospital, em especial, se localizam em uma área já bastante adensada, com problemas de saneamento e mobilidade, sobrecarregando a região central da cidade.

Em 2010, Tatiana Leal A. Teixeira, discutiu, em sua dissertação de mestrado, a reinserção dos vazios urbanos na dinâmica urbana de Juiz de Fora, através do incentivo à utilização desses espaços. A autora mapeou e classificou os vazios urbanos da área central da cidade, mais especificamente da UT1 (ver mapa 14), em 2009, encontrando diversos vazios subutilizados pelo uso de estacionamentos, lotes vagos de propriedade privada e apenas um de propriedade pública, caracterizando um claro processo de especulação imobiliária nesta região central.

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Mapa 14 - Levantamento: Vazios - Unidade Centro, de 2009. Fonte: TEIXEIRA. Reinserção de vazios urbanos: Diretrizes para a política urbana municipal em cidades médias e sua

aplicação em Juiz de Fora - MG. 2010.

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Ao se percorrer esta área, após cinco anos deste levantamento, a situação encontrada é bastante diversa. A maior parte dos terrenos destacados no mapeamento possui hoje edifícios em construção, ou já consolidados. As fotos a seguir mostram as construções que vêm ocupando alguns dos vazios urbanos nesta região central (Fotos 16, 17, 18 e 19).

Fotos 16 e 17 - Edifícios construídos em vazios subutilizados pelo uso de estacionamento, na Rua Santo Antônio, visto da Av. Rio Branco e Esquina da Rua

Floriano Peixoto com Av. Rio Branco. Autoria: Bárbara Lopes. 2014.

Fotos 18 e 19 - Processo de construção em vazios subutilizados pelo uso de estacionamento, na Avenida rio Branco e Rua Floriano Peixoto. Fonte: Google Street

View. Acesso abril 2015.

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A utilização atual dos vazios urbanos mapeados em 2010 pode ser relacionada ao aumento da possibilidade de construção na área, permitido pelas alterações nos parâmetros construtivos da Lei n° 6910, em 2012, fato que possibilitou um maior ganho do mercado imobiliário nestes empreendimentos. Entretanto, ainda há alguns terrenos vazios e edificações abandonadas. São áreas esvaziadas de suas funções sociais, sendo utilizadas, na maior parte das vezes, como estacionamento, confirmando a continuidade de uma especulação imobiliária intensa na região central.

Refletindo acerca das consequências desta dinâmica imobiliária que se mantém aquecida na região central da cidade, fica evidente a fragilidade do patrimônio cultural do município que está concentrado nesta mesma área. (Foto 20 e 21).

Fotos 20 e 21 - Vila Iracema - Imóvel protegido por tombamento que se encontra vazio com estacionamento instalado no mesmo terreno. Autoria: Bárbara Lopes. 2014.

Nos últimos anos, a mídia local tem divulgado algumas das demolições de edifícios de valor histórico e arquitetônico que vem ocorrendo na cidade. Através do jornal eletrônico “Hoje em dia”, foi publicada uma matéria em 31 de março de 2013, com o título “História vira pó com demolição de casarões em Juiz de Fora”. Nesta reportagem, é discutida a demolição de mais um casarão na Avenida Rio Branco e levantada a questão do aumento do número de pedidos de demolição na cidade. Em 2013, oitenta e seis pedidos de demolição foram protocolados no Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (COMPAC), e, no ano anterior, foram registradas setenta solicitações.

A maior parte dessas solicitações é relativa a imóveis que ainda não passaram pelo processo de tombamento, fato justificado pela situação defasada do inventário

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do patrimônio cultural, que, segundo o COMPAC, já deveria ter passado por uma revisão.

Em 2009, a demolição de uma residência de arquitetura Art Déco Marajoara, sensibilizou a população, já que se tratava do único exemplar deste estilo ainda existente na cidade. O imóvel se encontrava no início do processo de tombamento, foi demolido no meio da noite, e, no local, planeja-se construir um edifício de salas comerciais.

