patricia waddell - só mais um beijo

79

Upload: ludover

Post on 25-Jul-2016

229 views

Category:

Documents


3 download

DESCRIPTION

 

TRANSCRIPT

Page 1: Patricia waddell - só mais um beijo
Page 2: Patricia waddell - só mais um beijo

Só Mais Um Beijo Sweet Delights

Patricia Waddell

Estados Unidos, 1884

Ele queria vingança... e encontrou o amor!

A idéia de perder River Run, a majestosa fazenda da família, é insuportável para

Nelly. Por isso, quando Derrick Gentry oportunamente se oferece para comprar a hipoteca da propriedade, em troca de alguns pequenos favores, Nelly não tem como recusar. E logo a moça simples do campo descobre que não há nada no mundo que ela possa recusar ao

charmoso e galante cavalheiro, nem mesmo seu coração... Decidido a humilhar seu inimigo confesso diante de toda a sociedade local, Derrick

põe seu plano em prática. Mas não contava com a forte atração que lhe despertaria a adorável Nelly, a peça mais importante de seu "jogo". E quando a reação dela a seus beijos

desencadeia um desejo incontrolável, Derrick se vê em dúvida sobre continuar sua vingança...

Digitalização: Simoninha

Revisão: Cynthia

Copyright © 1999 by Alana Clayton

Originalmente publicado em 1999 pela Kensington Publishing Corp.

PUBLICADO SOB ACORDO COM KENSINGTON PUBLISHING CORP NY, NY-USA Todos os direitos reservados.

Todos os personagens desta obra são fictícios.

Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência.

TÍTULO ORIGINAL: Sweet Delights

EDITORA: Leonice Pomponio

Page 3: Patricia waddell - só mais um beijo

ASSISTENTE EDITORIAL: Patrícia Chaves

EDIÇÃO/TEXTO

Tradução: Jussara Gonzales Revisão: Giacomo Leone

ARTE: Mônica Maldonado

ILUSTRAÇÃO: Thomas Schlück

MARKETING/COMERCIAL: Silvia Campos

PRODUÇÃO GRÁFICA: Sônia Sassi

PAGINAÇÃO: Dany Editora Ltda.

© 2008 Editora Nova Cultural Ltda.

Rua Paes Leme, 524 – 10° andar CEP 05424-010 - São Paulo - SP

www.novacultural.com.br

Premedia, impressão e acabamento: RR Donnelley

Page 4: Patricia waddell - só mais um beijo

Julia Históricos 1473 – Só mais um beijo... – Patricia Waddell

4

Capítulo I Kentucky, 1884 — Mas que droga, Frank! Onde você o escondeu?! — Nelly Pennington resmungava,

com ar aborrecido. Tudo em sua vida virará de cabeça para baixo desde que o coração de Frank Matson

havia parado de bater, deixando-a à mercê de um banco de Louisville. Nelly já tinha re-vistado a casa inteira, e nada. Procurou em cada pote vazio do adega. Invadiu o escritório de Frank, em busca de lugares secretos ou gavetas escondidas. Folheou cada livro da biblioteca, na esperança de que seu guardião tivesse usado o valioso documento para marcar uma passagem favorita. Chegou até a empurrar um cabo de vassoura pela chaminé, na tentativa de encontrar lá alguma coisa solta, qualquer papel que provasse aos banqueiros que Frank Matson não tinha morrido sem deixar um testamento. Tudo o que encontrou, fora um pacote de fumo seco e um frasco de linimento pura cavalos, que guardara ali, na primavera anterior.

O único lugar que faltava vasculhar era o estábulo. Por isso se achava lá, naquele momento, rezando para que o próximo tonel ou a próxima tábua solta escondesse algo útil. Afinal, a River Run era uma fazenda onde se criavam cavalos, que Frank adorava — bem mais do que gostava de pessoas, sobre as quais insistia em dizer que tinham muito pouco juízo e educação —, Nelly rezava por poder encerrar a busca antes que os banqueiros chegassem com a ordem de despejo.

Desanimada, começava a achar que sonhara com o papel que Frank tinha lhe mostrado, antes de guardá-lo tão bem guardado. Chegou a crer que o reverendo e a Sra. Perkins tivessem sido testemunhas do testamento, visto que haviam ficado tanto tempo consolando seu guardião até seu falecimento. No entanto, quando perguntou ao pastor, ele respondeu que se lembraria caso tivesse assinado algo tão importante.

O tempo estava se esgotando, diminuindo a cada instante suas chances de ficar com a River Run. Por isso, Nelly arregaçou as mangas e voltou ao trabalho. A idéia de perder o único lar que tivera era insuportável. Ergueu os ombros e olhou em torno.

Os banqueiros haviam mandado aviso de que viriam entregar a ordem de despejo no último dia do mês, que seria o seguinte. Nelly ignorara as duas primeiras mensagens, es-perando, com toda a fé, que Frank tivesse escondido o documento em um lugar razoável. Mas ela deveria saber. Por mais que amasse seu protetor, tinha de admitir que ele era um tanto excêntrico.

— Você está aí, Nelly? — Aqui, Roy. Roy Shuler veio até ela. — Vou dar uma olhada no sótão — Nelly explicou. Roy ficou a observá-la subir a escada, torcendo para que achasse o que procurava

antes que os banqueiros levassem a River Run a leilão. Como todos na propriedade, Roy também não podia acreditar que Frank não tivesse

tomado providências para que Nelly herdasse a fazenda. Todos sabiam que ele a amava como a uma filha.

Nelly estava na metade da escada para o sótão, quando viu uma brilhante carruagem negra sair da estrada principal e começar a subir pelo caminho de cascalho. Era fim de março, e os elmos, alinhados ao longo da ladeira que levava até a porta, proporcionavam total visão através de seus galhos nus. A parelha de cavalos baios, que puxava o veículo, atraiu a atenção dela. Como a maioria das pessoas de Kentucky, Nelly tinha olho clínico quando se tratava de cavalos. Os baios não eram puros-sangues como os que criava em River Run, mas do mesmo modo, excelentes animais.

Page 5: Patricia waddell - só mais um beijo

Julia Históricos 1473 – Só mais um beijo... – Patricia Waddell

5

Quando a carruagem parou diante da residência, os pulmões dela doíam, de tanto conter a respiração. Deu um suspiro de alívio ao ver um alto cavalheiro de cabelos escuros saltar do coche. Nelly estava a uma boa distância, mas sabia que aquele homem não era banqueiro. Era jovem demais para isso. Os banqueiros que conhecera quando fora a Louisville com Frank eram homens de idade e pálidos, com cabelos brancos. Aquele para quem olhava parecia tão forte e viril quanto os garanhões no pasto.

Dividida entre a necessidade de fazer uma busca no sótão e a crescente curiosidade sobre o recém-chegado, desceu da escada. Não estava vestida para receber visitas, mas o estranho também não mandara aviso de que viria.

Esfregando a calça larga para desamassá-la o mais possível, Nelly se dirigiu aos fundos da grande casa assobradada, construída vinte anos antes da Guerra Civil. A River Run recebera esse nome devido ao rio Kentucky que formava sua fronteira a leste. A fazenda ostentava impressionantes dois mil e cem acres. E ela conhecia cada centímetro de suas colinas onduladas e de seus prados.

Ao atravessar a enorme cozinha, Nelly sentiu o delicioso aroma do pão que acabara de assar. Pendurou o casaco num gancho atrás da porta e parou perto do fogão, para mexer as maçãs, que cozinhavam em fogo baixo em um tacho. Gladys Shuler, mulher de Roy e governanta da fazenda, empenhava-se em preparar todos os pratos prediletos da jovem patroa. Era uma maneira de a boa senhora tentar distraí-la das tensões causadas pela morte de Frank, que aconteceu tão de repente, logo depois do Natal. Assim como Roy, Gladys também acreditava que o testamento estava em algum lugar da casa, esperando para ser encontrado.

— É melhor você se lavar, se pretende apertar a mão daquele simpático cavalheiro — disse Gladys ao entrar na cozinha. — Ele a espera no salão.

— Será que é tão simpático assim? — Nelly imaginava que, na certa, o estranho teria ouvido dizer que a River Run iria a leilão e viera à fazenda tentar comprá-la, antes disso.

— Disse que seu sobrenome é Gentry. A mão de Nelly pareceu congelar na alavanca da bomba de água. — Gentry! — Então já ouviu falar dele — comentou Gladys. — Sim, sem dúvida alguma. Nelly meneou a cabeça e, recordando-se do que tinha de fazer, deu outro puxão firme

na alavanca, com a mão direita, e a água limpa e fresca escorreu do bocal metálico para suas mãos. Ela estremeceu, mas não tinha certeza se por causa do líquido gelado ou se pela presença de Derrick Gentry na sala ao lado.

— Ele falou o que deseja, Gladys? — Não. Só perguntou se você estava em casa. Nelly secou as mãos e deu alguns passos na direção da porta que levava ao corredor

principal, onde parou. Deveria subir e colocar um vestido? Bobagem. Não queria saber de homens. Tudo o que lhe interessava eram os cavalos. Do mesmo modo que Derrick Gentry.

Os jornais de Louisville noticiavam as corridas com o fervor de um pastor que quer converter pecadores. Era impossível ler sobre elas sem saber quem as via. O que significava que Nelly já tinha lido muito sobre aquele cavalheiro.

Um pensamento levou ao outro e, de repente, Nelly compreendeu o motivo de Gentry estar a sua espera no salão. Ele queria Beldare!

Beldare era um garanhão castanho de três anos de idade de quem Nelly cuidava desde o nascimento. Alto e ligeiro como um leão da montanha, o puro-sangue podia correr mais que qualquer outro animal de quatro patas. Frank o inscrevera na corrida de Fayette Country, no outono anterior, e Beldare deixara todos os outros cavalos comendo poeira.

Page 6: Patricia waddell - só mais um beijo

Julia Históricos 1473 – Só mais um beijo... – Patricia Waddell

6

Gentry queria inscrever Beldare no derby. Nelly sabia disso. Embora a disputa só existisse havia nove anos, tornara-se um dos eventos mais prestigiados do país. As pessoas vinham de todos os Estados para ver os garanhões de três anos correr na pista de terra de uma milha e meia.

O coronel Meriwether L. Clark sabia o que estava fazendo quando patrocinou a primeira corrida em 1875. A idéia veio do derby inglês, realizado em Epson Downs e, assim, o coronel acabou criando uma tradição no Estado de Kentucky, conhecido como o Estado da Grama Azul. A grama ali não (ira de fato azul, mas verde. Porém, na primavera, surgiam brotos prateados, que, quando vistos em campos enormes, proporcionavam um brilho azulado às plantas.

O simples fato de disputar o derby já garantia ao haras participante, um valioso garanhão, ao fim das corridas. Se um de seus cavalos ganhasse o derby, o proprietário poderia HO gabar de possuir uma verdadeira mina de ouro sobre quatro patas.

Não que Derrick precisasse de uma mina de ouro, visto que era bastante rico. Filho único de um armador de Louisville, o rapaz herdara do pai o faro para os negócios, dono de três barcos a vapor que logo conseguiu transformar em trinta. O transporte de passageiros e de mercadorias de Cincinnati até Louisville, Natchez e depois até New Orleans e vice-versa se transformara num lucrativo negócio. Portanto, Derrick possuía dinheiro suficiente para comprar o que bem entendesse.

Mas ele não terá Beldare. Nem a River Run, Nelly pensou. Seu animo não estava nada bom quando se dirigiu ao salão. As botas de montaria

produziam ruídos curtos e agudos no assoalho de madeira polida. Olhou para o homem que se virava para cumprimentá-la e teve um sobressalto. Alto e muito simpático, Derrick Gentry era bonito o suficiente para fazer qualquer mulher perder o juízo. Vestia um terno escuro que lhe caía muito bem. Sua aparência era casual, mas confiante. Os cabelos, negros como carvão, e os olhos azuis como um céu de verão. O contraste era surpreendente. . Assim como a sensação que subiu pela espinha de Nelly.

Que Deus tenha piedade. Não é de admirar que todas as garotas de Louisville estejam malucas por ele. Esse é o tipo de homem para manter uma mulher ocupada pelo resto da vida.

O pensamento ousado a fez corar. Derrick achou que Nelly tivesse enrubescido por estar sendo vista daquele jeito, com calça marrom desbotada e uma camisa de flanela azul, muito maior do que precisaria ser. Se não estivesse preparado para encontrar a Srta. Pennington, poderia tê-la confundido com um dos cavalariços. Mas, assim de perto, não havia como confundir a beleza feminina dos grandes olhos amendoados, nem da delicada boca, de formas perfeitas para os beijos de um homem.

— Bom dia, Srta. Pennington. Espero que me perdoe por ter vindo sem um convite formal. Entendo que ainda esteja de luto pelo Sr. Matson.

— Frank costumava dizer que era perda de tempo chorar pelos mortos. Achava que era melhor concentrar-se na vida.

Dando-se conta de que ainda usava o velho chapéu de seu guardião, Nelly o tirou da cabeça. Uma grossa trança de cabelos dourados caiu-lhe pelo ombro.

Derrick usou os segundos seguintes para observá-la melhor. Ela era pequena e esbelta, se as roupas largas fossem uma indicação do corpo bonito escondido embaixo delas. Apesar da camisa enorme, ele pôde ver o contorno de seus seios redondos embaixo da flanela desgastada. As mãos eram miúdas e delicadas, e havia uma mancha de sujeira na ponta de seu nariz.

Habituado a lidar com mulheres sofisticadas, Derrick achou o frescor da pele de Nelly e seus modos descontraídos muito atraentes.

Os olhares se encontraram. A cor dos olhos dela, uma estranha mistura de azul, verde e dourado, atraiu sua atenção, mas Derrick não notou nenhuma intenção de flerte na

Page 7: Patricia waddell - só mais um beijo

Julia Históricos 1473 – Só mais um beijo... – Patricia Waddell

7

inocente profundidade daquele olhar. Todavia, o que viu o intrigou. Podia imaginá-los mudando de cor de acordo com o estado de ânimo de sua dona. Escuros, quando ela sentia raiva ou paixão, e claros e luminosos quando ria.

Naquele momento, não estavam nem claros nem escuros, nem verdes nem azuis. Na certa porque Nelly ainda não decidira se estava diante de um amigo ou de um inimigo.

— Achei que gostaria de um pouco de café. — Gladys surgiu à soleira, trazendo uma bandeja e uma expressão bastante hostil.

— Obrigado. A governanta colocou a bandeja sobre a mesa diante do sofá e saiu, não sem antes

dirigir a Derrick um olhar ameaçador; e deixando a porta aberta. — Sente-se, Sr. Gentry. — Nelly serviu as duas xícaras e colocou uma delas ao

alcance de Derrick, assim que ele indicou que o preferia puro. Ela procurou se acomodar o mais longe possível do visitante. Ler sobre Derrick Gentry

era algo muito diferente de vê-lo tão de perto. Nelly não era tímida com os homens, mas cautelosa sem dúvida. Acreditava que homens e espartilhos tinham muito em comum. Ambos tolhiam a liberdade e eram desagradáveis.

Ela não usava espartilhos, e evitava os homens sempre que podia, com exceção de Roy e dos demais empregados. Era uma típica garota do interior. Adorava sentir o cheiro e odores do campo, no vento. Ao contrário das outras moças de sua idade, Nelly não apreciava festas, nem gostava de ter cavalheiros correndo atrás dela, como cães de caça atrás de um coelho.

Isso porque, jamais antes, conhecera alguém como Derrick. Não havia nada de imaturo ou de infantil naquele cavalheiro de Louisville. Seu porte, seguro e másculo, era difícil de esquecer.

— Há alguma coisa que eu possa fazer pelo senhor?Derrick sentiu-se tentado a apresentar uma lista, a começar por um sorriso. Fora

informado de que Nelly gostava mais da companhia de cavalos do que das pessoas. Suas roupas sugeriam que ela acabara de sair dos estábulos, e por sua expressão, ela certamente preferia aquela tarefa à de recebê-lo em sua residência.

Concentrando-se na principal razão que o trouxera à River Run, Derrick apanhou seu café e foi até a lareira, que tomava quase toda a parede norte do salão. Chamas amarelas e alaranjadas aqueciam o elegante ambiente.

— Na verdade, acredito que eu posso fazer algo pela senhorita. — Aprecio muito seu gesto, Sr. Gentry, mas não há nada de que eu necessite — Nelly

mentiu. De fato, o que ela precisava era de um milagre. Se não achasse o testamento de

Frank, os bancos teriam todo o direito de fazê-la sair da fazenda. — Então minhas informações devem estar incorretas. — Derrick não demonstrava

nenhuma emoção. — Soube que o Sr. Matson tomou um vultoso empréstimo para construir estábulos novos. Também soube que, como ele morreu sem deixar herdeiros legais, o banco está prestes a se apossar desta propriedade.

— Frank deixou a River Run para mim. — A senhorita tem um testamento para provar isso? Nelly levantou-se de um salto. — Sr. Gentry, o que deseja? Quanto antes me disser, mais cedo poderei lhe mostrar a

porta de saída. Derrick sorriu. A adorável Srta. Pennington tinha personalidade. E ele acertara.

Naquele momento, as íris dela começavam a escurecer, tornando-se da cor do céu que prepara uma tempestade.

— Antes que concretize sua ameaça, peço-lhe que se acalme e ouça o que tenho a dizer. Se quiser ficar com a River Run, eu posso ajudar.

— Como? — indagou, desconfiada.

Page 8: Patricia waddell - só mais um beijo

—Em primeiro lugar, a senhorita não terá de dormir preocupada, temendo que seja sua última noite sob este teto. O banco não a despejará.

— O senhor parece saber muito sobre minhas preocupações. Acredito que cavalheiros não deveriam se intrometer onde não são chamados.

Derrick estava a par de muito mais do que Nelly poderia imaginar. Sabia, que os pais dela morreram devido ao cólera, deixando-a sozinha aos seis anos de idade. Os Estados do Sul tinham começado a Guerra de Secessão, nessa época, e poucas pessoas se dispunham a arcar com a responsabilidade de mais uma criança. Como não tinha mais parentes, Nelly seria levada para a Congregação Shaker, em Pleasant Hill. Essa seita religiosa costumava adotar órfãos para perpetuar a comunidade, uma vez que sua fé proibia o casamento. O vagão em que Nelly viajava quebrou perto da River Run. Algo na-quela criança atraiu a atenção de Matson, que decidiu ficar com a garota.

Derrick também tinha conhecimento de que Frank a protegera muito bem. Embora Nelly fosse bem-educada, nunca freqüentou a escola. Como teve um tutor em sua casa, era raro que saísse da fazenda. Talvez por isso, ao contrário de outras garotas, Nelly Pennington não se mostrasse interessada na moda de Paris, nem em arranjar um marido. Só isso bastava para torná-la única.

Ali, diante dela, Derrick começara a entender por que Matson a mantivera sempre tão próxima. Nelly era mais do que adorável: era linda, ingênua e sensual ao mesmo tempo. Uma combinação tentadora, capaz de desafiar as boas intenções de qualquer homem.

— Nem sempre sou um cavalheiro, Srta. Pennington. — Derrick sorriu. — Entretanto, minha educação não tem nada n ver com o motivo que me trouxe até aqui. Estive com Frank algumas poucas vezes, mas o suficiente para gostar dele. Era uma pessoa que não tinha medo de falar o que pensava. Uma qualidade que admiro muito em um homem.

— Mas não em uma mulher?—Asseguro, senhorita, que sou um grande admirador das mulheres. O brilho nos olhos azuis de Derrick a irritou ainda mais, mas a curiosidade de Nelly foi

mais forte. — Como sabe que o banco não vai mais mandar me despejar? — Porque o banco não possui mais a hipoteca sobre a River Run. Eu a adquiri, na

semana passada. — O senhor?! — Nelly sentiu um frio no estômago. Nenhuma das preces que fizera

todas as noites desde a morte de Frank fora ouvida. Se Derrick fosse mesmo o novo proprietário da River Run, ela não teria a menor chance de continuar ali. A reputação dele com o sexo oposto era muito pior do que com os homens de negócios. Derrick era impie-doso quando se tratava de dinheiro. E a River Run renderia três vezes mais do que ele desembolsara para os bancos pela hipoteca, se decidisse vendê-la.

— Entendo... Na verdade, Nelly não entendia. Se Derrick, agora, era o proprietário da fazenda, por

que estava agindo como se ela pudesse ficar? A resposta veio junto com um surto de raiva, que a fez cerrar os punhos para desferir-

lhe um soco. Foi bom Gladys tê-lo levado ao salão, em vez do escritório. Se estivessem lá, Nelly

tiraria o velho revólver de Frank da gaveta e atiraria bem no meio daquela testa inteligente.

— O senhor pode ter se tornado o dono da hipoteca, mas de mim, não! Dispenso sua caridade, e tudo o mais que possa me oferecer!

Um silêncio constrangedor tomou conta do salão. Derrick olhava para Nelly, imaginando se aquela sombra de ira no semblante dela poderia ser amenizada por alguns beijos.

Esse pensamento inesperado teve um efeito surpreendente em seu corpo. Fazia muito tempo que não reagia assim, tão rápido, à simples visão de uma mulher. Também, ele

Page 9: Patricia waddell - só mais um beijo

nunca havia encontrado uma assim antes, com olhos de gata e vestida com calça larga, tão masculina.

—A única coisa que estou oferecendo é uma oportunidade de provar que a River Run realmente lhe pertence. Agora, sente-se e ouça, senhorita.

— Não me diga o que fazer, Sr. Gentry! — esbravejou Nelly. — Sente-se — Derrick repetiu, pronunciando cada sílaba como se aquilo fosse um

decreto real. Ela estava tão furiosa que suas pernas teimavam em não apoiá-la. De todo modo,

jamais faria o que quer que fosse ao comando de um homem. Alguns segundos se passaram, durante os quais Nelly sustentou o olhar de Derrick.

Engoliu em seco, quando ele a avaliou da cabeça aos pés. — É uma jovem muito teimosa, Srta. Pennington. — Já me disseram. — Mas o que não lhe disseram, senhorita, é que eu raramente perco. — No entanto, o senhor vai perder a River Run. — Talvez... — Derrick pôs de lado a xícara e deu um passo na direção dela. —

Contudo, o que sua teimosia a impede de entender é que estou disposto a devolver-lhe a River Run, assim que encontre o testamento. Até lá, tenho uma proposta que lhe permitirá permanecer em sua casa.

— Ah, aposto que tem, mesmo — ironizou. — Coloque essas idéias inadequadas nos bolsos de sua calça, senhorita. Minhas

intenções são as melhores possíveis. E não estou lhe oferecendo caridade. Nelly sentiu uma pontada de remorso. Mas também, como poderia não desconfiar?

Conhecia muito bem a fama de Derrick Gentry. — Qual sua oferta, então? — Uma proposta de negócios. — De que tipo? — Não lhe dando tempo para responder, ela continuou. — Não, não

precisa responder. Sei o que o senhor quer. — Sabe? — Derrick arqueou uma sobrancelha. — Sim. O senhor quer Beldare, para vencer o derby. Desde que meu cavalo ganhou a

corrida em Fayette, todos sabem que é o único que pode vencer Buchanan. Buchanan era um puro-sangue de um haras de Louisville. O garanhão vencera todas

as competições de que participara. As poucas pessoas que já tinham visto os dois animais sabiam que, se eles competissem, Beldare cruzaria a linha de chegada em primeiro lugar.

— A senhorita é muito perspicaz. Vi Beldare correr no outono passado. Ofereci-me para comprá-lo, mas Frank não quis vendê-lo. Disse-me que a senhorita era louca pelo animal.

— Amo Beldare assim como amo a River Run. Não o trocarei por nada, nem mesmo por um teto sobre minha cabeça.

— Não terá de fazer isso. — Deu mais um passo na direção dela. Agora, Derrick estava perto o suficiente para que Nelly visse as fagulhas prateadas nos

olhos azuis. Tanta proximidade fez suas mãos suarem e o coração bater descompassado. — Chega de rodeios, Sr. Gentry, e diga-me o que tem a dizer. — Impaciente e mal-humorada... Teremos de fazer algo quanto a seus modos, Srta.

Pennington. Sócios precisam confiar um no outro. — Ainda estou esperando para saber que tipo de negócio tem a me oferecer. Derrick sentiu um impulso inexplicável de tomá-la nos braços e beijá-la, até que Nelly

recolhesse as garras e se aninhasse em seu peito como uma gatinha. Porém, disse a si mesmo que ainda não chegara a hora. Por enquanto, trataria apenas de negócios.

— Uma parte a senhorita já acertou. Sim, eu quero Beldare, mas sei que não o entregará por nada. O que proponho é uma troca. Fico com Beldare até o dia do derby, e

Page 10: Patricia waddell - só mais um beijo

a senhorita ganha os próximos dois meses e meio para procurar pelo testamento. Se o achar antes da corrida, venderá o garanhão para mim por um dólar, com minha promessa, por escrito, de revendê-lo à senhorita pelo mesmo preço, no dia seguinte ao derby.

Nelly pestanejou. Ele tinha de ser um louco ou um santo para fazer semelhante sugestão.

— E se eu não encontrar o testamento? — Se Beldare ganhar a corrida, e tenho certeza de que ganhará, cancelarei a hipoteca

e lhe entregarei a River Run, livre de todo e qualquer ônus. — E se ele perder? — Bem, se Beldare não vencer o derby, sem dúvida chegará em segundo lugar.

Metade do prêmio já será suficiente para saldar a hipoteca. Portanto, quer ele vença, quer não, a senhorita fica coma fazenda.

— Por que o senhor faria isso? Não tenho dinheiro para pagar a dívida. Tudo o que tem a fazer é tomar posse do que é seu, assim como os banqueiros fariam. Desse modo, Beldare será seu, e poderá fazê-lo correr onde e quando desejar.

— Não sou um banqueiro, senhorita. Sou um homem de negócios. E também um jogador, resultado de ter sido criado em um barco, como diz minha tia. Executar uma hipoteca demanda tempo, e não pretendo tirar ninguém de sua própria casa. Muito menos alguém tão charmosa quanto a senhorita. Só quero o garanhão. Prefiro gastar minhas energias treinando o animal a perder tempo com advogados e ordens de despejo.

Nelly ponderava, procurando uma lacuna, um laço em que pudesse ser apanhada. Era tudo bom demais para ser verdade. Ora, milagres geralmente eram...

— O senhor fica com Beldare até o derby, e eu, com a River Run. Ele vencendo ou não.

O último lugar de onde esperava que viesse um milagre veio do bolso de Derrick Gentry. Mas, de qualquer forma, não estava em condições de escolher. Embora ainda fosse dona de Beldare, não poderia inscrevê-lo no derby; As regras proibiam a participação de mulheres.

— Onde o senhor estará, enquanto procuro pelo testamento?Derrick tornou a sorrir. Nelly Pennington confiava nele tanto quanto uma galinha

confiava numa raposa. — Tenho outros assuntos a cuidar, mas não me afastarei da River Run. Beldare pode

ser rápido, mas ainda não foi treinado para a corrida. Dividirei meu tempo entre minha casa em Louisville e esta fazenda.

Nelly balançou a cabeça. — O reverendo Perkins levará um susto e tanto quando souber que estamos vivendo

sob o mesmo teto. Ele é um religioso radical. Derrick deu risada, e aquele som a surpreendeu. Era um riso profundo, quente e

musical. — Eu cuido do pastor. Tenho certeza de que ele não achará nada de errado ou de

imoral em minha tia. A Sra. Victoria Gentry é um exemplo de virtude. — Sua tia? — Sim, ela já está a caminho, e ficará morando aqui com a senhorita pelos próximos

meses. Se o pastor insistir em uma explicação, pode dizer-lhe que tomei posse da fazenda e a contratei como dama de companhia de minha tia.

— Sei. — Nelly se perguntava que outra carta Derrick ainda podia ter escondida na manga. — De todo modo, gostaria de pensar um pouco.

— Faça isso. Estou hospedado em Harrodsburg. Voltarei amanhã para saber de sua decisão.

— E se minha resposta for "não"? Ela seria uma tola se recusasse a oferta, e ambos sabiam disso.

Page 11: Patricia waddell - só mais um beijo

— Garanto que fará o que for melhor, senhorita. Tenha um bom dia. — Derrick pegou a mão de Nelly e a beijou, com suavidade.

O calor dos lábios dele em sua pele fez o coração dar um salto engraçado, dentro do peito.

Em seguida, Derrick se endireitou, tornou a sorrir, virou-se e saiu da sala, deixando-a um tanto desapontada por ele querer apenas o garanhão.

Capítulo II Derrick ostentava um sorriso triunfante quando deu ordens ao cocheiro para levá-lo de

volta à hospedaria. Nelly Pennington desafiara seu orgulho masculino, assim como sua sensualidade. Tendo alcançado seu objetivo, pôde enfim, relaxar.

Olhava pela janela a graciosa alameda de cascalho que levava da porta da casa principal da River Run até a estrada que ia para Harrodsburg. Quando o veículo virou para o sul, em direção à cidade, Derrick contemplou os pastos, cercados em toda a extensão da estrada. Gritou para que o cocheiro parasse, quando avistou o garanhão castanho. Os pêlos marrom-avermelhados de Beldare brilhavam ao sol do fim da manhã. Não havia nenhuma marca que prejudicasse sua perfeita formação. O puro-sangue era todo músculos e energia. Seu focinho farejava no ar, sentindo o cheiro da carruagem e de seus ocupantes. Balançando a cauda, o garanhão relinchou de indignação, por ter tido sua refeição interrompida pelo ruído das rodas e pela presença dos baios.

Quando o animal se moveu, o corpo se agitou com todo o poder e a força, que faziam lembrar a perfeição de Deus. forte e esguio, o puro-sangue era, sem dúvida, o animal mais magnífico que Derrick já vira.

Valia a pena desistir da River Run para ter aquele cavalo, mesmo que por pouco tempo. Na verdade, tudo que precisava era de um único dia. No primeiro sábado de maio, inscreveria Beldare no derby de Kentucky e colocaria Cliff Darlington em seu devido lugar, de uma vez por todas.

A rivalidade entre os dois começara nos primeiros anos da faculdade. Darlington fora estudar Direito em Harvard, para seguir a prestigiosa carreira de seu pai e de seu avô. Derrick fora para a mesma instituição de ensino, porque seu pai insistira que já era hora de os Gentry ocuparem um lugar na sociedade de Louisville que tão-só o dinheiro não era capaz de proporcionar.

Os dois jovens, tão diferentes na personalidade quanto na aparência, experimentaram uma antipatia recíproca, assim que se conheceram. Cliff Darlington era loiro e apreciador de eventos sociais. Derrick, por seu lado, se parecia mais com seus antepassados e tinha a pele morena. Nascera numa embarcação, filho de um homem ambicioso e de sua amante. Embora William Gentry tivesse se casado com a bela moça de cabelos negros que conhecera em Nova Orleans, surgiram rumores de que a cerimônia havia acontecido depois que William Gentry soube que seria pai. Só então desposou Audrey Fletcher, oferecendo uma vultosa doação ao pastor em troca de uma data aceitável na certidão de casamento.

O sangue azul e a soberba inata de Darlington, porém, não eram a causa da rusga entre ele e Derrick. Ia muito além da aceitação das duas famílias pela sociedade.

No entender de Derrick, Darlington era o pior tipo de cretino que poderia existir. O advogado de Louisville usava as pessoas e depois as descartava, como se fossem meias velhas. Uma dessas pessoas foi Jessica Monroe, uma bela jovem de coração generoso e de lindos olhos castanhos.

Derrick teria se casado com ela se tivesse descoberto a tempo que Darlington não pretendia assumir o filho que ela esperava. Soube que Jessica estava grávida apenas quando já era tarde demais. O pai dela, ao descobrir tudo, expulsou-a de casa. Quando voltou de Nova Orleans, Derrick soube que a jovem, incapaz de suportar a vergonha de ter sido rejeitada pela família e abandonada pelo homem que amava, sucumbiu.

Passaram-se dez anos desde o funeral da amiga. O ódio por Cliff Darlington se

Page 12: Patricia waddell - só mais um beijo

renovava a cada dia, desde então. Cada vez que o via, o que era freqüente, visto residirem na mesma parte de St. James, Derrick lembrava-se da mulher que Darlington matara, como se ele mesmo tivesse puxado o gatilho. O ódio que nutria pelo desafeto não era causado por ciúme ou por amor não correspondido. Derrick nunca amara Jessica. Apenas gostava dela e de seus modos gentis. Admirava sua capacidade de só ver o lado bom das pessoas. Talvez por isso a garota tivesse se enganado tanto com o advogado de Louisville. Derrick encarava sua campanha para desmoralizar Darlington a cada oportunidade como o pagamento de dívida para com sua velha amiga.

Cliff Darlington era o proprietário de Buchanan, o cavalo mais cotado para vencer o próximo derby, a não ser que Beldare competisse com ele. O advogado se orgulhava de ter o melhor haras da região. Andava se gabando de que Buchanan era o cavalo mais rápido de Kentucky. Por essa razão, Derrick estava disposto a ajudar Nelly a manter a fazenda. Desacreditar Darlington na frente da nata da sociedade de Louisville seria suficiente para satisfazer seu desejo de vingança. Assim que a corrida tivesse terminado e que Darlington estivesse lambendo seu ego ferido, poderia devolver Beldare à River Run e desejar a Nelly Pennington uma vida longa e próspera.

Nelly fingiu estar com apetite quando Gladys serviu o desjejum, no dia seguinte à visita de Derrick Gentry. Quase não tocou nas panquecas de amora, nem no presunto.

Lá fora, a chuva parará de cair. A luz do sol penetrava pelas janela altas da cozinha, aquecendo o ambiente e desenhando faixas amarelas no assoalho de madeira. Porém, Nelly estava preocupada demais com sua reação a Derrick Gentry para notar mais um lindo dia do mês de março.

Agitada, rolara na cama a noite toda, a mente tão sem repouso quanto o corpo. Toda vez que fechava os olhos, a imagem do belo rosto de Derrick se materializava, como um fantasma, assombrando seus pensamentos e seus sonhos. Antes do amanhecer, sentou-se no colchão, tentando entender o que havia naquele homem que a deixava tão pouco à vontade. Já conhecera homens ricos e bonitos antes, quando Frank insistira para que ela o acompanhasse a Louisville ou a Cincinnati. Mas Derrick Gentry era diferente. Algo nele a atraía, da mesma forma que flores atraíam abelhas.

