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A POESIA NO SÉCULO XIX Denise Reis Priori

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A POESIA NO SÉCULO XIX

Denise Reis Priori

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Romantismo• Características:• a exaltação dos sentimentos pessoais, muitas vezes até autopiedade• exaltação de seu “eu” - subjetivismo• a expressão dos estados da alma, das paixões e emoções, da fé, dos

ideais religiosos• apóiam-se em valores nacionais e populares• desejo de liberdade, de igualdade e de reformas sociais; e a valorização da

Natureza, que é vista como exemplo de manifestação do poder de Deus e como refúgio acolhedor para o homem que foge dos vícios e corrupções da vida em sociedade

• em alguns casos, fuga da realidade através da arte (direção histórica e nacionalista ou direção idílica e saudosista)

• A linguagem sofreu transformações: em lugar da bem cuidada sintaxe clássica e das composições de metro fixo, os românticos preferiram uma linguagem mais coloquial, comunicativa e simples, criando ritmos novos e variando as formas métricas. Essa liberdade de expressão é uma das características típicas do Romantismo e constitui um aspecto importante para a evolução da literatura ocidental. O espírito de renovação lingüística é uma contribuição importante do Romantismo e foi retomado, no século XX, pelos modernistas.

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"Mas essa dor da vida que devoraA ânsia de glória, o dolorido afã...A dor no peito emudecera ao menosSe eu morresse amanhã!"" Quando falo contigo, no meu peitoesquece-me esta dor que me consome:Talvez corre o prazer nas fibras d'alma:E eu ouso ainda murmurar teu nome!" 

Álvares de Azevedo

Lira dos Vinte Anos

"Oh! Que saudades que tenhoDa aurora da minha vida,da minha infância queridaQue os anos não trazem mais!“

Casimiro de Abreu

Meus oito anos

Minha terra tem palmeiras,Onde canta o Sabiá;As aves que aqui gorjeiam,Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,Nossas várzeas têm mais floresNossos bosques têm mais vida,Nossa vida mais amores.

Gonçalves Dias - Canção do Exílio

"Eras na vida a pomba prediletaQue sobre um mar de angústia conduziaO ramo da esperança. - Eras a estrelaQue entre as névoas do inverno cintilavaApontando o caminho ao pegureiro.“

Fagundes VarelaCântico do Calvário

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PARNASIANISMO• Características:

• postura anti-romântica• objetividade temática• arte pela arte ( arte sem compromisso social ou sentimental )• culto da forma - representada pelos sonetos, versos alexandrinos (12 sílabas

poéticas, rima rica, rara e perfeita)• tentativa de atingir a impassibilidade ( distanciamento, a contenção emocional ) e a

impessoalidade• universalismo• destaque ao erotismo e à sensualidade feminina • descrições objetivas da natureza e de objetos• retomada da Antiguidade Clássica com seu racionalismo e formas perfeitas• surge a poesia de meditação, filosófica - mas artificial• A preocupação exagerada com o poema, tratando-o como produto concreto, final,

acabado em que se deposita toda a importância; o afã na construção do objeto, deixando de lado o conteúdo, o sentimento poético. Parece um reflexo do processo de produção mecânica acelerada em que a época vivia, transformando até o próprio homem em mais um objeto de consumo.

• O poeta é um ourives, um escultor, um carpinteiro, e a sua obra, o seu poema é também um produto material, como qualquer outro. O que importa não é o sentimento, mas sim a técnica, a capacidade artesanal do criador devidamente associada a seu esforço.

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ORIGEM E PARNASIANISMO NO BRASIL

• Originariamente da França, é a poesia que segue os princípios da estética realista. Apesar disso, ideologicamente os romancistas realistas e naturalistas não tinham exatamente os mesmos propósitos da manifestação poética desta época.

• O movimento recebe esse nome por causa de uma antologia, Parnasse Contemporain, publicada a partir de 1866, na França. Esses poemas revelavam gosto da descrição nítida, metrificação tradicional, preocupação formal e um ideal de impessoalidade.

• Embora acompanhe cronologicamente a prosa realista, a poesia parnasiana apresenta dificuldades na definição de seu marco inicial. Há quem sugira a data de 1880, quando da publicação de Sonetos e Rimas de Luís Guimarães Júnior (1845/1898). Outros, no entanto, preferem assinalar a de 1882, quando Teófilo Dias publicou Fanfarras. Mas o movimento só se definiu realmente a partir de Sinfonias (1883) de Raimundo Correia, seguida de Meridionais (1884), de Alberto de Oliveira e de Poesias (1888) de Olavo Bilac.

