o primeiro beijo

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TWKliek J J U UL LI I A A Q QU UI I N NN N O Primeiro Beijo Dentro da Antologia Lady Whistledown Strikes Back JULIA QUINN O Primeiro Beijo Dentro da Antologia Lady Whistledown Strikes Back Ecos da Sociedade de Lady Whistledown, maio 1816. Um fugidio caçador de fortunas é cativado pela debutante mais desejada da temporada... e deve provar que está decidido a roubar o coração da dama, sem seu dote. Peter Thompson fez uma promessa no leito de morte a seu melhor amigo: que devia velar por sua irmã menor. Mas quando este condecorado soldado finalmente conhece a senhorita Matilde Howard, descobre que seus sentimentos são qualquer coisa, menos fraternos. Disp em Esp: MR Envio do arquivo: Gisa Revisão Inicial: Dani Dp Revisão Final: Matias Jr. Formatação: Dani Dp TWKliek Comentários de Revisores: Dani: Apesar de ser um conto bem pequeno, é bonitinho, não tem nenhum mistério, nem grandes intrigas como os demais livros desta autora. Mas vale a pena ler, porém sou suspeita para falar pois

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O Primeiro BeijoO Primeiro BeijoO Primeiro BeijoO Primeiro BeijoO Primeiro BeijoO Primeiro BeijoO Primeiro BeijoO Primeiro Beijo

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    JJUULLIIAA QQUUIINNNN

    OO PPrriimmeeiirroo BBeeiijjoo Dentro da Antologia Lady Whistledown

    Strikes Back

    JJUULLIIAA QQUUIINNNN

    OO PPrriimmeeiirroo BBeeiijjoo

    Dentro da Antologia Lady Whistledown Strikes Back

    Ecos da Sociedade de Lady Whistledown, maio 1816.

    Um fugidio caador de fortunas cativado pela debutante mais desejada da temporada... e deve

    provar que est decidido a roubar o corao da dama, sem seu dote.

    Peter Thompson fez uma promessa no leito de morte a seu melhor amigo: que devia velar por sua

    irm menor. Mas quando este condecorado soldado finalmente conhece a senhorita Matilde

    Howard, descobre que seus sentimentos so qualquer coisa, menos fraternos.

    Disp em Esp: MR

    Envio do arquivo: Gisa

    Reviso Inicial: Dani Dp

    Reviso Final: Matias Jr.

    Formatao: Dani Dp

    TWKliek

    Comentrios de Revisores:

    Dani: Apesar de ser um conto bem pequeno, bonitinho, no tem nenhum mistrio, nem grandes

    intrigas como os demais livros desta autora. Mas vale a pena ler, porm sou suspeita para falar pois

  • 2

    adoro os livros da Julia Quinn.

    Matias: Um livro leve, suave. Um passatempo para um fim de semana em que precisamos relaxar...

    Claro, desde que voc no se chame... "Tillie", por que, se assim for, fique bem longe de mim... que

    repetio medonha... D vontade de matar a autora por transferir a demncia da repetio para o

    mocinho... Risos. Boa leitura.

    CAPTULO 01

    O convite mais cobiado desta semana parece ser o prximo jantar de Lady Neeley, que se

    realizar a noite da tera-feira. A lista de convidados no longa, nem notavelmente exclusiva,

    mas se divulgaram contos do jantar do ano passado ou, para ser mais especfica, do menu, e toda

    Londres (e mais particularmente aqueles de maior circunferncia) est ansioso por participar.

    Esta Autora no foi obsequiada com um convite e, portanto deve sofrer em casa com uma

    jarra de vinho, uma fogaa de po, e esta coluna, mas ai, no sinta pena, querido Leitor. A

    diferena daqueles que participaro do prximo espetculo gustativo, esta Autora no tem que

    escutar Lady Neeley!

    Ecos de sociedade de Lady Whistledown, 27 de maio de 1816

    Tillie Howard imaginava que a noite no poderia piorar, mas, para falar a verdade, no podia

    imaginar como. No havia desejado participar do jantar de Lady Neeley, mas seus pais haviam

    insistido, assim aqui estava, tentando ignorar o fato de que sua anfitri - a ocasionalmente - temida,

    ocasionalmente - escarnecida Lady Neeley - tinha uma voz bem pareci com unhas sobre um quadro-

    negro. Tillie tambm estava tentando ignorar os rudos de seu estmago, que esperava alimento ao

    menos uma hora antes. O convite dissera s sete da tarde, assim Tillie e seus pais, o conde e a

    condessa de Canby, chegaram pontualmente meia hora mais tarde, com a expectativa de ser

    conduzidos ao jantar s oito. Mas j eram quase nove, e no havia sinal de que Lady Neeley

    pretendesse parar de falar para comer em nenhum momento em breve.

    Mas o que Tillie mais tentava ignorar, o que na realidade a fez fugir da sala para evitar, se

    fosse capaz de deduzir o modo de faz-lo sem provocar uma cena, era o homem parado a seu lado.

    Era um tipo alegre. - bramou Robert Dunlop, com aquela jovialidade que surge aps

    consumir um pouquinho mais de vinho do que devia. - Sempre pronto para um pouco de diverso.

    Tillie sorriu tensamente. Ele estava falando de seu irmo Harry, que morrera quase um ano

    atrs, no campo de batalha em Waterloo. Quando ela e o senhor Dunlop foram apresentados, ela

    ficara entusiasmada por conhec-lo. Amava desesperadamente Harry, e sentia sua falta com uma

    ferocidade que s vezes a deixava sem respirao. E pensou que seria maravilhoso ouvir histrias de

    seus ltimos dias, de um de seus camaradas.

    Exceto que Robert Dunlop no estava dizendo o que ela queria escutar.

    Falava sobre voc todo o tempo. - Continuou ele, embora j tivesse dito o mesmo dez

  • 3

    minutos atrs. - Exceto...

    Tillie no fez mais que piscar sem querer incentivar mais elucidaes. Isto no podia terminar

    bem.

    O senhor Dunlop a olhou com os olhos entrecerrados.

    Exceto que sempre a descreveu como toda cotovelos, joelhos e com tranas tortas.

    Tillie tocou suavemente seu coque habilmente penteado com a mo. No pde evitar.

    Quando Harry partiu ao Continente, sim tinha tranas tortas. - disse ela, decidindo que seus

    cotovelos e joelhos no necessitavam mais discusso.

    Ele a amava muito. - disse o senhor Dunlop.

    Sua voz era surpreendentemente suave e atenta, suficiente para captar a ateno completa de

    Tillie. Talvez no deveria ser to rpida para julgar. Robert Dunlop tinha boas intenes.

    Era certamente de bom corao, e bastante bonito, formando uma figura bem elegante em seu

    uniforme militar. Harry sempre escreveu sobre ele com afeto, e mesmo agora, Tillie custava pensar

    nele de outro modo que como "Robbie." Talvez fosse um pouquinho diferente. Talvez fosse o

    vinho. Talvez...

    Falava lisonjeiramente sobre voc. Lisonjeiramente; - repetiu Robbie, provavelmente para

    dar nfase extra.

    Tillie simplesmente assentiu. Sentia saudades de Harry, embora estivesse dando-se conta de

    que ele informara aproximadamente a mil homens de que ela era uma boba magrela.

    Robbie assentiu.

    Dizia que voc era a melhor das mulheres, se pudesse olhar sob as sardas.

    Tillie comeou a procurar as sadas, procurando uma escapatria. Certamente podia fingir um

    rudo sufocado, ou uma horrvel tosse.

    Robbie se aproximou para observar suas sardas.

    Ou a morte. Seu dramtico falecimento certamente terminaria como a histria principal em

    Whistledown de amanh, mas Tillie quase estava preparada para tentar. Precisava ser melhor que

    isto.

    Contou a todos que tinha poucas esperanas de que voc se casasse alguma vez - disse

    Robbie, assentindo de um modo muito amistoso. - Sempre nos lembrava que voc tinha um dote

    tremendo.

    Isso era suficiente. Seu irmo esteve usando seu tempo no campo de batalha para rogar aos

    homens que se casassem com ela, usando seu dote (a diferena de sua aparncia ou, Deus no o

    permita, seu corao) como o atrativo principal.

    Era tpico de Harry morrer antes que ela pudesse mat-lo por isso.