— Pensando em cavar no jardim, hoje? — Gladys serviu mais café a Nelly. — No jardim? — E. Você já procurou em todos os lugares. Voltei a vasculhar o escritório de Frank,

como pediu, e nada. Não faz sentido. Ele era tão cuidadoso com tudo! Se tivesse deixado um testamento, deveria estar junto com os outros documentos, na escrivaninha.

— Será possível que o tenha deixado com outra pessoa? — Aquela era uma possibilidade que ainda não tinha ocorrido a Nelly.

—Com quem Frank o deixaria? Não está com o Sr. Thropp, que sempre foi o advogado dele.

— Não sei, Gladys. — E quanto aos banqueiros? A expressão de Nelly se iluminou. — Eles não virão! — Como não? — Gladys a encarou, surpresa. — O Sr. Gentry comprou a hipoteca de tio Frank. Por isso veio aqui ontem. Para dizer-

me que não preciso mais me preocupar, pois não seremos despejados. A governanta colocou as mãos nos quadris. Aquilo significava que não arredaria pé

dali antes de saber de cada detalhe da conversa. Nelly apanhou sua xícara e revelou a conversa que ela e Derrick tiveram, na véspera. — Então é por isso que está assim toda arrumada... Espera por ele, não é? Às vezes, Nelly desejava que Gladys fosse apenas uma empregada, e não uma leoa

cuidando de sua cria. A boa senhora era bem capaz de receber Derrick a vassouradas e com alguns palavrões se soubesse que ele tinha em mente algo além de correr com

Page 13: Patricia waddell - só mais um beijo

Beldare no derby. — Não estou toda arrumada, Gladys, e o Sr. Gentry não vai nos despejar. Isso quer

dizer que não terei de colocar minha calça para cavoucar o jardim. — Sei... Antes que Nelly pudesse justificar a saia azul-escura e a blusa cor-de-rosa que usava,

Milhe entrou na cozinha. A garota ruiva, cheia de sardas, era filha de um dos empregados da fazenda. Costumava ajudar Gladys na limpeza, duas vezes por semana. Ela sorriu para Nelly.

— Há alguém na sala esperando para vê-la. Gladys encarou Nelly, muito séria. — Diga ao Sr. Gentry que Nelly estará lá dentro de alguns minutos. Ah! Espere. — E

pegou o serviço de prata. — Leve um pouco de café para ele. O apetite de Nelly desapareceu por completo. Derrick não perdera tempo para vir saber

sua resposta. Ela passara quase a noite toda tentando achar um motivo para ele ser tão generoso. A

maioria das pessoas — não importava quão caridosas fossem — não daria a mínima importância ao fato de ela não ter para onde ir. Não fazia nenhum sentido Derrick comprar a hipoteca e devolver a propriedade em troca da possibilidade de Beldare vencer o derby. Todavia, por mais que tentasse, não conseguia entender as razões dele.

Gladys se virou para Nelly, assim que Millie se foi. — Você me disse tudo? Se aquele homem estiver mal-intencionado, eu descobrirei,

mais cedo ou mais tarde. — Claro que lhe falei tudo, não seja tão desconfiada. O Sr. Gentry não tem interesse

algum por mim. Tudo o que quer é Beldare. — Minha querida, não existe homem que prefira um cavalo a uma mulher. Além do

mais, se o que me contou for verdade, o Sr. Gentry não precisa estar interessado em Beldare. Ele é o dono, até que você ache o testamento e prove o contrário.

— Pois é o que pretendo fazer. — Nelly empurrou a cadeira para se levantar. — Agora, pare de se preocupar e se concentre na torta de maçã que me prometeu para sobremesa. Deixe que eu cuide do Sr. Gentry.

Antes que Gladys pudesse responder, Nelly saiu em direção ao salão. Parou bem à soleira, dando graças a Deus por Millie ter fechado a porta. Precisava de um instante para preparar-se, antes de encontrar Derrick pela segunda vez.

Ajeitando as pregas da saia, sentiu o coração bater como o martelo de um carpinteiro, na urgência de consertar um telhado, com a tempestade caindo. Respirou fundo várias vezes e girou a maçaneta.

Derrick estava de pé, perto da janela, olhando na direção dos estábulos. Virou-se quando Nelly entrou, e seu rosto se iluminou num grande sorriso ao vê-la tão feminina.

— Bom dia, Srta. Pennington. — Bom dia. — Sei que é muito cedo. — Derrick serviu café para ambos. — No entanto, queria que

estivesse comigo para receber minha tia quando ela chegar. Nelly suspirou. Derrick nem sequer considerava a hipótese de que ela pudesse não

aceitar sua proposta. — O senhor está sendo muito presunçoso. O sorriso dele se alargou, o que a irritou ainda mais. — Minha oferta é generosa, e a senhorita é uma mulher sensível. — Saboreou um

gole. — Minha tia deve estar chegando. Podemos ir até o ancoradouro em minha carruagem.

Nem foi preciso perguntar qual ancoradouro. Os shakers tinham construído um deque em Rocky Bluff. As embarcações transportavam a colheita e o artesanato deles até o mer-cado. A comunidade religiosa era conhecida por suas ervas medicinais e por suas vassouras eficientes. Como o barco do correio atracaria naquele dia, Nelly presumiu que

Page 14: Patricia waddell - só mais um beijo

a tia de Derrick deveria estar vindo nele. Não gostou muito da idéia de que Victoria Gentry tivesse sido convidada para se hospedar na River Run antes que Derrick tivesse ao menos perguntado a ela se iria emprestar Beldare para o derby.

— Posso notar em seus olhos que a senhorita ficou brava comigo, mas asseguro-lhe de que não se trata de presunção de minha parte.

— Não estou brava com o senhor, mas gostaria de esclarecer alguns pontos. — Quais? — Se eu aceitar seu oferecimento, quero sua palavra de que nenhum empregado

desta fazenda será despedido sem meu consentimento. — Colocarei isso por escrito, junto com minha promessa de devolver Beldare no dia

seguinte ao derby. Se preferir, farei com que meus advogados preparem um contrato, descrevendo tudo o que combinamos ontem. Não faço promessas que não tenha a intenção de cumprir.

— E se acontecer algo e Beldare não puder correr? Se distender um músculo, ou se uma de suas patas inchar? Não quero que ele seja forçado a competir se não estiver em perfeitas condições.

Derrick pensou um pouco antes de responder: — A River Run sempre foi uma fazenda lucrativa. Se Beldare não puder correr, estou

certo de que chegaremos a um acordo razoável para o pagamento da hipoteca. Garanto que não perderá sua casa, Srta. Pennington.

Nelly queria sorrir, mas continuou séria. — Então somos sócios, Sr. Gentry. Até que Beldare vença o derby — emendou logo. — Sua confiança na habilidade do garanhão para vencer N corrida parece ter

aumentado de ontem para hoje. — Beldare nasceu para correr — afirmou, orgulhosa. — Ele ganhará o derby. Derrick ergueu sua xícara, num brinde. — A Beldare e ao futuro, Srta. Pennington. Nelly provou a bebida fumegante. O futuro que tinha em mente não era o mesmo que

fazia Derrick sorrir. Tinha de ter cuidado com aquele homem ou logo, logo seu coração estaria nas mãos dele.

— Por falar em Beldare, acho que já é hora de sermos apresentados. — Vou apanhar um casaco. — Nelly pôs a xícara no pires e os deixou sobre a mesa. Não havia por que adiar o inevitável. Se Derrick planejava correr com Beldare, era

melhor que se acostumasse com a idéia de ver outra pessoa cavalgando-o. — O senhor já escolheu o jóquei? — Sean Flannigan. — Derrick a seguia.—Ele está comigo há anos. Eu o recrutei em

Nova Orleans, assim que desceu de um navio, vindo da Irlanda. — O Sr. Flannigan é gentil com animais? Não admitirei que ninguém o maltrate, nem

use o chicote. — Sean tem muito jeito com cavalos. Fique tranqüila. — Ele a ajudou a vestir o casaco. Ao caminharem em direção aos estábulos, Derrick pensava que havia muitas coisas

que admirava em Nelly Pennington, além da cor dos olhos, que mudava conforme seu humor, e os cabelos, que brilhavam à luz do sol. As indagações discretas que fizera sobre ela em Harrodsburg revelaram muito pouco. Nelly era conhecida por ser honesta e generosa com os empregados e totalmente devotada ao tutor, que morrera deixando-lhe um haras e nenhuma maneira de provar sua propriedade. Mas não fora apenas a situação desesperadora de Nelly que atraíra sua atenção. Via nela uma certa vulnerabilidade que o tocara fundo. Procurava manter distância de jovens inocentes, mas, por incrível que parecesse, gostaria muito de estar perto de Nelly. Muito perto.

Estavam chegando aos estábulos, quando Beldare veio galopando até a cerca, balançando a cauda lustrosa. O puro-sangue parecia dar as boas-vindas a Nelly.

— Não trouxe maçãs, hoje. — Ela deu risada quando o magnífico animal veio cheirar-

Page 15: Patricia waddell - só mais um beijo

lhe a mão. — Gladys pediu para eu parar de mimar você. Um relincho mostrou que ele não estava nada satisfeito com as ordens da governanta. — Ele é esplêndido! — Derrick olhava para a mãozinha de Nelly, que esfregava o

focinho do cavalo. Beldare ficou imóvel, feliz com o carinho, e Derrick quase sentiu inveja dele. — Quem o montou, na feira? — ele quis saber. — Eu mesma. — Nelly o fitou, querendo ver a reação de Derrick. Conforme previra, os olhos azuis se arregalaram, antes de dar-lhe uma sonora

reprimenda: — Corridas de cavalos são perigosas! A senhorita poderia ter se machucado! Nelly deu de ombros. — Beldare sabe muito bem quem o está montando. O jóquei que tio Frank havia

contratado não conseguiu sequer chegar até a cerca antes que Beldare o atirasse longe. A taxa de inscrição já havia sido paga. Portanto, só restavam tio Frank e eu.

— Quer dizer que a senhorita vestiu uma calça e fingiu ser um rapaz. — Derrick tentava se lembrar do jóquei que vira cruzar a linha de chegada montando Beldare. — Se os juízes suspeitassem...

— Todos estavam ocupados demais admirando Beldare para me notarem. — Mas dessa vez não o montará — disse ele, com firmeza. — Depois que Flannigan

chegar, só ele irá montar o garanhão. O animal tem de aprender a aceitá-lo. A ordem fez Nelly pestanejar. Quem aquele homem pensava que era? — Cresci e vivi no meio de cavalos minha vida toda, Sr. Gentry. Não preciso de um

sermão. — Não se trata disso, eu só estava... — ...dando-me ordens. Isso eu não aceito.— Mas vai aprender. — Aprender o quê? A agir como se não tivesse juízo suficiente para saber que a água

é molhada? O fato de ser uma mulher não faz de mim uma tola desamparada ou... —Faz da senhorita uma concorrente ilegal da competição. — E assim, Derrick encerrou

a discussão. — Após Beldare vencer o derby, a senhorita poderá montá-lo de manhã até à noite. Mas até lá, por favor, mantenha-se longe dele.

Estava na ponta da língua de Nelly responder que iria montar Beldare quando bem entendesse, mas não pôde. Na véspera, procurava desesperadamente pelo testamento de Frank e por uma maneira de manter os banqueiros a distância. Nesse dia, tinha um futuro, que incluía seu adorado garanhão e a River Run. Não poderia deixar seu tempera-mento obstinado estragar tudo.

— O senhor deseja ver o restante dos estábulos? — Ela ; fez um último carinho em Beldare, antes de dar as costas ao cavalo e ao arrogante cavalheiro, que seria obrigada a tolerar pelo tempo que fosse necessário.

— Quantos cavalos são? — Vinte e dois, no total. Doze éguas. Seis delas vão dar cria no fim do verão. — Já está usando Beldare para cobertura? Tendo sido criada numa fazenda

especializada na criação de cavalos, Nelly não iria corar à simples menção do cruzamento de um garanhão com uma égua.

— Ainda não, mas temos uma égua chamada Lady Jay, que é graciosa como uma bailarina, embora seja um tanto mal-educada.

Parece que não é a única por aqui..., Derrick concluiu. Alcançaram a primeira baia. Ao todo, eram cinco. Quatro abrigavam os puros-sangues,

e o quinto era usado como maternidade. Um senhor de idade, usando chapéu de palha e um pesado sobretudo, se aproximou,

conduzindo uma linda égua. O brilhante pêlo marrom e a pisada firme do animal evidenciavam sua excelente saúde. Do mesmo modo que Beldare, ela não apresentava

Page 16: Patricia waddell - só mais um beijo

nenhuma mancha para macular a perfeição da pelagem castanha, ou a rica textura negra da cauda e da crina.

— Esta é Lady Jay — Nelly informou, orgulhosa. — É a rainha da River Run. Derrick não precisou perguntar de onde Nelly tirara a idéia de que aquela seria a égua

perfeita para Beldare. A força do garanhão ficava evidente nos músculos poderosos que se movimentavam sob os pêlos brilhantes. A de Lady Jay podia ser vista nas linhas esguias e nos movimentos elegantes do corpo menor. Energia, saúde e beleza combina-dos. O filhote deles seria algo digno de se admirar.

Quando Derrick chegou perto da égua, Lady Jay se virou, rápida, para o lado, observando-o com seus olhos escuros.

— Tenha cuidado, ela é brava — avisou Nelly. — Ficará mais calma quando tiver um bebê para cuidar. Eu sou Roy Shuler, senhor.

Cuido dos estábulos. Derrick sorriu para ele. — Derrick Gentry. — Soube que pretende correr com Beldare—disse Shuler, sem preâmbulos. Nelly não contara a ninguém sobre seu acordo com Derrick, a não ser a Gladys; o que

a fez suspeitar de que a governanta falara demais. Derrick notou certa desconfiança nos olhos de Roy. Nelly poderia estar se sentindo

triste desde a morte de seu protetor, mas não faltavam pessoas preocupadas com seu bem-estar.

— É verdade. — Ele será o orgulho da River Run. Beldare é mais rápido que qualquer outro, na

atualidade. — Eu o vi correr em Fayette, no outono passado. — Derrick olhou o pasto, logo ao

lado, onde se encontrava Beldare. —Acha que ele terá algum problema para vencer Buchanan?

Roy cuspiu um pouco de tabaco no chão.— Não vejo nada nos estábulos de Darlington capaz de me tirar o sono. Derrick gargalhou. Até que enfim encontrara um aliado. — Creio que vamos nos dar muito bem, Sr. Shuler. — Fique perto de Beldare e longe da Srta. Nelly e não teremos problemas. — Roy! — Nelly arregalou os olhos, aturdida. — O Sr. Gentry... — Não estou ofendido — Derrick a interrompeu. — Prometo que me concentrarei no

derby e que serei educado com a senhorita. Em troca, espero sua total colaboração, quando meu jóquei chegar.

Roy assentiu com um gesto de cabeça e se foi, levando Lady Jay. Nelly gostaria de encontrar um buraco no chão onde pudesse se esconder até que a

vermelhidão em seu rosto desaparecesse. — Peço desculpas, Sr. Gentry. Desde que tio Frank morreu, Roy acha que é obrigação

dele cuidar de mim. Derrick a brindou com um olhar caloroso. — Não precisa se desculpar, senhorita. Roy não é cego. Ao olhá-la ele vê o mesmo

que eu vejo. Uma nova emoção se juntou às demais que passaram a invadi-la desde o dia em que

conheceu Derrick Gentry. — E o que é? — Uma linda e jovem mulher. Muito linda e muito jovem. Novinha demais para eu me

dar ao luxo de perder a cabeça e fazer o que tive vontade desde o primeiro momento em que a vi.

Nelly ficou hirta. Entendia o que ele queria dizer. Era como se tivesse acabado de entrar em um sonho e Derrick a estivesse beijando, naquele momento. Não conseguia

Page 17: Patricia waddell - só mais um beijo

desviar o olhar. Enfim, piscou, pondo fim àquela doce e estranha fantasia. — Não gostaria que lhe mostrasse o restante da propriedade? — Pedirei a Roy que o faça, mais tarde. — Derrick tirou um relógio de ouro do bolso do

colete. — O River Queen deve estar chegando. Minha tia não é uma pessoa paciente. Não vai gostar se eu a fizer esperar no píer.

Os dois saíram do estábulo. — Acho que tia Vicky gostará da senhorita. Ela também sempre foi assim, um tanto

rebelde e indelicada. — Não sou nada disso! — É, sim! — Derrick fitou-a com ternura. — E está perfeitamente segura comigo, Srta.

Pennington. Meu interesse na River Run é apenas temporário. Lembre-se disso, e eu tentarei me lembrar de que beijá-la seria maravilhoso, mas não faria muito bem a minha saúde. Tenho certeza de que o Sr. Shuler não hesitaria em descarregar em mim sua es-pingarda, se eu sequer pensasse em me inclinar sobre essa sua linda boca.

Nelly enrubesceu de novo. Para disfarçar, enfiou as mãos nos bolsos do casaco, dizendo a si mesma que seria uma tola se ao menos cogitasse confiar num homem como aquele.

Capítulo III A estrada até o ancoradouro era estreita e cheia de curvas. Nelly segurava-se com

força, enquanto o cocheiro encorajava os baios ladeira abaixo em direção ao deque de, madeira, onde o barco do correio era amarrado uma vez por semana.

O ar estava limpo e fresco, e Nelly cerrou as pálpebras para sentir o aroma da primavera, que se aproximava. A vegetação espessa, que ainda guardava a última camada de neve, transformava a colina numa combinação de branco, marrom e um pouco de verde brilhante, nos lugares onde a grama já lutava para abrir seu caminho, através do rico solo de Kentucky.

Derrick, porém, ignorava a paisagem, preferindo concentrar a atenção na jovem sentada a sua frente. Passara dos limites ao dizer-lhe que tinha vontade de beijá-la e, decerto, cometera um erro ao deixá-la saber que estava atraído por outra coisa, além da velocidade de Beldare. Ao ver a luz do sol brincando nos cabelos e na pele cor de marfim de Nelly, entendeu que teria problemas para se controlar. Jovens como aquela eram para casar, e ele não era do tipo que pensava em casamento.

Gostava de sua vida e da liberdade para explorar o que atraísse sua atenção. Nelly fizera muito mais que isso, mas não poderia permitir-se ensinar tudo sobre os homens e a paixão a uma inocente garota do interior. Não tinha a menor inclinação para o casamento. O desejo de ter um herdeiro para suas propriedades não era forte o suficiente para com-pensar as desvantagens de ser forçado a partilhar a vida com outro ser humano. Derrick era uma pessoa reservada, e casar-se significava abrir portas que preferia manter fechadas.

O veículo fez uma curva mais acentuada na estrada, e o cocheiro puxou as rédeas de repente, para evitar bater em outro coche que subia a colina. Nelly foi atirada de seu as-sento para cima de Derrick. Ele a amparou com as mãos firmes, que apertaram-se em torno de sua cintura estreita.

— A senhorita está bem? — perguntou, mantendo-a suspensa, enquanto os pés dela tentavam encontrar o chão.

— Sim... Nelly pôde sentir o perfume do sabão que Derrick usara naquela manhã e um traço

cítrico, do que ela acreditava ser uma colônia. Jamais estivera daquele modo, tão perto de

Page 18: Patricia waddell - só mais um beijo

um homem a ponto de sentir seu perfume. Era perturbador. Em vez de colocá-la de volta onde estava, Derrick a puxou para seu lado, no assento

de couro. — Não quero perdê-la. Nelly engoliu em seco, tentando não demonstrar o quanto aqueles olhos cor de cobalto

a desequilibravam. A carruagem parou, para deixar a outra passar. — Já estamos chegando — disse ela, umedecendo os lábios. Sentar-se junto dele

deixava-lhe a garganta seca e os nervos balançando, como galhos numa tempestade. Derrick se mantinha calado, só a olhá-la, como se quisesse ler seus pensamentos. — Fale-me de sua tia — Nelly pediu, tentando ocupar a mente com outras coisas além

do calor que irradiava do corpo dele. — Minha tia ficou viúva no último ano da guerra. Ela v. meu tio não tiveram filhos. Após

o falecimento de minha mãe, ela veio morar conosco. Ela e papai se davam mais ou menos bem, pois tia Victoria já tinha aprendido a viver com o irmão dele. Os Gentry não são conhecidos por sua cordialidade.

— É mesmo?! — Nelly disse, fingindo espanto. Derrick a encarou, divertido. — Indelicada e dissimulada... Estou começando a pensar se não cometi um erro ao

convidar minha tia para vir à River Run. As duas juntas vão me dar muito trabalho. Antes que Nelly pudesse responder, a carruagem parou no deque. Como a maioria das

docas ao longo do rio, aquela também fervilhava, em plena atividade. Havia vários vagões dos shakers, carregados com vassouras e cestos de ervas para as boticas de Louisville e demais cidades.

Entre os fazendeiros que tinham vindo buscar a correspondência, Nelly reconheceu Boyd Cartwright. Filho único de um fazendeiro vizinho, que preferia plantar a criar cavalos, Boyd era das poucas pessoas que ela considerava um amigo. Com brilhantes olhos cor de mel e cabelos claros, Boyd tinha sempre um sorriso largo no rosto simpático. Que desapareceu de imediato ao ver Nelly dentro do coche, na companhia de um estranho.

Nelly não foi a única a perceber a expressão desaprovadora do rapaz. — Olá, Nelly. — Ao chegar perto, Boyd tornou a sorrir. — Pretendia passar na fazenda

mais tarde, para deixar suas cartas. Não esperava vê-la aqui. — Boyd, quero lhe apresentar o Sr. Derrick Gentry. Sr. Gentry, este é Boyd Cartwright.

A família dele é dona da fazenda a oeste da River Run. A tia do Sr. Gentry está chegando no River Queen, Boyd.

— Gentry... — Ao repetir o sobrenome, Boyd acusou a presença de Derrick, mas nada além disso. Seus olhos cor de mel se voltaram para Nelly. — Como está você?

Ela se surpreendeu com a frieza do rapaz em relação a Derrick. Boyd costumava ser gentil com todos.

— Bem. O Sr. Derrick está com a hipoteca de tio Frank. Ele me assegurou que não perderei a River Run.

Derrick observou o rapaz enquanto ele considerava a informação que acabara de receber. Pôde perceber que a novidade lhe causara múltiplas emoções. Teve a desagradável sensação de que Boyd Cartwright pensara em aliviar o sofrimento de Nelly propondo-lhe casamento, algo que não deveria abalá-lo; mas abalou. Nelly Pennington pertencia à River Run, e naquele momento a River Run pertencia a ele.

Sem se preocupar em analisar suas próprias reações, Derrick desceu e enlaçou Nelly pela cintura, tirando-a do veículo como se tivesse todo o direito de tocá-la.

Nelly prendeu a respiração, pois Derrick a segurou um pouco mais do que seria necessário, antes de colocá-la no chão úmido. Ela deu um passo para trás, agradecendo a ajuda.

—Venha até a fazenda amanhã cedo, Boyd, para que possamos cavalgar. A pata de Cracker Jack já está curada, e ele precisa de um pouco de exercício.

Um apito estridente anunciou a chegada do River Queen. Boyd tocou a ponta do

Page 19: Patricia waddell - só mais um beijo

chapéu e garantiu a Nelly que estaria lá, no dia seguinte, para a cavalgada. Derrick acompanhou Nelly até o ancoradouro. Havia gente por todo lado, empilhando

mercadorias para serem transportadas ou preparando as carruagens para apanhar os produtos trazidos pelo barco.

Quando o River Queen se aproximou, Derrick acenou para o capitão. — Olá, Sr. Gentry. Não lhe disse que chegaríamos no horário? — Jamais duvidei disso. — Ele sorria. — Minha tia está a bordo? — Mandei Marshall subir para apanhar a bagagem dela. Nelly esquadrinhava o deque

superior à procura de uma senhora de idade entre os passageiros espremidos na escada que ligava os dois andares do navio. Quando uma mulher alta, de cabelos castanhos, elegantemente trajada com um vestido verde-escuro brilhante acenou para Derrick, Nelly ficou surpresa. A tia dele era muito mais jovem do que esperava. E muito mais bonita também. Tão bela que muitos passageiros se ofereciam para ajudá-la a descer do barco pela escada estreita.

— Aquela é sua tia?! Derrick achou graça. — Ela era muito nova quando meu tio a roubou da casa paterna e de três irmãos mais

velhos para desposá-la. Victoria é só dez anos mais velha que eu, mas nunca me esqueço de que é minha tia. Trata-me como se eu ainda usasse calça curta.

Nelly sorriu. —Bem, é melhor o senhor ajudá-la. Sua tia parece ansiosa para colocar os pés em

terra firme. Relutante, Derrick desviou a atenção de Nelly e se voltou para o barco. Bastou um

olhar para que entendesse que Q único motivo pelo qual Victoria Gentry se mostrava tão aflita para desembarcar era conhecer a adorável jovem ao lado dele.

Derrick se adiantou, oferecendo-lhe a mão. — Como foi a viagem? — Perfeita, como sempre — respondeu com seu sotaque da Virgínia. — O capitão me

tratou como uma rainha. — Sendo eu o dono do barco, ele não poderia fazer diferente. Venha, deixe-me

apresentar-lhe a Srta. Nelly Pennington. — Ela é muito jovem. — Victoria apanhou a ponta do vestido para pisar no deque de

madeira. — Não tanto quanto a senhora quando meu tio a arrastou até a igreja. — Isso significa que está pensando em se casar com ela? Derrick parou de andar. — Significa que a Srta. Pennington.é nova. Só isso. A gargalhada de Victoria atraiu a

atenção de todos no píer. — Acho que vou adorar conhecê-la. Qualquer garota que consiga fazê-lo tomar juízo

terá minha total aprovação. — Não está aqui para aprovar ou desaprovar coisa alguma, tia. — Derrick queria tanto

que aquele sorriso malicioso desaparecesse do rosto dela... — Então, por que estou aqui, afinal? Se você comprou a hipoteca e a moça não pode

pagar, por que não despejá-la e tomar posse de tudo? — Pare de ser inconveniente. Prometi à Srta. Pennington que ela iria gostar da

senhora. — E gostará. Eu garanto. Assim que Victoria se aproximou, Nelly constatou que ela era mais bonita ainda. — Muito prazer em conhecê-la, Sra. Gentry. — Pode me chamar de Vicky. Como devo chamá-la? — Nelly. — Muito bem, creio que seremos ótimas amigas, Nelly. — Podemos ir? — Derrick tocou o cotovelo da tia, para levá-la à carruagem. — Prefiro

Page 20: Patricia waddell - só mais um beijo

pegar a estrada na frente de todos esses coches. Se ficarmos para trás, nos atrasaremos para o almoço.

Nelly se sentou ao lado da tia de Derrick. A viagem de volta foi tomada pela conversa alegre de Victoria, que contava ao sobrinho as últimas novidades de Louisville.

— Fiquei sabendo que a esposa de Darlington vai ter outro bebê. — Não me diga — disse Derrick, seco, e tratou de mudar logo de assunto. Assim, falaram de amenidades, até que chegaram. Vicky ficou impressionada quando avistou a casa. Erguida no meio das pastagens

verdejantes, parecia uma rainha de tijolos sentada em seu trono. — Não posso culpá-la por não querer perder essa propriedade, Nelly. É maravilhosa! — Obrigada. — Nelly estava ansiosa para sair do veículo e afastar de Derrick por

alguns minutos. Precisava de algum tempo a sós para aliviar a tensão causada pela simples proximidade daquele homem.

Levou algum tempo para Gladys aceitar que teriam hóspedes pelos próximos meses.— Pelo menos ele não ficará aqui para sempre — consolou-se. — Não gosto do olhar

daquele homem. — Não seja ridícula — Nelly a repreendeu. —Ele tem olhos famintos. Já vi homens

assim antes. Com tia ou sem tia, o Sr. Gentry não é confiável. Nelly adorava Gladys, mas não podia se arriscar a pôr tudo a perder. — Espero que todos aqui tratem o Sr. Gentry e a tia dele com respeito e cortesia. Fui

clara? — Sem dúvida — resmungou Gladys, num tom que significava que ela iria preparar as

refeições, mas que não iria servi-las com um sorriso. — No entanto, escreva o que lhe digo, Nelly Pennington. E melhor você achar aquele testamento, e rápido. Quanto mais tempo o Sr. Gentry permanecer aqui, mais difícil será se livrar dele quando chegar a hora.

Exausta com a tensão dos últimos dias, Nelly subiu para seu quarto. Tirou a blusa e a saia e deitou-se na cama, só com a roupa de baixo.

Milhe acendera a lareira, por isso a temperatura ambiente estava agradável. Sabia que se escorregasse para debaixo das cobertas adormeceria no mesmo instante. Entretanto, seria indelicado deixar Victoria fazer sozinha sua primeira refeição na River Run.

Um leve ruído na porta a fez erguer a cabeça do travesseiro. — Quem está aí? — Sou eu: Vicky. Posso lhe falar um minuto? Nelly se levantou da cama, apanhou um robe de flanela e foi atendê-la. A tia de

Derrick, agora usando um vestido dourado-escuro, entrou, agitada. — Quero que saiba que Derrick não vai tirá-la desta casa. Ele me contou sobre o

acordo. Não tenho certeza se aprovo seus métodos, mas tenho certeza de que pode confiar em meu sobrinho.

— Espero que sim. Não posso perder minha fazenda. — E não vai, querida. Pare de se preocupar e vista algo capaz de chamar a atenção

dele. Nelly arregalou os olhos. Victoria deu risada. — Gosta de Derrick, não? — Nem sequer o conheço. — As coisas importantes que se deve saber sobre um homem são aprendidas bem

depressa. A primeira vez em que vi o tio de Derrick, meu coração pulou dentro do peito, e eu soube que o amaria até o fim de minha vida.

Nelly levou um susto. Victoria descreveu em poucas palavras os sintomas que a vinham afligindo nas últimas vinte e quatro horas. Ela não podia estar apaixonada por Derrick. Nem sabia se gostava dele!

— Foi por isso que nunca mais se casou? —Sim. Gerald era bom demais para ser substituído. Derrick me faz lembrar de meu

Page 21: Patricia waddell - só mais um beijo

marido. Suponho que é por isso que estou determinada a ver meu sobrinho feliz, apesar de ele ser tão teimoso.

Nelly amarrou o laço do robe azul e se sentou no banquinho da penteadeira. — O Sr. Gentry não me parece infeliz, Vicky. Tem dinheiro e um ótimo negócio com os

barcos. — Ser rico não é garantia de felicidade. Eu nasci rica. Gerald me deixou mais dinheiro,

e o pai de Derrick deu-me o dobro disso, quando faleceu. Nenhum centavo me devolveu a alegria que sentia quando estava nos braços de meu Gerald.

A intimidade da conversa deixou Nelly pouco à vontade. Para disfarçar o constrangimento, apanhou a escova e começou a desfazer a grossa trança, presa no alto da cabeça.

— Não estou procurando marido. E, se estivesse, Derrick seria o último da lista. Ele é muito, muito...

— ...autoritário, arrogante, exigente e teimoso. Sem falar que é rico, bonito e se sente atraído por você.

Nelly riu, incrédula.— Sim, ele está, minha querida. Claro que não admite, no entanto. Os homens são

muito lentos quando se trata de assumir seus sentimentos. Eles têm a estranha crença de que isso os torna menos másculos.

Derrick era mais másculo do que qualquer outro que Nelly já conhecera, e não parecia ter medo de nada.

— Diga-me, querida, se não pensa em se casar, o que espera da vida? Nelly ponderou por um momento. Seu porvir sempre incluíra a River Run, mas os

outros detalhes eram bem vagos. — Quero criar cavalos. — E tem o lugar perfeito para isso. — Vicky se sentou na beirada do colchão. — Mas e

você? Não sonha em encontrar alguém para amar e ter filhos? Eu daria tudo para ter podido envelhecer ao lado de Gerald, mas não foi possível. Você deve sonhar em decorar uma árvore de Natal numa sala e ver seus netos gritando feito loucos ao abrir os presentes.

Ouvir Vicky descrever seus mais íntimos desejos fez Nelly imaginar que ela era dona de poderes mágicos. Nunca revelara a ninguém o quanto desejava uma família de verdade. Claro que Frank a amara, mas não era a mesma coisa que ter um pai, uma mãe e irmãos. O único motivo pelo qual não excluíra o matrimônio de seus planos era porque queria ter filhos. Muitos. Se tivesse tido um irmão ou uma irmã, não teria crescido tão só.

O silêncio de Nelly fez Vicky mudar de estratégia: — Derrick acha você bonita. — Tudo o que ele quer é ganhar o derby. O cavalo que poderá ser o campeão me

pertence, e ele tem a posse da River Run. —Uma combinação perfeita.—Vicky ficou de pé. Quando chegou à porta, virou-se. —

Sinto que há algo entre você e meu sobrinho. — O que seria? — Nelly se arrependeu da pergunta assim que a pronunciou. Não

queria causar uma impressão errada à tia de Derrick. — Algo maravilhoso. — E ela saiu cantarolando pelo corredor. Derrick, no vestíbulo, conversava com o homem que contratara para trazer a bagagem

de Vicky. Ao ouvir que alguém descia as escadas, virou o rosto de deparou com Nelly. E quase perdeu o fôlego ao vê-la num vestido verde-esmeralda que fazia seus olhos brilharem como diamantes. Os cabelos estavam puxados para trás e mantidos no lugar por uma fita preta, que combinava com o laço acima do decote.

O carregador pigarreou, lembrando a Derrick que ainda não havia sido pago. Voltando à realidade, ele tirou do bolso algumas notas e colocou-as nas mãos do trabalhador.

— Muito obrigado — o carregador agradeceu, guardando o pagamento antes que o

Page 22: Patricia waddell - só mais um beijo

cavalheiro percebesse que lhe dera o suficiente para pagar três viagens. — Estará tudo aqui antes do anoitecer.

— Eu agradeço. — Derrick fechou a porta assim que ele se foi e se aproximou de Nelly, oferecendo-lhe o braço.

Ela hesitou por um segundo. Toda vez que Derrick a tocava, mesmo que casualmente, seu corpo reagia de maneira estranha.

Derrick a acompanhou até a sala de jantar reservada para as refeições em família. Havia outra mais formal, em outra parte da residência, usada para festas e ocasiões especiais. A presença dos Gentry não se incluía na categoria desses eventos; pelo menos na opinião de Gladys.

A mesa, muito elegante, estava posta com porcelana decorada com motivos primaveris. Uma grande tigela com guisado se achava em um lugar estratégico para ficar ao alcance de todos, junto com uma cesta de pães frescos e uma travessa com tortinhas de maçã.

