patrimonio imaterial no brasil - legislações estaduais - maria cecilia londres fonseca

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Patrimnio Imaterial no BrasilLegi sl ao e Po lt ica s Es t aduais

Braslia, dezembro de 2008

REPRESENTAO DA UNESCO NO BRASIL Vincent Defourny Representante Jurema Machado Coordenadora da rea de Cultura Clio da Cunha Coordenador Editorial Patrcia Reis da Silva Oficial de Projetos

INSTITUTO BRASILEIRO DE EDUCAO E CULTURA (EDUCARTE) Marco Aurlio Nunes Pereira Presidente

As autoras so responsveis pela escolha e apresentao dos fatos contidos neste livro, bem como pelas opinies nele expressas, que no so necessariamente as da UNESCO, nem do Educarte e no comprometem as Organizaes. As indicaes de nomes e a apresentao do material ao longo deste livro no implicam a manifestao de qualquer opinio por parte da UNESCO, nem do Educarte a respeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio, cidade, regio ou de suas autoridades, tampouco da delimitao de suas fronteiras ou limites.

Patrimnio Imaterial no BrasilLegi sl ao e Po lt ica s Es t aduaisMaria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti Maria Ceclia Londres Fonseca

2008 Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (UNESCO)

Coordenao tcnica: Maria Cecilia Londres Fonseca Pesquisa de legislao: Henrique Oswaldo de Andrade e Cristina Fonseca Colaborao: Valria Leite de Aquino Capa e projeto grfico: Edson Fogaa Diagramao: Paulo Selveira Reviso de textos: Denise Martins e Jeanne Sawaya

Este documento foi produzido no mbito da cooperao entre a UNESCO e o Instituto Brasileiro de Educao e Cultura (EDUCARTE), com o objetivo de desenvolver estudos sobre as prticas dos governos estaduais brasileiros de aplicao da legislao brasileira relativa salvaguarda do patrimnio cultural imaterial no ano de 2007.

Castro, Maria Laura Viveiros de Patrimnio imaterial no Brasil / Maria Laura Viveiros de Castro e Maria Ceclia Londres Fonseca. Braslia: UNESCO, Educarte, 2008. 199 p. ISBN: 978-85-7652-085-6 1. Patrimnio Cultural 2. Patrimnio Cultural Intangvel 3. Preservao da Propriedade Cultural 4. Brasil I. Fonseca, Maria Ceclia Londres II. UNESCO III. Instituto Brasileiro de Educao e Cultura IV. Ttulo CDD 363.69

Representao no Brasil SAS, Quadra 5, Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9 andar 70070-914 - Braslia - DF - Brasil Tel.: (55 61) 2106-3500 Fax: (55 61) 3322-4261 Site: www.unesco.org.br E-mail: [email protected]

Instituto Brasileiro de Educao e Cultura (Educarte) STVN 701, Bloco B, Sala 826, Braslia, DF-70710-200

SUMRIO

APRESENTAO A UNESCO e o Brasil: alinhamento histrico nas proposies para o patrimnio imaterial .............................................................................................7 PARTE I Patrimnio Cultural Imaterial no Brasil: estado da arte .................................................11 O conceito de Patrimnio Imaterial e seu entendimento no Brasil ............................11 Antecedentes histricos.............................................................................................13 Marco legal do Patrimnio Cultural Imaterial e situao atual da assinatura da Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial ...........................17 Polticas culturais relacionadas ao Patrimnio Cultural Imaterial...............................18O registro ......................................................................................................................18 O Inventrio Nacional de Referncias Culturais (INRC) ...............................................20 O Programa Nacional de Patrimnio Imaterial (PNPI)..................................................23 Os planos de salvaguarda ...............................................................................................24 O Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP) e o Projeto Celebraes e Saberes da Cultura Popular ...................................................26 Outras aes de instituies pblicas e privadas cujas atuaes recobrem reas do Patrimnio Cultural Imaterial ......................................................................27

Bibliografia ...............................................................................................................30 Anexo A Decreto n 5.753, de 12 de abril de 2006................................................33 Anexo B Bens registrados e processos de registro em andamento pelo IPHAN .......34 Anexo C Relao dos inventrios realizados e em andamento.................................35 PARTE II Anlise da Legislao Estadual de Patrimnio Cultural Imaterial ...................................39 Leitura Sistematizada da Legislao Estadual de Patrimnio Cultural Imaterial.............41 Anlise da Legislao Estadual de Patrimnio Cultural Imaterial ...................................91 Anexo A Quadro das aes federais em estados que possuem legislao do patrimnio imaterial.............................................................................99 Anexo B Quadro das aes federais em estados que no possuem legislao do patrimnio imaterial......................................................107

PARTE III Textos legais ................................................................................................................119 Decreto n 3.551, de 4 de agosto de 2000 ..............................................................119 Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial UNESCO........120 Textos legais dos Estados .............................................................................................131 Acre ........................................................................................................................131 Alagoas ...................................................................................................................139 Bahia ......................................................................................................................142 Cear ......................................................................................................................154 Distrito Federal.......................................................................................................163 Esprito Santo .........................................................................................................165 Maranho ...............................................................................................................167 Minas Gerais...........................................................................................................172 Paraba....................................................................................................................173 Pernambuco............................................................................................................181 Piau .......................................................................................................................193 Santa Catarina ........................................................................................................197

APRESENTAO

A UNESCO E O BRASIL: ALINHAMENTO HISTRICO NAS PROPOSIES PARA O PATRIMNIO IMATERIAL Ao definir o patrimnio imaterial como objeto de instrumento normativo multilateral no campo da cultura, em 2003, a UNESCO fazia repercutir o reconhecimento do papel deste tema em um cenrio global marcado por profundas transformaes, associadas ao agravamento da desigualdade econmica e da intolerncia tnico-religiosa. Assim que a adoo dos princpios contidos na Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio Imaterial, j ratificada por mais de uma centena de pases, vem colaborando para a implementao de polticas pblicas de fomento ao dilogo intercultural e criatividade humana. Tais estratgias, sobretudo, podem intervir em prol da superao das desigualdades e da validao da diversidade cultural como um alicerce a mais para a sustentabilidade do desenvolvimento nos planos internacional, regional e local. Uma abordagem nesta linha, que tambm contempla o patrimnio imaterial em sua interao plena com expresses da cultura material, consubstanciou-se na poltica pblica adotada pelo Brasil, cujo principal marco legal o Decreto n 3.551, de 4 de agosto de 2000, voltado ao Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem o patrimnio cultural brasileiro. Cumpre ressaltar, porm, que o processo que antecede este advento se origina na dcada de 1930, tendo Mario de Andrade como um dos protagonistas no tratamento do patrimnio cultural como um tema complexo e abrangente, passvel de ser apreendido em sua totalidade pelo vis antropolgico. Pode-se dizer que a sintonia de ordem conceitual entre as proposies da UNESCO e a posio do Brasil nesse campo to fina, que a experincia brasileira passa a ser destacada no mbito do processo de elaborao da prpria Conveno, que incorpora seus princpios gerais. Se, por um lado, o pas referncia pela formulao e pela implementao deste modelo de poltica, por outro, considera-se um grande desafio a efetivao do processo junto s esferas estadual e municipal. A dimenso territorial, a complexidade das articulaes burocrticolegais e o ainda incipiente investimento em capacitao na gesto pblica configuram-se como obstculos normatizao do direito de salvaguardar o conjunto de conhecimentos tradicionais, a oralidade, os saberes e as manifestaes artsticas da populao brasileira e para ela como um todo. Contribuir para a qualificao das dinmicas de avaliao e implementao de polticas e instrumentos junto ao referido universo nosso propsito ao editar este relatrio, resultado 7Patrimnio Imaterial no Brasil: legislao e polticas estaduais

do trabalho de inventrio e anlise das legislaes estaduais para identificao, registro e salvaguarda do patrimnio imaterial, realizado em 2007. Constituiu-se, desta forma, numa ferramenta estratgica para o curso Patrimnio Imaterial: poltica e instrumentos de identificao, documentao e salvaguarda, que oferecemos no formato de educao a distncia, no primeiro semestre de 2008. Esta iniciativa, que teve continuidade por meio de outra edio, colaborou para a capacitao de 280 agentes culturais e gestores pblicos de todos os estados brasileiros, articulando uma rede entre estes, renomados especialistas e responsveis pela implementao da legislao federal e pela gesto do patrimnio imaterial no pas. Aos parceiros e aos colaboradores na execuo e na difuso desta publicao, agradecemos o empenho. Estamos certos de compartilhar a expectativa de que ele d suporte a mais e mais iniciativas pela afirmao do tema, em meio ao conjunto das polticas pblicas brasileiras para o desenvolvimento e a cidadania. 8Patrimnio Imaterial no Brasil: legislao e polticas estaduais

Vincent Defourny Representante da UNESCO no Brasil

PA RT E I

PATRIMNIO CULTURAL IMATERIAL NO BRASIL: ESTADO DA ARTE 1Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti

A Parte I desta publicao compila e atualiza as informaes disponveis sobre o estado da arte do patrimnio cultural imaterial (PCI) no Brasil. Dada a extenso do pas, e mesmo, partindo das legislaes e aes federais, do amplo processo em pleno curso de implementao de legislaes, projetos e aes tambm em mbito estadual e municipal, e de muitas aes privadas implementadas por fundaes e organizaes no-governamentais, o presente documento no se pretende exaustivo mas, sobretudo, indicativo das questes que se descortinam na atualidade. O Instituto de Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (IPHAN), autarquia do Ministrio da Cultura, em especial por meio do Departamento de Patrimnio Imaterial (DPI), a instituio de referncia para a atuao relativa ao PCI no Brasil. Tanto do ponto de vista conceitual como do ponto de vista da metodologia de atuao, o IPHAN produz avaliaes e reavaliaes permanentes de sua atuao, que inclui diversas parcerias com rgos pblicos e organizaes privadas. Vale mencionar nessa direo o documento O Registro do Patrimnio Imaterial. Dossi final das atividades da Comisso do Grupo de Trabalho Patrimnio Imaterial (IPHAN, 2006a). Este documento, editado inicialmente no ano 2000 e, em 2006. j em sua quarta edio, vem atualizando, a cada edio, a documentao pertinente ao Patrimnio Cultural Imaterial no pas em mbito federal. O CONCEITO DE PATRIMNIO IMATERIAL E SEU ENTENDIMENTO NO BRASIL O artigo 2 da Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial (UNESCO, 2003) entende por patrimnio cultural imaterial:[As] prticas, representaes, expresses, conhecimentos e tcnicas junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes so associados que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivduos reconhecem como parte integrante de seu patrimnio cultural. Este patri1. Este documento foi produzido por solicitao do Centro Regional para a Salvaguarda do Patrimnio Imaterial da Amrica Latina (Crespial), que coordenou, em outubro de 2007, levantamento sobre o estado da arte do patrimnio imaterial em dez pases sul-americanos. A consultora tambm realizou anlises sobre os instrumentos legais estaduais de salvaguarda do patrimnio cultural, que sero consolidadas na Parte II desta publicao. Contemplando as orientaes ento recebidas, o documento adequa-se realidade do material brasileiro pesquisado.