    Preciso ir - escapou.

    Robbie olhou ao redor.

    Aonde?

    A qualquer lugar.

    L fora - disse Tillie, esperando que isso fosse explicao suficiente.

    O cenho de Robbie se franziu confuso enquanto seguia o olhar dela porta.

    OH - disse. - Bem, imagino...

    Ali est!

    Tillie se virou para ver quem conseguira afastar a ateno de Robbie dela. Um cavalheiro alto

    vestindo o mesmo uniforme que Robbie caminhava para eles. Exceto, a diferena de Robbie,

  • 4

    parecia... perigoso.

    Seu cabelo era loiro mel escuro, e seus olhos eram... bem, no podia dizer de que cor era a dois

    metros e meio de distancia, mas realmente no importava, porque o resto dele era suficiente para

    afrouxar as pernas de qualquer jovem dama. Seus ombros eram largos, sua postura era perfeita, e

    seu rosto parecia ter sido esculpido em mrmore.

    Thompson - disse Robbie. - condenadamente bom te ver.

    Thompson, pensou Tillie, assentindo mentalmente. Devia ser Peter Thompson, o melhor

    amigo de Harry. Harry o mencionou em quase todas as missivas, mas claramente nunca o descreveu

    na realidade, ou Tillie estaria preparada para este deus grego parado em frente a ela. obvio, se

    Harry o tivesse descrito, simplesmente teria encolhido os ombros e dito algo como "Um tipo de

    aparncia regular, creio".

    Os homens nunca prestavam ateno aos detalhes.

    Conhece Lady Mathilda? - disse Robbie a Peter.

    Tillie - murmurou ele, pegando a mo oferecida dela e beijando-a. - Me perdoe. No deveria

    tomar tanta liberdade, mas Harry sempre a chamava assim.

    Est bem - disse Tillie, sacudindo apenas a cabea. - Foi bastante difcil no chamar de

    Robbie o senhor Dunlop.

    OH, deveria faz-lo - disse Robbie afavelmente. - Todos o fazem.

    Ento Harry escrevia sobre ns? - inquiriu Peter.

    Todo o tempo.

    Ele a amava muito - disse Peter. - Falava sobre voc com frequncia.

    Tillie estremeceu.

    Sim, isso era o que Robbie esteve me contando.

    No queria que pensasse que Harry no pensava nela - explicou Robbie. - OH, olhem, a

    est minha me. - Tanto Tillie como Peter o olharam surpresos, ante a repentina mudana de

    assunto. Ser melhor que me esconda - murmurou ele, e logo se escondeu atrs de um vaso de

    plantas.

    Ela o encontrar - disse Peter, com um sorriso irnico em seus lbios.

    As mes sempre o fazem, - concordou Tillie.

    O silncio se imps na conversa, e Tillie quase desejou que Robbie retornasse e enchesse o

    vazio com seu bate-papo amistoso, embora um pouquinho vazio. No sabia o que dizer a Peter

    Thompson, o que fazer em sua presena. E no podia deixar de perguntar-se - uma peste alma

    certamente risonha de seu irmo, - se ele estaria pensando em seu dote, e o tamanho do mesmo, e

    nas muitas ocasies que Harry a mencionou como seu atributo mais brilhante.

    Mas ento ele disse algo completamente inesperado.

    Reconheci-a desde o momento em que entrou.

    Tillie piscou com surpresa.

    Seriamente?

    Os olhos dele, que agora se dava conta que eram de um fascinante tom cinza-azulado,

    observavam-na com uma intensidade que fazia com que quisesse retorcer-se.

    Harry a descreveu bem.

    Nada de tranas tortas - disse ela, incapaz de manter a entoao de sarcasmo fora de sua

    voz.

    Peter riu entre dentes.

  • 5

    Vejo que Robbie esteve contando histrias.

    Vrias, na realidade.

    No preste ateno. Todos ns falvamos sobre nossas irms, e estou bastante seguro de que

    todos as descrevemos como eram quando tinham doze anos.

    Tillie decidiu ali que no havia motivos para informar que a descrio de Harry a descrevia

    sendo muito mais velha. Enquanto todas suas amigas estavam crescendo e mudando, e necessitando

    roupas novas, mais femininas, a figura de Tillie permaneceu obstinadamente infantil at seus

    dezesseis anos. Mesmo agora era magra como um menino, mas tinha algumas curvas, e Tillie estava

    animada com cada uma delas.

    Agora tinha dezenove anos, quase vinte, e por Deus que j no era "toda cotovelos e joelhos".

    E nunca voltaria a ser.

    Como me reconheceu? - perguntou Tillie.

    Peter sorriu.

    No pode adivinhar?

    O cabelo. O terrvel cabelo Howard. No importava se suas tranas tortas deixaram passagem

    a um lustroso coque. Ela e Harry, e seu irmo mais velho, William, possuam o infame cabelo

    Howard vermelho. No era loiro avermelhado, e no era ruivo. Era vermelho, ou alaranjado na

    realidade, um cobre brilhante que Tillie estava bastante certa de que fizera que mais de uma pessoa

    entreabrisse os olhos e afastasse o olhar luz do sol. De algum modo, seu pai escapara maldio,

    mas retornara com fora sobre seus filhos.

    mais que isso - disse Peter, sem que ela precisasse dizer as palavras para saber o que

    estava pensando. - Voc se parece muito a ele. Sua boca, acredito. A forma de seu rosto.

    E o disse com uma intensidade to serena, com semelhante onda de emoo controlada, que

    Tillie soube que ele tambm amou Harry, que sentia sua falta quase tanto como ela. E isso fez que

    quisesse chorar.

    Eu...

    Mas no pde dizer. Sua voz se quebrou, e para seu horror, sentiu-se choramingar e ofegar.

    No era prprio de uma dama e no era delicado; era uma desesperada tentativa de evitar soluar em

    pblico.

    Peter tambm viu. Pegou-a pelo cotovelo e a moveu habilmente para que ficasse de costas

    multido, ento tirou seu leno e o entregou.

    Obrigada. - disse ela, dando pequenos toques nos olhos. - Sinto muito. No sei o que

    aconteceu.

    Dor, pensou ele, mas no disse. No havia necessidade de expor o bvio. Ambos sentiam

    saudades de Harry. Todos sentiam.

    O que a trouxe a casa de lady Neeley? - perguntou Peter, decidindo que era necessrio uma

    mudana de assunto.

    Ela ofereceu um olhar agradecido.

    Meus pais insistiram. Meu pai diz que o chef dela o melhor em Londres, e que no nos

    permitiria recusar. E voc?

    Meu pai a conhece - disse ele. - Creio que ela teve piedade de mim, to recm-chegado

    cidade.

    Havia muitos soldados recebendo o mesmo tipo de compaixo, pensou Peter ironicamente.

    Muitos homens jovens, sados do exrcito ou a ponto de sair, com cabos soltos, perguntando-se o

  • 6

    que deveriam fazer agora que no tinham rifles nem galopavam batalha.

    Alguns de seus amigos decidiram permanecer no exrcito. Era uma ocupao respeitvel para

    um homem como ele, o filho mais jovem de um aristocrata menor. Mas Peter teve suficiente da vida

    militar, suficiente dos assassinatos, suficiente mortes. Seus pais o incentivavam a entrar no clero,

    que era, para falar a verdade, a nica outra via aceitvel para um cavalheiro de poucos meios. Seu

    irmo herdaria a pequena casa solar que ia com o baronato; no restava nada para Peter.

    Mas de algum modo o clero parecia errneo. Alguns de seus amigos saram do campo de

    batalha com uma f renovada; para Peter foi o oposto, e se sentia extremamente incompetente para

    conduzir qualquer rebanho pelo caminho da retido.

    O que realmente desejava, quando se permitia sonhar com isso, era viver tranquilamente no

    campo. Um cavalheiro granjeiro.

    Soava to... pacfico. To completamente diferente a tudo o que sua vida havia representado

    durante os ltimos anos.

    Mas uma vida semelhante requeria terras, e as terras requeriam dinheiro, e isso era algo que a

    Peter escasseava. Teria uma pequena soma uma vez que vendesse sua comisso e se retirasse

    oficialmente do exrcito, mas no seria suficiente.

    O que explicava sua recente chegada a Londres. Necessitava uma esposa. Uma com um dote.