— Se precisarem de mais alguma coisa, é só chamar. — Gladys serviu suco para Nelly e para Vicky. Quando chegou perto de Derrick, deixou a jarra ao alcance dele e saiu.

— Sinto muito — desculpou-se Nelly. — Gladys tem bom coração, mas de uns tempos para cá seus modos vêm deixando muito a desejar.

— Não se preocupe. Pretendo julgar a Sra. Shuler pela comida que prepara. — Derrick provou o guisado e sorriu. — Ela pode esbravejar o quanto quiser. Isto está divino!

— Espere até provar as panquecas de amora! — Nelly agradeceu aos céus por ele não ter se ofendido com a indelicadeza da governanta. — São esplêndidas.

— Então as senhoras irão almoçar comigo? Nelly quase parou de respirar ao sentir o olhar intenso de Derrick percorrer-lhe o rosto,

descer até seu decote e ficar lá muito mais do que deveria. A sensação não era desagra-dável, nem a insultava. Porém, era estranha.

— Soube que os shakers têm uma vila não muito longe daqui — disse Vicky, quebrando a tensão. — Disseram-me que eles desencorajam o casamento. Muito estranho...

—Desencorajam, não: proíbem.—Nelly meneou a cabeça. — Pelo menos entre os membros da comunidade. Homens e mulheres shakers vivem como irmãos. Pregam que homens e mulheres são iguais, por isso dividem igualmente o trabalho e os lucros entre seus membros. Parecem satisfeitos com seu jeito de viver.

— Estou pasmo por essa comunidade durar tanto tempo. 1 Se não há casamento, não há crianças. — Derrick espalhava manteiga no pão.

— Eles convertem as pessoas — explicou Nelly — e acolhem viúvas e órfãos. — Essa gente merece aplauso. — Vicky tomou um gole de seu suco. — É muito difícil

para as mulheres recomeçar a vida sozinhas, sobretudo se tiverem filhos. — A senhora não estaria só se aceitasse a proposta de Justin, titia. Ele a espera há

anos. Por que não acaba com aquele sofrimento e aceita o pedido? — Justin Baker é um bom homem, mas não o amo. Já falamos sobre isso, Derrick. — E eu também já lhe disse que o amor não é motivo para se deixar de fazer o que

quer que seja. Justin é um excelente empresário, com uma reputação honesta e uma linda casa que ele pretende lhe dar como presente de casamento.

— Quer se livrar de mim, Derrick! — brincou Vicky. — Porém, não vai conseguir até que tenha alguém para cuidar de você. — Olhou para Nelly, do outro lado da mesa. — Meu sobrinho fica tão perdido no meio de seus papéis e investimentos que até se esquece de se alimentar. Às vezes eu o encontro no escritório pela manhã, adormecido sobre a escrivaninha. Derrick necessita de alguém que cuide dele.

— A senhora está revelando segredos de família, titia, e se resolveu esperar que eu me case para aceitar a proposta de Justin, o pobre-coitado morrerá solteirão. Casamento não faz parte de meus planos.

Page 23: Patricia waddell - só mais um beijo

— Não tenha tanta certeza, meu querido. O amor tem um jeito sutil de penetrar no coração de um homem e virá-lo de cabeça para baixo.

— Parece muito doloroso. Gostaria de outro pãozinho, titia? — Você é impossível! — Vicky deu risada. — Mas a senhora me adora. Por favor, desculpe minha tia, Srta. Pennington. Provocar

as pessoas é tudo o que ela mais gosta de fazer. Nelly sorriu-lhe. — O senhor fala como Roy. Ele e Gladys estão casados há quase quarenta anos.

Brigam como crianças, mas se adoram. — Mas não amo minha tia. — Derrick arqueou uma sobrancelha, fingindo-se de

entediado. — Eu a tolero. — Comporte-se, Derrick... — Vicky lhe deu um tapinha na mão. — ...ou Nelly pensará

que sou alguma velha excêntrica, que não tem nada melhor a fazer além de ocupar seu quarto de hóspedes.

— Jamais pensaria tal coisa. E você não tem nada de velha. É uma pessoa muito amável, Vicky, e, como disse, vamos ser boas amigas.

— Ótimo! — Vicky largou o guardanapo sobre o tampo.— Que tal me mostrar o resto da casa? Pelo pouco que vi, ela é maravilhosa. Você nos

acompanha, querido? — Não, tia. Irei visitar o restante dos estábulos. Quando vocês terminarem, talvez a

Srta. Pennington possa lhe apresentar Beldare. Ele é um espetáculo. Terminaram a refeição em silêncio, mas Nelly não conseguia parar de pensar no

testamento de Frank. Algo estava errado. Mais tarde, enquanto mostrava à tia de Derrick os vinte e dois cômodos da residência,

tentava recordar-se de todo os amigos de Frank. A maioria comparecera ao funeral. Se al-gum deles estivesse com o documento, teria falado a respeito. Não fazia sentido...

Derrick inspecionava os estábulos sem a distração dos J belos olhos de Nelly e de sua boca tentadora.

Encontrou cada baia limpa e bem-arrumada. Parando para acariciar o focinho de uma égua prestes a dar cria, Derrick se deu conta do quanto ia perder ao abrir mão da River Run. Tinha certeza de que, mais cedo ou mais tarde, Nelly encontraria o testamento e se estabeleceria como herdeira da propriedade.

— Quando o filhote nascerá, Roy? — No mês que vem. Ela cruzou com Sir Henry. Ele não é o garanhão mais bonito

daqui, mas tem mais hormônios e mais vigor que a maioria dos cavalos. — As garotas que se preocupem com a beleza. Os rapazes devem se ocupar de seu

trabalho. É isso? ! — Funciona para os seres humanos. — Roy sorriu. — E cavalos não são diferentes.

Dê-me uma bela égua e um garanhão forte e teremos outro Beldare. — Meu jóquei chegará dentro de poucos dias. O nome dele é Sean Flannigan. — Irlandês? — Sim. Ele é um jovem de Dublin e gruda na sela como ninguém. Mas tem uma

peculiaridade. — Que irlandês não tem? — Sean gosta de dormir no estábulo com o cavalo que vai montar. A boca de Roy entortou-se para um lado. — Já vi piores. Mandarei os rapazes limparem bem a segunda baia. Se Beldare não se

importar com o ronco de um irlandês, o senhor não me ouvirá reclamar. Encerrando sua visita a todos os estábulos, Derrick se dirigiu ao escritório, esperando

encontrá-lo vazio. No entanto, ali estava Nelly, arrastando-se, apoiada nas mãos e nos joelhos, embaixo da escrivaninha.

— Procurando alguma coisa?

Page 24: Patricia waddell - só mais um beijo

Assustando-se com a voz dele, ela se ergueu rápido e bateu a cabeça nos fundos das gavetas.

— Ai, que droga! Ajoelhando-se, Derrick ofereceu-lhe a mão. — Frank não me pareceu o tipo de homem que usaria compartimentos secretos. — Estou ficando sem opções — respondeu Nelly, sabendo que estava sendo tola. Vicky havia subido para repousar, e Nelly decidiu aproveitar para procurar, mais uma

vez, no escritório de Frank. Era seu lugar favorito. — Não há motivo para se afligir, senhorita. — Derrick a ajudou a ficar de pé. — Ou não

acredita que cumprirei minha palavra? O calor da mão dele em seu braço dificultava o simples ato de raciocinar. O primeiro

impulso de Nelly foi de impor distância, mas não havia nada de errado naquilo. Derrick fora gentil, nada mais.

— Não se trata de acreditar no senhor ou não. Tenho de encontrar o testamento. Por um momento, apenas ficaram ali, encarando-se, num silêncio mágico que parecia

encher o ar de energia. Nelly podia sentir o calor da mão penetrando pelo tecido de seu vestido.

— Confia em mim, Nelly? Era a primeira vez que a chamava pelo nome. Ela adoraria saber o que ia no coração de Derrick. Como confiar em um estranho? Mesmo assim, confiava.

— Sim — sussurrou, sem compreender por que falava tão baixo. — Bom! — Derrick esboçou um largo sorriso. — Você tem os olhos mais lindos que já

vi. Às vezes são dourados, depois azuis e então verdes. Mudam de acordo com seu estado de ânimo ou são imprevisíveis como o clima?

Nelly nada disse. Não conseguia. Sem querer, umedeceu os lábios. — Não deveria beijá-la — ele afirmou, como se falasse consigo mesmo. — No entanto,

não posso evitar. Sem deixar de encará-la nem por um segundo, ele deslizou os dedos para baixo das

espessas ondas de cabelos dourados, presos na nuca. Um calor inebriante invadiu o corpo de Nelly, quando Derrick a trouxe junto dele, até

que suas bocas quase se tocaram. Quase. — Já foi beijada antes, Nelly? — Não. — Nem por seu amigo fazendeiro? — Quem? — O Sr. Cartwright. Ele nunca a beijou? Nelly fez que não. Os dedos dele apertaram a curva de seu pescoço. O outro braço enlaçou sua cintura. — Não tenha medo. Tudo o que quero é sentir seu gosto. Deus me perdoe, mas

preciso tanto! Antes que Nelly pudesse piscar, Derrick a beijou, de um modo tão suave e doce que

ela quase chorou. Ele não tinha pressa. Explorava cada curva, cada canto. Lambeu os lábios fechados,

insistindo para que se abrissem. Quando Nelly se rendeu, Derrick introduziu a língua. A sensação a surpreendeu, mas ela não se afastou. Cada fibra de seu corpo ganhava

mais vida. Podia sentir o sangue correr por suas veias, ouvir o coração disparado no peito. Nunca poderia ter imaginado que um beijo pudesse ser tão sublime.

Derrick afagava suas costas e a estreitava cada vez mais. A outra mão acariciava a pele logo abaixo da orelha e acima do decote do vestido.

E Nelly não impunha a menor resistência. Ao contrário, introduziu as mãos sob o casaco até sentir a camisa de seda, indo de encontro ao peito dele. Derrick tremeu de

Page 25: Patricia waddell - só mais um beijo

leve ao contato, e aprofundou o beijo. Era maravilhoso. Algo assim como voar com os pés no chão, embora ela não tivesse

certeza de que continuava em pé. Não conseguia sentir as pernas. Não conseguia sentir nada, a não ser os braços de Derrick envolvendo-a com firmeza e o calor do peito másculo na palma de sua mão.

Tudo aquilo era uma loucura, Derrick sabia. Mas que o agradava, e muito. Algo naquela jovem tocara uma parte de seu ser que ele nem imaginava que existia. Era assustador e explosivo ao mesmo tempo. Se não tomasse cuidado, tudo poderia explodir em seu rosto, como uma banana de dinamite deixada perto demais do fogo.

Ergueu a cabeça, forçando-se a parar antes que fosse tarde demais. Os olhos dela se abriram, profundos e cintilantes, mostrando um misto de emoções. Os lábios estavam vermelhos pelos beijos, tornando Nelly mais desejável do que nunca.

Derrick esfregou a boca naqueles lábios umedecidos, permitindo-se um beijo final, antes de afastá-la, com toda a gentileza.

— É melhor você ir — ele sussurrou, de um modo que to ria deixado claro para uma mulher mais experiente o quanto fora afetado pelas carícias. — Não quero Gladys atrás de mim com um machado.

Nelly respirou fundo, dando-se conta, enfim, do que permitira que acontecesse. A pele de sua nuca ainda pulsava pelo toque daquelas mãos. O coração batia tão rápido que talvez nunca mais voltasse ao normal.

— Vá, por favor. Preciso de um conhaque e de alguns instantes a sós. Nelly deu-lhe as costas e saiu do escritório, ainda tonta, o gosto de seu primeiro beijo

brincando nos lábios. Derrick, resmungando em voz baixa, caminhou até o armário e se serviu de uma dose

de bebida. O que, em nome de Deus, ele fizera?! Não deveria tê-la tocado. Não podia ter permitido que aqueles olhos furta-cor e aquela boca adorável o tentassem.

O conhaque desceu queimando sua garganta. Quando procurou a garrafa pela segunda vez, praguejou em voz alta.

Um beijo. Um simples beijo mudara tudo! Capítulo IV Nos dias que se seguiram, Nelly chegou à conclusão de que imaginara os beijos de

Derrick. Ele mantinha uma distância polida, falando com ela apenas quando partilhavam as refeições na sala de jantar, e depois retirava-se para o escritório ou para os estábulos, com Roy.

Sentada em frente ao espelho, ela ignorava seu reflexo, enquanto trançava os cabelos. Inconsciente do que fazia, levou a mão aos lábios. Nunca antes fora beijada. Não esperava que um beijo pudesse ser tão íntimo, tão revelador, tão... Não conhecia as palavras, mas as sensações, sim. Não era capaz de esquecê-las, embora Derrick parecesse determinado a fazer exatamente isto.

Porém, não deveria estar surpresa. A mesa, ele dissera a Vicky que seus planos para o futuro não incluíam o casamento. Nelly sabia que se apegava a um sonho tolo. Seria preciso muito mais que um beijo para mudar os conceitos dele sobre amor e casamento.

Nelly não podia estar apaixonada. Decerto o amor chegaria mais devagar ao coração das pessoas. Contudo, sentia algo por Derrick. Era como um caldeirão de emoções, só esperando para explodir e inundar sua alma.

O estranho era que só o conhecera poucos dias atrás, mas uma parte dela sentia que fazia anos. A presença de Derrick na casa fazia sentido. O som daquela voz masculina, do outro lado da mesa, parecia tão normal... Desde o momento em que seus olhares se cruzaram pela primeira vez, um laço invisível passou a uni-los. Não existia explicação

Page 26: Patricia waddell - só mais um beijo

racional para isso. Simplesmente existia, como o vento ou o calor do sol. Vestia a calça de montaria, quando ouviu um galope vindo em direção à casa. Foi até a

janela e, como sempre, olhou antes para o cavalo e depois para o cavaleiro. Era um belo castrado cinzento. O cavaleiro, no entanto, parecia mais um espantalho. Tão magro que Nelly duvidou que conseguiria se manter sobre a sela em dias de ventania. Sean Flannigan chegara.

Nelly acabou de se arrumar e saiu do quarto. Derrick podia fazer o que bem entendesse para esquecer que a beijara, mas ela não seria deixada para trás no que se referisse a Beldare. Apressou-se para os degraus e quase colidiu com Derrick, que saía do escritório, seguido por Sean Flannigan. Ele estendeu os braços e a amparou pelos ombros. Seu olhar empreendeu uma lenta jornada pelo traje de montaria. Por um momento, os dois se esqueceram do irlandês.

Mas aquela era a hora errada para perder o controle pelo qual tanto lutara nos últimos dois dias. Desse modo, Derrick a soltou e deu um passo para trás.

— Srta. Pennington, este é Sean Flannigan. Sean, cumprimente a Srta. Pennington. Ela é a dona de Beldare.

O irlandês, não tão alto quanto ela supusera que fosse, tirou o chapéu e sorriu. Seus cabelos eram negros, e os olhos prateados a fizeram lembrar-se do brilho do sol em um lago.

— Muito prazer em conhecê-lo, Sr. Flannigan. — Pode me tratar por Sean, senhorita, como todos. Nelly sorriu-lhe. — Beldare está no pasto ao sul. Mandarei Roy trazê-lo. — Prefiro que não o faça. Gosto de observar o animal por um ou dois dias, antes de

montá-lo. — Muito bem, então. Pode ficar observando, enquanto o cavalgo. Derrick meneou a cabeça. — Pensei que tivesse ficado bem claro que apenas Sean iria montar Beldare. O jóquei interveio: — De fato prefiro assim, mas não me importaria de vê-lo em ação. Deixe a senhorita

dar uma volta, Gentry. — A última. — E Derrick apontou o dedo para o nariz empinado de Nelly. Era outro dia quente, e Nelly tinha a impressão de que o inverno estava indo embora,

enfim. Apesar das noites frias, os brotos da grama da primavera começavam a surgir nos pastos. Estava farta de andar de quarto em quarto, em busca do testamento. Necessitava de um pouco de ar fresco. E ter Derrick sob o mesmo teto também não ajudava muito. A recordação dos beijos dele não lhe dava trégua.

Mas ele, pelo visto, não lembrava mais. O homem que viera de Louisville, e que era um completo estranho apenas poucos dias

atrás, agora era mais real que qualquer outra pessoa. Era impossível para Nelly umedecer os lábios sem se lembrar dele. Se fosse até o escritório, sentia Derrick puxá-la para seus braços. Ele não saía de sua cabeça, e isso a estava deixando maluca.

Derrick apanhou o casaco, e saíram juntos. Sean deu um assovio de admiração, quando se aproximaram dos estábulos.

— Tem uma bela propriedade, Srta. Pennington. — Obrigada. Espere até ver Beldare. Sean ficou muito impressionado quando o garanhão veio galopando até a cerca. — Que Deus o abençoe! — Sean esboçou um sorriso de orelha a orelha. — Se ele for

tão bom quanto é bonito, sem dúvida alguma será imbatível. Derrick, porém, não conseguia tirar os olhos da curva dos quadris de Nelly, nem dos

cabelos trançados, caindo pelas costas. Descobriu quão macios eram quando os tocou. Enquanto Roy preparava Beldare, os dois homens escolheram suas montarias. O

garanhão ficou imóvel, à espera de sua amazona.

Page 27: Patricia waddell - só mais um beijo

— O pasto sul vai dar num caminho estreito de mais de uma milha. Se pretende testar a velocidade de Beldare, não há melhor lugar.

— Nós a seguiremos. — Derrick observava o modo como as pernas dela se fixavam no garanhão castanho.

Nelly seguiu na frente. Ela se movia com uma graça que acompanhava os movimentos firmes e elegantes do puro-sangue.

Não foi à toa que Matson a deixou correr no derby. Ela se move como se fosse parte do cavalo. Outro pensamento ocorreu a Derrick, aquecendo seu sangue. Qualquer mulher que se

mexe desse jeito sobre um cavalo é capaz de incendiar um homem na cama. Grato pela atenção de Sean se concentrar em Beldare, Derrick mudou seu peso sobre

a sela, maldizendo o descontrole. De todas as mulheres de Kentucky, por que um anjo com olhos felinos, cabelos dourados e um corpo capaz de transformar um santo em pecador teria de ser a mulher que desejava e que não podia tocar? Virgens eram para casar.

Nelly Pennington era uma bela combinação de pureza e paixão, e Derrick sabia que não deveria tocá-la de novo. Ao contrário dos outros homens, conhecia seus limites, e tê-la em seus braços pusera em xeque sua tolerância. Não havia nada entre o céu e o inferno capaz de fazê-lo parar da próxima vez que a tivesse nos braços.

Puxando as rédeas de Beldare, Nelly esperou até que os dois se aproximassem. Deu uma olhada rápida para Derrick, e incentivou Beldare a galopar. Cansado do confinamento, o garanhão corria como o vento em campo aberto.

Rindo, ela soltou totalmente as rédeas, deixando-o correr à vontade. Podia ouvir Derrick praguejando e Sean enaltecendo as qualidades do garanhão.

Esquecida de tudo que não fosse o magnífico animal embaixo dela e a energia que compartilhavam, Nelly se inclinou sobre o pescoço de Beldare e o fez galopar com mais velocidade ainda.

Ela respirava com dificuldade, ignorando a dor de ter de forçar a entrada do ar por suas narinas. De soslaio, podia ver a montaria de Derrick chegando perto. Sean vinha do outro lado, mas nenhum dos animais era páreo para o puro-sangue.

Derrick fez seu cavalo correr mais, e pôde testemunhar o prazer no rosto de Nelly quando ficaram lado a lado, o corpo dela em perfeita sintonia com o do animal.

— Já basta, Srta. Pennington. Faça-o parar! Ainda rindo, ela fez que não. — Que droga, Nelly! Eu disse para parar! Mais uma vez, foi ignorado. Derrick quase perdeu o fôlego quando outro toque encorajador das botas dela no dorso

do animal induziu Beldare até o fim dos prados. Ele não podia fazer nada, a não ser ficar olhando.

Quando Sean e Derrick os alcançaram, Beldare estava sendo agraciado com frases afetuosas e o carinhoso afago no pescoço da mãozinha enluvada.

Derrick não sabia o que desejava mais: beijá-la até que ela desmaiasse em seus braços, ou bater nela para que não pudesse se sentar por uma semana inteira.

— Nelly! Não a mandei parar?! Ela o encarou, ameaçadora. — Este cavalo é meu. Não preciso que ninguém me diga como cavalgá-lo. — Correção, Srta. Pennington. O cavalo é meu até o dia seguinte ao derby. Desça! A única parte dela que se moveu foram os cílios de pontas douradas, que piscaram

sobre os grandes olhos, escurecidos de raiva. — Disse para descer agora! Nelly sufocou os palavrões que queria gritar e, bem devagar, tirou os pés do estribo e

desmontou.— Sean?—A voz de Derrick soava fria — Leve os animais. Eu e ela vamos caminhar. Só depois de alguns minutos de silêncio, Derrick conseguiu se controlar. — De todas as coisas estúpidas que você já fez...

Page 28: Patricia waddell - só mais um beijo

— Não foi estupidez! Monto Beldare há anos, e sei muito bem o que faço! — Se ousar montá-lo de novo farei com que não consiga se sentar numa sela tão

cedo. Aquilo foi demais para ela. Parou de caminhar, colocou as mãos nos quadris e

disparou as palavras até então presas em sua garganta: — O senhor pode ser dono da hipoteca da River Run, mas não tem o direito de me dar

ordens, nem de me fazer ameaças quando não o obedeço. Não sou sua propriedade particular!

— Não me pareceu assimila no escritório. Teria sido minha, se eu quisesse. O tapa que Nelly preparou não atingiu seu alvo, porque Derrick agarrou-lhe o pulso. — Deixe-me ir! — Ela tentava se livrar dele. — Acalme-se. Fique quieta e trate de se acalmar. — Eu estou calma. O senhor é que está agindo como um bruto! Derrick teve vontade de agarrá-la e beijá-la até que ela mudasse de opinião, mas não

ousou. Prometera a si mesmo nunca mais tocá-la. — É evidente que Matson a mimou demais. — Ele aliviou a pressão, mas sem soltá-la.

— Não sou seu anjo da guarda. Sou apenas um homem que quer vencer o próximo derby. E não poderei fazê-lo se meu cavalo quebrar uma pata, apenas porque uma garota idiota decidiu se exibir.

A indignação de Nelly atingiu o limite máximo. Como ele ousava insultá-la daquela maneira?! A mesma pessoa que a beijara, e logo depois a mandara subir para o quarto como se ela fosse uma criança mal-educada, agora acabava de dizer que ela era uma garota tola e mimada!

— Deixe-me ir! — repetiu. Derrick soltou-lhe o pulso e deu um passo para trás, na eventualidade de Nelly querer

esbofeteá-lo. Porém, ela apenas o fitou, deixando-o ver uma mistura de sentimentos que Derrick não conseguia decifrar. Isso o deixou sem ação. Pensou em segurá-la outra vez, mas já era tarde. Nelly se afastava em direção à residência, a trança tocando de leve seu traseiro, no qual ele ameaçara desferir palmadas.

Nelly não se recordava de algum dia ter estado tão furiosa. Trocou sua roupa de montaria por um vestido de algodão azul, e pôs-se a andar de lá

para cá em seu quarto, por tanto tempo, que acabou exausta. Alegando falta de apetite, evitou o almoço. Se tornasse a ver Derrick, não estava certa do que poderia fazer ou dizer.

De uma hora para outra viu-se transportada de seu ingênuo senso de segurança para a realidade de saber que era uma mulher, e que seu coração estava em perigo. Para Derrick, os beijos que trocaram não significaram nada além de uma fantasia, de um fruto proibido. Para ela, no entanto, era bem diferente.

Apesar disso, recusava-se a chorar. Já chorara bastante desde a morte de Frank. Por isso, quando Vicky bateu na porta, atendeu-a com um sorriso forçado.

— Gladys e eu vamos a Harrodsburg fazer compras. Pensei em convidá-la, mas você tem visita.

— Ah, é? Vicky sorriu. —Um jovem simpático chamado Boyd Cartwright. Gladys disse que o rapaz é seu

vizinho. Nelly se alegrou. — Diga-lhe que já desço! — O Sr. Cartwright está no vestíbulo. Derrick e Sean continuam nos estábulos. Pedirei

a Milhe para servir chá para seu amigo. Estaremos de volta antes do anoitecer. — Divirtam-se, Vicky. Harrodsburg não é Louisville, mas tem algumas lojas muito boas.

Não deixe de visitar a casa da Sra. Cooper. Os chapéus dela são os mais lindos da região.

— Farei isso. Precisarei mesmo de um novo para usar no derby. Até mais, meu bem.

Page 29: Patricia waddell - só mais um beijo

Nelly levou alguns minutos para prender os cabelos e depois desceu. Foi ao encontro de Boyd com um sorriso. Por mais que necessitasse de um amigo, não

pretendia abrir seu coração partido com ninguém. — Olá, Nelly! Papai pretende começar a aragem amanhã. Por isso achei melhor vir

visitá-la, enquanto tenho tempo. — Fico feliz que tenha vindo. Sente-se. Nelly serviu o chá para ambos, bem como os biscoitos de melado que Milhe trouxera.

Os amigos conversaram sobre a primavera que se aproximava e, como todos, esperavam que aquele fosse um bom ano para o milho, que em breve iriam plantar. Boyd disse a Nelly que uma das gatas do celeiro logo daria cria e que ela poderia escolher o filhote que quisesse, assim que desmamassem.

— E quanto à Sra. Gentry? O que faz aqui? Se tudo o que aquele camarada pretende é vencer o derby e ir embora, por que trouxe a tia?

— É um pouco complicado de explicar. — Sei que não é de minha conta, Nelly, mas desde que Frank se foi, não há ninguém

para tomar conta de você... — É. — Ela tocou-lhe a mão. — Agradeço por sua preocupação. Não imagina o quanto

sua amizade significa para mim. Boyd ficou pensativo. —O suficiente para me contar quais são as reais intenções dele? Nelly deu risada. — O suficiente para contar-lhe tudo. Quase tudo. — Então... — O Sr. Gentry comprou a hipoteca de um banco de Louisville porque queria inscrever

Beldare para vencer o derby. — Isso explica por que ele veio até a River Run, mas não por que ainda está aqui. Nelly colocou os fatos em ordem, antes de apresentá-los a seu amigo: — Bem, ao que tudo indica, o Sr. Gentry tem certa obsessão por vencer o derby. Ele

viu Beldare correr no outono passado e, quando soube da hipoteca, decidiu adquiri-la para que pudesse inscrever o garanhão na corrida. Mas o Sr. Gentry não demonstra interesse pela River Run. Assim, ofereceu-me a oportunidade de ficar com a fazenda, mesmo que eu não encontre o testamento de tio Frank. Quando Beldare se tornar campeão, terei dinheiro suficiente para saldar a dívida. Se ele não vencer, o prêmio do segundo lugar também será bastante para que eu fique em situação confortável.

Boyd ouviu tudo com atenção, mas seu olhar dizia que continuava desconfiado. — Pelo jeito, o Sr. Gentry encontrou a solução para todos os seus problemas,

embrulhou-a para presente e deixou a sua porta. — Sei que parece bom demais para ser verdade, mas eu não estava em condições de

recusar. Tenho certeza de que Beldare vencerá. Se isso acontecer, a River Run será minha, livre de qualquer embaraço.

— E a tia dele? Nelly suspirou. — O Sr. Gentry pretende dividir seu tempo entre a River Run e seus outros negócios.

Contratou um jóquei chamado Sean Flannigan, que parece ser muito bom com os cavalos. Como o Sr. Gentry não deseja que as pessoas tenham uma impressão errada de suas idas e vindas, trouxe sua tia para ficar comigo. Ela é uma pessoa adorável.

— Só até o derby? — Boyd arqueou uma sobrancelha. — Isso mesmo. Depois disso, Beldare ganhando ou perdendo, a River Run será minha.

Mas não parei de procurar o testamento. Tenho de achá-lo para ficar em paz.— E conseguirá. Tenho certeza. — Boyd se levantou. — Todos sabem que Frank

queria que você ficasse com esta fazenda. Nelly se virou ao ouvir passos no vestíbulo. Em segundos, Derrick parou à soleira.

Seus cabelos estavam revoltos pelo vento, e suas faces apresentavam um colorido

Page 30: Patricia waddell - só mais um beijo

provocado pelo sol. O estômago de Nelly deu um nó quando viu os brilhantes olhos azuis, vibrantes como uma tempestade de verão.

— Prazer em revê-lo, Sr. Cartwright. Não sabia que a Srta. Pennington tinha visitas. Desculpe-me por interromper.

O olhar que Derrick dirigiu a ela era de pura indiferença. Nelly, porém, forçou-se a sorrir. Não permitiria que ele notasse o quanto aquela atitude a magoava.

— Nelly estava me contando que o senhor pretende inscrever Beldare no derby. — É verdade, Sr. Cartwright. Nelly os analisava. Boyd era jovem e simpático, sempre com um sorriso fácil nos

lábios. Derrick, enigmático e perigoso. Sentia-se apreensiva. Temia que Derrick ofendesse ou se aproveitasse da simplicidade do fazendeiro.

Em vez disso, porém, Derrick começou a fazer perguntas sobre a propriedade. Nelly ficou ouvindo a conversa amigável entre eles. Não sabia por que, mas aquela cordialidade a irritou muito.

— É melhor eu ir embora. — Boyd parou perto da porta e olhou por sobre o ombro. — Quando quiser escolher o gatinho, avise-me, Nelly. — Claro que sim. — Ela o acompanhou. Não precisou voltar-se para saber que Derrick a observava. Uma parte sua queria dar

um beijo de adeus em Boyd, só para ver como Derrick reagiria, mas achou que não seria justo com o amigo.

— Onde está Vicky? — perguntou Derrick, assim que Boyd se foi. Assustada com a aspereza dele, Nelly se apressou em responder: — Foi às compras em Harrodsburg, com Gladys. Derrick havia deixado Sean nos

estábulos, com Roy. Millie saíra logo após terminar seu trabalho na cozinha. Com Gladys e Vicky na cidade, eles estavam a sós na residência.

Ao se dar conta disso, ele sentiu o fogo sendo reavivado em suas veias, como sempre acontecia quando ficava perto dela.

Nelly estava sentindo as mesmas chamas invisíveis. Ao que tudo indicava, nada havia mudado muito.

Recordando-se dos últimos eventos, ela tratou de ignorá-lo e passou a louça, na intenção de levar tudo para a cozinha.

— O que o rancheiro queria? A ponta de sarcasmo na voz de Derrick a irritou. Sem fitá-lo, Nelly colocou as xícaras

na bandeja de prata. — Boyd e eu somos amigos desde a infância. Ele não precisa de um pretexto para

visitar a River Run. É sempre bem-vindo. Derrick não gostou do ciúme que o invadiu. Maldizendo-se por ter deixado uma simples

garota do interior ultrapassar as barreiras que nenhuma outra mulher ousara ultrapassar, decidiu provocá-la:

— Você é uma hipócrita, Nelly Pennington. Dessa vez, ela o encarou. Derrick se manteve no ataque: — Quase me esbofeteou quando lhe falei a verdade, mas recebe jovens cavalheiros

quando a casa está vazia. Começo a imaginar se é tão honesta como diz. Nelly largou a bandeja e sustentou-lhe o olhar. Não havia indiferença em Derrick,

naquele momento. Os olhos dele a devoravam com uma sensualidade que a fez parar de respirar. As palavras que Derrick acabara de pronunciar trouxeram de volta a humilhação que ela sentira nos prados. Ele a acusava de não ser honesta, quando seu único erro fora se deixar beijar.

— Boyd Cartwright é meu amigo. Meu melhor amigo. E, ao contrário do senhor, é um cavalheiro. Nunca me insultou ou me ameaçou ou...

— ...beijou. Nelly teve vontade de dizer que Boyd já a beijara muitas vezes, mas não teve coragem

Page 31: Patricia waddell - só mais um beijo

de mentir. — Você se lembra de que a beijei, não é, Nelly? A pergunta foi feita num tom de voz tão doce, que, quando Derrick estendeu a mão e

afagou-lhe o rosto, ela se afastou como se o toque a queimasse. Derrick sorriu. Por um momento que pareceu infinito, tudo o que ela conseguiu fazer foi ficar ali,

fitando-o. Estava muito perto de esquecer todas as razões por que não deveria deixar que Derrick a tocasse de novo.

— Lembro, sim — admitiu. — Ainda com raiva de mim? — Estou furiosa — mentiu, quando ele começou a traçar o contorno de sua boca com o

dedo. — O senhor não deveria... — O quê? Beijá-la de novo? Derrick baixou a cabeça. Seu rosto estava tão perto que Nelly pôde ver as minúsculas

linhas ao redor de seus olhos e sentir-lhe a respiração, quando ele cobriu seus lábios. Dessa vez, Derrick não roubou o beijo; esperou que ela se oferecesse. O que não

demorou, pois Nelly, instintivamente, ficou nas pontas dos pés, querendo mais. Quando sentiu que os lábios dela procuravam os seus, Derrick deu-lhe o que Nelly

queria: um beijo longo e profundo, mais íntimo do que tudo o que ela poderia imaginar. O toque daquela língua fez sua cabeça girar è deixou o corpo fraco. Cada centímetro

de sua pele exigia as mãos de Derrick. Quando ele a estreitou, Nelly não protestou. A vontade de resistir desaparecera com a

trilha de beijos que ele passou a traçar em seu pescoço. Derrick a apertou contra si até que aquele corpo feminino ficasse totalmente entregue a

suas carícias. Quando a pegou no colo e a carregou até o sofá, Nelly sabia que deveria protestar.

Porém, antes que conseguisse concatenar as idéias, ele lhe deu outro beijo. Então, sem demora, Derrick começou a abrir a fileira de botões minúsculos na frente do vestido, um a um, para revelar o macio tecido da camiseta. Um tremor de prazer a percorreu ao experi-mentar a pressão da mão forte através do tecido fino.

Sentada nas pernas dele, com os braços ao redor de seu pescoço, Nelly escondeu o rosto no ombro másculo.

Derrick quis observar a reação dela. Queria ver, com os próprios olhos, o quanto Nelly desejava ser tocada. Incapaz de resistir, traçou o contorno daqueles lábios vermelhos, le-vemente inchados, e beijou-lhe as pálpebras. Não se lembrava de jamais ter acariciado uma mulher daquele modo. As mãos tocavam o rosto delicado, tentando decorar cada ân-gulo, cada curva, como um cego procurando seu caminho num quarto escuro.