Foto 22 - Casarão Marajoara demolido em 2009. Fonte: <http// mariadoresguardo.blogspot.com.br>. Acesso em abril de 2014.

Foto 23 - Lote vazio após demolição do casarão. Autoria: Bárbara Lopes. 2014.

4.3. Análise do instrumento da Transferência do Potencial Construtivo e seu contexto na política urbana e patrimonial de Juiz de Fora

Baseando-se nas questões abordadas acerca da natureza do instrumento da Transferência do Potencial Construtivo de forma geral e especificamente em Juiz de Fora, são apresentadas neste item, análises pontuais e outras mais abrangentes da inserção desta ferramenta no contexto da política e prática urbana de Juiz de Fora. Busca-se assim, compreender suas limitações e potencialidades na realidade urbana local, passando por reflexões acerca do formato e desempenho deste instrumento em âmbito nacional.

Como apresentado no item 2.2, onde se caracteriza o patrimônio de Juiz de Fora, o patrimônio local protegido por tombamento está concentrado na região central da cidade. Destaca-se o fato de o patrimônio protegido ser o único elemento gerador de potencial construtivo na legislação urbana local. Neste sentido, o mapa 15 apresenta a sobreposição da região delimitada como UT01, que consiste na única unidade territorial com zoneamento detalhado, e da zona de concentração do patrimônio imóvel tombado, demonstrando-se a concentração destes bens no

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124Mapa 15 - Sobreposição – Zonas de Uso e Ocupação do Solo UT 01 e Imóveis Protegidos. Fonte: Croquis sobre imagem de satélite do software Google Earth. Elaboração: Bárbara Lopes Barbosa. 2014.

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centro tradicional, que, por sua vez, está inserido na UT01.

O mapa 16 evidencia a concentração do patrimônio protegido sobre as zonas de planejamento exclusivas da Unidade Territorial 01. Estas zonas apresentam parâmetros específicos para a região central, e por este motivo não são encontradas nas outras 15 unidades territoriais que conformam a área urbana e não possuem o mesmo nível de detalhamento que a UT-01. Uma vez que a lei da TPC estabelece que transferência de potencial construtivo tem possibilidade de ocorrer apenas entre zonas com os mesmos parâmetros, a concentração de zonas exclusivas da UT-01, limitam o uso da TPC em grande parte da cidade.

Além disso, como já apresentado, a lei da TPC determina que certas vias da região central não podem receber potencial construtivo transferido para não se adensar ainda mais os corredores já adensados. (Mapa 10). Chega-se à conclusão de que a soma destes fatores torna ainda mais limitadas as áreas para onde o potencial construtivo da transação pode ser direcionado. (Mapa 17).

Um imóvel localizado na ZC3 - Zona Comercial 3, por exemplo, que incorpora a Avenida Rio Branco, só poderá ter seu potencial transferido para a própria ZC3, mas esta Avenida é colocada como não passível de recepção de potencial por esta mesma lei. Assim, a transferência só é possível na UT-01 em 3 ou 4 logradouros. Entende-se que o legislador foi bem intencionado ao detalhar estas questões, entretanto, as limitações acabam engessando sua potencialidade.

Destaca-se que apesar de a lei da TPC ter o cuidado de evitar o agravamento do adensamento na região central, este foi recentemente possibilitado, e, até mesmo, estimulado, com a revisão das leis de regulação urbanística citadas no subcapítulo anterior.

Para amenizar os problemas levantados neste sentido, seria importante que a prefeitura tivesse um banco de dados que mostrasse para onde os potenciais construtivos poderiam ser direcionados, assim como, que ela mantivesse sistematizados os registros das transações efetivadas. Estes recursos não são disponibilizados atualmente.