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• REPRESENTANTES :

• OLAVO BILAC (1865/1918):Obras: Poesias (1888); Crônicas e novelas (1894); Crítica e fantasia (1904); Conferências literárias (1906); Dicionário de rimas (1913); Tratado de versificação (1910); Ironia e piedade, crônicas (1916); Tarde (1919); Poesia, org. de Alceu Amoroso Lima (1957).

• RAIMUNDO CORREIA (1860/1911): Primeiros Sonhos (1879), Sinfonias(1883), Versos e Versões (1887), Aleluias (1891), Poesias (1898)

• ALBERTO DE OLIVEIRA (1857/1937): Canções Românticas ( 1878), Meridionais ( 1884), Sonetos e Poemas (1885), Versos e Rimas (1895), Poesias Completas (1900), Poesias (quatro séries até 1927), Poesias Escolhidas (1913).

• VICENTE DE CARVALHO (1860/1911):Rosa, Rosa de Amor (1902), Poemas e Canções (1908), em prosa, escreveu ainda Páginas Soltas (1911) e Luizinha, comédia (seguida de contos), 1924.

• FRANCISCA JÚLIA (1871-1920): Mármores(1895), Livro da Infância(1899) Esfinges

(1903), Alma Infantil (1912), Esfinges (1920)

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Mais que esse vulto extraordinário, Que assombra a vista,Seduz-me um leve relicário De fino artista.

Invejo o ourives quando escrevo:Imito o amorCom que ele, em ouro, o alto relevo Faz de uma flor.

Imito-o. E, pois, nem de Carrara A pedra firo:O alvo cristal, a pedra rara, O ônix prefiro.

Por isso, corre, por servir-me, Sobre o papelA pena, como em prata firme Corre o cinzel.

Corre; desenha, enfeita a imagem, A idéia veste:Cinge-lhe ao corpo ampla roupagem Azul-celeste.

Torce, aprimora, alteia, lima A frase; e, enfim, No verso de ouro engasta a rima, Como um rubim.

Quero que a estrofe cristalina, Dobrada ao jeito Do ourives, saia da oficina Sem um defeito:

E que o lavor do verso, acaso, Por tão subtil,Possa o lavor lembrar de um vaso De Becerril.

E horas sem conto passo, mudo, O olhar atento,A trabalhar, longe de tudo O pensamento.

Porque o escrever - tanta perícia, Tanta requer,Que oficio tal... nem há notícia De outro qualquer.

Profissão de fé - Olavo Bilac (fragmento)

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Musa Impassível II

Ó Musa, cujo olhar de pedra, que não chora,Gela o sorriso ao lábio e as lágrimas estanca!Dá-me que eu vá contigo, em liberdade franca,Por esse grande espaço onde o impassível mora.

Leva-me longe, ó Musa impassível e branca!Longe, acima do mundo, imensidade em fora,Onde, chamas lançando ao cortejo da aurora,O áureo plaustro do sol nas nuvens solavanca.

Transporta-me de vez, numa ascensão ardente,À deliciosa paz dos Olímpicos-LaresOnde os deuses pagãos vivem eternamente,

E onde, num longo olhar, eu possa ver contigoPassarem, através das brumas seculares,Os Poetas e os Heróis do grande mundo antigo.

Francisca Júlia Deusa Vênus

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A Casa da Rua Abílio

A casa que foi minha, hoje é casa de Deus.Traz no topo uma cruz. Ali vivi com os meus,Ali nasceu meu filho; ali, só, na orfandadeFiquei de um grande amor. Às vezes a cidade

Deixo e vou vê-la em meio aos altos muros seus.Sai de lá uma prece, elevando-se aos céus;São as freiras rezando. Entre os ferros da grade,Espreitando o interior, olha a minha saudade.

Um sussurro também, como esse, em sons dispersos,Ouvia não há muito a casa. Eram meus versos.De alguns talvez ainda os ecos falaram,

E em seu surto, a buscar o eternamente belo,Misturados à voz das monjas do Carmelo,Subirão até Deus nas asas da oração.