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mnio cultural imaterial, que se transmite de gerao em gerao, constantemente recriado pelas comunidades e grupos em funo de seu ambiente, de sua interao com a natureza e de sua histria, gerando um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para promover o respeito diversidade cultural e criatividade humana.

12Patrimnio Imaterial no Brasil: legislao e polticas estaduais

A conceituao do Patrimnio Cultural Imaterial no Brasil acompanha de perto essa formulao. O Decreto n 3.551, de 4 de agosto de 2000, que institui o registro e cria o Programa Nacional do Patrimnio Imaterial, compreende o Patrimnio Cultural Imaterial brasileiro como os saberes, os ofcios, as festas, os rituais, as expresses artsticas e ldicas, que, integrados vida dos diferentes grupos sociais, configuram-se como referncias identitrias na viso dos prprios grupos que as praticam. Essa definio bem indica o entrelaamento das expresses culturais com as dimenses sociais, econmicas, polticas, entre outras, que articulam estas mltiplas expresses como processos culturais vivos e capazes de referenciar a construo de identidades sociais. A Resoluo n 1, de 3 de agosto de 2006 (IPHAN, 2006a), que complementa o Decreto n 3.551, de 4 de agosto de 2000, opera claramente com uma definio processual do Patrimnio Cultural Imaterial, entendendo por bem cultural de natureza imaterial as criaes culturais de carter dinmico e processual, fundadas na tradio e manifestadas por indivduos ou grupos de indivduos como expresso de sua identidade cultural e social; e ainda toma-se tradio no seu sentido etimolgico de dizer atravs do tempo, significando prticas produtivas, rituais e simblicas que so constantemente reiteradas, transformadas e atualizadas, mantendo, para o grupo, um vnculo do presente com o seu passado. O conceito de patrimnio cultural imaterial , portanto, amplo, dotado de forte vis antropolgico, e abarca potencialmente expresses de todos os grupos e camadas sociais. Verifica-se no pas a tendncia ao seu entendimento e sua aplicao aos ricos universos das culturas tradicionais populares e indgenas. Tal tendncia encontra sua base de apoio em relevantes razes interligadas. Esses universos culturais abrigam circuitos de consumo, produo e difuso culturais organizados por meio de dinmicas e lgicas prprias que diferem em muito dos demais circuitos consagrados de produo cultural e, ao mesmo tempo, a eles articulam-se importantes questes relativas ao desenvolvimento integrado e sustentvel. Esses processos culturais tm, tambm, larga histria. Comportando inmeras transformaes e re-significaes, e derivando seus sentidos sempre da atualizao em contextos do presente, tais processos culturais podem evocar tanto a continuidade com o passado pr-colonial, como no caso indgena, como a formao dinmica da chamada cultura popular e do folclore brasileiros configurados em especial desde o ltimo quartel do sculo XVIII (ANDRADE, 1982). A noo de patrimnio cultural imaterial vem, portanto, dar grande visibilidade ao problema da incorporao de amplo e diverso conjunto de processos culturais seus agentes, suas criaes, seus pblicos, seus problemas e necessidades peculiares nas polticas pblicas relacionadas cultura e nas referncias de memria e de identidade que o pas produz para si mesmo em dilogo com as demais naes. Trata-se de um instrumento de reconhecimento da diversidade cultural que vive no territrio brasileiro e que traz consigo o relevante tema da incluso cultural e dos efeitos sociais dessa incluso.

Vale observar que a prpria noo de patrimnio cultural imaterial , ela mesma, o produto da significativa reviso das idias relativas a concepes de desenvolvimento, a programas educacionais e de democratizao da cultura. No se trata mais de garantir o acesso a recursos, informaes e instrumentos culturais s diferentes camadas e grupos sociais com base em vises homogneas e etnocntricas de desenvolvimento, mas de favorecer no s processos de desenvolvimento que integram as diferentes camadas e grupos sociais, como tambm produtores de expresses culturais que importa a todos conhecer e valorizar. A noo de patrimnio cultural imaterial um sensvel instrumento nessa direo. As expresses patrimnio cultural intangvel, ou mesmo cultura tradicional e popular e patrimnio oral recobrem muitas vezes o mesmo universo de significados acima mencionados. O Ministrio da Cultura e o IPHAN optaram pela expresso patrimnio cultural imaterial, tendo por fundamento o art. 216 da Constituio Federal de 1988, alertando, entretanto, para a falsa dicotomia sugerida por esta expresso entre as dimenses materiais e imateriais do patrimnio. As dimenses materiais e imateriais do patrimnio so conceitualmente entendidas como complementares (IPHAN, 2006b, p. 18). Reala-se, todavia, o fato de que a noo de patrimnio cultural imaterial permitiu destacar um conjunto de bens culturais que, at ento, no era oficialmente includo nas polticas pblicas de patrimnio orientadas pelo critrio de excepcional valor artstico e histrico do bem a ser protegido. A noo supe, assim, o enfoque global e antropolgico do patrimnio cultural: a oralidade, os conhecimentos tradicionais, os saberes, os sistemas de valores e as manifestaes artsticas tornaramse expresses fundamentais na identificao cultural dos povos, constituindo-se objeto de fomento de polticas pblicas nesse setor (IPHAN, 2006b, p. 17). ANTECEDENTES HISTRICOS A histria do percurso brasileiro da noo de patrimnio cultural imaterial e do conjunto de atuaes propiciadas por ela associa-se a um duplo impulso. De um lado, liga-se s preocupaes expressas desde os anos 1920 pelo Modernismo brasileiro. Essas preocupaes embasam diversas realizaes no s intelectuais como institucionais, destacando-se entre elas a criao do Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (SPHAN), em 1937. De outro lado, encontram-se os estmulos provenientes da rede internacional articulada na UNESCO, que, desde seu surgimento, aps a Segunda Guerra Mundial, notabiliza-se pela defesa da riqueza humana resultante da diversidade cultural. O Prembulo da Conveno de Londres, de 16 de novembro de 1946, que instituiu a UNESCO, determinou o estabelecimento, em cada pas, de organismos compostos de delegados governamentais, e de grupos interessados em educao, cincia e cultura destinados a coordenar esforos nacionais e associ-los atividade daquela organizao, assessorando os respectivos governos e delegados nas conferncias e congressos. Com esse esprito, o Brasil institui, pelo Decreto-Lei de 13 de junho de 1946, o Instituto Brasileiro de Educao, Cincia e Cultura (IBECC), ligado ao Ministrio das Relaes Exteriores. Para a definio do campo hoje abrangido pelo patrimnio cultural imaterial, vale destacar, entre as comisses ento instaladas, a Comisso Nacional do Folclore, tendo como secretrio-geral o diplomata Renato Almeida, um dos expoentes desse processo de articulao nacional e internacional. A Comisso Nacional de Folclore teve atuao importante no pas, articulando comisses regionais

13Patrimnio Imaterial no Brasil: legislao e polticas estaduais

em cada estado e promovendo amplo registro, estudo e difuso do folclore. De sua ampla movimentao resulta, em 5 de fevereiro de 1958 (Decreto-Lei n 43.178), a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, ligada ao ento Ministrio da Educao e Cultura. Essas iniciativas pioneiras j se amparavam, de um lado, na prpria trajetria do interesse pelo folclore brasileiro que emerge desde as ltimas dcadas do sculo XIX e, de outro, no estmulo trazido pelas recomendaes da UNESCO, que viam tambm o folclore como um instrumento a favorecer o entendimento e a compreenso entre os povos. Na conformao do contexto atual do patrimnio cultural imaterial, destaca-se a Constituio Federal promulgada em 1988, que, na seo acerca da Cultura, estabelece que o Estado proteger as manifestaes das culturas populares, indgenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatrio nacional (art. 215). E j considera tanto os bens de natureza material como imaterial como parte do patrimnio cultural brasileiro: 14Patrimnio Imaterial no Brasil: legislao e polticas estaduais

Art. 216. Constituem patrimnio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referncia identidade, ao, memria dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I as formas de expresso; II os modos de criar, fazer e viver; III as criaes cientficas, artsticas e tecnolgicas; IV as obras, objetos, documentos, edificaes e demais espaos destinados s manifestaes artstico-culturais; V - os conjuntos urbanos e stios de valor histrico, paisagstico, artstico, arqueolgico, paleontolgico, ecolgico e cientifico. Pargrafo 1. O poder pblico, com a colaborao da comunidade, promover e proteger o patrimnio cultural brasileiro por meio de registros, vigilncias, tombamento e desapropriao, e de outras formas de acautelamento e preservao.