A Transferência do Potencial Construtivo encontra-se desvinculada do espaço planejado e do espaço produzido em Juiz de Fora. Este sintoma reflete a total falta de articulação entre as políticas urbanas do município. Quando há planejamento, ele é desenvolvido de forma segmentada, não havendo uma prática de pensamento contínuo sobre a cidade, o que reflete a falta de prioridade que lhe é dada e sua pouca aplicabilidade na gestão urbana.

No entanto, a questão mais grave abordada ao longo deste trabalho, diz respeito à concepção da terra urbana como mercadoria, à evasão da função social

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126Mapa 16 - Sobreposição das zonas exclusivas da UT01 e patrimônio imóvel protegido de JF. Fonte: Croquis sobre imagem de satélite do software Google Earth. Elaboração: Bárbara Lopes Barbosa. 2014

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127Mapa 17 - Sobreposição das áreas que não podem receber potencial construtivo através da TPC e as zonas da LOUS exclusivas da UT01. Fonte: Croquis sobre imagem de satélite do software Google Earth. Elaboração: Bárbara Lopes Barbosa. 2014.

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da propriedade e à consequente inibição da aplicação dos instrumentos instituídos

pelo Estatuto da Cidade e por outras leis voltadas para o exercício dessa função, como o tombamento. Esta concepção reforça o poder dos agentes do mercado imobiliário e da construção civil de decidir os rumos da produção do espaço urbano, em especial, no que toca à intervenção sobre a cidade existente.

Entendende-se que as questões aqui destacadas ultrapassam o alcance da revisão legislativa e até mesmo de estruturação do setor técnico municipal, se esbarrando em problemáticas mais amplas, que incluem: a falta de autonomia da administração pública sob as pressões do mercado imobiliário e a falta de uma via de planejamento e gestão social que confrontem a produção do espaço urbano pró-interesse privado.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O espaço é uma acumulação desigual de tempos.

Milton Santos

O objetivo principal desta pesquisa foi compreender a prática dos instrumentos urbanísticos presentes no Estatuto da Cidade, com foco no entendimento da não aplicação da Transferência do Potencial Construtivo em Juiz de Fora, apesar de sua incorporação na legislação local desde 1998. Este entendimento se construiu, principalmente, através da análise do contexto da política urbana, da produção do espaço por agentes públicos e privados e da política de preservação do patrimônio cultural da cidade.

Uma dificuldade encontrada foi a escassez de bibliografia sobre o tema, em especial para uma abordagem da prática dos instrumentos de planejamento em cidades que não possuem a dinâmica urbana de uma metrópole.

Ao se analisar, ao longo do trabalho, a problemática da inserção da Transferência do Potencial Construtivo em Juiz de Fora pela Lei nº 09327 de 1998 e a, quase inexistente, experiência de aplicação deste instrumento na cidade, destacamos quatro principais eixos de reflexão que foram aqui discutidos: O primeiro diz respeito às questões técnicas e jurídicas, envolvendo as limitações apresentadas pela lei da TPC, que, ao serem confrontadas com o território em seus aspectos de uso do solo, concentração de patrimônio e centralidade dominante, demonstram as fragilidades da lei com relação à realidade existente na cidade. O segundo eixo gira em torno da concepção da terra enquanto mercadoria e que está presente na apropriação do planejamento e da gestão urbana pelo mercado, se manifestando, no caso de Juiz de Fora, nas alterações legislativas que foram feitas em benefício do mercado imobiliário. No terceiro eixo de reflexão, toma-se a fragilidade do elo e a descoordenação entre a política de proteção ao patrimônio e o planejamento urbano, que, estão, de certa forma, institucionalmente conectados, mas continuam desvinculados da prática da produção do espaço urbano. Estas políticas estão inseridas em um espaço onde o Estado, em especial o poder público municipal, não atua como um agente mediador, mas como facilitador da apropriação mercadológica desta produção, afastando o ideal de cumprimento da função social do solo urbano. E, por fim, como quarto eixo de reflexão, relaciona-se ao funcionamento do instrumento, visto de uma forma mais ampla, inserido no Estatuto da Cidade e imerso em uma lógica de apropriação que tem sido comum a muitas cidades e a diversas outras ferramentas de política urbana.