Alberto de Oliveira

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SIMBOLISMO• No final do século XIX, a literatura que representou essa nova forma de ver o mundo

foi o Simbolismo. Os Simbolistas, insatisfeitos com a onda de cientificismo e materialismo a que esteve submetida a sociedade industrial européia na segunda metade do século passado, representam a reação da intuição contra a lógica, do subjetivismo contra a objetividade científica, do misticismo contra o materialismo, da sugestão sensorial contra a explicação racional. O Simbolismo começa por ser, portanto, uma negação do materialismo, do positivismo, do determinismo e outras atitudes  científico-filosóficas que embasaram a estética Realista/Naturalista/Parnasiana. É, por outro lado, um retorno ao subjetivismo romântico, ao predomínio do "eu", da imaginação e da emoção, ainda de modo mais profundo e radical. É também uma volta à atitude conflitual tensa do Barroco e ao espiritualismo e religiosidade da era medieval.

• Contrariamente aos românticos, os simbolistas propuseram que "a poesia não é somente emoção, amor, mas a tomada de consciência desta emoção; que a atitude poética não é unicamente afetiva, mas ao mesmo tempo afetiva e cognitiva". Por outras palavras, a poesia carrega em si uma certa maneira de conhecer.

     Na busca do "eu profundo", os Simbolistas iniciam uma viagem interior de imprevisíveis resultados, ultrapassando os níveis de razoabilidade em que, afinal de contas, se colocavam os românticos, mesmo os mais descabelados e furiosos.

     Imergindo nas esferas inconscientes, acbaram por atingir os estratos mentais anteriores à fala e à lógica, tocando o universo íntimo de cada um, onde reina o caos e a anarquia, em decorrência de ali vegetare as vivências vagas e fluídas, pré-lógicas e inefáveis, e que não se revelam ao homem comum senão por recursos indiretos como o sonho, a alucinação ou a psicanálise

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         Características da linguagem simbolista

      1. Musicalidade: música, a mais importante de todas as artes. “A música antes de tudo.” Aliterações, assonâncias, onomatopéias, sinestesias.             2. Linguagem vaga, fluida, que prefere sugerir a nomear.

      3. Utilização de substantivos abstratos, efêmeros, vagos e imprecisos;

      4. Presença abundante de metáforas, comparações, aliterações, assonâncias, paronomásias, sinestesias;

      5. Subjetivismo e teorias que voltam-se ao mundo interior;

      6. Antimaterialismo, anti-racionalismo em oposição ao positivismo;

  7. Misticismo, religiosidade, valorização do espiritual para se chegar à paz interior;

      8. Pessimismo, dor de existir;

      9. Desejo de transcendência, de integração cósmica, deixando a matéria e libertando o espírito;

    

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      10. Interesse pelo noturno, pelo mistério e pela morte, assim como momentos de transição como o amanhecer e o crepúsculo; Interesse pela exploração das zonas desconhecidas da mente humana (o inconsciente e o subconsciente) e pela loucura.

11. Maiúsculas alegorizantes: personificação.

12. Mergulho no eu profundo: nefelibatas – habitantes das nuvens.

    13. Os textos comumente retratam seres efêmeros (fumaça, gases, neve...). Imagens grandiosas (oceanos, cosmos...) para expressar a idéia de liberdade.

14. Pessimismo e dor de existir.

15. Conteúdo relacionado com o espiritual, o místico e o subconsciente: idéia metafísica, crença em forças superiores e desconhecidas, predestinação, sorte, introspecção.            Observação: Na concepção simbolista o louco era um ser completamente livre por não obedecer às regras. Teoricamente o poeta simbolista é o ser feliz

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Simbolismo português (1890-1915 )

      O Simbolismo é originário da França e se iniciou com a publicação de As Flores do Mal, de Baudelaire, em 1857. Nome inicial: Decadentismo.

      Bases Filosóficas

      Kiekegaard – o homem passa por três estágios em sua existência – estético (presença do novo), ético (gravidade e responsabilidade da vida) e religioso (relação com Deus).

Bergson – não é a inteligência que chega a compreender a vida. É a intuição.

      Em Portugal, o Simbolismo tem início em 1890, com o livro de poemas de Eugênio de Castro, Oaristos, e com revistas acadêmicas, Os Insubmissos e Boêmia Nova, cujos colaboradores eram Eugênio de Castro e Antônio Nobre.