    Nada extravagante; a nenhuma herdeira seria permitido casar-se com algum como ele, de qualquer

    modo. No, s necessitava de uma moa com uma modesta soma de dinheiro. Ou, melhor ainda,

    uma extenso de terra. Estava disposto a estabelecer-se em quase qualquer parte da Inglaterra desde

    que isso significasse independncia e paz.

    No parecia uma meta inalcanvel. Havia montes de homens que ficariam felizes de casar

    suas filhas com o filho de um baro, e um soldado condecorado se por acaso fosse pouco. Os pais

    das verdadeiras herdeiras, das moas com lady ou honorvel frente a seus nomes, esperariam por

    algo melhor, mas para o resto, ele seria considerado um partido bastante decente.

    Olhou Tillie Howard; Lady Mathilda, lembrou-se. Ela era exatamente o tipo com quem ele no

    se casaria. Rica alm da imaginao, era a nica filha de um conde. Provavelmente nem sequer

    deveria estar falando com ela. As pessoas o chamariam caa-dotes, e mesmo que isso fosse

    exatamente o que era, no queria esse rtulo.

    Mas ela era a irm de Harry, e ele fez uma promessa a ele. E, alm disso, est ali com Tillie...

    era estranho. Deveria faz-lo sentir mais saudades de Harry, j que se parecia to condenadamente a

    ele, dos olhos verde folha ao gracioso ngulo em que colocavam a cabea quando escutavam.

    Mas em troca, simplesmente se sentia bem. Relaxado inclusive, como se ali fosse onde deveria

    estar, se no com Harry, ento com esta moa.

    Sorriu e ela devolveu o sorriso, e algo se apertou dentro de Peter, algo estranho, bom e...

    Aqui est! - gritou Lady Neeley.

    Peter se virou para ver o que precipitara o alarido mais forte que o normal de sua anfitri.

    Tillie deu um passo direita - ele estava bloqueando sua viso - e ento soltou um pequeno grito

    abafado de "OH."

    Um papagaio grande e verde estava pousado no ombro de Lady Neeley, e grasnava:

    Martin! Martin!

    Quem Martin? - perguntou Peter a Tillie.

    A senhorita Martin - corrigiu ela. - Sua dama de companhia.

    Martin! Martin!

  • 7

    Se fosse ela, ocultar-me-ia - murmurou Peter.

    No acredito que possa, disse Tillie. - Lorde Easterly foi adicionado lista de convidados

    no ltimo instante, e Lady Neeley pressionou senhorita Martin a participar para igualar os

    nmeros. - Olhou-o, com um sorriso pcaro cruzando seus lbios. A menos que voc decida fugir

    antes do jantar, a pobre senhorita Martin est presa aqui enquanto isto dure.

    Peter estremeceu ao ver o papagaio lanar-se fora do ombro de Lady Neeley e revoar pela sala

    para uma mulher delgada de cabelo escuro, que claramente queria estar em qualquer lugar exceto

    onde se encontrava. Ela bateu as mos ave, mas a criatura no a deixava em paz.

    Pobrezinha - disse Tillie. - Espero que no a bique.

    No - disse Peter, observando a cena com assombro. - Penso que se ache apaixonado.

    E na verdade, o papagaio esbarrava a pobre mulher, arrulhando: "Martin, Martin", como se

    acabasse de entrar pelas portas do cu.

    Milady - suplicou a senhorita Martin, esfregando seus olhos cada vez mais injetados em

    sangue.

    Mas Lady Neeley s riu.

    Paguei cem libras por esse pssaro, e a nica coisa que faz fazer amor senhorita Martin.

    Peter olhou Tillie, cuja boca estava fechada em uma furiosa linha.

    Isto terrvel - disse ela. - Essa ave est adoecendo a pobre mulher, e Lady Neeley no se

    importa com isso.

    Peter entendeu que isso significava que se considerava que ele fizesse de cavalheiro com

    brilhante armadura, e salvasse a pobre acompanhante afligida de Lady Neeley, mas antes que

    pudesse dar um passo, Tillie havia atravessado a sala. Seguiu-a com interesse, vendo como estirava

    um dedo e incentivava ave a abandonar o ombro da senhorita Martin.

    Obrigada - disse a senhorita Martin. - No sei por que age desse modo. Nunca antes prestou

    ateno em mim.

    Lady Neeley deveria tranc-lo. - disse Tillie severamente.

    A senhorita Martin no disse nada. Todos sabiam que isso jamais aconteceria.

    Tillie levou o pssaro de volta a sua dona.

    Boa noite, Lady Neeley - disse. - Tem um poleiro para sua ave? Ou talvez deveramos

    coloc-lo novamente em sua gaiola?

    No doce? - disse Lady Neeley. Tillie s sorriu. Peter mordeu o lbio para evitar soltar

    uma risada. - Seu poleiro est aqui - disse Lady Neeley, indicando com a cabea um lugar no canto.

    O lacaio encheu seu prato com sementes; no ir a nenhuma parte.

    Tillie assentiu e levou a ave ao poleiro. Em efeito, comeou a bicar furiosamente a comida.

    Voc deve ter pssaros. - disse Peter.

    Tillie sacudiu a cabea.

    No, mas vi outros manej-los.

    Lady Mathilda! - exclamou Lady Neeley.

    Receio que foi chamada, - murmurou Peter.

    Tillie lhe disparou um olhar extremamente irritado.

    Sim, bem, voc parece ter adotado o posto de minha escolta, assim tambm ter que vir.

    Sim, Lady Neeley? - completou, seu tom instantaneamente transformado em pura doura e luz.

    Vem aqui, menina, quero te mostrar algo.

    Peter seguiu Tillie pela sala, mantendo uma distncia segura quando sua anfitri estirou o

  • 8

    brao.

    Agrada-te? - Perguntou, tilintando seu bracelete. - novo.

    encantador - disse Tillie. - Rubis?

    obvio. vermelho. Que outra coisa poderia ser?

    Eh...

    Peter sorriu enquanto via Tillie tentando deduzir se a pergunta era retrica ou no. Com Lady

    Neeley, nunca podia estar seguro.

    Tambm tenho um colar combinando - continuou Lady Neeley alegremente, - mas no

    queria exagerar; - inclinou-se para frente e disse em um tom que em qualquer outro no teria sido

    descrito como discreto: Nem todos aqui tem os bolsos to gordos como ns duas.

    Peter poderia jurar que ela o olhou, mas decidiu ignorar a afronta. Realmente no podia

    ofender-se por nenhum dos comentrios de Lady Neeley; faz-lo atribuiria muita importncia a sua

    opinio e, alm disso, algum sempre estaria sentindo-se insultado.

    Mas sim coloquei meus brincos!

    Tillie se aproximou e admirou diligentemente os aros da anfitri, mas ento, justo quando

    estava endireitando os ombros, o bracelete de Lady Neeley, pelo qual fizera tanto alvoroo, deslizou

    de seu pulso e aterrissou sobre o tapete com um delicado golpe.

    Enquanto Lady Neeley chiava consternada, Tillie se agachou e recuperou as joias.

    uma pea encantadora - disse Tillie, admirando os rubis antes de devolv-los a dona.

    No posso acreditar que isso tenha acontecido - disse Lady Neeley. - Talvez seja muito

    grande. Meus pulsos so muito delicados, j sabe.

    Peter tossiu em sua mo.

    Poderia examin-lo? - disse Tillie, chutando o tornozelo de Peter.

    obvio - disse a mulher mais velha, passando novamente a pea. - Meus olhos no so o

    que estavam acostumados a ser.

    Uma pequena multido se reuniu, e todos esperavam enquanto Tillie entrecerrava os olhos e

    apalpava o brilhante mecanismo dourado do fecho.

    Creio que ter que mandar consertar - disse Tillie finalmente, devolvendo o bracelete a Lady

    Neeley. - O fecho est com defeito. Seguramente voltar a cair.

    Tolices - disse Lady Neeley, estirando o brao. - Senhorita Martin! - rugiu.

    A senhorita Martin correu a seu lado e voltou a fixar o bracelete.

    Lady Neeley soltou um "hmmf" e levou seu pulso ao seu rosto, examinando o bracelete uma

    vez mais antes de baixar o brao.