Sobre a regulamentação da TPC, destacamos dificuldades de aplicação

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do instrumento, principalmente nas limitações colocadas pela norma quando sobrepostas às definições da Lei de Uso e Ocupação do Solo do município resultam em uma possibilidade bastante reduzida de utilização da ferramenta. A principal questão se refere ao fato de a transação ser permitida apenas entre terrenos que possuam os mesmos parâmetros construtivos. Assim, como o patrimônio protegido (que gera potencial) está concentrado na região central (UT-01), que possui muitas especificidades em termos de parâmetros construtivos, isso implica uma diminuição das possibilidades de aplicação do instrumento, especialmente nesta área. Sendo a lei, portanto, excessivamente restritiva neste sentido, podendo ser utilizada com maior facilidade fora da região central.

Para uma possibilidade de reflexão e revisão da lei da TPC, é importante que se tracem com maior clareza as metas e objetivos do instrumento, tendo-se sempre em vista os impactos resultantes de sua aplicação no âmbito do imóvel que cede o potencial e do espaço urbano que será produzido a partir desta transação. De forma geral, ainda não estão suficientemente aprimorados os métodos de aplicação e gestão deste instrumento, sendo necessário um exercício para torná-lo mais viável.

Como discutido ao longo do trabalho, o patrimônio não é estático, ele se transforma simultaneamente às mudanças sociais e, por isso, destaca-se entre outras ações necessárias, que o inventário do patrimônio cultural produzido em 1996 seja revisto e uma nova catalogação do patrimônio cultural de Juiz de Fora seja elaborada. A constante atualização e adequação das ferramentas de facilitação da gestão são essenciais para se alcançar uma efetiva convergência entre a política urbana e de proteção ao patrimônio, de maneira que estes dois campos sejam pensados de forma global e complementar.

Em sua natureza, a Transferência do Direito de Construir é concebida como um dispositivo facilitador da gestão patrimonial e que colabora com a justiça social urbana. No entanto, a prática deste e de outros instrumentos de planejamento estabelecidos no Estatuto da Cidade tem assumido outros sentidos no âmbito da produção do espaço urbano brasileiro. A apropriação destes instrumentos pelo mercado imobiliário, ou a falta de controle e capacidade de gestão das administrações municipais, tem gerado empregos questionáveis destas leis.

Como já discutido, por pressão do mercado imobiliário, foram aprovadas pela Câmara de Vereadores e sancionadas pelo prefeito, em novembro de 2013, algumas mudanças na Lei 6910/1986 que dispõe sobre o ordenamento do uso e ocupação do solo no Município de Juiz de Fora. Estas mudanças trazem uma possibilidade de adensamento bastante superior ao anteriormente previsto em muitos setores da área central da cidade. Como as alterações variam com o zoneamento e os modelos de

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ocupação, a situação da área central, que possui um zoneamento mais detalhado e maior variedade de parâmetros, se mostra mais complexa por ser uma área já adensada e com poucos lotes vazios.

O aumento do índice construtivo só torna mais atraente o centro da cidade para o mercado imobiliário, trazendo duas expressivas consequências: a primeira é a inibição da utilização da TPC, já que a mudança de parâmetros construtivos, por hora, tem sido suficiente para a indústria da construção civil, não sendo necessária a compra de potencial excedente ao permitido. A segunda se refere à valorização do solo urbano na região central, aumentando, por conseguinte, também o valor dos edifícios protegidos, já que, estes imóveis se concentram, majoritariamente, na região central. Desta forma, aumenta-se a pressão do mercado imobiliário sobre estes bens, o que incentiva seu abandono e arruinamento com vistas à recuperação dos terrenos, o que restringe a ampliação do estoque imobiliário protegido.