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Autores e obras

      Eugênio de Castro e Almeida (1869-1944): a sua obra pode ser dividida em duas fases: simbolista e neoclássica. A simboliza corresponde aos poemas escritos já no século XX.       Novas rimas, novas métricas, aliterações, versos alexandrinos, vocabulário mais rico, ele expõe no prefácio – manifesto de Oaristos. Na fase neoclássica apresenta temas voltados à antigüidade clássica e ao passado português (profundamente saudosista).

      Antônio Nobre (1867-1900): Ingressou na carreira diplomática, morrendo de tuberculose aos 33 anos. Estudou em Paris. Obras: Só (Paris, 1892), Despedidas (1902), Primeiros versos (1921), Correspondência. É simbolista, mas não tem seus cacoetes. Considerado como nacionalista e romântico retardatário. Antônio Pereira Nobre exaltou a vida provinciana do norte de Portugal, por influência de Garrett e de Júlio Dinis. A sua poesia manifesta rica musicalidade rítmica e linguagem com um falar cotidiano e coloquial, além do pessimismo.

Raul Brandão (1867-1930): literatura forte e dramática. A sua melhor produção está na prosa de ficção: A Morte do Palhaço e o Mistério da Árvore, A Farsa, Os Pobres, Húmus, O Pobre de Pedir

     

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Camilo Pessanha (1867-1926): é considerado o mais simbolista dos poetas da época.       Autor de apenas um livro: Clepsidra, influenciou a geração de Orpheu, que iniciou o Modernismo em Portugal.. Passou grande parte da vida em Macau (China), tornando-se tradutor da poesia chinesa para o português.       Autor considerado de difícil leitura, pois trabalha bem a linguagem. No seu livro predomina o estranhamento entre o eu e o corpo; o eu e a existência e o mundo.       Em sua obra, Clepsidra, Camilo Pessanha distancia-se de uma situação concreta e pessoal, e sua poesia é pura abstração.

      Teixeira de Pascoaes (1877-1952): é o pseudônimo de Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos. Deixou obras de cunho filosófico e biografias. De seus livros de poesias citam-se Maranos, Regresso ao Paraíso, Sempre, Terra Proibida, Elegias.

      Florbela Espanca (1894-1930): embora não pertença propriamente ao período áureo do Simbolismo, possui idéias simbolistas. É considerada uma das mais perfeitas sonetistas da língua portuguesa. Suas obras: Juvenília, Livro de Mágoas, Livro de Sóror Saudade, Relíquias e Chameca em Flor.      

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SIMBOLISMO NO BRASIL

Ínicio:1893-   Publicação das obras MISSAL E BROQUÉIS, de Cruz e Sousa   Cruz e Souza – ( 1861 – 1898 )

A poesia de Cruz e Sousa mantém a estrutura formal típica do Parnasianismo (uso de sonetos, rimas ricas, etc.), mas em um tom mais musical, rítmico, com uma variedade de efeitos sonoros, uma riqueza de vocabulários, e um precioso jogo de correspondências (sinestesias) e contrastes (antíteses). Transparece a preocupação social, onde a dor do homem negro (fruto de suas próprias experiências de preconceito) funde-se à dor universal humana, conferindo à sua obra um tom filosófico que reflete a angústia, o pessimismo e o tédio. A solução é sempre a fuga, a preferência pelo místico, a busca pelo mundo espiritual que o consola. É o eterno conflito entre o real e o irreal dentro do universo humano, os mistérios de Deus e do homem, da vida e da morte que convivem com o amor, o misticismo, e os desejos. O resultado é sempre o sofrimento do ser, muitas vezes personificado pela dor do preconceito (o que leva aos ideais abolicionistas dentro de sua obra). Em contraste com a cor negra, está o uso de um vasto vocabulário relacionado à cor branca: neve, espuma, pérola, nuvem, brilhante, etc. Isso reflete sua obsessão, tipicamente simbolista, pela imprecisão, pelo vago, a pureza e o mistério. Sua obra ainda é vastamente tomada pela sensualidade, pela busca da auto-afirmação e pela subjetividade (indicada no uso constante da primeira pessoa), pelo culto à noite, pela busca do símbolo e do mistério da existência, através de uma imagem obscura, sugerida e distorcida.

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ALPHONSUS DE GUIMARAENS - ( 1870 – 1921 )

A obra de Alphonsus de Guimaraens é toda marcada por uma profunda suavidade e lirismo, com uma linguagem simples e um ritmo bem musical, cheio de aliterações e sinestesias. Por ter uma formação mais clássica e uma influência de cunho medieval, há o emprego constante das redondilhas, além dos versos alexandrinos e decassílabos, com ênfase no soneto, forma pela qual o poeta domina com grande êxito.