Um conjunto de iniciativas empreendidas na dcada de 1980 embasa o processo de sensibilizao do Congresso Nacional, que resultou na presena do PCI na Constituio de 1988. Seminrios promovidos por Alosio Magalhes frente do Centro Nacional de Referncias Culturais (CNRC), com as comunidades das cidades histricas de Ouro Preto e Diamantina (Minas Gerais), Cachoeira (Bahia) e So Luis (Maranho), promoveram a implementao das seguintes aes: 1) levantamentos socioculturais em Alagoas e Sergipe; 2) inventrios de tecnologias patrimoniais; 3) implantao do Museu Alberto de Orleans, em Santa Catarina; 4) tombamento da Fbrica de Vinho de Caju Tito Silva, na Paraba; 5) uso do computador na documentao visual de padres de tecelagem manual e de tranado indgena; 6) debate sobre a questo da propriedade intelectual de processos culturais coletivos; 7) desenvolvimento da idia de criao de um selo de qualidade conferido a produtos de reconhecido valor cultural, como o queijo minas e a cachaa de alambique; 8) incluso das culturas locais nos processos de educao bsica; 9) proteo da qualidade cultural de

produtos artesanais nos programas de fomento governamental atividade; 10) documentao da memria oral das frentes de expanso territorial e dos povos indgenas grafos. Essa movimentao produziu a ampliao da viso da proteo do Estado em relao ao patrimnio no-consagrado, vinculado cultura popular e aos cultos afro-brasileiros. Em 1985, o IPHAN tombou a Serra da Barriga, em Alagoas, onde os quilombos de Zumbi se localizaram; em 1986, na Bahia, foi tombado o Terreiro da Casa Branca, um dos mais importantes e antigos centros de atividade do candombl baiano. Essas atuaes, ainda em carter experimental e no-sistemtico, sedimentam no pas a noo mais ampla de patrimnio cultural. A partir da dcada de 1990, as iniciativas da UNESCO, que expressam, por sua vez, demandas de seus pases-membros tais como a Recomendao sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular (1989), a instituio do programa de Proclamao das Obrasprimas do Patrimnio Oral e Imaterial da Humanidade (1997), e a Conveno para Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial (2003) ressoam fortemente no pas. J o programa Tesouros Humanos Vivos, elaborado com base em experincia japonesa no ps-guerra, aprovado pela UNESCO em 1993 e adaptado por vrios pases signatrios da Conveno de 1972, no foi, at o presente momento, adotado no Brasil em nvel federal, tendo sido, por outro lado, includo em vrias polticas estaduais de cultura, conforme mencionado na Parte II deste trabalho. O sinttico arco temporal de 1922 a 2006, apresentado em documento do Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (IPHAN, 2006b, p. 6-7), expressa os marcos na trajetria da salvaguarda do patrimnio cultural imaterial no Brasil que se seguem. 1922 Realizao da Semana da Arte Moderna, com a projeo das idias de Mrio de Andrade a respeito do tema da diversidade cultural e do interesse etnogrfico pela cultura das camadas populares. 1936 Proposta de implantao da poltica de preservao do patrimnio cultural brasileiro, prxima das concepes atuais do Patrimnio Cultural Imaterial, elaborada por Mrio de Andrade, a pedido de Gustavo Capanema, ento ministro de Educao e Sade Pblica. Esta concepo de grande amplitude no pde, no entanto, prevalecer no modelo definido pelas exigncias do instituto do tombamento e pelos critrios de excepcional valor artstico e histrico dos bens culturais, adotado no ano seguinte pelo Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (SPHAN) com base nos termos do Decreto-Lei n 27, de 30 de novembro de 1937. 1937 Criao do Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (SPHAN), primeira instituio do governo brasileiro voltada para a proteo do patrimnio cultural do pas. 1947 Criao da Comisso Nacional de Folclore.

15Patrimnio Imaterial no Brasil: legislao e polticas estaduais

1958 Criao da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, vinculada ao Ministrio de Educao e Cultura. 1975 Criao, por Alosio Magalhes, do Centro Nacional de Referncia Cultural (CNRC) no SPHAN, por convnio celebrado entre vrias instituies, que se propunha a contemplar prioritariamente os bens culturais no consagrados pelos critrios da SPHAN. 1976 Transformao da Campanha em Instituto Nacional do Folclore, vinculado Fundao Nacional de Arte (Funarte). 1979 16Patrimnio Imaterial no Brasil: legislao e polticas estaduais

Criao da Fundao Nacional Pr-Memria, instituio incumbida de implementar a poltica de preservao da ento Secretaria do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional, incorporando o Programa de Cidades Histricas (PCH) e o Centro Nacional de Referncias Culturais (CNRC). 1988 Definio de patrimnio cultural de modo mais amplo pela Constituio Federal. 1991 Instituio do Programa Nacional de Apoio Cultura (Pronac) pela Lei no 8.313, para promover a captao e a canalizao de recursos e, entre outros objetivos, fomentar a preservao dos bens culturais materiais e imateriais. 1997 Realizao do seminrio Patrimnio Imaterial: estratgias e formas de proteo, em Fortaleza (Cear), quando foram discutidos os instrumentos legais e administrativos de preservao dos bens culturais de natureza imaterial. Transformao do Instituto Nacional de Folclore em Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP), vinculado Funarte. 1998 Criao de Comisso e Grupo de Trabalho para elaborar proposta de regulamentao do instrumento do Registro do patrimnio cultural imaterial. 2000 Desenvolvimento de metodologia denominada Inventrio Nacional de Referncias Culturais (INRC), visando produzir, em perspectiva ampla, e de acordo com a definio de patrimnio cultural expressa na Constituio Federal de 1988, conhecimentos que possam subsidiar a formulao de polticas patrimoniais. Instituio do Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e criao do Programa Nacional do Patrimnio Imaterial (PNPI), pelo Decreto n 3.551, de 4 de agosto de 2000.

2002 Primeiro registro no Livro dos Saberes: o Ofcio das Paneleiras de Goiabeiras (Vitria/ES). 2003 Criao do Departamento do Patrimnio Imaterial e Documentao de Bens Culturais no IPHAN, pelo Decreto n 4.811, de 19 de agosto de 2003. Integrao do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular na estrutura do IPHAN. Aprovao, na UNESCO, da Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial. Inscrio das Expresses orais e grficas dos Wajpi (Amap), por ocasio da 2 Proclamao das Obras-Primas do Patrimnio Oral e Imaterial da Humanidade. 2004 Criao do Departamento do Patrimnio Imaterial (DPI) no IPHAN, pelo Decreto n 5.040, de 6 de abril de 2004. O DPI substitui o anterior Departamento de Patrimnio Imaterial e Documentao de Bens Culturais. 2005 Inscrio do Samba de roda do Recncavo Bahiano (Bahia), por ocasio da 3a Proclamao das Obras-primas do Patrimnio Oral e Imaterial da Humanidade, 2006 Criao, em Cuzco, no Peru, do Centro Regional para a Salvaguarda do Patrimnio Imaterial da Amrica Latina (Crespial). Adeso do Brasil Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial, de 2003. Criao de grupo de trabalho interinstitucional, para elaborar proposta para o reconhecimento, a valorizao e a preservao da diversidade lingstica do Brasil. Instalao, na UNESCO, do primeiro Comit Intergovernamental do Patrimnio Imaterial, do qual o Brasil membro. MARCO LEGAL DO PATRIMNIO CULTURAL IMATERIAL E SITUAO ATUAL DA ASSINATURA DA CONVENO PARA A SALVAGUARDA DO PATRIMNIO CULTURAL IMATERIAL O Decreto n 3.551, de 4 de agosto de 2000 complementado pela Resoluo n 1, de 3 de agosto de 2006 (DOU 23/3/2007) o principal marco legal da atuao relativa ao PCI no Brasil. A aprovao e a promulgao desse decreto podem ser entendidas como a culminncia de um processo de investimentos polticos e intelectuais realizados pelos dirigentes e tcnicos do IPHAN, iniciado em 1997 na cidade de Fortaleza, capital do Estado do Cear, com a realizao do seminrio Patrimnio Imaterial: estratgias e formas de proteo, do qual resultou a Carta de Fortaleza. 17Patrimnio Imaterial no Brasil: legislao e polticas estaduais

A Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial, celebrada pela UNESCO em Paris, no dia 17 de outubro de 2003, foi ratificada pelo governo brasileiro por meio do Decreto n 5.753/2006 (Ver Anexo A). Com base nessa legislao, instaura-se o conjunto de polticas pblicas de cultura que configuram o contexto contemporneo do Patrimnio Cultural Imaterial, examinadas no item seguinte. POLTICAS CULTURAIS RELACIONADAS AO PATRIMNIO CULTURAL IMATERIAL A principal estrutura governamental voltada especificamente para a preservao do patrimnio cultural imaterial o Departamento do Patrimnio Imaterial (DPI) do IPHAN. O DPI foi criado pelo Decreto n 5.040, de 6 de abril de 2004, e substituiu o antigo Departamento do Patrimnio Imaterial e Documentao de Bens Culturais, que fora criado, por sua vez, pelo Decreto n 4.811, de 19 de agosto de 2003. Ao DPI vincula-se, desde dezembro de 2003, o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP). Associamse tambm s aes do DPI as secretarias regionais do IPHAN. Vale observar que, tambm em 2000, a Fundao Nacional do ndio (Funai) que, em 1967, substituiu o Servio de Proteo ao ndio (SPI), criado, por sua vez, em 1910 estabelecia a Portaria n 693, instituindo o Cadastro de Patrimnio Cultural Indgena. Dados os limites do presente trabalho e o amplo escopo do assunto em pauta no Brasil, esse aspecto da atuao governamental acerca do patrimnio cultural imaterial no foi objeto de escrutnio. Mencionam-se aqui apenas as atuaes em reas indgenas englobadas pela atuao do IPHAN. O conjunto de polticas voltadas para o patrimnio cultural imaterial tem como principais instrumentos o Registro, o Inventrio Nacional de Referncias Culturais (INRC), o Programa Nacional de Patrimnio Imaterial (PNPI) e os Planos de Salvaguarda. O registro Em 4 de agosto de 2000, o Decreto n 3.551, que institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial, define um programa voltado especialmente para estes bens. O decreto rege o processo de reconhecimento de bens culturais como patrimnio imaterial, institui o registro e, com ele, o compromisso do Estado em inventariar, documentar, produzir conhecimento e apoiar a dinmica dessas prticas socioculturais. Vem favorecer um amplo processo de conhecimento, comunicao, expresso de aspiraes e reivindicaes entre diversos grupos sociais. O registro , antes de tudo, uma forma de reconhecimento e busca a valorizao desses bens, sendo visto mesmo como um instrumento legal que, resguardadas as suas especificidades e alcance, equivale ao tombamento. Em sntese: tombam-se objetos, edificaes e stios fsicos; registram-se saberes e celebraes, rituais e formas de expresso e os espaos onde essas prticas se desenvolvem (IPHAN, 2006b, p. 22). Na viso do IPHAN, o registro:[...] corresponde identificao e produo de conhecimento sobre o bem cultural. Isso significa documentar, pelos meios tcnicos mais adequados, o

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passado e o presente da manifestao e suas diferentes verses, tornando essas informaes amplamente acessveis ao pblico mediante a utilizao dos recursos proporcionados pelas novas tecnologias de informao. (IPHAN, 2006b, p. 22).