    Comprei isto no Asprey's, e asseguro que no h melhor joalheiro em Londres. No me

    venderiam um bracelete com um fecho defeituoso.

    Estou certa de que no foi sua inteno - disse Tillie, - mas...

    No precisou terminar. Todos ficaram olhando o ponto no tapete onde o bracelete aterrissou

    pela segunda vez.

    Definitivamente o fecho - murmurou Peter.

    Isto uma atrocidade - anunciou Lady Neeley.

    Peter esteve bastante de acordo, especialmente porque agora desperdiaram minutos preciosos

    no brilhante bracelete quando a nica coisa que todos queriam a esta altura era ir para sala de jantar

    e comer. Tantas barrigas rugiam que no podia dizer qual era qual.

    O que farei com isto agora? - disse Lady Neeley, logo depois que a senhorita Martin

  • 9

    recuperou o bracelete do tapete e o entregou.

    Um homem alto de cabelo escuro, a quem Peter no reconheceu, fez aparecer uma pequena

    bombonier.

    Talvez isto servir - disse, estirando-o.

    Easterly - murmurou Lady Neeley, bastante a contra gosto na realidade, como se no

    quisesse particularmente reconhecer a ajuda do cavalheiro. Deixou o bracelete sobre o prato e o ps

    em uma mesa prxima. - Ali est - disse, acomodando o bracelete em um ordenado crculo. -

    Suponho que todos podem admir-lo igualmente ali.

    Talvez poderia servir como arranjo de centro na mesa enquanto jantamos - sugeriu Peter.

    Hmm, sim, excelente ideia, senhor Thompson. quase hora de irmos jantar, de qualquer

    modo.

    Peter poderia ter jurado que ouviu algum sussurrar "Quase?"

    OH, muito bem, jantaremos agora. - disse Lady Neeley. - Senhorita Martin!

    A senhorita Martin, que de algum modo conseguiu colocar vrios metros entre ela e sua

    empregadora, retornou.

    Se ocupe de que tudo esteja pronto para o jantar. - disse Lady Neeley.

    A senhorita Martin saiu, e ento, em meio de mltiplos suspiros de alvio, o grupo passou da

    sala de estar sala de jantar.

    Para seu prazer, Peter descobriu que estava sentado junto a Tillie. Normalmente no se

    encontraria ao lado da filha de um conde e, para falar a verdade, suspeitou que deveria estar

    emparelhado com a mulher a sua direita, mas ela tinha Robbie Dunlop do outro lado, e ele parecia

    estar conversando bastante bem com ela.

    A comida era, como as intrigas haviam prometido, deliciosa, e Peter estava bastante feliz

    colocando colheradas de sopa de lagosta em sua boca quando ouviu um movimento a sua esquerda,

    e quando se virou, Tillie estava olhando-o, com os lbios abertos como se estivesse a ponto de dizer

    seu nome.

    Ele se deu conta de que era encantadora. Encantadora de um modo que Harry nunca poderia

    ter descrito, de uma maneira que ele, como seu irmo, nunca poderia ter visto. Harry nunca teria

    sido capaz de ver a mulher alm da menina, nunca teria se dado conta de que a curva de sua face

    rogava por uma carcia, ou que quando abria a boca para falar, s vezes se detinha primeiro, seus

    lbios apenas se franziam, como esperando um beijo.

    Harry nunca teria visto nada disso, mas Peter sim, e isso o agitou at o centro de seu ser.

    Queria me perguntar algo? - disse, surpreso de que sua voz soasse bastante normal.

    Assim era - disse ela, - embora no estou segura como... no sei...

    Peter esperou que ela ordenasse seus pensamentos.

    Depois de um momento, ela se inclinou para frente, olhou ao redor da mesa, para assegurar de

    que ningum estivesse olhando-os, e perguntou:

    Voc estava l?

    Onde? - perguntou ele, embora soubesse exatamente a que ela se referia.

    Quando ele morreu. - disse Tillie em voz baixa. - Estava voc l?

    Ele assentiu. No era uma lembrana que quisesse voltar a visitar, mas lhe devia essa

    honestidade.

    O lbio inferior dela tremeu, e sussurrou:

    Ele sofreu?

  • 10

    Por um momento Peter no soube o que dizer. Harry sofreu. Passou trs dias no que devia ter

    sido uma tremenda dor, com ambas as pernas quebradas, a direita tanto que o osso atravessara a

    pele. Poderia ter sobrevivido a isso, talvez mesmo sem a extremidade - seu cirurgio era bastante

    hbil para encaixar ossos, - mas ento a febre apareceu, e no passou muito tempo antes que Peter

    se desse conta de que Harry no ganharia a batalha. Dois dias mais tarde estava morto.

    Mas quando lhe escapava a vida, esteve to indiferente que Peter no estava seguro de se

    sentia dor ou no, especialmente com o ludano que ele roubara do comandante e vertera pela

    garganta de Harry. Ento, quando finalmente respondeu a pergunta de Tillie, s disse:

    Um pouco. No foi indolor, mas acredito... no final... foi em paz.

    Ela assentiu.

    Obrigada. Sempre me perguntei isso. Sempre fiquei me perguntando isso. Alegra-me saber.

    Ele devolveu sua ateno sopa, esperando que um pouquinho de lagosta, massa e caldo

    pudessem desterrar a lembrana da morte de Harry, mas ento Tillie disse:

    Imagina-se que seja mais fcil porque um heri, mas no acredito. - Peter a olhou, com a

    pergunta em seus olhos. - Todos dizem que devemos ficar orgulhosos dele - explicou ela, - porque

    um heri, porque morreu em um campo de batalha em Waterloo, sua baioneta no corpo de um

    soldado francs, mas no creio que isso torne mais fcil. - Seus lbios estremeceram, o tipo de

    sorriso estranho, indefeso que algum faz quando se d conta de que algumas perguntas no tem

    resposta. Ainda sentimos falta dele, tal como sentiramos se ele tivesse cado do cavalo, ou se

    contagiado com sarampo, ou se tivesse se asfixiado com um osso de frango.

    Peter sentiu que seus lbios se abriam enquanto digeria as palavras dela.

    Harry era um heri - ouviu-se dizer, e era a verdade.

    Harry havia provado ser um heri mais de uma dzia de vezes, lutando com coragem, e

    salvando a vida dos outros mais de uma vez. Mas Harry no morreu como um heri, no do modo

    em que maioria das pessoas gostavam de pensar. Harry j estava morto no momento da luta contra

    os franceses em Waterloo, seu corpo irremediavelmente destroado em um estpido acidente, preso

    durante seis horas sob um coche de fornecimentos que algum tentou reparar muitas vezes. A

    maldita coisa deveria ter sido cortada para lenha semanas antes, pensou Peter ferozmente, mas o

    exrcito nunca tinha suficiente de nada, incluindo os humildes coches de provises, e seu

    comandante de regimento se negou a d-lo por morto.

    Mas claramente essa no era a histria que contaram a Tillie, e provavelmente tambm a seus

    pais. Algum tentou suavizar o golpe da morte de Harry pintando seus ltimos minutos com as

    profundas cores vermelhas do campo de batalha, em toda sua horrvel glria.

    Harry era um heri - disse Peter outra vez, porque era verdade, e fazia muito tempo que

    aprendera que aqueles que no experimentaram a guerra, jamais poderiam compreender essa

    verdade.

    E se oferecia consolo pensar que alguma morte podia ser mais nobre que outra, ele no

    pensava em quebrar a iluso.

    Voc era um bom amigo - disse Tillie. - Alegra-me que ele o tivesse.

    Fiz-lhe uma promessa - lhe escapou. No queria dizer-lhe, mas de algum modo no pde

    evitar. - Na realidade, ns dois fizemos uma promessa. Foi alguns meses antes dele morrer, e ns

    dois... Bem, a noite anterior foi terrvel, e perdemos muitos de nosso regimento.

    Ela se aproximou, com os olhos muito abertos e brilhando com compaixo, e quando Peter a

    olhou viu o tom rosado leitoso de sua pele, o suave polvilhado de sardas sobre seu nariz... mais que

  • 11

    tudo, quis beij-la.

    Bom Deus. Justo ali no jantar de Lady Neeley, quis pegar Tillie Howard pelos ombros, pux-la

    contra ele e beij-la com todo seu ser.

    Harry teria repreendido-o ali mesmo.