A presença da amada pedida, Constança, está sempre presente, retratada aos moldes medievais: uma divindade intocável, perfeita, livre de qualquer toque de erotismo e somente acessível através da morte. Por várias vezes ela é confundida com a imagem pura da Virgem Maria, de quem o poeta é profundamente devoto. Sua obra, aliás, é considerada a mais mística de nossa literatura.

A morte é outro fator importante dentro de sua obra, o que o aproxima muito dos poetas românticos. Há a aceptividade, a simpatia e o desejo pela morte, já que ela é o único caminho para se chegar à amada. Ela é o destino último, insuperável, em contraste com a miséria do mundo real. Cria-se assim um ciclo de misticismo, amor idealizado e obsessão da morte, onde a melancolia é sempre um fator marcante, aliada aos sonhos e às amarguras pessoais do poeta, muitas vezes refletidas pelos traumas do passado.

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Mistério

Gosto de ti, ó chuva, nos beirados,Dizendo coisas que ninguém entende!Da tua cantilena se desprendeUm sonho de magia e de pecados.

Dos teus pálidos dedos delicadosUma alada canção palpita e ascende,Frases que a nossa boca não aprende,Murmúrios por caminhos desolados.

Pelo meu rosto branco, sempre frio,Fazes passar o lúgubre arrepioDas sensações estranhas, dolorosas…

Talvez um dia entenda o teu mistério…Quando, inerte, na paz do cemitério,O meu corpo matar a fome às rosas!

Florbela Espanca

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Ao Longe os Barcos de Flores

Só, incessante, um som de flauta chora, Viúva, grácil, na escuridão tranqüila, - Perdida voz que de entre as mais se exila, - Festões de som dissimulando a hora

Na orgia, ao longe, que em clarões cintila E os lábios, branca, do carmim desflora... Só, incessante, um som de flauta chora, Viúva, grácil, na escuridão tranqüila.

E a orquestra? E os beijos? Tudo a noite, fora, Cauta, detém. Só modulada trila A flauta flébil... Quem há-de remi-la? Quem sabe a dor que sem razão deplora?

Só, incessante, um som de flauta chora...

Camilo Pessanha

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Cruz e SousaVelhas Tristezas                                                                           Diluências de luz, velhas tristezas  das almas que morreram para a luta!   Sois as sombras amadas de belezas  hoje mais frias do que a pedra bruta.

Murmúrios ncógnitos de gruta onde o Mar canta os salmos e as rudezas  de obscuras religiões — voz impoluta  de todas as titânicas grandezas.

Passai, lembrando as sensações antigas,  paixões que foram já dóceis amigas,  na luz de eternos sóis glorificadas.

Alegrias de há tempos!  E hoje e agora,  velhas tristezas que se vão embora  no poente da Saudade amortalhadas! ...

Música da Morte                                                                                 A música da Morte, a nebulosa,  estranha, imensa música sombria,  passa a tremer pela minh'alma e fria  gela, fica a tremer, maravilhosa ...

Onda nervosa e atroz, onda nervosa,  letes sinistro e torvo da agonia,  recresce a lancinante sinfonia  sobe, numa volúpia dolorosa ...

Sobe, recresce, tumultuando e amarga,  tremenda, absurda, imponderada e larga,  de pavores e trevas alucina ...

E alucinando e em trevas delirando,  como um ópio letal, vertiginando,  os meus nervos, letárgica, fascina ...                                  

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Alphonsus de Guimaraes

Soneto

Encontrei-te. Era o mês... Que importa o mês? Agosto, Setembro, outubro, maio, abril, janeiro ou março,Brilhasse o luar que importa? ou fosse o sol já posto, No teu olhar todo o meu sonho andava esparso.

Que saudades de amor na aurora do teu rosto!Que horizonte de fé, no olhar tranqüilo e garço!Nunca mais me lembrei se era no mês de agosto,Setembro, outubro, abril, maio, janeiro, ou março.

Encontrei-te. Depois... depois tudo se someDesfaz-se o teu olhar em nuvens de ouro e poeira.Era o dia... Que importa o dia, um simples nome?

Ou sábado sem luz, domingo sem conforto, Segunda, terça ou quarta, ou quinta ou sexta-feira, Brilhasse o sol que importa? ou fosse o luar já morto?