A criao pelo Decreto n 3.551/2000 dos diferentes Livros de Registro sugere a percepo de distintos domnios na composio da dimenso imaterial do patrimnio cultural. Os bens culturais de natureza imaterial estariam includos, ou contextualizados, nas seguintes categorias que constituem os distintos Livros do Registro:1) Saberes: conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades. 2) Formas de expresso: manifestaes literrias, musicais, plsticas, cnicas e ldicas. 3) Celebraes: rituais e festas que marcam a vivncia coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras prticas da vida social. 4) Lugares: mercados, feiras, santurios, praas e demais espaos onde se concentram e se reproduzem prticas culturais coletivas.

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As propostas de registros definem-se no movimento coletivo da prpria sociedade. Recebidas pelo IPHAN e avaliadas em carter preliminar, se julgadas procedentes, so encaminhadas para instruo. A instruo dos processos de registro a elaborao dos dossis de registros sempre supervisionada pelo IPHAN. Consta de descrio pormenorizada do bem a ser registrado, acompanhada da documentao correspondente. Pode ser feita por outro rgo do Ministrio da Cultura, pelas unidades regionais do IPHAN ou por entidade pblica ou privada que detenha conhecimentos especficos sobre a matria. Realizada a instruo do processo, o IPHAN emite parecer publicado no Dirio Oficial da Unio. Aps 30 dias, que acolhem eventuais manifestaes da sociedade sobre o registro, o processo encaminhado ao Conselho Consultivo do Patrimnio Cultural para deliberao. Como ressalta o documento do IPHAN a esse respeito (IPHAN, 2006b, p. 22), o processo do registro deve ser renovado a cada 10 anos, no mximo, pois o registro sempre uma referncia de determinada poca. Dado o dinamismo das manifestaes culturais, e mesmo o impacto da declarao de um bem como patrimnio cultural sobre a vida do prprio bem, o registro deve ser periodicamente reavaliado. Como poder ser observado adiante, governos estaduais de vrias regies do pas tm institudo instrumentos semelhantes ou complementares ao Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial adotado pelo governo federal. Um critrio-chave para a legitimidade de qualquer pleito ao registro a sua relevncia para a memria, a identidade e a formao da sociedade brasileira. A continuidade histrica dos bens culturais, sua ligao com o passado e sua reiterao, transformao e atualizao permanentes tornam-nos referncias culturais para as comunidades que os mantm e os vivenciam. A referncia cultural um conceito-chave na formulao e na prtica da poltica brasileira de salvaguarda. No presente item, cabe observar a relevncia dos dossis de registro. O conhecimento produzido nesse processo parte fundamental para a orientao das prprias polticas pblicas

de salvaguarda que se desenham concretamente ao longo do registro. A produo desse conhecimento, como esclarece SantAnna: [...] essencial porque possibilita, em primeiro lugar, delimitar o bem ou o conjunto de bens que ser registrado, j que as manifestaes culturais imateriais so, freqentemente, parte de complexos de prticas e bens associados. Assim, necessrio estabelecer um recorte e identificar os elementos que de fato estruturam a manifestao que se quer registrar e que so fundamentais para sua etnografia e compreenso. Em suma, aqueles elementos sem os quais o bem no pode ser reconhecido nem como produto de uma prtica histrica nem como referncia cultural. Contudo, alm desse aspecto vinculado seleo e atribuio de valor patrimonial, a identificao dos elementos que estruturam a manifestao cultural ainda importante porque para eles que devero ser dirigidas as aes do poder pblico e dos demais atores sociais envolvidos, destinadas a apoiar suas condies sociais e materiais de existncia. (IPHAN, 2006b, p. 8). 20Patrimnio Imaterial no Brasil: legislao e polticas estaduais

Portanto, dentro de parmetros gerais de atuao, cada experincia concreta de registro de um bem cultural indica quais so as aes de apoio mais adequadas para a sua salvaguarda. Aquilo que garante a capacidade de um bem cultural perdurar e desenvolver-se no tempo pode variar muito conforme as caractersticas, a situao e o contexto de cada bem. Foram registrados at o momento 12 bens culturais, e quinze processos de registro encontram-se em andamento (Anexo B) 2. O Inventrio Nacional de Referncias Culturais (INRC) No processo de discusso do sistema brasileiro de salvaguarda do patrimnio imaterial, o conceito de referncia cultural tornou-se fundamental. Este conceito est na base da nova viso da preservao e da gesto dos bens culturais brasileiros expressa pelas polticas atuais do patrimnio cultural imaterial. Ao mesmo tempo, sua adoo significou assumir que a atribuio de valor patrimonial a objetos e aes no prerrogativa exclusiva do Estado e de seus representantes. Os sujeitos que mantm e produzem bens culturais, antes disso, so vistos como atores fundamentais nesse processo. Como esclarece o j citado documento do IPHAN/DPI, a discusso sobre as prticas, expresses e conhecimentos que so referncias para grupos e segmentos sociais comeou a se consolidar a partir da dcada de 1970. Os critrios para a proteo de bens culturais de grande valor histrico e artstico, traados em 1937, comearam a ganhar, ento, reviso radical (IPHAN, 2006b, p. 22-24). O Centro Nacional de Referncia Cultural (CNRC), tendo frente Alosio Magalhes, impulsionou essa reviso. O CNRC defendia a busca dos fundamentos de um desenvolvimento social e econmico inclusivo e culturalmente sustentado, nas razes vivas da identidade nacional, nos bens culturais no-consagrados pela ento Secretaria do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (SPHAN).Indagaes sobre quem tem legitimidade para selecionar o que deve ser preservado, a partir de que valores, em nome de quais interesses e de quais2. Dados apresentados em outubro de 2007. Em julho de 2008, foram identificados 14 bens culturais registrados e 15 processos de registro em andamento.

grupos, passaram a pr em destaque a dimenso social e poltica de uma atividade que costumava ser vista como eminentemente tcnica. Entendia-se que o patrimnio cultural brasileiro no devia se restringir aos grandes monumentos, aos testemunhos da histria oficial, em que sobretudo as elites se reconhecem, mas devia incluir tambm manifestaes culturais representativas para os outros grupos que compem a sociedade brasileira os ndios, os negros, os imigrantes, as classes populares em geral (FONSECA, 2000, p.11).

Chamava-se, assim, a ateno para outra dimenso do patrimnio que no apenas os ambientes constitudos de natureza e de conjuntos de construes. Processos culturais de grande complexidade e dinamismo, presentes na vida das camadas populares brasileiras, deveriam, sob essa nova tica, ser includos entre as preocupaes de preservao do patrimnio cultural. Falar em referncias culturais significa dirigir o olhar para representaes que configuram uma identidade da regio para seus habitantes, e que remetem paisagem, s edificaes e aos objetos, aos fazeres e saberes, s crenas e hbitos (FONSECA, 2000, p. 11). Esse o conceito utilizado atualmente pelo IPHAN. No Manual de Aplicao do Inventrio Nacional de Referncias Culturais, um dos principais instrumentos dessa poltica, l-se:Referncias so edificaes e so paisagens naturais. So tambm as artes, os ofcios, as formas de expresso e os modos de fazer. So as festas e os lugares a que a memria e a vida social atribuem sentido diferenciado: so as consideradas mais belas, so as mais lembradas, as mais queridas. So fatos, atividades e objetos que mobilizam a gente mais prxima e que reaproximam os que esto distantes, para que se reviva o sentimento de participar e de pertencer a um grupo, de possuir um lugar. Em suma, referncias so objetos, prticas e lugares apropriados pela cultura na construo de sentidos de identidades, so o que popularmente se chama de raiz de uma cultura (IPHAN, 2000).

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O INRC instrumentaliza o estabelecido no art. 8 do Decreto n 3.551/2000, que institui: [...] no mbito do Ministrio da Cultura, o Programa Nacional de Patrimnio Imaterial, visando a implementao de poltica especfica de inventrio, referenciamento e valorizao desse patrimnio. Trata-se de uma metodologia de pesquisa adotada pelo IPHAN, que tem como objetivo produzir conhecimento sobre os domnios da vida social aos quais so atribudos sentidos e valores, portanto, que constituem marcos e referncias de identidade para determinado grupo social. Alm das categorias estabelecidas no registro, a metodologia do INRC contempla tambm edificaes associadas a certos usos, a significaes histricas e a imagens urbanas, independentemente de sua qualidade arquitetnica ou artstica. A delimitao da rea do inventrio ocorre em funo das referncias culturais presentes em determinado territrio. Essas reas podem ser reconhecidas em diferentes escalas, ou seja, podem corresponder a uma vila, a um bairro, a uma zona ou mancha urbana, a uma regio geogrfica culturalmente diferenciada ou mesmo a um conjunto de segmentos territoriais.