Seus dedos alcançaram o decote da camiseta e a curva macia dos seios. Nelly sentia como se estivesse flutuando, cada vez mais alto. Quanto mais era afagada, mais alto subia.

— Por favor... — ela implorou. Derrick beijou-a ainda com mais vigor. Fitas, laços e botões abriram-se, revelando a

pele branca e macia. Encontrou os mamilos cor-de-rosa querendo ser tocados. Quando os apertou entre o polegar e o indicador, Nelly quase saltou de seus braços.

— Calma, querida. Deixe-me fazer. Ela prendeu a respiração, pois a incrível excitação a pegou desprevenida. Quando

Derrick lambeu a ponta de seu seio, ela pensou que ia morrer. Nunca imaginara um prazer tão doce, tão lancinante, tão profundo, que parecia doer.

Perdidos na paixão que os consumia, não ouviram os trovões que anunciavam outra tempestade de primavera. Inebriados pelo sabor e pelo cheiro um do outro, não escutaram o suave ruído da chuva batendo nas janelas, nem perceberam que escurecera,

Page 32: Patricia waddell - só mais um beijo

quando a luz do sol foi coberta por nuvens cinzentas. Derrick despiu o casaco e o atirou no chão. Vários botões voaram pelo ar quando sua

camisa foi arrancada, tal a urgência de sentir o corpo de Nelly contra o seu. Ela hesitou quando ele colocou as mãos dela sobre seu próprio peito nu, encorajando-a a acariciá-lo, mas assim que venceu a resistência, adorou o contato, e gemeu.

Enlouquecido de volúpia, Derrick procurava abrir os botões da calça, quando a frase "Oh, meu Deus!" soou bem alto em seus ouvidos.

E lá estava Gladys Shuler, de pé, à soleira. Sua sacola de compras caíra no chão, devido ao susto. Vicky, de olhos arregalados, se achava ao lado dela.

Derrick, praguejando, apanhou com agilidade o casaco que atirara no piso e cobriu com ele os seios nus de Nelly.

Ainda excitada com os carinhos, Nelly tentava voltar à realidade. Segurou o agasalho de Derrick contra si e fitou as duas mulheres estáticas, logo adiante. Gladys parecia dis-posta a matar alguém. Victoria sorria.

— Fechem a porta. — Derrick, de pé, usava o próprio corpo para esconder Nelly. — Sairemos num instante.

A governanta abriu a boca para falar, mas Vicky a impediu: — Vamos, Gladys. Nós os esperaremos na cozinha. A porta se fechou com um barulho suave, deixando Derrick e Nelly lutando para se

recompor às pressas. — Você está bem? — ele quis saber, notando a falta dos botões em sua camisa.

Apanhou o casaco e viu as mãos dela tremendo, abotoando o vestido, cobrindo o que ele havia descoberto.

Nelly fez que sim com a cabeça, mas Derrick sabia que não era verdade. Procurou tocar-lhe a mão, mas ela se desvencilhou e foi até a janela. Vendo a chuva,

compreendeu por que as senhoras resolveram voltar mais cedo. E se elas não os tivessem interrompido? Até onde os dois teriam chegado?

Nelly sabia muito bem. Ela e Derrick teriam feito amor. — Fingir que não aconteceu não vai ajudar muito.

Nelly piscou, zangada com as lágrimas que escorriam por suas faces. Queria brigar com Derrick, acusá-lo de tê-la seduzido, mas não pôde. Não protestara, afinal, não tentara impedir que ele a tocasse. Muito pelo contrário, correspondera aos beijos, incentivara cada carícia, desejando cada toque.

— Falarei com Gladys e com minha tia. Vá para seu quarto, Nelly. — Ora, que tolice! Como poderei disfarçar? Elas viram o que viram. — Não se trata disso. — Vê-la chorando fez seu sangue congelar nas veias. Derrick não pretendia magoá-la, mas o fizera, e da pior maneira possível. Uma mulher

poderia se recuperar de palavras ásperas, mas não de ter sido encontrada seminua nos braços de um homem.

— Não houve nada entre nós que um ministro não consiga consertar. Os olhos de Nelly se arregalaram. — Não quero o reverendo Perkins me encarando com reprovação por cima da Bíblia.

Além disso, a esposa dele é a maior mexeriqueira da região. E, acima de tudo, não quero me casar com o senhor. Não aconteceu nada entre nós.

— Seu vestido estava na cintura, e eu me achava prestes a tirar a calça. Isso é muito mais que nada, Srta. Pennington.

— O senhor não me ama, e um casamento sem amor não vale a pena. — Suas pérolas de sabedoria não impedirão que Roy Shuler carregue sua espingarda

e que minha tia mande chamar o pastor agora mesmo. Nelly queria argumentar, mas não conseguiu. — Creio que o casamento é a única saída para nossa situação. Posso não ser o

cavalheiro de seus sonhos, mas ainda sou um cavalheiro. Assumo toda a

Page 33: Patricia waddell - só mais um beijo

responsabilidade pelo que aconteceu entre nós.Não quero ser uma responsabilidade!, Nelly gritava por dentro. Quero ser amada! No entanto, Derrick não a amava. Erguendo o queixo dela, Derrick a forçou a fitá-lo e estremeceu. Ainda a desejava. E

ele a teria. Mas não queria vê-la envergonhada ou humilhada. Lembrando-se dos comen-tários que cercaram a morte de Jessica Monroe, Derrick decidiu que não deveria ser o reverendo local a realizar a cerimônia.

— Podemos nos casar em Louisville. Tenho uma casa lá. Convide Gladys e Roy e quem mais desejar. Tia Vicky a ajudará com os preparativos.

— Se resolveu tomar essa atitude por causa de Beldare, saiba que não é necessário — Nelly afirmou, com frieza.

— Você não poderia ter dito tolice maior! — Se irá me chamar de idiota ou de mimada de novo, vai se arrependei! A gargalhada de Derrick a surpreendeu. — E se eu disser que você é linda, adorável, apaixonada e... — Pare! Não brinque! Casamento é algo muito sério! — Concordo. Assim como ser apanhado com a calça na mão. Nelly enrubesceu

violentamente. Derrick tinha razão. Não havia nada a fazer, a não ser aceitar as conseqüências de

seus atos. Ele lhe oferecia matrimônio porque era a única coisa decente a ser feita. Iria desposá-la pelo bem de sua reputação; não por amor. E agora não lhe restava alternativa a não ser aceitar.

— Certo. Nós nos casaremos. — Nelly suspirou, triste. — Agora, suba. — Derrick beijou-lhe a testa. — Falarei com os Shuler e minha tia. Nelly obedeceu, mas seu coração sangrava mais a cada passo. Derrick estava certo de que só havia um recurso aceitável para seu ato. Sua futura

esposa precisava de algum tempo para recompor-se, e ele, de um conhaque. Capítulo V Nelly, em seu quarto, ouvia a chuva bater nas vidraças, pensando em seu casamento

com a expectativa de um condenado que subia ao cadafalso. Ser forçada a casar-se por ter sido imprudente não a incomodava tanto quanto unir-se a um homem que não sentia nada por ela, além de atração física.

Uma batida na porta interrompeu seus devaneios. — Nelly, sou eu: Vicky. Trouxe-lhe algo para comer. — Agradeço, mas não estou com fome. A idéia de ver a tia de Derrick a enchia de vergonha e humilhação. Cerrou as

pálpebras, rezando para que ela fosse embora. — Você precisa se alimentar, querida. Por favor, abra. Relutante, Nelly obedeceu.

Vicky ostentava um sorriso triunfante quando entrou, carregando uma bandeja. O aroma dos pãezinhos recém-assados atravessava a toalha de linho que os cobria.

— Gladys me fez prometer que você comeria alguma coisa. Vicky parecia não se importar com os motivos que a fizeram ausentar-se à mesa do jantar. — Sei que está sem apetite, mas pelo menos tome um pouco de chá e coma um destes. Derrick não iria gostar se a bandeja retornasse do mesmo Jeito que veio.

A simples menção daquele nome fez o rosto de Nelly corar ao invés de empalidecer.— Sente-se. — Vicky apontou-lhe a cama. — Chore, se precisar. — O choro não muda nada. — E as lágrimas começaram a rolar pelas faces de Nelly.

— Desculpe-me, eu... — Calma, calma. — Vicky lhe ofereceu um lenço. — Não há do que se desculpar, meu

bem.

Page 34: Patricia waddell - só mais um beijo

— Eu nunca... Quero dizer, não imaginei... Não sabia que... — Uma mulher apaixonada nunca sabe. Nelly esfregou os olhos. — Não quero amá-lo. Nem mesmo gosto dele! Vicky deu risada. — Sei que é estranho, querida, mas o amor é assim. Não faz sentido, pelo menos no

início. Com o tempo, verá que você é tudo de que meu sobrinho precisa. Nelly mordeu o lábio inferior, enquanto Vicky servia o chá. — Derrick insiste em que nos casemos. — E eu concordo com ele. Meu sobrinho necessita de uma esposa, e não consigo

imaginar uma candidata melhor. Vejo o jeito como Derrick a olha. E muito mais que desejo, Nelly.

Ela queria tanto acreditar! Mas tinha medo de alimentar falsas esperanças. — Agradeço por tentar me fazer me sentir melhor. — Tente comer algo — insistiu Vicky, encaminhando-se para a saída. — Posso, ao

menos, assegurar a meu sobrinho que se casará com ele? O pobre-coitado está lá embaixo, olhando para um copo de conhaque, imaginando se você não irá fugir e juntar-se aos shakers.

— Eu jamais fugiria. — Muito bem, então. Não fique desapontada se Derrick a mantiver a distância. Mas

saiba de uma coisa. Meu sobrinho é um bom homem. Nunca a seduziria só pelo prazer. Derrick sente mais do que atração por você. Dê um tempo para vocês dois, e não se arrependerá.

Nelly apegou-se àquelas palavras como se elas fossem um talismã para ser usado contra as dúvidas que a assaltavam. A idéia de viver com Derrick pelo resto de sua vida e não ser amada espicaçava seu coração. Mas a simples possibilidade de que ele pudesse nutrir algum sentimento por sua pessoa era suficiente para que tivesse esperanças de um dia ser feliz.

Na manhã seguinte ao incidente, Nelly acordou com dor de cabeça. Vestiu calça de montaria, uma camisa branca e desceu as escadas.

Como esperava, não havia ninguém na cozinha, além de Gladys. Envergonhada pelo ocorrido na véspera, entrou e se serviu de uma xícara de café, antes de enfrentar o olhar da governanta.

— Bom dia. — Bom dia. Não pense que vai sair daqui só com essa xícara de café, mocinha. Desde

ontem que não come nada. Sentando-se, Nelly deixou que a robusta senhora a servisse: dois ovos, três fatias de

bacon e alguns biscoitos. — Obrigada. — Por nada. — Não vai me passar uma descompostura? — Nelly sabia que merecia bem mais do

que isso. Gladys fez que não. — Fiquei pensando... Eu a conheço desde que Frank a tirou daquele vagão. Ele a

criou, mas eu e Roy ajudamos sempre que possível. Nelly sorriu, feliz. — Vocês são minha família. Mergulhando as mãos numa grande tigela de massa, que se tornaria o pão para o

jantar, Gladys deu as costas para Nelly e prosseguiu: — Não estou dizendo que o que fez está certo, mas é compreensível. Você é uma

mulher adulta, e Deus sabe como aquele homem a atraiu. O mesmo aconteceu com ele. Sendo as coisas como são entre homens e mulheres, está tudo bem, agora que o Sr. Gentry irá desposá-la. E já disse a ele que não quero que u leve para Louisville. Você pertence à River Run.

Page 35: Patricia waddell - só mais um beijo

Nelly se levantou para abraçar a querida senhora. — Não se preocupe, Gladys. Nem mesmo Derrick conseguirá me tirar daqui. Gladys sorriu-lhe. — Bem, agora vá procurar por ele, pois tenho muito trabalho para fazer. Nelly deixou o quente aconchego da cozinha e foi para os estábulos, achando que uma

cavalgada ajudaria a aliviar a enxaqueca. A maioria dos cavalos fora levada para pastar nos prados, mas alguns permaneciam ali mesmo, aquém das cercas.

— Bom dia, senhorita. Nelly sorriu para o homem que usava botas até os joelhos e chapéu de palha.

Benjamim estava na River Run havia tanto tempo quanto Roy. Era muito gentil com os cavalos e tinha sempre um sorriso amigo para as pessoas.

— Pensando em montar Lady Jay? — Sim. Você a traria para mim? — Com prazer. O Sr. Gentry e o irlandês saíram há pouco mais de uma hora. Nelly olhou em direção aos pastos, sabendo que não veria Beldare. Eles não estavam

perdendo tempo. Foi até a cerca e cruzou os braços, lamentando a falta temporária de seu amado

garanhão. De repente, deu-se conta de que a perda não seria temporária. No dia em que se tornasse a Sra. Gentry, a River Run e Beldare pertenceriam a ela, mas a seu marido também. Tudo o que possuía, tudo o que era, tudo o que esperava ser iria para as mãos de Derrick Gentry.

Montava a égua baia quando Derrick e Sean retornaram. Pela primeira vez, os olhos de Nelly não examinaram primeiro os cavalos, mas sim os cavaleiros. Um deles, em especial.

Gostou de ver Sean acariciar Beldare assim que desmontou. — Conversaremos mais tarde, Sean — disse Derrick, levando seu cavalo negro para

perto de Lady Jay. — Está um dia muito bonito para deixar minha noiva cavalgar sozinha. — Parabéns pelo noivado, senhorita. — Sean tocou a aba do chapéu. — Obrigada. — Ainda não conheço a parte leste da fazenda. — Derrick notou o constrangimento

dela ao cumprimento do jóquei. — Por que não me mostra? Nelly incentivou a égua a partir, imaginando se todos na fazenda sabiam por que ela

iria se casar com Derrick Gentry. — Sossegue — ele lhe sussurrou, assim que impuseram distância da casa, indo em

direção aos campos. — Sean acha que me apaixonei assim que a vi. Nelly enrubesceu, mas não olhou para ele. Era evidente que Derrick tentava protegê-la,

mas será que não poderia fingir que gostava dela, pelo menos quando estivessem a sós? — Lamento que seu sentido de honra o tenha colocado nessa situação, Sr. Gentry.

Quero que se sinta livre para se esquecer de suas boas intenções. Minha reputação vai sofrer um pouco com os comentários, mas sobreviverei.

Derrick parou o animal. — Sua reputação permanecerá intocada. Nós nos casaremos, Srta. Pennington. Se

pretende evitar a cerimônia, pense melhor. — Eu disse que me casaria com o senhor. Só quis dizer que, se mudasse de idéia, eu

entenderia. As linhas do rosto dele se suavizaram. — Não é de meu feitio voltar atrás em minha palavra. Você aprenderá isso logo. Assim

como muitas outras coisas a meu respeito. É difícil guardar segredo quando partilhamos nossa cama com outro alguém.

Nelly não teve tempo de responder, pois Derrick saiu galopando. — O senhor está de partida? — Nelly indagou, surpresa com a notícia dada de

supetão.

Page 36: Patricia waddell - só mais um beijo

Ela e Derrick pararam sob um carvalho.— Sim. Partirei amanhã de manhã. Meus negócios assim o exigem. Nelly não respondeu, mas seu desapontamento era evidente. Os instintos de Derrick

lhe diziam que a atração física que ela sentia por ele era forte, mas perceber que um laço emocional estava se formando entre os dois era muito agradável. Não desejava um casamento de aparências. Preferia uma relação baseada na paixão e no respeito mútuos. Achava que o amor ficava bem para rapazes inexperientes ou homens tolos.

— Vou reservar uma passagem no barco do correio — continuou ele. — Isso lhe dará alguns dias para se preparar. Espero você em Louisville no fim da semana.

— No próximo fim de semana? — Sim. Nós nos casaremos no último dia do mês. Tia Vicky precisará de pelo menos

uma semana para os preparativos. — Entendo. — Nelly mordeu o lábio inferior. Embora nunca tivesse pensado muito em

casamento, não lhe agradava a idéia de ver-se arrastada ao altar com tanta pressa. Derrick fazia tudo parecer uma mera transação comercial. Estar em Louisville, casar-se, vencer o derby. Onde ficava o romance?

— Fique tranqüila, minha tia é especialista em eventos sociais. É capaz de preparar uma festa antes mesmo que Gladys consiga assar uma fornada de pães.

Porém, Nelly não queria enxergar em seu casamento como um evento social. — Não conheço ninguém em Louisville. — Ficará conhecendo. Pelo menos as que valem a pena. Minha tia cuidará disso. Nelly desmontou e caminhou em direção aos campos que os homens haviam

começado a arar. Manteve-se de costas para Derrick, tentando assimilar o fato de que iria tornar-se sua esposa.

Sentindo-a inquieta, Derrick também desmontou e juntou-se a Nelly na contemplação dos campos. A confusão no olhar dela era tão clara quanto o temor de ficar a sós com ele outra vez. O verde-dourado das íris, o brilho dos cabelos e as macias curvas tentadoras daquele corpo estavam ali, ao seu alcance. Tudo o que tinha a fazer era tomá-la nos braços e, sem dúvida, encontraria a mesma mulher receptiva que tivera na véspera.

Mas Derrick prometera a si mesmo que seria um cavalheiro; pelo menos até que se casassem. Isso significava que não poderia tocá-la. Se o fizesse, todas as boas intenções iriam por água abaixo. Um único beijo, e não haveria mais como parar. Arrastaria Nelly para o bosque e lhe ensinaria todas as maneiras como que um homem e uma mulher po-dem dar prazer um ao outro.

A lua-de-mel poderia amenizar o fervor de seu sangue, e depois iria ajustando os termos do cotidiano de sua união. Ao contrário dos outros homens, ele não pretendia mantê-la longe. Levaria o casamento a sério, apesar de estar sendo conduzido ao altar por causa de convenções sociais.

Infelizmente, padecia do mesmo mal que Nelly. Não a conhecia. — Como você já disse, somos quase estranhos. Uma das maneiras de conhecer uma

pessoa é conversando. Fale comigo. — Sobre o quê? O sorriso dela era tão puro e fresco como a luz do sol. Derrick teve de lutar contra a

vontade tremenda de beijá-la. — Sobre qualquer coisa. Adoro o som de sua voz. Nelly respirou fundo. —Adoro o campo. E o som do vento nas árvores, o zumbido dos insetos nas noites de

verão... — Eu também, Nelly. — As cidades são barulhentas. Mas não têm o ruído suave das águas de um riacho ou

de um cavalo rio pasto. — Olhou pura ele. — Não gosto de muita gente a meu redor. Aprecio o lugar durante horas, apenas com os pássaros e meus pensamentos por companhia.

Page 37: Patricia waddell - só mais um beijo

— Foi por isso que nunca se afastou da River Run.— Sim. Eu viajava com tio Frank sempre que ele me pedia, mas desejava voltar para

cá o mais breve possível, sempre. Mantendo as mãos abaixadas, Derrick se aproximou mais. — Tentarei lhe dar o máximo de tempo possível na River Run, mas minha casa é em

Louisville. Não espero que deixe de amar este lugar, mas gostaria que compreendesse que, como minha esposa, terá de viver comigo onde quer que eu esteja.

Nelly ponderou por um longo momento. Havia sinais de cansaço no semblante dele, denunciando que Derrick também não dormira bem. Concluindo que não teria escolha a não ser aceitar as conseqüências de sua loucura, suspirou.

— Tentarei ser uma boa esposa. Essa simples concessão o alegrou. — Não sei como é ser um bom marido, mas acho que nos daremos bem. Não sou uma

pessoa difícil de se lidar, mas há coisas que são importantes para mim, que considero particulares e não serão compartilhadas com ninguém; nem mesmo com uma esposa.

Ela concordou, sem nada dizer. Frank Matson era assim também. Seu sorriso sugeriu outra pergunta.

— Algo engraçado lhe ocorreu? — Derrick apreciava o modo como os olhos dela brilhavam quando estava feliz.

— Tio Frank costumava dizer que vivia sua vida por dez regras bem simples. Se os outros não gostassem, poderiam discuti-las com Deus.

Derrick riu. — Lamento não ter tido a oportunidade de conhecê-lo melhor. Parece ter sido um

grande homem. — E foi. — Ela suspirou, saudosa. — Sinto muita falta dele. A tristeza de Nelly fez Derrick ter vontade de abraçá-la, mas não ousou tocá-la. Seu

corpo queria mais, muito mais. — Já esteve em Nova Orleans? — Não. Tio Frank costumava me levar para Lexington e Cincinnati. E íamos a Louisville

pelo menos duas vezes ao ano. — Nova Orleans é uma cidade única. Poderemos passar a lua-de-mel lá, se quiser. Ao ouvir aquilo, ela se perguntou o que aconteceria depois que se tornasse esposa de

Derrick. Não haveria nada que o impedisse de terminar o que começara na sala. — Não vejo problema algum. Estou certa de que é uma cidade interessante. — A parte francesa é diferente de tudo neste país. Navios chegam e partem para a

Europa todos os dias, e os mercados estão repletos de frutas frescas e especiarias, que enchem as ruas de aromas exóticos. Poderemos passear de carruagem pelas docas. Se você acha o rio Mississippi grande, espere até ver o golfo do México.

Nelly concluiu que seria maravilhoso conhecer tudo aquilo, mas preferia mesmo ficar na River Run. Era madura o suficiente para saber a diferença entre seus desejos e a rea-lidade.

Tornando a pegar as rédeas da égua, mudou de assunto: — Há uma plantação de macieiras ali embaixo, na direção do rio. Gostaria de vê-la? — Vá na frente — disse ele, assim que montaram. Os cavalos se moviam no meio das árvores espessas que separavam os campos das

ladeiras que, vez ou outra, alcançavam o rio Kentucky, a poucas milhas dali. O pomar ocupava centenas de acres. As macieiras se distribuíam em fileiras

meticulosas, que iam de norte a sul. A cor cinza do inverno nos galhos esguios dera lugar a uma sombra, que já anunciava a volta à vida.

— É impressionante. Não me surpreende que Gladys prepare tortas tão deliciosas. Nelly achou graça. O som musical daquele riso se espalhou pela pele de Derrick,

suave como o canto de uma fada. — A maior parte das frutas vai para Nova Orleans pelo rio. Creio que muitas delas são

Page 38: Patricia waddell - só mais um beijo

transportadas em seus navios, Sr. Gentry.— Todas elas serão. Não aceito competição. E comece a me tratar por Derrick.

Estamos noivos, afinal. Assim que alcançou o pomar, Derrick ficou para trás para apreciar o suave balanço dos

quadris de Nelly. Os cabelos dela estavam — como sempre — presos numa trança que caía por suas costas. Ás passadas maiores já estavam colocando Nelly a seu alcance, quando ela tropeçou numa raiz saliente no solo úmido.

Ele estendeu as mãos para ampará-la, e Nelly se viu abraçada de encontro ao peito dele. A mão direita de Derrick apoiava sua cintura, enquanto tentava recuperar o equilí-brio. A queda não a assustara tanto quanto achar-se naqueles braços de novo.

O peso suave dos seios de Nelly em seu braço excitou Derrick. Tocá-la, em qualquer circunstância, o fazia ferver e punha seu corpo em alerta. Devagar, bem devagar, ele a soltou. Ao se voltar para agradecer, Nelly viu o desejo em seu semblante.

— Droga! — Derrick a enlaçou outra vez. — Você é capaz de tentar um santo! Nelly não pôde deter o gemido que escapou de sua garganta quando viu Derrick

olhando-a como se nunca tivesse visto uma mulher na vida. Nem pôde evitar o acelerar de sua pulsação, quando ele baixou a cabeça e a beijou.

Tarde demais, lembrou-se de que não deveria permitir que Derrick a tocasse. Porém, a pressão daqueles lábios sobre os seus, implorando para que se abrissem, era deliciosa demais para que pudesse resistir.

Assim, as mãos de Nelly encontraram o caminho até os ombros de Derrick. Seus dedos agarraram a lã macia do casaco, enquanto a boca dele a atormentava até quase fazê-la perder os sentidos.

— Você é tão doce... — Derrick sussurrou, mordiscando-lhe a ponta da orelha esquerda.

Ela estremeceu. Mais uma vez, via-se mergulhando num mundo onde não havia nada além de sensações. Derrick a agarrou pelos quadris e a trouxe para mais perto. O corpo dele era quente e forte. Nelly não se lembrava de alguma vez ter se sentido tão segura, tão à vontade.

Quando Derrick enrolou a trança em seu punho e puxou a cabeça dela para trás, Nelly pensou que ele estivesse com raiva. Então, ele sorriu, e ela teve a impressão de que o céu se abrira e que estavam flutuando em direção ao sol. A expressão dele era tão suave, o rosto tão lindo, tão próximo, que teve vontade de tocá-lo.

— Nós vamos nos casar, Nelly. Alguns beijos não farão mal algum. — Creio que não. — Só alguns beijos... — ele dizia. — ...terão de ser suficientes até que nos casemos. Nelly cerrou as pálpebras, para que ele não visse o que lhe ia no íntimo. Nelly tinha o perfume das flores do campo, Derrick constatou ao baixar a cabeça e

experimentar o gosto quente e suave daquela boca. Em poucos segundos, ela estava toda apoiada nele, as pernas incapazes de suportar-lhe o peso.

Com Nelly apoiada em seu tórax e o coração batendo descompassado, Derrick olhou ao redor, procurando um lugar mais confortável. Avistou uma cerca de pedra, ao redor do pomar.

— O que está fazendo? — ela quis saber, assim que ele a apanhou no colo e começou a andar.

— Quero me sentar e abraçá-la. Nelly ficou vermelha, e escondeu o rosto no pescoço dele. Nunca fora carregada por

um homem, antes. Era excitante — e assustador ao mesmo tempo — dar-se conta de que Derrick poderia forçá-la a fazer o que quisesse; mas ele não teria de fazer isso. Ela participara de tudo o que aconteceu na sala, e participaria agora também. A idéia de fugir do abraço nem lhe passou pela cabeça.

Derrick encontrou um ponto na cerca onde as rochas pontiagudas haviam caído,

Page 39: Patricia waddell - só mais um beijo

deixando uma parte lisa de granito. Sentou-se, acomodando Nelly sobre os joelhos de modo que as costas dela ficaram

apoiadas em seu braço esquerdo. — Tudo o que vou fazer é beijá-la. Se eu for além disso, por favor, me interrompa.

Pode me bater, se preciso for. Você vai se vestir de noiva no dia de nosso casamento. Nelly relaxou e ergueu o rosto para receber o primeiro beijo. Foi longo e lento, como

um pôr-do-sol preguiçoso. Quando Derrick aprofundou o beijo, Nelly gemeu como um gatinho. Aquele som

despertou a paixão de Derrick, e ela pôde sentir a firmeza de sua masculinidade. Pensou se não seria motivo para detê-lo, mas essa idéia desapareceu assim que ele começou a afagá-la.

— Confie em mim — murmurou, afastando a boca apenas o tempo suficiente para que ela respirasse.

— Eu confio — afirmou, com sinceridade. Em instantes, ofegante e com os músculos doendo, Derrick impôs certa distância. A

cabeça de Nelly repousava em seu peito e ambos lutavam para se recompor. — Começo a achar que não foi uma boa idéia, Nelly. O baixo-ventre doía, e Derrick precisou reunir toda a força de vontade para não abrir o

agasalho de Nelly e tocar a mulher sensual escondida embaixo das roupas. — É sempre desse jeito? — ela perguntou, tremendo. — Sinto-me como se fosse

morrer. Derrick sorriu. —Não, querida, é muito melhor. E cada vez melhora mais. — Então eu vou morrer... — Nada disso. — E ele a beijou, mais uma vez. Muitos beijos depois, Nelly suava sob

a blusa de algodão e o casaco de lã. Olhou para a pequena abertura na camisa de Derrick e quis tocar os pêlos de seu tórax. Adivinhando seu desejo, Derrick sorriu e abriu mais dois botões.

— Venha, faça o que tem vontade. — As palavras eram um pedido e uma ordem ao mesmo tempo. — Só não vá além de minha cintura. Não sou feito de pedra.

Hesitante, Nelly fez os dedos roçarem os tufos de pêlos pretos que cobriam o peito viril. Lembrou-se de como eram suaves quando se encostaram em seus seios nus. Explorando com toda a calma, aos poucos foi abrindo mais a camisa, para que pudesse ver os músculos que cobriam-lhe o abdome.

Derrick mal podia respirar, mas não disse nada. Ser tocado por ela era o tormento mais delicioso que já tivera de suportar. Os dedos de Nelly tocavam e se afastavam como borboletas sobre uma flor recém-desabrochada.

Quando as unhas de Nelly arranharam seu mamilo, Derrick deixou escapar um som semelhante ao de um animal ferido.

— Desculpe-me — disse ela, envergonhada. — Está tudo bem. Não são só as mulheres que têm sensibilidade. Gosto que me

acaricie. Vai acabar me matando, mas eu gosto. Ela corou de novo. Uma semana atrás nem sequer se conheciam. Nunca beijara

ninguém antes de Derrick, e agora... — Você é tão diferente! — Homens e mulheres são diferentes, Nelly. Ou você não notou que os garanhões não

são iguais às éguas? Rindo, Nelly deu-lhe um tapinha no ombro. — Não brinque! Isto é muito... — O quê? -— Não sei. — Nelly temia estar sendo muito atrevida. — Achava que as mulheres não

gostavam de certas coisas. A gargalhada de Derrick reverberou pelas colinas.

Page 40: Patricia waddell - só mais um beijo

— Homens e mulheres são diferentes, mas ambos são criaturas de Deus. Os animais gostam de ser tocados. Beldare não deixa você passar por perto sem oferecer-se para um carinho. Os bebês adoram afagos. Faz parte de estar vivo.

Nelly nada comentou, mas seu sorriso foi suficiente para mostrar a Derrick que ela começava a compreender a paixão que os incendiava, assim que chegavam perto um do outro.

— Só mais um beijo, querida, e então voltaremos para casa. Temos de nos esforçar para sobreviver até o casamento.

"Só mais um beijo" se transformou em dois, três, até que Derrick começou a se arrepender de tê-la feito se sentar em seu colo. Cada movimento de Nelly causava uma sensação muito doce, mas também dor. A respiração dela em seu tórax nu ameaçava levá-lo à loucura.

— Hora de ir embora. — Derrick cerrou os dentes ao tirar Nelly de cima de suas pernas e colocá-la de pé.

Ela se esforçou para não protestar. Jamais se sentira tão acolhida, tão relaxada, tão bem.

Derrick abotoou a camisa e estendeu-lhe a mão. Sua noiva tinha a aparência de uma mulher totalmente excitada. Teriam de retardar um pouco o retorno. Se Gladys visse o fogo que queimava nos olhos dela, sem dúvida assaria Derrick para o jantar.

Ao subir na sela, Derrick sorriu. — Duas semanas, Srta. Pennington, e nem mais um dia. Com o dever da honra ou

sem ele, você será minha esposa. O trajeto foi transcorrido em silêncio até que Nelly e Derrick alcançaram os estábulos. — O que ele está fazendo?—Nelly olhava a cena inusitada a sua frente. Roy afivelara em Sean um tipo de arreio para seres humanos atado por uma corda

colocada sobre o grosso tronco de um carvalho. A medida que Roy enchia de grãos os sacos que estavam presos do lado oposto, o irlandês ia sendo erguido cada vez mais alto.

— Ele está fazendo um peso de jóquei. — Um o quê? Parece mais um instrumento de tortura. Derrick meneou a cabeça. — É um jeito de ensinar o cavalo a aceitar naturalmente o peso extra. Nelly não compreendia. — Aquele irlandês não pode pesar muito mais do que eu. — Um quilo ou dois, talvez. Roy encherá os sacos até que eles fiquem equilibrados

com o peso de Sean. Depois, os sacos serão amarrados em Beldare. Desse modo, Sean poderá cavalgar ao lado dele para cronometrar a velocidade. Essa é a única maneira de julgar como será seu desempenho. Um cavalo corre de maneiras diferentes com jóqueis diferentes. Manteremos os sacos em Beldare a maior parte do tempo. No dia do derby, ele achará o peso de Sean natural.

Depois de encher dois sacos, Roy se afastou para avaliar a distância entre os pés de Sean e o peso da carga, e sorriu, satisfeito.

Derrick apeou e foi ajudar, segurando a corda para que Roy retirasse o peso. Devagar, Sean foi descendo até o solo.

— Já passou da hora do almoço. — Derrick retornou até Nelly, para ajudá-la a desmontar. — Você não comeu nada, ontem. Não quero que fique doente.

— Não se preocupe. Gladys me obrigou a comer biscoitos com geléia, esta manhã. — Diga-lhe que eu e Sean iremos em seguida. Surpresa demais para reagir ao beijo

carinhoso que Derrick deu em seu rosto, Nelly lhe entregou as rédeas de Lady Jay e foi para casa. Gladys, na despensa cantarolava, quando Nelly passou pela cozinha e subiu as

escadas. Encontrou Vicky, que usava um vestido amarelo com um laço preto que combinava com as fitas de veludo ao redor do corpete. A tia de Derrick parecia muito alegre.

Page 41: Patricia waddell - só mais um beijo

— Fico feliz que não esteja metida em seu quarto, Nelly. Apreciou o passeio? — Sim, muito. — Ótimo. Então, apresse-se e vá se trocar. Descobri que Gladys odeia quando não

obedecemos os horários das refeições. Divertida, Nelly se apressou para seus aposentos. Quinze minutos depois, entrava na

sala de jantar. Ficou desapontada ao saber que Derrick iria almoçar com Roy e Sean. Não querendo

parecer rude, porém, forçou-se pura apreciar a refeição leve de presunto fatiado com legumes cozidos, ouvindo Vicky falar, sem parar, sobre as lojas em Louisville que iriam visitar.

— Não preciso de tanta roupa — Nelly disse, surpresa, quando a tia de Derrick lhe apresentou uma lista de artigos a adquirir.

— Claro que precisa! Meu sobrinho terá de começar a receber, agora que tem uma esposa. Haverá jantares, chás, e você será a anfitriã. Louisville é uma cidade movimenta-da, e Derrick é um homem importante.