    O que aconteceu? - perguntou ela, e as palavras deveriam t-lo sacudido de volta

    realidade, recordar que estava dizendo algo bastante importante, mas a nica coisa que podia fazer

    era olhar fixamente seus lbios, que no eram totalmente rosados, mas sim um pouco cor pssego, e

    lhe ocorreu que nunca antes se incomodou em observar a boca de uma mulher - ao menos no deste

    modo - antes de beij-la.

    Senhor Thompson? - perguntou ela. - Peter?

    Sinto muito - disse ele, seus dedos formando um punho sob a mesa, como se a dor das unhas

    contra suas palmas de algum modo pudesse obrig-lo a retornar ao assunto que os ocupava. - Fiz

    uma promessa a Harry - continuou. Estvamos falando sobre o lar, como fazamos com

    frequncia quando as coisas eram particularmente difceis, e ele a mencionou e eu mencionei minha

    irm que tem quatorze anos, e nos prometemos mutuamente que se algo nos ocorresse, cuidaramos

    um da irm do outro. A manteramos a salvo.

    Por um momento ela no fez nada mais que olh-lo, e ento disse:

    Isso muito bondoso de sua parte, mas no se preocupe, absolvo-o de sua promessa. No

    sou uma moa ingnua, e ainda tenho um irmo, William. Alm disso, no necessito um substituto

    para Harry.

    Peter abriu a boca para falar e rapidamente o pensou melhor. No se sentia fraternal para

    Tillie, e estava bastante seguro de que no era isto o que Harry tinha em mente quando lhe pediu

    que cuidasse dela.

    E a ltima coisa que queria era ser seu irmo substituto.

    Mas o momento parecia exigir uma resposta, e de fato Tillie estava observando-o com

    curiosidade, com a cabea inclinada a um lado como se estivesse esperando que ele dissesse algo

    significativo e inteligente ou, se no isso, algo que lhe permitisse oferecer uma rplica em

    brincadeira.

    Por isso foi que, quando a horrvel voz de Lady Neeley gritou pela sala, Peter no se

    incomodou com o som, embora fosse para dizer:

    Desapareceu! Meu bracelete desapareceu!

    CAPTULO 02

    O convite mais cobiado da semana agora o evento mais comentado. Se for possvel que

    voc, querido Leitor, ainda no escutou a notcia, esta Autora a narrar aqui: os famintos

    convidados de Lady Neeley nem sequer haviam terminado sua sopa quando se descobriu que o

    bracelete de rubi da anfitri foi roubado.

    H, com certeza, algumas discrepncias sobre o destino das belas joias. Um nmero de

    convidados mantm que o bracelete simplesmente foi perdido, mas Lady Neeley afirma ter uma

    lembrana clara como a gua dessa noite, e diz que foi um roubo, sem dvida.

    Aparentemente, o bracelete (cujo fecho se descobriu estava defeituoso por Lady Mathilda

  • 12

    Howard) foi colocado em uma bombonier (selecionada pelo esquivo lorde Easterly) e situado em

    uma mesa na sala de estar de Lady Neeley. Lady Neeley pretendia levar a bombonier sala de

    jantar, para que seus convidados pudessem admirar seu evidente fulgor, mas na pressa por chegar

    comida (para esse momento, disse-se a esta Autora que a hora era to tardia que os convidados,

    todos esfomeados, abandonaram o decoro e correram loucamente para a sala de jantar), o

    bracelete foi esquecido. Quando Lady Neeley lembrou das joias na outra sala, enviou o lacaio

    buscar, mas ele retornou s com a bombonier.

    Ento, obvio, foi quando comeou o verdadeiro alvoroo.

    Lady Neeley tentou fazer que todos seus convidados fossem revistados, mas realmente, algum

    pensa que uma pessoa como o conde de Canby consentiria que sua pessoa fosse revistada por um

    lacaio da baronesa? sugeriu-se que o bracelete foi roubado por um criado, mas Lady Neeley

    mantm uma lealdade admirvel para seus serventes (que, surpreendentemente, correspondem ao

    sentimento), e se negou a acreditar que algum de seu pessoal, nenhum dos quais esteve empregado

    por ela por menos de cinco anos, a tivesse trado de semelhante maneira.

    Ao fim, todos os convidados partiram de mau humor. E talvez mais tragicamente, todos os

    mantimentos - exceto a sopa - ficaram sem ser comidos. S posso esperar que Lady Neeley

    considerasse pertinente oferecer o banquete a seus criados, a quem to recentemente defendera

    contra o ataque.

    Podem ficar seguros, querido Leitor, de que esta Autora continuar comentando sobre este

    ltimo dado. possvel que um membro da alta sociedade no seja mais que um ordinrio ladro?

    Tolices. A pessoa teria que ser totalmente singular para ter levado como por arte de magia uma

    pea to valiosa, justo sob os narizes de Lady N.

    Ecos de sociedade de Lady Whistledown, 29 de maio de 1816

    E ento - disse efusivamente um jovem cavalheiro elaboradamente vestido, falando no tom

    de quem est seguro de que sempre est a par das ltimas intrigas, - obrigou o senhor Brooks, seu

    prprio sobrinho, a tirar o casaco e permitir que dois lacaios o revistassem.

    Escutei que eram trs.

    No foi nenhum - disse Peter lentamente, de p na entrada da sala de estar Canby. - Eu

    estava l.

    Sete cavalheiros se viraram para enfrent-lo. Cinco se viam ofendidos, um entediado e um

    divertido. Quanto a Peter, estava profundamente irritado. No estava seguro do que havia esperado

    quando decidiu viajar opulenta residncia Canby em Mayfair para visitar Tillie, mas no foi isto.

    A espaosa sala de estar estava a transbordar de homens e flores, e o pequeno ramo de lrios em sua

    mo parecia bastante suprfluo.

    Quem desconfiaria que Tillie era to popular?

    Estou bastante seguro - disse o primeiro cavalheiro, - de que foram dois lacaios.

    Peter deu um encolher de ombros. No importava se o janota detinha a verdade ou no.

    Lady Mathilda tambm estava l - disse. - Podem lhe perguntar, se no acreditam.

    verdade - disse Tillie, sorrindo como saudao. - Embora o senhor Brooks sim retirou o

    casaco.

    O homem que afirmara que os trs lacaios estavam revistando os convidados se virou para

  • 13

    Peter e inquiriu, com um ar de superioridade:

    Voc retirou seu casaco?

    No.

    Os convidados se revoltaram logo depois que o senhor Brooks foi revistado - explicou

    Tillie, e mudou de assunto, perguntando a seus pretendentes reunidos: - Conhecem o senhor

    Thompson?

    S dois o conheciam; Peter ainda era novo na cidade, e a maioria de seus conhecidos estavam

    limitados a amigos de Eton e Cambridge. Tillie fez as apresentaes necessrias, e ento Peter ficou

    relegado oitava melhor posio na sala, j que nenhum dos outros cavalheiros estava disposto a

    deslocar-se e permitir nenhuma vantagem a outro para cortejar encantadora - e rica - Lady

    Mathilda.

    Peter leu Whistledown; sabia que Tillie era considerada a maior herdeira da temporada. E

    lembrou de Harry dizendo - com bastante frequncia, na realidade - que teria que repelir os caa-

    dotes com um pau. Mas Peter no se dera conta at esse momento do aplicadamente que estavam

    lutando os jovens de Londres por sua mo.

    Era repugnante.

    E, para falar a verdade, ele devia a Harry, assegurar que o homem que ela escolhesse (ou como

    era mais provvel, o homem que seu pai escolhesse para ela) tratasse-a com o afeto e respeito que

    merecia.

    Assim, se deu tarefa de inspecionar, e quando fosse adequado, afugentar os jovens doentes

    de amor que o rodeavam.

    O primeiro cavalheiro foi fcil. Levou apenas alguns minutos decidir que seu vocabulrio no

    chegava a muito, e a nica coisa que Peter precisou fazer foi mencionar que Tillie dissera que a

    atividade que desfrutava mais que nenhuma era ler tratados filosficos. O pretendente correu com

    pressa porta, e Peter decidiu que embora Tillie no tivesse mencionado realmente tal predileo a

    noite anterior, continuava sendo certo que sem dvida era bastante inteligente para ler tratados

    filosficos se isso quisesse, e isso s podia incapacitar a unio.