Paralelamente aos estudos que culminaram na promulgao do Decreto n 3.551/2000, o IPHAN investiu na elaborao de uma metodologia apropriada identificao e produo de conhecimento sobre bens culturais de natureza imaterial, de modo a subsidiar a formulao de polticas pblicas nesse campo. Alm disso, tal metodologia possibilita: 1) auxlio, quando for o caso, instruo dos processos de registro; 2) promoo do patrimnio cultural imaterial junto sociedade; 3) orientao para aes de apoio e fomento a bens culturais em situao de risco ou de atendimento a demandas advindas do processo de inventrio; 4) tratamento e acesso pblico s informaes produzidas sobre esse universo. O INRC um procedimento de investigao que se desenvolve em nveis de complexidade crescente e prev trs etapas, correspondentes a nveis sucessivos de aproximao e aprofundamento, quais sejam: 22Patrimnio Imaterial no Brasil: legislao e polticas estaduais

Levantamento preliminar: reunio e sistematizao das informaes disponveis sobre o universo a inventariar, produzindo-se, ao final da etapa, um mapeamento cultural que pode ter carter territorial, geopoltico ou temtico. Identificao: descrio sistemtica e tipificao das referncias culturais relevantes; mapeamento das relaes entre estas referncias e outros bens e prticas; e indicao dos aspectos bsicos dos seus processos de formao, produo, reproduo e transmisso. Documentao: desenvolvimento de estudos tcnicos e autorais, de natureza eminentemente etnogrfica, e produo de documentao audiovisual ou outra adequada compreenso dos bens identificados, realizadas por especialistas, segundo as normas de cada gnero e linguagem; inclui, ainda, a fundamentao do trabalho de insero dos dados, obtidos nas etapas anteriores, no banco de dados do INRC. O INRC busca descrever cada bem cultural imaterial de modo a permitir a adequada compreenso dos processos de criao, recriao e transmisso que o envolvem, assim como dos problemas que o afetam. Trata-se de tarefa primordial para o conhecimento desse universo de bens culturais e para a fundamentao das demais aes de salvaguarda. Mediante a celebrao de Termos de Cooperao Tcnica, o IPHAN disponibiliza essa metodologia para instituies pblicas e privadas, realiza o treinamento das equipes tcnicas mobilizadas por tais instituies, e acompanha e orienta o desenvolvimento do trabalho de inventrio. Para efeito de registro do patrimnio cultural imaterial, outros mtodos ou procedimentos de identificao podem ser aplicados, desde que atendam s necessidades de entendimento e compreenso do bem que se pretende reconhecer e valorizar. Os procedimentos para utilizao da metodologia do INRC so assim estipulados pelo IPHAN: 1) a instituio proponente dever encaminhar ao IPHAN ofcio de solicitao e projeto de pesquisa para o qual a metodologia dever ser usada; 2) a Gerncia de Identificao, do Departamento de Patrimnio Imaterial (DPI), analisar o projeto e, caso seja necessrio, comunicar ao proponente as adequaes a serem feitas no projeto, conforme a metodologia do INRC e as diretrizes do DPI; 3) a instituio proponente dever firmar o Termo de Responsabilidade para o uso da metodologia do INRC, na Gerncia de Identificao; 4) o projeto dever prever, em seu oramento, recursos para viabilizar, pelo corpo tcnico da Gerncia de Identificao, o treinamento da equipe que desenvolver a pesquisa, e somente aps o

treinamento que o trabalho dever ser iniciado; 5) o corpo tcnico da Gerncia de Identificao acompanhar a execuo dos trabalhos, dirimindo quaisquer dvidas que possam surgir no seu desenvolvimento; 6) na concluso de cada etapa, a instituio proponente deve encaminhar Gerncia de Identificao as fichas do INRC devidamente preenchidas e os relatrios qualitativos produzidos; 7) a instituio proponente dever alimentar o Banco de Dados do INRC. Foram realizados at o momento 11 inventrios e h 25 em andamento (Anexo C). 3 O Programa Nacional de Patrimnio Imaterial (PNPI) Nos ltimos anos, o IPHAN ampliou imensamente suas intervenes nesse campo, tanto no mbito das culturas ditas tradicionais como no apoio a diversas comunidades indgenas. O Programa Nacional do Patrimnio Imaterial (PNPI) tambm criado pelo Decreto n 3.551/2000 estrutura-se como um programa de fomento, buscando parcerias com rgos governamentais, universidades, ONGs, instituies privadas e agncias de financiamento, com vistas captao de recursos e implementao de uma poltica de salvaguarda. O programa opera, basicamente, com recursos oramentrios do IPHAN, com recursos provenientes de parcerias e convnios estabelecidos com o Ministrio da Cultura, por intermdio do Fundo Nacional de Cultura. O Fundo Nacional de Cultura (FNC) o mecanismo da Lei Federal de Incentivo Cultura, Lei n 8.313/91, que possibilita ao MinC investir diretamente nos projetos culturais, mediante a celebrao de convnios e outros instrumentos similares, como concesso de bolsas de estudo e o Programa de Intercmbio Cultural. A importncia do conhecimento do universo do patrimnio cultural, as conceituaes que embasam as prticas do registro e do inventrio, implica as seguintes diretrizes de salvaguarda: a reproduo e a continuidade dos bens culturais vivos dependem de seus produtores e detentores, por isso, eles devem sempre ser participantes ativos do processo de identificao, reconhecimento e apoio. Os direitos de imagem e de propriedade intelectual coletiva devem ser reconhecidos e defendidos, alm de garantidos os benefcios que o processo de salvaguarda pode gerar para os produtores e detentores dos bens culturais imateriais. Alm disso, consideram-se essenciais a garantia das condies sociais e ambientais necessrias produo, reproduo e transmisso desses bens, bem como o fomento e o incentivo a projetos, visando melhoria dessas condies. O IPHAN estabelece as seguintes metas do PNPI: implementar poltica de inventrio, registro e salvaguarda de bens culturais de natureza imaterial; contribuir para a preservao da diversidade tnica e cultural do pas e para a disseminao de informaes sobre o patrimnio cultural brasileiro a todos os segmentos da sociedade; captar recursos e promover a constituio de uma rede de parceiros com vistas preservao, valorizao e ampliao dos bens que compem o patrimnio cultural brasileiro; incentivar e apoiar iniciativas e prticas de preservao desenvolvidas pela sociedade.3. Dados apresentados em outubro de 2007. Em julho de 2008, foram identificados 11 inventrios concludos e 26 em andamento.

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Desde 2005, o PNPI lana editais anuais para fomento a projetos, encaminhados por instituies pblicas e organizaes no-governamentais, de mapeamento de referncias culturais imateriais e de apoio s condies de existncia de bens culturais imateriais em diferentes regies brasileiras. Os planos de salvaguarda As aes que contribuem para a melhoria das condies socioambientais de produo, reproduo e transmisso de bens culturais imateriais so organizadas em iniciativas chamadas planos de salvaguarda. Os planos de salvaguarda so compreendidos como uma forma de apoio aos bens culturais de natureza imaterial, buscando garantir as condies de sustentao econmica e social. Atuam, portanto, no sentido da melhoria das condies de vida materiais, sociais e econmicas que favoream a vivncia do grupo produtor, e a transmisso e a continuidade de suas expresses culturais. Os planos articulam-se aos processos de inventrio e registro. Durante esses processos, o conhecimento produzido sobre os modos de expresso e organizao prpria das comunidades envolvidas permite identificar mecanismos e instrumentos locais de transmisso do bem cultural e, a partir da, identificar as formas mais adequadas de salvaguarda. Esse conhecimento e sua valorizao esto na base, portanto, dos instrumentos que visam favorecer a manuteno dos mecanismos de transmisso e a continuidade dessas manifestaes culturais. O conjunto de aes envolvidas amplo e variado, e pode ser assim resumido: 1) apoio transmisso do conhecimento s geraes mais novas; 2) promoo e divulgao do bem cultural; 3) valorizao de mestres e executantes; 4) melhoria das condies de acesso a matrias-primas e mercados consumidores; 5) organizao de atividades comunitrias. Muitas das aes voltadas para a melhoria das condies de produo, circulao, transmisso e manuteno dessas expresses envolvem, entre outras, questes relacionadas ao acesso a matrias-primas, organizao comunitria, ao fortalecimento da base social, capacitao gerencial e ao acesso aos conhecimentos necessrios busca de apoios e financiamentos. H tambm as aes de sensibilizao da sociedade para o reconhecimento da importncia desses bens, de trabalhos de divulgao, de formao de pblico e, eventualmente, de insero econmica, ampliao ou abertura de mercados. Existe a importante questo da defesa de direitos vinculados ao uso de conhecimentos tradicionais, ou reproduo/difuso de padres ou de imagens relacionadas a expresses culturais tradicionais. Esse campo de debates est em desenvolvimento em todo o mundo, tanto em termos conceituais quanto no que toca criao de instrumentos de proteo. Nessa direo, o IPHAN, por meio do DPI, tem procurado promover iniciativas que trabalham a conscincia de grupos e comunidades para a existncia desses direitos. Essas iniciativas visam

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tambm facilitar o acesso ao conhecimento dos organogramas jurdicos que, ainda que parcial ou insatisfatoriamente, permitem reclam-los e, por fim, ao desenvolvimento de estudos para a criao de novos sistemas ou instrumentos legais mais adequados ao campo e sua problemtica. Vale a pena ver a esse respeito o n 32 da Revista do Patrimnio, intitulado Patrimnio Imaterial e biodiversidade (2005), que fornece excelente panorama do assunto. O DPI preocupa-se tambm com o desenvolvimento de trabalhos destinados ao aprofundamento do conhecimento sobre os bens culturais registrados ou inventariados para a elaborao de diagnsticos de avaliao de impactos econmicos, culturais ou sociais sobre esses processos, entre eles, aqueles oriundos do curso do prprio processo de patrimonializao e valorizao, que visa apoiar e incentivar iniciativas e prticas de preservao desenvolvidas pela sociedade. Como informa SantAnna, os bens culturais:[...] so tambm formas de sobrevivncia para inmeros grupos e populaes. So portadores de valor econmico, passveis de se tornarem importantes meios para o desenvolvimento. Assim sendo, o DPI entende que as necessidades de adaptao, desenvolvimento e aperfeioamento no podem ser ignoradas e atua tambm para a documentao de aspectos especficos e, em certos casos, para a produo de conhecimento necessrio ao aperfeioamento ou ao desenvolvimento de novos produtos a partir das tcnicas tradicionais (SANTANNA, 2005, p. 9).