Nelly não protestou, embora tivesse vontade. Não gostava nada da idéia de expor-se. — Vou cochilar um pouco depois do almoço. — Nelly ajeitou a gola da blusa. — Não

dormi bem a noite passada, e o passeio da manhã me cansou. — Repouse bastante, meu bem. Eu tenho convites a despachar. Derrick quer que o

casamento aconteça no último dia do mês; nem um minuto depois. — Ora... Isso não me dá muito tempo, Vicky. — Sossegue e deixe tudo por minha conta. Você já teve preocupações demais nos

últimos meses. Nelly subiu a escadaria sem mencionar que Derrick era a maior de suas preocupações.

Estava apaixonada, mas não fazia a menor idéia dos sentimentos dele. Tudo o que sabia era que ele gostava de beijá-la.

O dia levou uma eternidade para virar noite. Nelly dormira um pouco após o almoço, tomara banho e lavara os cabelos. Em seguida, tentou ler, mas o personagem central do romance a fazia lembrar-se de Derrick, e isso a distraía.

Passou o tempo todo fitando o vazio, pensando em quanto sua vida mudara desde a chegada do homem de Louisville. Escovou os cabelos até que brilhassem como trigo maduro e os prendeu com uma fita púrpura. Escolheu um vestido da mesma cor, com um laço branco, e desceu as escadas.

Ouviu Derrick conversando com Sean e hesitou, quando ele se voltou para cumprimentá-la. Fitando-a com aprovação, puxou a cadeira para ela, que quase perdeu o fôlego quando ele sussurrou-lhe ao ouvido que estava tão linda a ponto de fazer um homem esquecer-se de todos os outros apetites.

— Pare com isso! — Vicky o repreendeu. — Sente-se e se comporte. Você terá o resto da vida para fazê-la enrubescer.

— Mas Nelly fica ainda mais bonita assim, com o rosto vermelho. Sean alcançou a cesta cheia de pães. — A Srta. Pennington me faz lembrar de minha irmã, Catherine. Ela se casou com Tom

Riley há dez anos. Os dois já têm seis filhos, e ela ainda fica corada como um pôr-do-sol de outono.

— Comam. — Gladys colocou a travessa de rosbife sobre a mesa, acompanhado por cenouras e vagens cozidas com cebolinhas brancas.

O irlandês cortou um pãozinho e espalhou manteiga na fatia. Gladys retornou à cozinha, e Sean piscou para Nelly.

— Minha mãe era igual a ela. Bastava uma palavra e nós quatro ficávamos parecendo santos no altar.

Nelly deu risada. — Quando eu tinha seis anos, repeti um palavrão que ouvi Roy dizer nos estábulos.

Page 42: Patricia waddell - só mais um beijo

Gladys lavou minha boca com sabão. Fui correndo contar a tio Frank, mas ele garantiu que faria o mesmo se eu tornasse a repetir aquilo.

Derrick achou graça da confissão inocente. Em seguida, mudou o assunto para os planos de Sean com o garanhão.

Nelly ouvia os dois discutirem o futuro de Beldare. Ficou preocupada ao ouvir o irlandês dizer que o animal precisava de um pouco de disciplina.

— Não permitirei que maltrate nenhum de meus animais — anunciou com firmeza. — Não há nada de errado com Beldare. Ele é mais bem-educado que muita gente.

— Posso garantir que Sean não usará o chicote — afirmou Derrick. — Claro que não! Preferiria perder minha mão a machucar aquele cavalo. Juro sobre o

túmulo de minha santa mãe. Que sua alma descanse em paz. — Então, a que se referem? Não gosto de coisas que não compreendo. A expressão de Sean se abriu num sorriso. — Ela é das bravas, Gentry. — Isso ela é mesmo. — Derrick endireitou a coluna, orgulhoso. Nelly o fulminou com um olhar, e depois se dirigiu ao jóquei, do outro lado da mesa. — Vamos. De que tipo de disciplina está falando? — Para que um cavalo seja um bom corredor, ele tem de confiar na pessoa que o está

montando. Beldare confia na senhorita, mas não me conhece. É demorado conquistar a confiança de um animal, e tempo é algo de que não dispomos.

— E? Nelly imaginava por que os homens sempre tinham de falar com as mulheres como se

a mente delas fosse de uma criança. Estava farta de escutar para não se preocupar com nada. Derrick Gentry virará sua vida de cabeça para baixo; portanto, ela estava em seu pleno direito de se sentir aflita.

— Usarei um pequeno freio na boca de Beldare. Isso não o machucará, mas não será agradável quando eu puxar as rédeas. É importante que o cavalo obedeça meus comandos. Vencer uma corrida implica muito mais do que colocar um garanhão na pista e fazê-lo correr até a linha de chegada.

— Tem certeza de que não irá machucá-lo? — Fique tranqüila. Apenas não será confortável quando ele não obedecer. — Jura? — Nelly encarou Derrick. — Juro — respondeu ele, solene. — Sean mima seus cavalos como qualquer mãe faz

com seus filhotes. Beldare não poderia estar em melhores mãos. A frase "confie em mim" não foi pronunciada, mas ficou pairando no ar. Lembrando-se

de que já afirmara confiar nele, Nelly assentiu. O restante da refeição foi embalada pelo sotaque de Vicky, dizendo a Derrick que

assim que chegassem a Louisville pretendia levar Nelly às compras. — Ela terá de encomendar um vestido de noiva e um enxoval completo. Conheço uma

costureira brilhante, que tem mãos de artista. Nelly ficará maravilhosa com um vestido verde-esmeralda ou azul-real. Pedirei à Sra. Warwick para fazer um de cada cor. — Vicky olhou para Nelly. — Você será o centro das atenções no baile dos Darlington.

Não era a primeira vez que Nelly ouvia aquele nome, mas estava longe de imaginar quem seria aquela família. Só sabia que, cada vez que se fazia referência aos Darlington, Derrick empalidecia.

— Não sei dançar — ela confessou, preocupada. — Temos mesmo de ir a festas, Vicky?

— Sem dúvida, minha querida. A maior parte das reuniões de negócios de Derrick acontece em jantares. A semana anterior ao derby transforma a sociedade de Saint James num frenesi de celebrações. Todos esperam que Derrick e sua noiva compareçam, sobretudo agora, que terão um cavalo inscrito nas corridas. Meu sobrinho dança muito bem. Eu mesma o ensinei.

Page 43: Patricia waddell - só mais um beijo

Derrick percebeu a preocupação no rosto da noiva. Apesar da paixão que Nelly demonstrava quando em seus braços, ela ainda era uma garota do interior. Ele estava acostumado com mulheres sofisticadas, que pintavam o rosto e se vestiam de maneira provocante. Nelly era pura como o ar campestre e fresca como os botões da primavera. Essa constatação tornava a espera ainda mais insuportável.

— Não haverá tantas festas assim — interveio Derrick. — Quando voltarmos de Nova Orleans, pretendo passar tanto tempo quanto possível aqui. Só quero ter certeza de que Beldare deixará o cavalo de Cliff Darlington comendo poeira no derby.

Lá estava aquele nome de novo. Dessa vez, Nelly não resistiu: — Quem é Cliff Darlington?Derrick, mais uma vez, ficou pálido e seus olhos brilharam com tal intensidade que ela

se arrependeu de ter perguntado. Vicky veio em socorro do sobrinho: — Esse rapaz é um presunçoso egoísta, que acredita que a longa linhagem de sua

família lhe dá o direito de desprezar as pessoas. Ele tem uma esposa maravilhosa, mas não se importa nem um pouco com ela, nem com ninguém. Tem obsessão por dinheiro e poder, e por tudo o que isso pode lhe proporcionar.

— Desnecessário dizer que minha tia não o tem em boa conta. Nem eu. — Nesse caso, por que ir à festa dele? — A sociedade tem regras bizarras — explicou Derrick. — Uma delas é ter de aceitar

convites para eventos na residência de alguém que você detesta. Sentindo que seu noivo não ia lhe revelar as razões pelas quais odiava Darlington,

Nelly preferiu deixar as indagações para outra ocasião. Mais cedo ou mais tarde, descobriria tudo.

Sean pediu licença para se retirar, após recusar um pedaço de torta. Gladys não gostou disso, mas aceitou a recusa por saber que a causa não era um reflexo de suas habilidades culinárias.

Derrick relaxava com um copo de vinho tinto, enquanto Nelly brincava com a crosta crocante de sua torta.

— Você parece preocupada com algo. — Nada em particular. O problema é que... — Diga. O que há, Nelly? — Não gosto de festas, Derrick. Fui a algumas com tio Frank. Pensei que seriam como

as festinhas de domingo que acontecem por aqui, mas não eram. As pessoas ficavam me olhando...

— Quer dizer que os homens ficavam olhando. — Ele sorriu. — Não gosto de ser o centro das atenções. Dá a impressão de que tenho duas

cabeças. — Nelly, você é muito linda, por isso todos a admiram. Mas fique tranqüila, eu estarei a

seu lado. Um dos deveres do marido é manter os conquistadores bem longe. Vicky deu risada.

— Vou deixá-los a sós. — Quando chegou na porta, completou: — Não deixe que ela fique acordada até muito tarde, Derrick. Teremos muito o que fazer antes da viagem para Louisville.

Nelly tentava apreciar a sobremesa que Gladys lhe servira, mas quase nem conseguira tocá-la. Afinal, estava sozinha na sala com Derrick. Podia ouvir Gladys limpando a cozinha, enquanto Roy jantava.

Derrick parecia sentir o mesmo, pois se aproximou e ofereceu-lhe sua bebida. — Nunca tomei vinho antes — disse levando, o copo até o nariz e inalando seu buquê.

— Tio Frank dizia que bebida é coisa para homens. — O vinho não é como o uísque. E bem mais fraco. Experimente. Nelly provou o líquido escuro, surpresa com a complexa mistura de sabores. Era doce

e amargo ao mesmo tempo, e aqueceu seu corpo de imediato.

Page 44: Patricia waddell - só mais um beijo

— Tome mais um pouco. Gosta? Lambendo o lábio inferior, ela sorriu. — O paladar é estranho, mas é agradável. — Frank tinha um gosto excelente para bebidas. Bom vinho e boas mulheres são

difíceis de encontrar. — Foi um cumprimento, Sr. Gentry? — Nelly se surpreendeu com a própria ousadia.

Será que o álcool agira assim tão rápido? — Prefere que seja? — Derrick se viu pisando em território perigoso outra vez. Queria

beijá-la e sentir o sabor do vinho de um modo diferente. — Um homem não deve ter dificuldade para elogiar a mulher com quem vai se casar. A

menos que não goste dela. — Não estou acostumado a beijar mulheres de quem não gosto.Ele tinha feito muito mais do que beijá-la. Quando seus olhares se encontraram, Nelly

soube que Derrick se recordava do que acontecera na sala e no que poderia facilmente ter acontecido no pomar, naquela tarde.

Teve vontade de perguntar-lhe quantas mulheres ele já beijara, mas o vinho não lhe deu coragem para tanto. Ia ser a esposa de Derrick. Confiar nele significava acreditar que seria fiel aos votos, do mesmo modo que ela.

— Gostaria de fumar um charuto. — Derrick se levantou. — Ainda não começou a chover. Que tal sairmos um pouco?

— Vou apanhar um xale. Derrick manteve a porta aberta, e sorriu quando ela passou por ele em direção ao

fresco ar da noite. Com o sol posto e as estrelas brilhando, fazia um pouco de frio, mas não a ponto de ser desconfortável.

Nelly suspirou, encostando-se no balaústre da varanda. Uma forte chuva se aproximava.

— Adoro a ventania. Em noites de muito vento, costumo fechar os olhos e imaginar os navios sendo empurrados nos oceanos, e as árvores balançando.

— Você é romântica, Srta. Pennington. Nelly torceu o nariz. — Quer dizer que homens nunca têm pensamentos românticos? — Não com navios e árvores. Romance é para jovens garotas sonhadoras. Ela quis protestar. Em vez disso, porém, mirou o firmamento, imaginando o que o

destino lhe reservara. — E você, Derrick? O que pensa do amor? A bebida soltara sua língua, e não havia mais como retirar o que tinha dito. — O amor tem muitas definições, Nelly. Tantas quantas o número de pessoas que

alegam senti-lo. Eu prefiro a paixão. O amor é uma ilusão. Esquecido do charuto que pretendia fumar, Derrick ergueu o queixo dela e olhou dentro

daqueles olhos esperançosos. Compreendeu, então, o quanto Nelly era inocente e como conhecia tão pouco o mundo real.

Nelly viu a expressão de ceticismo no semblante do noivo. Vicky estava certa. Os homens não gostavam de falar sobre seus sentimentos. A paixão é mais física do que emocional, portanto, mais segura.

— O amor não é uma ilusão, Derrick. É como o vento. Você não consegue ver ou tocar, mas ele é real, pois pode senti-lo.

— Muito poético. Mas ainda prefiro a paixão. Ao contrário do vento, a paixão não refresca, mas sim queima. E eu adoro o jeito como você arde em meus braços. — E Derrick a beijou.

Nelly tentou lutar contra a intensa sensualidade que a invadiu, mas desistiu logo. Derrick a balançava, gentil, com os dedos a apertar sua cintura. Quando a mão se ergueu para repousar na curva do seio redondo, Nelly tentou empurrá-lo. Mas era tarde demais.

— A paixão é a coisa mais forte sobre a face da Terra. — Ele baixou a cabeça para dar-lhe outro beijo. — Mais que o amor ou o ódio. Sem ela, a raça humana já estaria

Page 45: Patricia waddell - só mais um beijo

extinta há muitas gerações. Nelly se recusava a acreditar nele. Não podia crer que seu corpo fosse mais importante

que seu coração. Mas, ao mesmo tempo, era impossível ignorar o que Derrick dizia, quando sentia aquelas mãos se movimentando por suas curvas, com toques lentos e suaves que faziam suas pernas fraquejar.

— Não posso prometer-lhe amor, Nelly. Tudo o que tenho condições de lhe dar é o que estou sentindo agora.

— E se não for suficiente? — Terá de ser. Não quero que. falsas esperanças entrem na igreja junto com minha

noiva. Serei o melhor marido que conseguir ser. Nunca lhe faltará nada, e a River Run pertencerá a nossos filhos.

Nelly sentiu o golpe. Derrick não a amava. Ele a desejava. Se fosse esperta, tentaria se lembrar sempre disso. Desvencilhou-se.

— Não pedirei mais do que você pode me dar.Soltando-a, Derrick retrocedeu alguns passos, antes de apanhar o charuto do bolso do

colete. Riscou um palito de fósforo na coluna de tijolo, e o cheiro do tabaco misturou-se ao perfume da chuva que se aproximava.

Nelly olhou para cima. A tempestade movia-se silenciosa no horizonte. Não havia raios nem trovões, apenas o triste som do vento que trazia a chuva em direção a eles.

— Pensando em desistir? — Derrick notou a mudança de humor nela. — Você é quem insiste nesse casamento. Sabia que estava sendo tola de novo, mas não conseguia abrir mão de ser amada.

Afinal, fora Derrick quem lhe ensinara que todas as coisas vivas gostam de ser tocadas. Então, como seria possível um ser humano tocar alguém com amor sem de fato se importar com essa pessoa?

Derrick, que então se achava encostado numa coluna, foi para perto de Nelly, que tentava se proteger do frio com o xale de lã, e tirou o casaco para colocá-lo nos ombros dela.

Nelly sentiu um calafrio ao pensar na ironia do destino. Derrick lhe daria filhos e os amaria, sem dúvida alguma. Mas não tinha certeza de que ele poderia aprender a amá-la. Toda a sua excitação desapareceu, como os sonhos ao amanhecer.

No fundo de si mesma, Nelly encontrou uma coragem incrível. Descobrira-a na ocasião da morte de Frank. Sobrevivera à febre que matara seus pais, mas não queria sobreviver ao casamento. Desejava vivê-lo intensamente, junto com o homem que seria seu marido. Queria compartilhar mais que a cama com Derrick Gentry. Precisava ter uma parte de seu coração.

—Está ficando frio, Derrick. Vou entrar. — Tirou o casaco e o entregou a ele. Ali, com o gosto dos beijos de Derrick nos lábios, Nelly acabou concordando com seu

futuro marido. O amor poderia mesmo ser uma ilusão. Para conhecê-lo, uma pessoa tinha de querer ser amada. Tudo o que Derrick queria, no entanto, era seu corpo.

— Partirei em viagem antes do amanhecer, Nelly. Espero que você esteja no River Queen quando ele ancorar em Louisville, na semana que vem. Vou buscá-la no porto.

Nelly afastou -se, sem dizer nada. Derrick a fez parar, segurando seu braço. — Nem pense em deixar-me esperando no altar, Srta. Pennington. Se estava com

medo do que o reverendo Perkins pensaria de um casamento apressado, imagine o que ele dirá quando eu voltar à River Run e carregá-la até a igreja em meu ombro, como se você fosse um saco de café.

A única resposta que Derrick obteve foi o som da porta batendo em seu rosto. Capítulo VI

Page 46: Patricia waddell - só mais um beijo

A água verde e limpa batia no fundo do navio e o balançava para a frente e para trás, como se ele fosse um berço gigante. As rodas das carruagens rangiam ao se moverem nas ruas de cascalho, que levavam para fora do porto.

Louisville não mudara muito desde sua última visita, dois anos atrás. Só estava maior e continuava a crescer. Nelly observava a tripulação descarregar a infinidade de baús e de bagagens dos passageiros. Era fim da tarde, e havia uma confusão de pessoas, homens com ternos bem cortados misturados a trabalhadores suados e condutores de veículos ansiosos por pegar a estrada.

A manhã nascera fria, mas ao meio-dia o sol esquentou de forma que a roupa de lã azul de Nelly dispensava o us de um agasalho. Em vez de trançar os cabelos como sempre fazia, ela os prendera no alto da cabeça. Já era hora de deixa de ser uma garotinha do interior.

— Procurando por mim? Ao se virar, Nelly deparou com Derrick atrás de si. El usava um terno cinza-escuro com

uma camisa branca e um colete azul-real, que acentuava-lhe a cor dos olhos. Estava todo bronzeado e tão bonito, de pé, ali, com a cidade ao fundo, que Nelly teve vontade de esquecer suas boas intenções a atirar-se em seus braços fortes.

Tantos dias sem vê-lo a deixaram fraca e triste, como se uma parte vital estivesse faltando. Reencontrá-lo foi suficiente para que seu coração voltasse a bater alegre, como um pássaro que testa suas asas pela primeira vez.

— Ainda está com raiva de mim? — Tenho meus motivos. — Ela segurou o chapéu, para evitar que ele fosse levado

pelo vento. — Suas palavras de despedida não foram muito gentis. O som da risada de Derrick soou como música a seus ouvidos. Nelly teve seis longos

dias para entender que tinha de achar uma maneira de fazer seu futuro marido acreditar no amor. Sem saber como agir, decidiu se deixar guiar pelo instinto. Além do mais, chegara a uma conclusão. Dali em diante, iria parar de preocupar-se com os motivos pelos quais não deveria amar Derrick e iria concentrar-se em fazer com que ele a amasse.

— Eu peço desculpas. — Derrick fez uma reverência exagerada. Suas pupilas tinham um brilho engraçado, como os de um garoto apanhado em uma travessura. — Não sou muito bom com despedidas.

— Acredito que não, de fato. Quando ele tentou puxá-la para seus braços, Nelly ergueu a mão, num aviso. — Se está pensando em me beijar, Sr. Gentry, pense melhor. A expressão dele se

transformou. — Qual o problema? —Nenhum. —Nelly sorriu. — Só que andei ponderando... — Sobre o quê? Os olhos azuis fitaram-na. Derrick sentira saudade, muito mais do que queria admitir;

sobretudo para ela. Em vez de esfriar o desejo que sentia, o tempo e a distância só fizeram aumentá-lo. Pretendia distraí-la com as formalidades de uma conversa de reconciliação e depois beijá-la até que Nelly se rendesse a seus carinhos.

Decidindo que aquela seria uma boa hora para apresentar ao futuro marido a pessoa que realmente era, Nelly umedeceu os lábios e disse o que tinha em mente:

— Não estou aqui porque você ameaçou ir atrás de mim, e não tenho a intenção de permitir que comece nosso casamento impondo ordens ou restrições. Recuso-me a ser intimidada como um empregado que tem medo de perder o emprego. Não serei uma esposa maleável, que se senta na sala para receber seus clientes e depois desaparece, até que seus serviços sejam necessários de novo. Não costumo obedecer só pela obediência. Agora que sabe disso, se ainda quiser casar-se comigo, eu aceito.

— Isso é o que eu chamo de um discurso! — Derrick cruzou os braços. — Estou sendo

Page 47: Patricia waddell - só mais um beijo

castigado ou perdoado? É difícil de saber. — Nem uma coisa nem outra. — Nelly se sentia caminhando à beira de um abismo. —

Só que não tenho sido eu mesma nos últimos tempos, por causa da morte de tio Frank e a preocupação com a River Run. Não quero que pense que meu comportamento recente é o normal. Asseguro-lhe de que não é. Sou muito independente.

Os olhos de Derrick brilharam, divertidos. — Espero apenas que não seja independente demais. Um marido gosta de achar que

precisam dele de vez em quando. Nelly não conseguiu evitar um sorriso. — Temos de aprender muito um sobre o outro. — Sim. — Ele lhe ofereceu o braço. — E teremos o resto de nossas vidas para fazê-lo. Sentindo-se estranhamente livre das preocupações que pesaram sobre seus ombros

nos últimos meses, Nelly aceitou o apoio de Derrick e deixou que ele a conduzisse de volta à cabine que ela partilhara com Vicky. Os baús já haviam sido retirados, e cama estava feita. Não acharam Vicky em lugar algum.

— Onde está sua tia? — Aluguei um coche para levá-la para casa. Enquanto você se distraía observando o

movimento, eu a despachei. Nelly sentiu o resto do mundo sumir quando ele fechou a porta. — Nesse caso, devemos ir também. Estou ansiosa para conhecer o lugar onde vou

ficar até o casamento. Diminuindo a distância entre os dois, Derrick tomou-lhe a mão e a beijou. Nelly não

usava luvas, e a leve pressão dos lábios quentes em sua pele provocou pequenos arrepios em seu braço.

— Também estou ansioso. — Ele a enlaçou pela cintura. — Quero um beijo. Nelly virou a cabeça. — Não somos casados ainda. — Mas estamos noivos. — Precisamos nos conhecer melhor. —A proximidade dele já estava causando o efeito

de sempre. — Nossa relação começou rápido demais, Derrick. Creio que seria melhor se nós...

Nelly não protestou quando dedos ágeis puxaram seu rosto para beijá-la. — Poderemos conversar na carruagem, durante o jantar e todos os dias até o dia em

que nos casarmos. Mas agora quero beijá-la. O beijo foi lento e suave. Nelly se agarrou ao pescoço dele, compreendendo que

jamais teria forças para resistir ao que aquele homem lhe oferecia. Não importava como a relação havia começado, sabia que pertencia a Derrick Gentry.

Derrick também experimentava sentimentos incomuns. Esteve muito ocupado, mas nada conseguira tirar Nelly Pennington de sua cabeça. Chegara cedo às docas, temendo que ela tivesse mudado de idéia e resolvido ficar na River Run. Quando a viu no deque, com os cabelos ao vento, suspirou, aliviado.

Incapaz de resistir ao calor do corpo pequeno em seus braços, Derrick apertou-a com mais força e aprofundou o beijo. Quando achou que não conseguiria mais parar, afastou-se para não atirá-la na cama.

— Chega, ou terei de sair à procura de um padre. — Você começou. — Ela fez um trejeito maroto. Nelly se arrepiou quando ele cobriu-lhe os ombros com um xale, e teve de se

concentrar para não cair na escada estreita que levava ao deque principal do navio. Derrick pediu-lhe que esperasse lá embaixo, enquanto trocava algumas palavras com o

capitão, e ela aproveitou para se recompor e dar continuidade a seu plano. Gladys lhe dissera certa vez que os homens são como cavalos selvagens. Era preciso

muita paciência e mão leve para domá-los. Nelly fez uma prece silenciosa para que fosse

Page 48: Patricia waddell - só mais um beijo

paciente o bastante para convencer Derrick de seu jeito de ver as coisas. Se mostrasse seu amor por ele, dia após dia, não deveria demorar muito para que o teimoso enxergasse o que estava perdendo. Os homens podiam ser diferentes das mulheres, mas ainda eram humanos. E todos desejavam ser amados.

Pensava nisso, quando Derrick se juntou a ela. — Cuidado com os degraus — disse ele, ao atravessarem a ponte estreita que ligava o

River Queen às docas. Nelly apreciou colocar os pés em terra firme e deixou que Derrick a ajudasse a subir na

carruagem. Porém, não permitiu que o noivo notasse o grande prazer que sentia por se sentar ao lado dele. Aquele homem já era muito seguro de si, decidiu, quando o veículo partiu em direção ao centro da cidade.

Em instantes, a carruagem saiu da estrada principal e se dirigiu para a área residencial, até que parou em frente a uma bela casa de três andares com portões de ferro e roseiras debruçadas sobre eles.

A residência era pintada de amarelo-claro com janelas verde-escuro, e tinha uma larga varanda de ambos os lados. Nelly sorriu quando olhou para a porta principal. A janela de vidro refletia o sol da tarde como se fosse um pequeno arco-íris.

— É linda, Derrick. — E bastante confortável. Você poderá mudar o que quiser, exceto meu escritório.

Mantenho sempre as portas fechadas, apesar das reclamações de Vicky. — Eu não pensaria em mudar nada em sua casa. — É sua também, Nelly. Embora estivesse aprendendo muito sobre o amor e sobre um homem chamado

Derrick Gentry, Nelly não conseguia ver outro lugar como seu lar que não fosse a River Run. Mas guardou os pensamentos para si mesma e seguiu-o até a entrada da elegante moradia.

Estudou a mobília em estilo europeu e o grande relógio à direita, feito de cerejeira escura, que combinava com a mesa e o banco baixo, no lado oposto da porta. Um vaso chinês, transbordando de flores secas e folhas de eucalipto, se achava sobre a mesa. Ela olhou para cima, para apreciar o gigantesco lustre suspenso no teto, quando uma senhora, usando um uniforme cinza com avental branco, entrou na sala.

— Madeline, esta é a Srta. Nelly Pennington. Nelly, esta é Madeline. Ela dirige nossa casa como se fosse um quartel. Henry, o marido dela, é meu condutor. Depois, ela lhe apresentará os demais empregados.

— Muito prazer em conhecê-la, Srta. Pennington — Madeline a cumprimentou e se voltou para Derrick. — Sua tia subiu, senhor. Tomei a liberdade de pedir chá para a Srta. Pennington. Será servido em seguida.

— Obrigada. Na opinião de Nelly, Gladys e Madeline, embora não fossem fisicamente parecidas,

tinham o mesmo sentimento de posse em relação aos lares que serviam. — Gostaríamos de beber alguma coisa, Madeline. Traga lambem alguma coisa leve

para comermos. — Sim, senhor. Derrick tomou a mão de Nelly e a levou a uma sala. — Você poderá ver o restante da casa outra hora, Nelly. Estou de pé desde a

madrugada. Quero alguns minutos de antes que tia Vicky desabe sobre nós com sua tagarelice.

Isso não é muito simpático de sua parte. Sua tia tem sido muito gentil comigo.— Lógico que sim. Ela mal pode esperar para me ver casado, quieto dentro de casa,

como um gato perto da lareira. — E acha que conseguirá acostumar-se com a vida de casado? — Nelly pôs seu xale

sobre uma cadeira forrada de brocado, que era pelo menos um século ou dois mais antiga

Page 49: Patricia waddell - só mais um beijo

que a residência. O cômodo em que encontravam era maior que qualquer outro que ela já tivesse visto.

Uma enorme pintura a óleo estava pendurada acima da lareira de mármore italiano, re-tratando uma cena bucólica de vários cavalos pastando em um prado. Um tapete oriental cobria o centro do assoalho. O vaso, sobre a alta mesa de canto, parecia saído de um museu.

— Duvido — respondeu ele, com sinceridade. — Gosto de manter-me ocupado, e em meu ramo de negócios isso significa viajar para cima e para baixo pelos rios. Também tenho investimentos em Nova York. Talvez possamos ir para lá, nas férias de inverno. Creio que você vai gostar.

Como seria passar o Natal longe da River Run?, Nelly se indagava. Era difícil imaginar outro lugar para o pinheiro e outra pessoa para preparar o peru, alem de Gladys.

— Prefiro passar as festas em casa — afirmou, achando que não deveria esconder o que lhe ia no íntimo. — Acredito que as famílias devem estar reunidas nas datas especiais, não concorda?

Derrick arqueou uma sobrancelha e serviu-se de uma bebida. — Talvez. Minhas recordações familiares incluem apenas rios e barcos, mas, se

pretende introduzir uma nova tradição entre os Gentry, vá em frente. — Não se trata disso. Eu só achei que... — Nelly hesitou e se sentou na beirada do

sofá de veludo. — Vamos, diga o que tem a dizer — incentivou-a Derrick, sorrindo. — Afinal, fui eu

quem pediu para que conversássemos. — Para mim, a família é a coisa mais preciosa que temos. Decerto porque nunca tive

uma. Derrick fez um sinal para que prosseguisse. Nelly cerrou as pálpebras e respirou fundo. — Quero uma família de verdade, Derrick. Um marido e filhos. Muitos filhos. Quero vê-

los crescer brincando uns com os outros, ter uma casa alegre, cheia do barulho que só as crianças são capazes de fazer. E também uma árvore de Natal enorme, muito enfeitada, com todos os meus filhos ao redor dela, enquanto leio para eles a história do menino Jesus. E, quando ficar bem velha, vou adorar me sentar na varanda da River Run com meus netos e bisnetos e contar-lhes sobre Beldare e o dia em que ele venceu o derby.

Ela abriu os olhos. Derrick a fitava com uma expressão indiferente. Simplesmente olhava, como se tivesse

trazido a mulher errada para casa. — Poderia especificar o que "muitos filhos" significa para você? Dê-me um número. —

Ergueu o copo para que ela não visse que ele sorria. — Pelo menos oito. Embora dez fossem o ideal. Seis meninos e quatro meninas. Derrick tossiu, agradecendo por já ter engolido o conhaque, quando Nelly revelou-lhe o

número. Crianças eram uma conseqüência natural do casamento, e ele não poderia negar que já lhe ocorrera ter um herdeiro para sua fortuna. Mas dez filhos?!

— Farei o melhor que puder. — Então, ele piscou, malicioso. Nelly não enrubesceu, daquela vez. Aquilo era importante demais para que se desse

ao luxo de ficar envergonhada. Nesse momento, Vicky entrou na sala com um redemoinho de saiotes e de tafetá. — Falei para Madeline para servir o jantar um pouco mais cedo hoje. Tenho certeza de

que Nelly gostaria de repousar. — Creio que eu é que vou precisar de um pouco de descanso, tia. — E Derrick tornou

a piscar, cheio de segundas intenções, para sua noiva.— Você parece mesmo cansado — Vicky comentou, sem perceber a troca de olhares

entre os dois.—Vem trabalhando demais, meu querido. — E terei de trabalhar ainda mais para alimentar dez filhos. — Derrick esboçou um

lindo sorriso.

Page 50: Patricia waddell - só mais um beijo

— Do que vocês estão falando? — Vicky olhava de um para o outro. — A Srta. Pennington acaba de me comunicar que quer a casa cheia de crianças.

Mencionou algo como seis meninos e quatro meninas. Uma quantidade considerável, não acha?

— Oh! Meu Deus! — E a tia de Derrick explodiu numa gargalhada. — Ainda estou tentando me acostumar com a idéia de que vocês vão se casar!

— Bem... — Derrick se inclinou para beijar o rosto de Nelly. — ...deixarei estas duas adoráveis senhoras tomarem seu chá em companhia uma da outra. Vou subir e descansar um pouco.

— Ai! — Sinto muito — desculpou-se Vicky, cuidando para não deixar cair os alfinetes que

prendia entre os dentes. — Não sei por que Derrick aceitou um convite para jantar em sua segunda noite aqui. Ele sabia muito bem que nenhum de seus vestidos estaria pronto.

Nelly suspirou mas, continuou calada. Como poderia explicar as atitudes dele se nem sequer as entendia? O carinho com que a recebera em Louisville desaparecera por completo. Derrick voltara a ser o empresário ocupado, enquanto ela fazia o possível para acostumar-se com a nova casa.

Ele jantara com a noiva e a tia na noite anterior, mas pareceu preocupado e até um pouco nervoso. Depois da refeição, pediu licença e saiu, deixando-as sozinhas. Nelly não o viu ao desjejum, e quando ele a procurou no fim da tarde foi para informar-lhe que aceitara o convite para um jantar de negócios e que esperava que ela estivesse pronta às oito.

— Quem são os Preston? — perguntou, tentando não se mover para que Vicky não a espetasse de novo.

— Das estradas de ferro, eu acho. — A tia de Derrick deu um ponto no vestido preto e dourado que Nelly usaria naquela ocasião.

— Estradas de ferro e navios. No que mais ele investe? — Em tudo o que der dinheiro. Tudo o que meu sobrinho toca vira ouro. Ou pelo

menos assim parece. Os bons negócios costumam cair nas mãos dele com uma naturalidade assombrosa.

Esses dois últimos dias forem uma amostra do quanto Derrick é ocupado, não será difícil manter nosso casamento, pois nunca o verei. Vicky deu risada.

— Cá entre nós, querida, creio que ele está mantendo distância de propósito. Você o assusta um pouco. Derrick não está acostumado a ser surpreendido pelas mulheres. Céus, como ficou linda! — elogiou quando Nelly se virou para verificar, mais uma vez, o comprimento do vestido no espelho.

Feito de cetim brilhante, o traje apertava a cintura estreita de Nelly antes de abrir-se numa cascata em direção ao chão. As mangas eram estreitas e abotoadas desde os punhos até os cotovelos, onde botões brilhavam como diamantes negros.

— É uma roupa maravilhosa. — Nelly se perguntava se Derrick iria gostar. — Se meu sobrinho não aprovar esse vestido é porque está maluco. Coloque-o sobre

a cama depois que o despir. Pedirei a Madeline para preparar seu banho. O restante da tarde e o começo da noite foram ocupados na preparação de Nelly para

seu primeiro encontro com a sociedade de Louisville. Quando ficou pronta para descer, seu estômago deu um nó e suas pernas se recusavam a se mover.

Derrick a aguardava no vestíbulo. Usava um elegante terno preto com um colete verde e um prendedor de diamante. Nelly se apoiou no corrimão, rezando para que ele estives-se de bom humor. Não respirou até alcançasse o topo da escadaria.