    O seguinte cavalheiro era conhecido de Peter por reputao. Um jogador contumaz, a nica

    coisa que necessitou para despedir foi a meno de uma iminente corrida de cavalos no Hyde Park.

    E, pensou Peter com satisfao, levou outros trs com ele. Era algo bom que essa corrida de cavalos

    no fosse fictcia, embora os quatro jovens podiam decepcionar-se um pouco quando se dessem

    conta de que Peter confundira a hora do evento e, alm disso, que todas as apostas foram realizadas

    sessenta minutos antes.

    OH, bem...

    Sorriu. Estava divertindo-se bem mais do que teria imaginado.

    Senhor Thompson - chegou uma voz seca, feminina, a seu ouvido. - Est afugentando os

    pretendentes de minha filha?

    Ele se virou para enfrentar Lady Canby, que estava olhando-o com uma expresso divertida, a

    qual Peter ficou imensamente agradecido. A maioria das mes teria ficado furiosas.

    obvio que no - respondeu. - No os que voc iria querer v-la casada, de maneira

    nenhuma. - Lady Canby s levantou as sobrancelhas.

    Qualquer homem que prefira jogar dinheiro em uma corrida de cavalos do que permanecer

    aqui em sua presena, no merece sua filha.

    Ela riu, e quando o fez, pareceu-se muito a Tillie.

  • 14

    Bem dito, senhor Thompson - disse a mulher. - No se pode ser muito cuidadosa quando se

    me de uma grande herdeira.

    Peter ficou calado, inseguro sobre se esse comentrio pretendia ser mais mordaz do que podia

    implicar o tom dela. Se Lady Canby sabia quem era ele, e assim era - reconheceu seu nome

    imediatamente quando foram apresentados a noite anterior, ento tambm sabia que tinha pouco

    mais que alguns guinis em seu nome.

    Prometi a Harry que cuidaria dela; - disse, sua voz impassvel e resolvida.

    No podia haver confuso de que pretendia cumprir com seu juramento.

    J vejo - murmurou Lady Canby, inclinando a cabea a um lado. - E por isso que est

    aqui?

    obvio.

    E o dizia a srio. Ao menos disse a si mesmo que o dizia a srio. No importava se passou

    aproximadamente as ltimas dezesseis horas fantasiando em beijar Tillie Howard. Ela no era para

    ele.

    Observou-a conversando com o irmo mais novo de lorde Bridgerton, apertando os dentes ao

    dar-se conta de que no havia uma s coisa inaceitvel nesse homem. Era alto, forte, claramente

    inteligente, e de boa famlia e fortuna. Os Canby ficariam emocionados com essa unio, ainda que

    se Tillie ficasse reduzida a uma simples senhora.

    Estamos bastante encantados com esse - disse Lady Canby, movendo uma mo pequena e

    elegante para o cavalheiro em questo. - um artista bastante talentoso, e sua me minha amiga

    ntima h anos. - Peter assentiu com fora. Desgraadamente - disse Lady Canby encolhendo os

    ombros, - temo que h poucas razes para ter esperanas nesse lugar. Suspeito que ele est aqui s

    para apaziguar querida Violet, que perdeu a esperana de ver seus filhos casados algum dia. O

    senhor Bridgerton no parece preparado para sentar cabea, e a me acredita que est apaixonado

    em segredo por outra. Peter lembrou de no sorrir. - Tillie, querida - disse Lady Canby, uma vez

    que o fastidiosamente bonito e agradvel senhor Bridgerton beijou sua mo e partiu, ainda no

    conversou com o senhor Thompson. to amvel da parte dele nos visitar, e tudo por sua amizade

    com Harry.

    No diria que tudo - disse Peter, suas palavras saram um pouquinho menos afveis e

    praticadas do que pretendera. - Sempre um prazer v-la, Lady Mathilda.

    Por favor - disse Tillie, saudando com a mo o ltimo de seus apaixonados, - deve continuar

    me chamando Tillie; - virou-se para a me. Era o nico modo que Harry me chamava, e

    aparentemente falava de ns com frequncia enquanto estava no Continente.

    Lady Canby sorriu com tristeza ante a meno do nome de seu filho mais novo, e piscou vrias

    vezes. Seus olhos adotaram uma expresso vazia, e embora Peter no acreditava que fosse explodir

    em lgrimas, pensou que queria faz-lo. Imediatamente lhe ofereceu seu leno, mas ela negou com a

    cabea e rechaou o gesto.

    Acredito que procurarei meu esposo - disse, ficando de p. - Sei que gostaria de conhec-lo.

    Estava em algum outro lugar ontem noite quando fomos apresentados, e eu... Bem, sei que

    gostaria de conhec-lo.

    Saiu rapidamente da sala, deixando a porta bem aberta e situando um lacaio justo ao outro lado

    do corredor.

    Foi chorar - disse Tillie, no de modo a fazer Peter se sentir culpado. Era s uma explicao,

    uma triste declarao dos fatos. - Ainda o faz, bastante.

  • 15

    Sinto muito - disse ele.

    Ela deu um encolher de ombros.

    Parece que no h maneira de evitar. Para nenhum de ns. Acredito que nunca pensamos

    realmente que ele poderia morrer. Parece bastante estpido agora. No deveria ter sido semelhante

    surpresa. Foi guerra, pelo amor de Deus. Que outra coisa deveramos ter esperado?

    Peter sacudiu a cabea.

    No nada estpido. Todos pensamos que ramos um pouquinho imortais at que realmente

    vimos a batalha. - Peter engoliu com dificuldade, sem querer sentir a lembrana. Mas uma vez

    evocado, era difcil cont-la. impossvel entender at que algum a veja. - Os lbios de Tillie se

    esticaram, e Peter se preocupou em t-la insultado. - No quero ser condescendente - disse.

    No o fez. No isso. S estava... pensando. - inclinou-se para frente, com uma nova luz

    iluminando em seus olhos. - No falemos de Harry - disse. - Acredita que poderemos? Estou to

    cansada de ficar triste.

    Muito bem - disse ele.

    Ela o olhou, esperando que Peter dissesse algo mais. Mas no o fez.

    Eh, como estava o clima? - perguntou finalmente.

    Um pouquinho de garoa - respondeu ele, - mas nada fora do comum.

    Tillie assentiu.

    Estava quente?

    No especialmente. Mas sim um pouquinho mais quente que ontem noite.

    Sim, estava um pouco frio, no ? E, estamos em maio.

    Desiludida?

    obvio. Deveria ser primavera.

    Sim.

    Claro.

    Claro.

    Oraes de uma palavra, pensou Tillie. Sempre o falecimento de qualquer boa conversa.

    Certamente tinham algo mais em comum, alm de Harry. Peter Thompson era bonito, inteligente e,

    quando a olhava com essa expresso misteriosa, de plpebras pesadas, dava-lhe um calafrio pela

    coluna.

    No era justo que a nica coisa de que falavam lhe fizesse sentir vontade de chorar.

    Sorriu alentadoramente, esperando que ele dissesse algo mais, mas no o fez. Tillie voltou a

    sorrir, clareando a garganta.

    Ele captou a mensagem.

    Voc l? - perguntou ele.

    Sim, leio! - repetiu ela, incrdula.

    Mas aprecia, no ? - esclareceu ele.

    Sim, obvio. Por qu?

    Peter deu um encolher de ombros.

    Poderia ter mencionado a um dos cavalheiros que estavam aqui.

    Poderia?

    Eu disse.

    Ela sentiu que seus dente se apertavam. No tinha ideia de por que deveria estar zangada com

    Peter Thompson, s sabia que deveria. Claramente ele fizera algo para merecer seu desagrado, ou

  • 16

    no estaria ali sentado com essa expresso de satisfao, simulando estudar suas unhas.

    Que cavalheiro? - perguntou finalmente.

    Ele levantou o olhar, e Tillie resistiu o impulso de agradecer por ach-la mais interessante que

    sua manicura.

    Acredito que seu nome era senhor Berbrooke - disse ele.

    Ningum com quem quisesse casar-se. Nigel Berbrooke era um tipo de bom corao, mas

    tambm era estpido como um boi e provavelmente ficaria apavorado de pensar em uma esposa

    intelectual. Poder-se-ia dizer, se se sentisse particularmente generosa, que Peter lhe fez um favor

    espantando-o, mas igualmente Tillie no apreciava que se intrometesse em seus assuntos.