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O Programa Nacional de Apoio Cultura (Pronac), institudo pela Lei Rouanet, Lei n 8.313, de 23 de dezembro de 1991, tambm apia aes de salvaguarda. Em seu escopo geral, tem, ainda, os seguintes objetivos: 1) captar e canalizar recursos para facilitar e democratizar o acesso s fontes de cultura; 2) estimular a regionalizao da produo cultural; 3) preservar bens culturais materiais e imateriais. Vale destacar que o Pronac atua por meio dos seguintes instrumentos de fomento: o mecenato, mediante o qual as empresas privadas investem em projetos culturais e abatem esse investimento do Imposto de Renda; e o Fundo Nacional da Cultura (FNC), para financiamento de projetos culturais de governos estaduais e municipais e de instituies pblicas. O FNC tambm atua com o objetivo de contemplar aes cujos proponentes no encontram financiamentos no mercado da cultura. Por meio do Pronac, empresas estatais tm fomentado diversos projetos de documentao e de apoio continuidade de bens culturais imateriais. Em articulao com o processo de registro dos bens culturais, o PNPI implementou at o momento os seguintes planos de salvaguarda:Expresso grfica e oralidade entre os Wajpi do Amap Ofcio das Paneleiras de Goiabeiras Crio de Nazar Samba de Roda no Recncavo Baiano

Modo de fazer Viola de Cocho no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul Ofcio das Baianas de Acaraj Jongo do Sudeste Cachoeira de Iauaret lugar sagrado dos povos indgenas dos rios Uaups e Papuri, Amazonas Feira de Caruaru em Pernambuco Frevo Tambor de Crioula do Maranho Matrizes do Samba Carioca Samba de Terreiro, Partido Alto e Samba Enredo.

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O Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP) e o Projeto Celebraes e Saberes da Cultura Popular Ainda no mbito de atuao do Ministrio da Cultura e vinculado ao DPI, encontrase o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, que tem atuado em parceria com o DPI nos processos de registro, inventrio e salvaguarda. O Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP) est instalado em quatro prdios trs integram o conjunto arquitetnico do Palcio do Catete, tombado pelo Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (IPHAN). O Centro executa e desenvolve programas e projetos de estudo, pesquisa, documentao e difuso de manifestaes dos saberes e fazeres de nosso povo. Nele funcionam o Museu de Folclore dison Carneiro, com acervo museolgico de 14 mil objetos, a Biblioteca Amadeu Amaral, com 130 mil documentos bibliogrficos e cerca de 70 mil documentos audiovisuais, um setor de pesquisa e difuso. A Galeria Mestre Vitalino, de exposies temporrias, e a Sala do Artista Popular so tambm espaos para a exposio de obras de arte e artesanato popular resultantes de pesquisas realizadas. Sua histria, como vimos, liga-se recomendao da UNESCO de favorecimento e necessidade de proteo das manifestaes folclricas que est na origem da criao da Comisso Nacional de Folclore, em 1947. Desse processo resultou, em 1958, a instalao da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, vinculada ao ento Ministrio da Educao e Cultura. Em 1976, a campanha foi incorporada Fundao Nacional de Arte como Instituto Nacional de Folclore. No ano de 1997, a denominao novamente alterada, para Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular. Em dezembro de 2003, o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP) passa a integrar a estrutura do IPHAN, como uma unidade descentralizada vinculada ao Departamento de Patrimnio Imaterial. Entre as muitas atividades de pesquisa, documentao, apoio a comunidades artesanais, atuao educativa, o trabalho relativo ao patrimnio cultural imaterial consolidou-se na parceria estabelecida com o IPHAN, entre 2001 e 2006, na realizao do projeto Celebraes e Saberes da Cultura Popular uma experincia-piloto desenvolvida no mbito do PNPI. Desde o incio, o projeto contou com recursos do Ministrio da Cultura e vrias parcerias e

apoios em projetos integrados. Em 2004 e 2005, o escopo das aes foi ampliado com o patrocnio da Petrobras, que proporcionou pesquisas, exposies, discusses e publicaes sobre o patrimnio imaterial das culturas populares aes estas integralmente articuladas com o campo j constitudo. Contou tambm, a partir de 2004, com o apoio da Fundao de Amparo Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj). importante ressaltar que os trabalhos de inventrios realizados pelo CNFCP, com exceo dos inventrios do Jongo e da farinha de mandioca, integraram tambm o Programa de Apoio a Comunidades Artesanais (Paca), desenvolvido em exerccios anteriores pelo CNFCP, com recursos de diferentes patrocinadores Petrobras, Petrobras Distribuidora, Sudene, Eletrobrs, Ministrio da Cultura. Por intermdio do Paca, os inventrios estiveram articulados a exposies com edio de catlogos, oficinas de repasse de saberes tradicionais nas comunidades onde os bens culturais so produzidos e de melhoria das condies de produo dos bens culturais (adequao de espaos e aquisio de matria-prima). Dessa forma, os inventrios foram desenvolvidos simultaneamente a aes de salvaguarda. De maneira geral, para estruturar aes prioritrias nos planos de salvaguarda, o CNFCP pautou-se pelas questes observadas nos inventrios, as quais foram amplamente levantadas e debatidas com os segmentos sociais envolvidos e interessados. Assim como o DPI, e em um trabalho integrado, o CNFCP tem promovido amplo debate e reflexo sobre o tema com pesquisadores, tcnicos e comunidades envolvidas, e tem publicado regularmente os resultados destes debates. Vale mencionar, em especial, as publicaes da Srie Encontros e Estudos, na qual diversos nmeros so consagrados ao tema do patrimnio cultural imaterial. Entre eles: 1) o nmero 4, Seminrio Alimentao e Cultura (VIANNA, 2002), que examinou as questes relativas aos sistemas culinrios como bens passveis de incorporao ao patrimnio nacional; 2) o nmero 5, Celebraes e Saberes da Cultura Popular: pesquisa, inventrio, crtica, perspectivas (VIANNA, 2004), que problematizou os inventrios culturais, suas implicaes metodolgicas e ticas, bem como suas funes como instrumento de salvaguarda; 3) o nmero 6, Registro e Polticas de Salvaguarda para as Culturas Populares (FALCO, 2005), que examina em detalhe diversas experincias de Registro; 4) o nmero 9, Divino Toque do Maranho (CARVALHO, 2005), relativo Festa do Divino no Maranho, e o 10, Crio (CARVALHO, 2005), sobre a Festa do Crio de Nazar em Belm do Par, integram os processos de registro desses bens. Outras aes de instituies pblicas e privadas cujas atuaes recobrem reas do Patrimnio Cultural Imaterial O programa Cultura Viva, da Secretaria de Programas e Projetos Culturais (SPPC) do Ministrio da Cultura, tem interfaces com reas de atuao abrangidas pelo patrimnio cultural imaterial. Tem como principal objetivo ampliar e garantir o acesso aos meios de fruio, produo e difuso cultural. Atua, principalmente, por meio de uma rede de Pontos de Cultura, os quais, como observa o ex-ministro da Cultura Gilberto Gil: so intervenes agudas nas profundezas do Brasil urbano e rural, para despertar, estimular e projetar o que h de singular e mais positivo nas comunidades, nas periferias, nos quilombos, nas aldeias: a cultura local.

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Por meio dessa rede e de outras como a ao Gri Mestres de Saberes, o programa Cultura Viva apia projetos que incentivam a transmisso de saberes tradicionais, e apia as condies materiais de existncia de bens culturais imateriais. O Programa Identidade e Diversidade Cultural, da Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural do Ministrio da Cultura, recobre reas de atuao abrangidas pelo patrimnio cultural imaterial. Essa Secretaria, criada em 2006 pelo Decreto n 5.711, tem, entre outras atribuies, o dever de incentivar a diversidade e o intercmbio cultural como meio de favorecer a cidadania. O Programa Identidade e Diversidade Cultural tem por objetivo garantir que grupos e redes de produtores culturais, responsveis pelas manifestaes caractersticas da diversidade cultural brasileira, tenham acesso aos instrumentos de apoio, promoo e intercmbio, considerando caractersticas identitrias por gnero, orientao sexual, grupos etrios e tnicos e por vnculo com a cultura popular. 28Patrimnio Imaterial no Brasil: legislao e polticas estaduais

No mbito da sociedade civil, um vasto conjunto de organizaes de fundaes a organizaes no-governamentais tem atuado nessa direo, em especial nas atividades de documentao, divulgao e fomento, complementares ao decreto. A ttulo de exemplo, de modo apenas indicativo, so relacionadas abaixo as aes descritas a seguir. Na rea do Patrimnio Cultural Imaterial dos Povos Indgenas, o Instituto de Pesquisa e Formao em Educao Indgena (Iep) tem atuado expressivamente no Amap e no norte do Par. Seu trabalho est organizado no volume publicado com o patrocnio da Petrobras, Patrimnio Cultural Imaterial e Povos Indgenas. Exemplos no Amap e norte do Par, (GALLOIS, 2006). Na rea das culturas tradicionais, a Associao Cultural Cabur, ONG sediada no Rio de Janeiro, tambm em 2006 publicou os resultados do projeto de construo e implementao do Museu Vivo do Fandango, realizado com o apoio da Petrobras entre 2004 e 2005. O projeto traa, de modo denso e detalhado, o amplo universo de modos de vida, prticas e conhecimentos no qual o fandango se fundamenta e se difunde. O projeto disponibilizou para consulta pblica todo o material de pesquisa no CNFCP e publicou o volume Museu Vivo do Fandango. O Laboratrio de Educao Patrimonial (Laboep) da Universidade Federal Fluminense (UFF), criado em 2003, atua nas reas de identidade, educao e patrimnio, coordenado pela Profa Lygia Segala. Seu trabalho visa, em especial, articulao de cursos e seminrios, projetos de pesquisa e de extenso universitria com as atividades curriculares das escolas de ensino fundamental e mdio. Prope programas de formao de professores integrados ao educativa de instituies culturais, entendendo que a preservao de um bem cultural se articula estreitamente ao seu conhecimento e ao seu uso social, cincia e conscincia do patrimnio. Desenvolveu os projetos Canio e sambur: ao educativa do Museu de Arqueologia de Itaipu; Bandas dAlm Almanaque de Educao Patrimonial, sobre as dimenses imateriais dos bens tombados da cidade de Niteri; e o projeto Saberes da construo: casas de colono e casas de trabalhadores em assentamentos rurais fluminenses, para a preservao e a divulgao dos saberes e tcnicas artesanais de construo de casas utilizadas pelo colonato da cafeicultura fluminense, a partir do final do sculo XIX. Vale mencionar tambm, no mbito das atuaes universitrias, os laboratrios de Etnomusicologia da UFRJ e da UFPE, o primeiro, coordenado pelo prof. Samuel Arajo e o segundo, pelo profa. Carlos Sandroni.