— Você está muito bonita — disse, aproximando-se para oferecer-lhe a mão. Em seguida, conduziu-a até a porta e em direção à carruagem, que Henry trouxera até o portão.

— Está frio, hoje. — Derrick parou. — Espere-me aqui um instante.

Page 51: Patricia waddell - só mais um beijo

Nelly o viu entrar de novo. Quando voltou, ele trazia uma estola de cashmere. — Vi uma senhora usando uma igual quando estive em Nova York da última vez. Achei

que você gostaria. Nelly prendeu a respiração quando Derrick abriu o agasalho e a envolveu nele. Saber

que o noivo gastara seu tempo em Nova York para escolher um presente para ela trouxe-lhe um sorriso aos lábios que não tinha nada a ver com a beleza da peça.

— Não tenho certeza de que não deveríamos enviar nossas desculpas aos Preston. — Derrick ajeitou a estola sobre os ombros dela. — Gostaria de ter você só para mim, esta noite. Está tão linda...

Ouvi-lo elogiar sua beleza naquele tom de voz tão íntimo, causou em Nelly um leve rubor de satisfação.

— Estou ansiosa para conhecer seus amigos — afirmou, tentando mostrar algum entusiasmo.

Não era verdade. Não se dava bem com estranhos, e estava apenas começando a conhecer o homem comi quem se casaria no fim do mês.

— Windell Preston não é meu amigo. É apenas um barão das estradas de ferro que tem muito dinheiro.

— Se não gosta dele, então por que... — ...me arrisco a ter uma indigestão à mesa dele? — Sim. — Porque tenho muito dinheiro investido naquela ferrovia, e a mulher dele quer exibir

seu novo cozinheiro francês. Tentarei tornar o evento o menos doloroso possível. Se não ficar muito tarde, poderemos ir até as docas. Os navios ficam diferentes à noite.

— Apreciaria muito. — Nelly não se importaria em suportar os Preston e um cozinheiro francês se isso significasse estar perto do homem que amava.

Assim que chegaram, uma empregada abriu a porta e os anunciou. A residência dos Preston era grande e imponente, mas não tinha a mesma elegância da dos Gentry.

Derrick ajudava a noiva com a estola quando Windell Preston e a esposa vieram recebê-los, no vestíbulo. O Sr. Preston era obeso e de baixa estatura, com cabelos grisalhos e um farto bigode. Isabel, sua mulher, tinha cabelos escuros e uma cintura tão larga que nenhum espartilho seria capaz de conter. Usava um vestido púrpura e parecia ter mais anéis do que dedos.

— Que jovem adorável, Derrick! — Isabel Preston estendeu a mão repleta de jóias. — É um prazer conhecê-la, Srta. Pennington.

— O prazer é meu. — Nelly, sorrindo, olhou para dentro da sala, onde um senhor loiro, com pálidos olhos azuis, a observava.

Ela se acostumara ao olhar direto de seu noivo, mas a maneira como aquele homem a fitava era bastante rude. Parado à soleira, ele parecia querer enxergar o que havia em-baixo de sua roupa. Nelly sentiu um arrepio, mas não do tipo bom, que experimentava quando Derrick a olhava. Os modos insolentes daquele estranho fizeram-na sentir-se suja.

O noivo pegou-a pelo braço e a conduziu para dentro do salão ricamente decorado com mobília vistosa e um tapete vermelho e dourado.

— Não esperava vê-lo aqui hoje, Gentry — disse o homem, estendendo a mão a Derrick.

Vestia-se com roupas caras, e seu jeito de se expressar não deixava dúvidas quanto a ser uma pessoa que estudara muito, mas Nelly não pôde evitar compará-lo a um pavão exibido. Ela costumava julgar as pessoas do mesmo modo Como julgava os cavalos, por seus movimentos e olhando nos Olhos. Aquele homem não tinha a graça natural de um puro-sangue, e sua alma era fria como um lago no inverno.

— E esta deve ser a Srta. Pennington — disse, tomando a mão enluvada de Nelly para beijá-la. — É ainda mais bela do que dizem. Meu amigo tem muita sorte.

Page 52: Patricia waddell - só mais um beijo

O instinto lhe revelou que a relação de amizade entre os dois homens não deveria ser muito estreita. Um rápido olhar para seu futuro marido confirmou suas suspeitas.

— Querida, deixe-me apresentar-lhe o Sr. Cliff Darlington. Ele e eu fomos para Harvard juntos.

— Muito prazer em conhecê-lo, cavalheiro. — O jantar será servido em alguns minutos — anunciou Isabel Preston. — Venha

comigo, Srta. Pennington. Eu a apresentarei à Sra. Darlington. Abigail, meu bem, esta é a Srta. Pennington.

Nelly se preparou para encontrar uma criatura esnobe. Porém, a senhora sentada na sala era o oposto disso. Abigail Darlington era uma mulher morena com cabelos e olhos castanhos, cujo ventre crescido anunciava sua gravidez. Trajava um vestido azul-claro de colarinho alto, corno c ias tímidas professoras. Nelly gostou dela assim que a viu.

Também se apiedou. Teria pena de qualquer mulher que tivesse de conviver com Cliff Darlington. Derrick poderia não amá-la, mas não a tratava com o gélido desprezo que aquele homem dispensava a Abigail.

— É muito bom conhecê-la. — Nelly aceitou a mão estendida. — Não conheço muita gente na cidade. Espero que venha tomar chá comigo uma tarde dessas.

— Pode estar certa de que irei. — Abigail esboçou um sorriso que iluminou seu rosto triste. — Soube que vai se casar em breve.

— Sim. — Nelly se acomodou ao lado dela no sofá. Aquela senhora precisava de companhia.

Derrick aceitou a bebida que a anfitriã ofereceu-lhe. — Fiquei sabendo que inscreverá um cavalo no derby, Gentry. Que, aliás, pertence à

Srta. Pennington. Muito conveniente ganhar um haras junto com a noiva. Nelly prendeu a respiração, mas a expressão de Derrick não se alterou, assim como a

entonação, que permaneceu suave como o uísque do Tennessee em seu copo. — Adquiri a River Run depois da morte de Frank Matson. Quando descobri que a

fazenda tinha mais a oferecer do que o melhor garanhão da região, fiquei agradavelmente surpreso. Sempre fui um homem de sorte.

Windell Preston riu alto. — De muita sorte! — corrigiu ele. — Já perdi tanto dinheiro no pôquer para você que

daria para construir três estradas de ferro. Se colocar um cavalo no derby, eu apostarei nele.

Nelly não deixou de notar o leve tremor no rosto de Darlington. A rivalidade entre ele e seu noivo era visível.

A empregada que lhes abrira a porta anunciou o jantar. Derrick ofereceu o braço a Isabel Preston. Por sorte, o Sr. Preston estava de pé, perto o suficiente de Nelly para fazer o mesmo, evitando que Darlington insultasse sua esposa acompanhando Nelly até a mesa.

A refeição foi servida em brilhantes bandejas de prata. Nelly não sabia ao certo o que comia. A carne estava mergulhada em um molho branco espesso, e os legumes tinham mais gosto de especiarias do que de vagens e cenouras. Porém, conseguiu manter as aparências, provando de tudo o que lhe foi servido. Por sorte, não se considerava adequado que senhoras tivessem muito apetite.

A conversa à mesa foi dominada pelos homens. Nelly apenas ouvia, enquanto Preston e Derrick discutiam a expansão do sistema ferroviário, que começava a cruzar os Estados do Oeste. Só mudaram de assunto quando a criada substituiu os pratos por pratinhos de sobremesa, enfeitados com filetes dourados.

Como era esperado, a conversação se voltou para a recente corrida de cavalos na Spencer Country Fair. Buchanan tinha vencido com facilidade os demais garanhões de três anos. — Darlington tem certeza de que vencerá o derby — disse. — Não sei muito a respeito do castanho que você adquiriu, Gentry, mas dizem que é.tão rápido quanto um

Page 53: Patricia waddell - só mais um beijo

relâmpago. — Mais ainda — corrigiu Derrick, sorridente. Nelly não pôde evitar mirar Darlington. Os olhos dele estavam frios como aço. — O que acha de uma aposta particular, Gentry? — sugeriu Darlington. — Aposto dez

mil dólares que meu garanhão cruzará a linha de chegada em primeiro lugar, no dia do derby.

A Sra. Preston cobriu a boca com um guardanapo de linho, e seu marido tossiu várias vezes. Abigail, por sua vez, ficou branca como cera. Derrick, contudo, apenas sorriu.

— Aposte o quanto quiser nas casas especializadas, Darlington. Não pretendo falar sobre isso à mesa do jantar.

Humilhado pela resposta de seu oponente, Darlington tentou recompor-se. — Entendo. Bem, não posso culpá-lo. Dez mil dólares é muito dinheiro para se perder. — Eu não iria perder. — Sem se abalar, Derrick aceitou a xícara de café que lhe foi

oferecida. Nenhuma palavra foi dita por vários minutos. Ficou evidente para todos que Derrick

não dava a mínima para a fortuna de Darlington. — Soube que a Sra. Warwick está fazendo seu vestido do noiva — Abigail falou pela

primeira vez desde o início da refeição. — Ela é ótima. — Acredito que sim. — Nelly sentia muita simpatia pela jovem senhora. — Fiz a

primeira prova esta manhã. — Tenho certeza de que a senhorita faz a alegria deu uma modista—observou

Darlington.—É uma lástima que ainda levará meses até que minha esposa possa caber num vestido decente outra vez.

A observação foi grosseira, insensível e desnecessária. Nelly teve muita vontade de dizer-lhe isso, mas preferiu só para a esposa dele.

— Mal posso esperar para que eu e Derrick tenhamos filhos, Sra. Darlington. Prefiro ter um bebê a um vestido novo, mesmo que original de Paris. Abigail a fitou, agradecida.

— Nosso filho, Michael, é a alegria de minha vida. Espero que o bebê que carrego seja uma menina.

— Pois eu prefiro outro menino. — Darlington olhou com indiferença para sua esposa, antes de pedir a opinião de Preston sobre a expansão da cidade e os planos para a cons-trução de um novo fórum.

Enfim, Preston terminou sua sobremesa e se levantou, pondo fim ao elaborado jantar. Era hora de os cavalheiros se retirarem para mais uísque e charutos.

Nelly se juntou a Abigail e à anfitriã, no vestíbulo, e puseram-se a falar sobre o casamento e a chegada da primavera. Instantes depois, a Sra. Preston pediu licença para ir tomar algumas providências, e Nelly viu-se a sós com Abigail.

— Espero mesmo que venha para o chá, Sra. Darlington. Posso mandar uma carruagem buscá-la.

— Não será necessário, querida. Nós moramos bem em frente à casa dos Gentry. — Oh! — Nelly ficou envergonhada. — Não há problema. Você está na cidade há muito pouco tempo. — Tem razão. — Nelly se sentiu embaraçada por não saber que os Darlington viviam

na impressionante mansão de tijolos aparentes, bem diante da sociedade de Saint James. — Peço-lhe desculpas pela indelicadeza de meu marido. Ele e Derrick não se dão

muito bem. — E a senhora sabe por quê? — Não. Quando perguntei, Cliff ficou muito bravo. — Bem, não vamos deixar que isso nos impeça de sermos amigas, não é? A menos

que seu marido faça objeção. — Não me importo com isso. Gosto da senhorita e do Sr. Gentry. Ele sempre foi muito

gentil comigo.

Page 54: Patricia waddell - só mais um beijo

Quando a Sra. Preston voltou, Derrick estava com ela. — Por favor, queiram nos desculpar por nos retirarmos tão cedo. — Derrick endereçou

um caloroso sorriso a Abigail.— Minha tia insiste em que eu leve a Srta. Pennington para casa no horário que ela

estabeleceu. — Está desculpado — respondeu Abigail. — E obrigada por tê-la trazido. E muito bom

fazer novos amigos. Os dois desciam os amplos degraus que levavam até a rua, quando Nelly estranhou

encontrar uma carruagem de dois lugares, em vez da maior em que tinham vindo. — Com medo de ficar sozinha comigo no escuro, Nelly? — Não. Estava uma noite linda. O ar era fresco, mas a estola a mantinha aquecida. Quando o cavalo começou a atravessar a cidade, Nelly mirou as estrelas, que

lembravam diamantes contra o manto negro do firmamento. Os lampiões a gás brilhavam como velas enormes, iluminando as ruas de cascalho. Ao passarem pelas casas elegantes, Nelly tentava imaginar quem viveria nelas e se as esposas seriam todas tão infelizes quanto Abigail Darlington.

Derrick pareceu ler seus pensamentos. — Obrigado por ter sido boa com Abigail. Ela não tem muitas amizades. — Gosto dela. Não é de admirar que não tenha muitos amigos. Não se pode culpar

ninguém por não querer estar perto do Sr. Darlington. É difícil imaginar como uma mulher tão doce acabou casada com um homem que tem a delicadeza de um bode.

Derrick gargalhou. — Duvido que ela tenha escolhido essa união. Comparada à família dos Darlington, a

de Abigail é muito mais tradicional e mais rica. Não foi um casamento, mas um negócio. Nelly não queria comparar seu matrimônio próximo com o da triste senhora, mas não

pôde evitar. Para se distrair, concentrou-se nos prédios que cintilavam no escuro. Louisville era uma cidade fantástica, uma rica mistura do moderno com o antigo.

Quando alcançaram as docas, na margem leste do rio Ohio, suas dúvidas já tinham desaparecido. Derrick não era como Cliff Darlington.

O veículo parou no fim da rua, onde acabava a cidade e começava o porto. Os contornos dos barcos à luz do lampião e das lanternas chinesas lembravam árvores de Natal.

— É lindo! — Nelly suspirou. — Aquele é o Triunfo. — Derrick apontou, orgulhoso, o maior barco. — Estará a

caminho de Cincinnati logo pela manhã. Minha cabine particular fica na parte superior. Tem vários quartos.

Mas só uma cama, ele disse para si mesmo. Poderia apostar que Nelly estava pensando na lua-de-mel.

Derrick relaxou e deixou o braço repousar no assento de couro, atrás dela. Sua noiva estremeceu, de leve.

— Com frio? — Não. — Nelly apertou a estola ao redor de si. — Impossível, tendo esta peça de

cashmere tão quente e tão macia me envolvendo. — Sua pele é mais quente e mais macia que ela. — Ele acariciou-lhe o rosto e o

pescoço. — Se eu não fosse um cavalheiro, arrastaria você para o escuro, para fazermos amor.

Nelly pôs um dedo em riste. — Comporte-se — disse, brincando. — O casamento se realizará daqui a poucos dias.

Além do mais, você me prometeu um vestido de noiva. — E, eu sei. — Respirou fundo, frustrado. — Mas é bom que continue a me lembrar

disso. Está ficando cada vez mais difícil recordar. Sobretudo ao vê-la desse modo, como

Page 55: Patricia waddell - só mais um beijo

um anjo dourado envolvido em luar. Ela sorriu. — Entretanto, não falei que não poderia me beijar—murmurou. — Apenas um beijo. Derrick balançou a cabeça e tomou as rédeas. — Não será suficiente, Srta. Pennington. Da próxima vez que a beijar, será meu direito

legal só parar quando estiver exausto demais para me mexer. Quase alcançavam a sociedade de Saint James quando Nelly criou coragem para

perguntar:— Por que não gosta de Cliff Darlington? — Nenhuma razão em particular. Mas não se preocupe, isso não impedirá você e

Abigail de serem amigas. Cliffe eu nos suportamos apenas porque o escritório de advocacia dele atende a muitas das pessoas com quem tenho negócios.

Nelly sabia que ele estava mentindo, por isso insistiu: — Foi por causa dele que você comprou a hipoteca da River Run? — De certa forma, sim. Henry apareceu para abrir-lhes o portão. Derrick desceu do coche, deu a volta e parou

a fim de oferecer a mão à noiva. —A River Run foi um investimento. Muito bom, por sinal. O criado se foi para guardar o veículo.

— Entendo. — Nelly ficou triste por ele não confiar nela. — No entanto, nenhum homem de negócios compraria uma hipoteca para depois devolver a propriedade em troca de um cavalo de corrida; Você quer que Beldare vença o garanhão de Darlington para que toda a Louisville veja.

—Você é muito perspicaz. — Derrick lhe apertou os dedos. — Apenas percebi o óbvio — retrucou, esperando que ele abrisse a porta. — Mas não

posso culpá-lo. Conheci aquele homem hoje, e já posso dizer que gostaria de vê-lo engolir seu orgulho e arrogância.

— Por que o sorriso? — É irônico pensar que devo meu casamento a um homem que detestei à primeira

vista. — Nelly olhou para trás, à soleira, avistando a casa do outro lado da rua. A expressão dele endureceu. — Cliff Darlington não tem nada a ver com nosso casamento. — Será que não, mesmo? — Ela sentiu a magia que OH envolvera até então

desaparecer. — Se você não quisesse transformá-lo em alvo das chacotas da sociedade, jamais teria ido a River Run, não teria me conhecido e não teríamos sido flagrados na sala. E se não tivéssemos sido apanhados, você não se sentiria obrigado a se casar comigo.

— Está sendo ridícula. — Ah, é? — Nelly passou na frente dele e entrou no hall, tirando a estola e jogando-a

em Derrick, num acesso de raiva. — Você não me ama mais do que Darlington ama Abigail!

— Não sou Cliff Darlington! — Atirando a estola no chão, ele fechou a porta e a puxou para seus braços. — E você não é Abigail. Tem mais fogo em seu dedo mínimo do que ela no corpo todo, Nelly. Vamos nos casar porque você gostou do que houve entre nós. E adora cada vez que a toco.

Nelly tentou se livrar do abraço, mas não conseguiu. — Chame de paixão, de amor, do que quiser. O que importa é que você gostou. — A

voz dele se transformou num sussurro sedutor: — E saiba de uma coisa, Srta. Pennington: no final da semana você será minha.

Derrick a beijou com ardor. Quando interrompeu o beijo, Nelly levou os dedos nos lábios inchados, sentindo-se em chamas.

— Eu a desejo, Nelly. Abigail não saberia o que é a paixão mesmo que esse sentimento desabasse sobre ela. Esconda-se atrás de românticas noções de amor, se

Page 56: Patricia waddell - só mais um beijo

isso lhe fizer bem, mas não finja que seu corpo não está implorando por minhas mãos, porque eu sei que está.

— Você está sendo rude! — Nelly desejando que aquela verdade não a ferisse tanto. Ela o queria, mas o desejo começara junto com o amor.

— Estou sendo honesto, isso sim. O que quer que seja que sentimos um pelo outro, não pode ser ignorado, nem disfarçado com meias verdades.

— Muito bem. — Nelly adoraria ter coragem suficiente para pegar o vaso de sobre a mesa e quebrá-lo na cabeça dele. — Se prefere que eu seja honesta também, Sr. Gentry, saiba que te amo. Não queria amá-lo. Se pudesse, mudaria o que sinto, mas não consigo. Eu te amo com todo o meu coração, quer você goste ou não!

Enquanto ele tentava absorver o que acabara de ouvir, Nelly lhe deu as costas e correu dali, perguntando-se se o amor por Derrick algum dia lhe traria alegria, em vez do dor.

Capítulo VII Nelly quase não viu Derrick nos dias que se seguiram. Sem saber que seu futuro

marido estava fazendo todo o possível para concluir os negócios que pudessem atrapa-lhar a lua-de-mel, entendeu que ele não tivesse dado importância a sua declaração de amor. A conversa formal que mantinham às refeições a magoava profundamente, fazendo com que se sentisse triste e vulnerável.

Naquele momento, a dois dias da cerimônia, Nelly, de pé como uma estátua, deixava a Sra. Warwick concluir os últimos acertos em seu vestido de noiva.

— Está perfeito! — declarou a modista, dando um passo atrás para apreciar sua obra. O relógio bateu três horas, anunciando o fim do suplício a que ela fora submetida,

tendo de portar-se como uma boneca de porcelana. — Precisamos nos apressar — disse a costureira —, ou não terminarei a tempo as

roupas para a lua-de-mel. Pouco depois, Nelly tomava um chá quando foi surpreendida pela chegada de um

Derrick cansado e aborrecido. — Gostaria de uma xícara de chá? — ela ofereceu, surpresa por vê-lo em casa tão

cedo. — Sim, obrigado. Estou exausto. — Ele se atirou em uma poltrona. — Você saiu antes do amanhecer — comentou, tentando evitar o tremor de suas mãos

ao despejar o chá na xícara. — Seus negócios sempre tomam tanto de seu tempo? — Sim, na maioria das vezes, mas minha agenda ficou apertada por causa do

matrimônio. Ficaremos fora por algumas semanas. Antes que Nelly pudesse pensar em algo para responder, Madeline veio ter com eles. — Um telegrama — anunciou, segurando um papel dobrado, selado com uma gota de

cera. — E para a senhorita. — Para mim?! — Pegando a mensagem, Nelly quebrou o selo e leu a única linha. — O que foi? — Derrick largou a xícara na mesinha e se aproximou dela. — Roy. — Nelly suspirou. — Uma das éguas pisou no pé dele e o quebrou. Ele e

Gladys não virão ao casamento. — Lamento, Nelly. Sei que queria muito que eles comparecessem. — Não terei nenhum conhecido na igreja, além de você e de Vicky. — Nelly se sentou,

arrasada. — Quem me levará ao altar? — Isso não será preciso, querida. A igreja não é tão grande. A nave não é muito

comprida, e eu estarei no altar, a sua espera. Ela o fitou com olhar inquiridor. — Ainda não me disse quem será seu padrinho, Derrick. — Não terei nenhum. Tenho muitos conhecidos, mas ninguém que considere um

Page 57: Patricia waddell - só mais um beijo

verdadeiro amigo. Assim como você, . estarei só. Sentindo-se confortada, Nelly sorriu. Derrick também, esteve bastante confuso nos

últimos dias, pois a declaração de amor de Nelly o pegara desprevenido. Ele a justificou dizendo a si mesmo que proporcionara a uma garota do interior seus primeiros momentos de paixão, e ela os confundira com um sentimento maior. Ele não a amava, mas vinha desenvolvendo uma profunda afeição pela noiva, e o desejo que sentira desde a primeira vez em que a vira ficava cada vez mais forte.

— Tenho um jantar de negócios esta noite — Derrick se lamentou. — Infelizmente, será em um de meus barcos, e as esposas não foram convidadas. Desse modo, mas você e tia Vicky terão de jantar sem mim.

— Compreendo... Vendo o desapontamento da noiva, ele forçou-a a encará-lo. — Se quiser mandar uma resposta para Gladys, posso passar pelo telégrafo. Escreva-

a enquanto troco de roupa. — Gostaria muito. Obrigada. — Sei que não tenho lhe dado muita atenção. — Segurou-lhe a mão. — Sinto falta de

beijá-la. E nada mais disse, antes de baixar a cabeça e dar-lhe um beijo gentil. Não teve de

fazer nenhum esforço para estreitá-la em seus braços. Nelly se atirou neles. Quando Derrick afastou os lábios dos dela, Nelly protestou. Não queria que ele

desaparecesse no escritório e só saísse de lá quando fosse hora de ir para a reunião. Desejava que o noivo ficasse e que conversasse com ela.

— Isso parece um vício. Não consigo ficar no mesmo lugar com você sem tocá-la. — E é assim tão ruim? — Sim e não. Você me distrai, pois acabo me preocupando com coisas que tiram

minha concentração dos negócios. Nelly não soube como interpretar aquela afirmação. — Você não é muito boa em disfarçar suas emoções, querida. Então, por que não me

diz o que a aflige? — Só estou aborrecida porque Roy e Gladys não virão ao casamento. — Nelly temia

admitir até para si mesma seus pensamentos; afinal, todos eles envolviam amar um homem que não queria ser amado.

— Está uma bela tarde. Se quiser ir à cidade, posso pedir para Henry levá-la. Ele não fala muito, mas conhece tudo por aqui como a palma da mão. É capaz de encontrar qual-quer loja que queira.

De bom grado Nelly aceitaria a oferta se ela incluísse Derrick. Não estava disposta a andar por aí sem seu futuro marido a seu lado. Louisville não a interessava. Ele, sim.

— Não. Passei o dia todo com a Sra. Warwick e minhas costas estão doendo por ter ficado imóvel por muito tempo. Vou descansar um pouco antes da refeição.

— Se prefere assim... — Derrick ainda beijou-lhe o rosto, antes de se retirar. A igreja presbiteriana era um prédio retangular de tijolos vermelhos com uma torre

branca sobre a Fourth Street. O pequeno jardim apresentava árvores alinhadas e bancos circulares de madeira, onde os fiéis podiam descansar depois dos longos sermões.

Nelly esperava na pequena ante-sala que Vicky anunciasse que todos os convidados haviam chegado e ocupado seus lugares. Nervosa, apertava nas mãos o buquê de rosas brancas, trazido de Nova Orleans junto com as outras flores que decoravam a igreja.

Cada vez que se movia, balançava a enorme cauda do vestido de cetim branco com pérolas aplicadas à mão. O véu, tão fino que se tornava quase transparente, se mantinha seguro no lugar por presilhas cobertas de pérolas, dispostas com arte em seu elaborado penteado.

Sua aparência era a de uma noiva feliz; se não se chegasse muito perto. O rosto estava transtornado pelos dias de dúvida e ansiedade. Como poderia fazer Derrick amá-la

Page 58: Patricia waddell - só mais um beijo

se ele se esforçava tanto por evitá-la? Quase não o vira mais desde a chegada do telegrama.

— Está na hora — anunciou Vicky, entrando na saleta. — Ficou uma noiva linda, meu bem. Portanto, pare de se preocupar. Só o que tem a fazer é fixar o olhar em Derrick o caminhar devagar em direção a ele.

— É muito fácil de dizer. — Nelly suspirou. — Sinto-me tão assustada que minhas pernas tremem. Acho que vou acabar caindo.

Rindo, Vicky ajeitou-lhe o vestido. — Respire fundo e vá. A cerimônia não será muito longa. Foram necessárias várias

respirações profundas e muita coragem para que a noiva pisasse na entrada em arco do santuário e começasse a andar pela nave.

Lá estava Derrick, no altar. Ele fixou o olhar fixo em Nelly assim que ela entrou, emoldurada pelas delicadas orquídeas e pelos enormes castiçais, com velas que brilhavam no reverente silêncio da igreja.

Aproximando-se do altar, Nelly pôde ver o orgulho nos olhos azuis do noivo. Isso fez seu coração pular dentro do peito. Tanto que quase não viu os bancos ocupados pelos seletos amigos e conhecidos que Derrick e Vicky convidaram.

Um órgão, tocado magistralmente pela filha mais velha do ministro, enchia o ambiente com a marcha nupcial.

Derrick estendeu a mão, sorridente. Virando-se para o pastor, o casal se preparou para fazer os votos.

Quando ele colocou um anel dourado sobre os dedos de Nelly, seus olhos se encheram de lágrimas. Lutou para que não escorressem, quando seu marido ergueu o véu que cobria seu rosto.

Derrick tornou a sorrir, pegou seu rosto entre as mãos e a beijou com tanta ternura que ela achou que seu coração iria explodir de ternura. O beijo não durou mais que alguns segundos, mas chegou até sua alma.

Tomando-a pelo braço, Derrick a levou-a de volta pela nave, passando pelos sorridentes convidados, até as portas de madeira.

Henry os aguardava numa linda carruagem branca, que fez Nelly se lembrar dos contos de fada. O noivo abriu a porta e a ajudou a se acomodar. De repente, recordando-se do buquê, ela se inclinou para fora da janela e o atirou em direção à calçada. Logo atrás, Vicky e os demais se apressavam para seguir o coche que conduzia os noivos para a recepção.

— Um homem não poderia desejar uma noiva mais linda — elogiou Derrick, quando Henry fez os cavalos trotarem sobre o calçamento de cascalho.

Nelly baixou os cílios, um tanto sem jeito. Aquele homem era seu marido agora. Não esperava a torrente de sentimentos que a invadiu durante a cerimônia. Tinha consciência de que o amava, mas foi mais do que amor que sentiu quando ele a beijou.

Uma vez na mansão, Derrick a ajudou a descer e a acompanhou, muito feliz, pelo caminho de pedras até a entrada. Madeline os recebeu, aparentando cansaço pelo intenso dia de labuta.

A enorme sala de jantar fervilhava de atividade, com as empregadas dando os últimos retoques nas imensas travessas de comida e enchendo os enormes baldes de prata com gelo picado, para conservar gelado o vinho.

— Meus parabéns. — Madeline beijou o rosto de Nelly. — Desejo que a senhora e o Sr. Gentry sejam muito felizes.

— Obrigada. — Cuide de tudo aqui embaixo, Madeline. Vou ajudar a Sra. Gentry com o véu. Nelly vibrou ao ouvir seu novo nome, e sentiu-se mais confiante quando Derrick

apanhou a cauda do vestido e a pendurou em seu braço, como um garçom carregando a toalha de servir.

Page 59: Patricia waddell - só mais um beijo

No topo da escadaria, ela hesitou, esperando que o marido diminuísse o passo quando alcançassem a porta do quarto dela. Como ele não o fez, ela foi obrigada a segui-lo até o quarto principal, que Derrick ocupava. Seu marido girou a maçaneta e a conduziu para dentro.

Embora tivesse explorado cada cômodo da casa, Nelly não ousara entrar naquele. Era maior do que imaginara, com uma grande cama de mogno, ladeada por duas janelas que iam até o teto. As cortinas verdes estavam fechadas contra o sol da tarde, tornando o aposento muito acolhedor.

— Esta parte sai? — Derrick perguntou, deixando a longa cauda de cetim cair ao chão. — Ela está presa com botões. — É melhor começar pelo véu. — Derrick chegou mais perto e, com o maior cuidado,

passou a retirar as elegantes presilhas que o mantinham no lugar. — Pronto. — Colocou-o na cama. — Gostaria de soltar seus cabelos, mas creio que isso terá de esperar. Vejamos os botões.

Ele a apanhou pela cintura e fez com que se virasse para cá e para lá, como se estivesse inspecionando uma peça de algum equipamento.

— Não se mexa. — Derrick se ajoelhou atrás de Nelly e se ocupou de desfazer um a um os laços de fita minúsculos e soltar os ganchinhos. Quando terminou, ficou de pé e co-locou aquela parte da vestimenta sobre o leito.

Quando Nelly tornou a olhá-lo, Derrick sorria. —Venha cá, Sra. Gentry. O beijo na igreja foi muito pouco, para meu gosto.

— Temos convidados lá embaixo... — Nelly informou, quando ele tornou a enlaçar sua cintura.

— Eles podem esperar. O segundo beijo como marido e mulher não foi como o primeiro. Foi tão intenso e

possessivo que a deixou praticamente pendurada nos ombros dele. Quando Derrick a soltou, exalou um suspiro tão profundo que deixou claro o quanto ficou abalado e excitado.

— Creio que não podemos deixar de receber nossos convidados. — Ele ajeitou a gravata.

— Teremos o resto de nossas vidas para nos beijar — Nelly respondeu, tentando ser simpática. Com a noite de núpcias a poucas horas, sentia-se ansiosa e com um pouco de medo.

Nelly não notou o quanto aquelas palavras o afetaram. "O resto de nossas vidas..." A frase ecoou na cabeça de Derrick, que lhe ofereceu de novo o braço. Lançando um último olhar à cama, ele desejou mais do que tudo poder deixar de lado a festa que sua tia preparara com tanto esmero. Tudo o que queria era livrar Nelly daquele lindo vestido de cetim e torná-la sua esposa, em todos os sentidos da palavra.

Censurando-se por sua impaciência, colocou um sorriso no rosto quando alcançaram o alto da escada. A mansão estava cheia de gente, e todos começaram a aplaudir e a gritar votos de felicidades quando o casal apareceu.

— Senhores e senhoras, gostaria de apresentar-lhes minha esposa. Com o anúncio, o rosto de Nelly ficou vermelho, mas a pressão da mão dele e o

orgulho na voz fizeram todo o constrangimento valer a pena. A medida que desciam os degraus, seus olhares se encontraram, e sorriram um para o

outro. Nesse momento, Nelly soube que o amaria para sempre. Chegando ao fim da escadaria, foram cercados pelos convivas. Separados pelas

exigências formais, logo Nelly teve de procurar por seu marido na casa cheia. Exausta pelas tensões do dia, procurou refúgio no jardim nos fundos da residência.

Admirava o trabalho de Henry com as azaléias, quando ouviu a voz de Cliff Darlington: — Não tive a oportunidade de oferecer meus cumprimentos, Sra. Gentry. Tentando ser gentil, Nelly sorriu-lhe e perguntou por Abigail.

Page 60: Patricia waddell - só mais um beijo

— Minha esposa está se divertindo lá dentro — afirmou, com indiferença. — A senhora é uma mulher muito bonita. Sabe, fiquei surpreso ao saber que Derrick ia se casar, po-rém, quando a conheci, compreendi por que ele resolveu enterrar de vez a memória de Jessica. Uma mulher de verdade vale mais que mil fantasmas.

Jessica? Fantasmas? Nelly tentava entender o significado daquelas palavras. Quem era Jessica? Quem quer que fosse, de acordo com o que Cliff dissera, estava morta. Será que Derrick a amara?

Estava a ponto de procurar por respostas quando Vicky surgiu num redemoinho de laços de cetim amarelo.

— O bolo, querida! Está na hora de cortar o bolo! Agradecida pela interrupção, Nelly procurou não pensar um mais nada daquilo quando retornou ao salão. Estava casada com Derrick, e, apesar do passado, ela era a esposa dele.

Encontrou seu marido à cabeceira da longa mesa de cerejeira e juntou-se a ele. Foi recebida com um largo sorriso, que desapareceu assim que Derrick viu Cliff Darlington entrar.

— Ele estava incomodando você? Uma resposta afirmativa causaria enorme confusão. Por isso, Nelly meneou a cabeça. — Não estou acostumada com tanta gente. Sinto-me sufocada — mentiu. — Coragem. Só mais uma hora e poderemos partir. — Derrick piscou-lhe. — Um brinde! — propôs um cavalheiro muito elegante, erguendo uma taça de

champanhe. Nelly tentou lembrar o nome dele. Wendrick? Sim, Wendrick. Ele era presidente do

banco em que Derrick mantinha seus investimentos. — Aos noivos! Que todos os anos que passarem juntos sejam muito felizes — disse o

Sr. Wendrick. Nelly sorria, desejando de todo o coração que o brindo não se transformasse em

palavras vazias. Ao fitar seu marido, duvidou que ele não fosse uma pessoa assombrada por fantasmas. Era apenas um noivo ansioso por sua noite de núpcias.