    O que disse que eu gostava de ler? - perguntou, mantendo a voz suave.

    Eh, isto e aquilo. Talvez tratados filosficos.

    J vejo. E lhe pareceu adequado mencionar isso por que...?

    Parecia o tipo de pessoa que ficaria interessado; - disse ele, encolhendo os ombros.

    E, s por curiosidade, se no o incomoda... o que aconteceu quando lhe disse isso?

    Peter nem sequer teve a cortesia de ver-se envergonhado.

    Saiu correndo diretamente pela porta - murmurou. - Imagine.

    Tillie queria permanecer com um ar de superioridade e cortante. Queria olh-lo ironicamente

    sob as sobrancelhas delicadamente arqueadas. Mas no era to sofisticada como desejava ser,

    porque o olhou absolutamente zangada enquanto dizia:

    E o que lhe deu a ideia de que me agrada ler tratados filosficos?

    No a agrada?

    No importa - respondeu ela. - No pode andar por a, assustando meus pretendentes.

    Isso o que pensa que estava fazendo?

    Por favor - bufou ela. - Logo depois de vender minha inteligncia ao senhor Berbrooke, no

    tente insult-la agora.

    Muito bem - disse Peter, cruzando os braos e observando-a com o tipo de expresso que

    seu pai e seu irmo mais velho adotavam quando pretendiam repreend-la. - Realmente deseja

    comprometer-se com o senhor Berbrooke? Ou - acrescentou, - com um dos homens que saram

    correndo para jogar dinheiro em uma corrida de cavalos?

    Claro que no, mas isso no significa que quero voc espantando-os.

    Ele simplesmente a olhou como se fosse idiota. Ou mulher. Segundo a experincia de Tillie, a

    maioria dos homens pensavam que tudo era a mesma coisa.

    Quanto mais homens venham de visita - explicou, um pouco impaciente, - mais homens

    viro de visita.

    Perdo?

    Vocs so ovelhas. Todos vocs. S interessados em uma mulher se algum mais o est.

    E seu propsito na vida acumular uma vintena de cavalheiros em sua sala de estar?

    Seu tom era condescendente, quase insultante, e Tillie estava a ponto de jog-lo a chutes de

    casa. S a amizade dele com o Harry - e o fato de que estava agindo como semelhante dissimulado

    porque pensava que era o que Harry teria desejado evitava que chamasse o mordomo

    imediatamente.

    Meu propsito - disse foradamente, - encontrar um esposo. No lhe colocar uma

    armadilha, no apanh-lo, no arrast-lo ao altar, se no encontrar um, preferivelmente um com

    quem queira compartilhar uma vida longa e alegre. Sendo uma moa prtica, pareceu-me sensato

  • 17

    conhecer a maior quantidade de cavalheiros solteiros possvel, para que minha deciso possa estar

    apoiada em uma ampla base de conhecimento, e no por, como muitas jovens so acusadas, uma

    fantasia; recostou-se, cruzou os braos e lanou um duro olhar em direo a ele. - Tem alguma

    pergunta?

    Peter a observou com uma expresso perplexa por um momento e logo perguntou:

    Quer que v e os arraste de volta?

    No! OH - adicionou ela, quando viu o sorriso ardiloso dele. - Est brincando.

    S um pouquinho - objetou ele.

    Se tivesse sido Harry, teria jogado um travesseiro. Se tivesse sido Harry, riu. Mas se tivesse

    sido Harry, seus olhos no ficariam fixos na boca dele quando sorria, e no teria sentido esse

    estranho calor em seu sangue, ou esse comicho em sua pele.

    Mas mais que tudo, se tivesse sido Harry, ela no sentiria esta espantosa desiluso, porque

    Peter Thompson no era seu irmo mais velho e a ltima coisa que queria era que ele se visse como

    tal.

    Mas, aparentemente, assim era exatamente como se sentia. Prometera a Harry que cuidaria

    dela, e agora ela no era nada mais que uma obrigao. Gostava dela, pelo menos? Achava-a

    remotamente interessante ou divertida? Ou suportava sua companhia s porque era a irm de Harry?

    Era impossvel saber... e era uma pergunta que nunca poderia fazer. E o que realmente queria

    era que ele fosse embora, mas isso a indicaria como covarde, e no queria ser covarde. Chegou a

    compreender que isso era o que devia a Harry. Viver sua vida com a coragem e a determinao que

    ele exibira ao fim da sua.

    Enfrentar Peter Thompson parecia uma comparao bem mais plida com os valentes atos de

    Harry como soldado, mas ningum a enviaria a lutar por seu pas, assim, se quisesse continuar em

    sua busca para enfrentar seus medos, isto teria que ser suficiente.

    Est perdoado desta vez - disse, cruzando as mos sobre seu regao.

    Desculpei-me? - disse ele lentamente, jogando uma vez mais com o sorriso lento,

    preguioso.

    No, mas deveria t-lo feito. - Devolveu o sorriso com doura... com muita doura. - Fui

    criada para ser caridosa, assim pensei que lhe outorgaria a desculpa que voc nunca pediu.

    E a aceitao tambm?

    obvio. De outro modo, seria grosseira.

    Ele explodiu em gargalhadas, um som rico, quente, que pegou Tillie de surpresa, e logo a fez

    sorrir.

    Muito bem - disse ele. - Voc ganha. Absolutamente, totalmente, indubitavelmente...

    Inclusive indubitavelmente? - murmurou ela com deleite.

    Inclusive indubitavelmente - concedeu ele. - Voc ganha. Desculpou-me.

    Ela suspirou.

    A vitria nunca foi to doce.

    Nem deveria - disse ele com as sobrancelhas arqueadas. - Asseguro que no ofereo

    desculpas com rapidez.

    Nem com semelhante bom humor? - perguntou ela.

    Nunca com semelhante bom humor.

    Tillie sorria, tentando pensar em algo terrivelmente engenhoso que dizer, quando o mordomo

    chegou com um servio de ch no pedido. Sua me deveria ter pedido, pensou Tillie, o que

  • 18

    significava que retornaria logo, o que significava que seu tempo a ss com Peter estava chegando ao

    fim.

    Deveria ter prestado ateno profunda desiluso que apertava seu peito. Ou a agitao em

    seu ventre que aumentava cada vez que o olhava. Porque se o tivesse feito, no teria se surpreendido

    tanto quando lhe passou uma xcara de ch, e seus dedos se tocaram, e ento o olhou, ele a olhou, e

    seus olhos se encontraram.

    E sentiu como se estivesse caindo.

    Caindo... caindo... caindo. Uma quente rajada de ar a envolveu, lhe roubando a respirao, o

    pulso, inclusive o corao. E quando tudo terminou - se de fato terminou e no simplesmente decau

    - a nica coisa que pde pensar foi que era uma maravilha que no tivesse deixado cair a xcara de

    ch.

    Teria notado ele nesse momento que ela se transformara?

    Prestou muita ateno preparao de sua prpria xcara, salpicando leite antes de acrescentar

    o ch quente. Se apenas pudesse concentrar-se nas tarefas corriqueiras mo, no teria que sopesar

    o que acabava de lhe acontecer.

    Porque suspeitava que realmente havia cado...

    Diante do amor.

    E suspeitava que, ao fim, seria sua perdio. No tinha muita experincia com os homens; sua

    primeira temporada em Londres foi interrompida pela morte prematura de Harry, e passou o ano

    anterior afastada no campo, de luto com sua famlia.

    Mas mesmo assim, podia notar que Peter no pensava nela como uma mulher desejvel.

    Pensava nela como uma obrigao, como a irmzinha de Harry. Talvez inclusive como uma menina.

    Para ele, ela era uma promessa que devia ser cumprida. Nada mais, nada menos. Teria

    parecido frio e clnico, se no a comovesse tanto a devoo dele por seu irmo.

    Aconteceu algo?

    Tillie levantou o olhar ante o som da voz de Peter e sorriu ironicamente. Acontecia algo? Mais

    do que ele jamais saberia.

    Claro que no - mentiu. - Por que pergunta?

    No bebeu seu ch.

    Prefiro morno - improvisou, levando a xcara aos lbios. Tomou um gole, fingindo cautela. -

    A est - disse alegremente. - Muito melhor agora.