Duas das principais associaes de cientistas sociais do pas, a Associao Nacional de Psgraduao e Pesquisa em Cincias Sociais (Anpocs) e a Associao Brasileira de Antropologia (ABA) tm promovido em suas reunies, respectivamente anuais e bienais, grupos de trabalho, mesas-redondas e publicaes relevantes sobre o tema. A ONG ArteSol Artesanato Solidrio: programas de apoio ao artesanato e gerao de renda estabeleceu-se como uma Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico (Oscip) em abril de 2002. Sediada em So Paulo, a ArteSol desenvolve cerca de 80 projetos em 17 estados brasileiros, envolvendo cerca de 4 mil artesos e suas famlias. A ONG iniciou suas atividades na dcada de 1990, com projeto-piloto para o combate pobreza em regies castigadas pela seca, sobretudo no Nordeste e no norte de Minas Gerais. Entre 1998 e 2002, como um programa social no mbito do Conselho da Comunidade Solidria, a ONG desenvolveu 42 projetos. Atualmente, alm do desenvolvimento de projetos em campo para a gerao de trabalho e renda, a ArteSol tambm atua na comercializao de produtos, enfocando o acesso dos artesos ao mercado consumidor. O Museu Casa do Pontal localizado no Rio de Janeiro, no Recreio dos Bandeirantes desenvolve, desde 1996, programas de educao patrimonial mediante programas de visitao. Seu rico acervo conta com a produo de renomados artistas populares, com uma criao especfica e independente, como tambm de comunidades nas quais a arte popular integra um processo coletivo de criao. As regies de produo priorizadas pelo acervo so o Alto do Moura, Tracunham, Recife e Olinda, em Pernambuco, e o Vale do Jequitinhonha e as pequenas cidades do sul de Minas Gerais. A Discoteca Oneyda Alvarenga, do Centro Cultural So Paulo, da Prefeitura de So Paulo, foi criada em 1935, por Mrio de Andrade (1883-1945), ento diretor do Departamento Municipal de Cultura de So Paulo. Chamava-se, na poca, Discoteca Pblica Municipal e sua direo ficou a cargo da musicista e folclorista Oneyda Alvarenga (1911-1984). Em 1938, Mrio de Andrade idealizou a Misso de Pesquisa Folclrica, que, composta por Antnio Ladeira, Benedito Pacheco, Luiz Saia e Martin Braunwiser, percorreu os estados de Pernambuco, Paraba, Piau, Cear, Maranho e Par, documentando diversos folguedos, arquitetura e poesia populares, entre outras manifestaes. Oneyda Alvarenga, que havia tambm orientado as pesquisas, sistematizou o material obtido. O resultado o atual acervo, composto de 29.855 documentos (cadernetas de campo, cartas, telegramas, bilhetes, memorandos, partituras, cadernos de msicas, fichas, fotografias), acessvel aos pesquisadores e ao pblico em geral somente por microfilmes. Os documentos esto em processo de restaurao. Cabe mencionar ainda os programas de redes de televiso como a TV Educativa e a Globo News, os editais de empresas estatais como a Petrobras, ou privadas, como a Vale do Rio Doce, o trabalho de fundaes de Cultura como a Fundao Joaquim Nabuco, em Recife, e o Instituto Moreira Salles, no Rio de Janeiro. Como afirmamos inicialmente, longe de ser exaustivo, o presente documento procurou, sobretudo, traar o panorama das questes que se descortinam na atualidade.

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ANEXO ADecreto n 5.753, de 12 de abril de 2006.Promulga a Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial, adotada em Paris, em 17 de outubro de 2003, e assinada em 3 de novembro de 2003. O PRESIDENTE DA REPBLICA, no uso da atribuio que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituio, e Considerando que o Congresso Nacional aprovou o texto da Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial, por meio do Decreto Legislativo n 22, de 1 de fevereiro de 2006; Considerando que o governo brasileiro ratificou a citada conveno em 15 de fevereiro de 2006; Considerando que a conveno entrar em vigor internacional em 20 de abril de 2006 e, para o Brasil, em 1 de junho de 2006; DECRETA: Art. 1 A Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial, adotada em Paris, em 17 de outubro de 2003, e assinada em 3 de novembro de 2003, apensa por cpia ao presente Decreto, ser executada e cumprida to inteiramente como nela se contm. Art. 2 So sujeitos aprovao do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em reviso da referida Conveno ou que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimnio nacional, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituio. Art. 3 Este Decreto entra em vigor na data de sua publicao. Braslia, 12 de abril de 2006; 185 da Independncia e 118 da Repblica. LUIZ INCIO LULA DA SILVA Celso Luiz Nunes Amorim 33Patrimnio Imaterial no Brasil: legislao e polticas estaduais

ANEXO BBens registrados e processos de registro em andamento pelo IPHANBENS REGISTRADOS Ofcio das Paneleiras de Goiabeiras Kusiwa Linguagem e Arte Grfica Wajpi Crio de Nossa Senhora de Nazar Samba de Roda do Recncavo Baiano Modo de Fazer Viola-de-Cocho Ofcio das Baianas de Acaraj Jongo no Sudeste Cachoeira de Iauaret Lugar sagrado dos povos indgenas dos Rios Uaups e Papuri Feira de Caruaru Frevo Tambor de Crioula do Maranho Samba do Rio de Janeiro Modo artesanal de fazer queijo de Minas Capoeira PROCESSOS DE REGISTRO EM ANDAMENTO Complexo Cultural do Bumba-Meu-Boi do Maranho Festa do Divino Esprito Santo de Pirenpolis Registro da Localidade de Porongos Festa de So Sebastio, do Municpio Cachoeira do Arari, da Ilha de Maraj Registro das Festas do Rosrio Ritual Ykwa do Povo Indgena Enawen Naw Artesanato Tikuna /AM Farmacopia Popular do Cerrado Circo de Tradio Familiar Modo de Fazer Renda Irlandesa Lugares Sagrados dos Povos Indgenas Xinguanos / MT Linguagem dos Sinos nas Cidades Histricas Mineiras So Joo Del Rei, Mariana, Ouro Preto, Catas Altas, Serro, Sabar, Congonhas e Diamantina Registro do Mamulengo Feira de So Joaquim, Salvador / BA. Fonte: http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=10852&retorno= paginaIphan, em 28/07/2008

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ANEXO CRelao dos inventrios realizados e em andamentoANEXO C 4 INRC do Crio de Nossa Senhora de Nazar Belm / PA INRC do Ofcio das Baianas de Acaraj Salvador / BA (CNFCP) INRC da Viola de Cocho M / MT INRC do Jongo RJ / SP (CNFCP) INRC da Cermica Candeal / MG (CNFCP) INRC Bumba-Meu-Boi / MA (CNFCP) INRC do Museu Aberto do Descobrimento / BA INRC: Realizadosem parceria INRC das Comunidades Impactadas pela Usina Hidreltrica de Irap Regio do Mdio Jequitinhonha / MG (em parceria com a Cemig, realizado com recursos da companhia; o DPI disponibilizou a metodologia) INRC de Porto Nacional (realizado pela Fundao Cultural do Estado do Tocantins, com recursos desta Fundao) INRC do Parque Nacional Grande Serto: Veredas / MG (em parceria com a Funatura); INRC da Medicina Tradicional / RJ (realizado pela ONG Rede Fitovida, com recursos prprios). INRC: Em andamento INRC dos Povos Indgenas do Alto Rio Negro em Manaus / AM INRC da Ilha de Maraj / PA INRC do Tacac / PA (CNFCP) INRC das Cuias de Santarm / PA (CNFCP) INRC da Farinha de Mandioca / PA (CNFCP) INRC de Natividade / TO INRC do Centro Histrico de So Lus / MA INRC de Rio de Contas / BA INRC Rotas da Alforria Cachoeira e So Flix / BA INRC da Regio do Cariri / CE INRC das Festas do Largo de Salvador / BA (CNFCP, com recursos da Petrobras); INRC da Feira de Caruaru / PE INRC das Comunidades Quilombolas de Pernambuco / PEPatrimnio Imaterial no Brasil: legislao e polticas estaduais

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4. http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=10852&retorno=paginaIphan, Disponvel em: 14/07/2008.

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INRC das Feiras do Distrito Federal / DF INRC do Congo de Nova Almeida Serra / ES INRC do Bom Retiro So Paulo / SP INRC da Festa do Divino Maranhense no Rio de Janeiro / RJ (CNFCP, com recursos da Petrobras) INRC do Povo Guarani So Miguel das Misses / RS INRC do Stio Histrico de Porongos Pinheiro Machado / RS INRC da Viola Caipira do Alto e Mdio So Francisco / MG INRC da Lapa / PR Levantamento de Documentos sobre o Estado de Sergipe INRC Cermica de Rio Real / BA (CNFCP) INRC dos Queijos Artesanais / MG INRC do Toque dos Sinos / MG INRC do Serid / MG. SIGLAS APINA Conselho das Aldeias Wajpi Cemig Companhia Energtica de Minas Gerais CNFCP Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular / IPHAN CNFCP Centro Nacional de folclore e Cultura Popular DPI Departamento de Patrimnio Imaterial / IPHAN Fademes Fundao de Apoio ao Desenvolvimento da Educao de Mato Grosso do Sul Faperj Fundao de Amparo Pesquisa do Rio de Janeiro Finatec Fundao de Empreendimentos Cientficos e Tecnolgicos Funatura Fundao Pr-Natureza Funcamp Fundao de Desenvolvimento da Unicamp IDSM/OS Instituto de Desenvolvimento Sustentvel Manirau Iep Instituto de Pesquisa e Formao em Educao Indgena IPHAN Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional ISA Instituto Scio-Ambiental Paca Programa de Apoio a Comunidades Artesanais SR Superintendncias Regionais do IPHAN UFMS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

PA RT E I I

ANLISE DA LEGISLAO ESTADUAL DE PATRIMNIO CULTURAL IMATERIALMaria Ceclia Londres Fonseca

As partes II e III desta publicao resultam da cooperao entre a UNESCO e o Instituto Brasileiro de Educao e Cultura (Educarte), com o objetivo de desenvolver estudos sobre as prticas dos governos estaduais brasileiros de aplicao de legislao relativa salvaguarda do patrimnio cultural imaterial, com vistas ao seu aprimoramento e ao fornecimento de diretrizes de compatibilizao com a Conveno da UNESCO e a disseminao de boas prticas. A Parte II compreende a anlise de toda legislao estadual levantada e reproduzida na Parte III sejam leis, decretos-lei, decretos ou resolues em que h meno salvaguarda do patrimnio cultural imaterial. Foram considerados tanto aqueles textos legais especificamente voltados para o patrimnio cultural imaterial, como aqueles que incluem o patrimnio cultural imaterial entre os seus objetos. As anlises das leis estaduais foram sistematizadas em dois grandes blocos. O primeiro, apresentado por ordem cronolgica da legislao, favorece uma anlise comparativa, ao sistematizar cada instrumento em forma de quadro, segundo itens comuns abaixo especificados. A apresentao feita a partir da primeira lei 1 que menciona explicitamente entre seus objetos o patrimnio cultural imaterial. Os itens so:Tipo de instrumento Livros de Registro Ttulo recebido Requisitos para candidatura Qualificao para candidatura Entes que podem propor a candidatura Entes habilitados a instruir o processo Entes que avaliam e selecionam as candidaturas Critrios para seleo Quantidade de ttulos Efeitos da aplicao do instrumento Direitos dos titulados Deveres dos titulados Obrigaes do poder pblico.