Já era bem tarde quando o último convidado se foi, desejando boa-noite aos recém-casados. Nelly estava perto da exaustão quando seu marido pediu-lhe para subir e se trocar.

A confusão nos olhos dela o fez sorrir. — Vamos passar a noite de núpcias no Triunfo. Pela manhã, partiremos para Nova

Orleans. Nelly, para fazê-lo relaxar, serviu-lhe um copo de vinho. Vicky a esperava em seu quarto com a roupa de tom azul-escuro que escolhera para

aquela ocasião. Sem se deter, Nelly cedeu à tentação de descansar alguns minutos e sentou-se na beirada da cama.

— Sua bagagem já foi levada para o navio. Está tudo arrumado, só a sua espera. — Muito obrigada, Vicky. — Nelly estranhava ser tão mimada daquele jeito. — Já

esteve em Nova Orleans? — Muitas vezes. É um lugar adorável. — Quem é Jessica? — perguntou, de repente. Sem se preocupar em esconder a frustração, a tia de Derrick indicou-lhe a penteadeira. — Deixe-me arrumar seus cabelos. Nelly, obediente, se acomodou diante do espelho oval. — Como Jessica morreu? Vicky arqueou uma sobrancelha. — A pobrezinha tirou a própria vida. Chocada com a resposta, Nelly se virou sobre a almofada para encarar a tia de seu

marido. — Quem era essa moça?

Page 61: Patricia waddell - só mais um beijo

— A filha de uma família muito importante. Jessica Monroe e Derrick eram amigos. Notando a desconfiança de Nelly, Vicky sorriu. —Apenas amigos, meu bem. Até que

Jessica se apaixonou por Cliff Darlington. Os olhos de Nelly se arregalaram. — Sei que é difícil imaginar alguém se apaixonando por li m canalha tão desprezível,

mas Jessica o amava. Derrick tentou alertá-la, mas a tolinha não conseguia ver além da aparência e dos bons modos do rapaz.

— O que houve? — O inevitável. Jessica engravidou, e Cliff se recusou a reconhecer o filho. Não queria

o escândalo de ser forçado ao altar. Richard Monroe, o pai dela, é muito rígido, e jamais a perdoou por ter desgraçado o santo nome dos Monroe. Então, colocou-a para fora de casa, gritando que não faria parte daquela vergonha.

Tudo começava a fazer sentido. O desejo de Derrick vencer era só mais um indício de que ele não esquecera Jessica. Nelly sabia que muita gente devia acreditar que a desventurada jovem engravidara de Derrick. Infelizmente para Cliff, Nelly conhecia muito bem seu marido para crer que ele pudesse abandonar uma mulher grávida. No entanto, isso não significava que ele não a tivesse amado. Uma leve batida na porta se fez ouvir. Era Derrick.

— Está pronta? — Quase. — Vicky deu o último retoque no penteado dela. — Vá, meu anjo, seu

marido a espera. Como havia muito pouco a fazer, pois Nelly não pretendia discutir esse assunto com

seu marido na noite de núpcias, tratou de aproveitar ao máximo aquele momento, e, para isso, deixou Jessica Monroe de lado.

Por enquanto. — O Triunfo está vazio, exceto por uma pequena tripulação e o capitão — dizia Derrick

para sua esposa, a seu lado na carruagem. — Como só partirá de manhã cedo, ele será todo nosso, esta noite.

Repleto de gente ou vazio, o Triunfo era impressionante. Com quatro deques, parecia um hotel flutuante. As águas escuras do rio Ohio refletiam a luz dourada das lanternas da embarcação. Pintada de branco, contrastava com as noturnas sombras negras.

Assim que Henry os deixou, cumprimentando-os mais uma vez, Derrick começou a descrever o navio para Nelly, sem esconder seu orgulho.

— Este é o maior de todos os navios sobre o rio. No último deque ficam as cabines particulares. O terceiro é reservado para os passageiros. No segundo há dois locais de descanso; um para homens, outro para mulheres, separados por um enorme sala de jantar. O andar inferior destina-se à tripulação e aos salões de jogos.

— É enorme! — Sra. Gentry. — Um homem se aproximou, tocando quepe num cumprimento. —

Bem-vinda a bordo. — Boa noite, Stewart — respondeu Derrick. — Nelly, este é o capitão Stewart. — Capitão... — Ela fez-lhe um gesto gracioso. — Sua cabine está pronta, senhora. Espero que aprecie a viagem. Seu marido me

disse que será a primeira vez que navega pelo rio Mississippi. — De fato — confirmou, mudando o peso do corpo para se acomodar ao suave

balanço do navio. — Boa noite, então. — E o capitão se retirou. — Nossa cabine é por aqui. — Derrick tocou-lhe o cotovelo. — Vai chover. É melhor

entrarmos. O quarto da frente era pequeno, decorado com um sofá, duas cadeiras ricamente

forradas e uma mesinha oval. O assoalho de carvalho encerado brilhava sob seus pés enquanto Nelly caminhava para a parte íntima da cabine. Uma cama de casal ocupava o

Page 62: Patricia waddell - só mais um beijo

centro do dormitório retangular, e estava coberta com uma colcha verde-pistache, que combinava com as fronhas de franjas brancas. Flores frescas decoravam a mesa-de-cabeceira à direita. As cortinas douradas estavam fechadas sobre as janelas.

— Tenho certeza de que Vicky providenciou tudo de que poderá precisar. — Derrick tirou a paletó e o jogou sobre uma cadeira. — Vou servir o champanhe, enquanto você se troca.

Certa de que a porta ao lado levava à área de vestir, Nelly a abriu e entrou. Dois enormes baús tinham sido colocados contra a parede. Sorriu para o enorme espelho de corpo inteiro ao deparar com a banheira com pés em forma de garras. Vários de seus vestidos se achavam pendurados nos ganchos de madeira. Perto deles, um robe e uma camisola de seda tão fina que a fez corar só de olhar. Aquela seria, sem dúvida, uma noite inesquecível.

Derrick a esperava. Tirara as abotoaduras e arregaçara as mangas da camisa. Descalçou os sapatos e ficou de pé, perto do leito, com o olhar determinado.

Nelly, voltando do closet, veio caminhando como uma gata em sua direção.— Meu Deus, você está linda! — Ele até mesmo se esqueceu de que segurava duas

taças de champanhe. Vê-la à fraca luz do quarto, com a seda aderindo a cada curva de seu corpo e os

cabelos cor de trigo balançando suavemente em seus quadris, foi suficiente apagar da mente de Derrick todo e qualquer pensamento coerente. Largou as taças e foi até ela, não desejando mais nada além de tocá-la. Puxou-a para si. A camisola aderiu à leve lã de sua calça, quando as mãos másculas lhe envolveram as costas. O primeiro beijo foi um tanto relutante, como se Derrick tivesse medo de que ela pudesse fugir.

Nelly correspondeu, dizendo, sem palavras, que sentira falta do que acontecera entre eles na River Run. As mãos de Derrick subiam e desciam por seu corpo, inebriando-a como o vinho que bebera na recepção. Seu marido era quente e firme, e ela se entregou ao turbilhão de sensações que a invadiu.

O suave balanço da embarcação ajudou na impressão de leveza, quando ele a tomou nos braços e a colocou no leito. Sem demora, deitou-se ao lado dela, abraçando-a, enquanto as bocas se procuravam.

Derrick continuava a exploração, tocando cada centímetro da pele delicada, sussurrando palavras proibidas ao ouvido de Nelly.

As roupas perderam o sentido, e Derrick arrancou a camisa e a atirou longe, procurando a ponta da camisola. Puxou-a por sobre a cabeça dela, expondo-a toda a seus olhos.

— Você é perfeita — sussurrou, e tornou a beijá-la. Feliz em acariciar os pêlos do peito dele, Nelly fez os dedos traçarem o contorno de

cada um dos mamilos. Os músculos em evidência a fascinaram, até que passou a ser insuficiente conhecer apenas metade daquele corpo esplêndido.

Quando Derrick passou a língua no seio nu de Nelly, detendo-se no mamilo endurecido, ela gemeu, arqueando o corpo. Logo depois, ele desabotoou a calça, tentando se livrar da peça sem soltar a mulher em seus braços.

Os olhos de Nelly se arregalaram ao íntimo contato do corpo nu sobre o seu. — Relaxe, querida. — Suspirando, Derrick acariciava as coxas roliças, subindo até o

ventre macio. Nelly gemia, adorando aquela exploração atrevida que tocava lugares que faziam seu

corpo ficar tenso, depois relaxar deliciosamente. Quando ele se colocou sobre ela, cada fibra do corpo de Nelly exigia o fim do tormento.

Os lençóis ficavam mais e mais amarrotados e úmidos de suor, e Derrick se via a ponto de perder o controle. Sabendo que sua mulher estava mais do que pronta para recebê-lo, moveu os quadris e a penetrou de uma maneira firme e suave ao mesmo tempo.

Nelly se surpreendeu por ter experimentado tão pouca dor ao perder a virgindade.

Page 63: Patricia waddell - só mais um beijo

Derrick deslizou mais fundo para dentro dela, moldando seus corpos de maneira tão completa que Nelly teve de cerrar as pálpebras para não chorar. Nunca em seus sonhos poderia ter imaginado algo semelhante.

— Venha comigo, querida — disse ele, rouco, perdendo o restante do autocontrole. Então, Nelly, aprendendo o ritmo, começou a se mover com Derrick. Fez como ele pediu, cravando as unhas nos ombros largos. A cama rangeu mais alto

quando Derrick, cedendo a seus instintos mais primitivos, exigiu o prazer ancestral. Nelly o sentiu tremer e se soltar, em perfeita união com ela, e também se entregou ao

êxtase. Estava flutuando, depois afundando, depois flutuando de novo. Agarrando-se a Derrick, certa de que ele a manteria a salvo, suportou a tempestade de emoções, até que esta se transformou num contentamento suave que a deixou exausta, com a cabeça girando como folha seca ao vento.

Derrick rolou para o lado, puxando-a para o aconchego de seus braços. Ele riu quando Nelly espalmou a mão em seu tórax e a retirou depressa, como se fosse proibido tocá-lo depois de tudo o que haviam feito.

— Está tudo bem, querida. Gosto de sentir suas mãos em mim. — Você é tão diferente... — comentou, tímida. — E tão peludo! Derrick achou graça. — Isso a incomoda? Nelly fez que não, jogando os cabelos dourados sobre o peito suado de seu marido. — Você me faz lembrar de Beldare, todo músculos e força. — Só não consigo correr tão rápido. Mas estou lisonjeado. Sei como você o ama. Amor... O sorriso desapareceu dos lábios de Derrick. Nelly já lhe declarara seu amor antes,

mas nessa noite não houvera frases amorosas. Ela vibrara e gemera embaixo dele, mas não tinha feito outra declaração de amor. Ele não queria acreditar que tivesse sufocado aquele sentimento só por ter sido honesto.

O Triunfo balançava suavemente. Derrick, sem poder resistir ao olhar de adoração de sua mulher, sentiu sua masculinidade começando a reagir.

— Oh! — Nelly adorou ver certa parte da anatomia dele deixando claro que a diversão não acabara.

— Venha cá. — Rindo, Derrick a fez deitar-se sobre ele. — Eu só estava olhando... — Nelly não conteve o gemido, quando as mãos do marido

escorregaram da cintura para suas nádegas. — Parece que olhar é tudo de que preciso. — Derrick deslizou a língua pela orelha

delicada. — Machuquei você? — Não. — Enrubesceu. — Foi maravilhoso. — Vai ficar ainda melhor. Nelly o encarou. Achava errado uma mulher sentir o que estava sentindo, mas não

podia evitar. Não se tratava do vergonha. Era uma delícia senti-lo, o calor de seu corpo pressionado tão intimamente contra o dele. Era esplêndido e bom demais para ser errado.

Assim, esqueceu tudo o mais e se deixou levar, afagando o peito de Derrick. Aquela era sua noite de núpcias, e ela não iria permitir que fantasmas entrassem no quarto, e muito menos pensar nos motivos que o tinham levado à Ri ver Run.

— Eu te amo — disse, procurando pelo olhar dele, escurecido pela paixão que tinham partilhado e que partilhariam de novo.

Derrick prendeu a respiração, desejando poder dizer o mesmo, mas não querendo mentir para ela. Ainda assim, aquela frase calou fundo em seu coração. Elas satisfaziam uma necessidade que não tinha nada a ver com o físico.

— Então, me ame, meu anjo. Nelly não precisava de mais nenhum incentivo. Moveu os quadris de forma muito

provocante e sorriu quando Derrick se arqueou e gemeu como se sentisse dor. Ela

Page 64: Patricia waddell - só mais um beijo

conhecia aquele som. Já o tinha ouvido várias vezes desde que seu marido a levará para a cama. Bloqueando tudo, exceto a necessidade de mostrar-lhe que o amor não era uma ilusão, Nelly se deixou guiar pelo coração.

Capítulo VIII Ao chegar a Nova Orleans, Nelly estava certa de poder conquistar o coração de

Derrick. O homem indiferente, com infindáveis reuniões de negócios, tinha se transformado num marido atencioso, que parecia apreciar sua companhia em qualquer circunstância.

Passeavam pelos deques do Triunfo, conversando sobre tudo o que lhes passasse pela cabeça. O cruzeiro pelo rio parecia relaxar Derrick. Quando não estavam fazendo amor, jantavam na cabine, e ele contava histórias de sua infância nos navios. Às vezes, juntavam-se ao capitão para uma refeição mais formal, no terceiro andar.

Estavam sobre o ponto em que o rio Ohio encontra seu irmão, o Mississippi. Derrick ofereceu uma moeda a Nelly para que a atirasse na corrente, no momento apropriado. Diz a tradição que se a moeda acertar o ponto exato da união entre os dois rios a pessoa terá seu desejo atendido. Tudo o que Nelly desejava era que Derrick a amasse. Na primeira noite em Nova Orleans, chegou a acreditar que seu desejo tinha se realizado. Estavam hospedados em um hotel, na parte francesa da cidade, ricamente decorado. Por ele circulavam cavalheiros e senhoras elegantes, funcionários falando a língua creola e um capitão do mar com um sotaque delicioso e maneiras impecáveis.

Nelly se sentia em um mundo diferente. Percebendo que aquela seria uma noite mágica, passou muito tempo escolhendo o vestido e arrumando-se.

Derrick, no salão principal, se divertia com um jogo de cartas solitário quando ela entrou. Esperando que ele apreciasse o traje azul-real que se ajustava em seu corpo como uma luva, e a pena de avestruz com que enfeitara os cabelos presos, Nelly se aproximou dele. Vestida daquele jeito, ninguém diria que ela era apenas uma garota do interior.

E Derrick apreciou. Quando a viu, parou o que fazia, e seu olhar percorreu cada centímetro de suas curvas antes que o rosto se iluminasse num sorriso orgulhoso.

— Não sei o que deveria fazer primeiro: alimentá-la ou devorá-la. — Estou faminta. Acho que terá de me alimentar primeiro. Derrick achou graça.

Abrindo a porta que levava à sala de jantar, fez-lhe uma cortesia exagerada. — Por favor, Sra. Gentry. Não quero que alegue falta de energia mais tarde. O capitão

Stewart nos convidou para jantar com ele. Acho que ele gosta de você. Nelly riu. — O capitão tem idade para ser meu avô, embora confesse que poderia ouvi-lo por

horas. A voz dele é... — A voz de um homem muito bem-educado. Na verdade, ele é um conde que gosta de

aventuras. — Ah! Trata-se de um nobre! — disse ela, impressionada. O capitão, um senhor alto

com cabelos prateados e amigáveis olhos cor de conhaque, esperava-os no lobby. — Boa noite, capitão. Ou devo chamá-lo lorde Stewart? — Se insiste em usar meu título, então é lorde Tavenford. Sou o décimo segundo

conde numa longa linhagem de nobres excêntricos. Mas prefiro a designação de capitão, quando estou neste país.

— O senhor conhece a rainha? — perguntou Nelly, ao entrarem na sala de refeições. — Tive o prazer de ser recebido por Sua Majestade em Baltimore, no ano passado.Nelly ia fazer outra pergunta, quando sentiu seu marido estremecer. Ao fitá-lo, notou

Page 65: Patricia waddell - só mais um beijo

que olhava para um casal que saía de sua mesa. O homem usava roupas caras, assim como a senhora a seu lado.

— Richard! — gritou Derrick, de repente. — Gentry! — respondeu o outro, muito contrariado. Derrick não se deu ao trabalho de apresentar Nelly, quando os dois casais passaram

um pelo outro. Ela jurava ter visto uma profunda mágoa no semblante daquela senhora, antes mesmo que ela olhasse para Derrick como se ele não existisse.

— Um amigo seu, presumo — disse o capitão. — Não diria isso. — Derrick esboçou um sorriso triste — Monroe é mais lembrança

ruim. Monroe! O estômago de Nelly se contraiu. Então aquele homem rude era o pai de

Jessica? E se fosse, o que teria acontecido com a amizade entre Derrick e a tal jovem? Será que o cavalheiro culpava Derrick pela morte da filha? A tristeza que vira nos olhos da senhora seria por ver Derrick ou pela filha que perdera?

Antes que tivesse tempo de elaborar o pensamento, o garçom os convidou para a mesa. Assim que se sentaram, o capitão começou a falar sobre sua recente viagem à América do Sul. Nelly apreciou a conversa e a refeição, mas a lembrança de Jessica Monroe em nenhum momento abandonou sua mente. Até que pudesse desvendar o mistério de Jessica e o papel que tivera na vida de seu marido, não teria certeza de que o coração dele pudesse ser conquistado.

No final da refeição, já estava muito difícil para ela se concentrar na conversa. Cada vez que olhava para Derrick, achava-se imaginando se não seria uma mera substituta da mulher que ele nunca pudera ter.

Mais tarde, no quarto, Nelly chegou a pensar se algum dia possuiria mais que o corpo de Derrick.

— Gostaria de beber algo? — ele ofereceu, servindo-se de um conhaque. Ela recusou. Ingerira duas taças de vinho que tomara no jantar; bastava de álcool,

portanto. Quando ele ergueu o copo para brindar, ouviu-se uma batida na porta. — Eu atendo. — Nelly julgou que fosse algum empregado. Em vez disso, no entanto,

encontrou a senhora triste da sala de jantar. — O Sr. Gentry está? Sou a Sra. Monroe. Gostaria de falar com ele, por favor. — Entre — Nelly a convidou, dando-lhe passagem. A senhora olhou por sobre o ombro e entrou rápido. Seu nervosismo não melhorou,

mesmo depois que a porta se fechou atrás dela. Esfregando as mãos no vestido, dirigiu-se a Derrick:

— Não posso me demorar. Se Richard descobrir que estou aqui, ficará muito bravo. Sem saber o que fazer, Nelly se sentou ao lado da Sra. Monroe para assistir ao drama

entre seu marido e a mãe de Jessica se desenrolar. — Acredito que tenha um bom motivo para ter vindo até aqui, senhora. — Eu gostaria de agradecer-lhe. Por favor, desculpe-me pela demora em fazê-lo, mas

Richard me proibiu de sequer pronunciar o nome de nossa filha. — A senhora não tem por que me agradecer. — Oh, claro que sim! Lamento, lamento tanto. — Suspirou, tentando não chorar. —

Jessica era minha única filha. Deveria ter exigido que Richard a tratasse diferente, mas não o fiz. Sinto-me tão culpada pela morte dela!

— Ela fez sua própria escolha, Sra. Monroe. — Derrick procurava ser o mais simpático possível.

A Sra. Monroe puxou um lenço do bolso e secou os olhos. — Levei dez anos para criar coragem para visitar o túmulo dela. Obrigada por ter

providenciado o funeral e a lápide. — Era c mínimo que eu poderia fazer. Sua filha era uma Jovem adorável, com um

coração generoso. Lamentei muito seu infortúnio.

Page 66: Patricia waddell - só mais um beijo

Nelly viu a imensa tristeza nos olhos do marido. Derrick ainda se importava com Jessica Monroe; e muito.

Por mais que desejasse confortar a Sra. Monroe, Nelly não conseguia falar. Seu coração estava partido. Derrick colocou o copo sobre a mesa. — Obrigado por ter vindo, senhora, mas é melhor que volte para sua cabine, antes que seu marido note sua ausên-cia. Não quero estragar minha lua-de-mel com um confronto com o Sr. Monroe. Só serviria para abrir velhas feridas.

—Tem razão. — Ela ficou de pé. — Sei que Jessica gostava muito do senhor. Por anos achei que o senhor fora a causa da desgraça dela, mas estava errada. Derrick a acompanhou até a saída. — Sinto muito por isto, também — completou a Sra. Monroe. Hesitando por um momento, olhou pára Nelly. — Por favor perdoe minha invasão, Sra. Gentry. Parabéns pelo casamento. Desejo a ambos muitos anos de felicidade. — Obrigada. — Nelly sorriu-lhe, gentil. Quando a porta fechou-se atrás da Sra. Monroe, Derrick não olhou para Nelly. Ao contrário, pôs-se a andar de um lado para outro e serviu-se de outra bebida. Manteve-se de costas para ela, enquanto esvaziava o copo de uma só vez.

Nelly não sabia o que dizer. Se dissesse que já sabia de algo sobre a morte da jovem, teria de revelar a maldosa observação de Darlington ou a indiscrição de Vicky. Ambas as opções enfureceriam seu marido. Depois de vários minutos de silêncio, porém, resolveu se pronunciar:

— A visita da Sra. Monroe o incomodou muito. Você se importaria de me contar por quê?

— Há muito pouco para contar. Jessica morreu há dez anos. — Você se importava com ela. Derrick decidiu ir até a sacada. Resolvida a descobrir a

verdade, Nelly o seguiu. A rua estava repleta de gente. O barulho das carruagens misturava-se aos sons musicais das línguas estrangeiras e dos sotaques caribenhos, que tornavam a noite viva.

— Jessica era uma amiga — disse, querendo acabar logo com aquilo. — A família dela era muito rica e tradicional, o que fazia de seu pai um dos piores esnobes que tive a infe-licidade de conhecer.

— Ele me pareceu impiedoso. É por isso que o odeia tanto? O Sr. Monroe não aprovava que você visse a filha dele?

Derrick esboçou um sorriso melancólico. — Jessica e eu raramente saíamos juntos. Mas era difícil não nos encontrarmos.

Louisville é uma cidade grande, mas tem uma comunidade pequena. Como muitas jovens ingênuas que acreditam que o amor é a resposta para todos os problemas, ela deu seu coração ao homem errado.

— Parece que você acha que todas as garotas são tolas e românticas. — Nelly começava a crer que Derrick não reconheceria o amor mesmo que o encontrasse na rua e ele se apresentasse.

— Acredito que as mulheres o usam como uma desculpa. É uma maneira conveniente de explicar suas ações.

— E quanto à paixão? Os homens não fazem o mesmo com ela? — Nossa conversa se desviou do rumo original — disse, dirigindo-lhe um olhar frio. — Discordo. Estamos discutindo a falta de bom senso de Jessica ao se apaixonar por

um homem que, é óbvio, não a amava. Isso causou sua ruína, pelo que entendi. Eis a semelhança entre mim e Jessica. Eu também amo e não sou correspondida. A expressão de Derrick se fechou. — O homem era Cliff Darlington. — Agora começo a entender. Isso explica sua obstinação cm vencer o derby. E sua

insistência para que nos casássemos depois do que aconteceu entre nós. Darlington desgraçou Jessica. Como você não era noivo, nem irmão dela, não pode desafiá-lo. Não

Page 67: Patricia waddell - só mais um beijo

tendo oportunidade de matá-lo, aproveita cada chance que surge para humilhá-lo. Como ele tem o ego maior que qualquer outra coisa, tem funcionado bem, não é?

Os olhos dele brilharam, quando colocou o copo sobre o balcão. — Você faz meus motivos parecerem frívolos, mas não são. Jessica não morreu tão-

só, tirando apenas a própria vida. Matou também a criança que esperava. Darlington de-veria ser açoitado em praça pública!

— Um homem não se deixa consumir por esse tipo de vingança se não se importar muito com a mulher que foi abandonada.

— Agora você está procurando algo que não existe, Nelly. — Será que não? A própria Sra. Monroe disse que chegou a acreditar que o filho que

Jessica esperava era seu. Ela não era uma simples amiga, como você quer fazer parecer. — Minha relação com Jessica não é problema seu. A moça está morta. — Mas não esquecida. Nelly colocou as mãos nos quadris. Dera àquele homem seu corpo e sua alma. Já era

hora de ele conhecer um pouco de seu temperamento. — Você faz um discurso sobre a tolice que é o amor, mas esconde seus próprios

sentimentos. Admitir que amava Jessica não fará de você um tolo, só o tornará humano. Transformou seu luto numa campanha de vingança contra aquele que ela amava em vez de você.

— Isso é ridículo! Nunca senti ciúme de Darlington. A vingança que busco não é por um amor perdido. É em nome da dignidade humana.

Seguiu-se um longo silêncio. A expressão dele se alterou, indo da raiva à tristeza. — Pense o que quiser de mim, Sra. Gentry. Mas saiba que sempre fui uma pessoa

decente, sobretudo no que diz respeito às mulheres. — Nunca imaginei o contrário. — Suspirou, desalentada. — Só estou tentando encontrar meu lugar em sua vida. Somos marido e mulher, mas

não nos conhecemos. — E acha que vai conseguir isso desenterrando os cadáveres de meu passado? —

indagou, sarcástico. — Eu te amo — Nelly afirmou, desejando poder ver mais que o contorno do rosto dele

no escuro. — Pode achar que isso é ilusão, que não significa nada, mas garanto que não é verdade.

— Então é disso que se trata. Espera que eu confesse que me apaixonei perdidamente por você. Que eu diga que o que senti por Jessica não é nada comparado a meus sentimentos por sua pessoa. Tenho de confessar que esperava mais de você.

Nelly se ofendeu. — O que esperava de mim, Derrick? Meu amor é suficiente para aquecer sua cama,

mas não serve para mais nada, não é mesmo?! Antes que ele respondesse, ela deixou a sacada, envolta num turbilhão de cetim azul.

Seu queixo tremia quando entrou no quarto que tinham partilhado desde que chegaram a Nova Orleans, e fechou a porta. Seu peito doía por causa do ataque das palavras de Derrick, que atingiram seu coração.

Com a xícara de café entre as mãos, Derrick maldizia a bebida ingerida da noite anterior. Cada toque entusiasta do relógio de rua reverberava em sua cabeça. Eram dez da manhã.

Não estava se recuperando na suíte que alugara para ele e sua noiva. Achava-se sentado sozinho em um café, no Bulevar St. Claire. As mesas eram de mármore branco, com toalhas verdes e azuis, e um enorme toldo colorido o abrigava do vibrante sol matinal.

O orgulho o impedira de juntar-se à esposa, na véspera. Impelido a tomar outro brandy, permanecera na sacada, mirim do as nuvens escuras que começavam a cobrir a lua. guando seu copo tornou a ficar vazio, deixou a suíte e encontrou um jogo de pôquer no

Page 68: Patricia waddell - só mais um beijo

salão, que o manteve distraído até as primeiras horas da madrugada. Deveria ter ido para a cama, então, mas por alguma razão não teve coragem de subir e confrontar Nelly, pela segunda vez.

Após ter ganhado um dinheiro de que não precisava, e nem mesmo queria, saiu para dar uma caminhada e clarear as idéias. Quando deu por si, estava do lado de fora de um bem famoso bordel. Tolo o suficiente para achar que precisava de outra bebida, entrou. A dona da casa o cumprimentou com um sorriso e um discreto convite para que ficasse à vontade. Se alguma das prostitutas o atraísse, tudo o que teria de fazer era dizer, e ela seria enviada para uma suíte particular.

Derrick examinou com indiferença a diversidade de companhia feminina disponível, mas não escolheu uma das beldades para satisfazer sua frustração. Ao contrário, preferiu se distrair com uma garrafa de vinho francês.

Acordou sozinho, numa cama forrada com cetim preto e dourado, num quarto carregado de perfume forte e de fumaça de charuto. As cobertas estavam reviradas, mas por seu próprio desassossego. Não compartilhara o leito com ninguém. O maço de dinheiro continuava intacto em seu bolso. Por isso, deixou uma generosa doação embaixo do travesseiro, calçou as botas, única peça de seu vestuário que havia sido removida, e saiu do bordel.

Sentia-se horrível, e desejava poder pensar numa maneira de livrar-se da teia de emoções que o envolvera até não conseguir mais distinguir o norte do sul.

Algo dentro de Derrick sabia que Nelly o amava de verdade. Vira a adoração no semblante dela e sentira a faminta inocência de seus beijos. Em vez de dissuadi-la, ele a encorajara. Seduzira seu corpo e seu espírito, sabendo que HÓ poderia resultar em uma coisa: casamento. Por quê?

Só depois de ter entrado naquele bordel descobrira a resposta. Queria que Nelly lhe pertencesse por inteiro. Mento e coração. Agora e para sempre. Enquanto a seduzia, ela o conquistara. Enquanto ele ficava pensando num jeito de vencer o derby, ela se infiltrara por seus poros e transformara a paixão em amor.

As duras palavras proferidas ameaçavam a única coisa que de fato desejava na vida. Não deveria ter ridicularizado Nelly por amá-lo, não deveria tê-la acusado de ter ciúme de um cadáver. Ter mantido o coração fechado a sete chaves fora uma idiotice.

Derrick gostava da companhia dela, do brilho colorido em seus olhos quando Nelly estava feliz e do doce calor de seus braços acolhedores. Adorava os doces sons que ela deixava escapar quando faziam amor e o jeito como o envolvia num abraço, antes de cair num sono satisfeito. Gostava de seu espírito generoso e de sua língua afiada.

Era tão bom saber que ela o amava! Encontrar os Monroe no hotel não o agradara, mas Derrick aprendera a tolerar a mente estreita deles. Entretanto, a inesperada visita da Sra. Monroe o colocou num beco sem saída.

Não estava acostumado a ter de dar explicações. Vivera sozinho com seu ódio por Cliff Darlington por tanto tempo que isso se tornara natural para ele. Seus bem-sucedidos negócios não o desafiavam mais. A campanha de vingança que tramava dia após dia se tornara um hábito, um jogo que lhe oferecia uma rara forma de divertimento. O derby seria II cartada final de sua diversão favorita. Claro que não se importara de dizer a Nelly que, fechado o círculo, a campanha estaria terminada.

Sua esposa tinha razão em questioná-lo, mas as conclusões eram equivocadas. Derrick se importara com Jessica, mus como um irmão mais velho. Nunca amara aquela frágil flor da cidade.

Nelly, no entanto, era como uma flor silvestre. Uma linda flor do campo, que enterrara seus espinhos em seu coração, e que, em vez de causar-lhe dor, proporcionara-lhe os dias mais doces de sua existência.

Encantou-se e atirou uma nota sobre a mesa. Não se importou com os olhares que recebeu ao caminhar pelas ruas, com as roupas desalinhadas. Assim que tomasse um

Page 69: Patricia waddell - só mais um beijo

banho e se barbeasse, ele e sua esposa teriam uma conversa franca. Quando chegou ao lobby do hotel, deparou com o capitão do Triunfo a sua esperava.

Bastou um olhar para as roupas de Stewart para Derrick saber que tinha havido um incêndio.

— O que houve?! — Um dos barcos pegou fogo perto do Triunfo. Tivemos algumas avarias, mas a

embarcação está intacta. Pela primeira vez na vida, Derrick desejou não ter ouvido falar de um navio. Olhou para

a escada que levava ao quarto que ocupava com Nelly. — Estarei lá assim que me trocar. — Subiu os degraus e se dirigiu a um empregado,

que pareceu surgir do nada: — Preciso de uma carruagem agora. Quando girou a maçaneta do quarto, prendeu a respiração por um momento.

Encontraria Nelly adormecida na cama, que a forçara a ocupar sozinha, ou os baús dela prontos e seu casamento transformado numa lembrança? Mesmo temeroso, entrou.

E suspirou de alívio ao vê-la, ainda adormecida, os cabelos espalhados nas fronhas. Despiu-se rápido, apanhou um roupão no armário e caminhava para o enorme banheiro, quando ela despertou.

— Bom dia — ele a cumprimentou, sorrindo. Nelly não sorriu de volta. Chorara a noite toda, perguntando-se onde seu marido poderia estar. Vê-lo de pé, ali per to, como se nada tivesse acontecido, não a fazia nem uni pouco alegre.

— Você parece... — Eu sei. — Derrick ergueu a mão para pedir silêncio. — Há um incêndio nas docas.

Tenho de ir para lá. — Algum ferido? — Nelly se livrou das cobertas e se levantou. Derrick viu os cabelos desalinhados caindo por seus ombros e notou os olhos

inchados. Sentiu-se péssimo. — Creio que não. — Foi lavar o rosto. — O fogo começou em outro barco. Nelly prendeu os cabelos e vestiu o robe. Se Derrick não sabia se havia feridos, onde

estivera até então? — Minutos depois, uma empregada trouxe o desjejum bem leve que ela pedira. Nelly

escovou os cabelos e os trançou. Quando terminou, Derrick já estava vestido. — Pedi a refeição. O estômago dele se contraiu. — Quero apenas um pouco de café. Nelly não argumentou. A discussão da noite anterior deixara um gosto azedo em sua

boca. Não estava disposta a continuar com ela. — Irei com você, Derrick. — Não. Aquilo não é lugar para senhoras. E não sei a que horas estarei de volta. —

Ele se inclinou para um rápido beijo em seu rosto. Sem saber o quanto Derrick desejava tomá-la nos braços e beijá-la até que ela

entendesse que seu amor não fora em vão, Nelly não o beijou também. Mais uma vez, a porta fechou-se, deixando-a sozinha. Decidida a não se aborrecer, comeu o máximo que seu estômago tenso suportou,

arrumou-se e desceu. Derrick lhe dera uma generosa quantia para as compras, e ela poderia muito bem gastá-la. Um pouco de ar fresco seria melhor do que ficar fechada no quarto.

Acostumada a longas caminhadas, não se cansou com o longo passeio, no qual se distraiu vendo vitrines e imaginando quem viveria atrás dos portões de ferro majestosos das tantas mansões que encontrou. Ocupou-se o dia todo passeando e comprando, só retornando à suíte no fim da tarde.