A necessidade de regularização fundiária poderia ser uma motivação para que a indústria da construção civil buscasse a compra de potencial construtivo provindo da TPC. Entretanto, como também citado no item 3.1.1, com a criação da lei de regularização fundiária (LEI N.º 12.530 - de 19 de abril de 2012) esta compra torna-se desinteressante, já que a multa a ser paga é, em geral, compensadora frente ao lucro obtido com a venda de imóveis na região central, assim como, frente ao valor a ser pago pelo potencial construtivo, adquirido via TPC.

Apesar de o Plano Diretor do município estar em revisão, há uma dificuldade de discussão dos coeficientes de aproveitamento após a aprovação desta lei. O mercado imobiliário continua pressionando de forma direta nos espaços de participação, e de forma indireta através dos representantes de seus interesses no poder executivo e legislativo. Os caminhos para exceder o potencial construtivo são vários e são facilitados por esta legislação. Desta forma, não existe uma pressão para a utilização da transferência, pois os proprietários dificilmente tomarão a iniciativa se o mercado imobiliário não estiver interessado.

As mudanças aqui citadas, ocorridas nas leis relacionadas ao uso e à ocupação do solo e à regularização das construções em Juiz de Fora, foram aprovadas sem o devido estudo técnico e sem vínculos com o planejamento global da cidade. Essas leis, sem exceção, beneficiam o mercado imobiliário local, que pressiona e acaba por planejar e produzir o espaço urbano do município. O próprio processo de revisão do Plano Diretor não vem sendo considerado para orientar a alteração destas leis, comprovando-se o distanciamento entre o planejamento e as práticas vigentes.

A lei de regularização fundiária e o aumento do potencial construtivo promovido

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na LOUS enfraquecem ainda mais as possibilidades de aplicação TPC, não permitindo o retorno social, que, neste caso, viria na forma de manutenção do patrimônio construído. A mesma reflexão é válida para a Outorga Onerosa, também aprovada no plano diretor do município e que, da mesma forma, segue sem aplicação.

A Transferência do Potencial Construtivo deixou de fazer sentido enquanto instrumento de política urbana em Juiz de Fora devido não somente à falta de conexão entre o espaço pensado na lei que regulamenta o instrumento e o território sobre o qual seria aplicado, mas, principalmente, pela falta de importância dada ao planejamento em um espaço definido pelo mercado imobiliário.

Percebemos que há uma total falta de articulação entre as políticas urbanas do município de Juiz de Fora. O planejamento é feito de forma segmentada e em momentos pontuais, não havendo uma prática de pensamento contínuo, o que reflete a falta de prioridade que lhe é dada e sua pouca aplicabilidade na gestão urbana. A fragilidade e dificuldade do setor técnico da administração municipal, que trata da aplicação da TPC e de outros instrumentos de política urbana, são assim, um sintoma da situação que envolve o planejamento urbano, como um todo, nesta cidade.

Este descompasso do planejamento e com as práticas de gestão inibe a utilização de instrumentos que tenderiam a equilibrar as demandas urbanas, como é o caso da Transferência de Potencial Construtivo, que, apesar de necessitar de ajustes, continua sendo um instrumento que pode favorecer a produção planejada do espaço urbano, direcionando seu retorno para a proteção do patrimônio local.

A escala urbana em transição, que caracteriza a cidade de Juiz de Fora, interfere na dinâmica de produção do espaço urbano, tornando-a mais complexa, e tem dificultado as condições de articulação entre os setores da administração. Ademais, entendemos que a falta de um órgão específico para tratar das questões de planejamento tem enfraquecido a atuação dos técnicos, assim como as possibilidades de aplicação e desempenho dos instrumentos de política urbana, como a TPC.