1. A Lei n. 5.082, de 20 de dezembro de 1990, que dispe sobre a proteo do Patrimnio Cultural do Estado do Maranho e d outras providncias, a primeira lei de um estado brasileiro que menciona explicitamente o patrimnio cultural imaterial.

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O segundo bloco rene leituras e classificaes segundo a cronologia, tipos de legislao lei, decreto-lei, decreto, resoluo e abrangncia dos textos legais, ou seja, se as disposies sobre o patrimnio cultural imaterial esto contidas em leis especficas, ou em legislao ampla de proteo do patrimnio cultural, e se contemplam registro de bens, de pessoas, ou de bens e pessoas, entre outras classificaes. Ainda so acrescidos s anlises dados coletados, at dezembro de 2007, sobre a aplicao da legislao, e sobre outros programas, projetos e atividades relacionados s polticas de salvaguarda do patrimnio cultural imaterial nos estados da federao brasileira. Vale reforar que o marco inicial das polticas pblicas que incorporam a dimenso imaterial questo do patrimnio cultural no Brasil foram os arts. 215 e 216 da Constituio Federal de 1988. Neles, a definio de patrimnio cultural bem mais abrangente que a adotada nas cartas anteriores, e o Estado e a sociedade so apresentados como parceiros na formulao e na implementao das polticas culturais. Outro dado importante a meno, no art. 215, dos direitos culturais, entre os quais se inclui o direito memria dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. So mencionadas explicitamente as culturas indgenas e afro-brasileiras, e tambm as culturas populares, todas at ento praticamente ausentes do conjunto dos bens reconhecidos pela via do tombamento, o que evidencia o carter compensatrio e inclusivo das polticas voltadas para o patrimnio cultural imaterial, situao que ocorre tambm no contexto internacional. O levantamento da legislao aqui apresentada foi feito por Henrique Oswaldo de Andrade, com a colaborao da pesquisadora Cristina Fonseca, e complementado com pesquisa realizada na Internet e em contatos telefnicos com os superintendentes regionais, tcnicos do Iphan, e dirigentes e tcnicos dos rgos estaduais de cultura. Essa rede de colaboradores foi fundamental para o levantamento desses e de outros dados que dizem respeito aplicao da legislao e a outros programas, projetos e atividades relacionados s polticas de salvaguarda do patrimnio cultural imaterial nos estados da federao brasileira. O trabalho contou ainda com a participao da antroploga Valria Leite de Aquino, mestre pelo Instituto de Filosofia e Cincias Sociais da UFRJ, cuja colaborao foi decisiva para o bom andamento da pesquisa, e da doutora Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti, que paralelamente desenvolvia, por demanda Centro Regional para a Salvaguarda do Patrimnio Cultura Imaterial da Amrica Latina Crespial, trabalho sobre o Estado da Arte do Patrimnio Cultural Imaterial do Brasil, incorporado a esta publicao na sua Parte I.

40Patrimnio Imaterial no Brasil: legislao e polticas estaduais

LEITURA SISTEMATIZADA DA LEGISLAO ESTADUAL DE PATRIMNIO CULTURAL IMATERIAL O conjunto da legislao estadual apresentado a seguir, segundo a cronologia de apario nos estados, com base em estrutura comum de itens, o que permite a leitura comparativa dos textos legais. Para cada estado, so feitos comentrios e apresentados os resultados da aplicao dos instrumentos, at dezembro de 2007. Os textos legais em sua forma integral esto compilados na Parte III desta publicao. So os estados: 1. Maranho (MA) 2. Piau (PI) 3. Acre (AC) 4. Esprito Santo (ES) 5. Pernambuco (PE) 6. Minas Gerais (MG) 7. Cear (CE) 8. Distrito Federal (DF) 9. Bahia (BA) 10. Alagoas (AL) 11. Santa Catarina (SC) 12. Paraba (PB). OBSERVAO: Como conveno, os acrscimos feitos pelos autores no interior dos textos legais esto grafados em itlico.Patrimnio Imaterial no Brasil: legislao e polticas estaduais

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MARANHOrgos gestores Estadual: Secretaria da Cultura Departamento de Patrimnio, Histrico e Artstico Federal: 3 Superintendncia Regional do Iphan

Lei n. 5.082, de 20 de dezembro de 1990. Dispe sobre a proteo do Patrimnio Cultural do Estado do Maranho e d outras providncias. Tombamento de Bens Mveis e Imveis Declarao de Relevante Interesse Cultural de Bem ou Manifestao Cultural (quando o bem ou a manifestao se revestir de especial valor cultural e, pela sua natureza ou especificidade, no se prestar proteo pelo tombamento). A declarao de relevante interesse cultural ser inscrita em livro de tombo prprio (no especificado). Os bens e as manifestaes podero ser de qualquer natureza, origem ou procedncia, tais como: histricos, arquitetnicos, ambientais, naturais, paisagsticos, arqueolgicos, museolgicos, etnogrficos, arquivsticos, bibliogrficos, documentais ou quaisquer outros de interesse das demais artes ou cincias. Ficam excludos das formas de proteo os seguintes bens: I pertencentes s representaes consulares acreditadas no estado; II que sejam trazidos para exposies comemorativas, comerciais ou educativas. Bens de natureza material ou imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referncia identidade, ao, memria dos diferentes grupos formadores da sociedade maranhense e que, por qualquer forma de proteo prevista em lei, venham a ser reconhecidos como de valor cultural, visando a sua preservao. O pedido poder ser feito por qualquer cidado ou pelo governo do estado, cabendo ao Departamento de Patrimnio Histrico, Artstico e Paisagstico da Secretaria da Cultura receber o pedido, apreciandoo, e abrir o respectivo processo.

Tipo de instrumento

Livros de Registro Ttulo recebido

42Patrimnio Imaterial no Brasil: legislao e polticas estaduais

Requisitos para candidatura

Qualificao para candidatura

Entes que podem propor a candidatura

Departamento de Patrimnio Histrico, Artstico e Paisagstico da Secretaria da Cultura: o Departamento do Patrimnio Histrico, Entes habilitados a instruir o Artstico e Paisagstico da Secretaria de Cultura ou o Conselho Estadual processo de Cultura, quando julgar necessrio melhor instruo do processo, poder valer-se de informaes, pareceres ou servios de especialistas, seja de outros rgos da administrao estadual, seja de terceiros. Entes que avaliam e selecionam as candidaturas Critrios para seleo Quantidade de ttulos Efeitos da aplicao do instrumento (Sero considerados apenas os efeitos especificados no captulo V, relativo Declarao de Relevante Interesse Cultural) Aplicao de medidas especiais de proteo, por parte do governo do estado, seja mediante condies e limitaes do seu uso, gozo ou disposio, seja pelo aporte de recursos pblicos de qualquer ordem. As medidas de proteo visaro possibilitar a melhor forma de permanncia do bem ou da manifestao cultural, com suas caractersticas e dinmicas prprias, resguardando a sua integridade e sua expressividade. Conselho Estadual de Cultura; governador do Estado. Na identificao dos bens a serem protegidos pelo governo do estado, levar-se-o em conta os aspectos cognitivos, estticos ou afetivos que estes tenham para a comunidade.

MARANHO

Direitos dos titulados Deveres dos titulados Ao Departamento de Patrimnio Histrico, Artstico e Paisagstico da Secretaria da Cultura, compete: instruir tecnicamente o processo; manter entendimento com as autoridades federais, estaduais e municipais, quer civis, quer militares, com instituies cientficas, histricas e artsticas e com pessoas naturais ou jurdicas de direito privado, visando a obteno, apoio e cooperao para preservao do patrimnio cultural do Estado do Maranho; notificar o proprietrio do processo de declarao de relevante interesse cultural, quando as restries forem estabelecer limitaes especiais ao seu uso, gozo ou disposio e quando a notificao for possvel, em face da natureza do bem ou manifestao cultural. Ao Conselho Estadual de Cultura, compete deliberar sobre a Declarao de Relevante Interesse Cultural. Ao governo do Estado, compete: decretar a Declarao de Relevante Interesse Cultural; determinar as medidas de proteo cabveis, seja mediante condies ou limitaes do uso, gozo ou disposio do bem, seja pelo aporte de recursos pblicos de qualquer ordem.

Obrigaes do poder pblico

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COMENTRIOS SOBRE O(S) INSTRUMENTO(S)A Lei n 5.082, de 20 de dezembro de 1990, adota, em linhas gerais, a noo de patrimnio cultural expressa no art. 216 da Constituio Federal de 1988, abrangendo as dimenses material e imaterial. Nesse sentido, discrimina bens mveis e imveis de manifestaes culturais, e cria dois instrumentos de proteo: o tombamento e a declarao de relevante interesse cultural. O segundo instrumento destina