Já estava escuro, quando Derrick voltou. Parecia mais cansado que nunca. O rosto estava sujo de fuligem, e as roupas cheiravam a fumaça. Sem ousar se sentar, ele se

Page 70: Patricia waddell - só mais um beijo

serviu de uma xícara de chá e foi para a sacada. A avaria não tinha danificado muito o Triunfo, mas levaria pelo menos três semanas

para que o navio fosse todo limpo e repintado. Exausto pela noite de bebedeira e pelo dia de labuta, Derrick esperava não adormecer

na banheira e, assim, afogar-se. — Você parece tão cansado... — Nelly se juntou a ele no balcão. — Está com fome? — Sim. Mas acho que preciso mais de uma cama. — Não antes de tomar um banho! — Ela deu risada. — Você pode esfregar minhas costas? — pediu, entregando-lhe a xícara vazia. A idéia de banhar seu marido como se ele fosse um bebê encheu-a de calor. Nelly

estava cheia de dúvidas, mas não podia negar a alegria que sentia ao vê-lo retornar. Não respondeu, mas acompanhou-o ao banheiro. Quando Derrick tirou as roupas, ela ofereceu uma fronha aberta para que ele as colocasse dentro.

Completamente nu, ele suspirou e afundou-se na água morna. Nelly sorriu-lhe. — Cuidado para não dormir aí. — Vou tentar. — Derrick respirou fundo, apreciando a sensação deliciosa que relaxava

seus músculos doloridos. Quando sua esposa começou a lavar-lhe o rosto, Derrick achou que tinha morrido e

chegado ao paraíso. Ficou de olhos fechados, enquanto ela o lavava e enxaguava como a uma criança.

— Pelo menos não estará cheirando a fumaça quando for para a cama, esta noite — disse, sem saber do remorso que suas palavras provocaram.

— Creio que devo-lhe desculpas por ontem, Nelly. — Derrick torcia para encontrar as palavras certas para explicar-lhe todos os novos sentimentos que sua mulher lhe provocara. Embora quisesse confessar seu amor, não sabia como. As três palavras ficavam presas em sua garganta.

Vendo o semblante cansado de seu marido, Nelly decidiu que poderia esperar um dia ou dois para sanar as dúvidas que os mantinham separados.

— Falaremos sobre isso amanhã. — Esfregou-lhe os ombros e as costas com lentos movimentos circulares. — Primeiro um banho, depois uma refeição leve, e poderá dormir.

— Não sou criança. Derrick gostaria de saber por que não tivera a idéia de pedir para Nelly dar-lhe um

banho antes. Era maravilhoso sentir-lhe as mãos quentes e ensaboadas movendo-se por sua pele. Estaria exausto demais para outra coisa, porém, se não dormisse pelo menos dez horas.

— Gladys me disse uma vez que os homens são mais infantis que as próprias crianças. — Nelly deixou cair dentro da banheira o tecido com que o lavava. — Começou a acreditar que é verdade.

— E as mulheres não são? — Não — respondeu com firmeza. — Desde que o conheci, descobri que os homens

podem ser tão irritantes quanto uma coceira, tão teimosos quanto uma mula morta e, pior de tudo, tão...

Derrick a beijou, pondo fim à lista de defeitos. Mergulhou a língua em sua boca quente, sentindo tanto amor que seu corpo começou a responder, apesar do cansaço que o devastava. Nelly gemeu e se inclinou sobre a beirada. Quando afastou-se, ele sorria.

— Chega disso. — Ela se pôs a procurar pelo tecido na água, para que pudesse terminar sua tarefa.

Derrick segurou sua mão e colocou-a onde lhe dava mais prazer. Nelly arregalou os olhos.

— Pensei que estivesse exausto. — E estou. Dê-me o sabão e saia daqui, senão serei obrigado a ensinar-lhe como é

Page 71: Patricia waddell - só mais um beijo

fazer amor dentro de uma banheira. — Certo. Eu volto logo. Na insistência para que ele comesse algo, Nelly foi solicitar uma bandeja com frutas e

pães frescos, que chegou em instantes.— Não espera que o alimente também, não é? — Ela sorriu, quando Derrick, usando

um roupão, entrou no quarto. — E por que não? — Ele jogou o roupão sobre uma cadeira e puxou as cobertas da

cama. Ao vê-lo nu, em toda a sua glória, Nelly suspirou. — Cubra-se antes que apanhe um resfriado. Derrick a obedeceu, e ela arrumou a

bandeja no colo dele, para alimentá-lo. — Acho que não mereço ser mimado assim. Não queria tê-la deixado sozinha na noite

passada. — Então, por que o fez? — Nelly ainda se perguntava onde ele teria passado as longas

horas entre a meia-noite e o amanhecer. Derrick ponderou muito antes de responder. Já havia admitido para si mesmo que a

amava, mas transformar aquilo em palavras parecia impossível. Esteve muito seguro aquela manhã, no café, mas agora não tinha certeza de que Nelly acreditaria nele. E se ela pensasse que apenas queria compensá-la por sua ausência? Não podia arriscar-se a abrir seu coração e ser rejeitado por raiva ou por dúvidas.

Desse modo, decidiu declarar-se em outra ocasião. Em breve, mas não naquele instante. A exaustão era imensa. Quando dissesse a Nelly que a amava queria fazê-la acreditar, sem nenhuma sombra de dúvida.

— Não estou acostumado a dar explicações. — Derrick colocou a bandeja de lado. — E Jessica exige alguma explicação.

Até que enfim!, pensou ela. Se Derrick dissesse que ainda a amava, pelo menos saberia a verdade. Teria de ser melhor do que as dúvidas que torturavam seu coração.

— E muito complicado... mas nunca amei Jessica. Não do modo como você pensa. — O que está escrito no túmulo dela? A pergunta o pegou desprevenido. —Não tenho

certeza. Pedi para esculpirem um verso, não me recordo qual. Chovia muito no dia do enterro, e não havia ninguém lá, além de mim.

Nelly fitou seu marido e o que encontrou foi desespero. Algo na morte de Jessica tirara muito de sua alegria. Talvez a injustiça ou o sentimento de não ter podido fazer nada a respeito. Nelly sentira o mesmo com a morte de Frank, só que não havia ninguém a seu lado para culpar, como Derrick fizera com Cliff Darlington.

— Irei até lá para ver, e levarei algumas flores. — Sem mais cenas de ciúme, Nelly? Ela meneou a cabeça. — Nunca mais. Derrick observou-a retirar a bandeja. Assim que retornou, passou a se despir. E então,

inteiramente nua, escorregou para debaixo das cobertas. — Durma, querido. Não precisou falar duas vezes. Derrick a puxou para si e adormeceu de imediato. Nelly, no entanto, não teve a mesma sorte. Passou quase toda a noite ao lado do

marido, imaginando se havia ganhado ou perdido a batalha. Ficara feliz ao saber que ele não amara Jessica, mas o alívio que invadiu sua alma era apenas parte da cura de que necessitava para ser completamente feliz em seu casamento.

Na manhã seguinte, ao acordar, Derrick encontrou a esposa, já vestida, escovando os cabelos. Pensava em pedir-lhe que tirasse o vestido verde e voltasse para o leito, quando ola disse algo que o fez estremecer.

Atando a cabeleira com uma presilha, Nelly encarou seu sonolento marido. — Quero ir para casa. Para a River Run. Ignorando se aquele desejo era resultado de sua noite fora de casa ou um surto de

Page 72: Patricia waddell - só mais um beijo

saudade causado pelas duas semanas de afastamento da fazenda, Derrick esfregou as pálpebras e se sentou no colchão.

— Ainda não vimos Nova Orleans, Nelly. — Já vi o suficiente. Quero ir para casa. Derrick experimentou uma ponta de desgosto

ao perceber que ela não tinha aceitado a mansão dele em Louisville como seu novo lar. Claro que sabia que a transição iria demorar um pouco, mas temia que os acontecimentos dos dois últimos dias tivessem, de alguma forma, afetado seu matrimônio.

Nelly caminhou até o canto do quarto onde ficava o cordão de veludo para chamar os empregados e o puxou com força. Mantendo-se de costas para o marido, não podia ver a expressão perturbada dele.

Do lado de fora da janela, o céu estava cinzento, pois uma espessa camada de nuvens cobria a cidade. A tempestade que se aproximava combinava bem com o tumulto que ia no interior de sua alma.

Amava Derrick mais do que tudo. No entanto, já era hora de acertar alguns detalhes de seu casamento. Faltando pouco mais de um mês para o derby, não queria desperdiçar seu tempo em Nova Orleans. Desejava estar na River Run, onde poderia raciocinar com mais clareza.

— O Triunfo ainda não está pronto. — Derrick se levantou e pôs o roupão. — Você.tem outros navios. — O Memphis Belle não é tão grande quanto o Triunfo, mas poderá nos levar de volta

a Louisville. — Podemos partir hoje? — Se quiser... — concordou, sabendo que não havia mais nada a fazer. Derrick não pretendia contrariá-la e, tinha de admitir, estava ansioso para saber como

Sean vinha se saindo com Beldare. Enquanto ela pedia o desjejum, Derrick se vestiu. Abo-toava a camisa quando parou

diante do espelho, esperando ver um estranho a mirá-lo. Desde que admitira para si mes-mo seu amor por Nelly, sentia-se uma pessoa diferente. Estudando suas feições, pôs-se a imaginar o que poderia fazer para salvar sua lua-de-mel. Assim como o noivado, o casa-mento parecia estar se movendo rápido demais.

Nelly abria a porta para o empregado do hotel, que trazia o café, quando Derrick se aproximou.

— Tem razão. É hora de voltarmos. O derby está chegando, e há muito a fazer antes que Beldare pise na raia.

Antes do meio-dia, o casal entrou na carruagem que os levaria até as docas. Quando o cocheiro parou, Derrick desceu e ajudou Nelly. Ele não gostara nada do

olhar distante de sua mulher durante todo o trajeto. Em vez de admirar a paisagem, ela se manteve olhando para a frente, e nunca para ele.

O Memphis Belle estava atracado perto do Triunfo. Ao ver o lindo barco onde acontecera sua lua-de-mel, Nelly ficou triste.

— E muito grave? — perguntou, como se quisesse saber da saúde de alguém muito querido.

— Nada que algumas camadas de tinta e mobília nova não resolvam. — Derrick agradeceu aos céus por, finalmente, ela estar lhe dirigindo a palavra.

Uma brisa agitou a saia cinza que Nelly escolhera para a viagem. O Memphis Belle era também um navio grande, mas tinha apenas três deques e vários anos de uso.

Após acomodá-la na cabine, Derrick saiu, dizendo-lhe que gostaria de falar com o capitão Stewart mais uma vez, antes de zarpar.

Feliz por poder ficar a sós por um momento, Nelly se sentou numa cadeira, para tentar examinar o que sentia. A confissão de seu marido de que nunca amara Jessica Monroe deveria tê-la alegrado. Ao contrário, porém, experimentava um estranho vazio no peito, e o atribuiu ao fato de estar longe da River Run havia mais de duas semanas. Além do

Page 73: Patricia waddell - só mais um beijo

mais, ainda não estava voltando para casa. Teriam de passar por Louisville, o que significava mais alguns dias longe do lugar que tanto amava.

Precisava do isolamento que a River Run proporcionava, mas tinha dúvidas de que desfrutaria dele em breve. A maratona de festas que precedia o derby começava semanas antes do evento. Durante todo o mês, a cidade de Louisville seria o centro do mundo das corridas de cavalo.

E então haveria o baile dos Darlington. Vicky lhe dissera que, como todos os anos, Cliff Darlington oferecia o primeiro baile da estação. Alugava o maior salão do maior hotel da cidade e convidava a nata da sociedade.

Nelly achava que era muito alvoroço por tão pouco. As festas durariam horas, enquanto a corrida seria decidida em minutos.

Fechou os olhos e imaginou Beldare correndo pela pista, a crina esvoaçante ao vento, enquanto os demais cavalos tentavam alcançá-lo.

Conseguiu sorrir pela primeira vez naquele dia. Capítulo IX Cinco dias depois, parecia que toda a Louisville estava às margens do rio. Os

passageiros a bordo do Memphis Belle — sem exceção — falavam sobre a corrida que aconteceria em breve.

Como era de se esperar, o ancoradouro estava repleto de barcos. Nelly observava o desembarque dos engradados de vinho e de flores para as festas que marcariam os dias até o derby.

Ela acenou para Henry, que tentava colocar a carruagem na longa fila de veículos que aguardavam pelas pessoas. Quando ele acenou de volta, Nelly deu risada.

Derrick apreciou o som. Os últimos dias tinham sido um verdadeiro inferno. Ao contrário do Triunfo, o Memphis Belle não fora projetado para dar privacidade absoluta aos passageiros. A cabine que ocuparam era na primeira classe, que, infelizmente, estava tomada por empresários que procuravam atrair sua atenção. Não conseguira aproveitar um único minuto fora de suas acomodações, e dentro não tinha sido melhor.

Nelly ainda vinha para seus braços de boa vontade, mas faltava algo. Seus olhos tinham perdido o brilho dos primeiros dias. Nunca mais dissera que o amava. Faziam as refeições juntos, caminhavam pelo deque de mãos dadas, iam para a cama, dormiam abraçados, mas nunca mais a declaração acompanhou nenhuma dessas ações. Derrick a fitava enquanto faziam amor, esperando ver a promessa dela ali, mas, embora suas pupilas brilhassem de paixão, ele não conseguia ter certeza de que era amor.

Cada vez que pensava em dizer, ele mesmo, as palavras, algo o impedia. O orgulho, ou talvez o medo de ser tarde demais. Podia senti-la escorregando por entre seus dedos, afastando-se dele.

O temor de perdê-la cresceu ainda mais quando entrou na casa da sociedade de Saint James e encontrou o convite para o baile dos Darlington.

Embora Nelly nunca mais tivesse perguntado sobre Jessica, o último lugar a que ele gostaria de levá-la era a residência de Darlington, onde, com certeza, os Monroe também estariam. Vicky os recebeu com um sorriso caloroso e um olhar surpreso. Embora tivesse sido avisada do incêndio, esperava que eles terminassem a viagem de lua-de-mel até o golfo do México.

— Você está um pouco pálida, querida. Não ficou doente, ficou? — Não, Vicky. Só estou cansada. Preferi voltar para a fazenda. — Nelly se sentia

melhor por estar de novo no Estado da Grama Azul. A única coisa que a afligia era a incerteza de saber se Derrick algum dia a amaria.

Notando a preocupação no rosto de seu sobrinho, Vicky não fez mais nenhuma

Page 74: Patricia waddell - só mais um beijo

pergunta. — Tem notícias de Gladys e Roy? — Nelly verificava a pilha de cartas sobre a mesa. — Sim. — Vicky apanhou um envelope. Ansiosa, Nelly o abriu, e logo sorriu ao saber

que Roy estava andando pelos estábulos e dando ordens a todos, como sempre. Sean e Beldare se tornaram amigos, e Boyd havia entregue um gatinho cinzento.

— Parece que Beldare e seu irlandês estão se dando muito bem — disse ela, dobrando a carta e devolvendo ao envelope.

— É muito bom saber disso — disse Derrick, com menos entusiasmo do que Nelly esperava.

Quando o fitou, Nelly o flagrou estudando-a com atenção. Estava a ponto de perguntar-lhe no que ele pensava, quando Madeline entrou na sala.

— Bem-vindos! — cumprimentou-os. — É bom estar em casa. — Nelly ficou surpresa com o fato de que começara a se

sentir tão bem na mansão da sociedade de Saint James. As horas seguintes foram gastas na acomodação do casal. Como o baile dos

Darlington se daria no fim da semana, Derrick decidiu que seria tolice ir para a River Run e ter de partir no dia seguinte. Portanto, voltariam para a fazenda na segunda-feira após o baile.

Embora desapontada com o desenrolar dos acontecimentos, Nelly concordou e tratou de fazer com que a Sra. Warwick desse os últimos retoques em seus vestidos de festa.

Na manhã seguinte, lá estava ela de novo sobre o banco, enquanto a modista falava sobre todos os trajes que teria de terminar antes que começassem os eventos; e como Nelly iria brilhar mais que qualquer outra mulher.

O vestido escolhido para a recepção na mansão dos Darlington era de cetim verde-esmeralda bem escuro, que aderia suavemente às suas curvas e fazia seus olhos pa-recerem pedras preciosas. Ela tentava manter o bom humor, pois Vicky convidara várias senhoras para o chá, e ela estava, portanto, com pouco tempo para vestir algo mais modesto. Tentava não pensar no marido, que parecia preocupado, sabia Deus com o quê.

Pondo um robe, Nelly foi até o dormitório que agora partilhava com Derrick. Ele saíra logo após o desjejum, dizendo-lhe que não o esperasse até bem tarde. Suspirando, ela fechou a porta. Um vestido cor de lavanda bem pálida esperava sobre o colchão.

Desde que saíra da River Run, Nelly não fizera nada além de arrumar e desfazer malas, vestir-se e desvestir-se. Estava ansiosa pelo sossego de sua vida anterior. Nada na River Run era apressado. Sempre tinha tempo para cavalgar ou para uma caminhada. Agora, mal conseguia respirar em paz.

Na noite do baile dos Darlington, Nelly já estava cansada de sorrisos forçados e de ouvir mexericos que não tinha nenhuma intenção de repetir. Todos os dias foram ocupados com chás e as provas do restante de seu guarda-roupa. Por isso, ao colocar o vestido verde-esmeralda e ficar imóvel para que Vicky o abotoasse, não se importava mais se estava apresentável ou não.

Sentia-se exausta, e vira tão pouco seu marido que não poderia saber se ele estava feliz por ter casado com ela ou não. Rezando para manter a calma até que voltassem para a River Run, imaginava se Derrick iria se atrasar pela terceira noite seguida.

Tentava decidir como reagir, quando ele entrou no quarto, pronto para o baile. Embora Nelly sempre o tivesse achado bonito, dessa vez Derrick estava tão lindo como no dia do casamento. A elegante casaca preta, com lapelas de cetim, combinava bem com a camisa branca impecável e a gravata preta.

— Ela não está linda? — perguntou Vicky, afastando-se, enquanto Nelly calçava as luvas brancas que chegavam aos cotovelos.

— Sim. Cada dia mais bonita — respondeu ele, com convicção. O coração de Nelly deu um salto quando seu marido se aproximou. Os olhos

transbordavam emoção ao estender uma caixa comprida e estreita para ela.

Page 75: Patricia waddell - só mais um beijo

— Achei que gostaria. Considere um presente de casamento atrasado. — Derrick sorriu e deu-lhe uma piscada maliciosa. — Mas isto é só uma parte do presente. O restante virá depois do derby.

Nelly entendeu que Derrick se referia à vitória de Beldare. Aceitou a caixa com mãos trêmulas e desfez o laço dourado. Ergueu a tampa e mal pôde acreditar no que via. Sobre o veludo azul estavam um colar de diamantes e um par de brincos combinando. As pedras raras cintilavam como pequenas estrelas.

— São maravilhosos! — disse, comovida. Derrick era todo sorrisos quando tirou o colar da caixa e o colocou no pescoço dela.

Nelly nem percebeu quando Vicky saiu do aposento. — Deixarei que faça o resto. Não saberia ajudá-la com os brincos. Indo até o espelho, ela se mirou pela primeira vez naquele dia. — Obrigada, Derrick. — Sou eu quem deve agradecer. — Segurando-lhe a mão, assim que ela terminou de

prender as jóias nos lóbulos, ele a puxou para mais perto. — Confie em mim só por mais alguns dias — pediu, beijando-lhe os lábios. — Levei muito tempo para ajeitar as coisas, mas, agora que consegui, tudo ficará bem.

Nelly nem imaginava a que Derrick se referia. Ele estivera preocupado desde que deixaram Nova Orleans, mas ela atribuíra isso ao incêndio e à corrida que se aproximava. Ao encará-lo, surpreendeu-se com a ternura que viu em seu rosto. Quando ele piscou de novo, Nelly riu.

— Está me escondendo alguma coisa, não é? Ele continuou sorrindo. — Diga, Derrick, o que é? — Nada com que deva preocupar sua linda cabecinha. — Ofereceu-lhe o braço. —

Não queremos nos atrasar para o baile. Acompanhando seu marido até a carruagem, Nelly imaginava se ele teria exagerado

no conhaque. Afinal, Derrick sorria como um marinheiro bêbado. Nelly não podia acreditar no que tinha diante de si, quando chegaram ao hotel. As

carruagens, enfileiradas por todo o quarteirão, esperavam para deixar os passageiros na porta de entrada para a maior festa que a cidade veria até o ano vindouro.

Sentada no veículo, observava pela janela o interminável desfile de damas perfeitamente trajadas, de acordo com a última moda. Quando Henry conseguiu se aproximar do tapete vermelho que conduzia aos degraus de pedra do hotel, foi possível ouvir os músicos tocando uma melodia suave.

Derrick a amparou para que descesse da carruagem, contando os dias até que pudesse dizer a sua esposa o quanto ela era amada.

Nelly mudara sua vida. O futuro seria insignificante sem ela, por isso ele se determinara a compensá-la pelo tempo perdido. Entretanto, teria de esperar um pouco mais. O amor que sentia por sua mulher modificara tudo, mas teria de aguardar para ver essas modificações se concretizarem, antes de dizer-lhe: "eu te amo".

Atraindo os olhares admirados de todos, Nelly caminhou pelo lobby apoiada no braço do marido. Podia ver as luzes brilhantes que se espalhavam pelas portas abertas e ouvir dúzias de vozes falando, alegres, ao mesmo tempo. A orquestra local começou a tocar uma valsa popular.

Derrick a guiava pelo meio da multidão. Ela avistava casais dançando, senhoras brilhando num turbilhão de cores vibrantes. Continuaram avante pela beirada do salão, até que encontraram a parte em que ficavam alinhadas as mesas. Suspirou aliviada ao deparar com Vicky sentada ao lado de um cavalheiro de meia-idade, com grandes olhos castanhos, que sorria para ela.

— Aquele é Justin Baker? — O primeiro e único. — Derrick riu. — Venha, vou apresentá-la. Justin Baker era tão polido quanto as taças repletas de champanhe que foram servidas

Page 76: Patricia waddell - só mais um beijo

pelo garçom, quando chegaram à mesa. Era alto e muito simpático, e Nelly gostou dolo de imediato. Vicky também parecia gostar. Quando a orquestra começou uma segunda valsa, a tia de Derrick foi arrastada para o meio do salão.

Logo depois, Derrick tomou-a pela mão e levou-a em direção aos convidados que valsavam. A música tocava mais alto quando ele a tomou nos braços.

Nelly experimentou a agradável sensação que sempre a invadia quando Derrick a tocava. As mãos dele a apertaram um pouco mais, e seus olhares se encontraram. Havia um brilho peculiar naquelas pupilas.

— Já disse como você é bonita? Todos os homens estão com inveja de mim. Nelly sorriu, a mente preenchida pelos acordes suaves da valsa e pelas palavras doces

de seu marido. Ele a apertou mais do que seria apropriado, fazendo que sentisse o calor de seu corpo, movendo-se no mesmo ritmo que ela. O perfume de Derrick a inebriava e a mão máscula em sua cintura a aquecia da cabeça aos pés.

Girando pela pista, ela cerrou as pálpebras, deixando-se levar pela mágica do momento. E a comparou às ocasiões em que faziam amor, os corpos tocando-se, os corações batendo forte.

Quando o número chegou ao fim, Nelly abriu os olhos. Derrick a fitava com um olhar tão intenso que ela pensou que seria beijada, ali, diante de todos. Os dedos dele aper-taram sua cintura por mais um segundo, antes de dar um passo para trás e agradecer-lhe pela dança.

No caminho de volta até a mesa, a pulsação de Nelly estava acelerada como se ela tivesse corrido um quarteirão, e não apenas dançado. Quando sentou-se, Derrick sussurrou em seu ouvido que não se afastasse dele. Ela achou o aviso desnecessário, até que avistou Cliff Darlington vindo em sua direção, acompanhado de Richard Monroe. Na certa o pai de Jessica ignorava estar ao lado do responsável pelo infortúnio n morte de sua filha. Compreendeu que seu marido não queria vê-la ferida por alguma palavra desagradável que algum tolos pudesse lhe dirigir.

— A mulher mais linda do salão! — Cliff tomou a mão de Nelly para beijá-la. Para sua sorte, a luva a impediu de sentir o roçar daquela boca arrogante em sua pele,

tornando mais fácil suportar aquela desnecessária demonstração de boas maneiras. Derrick, no entanto, não foi tão indulgente. Abraçou Nelly pela cintura com tanta força

que seus quadris se tocaram. — Creio que ainda não lhe apresentei minha esposa — ele se dirigia ao triste

cavalheiro. — Nelly, deixe-me apresentar-lhe o Sr. Richard Monroe. Embora a filha dele não esteja mais conosco, fomos bons amigos no passado.

As pessoas que os circundavam puderam ouvir aquelas palavras, e ficaram mudas, de repente. O nome de Jessica parecia ter sido banido do meio social desde seu falecimento.

Sem entender por que Derrick decidira ressuscitá-la naquele momento, Nelly se forçou a sorrir.

Richard Monroe fez uma reverência rápida, antes de dar as costas e se afastar, deixando claro para todos que não se importara com a estranha forma pela qual fora apresentado à Sra. Gentry.

— Você não costuma ser tão agressivo — Darlington comentou, torcendo a boca num sorriso zombeteiro. — É melhor ter Monroe como amigo do que como inimigo.

— Não estou precisando de amigos. — Derrick o encarou com frieza. Nelly observava Cliff Darlington, que analisava mentalmente as vantagens e

desvantagens de desafiar um de seus convidados. Escolhendo o caminho mais seguro, o advogado apenas sorriu, sem-graça.

— Acostumando-se à idéia de ficar em segundo lugar no derby, Gentry? — Serei o vencedor, Darlington — respondeu Derrick confiante. Antes que Nelly pudesse se pronunciar, Derrick a levou de novo para o centro do

salão, deixando os outros convidados imaginando se o desconhecido garanhão da River

Page 77: Patricia waddell - só mais um beijo

Run seria assim tão rápido. — Você está diferente, hoje, Derrick. — Acha mesmo? Pensei que gostasse da verdade. — Aquilo não foi franqueza, mas uma declaração de guerra. — Prefiro dançar com minha esposa a lutar. E, quanto à guerra, tenho coisas melhores

a fazer. Nelly ficou tentada a saber do que ele estava falando, mas não teve tempo, pois a

valsa exigia atenção. E assim os dois dançaram até que o jantar foi anunciado. Quando os convidados se acomodavam na elegante sala de refeições, com lugares

suficientes para os duzentos convidados que compunham a seleta lista de Darlington, Nelly sentiu todos os olhos voltados para ela e seu marido. As pessoas não perderam tempo em espalhar que Derrick não apenas mencionara o nome de Jessica Monroe como deixara claro que Buchanan encontrara um adversário à altura.

Justin e Vicky juntaram-se a eles, contendo o riso por causa dos mexericos que se espalhavam como fogo em folhas secas.

— Você deixou Darlington preocupado. — Justin esboçou um sorriso largo. — A especulação se transformou em aposta séria. Ouvi dizer que os números estão a seu favor.

A única resposta de Derrick foi erguer o copo num brinde enigmático. Nelly, sentada na sala, olhava pela janela para sua amada River Run. A lembrança do

baile dos Darlington era apenas isso: uma lembrança. Enfim, estava em seu lar. O sol de abril enchera as árvores de botões, e as videiras que tomavam conta das

cercas estavam de volta, tão verdes e fortes como antes. O ar do campo melhorara seu estado de espírito e, embora ainda tivesse dúvidas quanto a seu futuro, o peso era bem mais suportável, agora que se encontrava em casa.

Derrick tornara a ser um marido atencioso, o que a fazia pensar se algum dia o relacionamento deles se estabilizaria num patamar que pudesse prever. Aqueles altos e baixos punham-na tonta.

E o derby estava a apenas uma semana. Sean já se aprontava para ir para Louisville, e Nelly temia o momento em que Beldare o acompanharia. Roy ainda mancava, mas insistia que os dedos quebrados não o impediriam de ver Beldare vencer a competição. Gladys estava feliz, agora que Nelly voltara, e o gatinho cinzento que Boyd lhe dera ocupava-se com as franjas das cortinas.

Boyd viera visitá-los no dia seguinte ao da chegada. Com o chapéu na mão e um sorriso nos lábios, contou-lhes não ter ficado surpreso com o casamento, pois percebera, desde o início, que ela se apaixonara pelo homem de Louisville. Nelly o convidou para ficar para o jantar e foi surpreendida pelo convite de Derrick para que Boyd voltasse quando quisesse. Tudo estava se ajeitando. Todos estavam se ajeitando. Então, por que ela não sorria?

Fitou o pasto onde Beldare trotava. Por mais que compartilhasse do desejo de vê-lo vencer o derby, compreendeu que trocaria tudo aquilo por três simples palavras.

Na véspera, quase quebrara a promessa de não desperdiçar palavras dizendo a seu marido que o amava. Foi muito difícil evitar, pois Derrick fizera amor com ela com tanta ternura que Nelly chorou quando a última onda de prazer percorreu seu corpo. Queria gritar para os céus que o adorava, mas o orgulho foi maior que a paixão; assim como o orgulho dele era maior que seu amor.

Ou assim temia ela. Como duas pessoas podiam se tocar com tamanha intimidade sem amor? Aquele era um dos mistérios que Nelly tentava desvendar. O outro era o paradeiro do testamento de Frank.

Nelly se levantou para apanhar o gatinho, que conseguira subir alto demais pelas cortinas e planejava saltar. Soltou as garras dele do tecido, e ia colocá-lo no chão quando

Page 78: Patricia waddell - só mais um beijo

sua atenção foi atraída pelo quadro sobre a lareira. Frank mandará fazer aquela pintura do pai de Beldare, Grants Victory, depois que ele ficou com um segundo lugar discutível em Church Downs.

Embora perder a corrida tivesse abalado Frank, ele não se deixou abater. Em vez disso, encomendara o quadro e passava horas olhando para ele.

— Mas é claro! O gatinho protestou quando Nelly o colocou no chão, achando-se a maior tola de todo

o Kentucky. Não podia crer que o testamento de Frank esteve ali, olhando para ela por todos aqueles meses.

Puxando uma cadeira, subiu nela e ergueu a mão para procurar atrás do quadro. Momentos depois, tinha nas mãos o documento de Frank Matson.

Nelly fitava o envelope amassado, com lágrimas nos olhos. Pulou da cadeira, sentindo... não sabia muito bem o quê.

Não precisava ler para saber que Frank deixara a River Run para ela. Seu coração estava repleto de alívio e de gratidão. Entretanto, não importava quantos cavalos e quanta terra tivesse herdado, não seria feliz se não tivesse o amor de seu marido. Ela o amava. Deus era testemunha do quanto.

Nelly voltou a se sentar, e ainda olhava para o envelope desbotado, quando Derrick a encontrou.

— Algo errado? — perguntou, ajoelhando-se a seu lado. — Encontrei o testamento de tio Frank — disse, entre lágrimas. — Onde? — Atrás do quadro de Grantfs Victory. Tio Frank amava aquele cavalo. — E você também. — Ofereceu-lhe um lenço. — Achei que você não acreditasse no amor, Derrick. — As pessoas podem mudar seu modo de pensar, não podem? — Derrick sabia que

não deveria esperar nem mais um minuto. — Você mudou mais que minha mente — afir-mou, segurando o rosto dela entre as mãos. — Mudou meu coração, querida.

— Como? — Naquela indagação repousavam todos os sonhos e esperanças de Nelly. — Você me fez acreditar no amor. — E ele se inclinou para beijá-la. Mas, antes de ser beijada, Nelly ouviu, por fim, as palavras tão esperadas: — Eu te amo... Nos minutos que se seguiram, Nelly as ouviu de novo e de novo, sussurradas entre os

beijos mais doces que já recebera. Então, Derrick a fez levantar-se da cadeira. — Aonde vamos? Todos os seus sonhos tinham acabado de se realizar, e seu marido a arrastava para

fora, como se a casa estivesse em chamas. Pedindo a Derrick para que fosse mais devagar, Nelly quase teve de correr para

acompanhar suas passadas. Derrick não disse mais nada até que chegaram diante da cerca em que Beldare veio recebê-los. Segurando o testamento em uma das mãos, Nelly acariciou o focinho do garanhão com a outra.

— Estou com ciúme — brincou Derrick, puxando a mão dela, até que olhasse para ele. Sabendo que Nelly queria escutar sua declaração outra vez, beijou-a antes de dizê-las: — Eu te amo! — Já era hora. Estava começando a pensar que você era um caso perdido. — Quis dizer-lhe em Nova Orleans, mas a hora apropriada não surgiu. — Qualquer hora seria apropriada, seu tolo. — Perdoe-me por minha hesitação. Quanto mais pensava em dizer-lhe, mais meus

joelhos tremiam. Saiba que é muito intimidadora, Sra. Gentry. — Você pode, enfim, deixar a memória de Jessica descansar em paz? A expressão de Derrick se tornou triste. — Eu usava a morte de Jessica para justificar meu ódio por Darlington. Foi uma

Page 79: Patricia waddell - só mais um beijo

desculpa conveniente, mas não tenho mais tempo para isso. Você preencheu minha vida e minha alma.

Beijaram-se como amantes famintos; depois, com uma ternura que deixou Nelly apoiada em seu peito, fraca demais para ficar em pé sozinha. Não haveria mais portas fechadas, nem dúvidas entre os dois.

— Posso contratar um artista para pintar Beldare, depois que ele vencer o derby? — Não. — Não? — Os olhos dela arregalaram-se de espanto. — Por quê? — Porque ele não vai vencer o derby. — Mas... — Resolvi deixar que outra pessoa esfregue o nariz de Darlington na lama. Não

preciso vencer o campeonato. Não preciso de nada além de seu coração. — Ele já é seu. — Nelly sorriu entre as lágrimas. — Portanto, não precisa desistir do

derby. — Mas eu quero. Eu te amo o suficiente para apagar todos os questionamentos que

ainda possam existir nessa sua cabecinha teimosa. Beldare me trouxe até a River Run, mas você é o motivo pelo qual não desejo partir.

Rindo e chorando ao mesmo tempo, Nelly se agarrou ao pescoço de Derrick, quando ele a ergueu do solo e começou a andar em direção à casa.

— Aonde vamos desta vez, querido? — Para a cama. — Ele piscou, cheio de segundas intenções. — Lembro-me muito bem

de você ter dito que queria dez filhos.