Percebemos, assim, que há uma desintegração do planejamento urbano e uma limitação posta aos instrumentos do Estatuto da Cidade, em especial, no que se refere ao patrimônio, diante da fragilidade institucional, em confronto com os movimentos rápidos e vorazes desse mercado. O exemplo da TPC em Juiz de Fora permite refletir ainda a respeito do perfil de cidade ao qual os instrumentos do Estatuto da Cidade se destinam, sobre o seu caráter homogêneo e, por fim, se a diretriz de planejamento e gestão que estabelecem, atende, de fato, à realidade institucional e política de cidades pequenas e médias.

A luta pelo direito à cidade surgiu em contraposição a um modelo de urbanização

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excludente, e a aprovação do Estatuto da Cidade é considerada o momento mais representativo desta luta. Entretanto, chegamos novamente ao ponto de que a lei, em si, não altera a realidade, demonstrando que, se a prática que guia a aplicação dos instrumentos está ligada a um modelo urbanístico espoliativo, o objetivo real da reforma urbana ainda não pode ser alcançado.

O Estatuto da Cidade trouxe soluções jurídicas para muitos dos problemas urbanos, principalmente os relacionados à especulação imobiliária, segregação espacial e falta de amparo à gestão social da cidade. Após sua aprovação, o desafio maior se concentrava na falta de eficácia dos instrumentos jurídicos e na sua assimilação ainda superficial por parte dos municípios brasileiros. Atualmente, o maior desafio da política urbana no Brasil é lutar contra a apropriação, ou a anulação, destes instrumentos urbanísticos pelo poder privado para finalidades puramente mercantis e que desconsideram as prioridades coletivas.

A complexidade que envolve a implementação do Estatuto da Cidade e de seus instrumentos de planejamento e política urbana, de forma geral, tem sido também uma barreira para cidades com estrutura administrativa e corpo técnico menos desenvolvidos. Assim, a aplicação do Estatuto assume diferentes características nas metrópoles e capitais, sendo recorrente uma maior dificuldade de aplicação de suas ferramentas nas cidades de médio e pequeno porte. O caráter unificador dos instrumentos apresentados pelo Estatuto homogeneíza diferentes escalas urbanas, tornando-os complexos ou ineficientes para muitas estruturas administrativas.

Por fim, em uma visão mais ampla, percebemos que há no Brasil um incentivo ao planejamento e à implantação de instrumentos e políticas urbanas que objetivem alcançar uma reforma urbana efetiva. Contudo, na prática, estas ferramentas de planejamento e gestão territorial ainda se submetidas aos interesses do capital imobiliário.

A produção do espaço urbano coordenada pelos agentes do mercado imobiliário é efeito das pressões deste poder privado sobre a administração pública. Neste sentido, o discurso do desenvolvimento econômico da cidade é colocado como justificativa para a concessão de benefícios que submetem o interesse público ao privado. Desta forma, mantém-se a prevalência da lógica da produção capitalista, frente às tentativas de responder efetivamente as demandas coletivas por meio de instrumentos de proteção do interesse público como, por exemplo, o tombamento e a Transferência do Potencial Construtivo.

Concluímos, com este trabalho, que a TPC tem possibilidades de contribuir com a política urbana e de proteção ao patrimônio e com o meio ambiente das

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cidades. No entanto, é necessário que sua concepção se baseie em uma leitura mais global do espaço urbano, que compreenda os diferentes campos de planejamento e gestão e considere uma perspectiva de longo prazo. Neste sentido, cabe destacar a necessidade de diálogo e complementação entre os diferentes instrumentos de política urbana, a fim de se potencializar e facilitar a gestão da cidade em benefício da coletividade.

Além disso, e, principalmente, é necessário que a administração pública alcance autonomia para buscar avanços no campo urbanístico, atendendo às bases e diretrizes do Estatuto da Cidade, apoiando suas decisões na função social da propriedade e na gestão social da cidade.

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