    Ele a olhava com curiosidade, e Tillie quase suspirou ante sua desgraa. Se teria um capricho

    no correspondido por um cavalheiro, faria muito melhor em no escolher um de to evidente

    inteligncia. Qualquer outro erro como este e ele certamente perceberia seus verdadeiros

    sentimentos.

    O que seria terrvel.

    Planeja assistir ao grande baile Hargreaves na sexta-feira? - perguntou, decidindo que uma

    mudana de assunto era o melhor proceder.

    Ele assentiu.

    Assumo que voc tambm ir?

    obvio. Ser um tumulto, estou segura, e no posso esperar para ver Lady Neeley chegando

    com seu bracelete no pulso.

    Ela o encontrou? - perguntou ele com surpresa.

    No, mas assim deve ser, no acha? No posso imaginar que algum na festa realmente o

  • 19

    roubasse. Provavelmente caiu sob a mesa, e ningum teve a sagacidade de olhar.

    Concordo com voc que a sua a teoria mais provvel - disse ele, mas seus lbios se

    apertaram um pouco ao ficar calado, e no se via convencido.

    Mas...? - instigou-o a dizer.

    Por um momento, no acreditou que ele fosse responder, mas ento Peter disse:

    Mas voc nunca soube o que ter necessidades, Lady Mathilda. Nunca poderia

    compreender o desespero que poderia levar um homem a roubar.

    No gostou que a chamasse Lady Mathilda. Isso injetava uma formalidade na conversa da qual

    ela pensou que renunciaram. E seus comentrios pareciam sublinhar o simples fato de que ele era

    um homem do mundo, e ela uma jovenzinha protegida.

    Claro que no - disse ela, porque no fazia sentido simular que sua vida no foi privilegiada.

    - Mas igualmente, difcil imaginar que algum tenha a audcia de roubar o bracelete debaixo do

    nariz dela.

    Por um momento ele no se moveu, s a olhou com ateno, de um modo incomodamente

    avaliador. Tillie teve a sensao de que ele pensava que ela era terrivelmente provinciana, ou ao

    menos ingnua, e detestou que sua crena na bondade geral dos homens a fizesse ficar como tola.

    No deveria ser desse modo. As pessoas deveriam confiar em seus amigos e vizinhos. E ela

    certamente no deveria ser ridicularizada por faz-lo.

    Mas Peter a surpreendeu, e simplesmente disse:

    Provavelmente tenha razo. Faz tempo me dei conta de que a maioria dos mistrios tem

    solues perfeitamente benignas e aborrecidas. Lady Neeley provavelmente estar aceitando a

    derrota antes que a semana termine.

    No acredita que sou tola por ser to confiante? - perguntou Tillie, quase chutando-se por

    faz-lo.

    Mas no parecia poder deixar de fazer perguntas a este homem; no podia recordar ningum

    cujas opinies lhe importassem tanto.

    Ele sorriu.

    No. No estou necessariamente de acordo com voc. Mas agradvel compartilhar o ch

    com algum cuja f na humanidade no foi ferida irreparavelmente.

    Uma sombria dor a invadiu, e se perguntou se Harry tambm foi mudado pela guerra. Deu-se

    conta de que assim deveria ter sido, e no pde acreditar que no o pensou antes. Sempre imaginou

    o mesmo Harry de sempre, rindo, brincando e fazendo travessuras a cada oportunidade.

    Mas quando olhava Peter Thompson, dava-se conta de que havia uma sombra atrs de seus

    olhos que nunca desaparecia totalmente.

    Harry esteve ao lado de Peter durante a guerra. Seus olhos viram os mesmos horrores, e seus

    olhos teriam as mesmas sombras se no estivesse enterrado na Blgica.

    Tillie?

    Ela levantou o olhar rapidamente. Esteve calada mais tempo de que queria, e Peter a olhava

    com expresso curiosa.

    Sinto muito - disse reflexivamente, - s sonhava acordada.

    Mas enquanto bebia seu ch, observando-o dissimuladamente sobre a borda da xcara, no era

    em Harry em quem estava pensando. Pela primeira vez em um ano, finalmente, emocionantemente,

    no era Harry.

    Era Peter, e a nica coisa que podia pensar que no deveria ter sombras atrs dos olhos. E ela

  • 20

    queria ser quem as desterrasse para sempre.

    CAPTULO 03

    ...e agora que esta Autora tornou pblica a lista de convidados do Jantar que deu Errado, esta

    Autora lhes oferece, como um delicioso presente, uma anlise dos suspeitos.

    No se sabe muito sobre o senhor Peter Thompson, embora seja reconhecido como um valente

    soldado na guerra contra Napoleo. A sociedade detesta colocar um renomado heri de guerra em

    uma lista de suspeitos, mas esta Autora seria descuidada se no se destacasse que o senhor

    Thompson tambm reconhecido como um pouco caa-dotes. Desde sua chegada cidade, esteve

    procurando de maneira bem bvia uma esposa, embora como esta Autora acredita firmemente em

    dar crdito onde se deve, ele o faz de um modo decididamente modesto e de bom gosto.

    Mas bem sabido que seu pai, lorde Stoughton, no se acha entre os mais ricos bares, e

    alm disso, o senhor Thompson um segundo filho, e como seu irmo mais velho j acreditou

    pertinente procriar, meramente o quarto na linha pelo ttulo. Ento, se o senhor Thompson espera

    viver com algo de estilo uma vez que saia do exrcito, ter que casar-se com uma mulher de meios.

    Ou, poderia especular-se, se algum o desejasse, obter recursos de alguma outra maneira.

    Ecos de sociedade de Lady Whistledown, 31 de maio de 1816

    Se Peter tivesse conhecido a identidade da escorregadia Lady Whistledown, a teria

    estrangulado no ato.

    Caa-dotes. Detestava esse apelido, via-o mais como um epteto, e nem sequer podia pensar as

    palavras sem quase cuspir com indignao. Passou o ltimo ms em Londres comportando-se com o

    maior cuidado, tudo para assegurar que esse rtulo no lhe fosse aplicado.

    Havia uma diferena entre um homem que procurava uma mulher com um dote modesto e um

    que seduzia por dinheiro, e o diferencial podia ser resumido em uma palavra.

    Honra.

    Era o que havia governado sua vida inteira, desde o momento em que seu pai o havia sentado a

    terrivelmente tenra idade de cinco anos e lhe explicado o que distinguia um verdadeiro cavalheiro, e

    Por Deus, Peter no permitiria que uma covarde colunista de intrigas manchasse sua reputao com

    um s golpe de sua pluma.

    Se a maldita mulher tivesse um grama de honra prpria, pensou ferozmente, no encobriria

    evasivamente sua identidade. S os temerosos usavam o anonimato para insultar e questionar.

    Mas ele no sabia quem era Lady Whistledown, e suspeitava que nunca ningum saberia, no

    nesta vida, de qualquer modo, assim precisava contentar-se desforrando seu pssimo humor com

    todos outros com quem entrasse em contato.

    O que significava que provavelmente deveria uma desculpa bem grande a seu ajudante de

    cmara pela manh.

    Ajustou sua gravata enquanto navegava pelo salo de baile muito lotado na casa de Lady

    Hargreaves. No podia rechaar este convite; faz-lo teria dado muito crdito s palavras de Lady

  • 21

    Whistledown. Melhor neg-lo sem vergonha e rir disso, e achar algum consolo no fato de que ele

    no era o nico criticado na edio dessa manh; Lady W havia dedicado um bom espao a cinco

    convidados no total, incluindo a pobre afligida senhorita Martin, contra quem a alta sociedade

    certamente se voltaria, j que era meramente a dama de companhia de Lady Neeley e no, como j

    havia ouvido dizer algum, uma dos seus.

    Alm disso, teve que ir essa noite. J aceitara o convite e, alm disso, cada jovem solteira em

    Londres participaria. No podia permitir-se esquecer que havia um propsito para sua presena na

    cidade. No podia permitir-se terminar a temporada sem um compromisso; como estavam as coisas,

    quase no conseguia pagar a renda em seu humilde alojamento de solteiro ao norte de Oxford Street.

    Imaginava que os pais dessas senhoritas casadouras poderiam observ-lo com mais cuidado

    essa noite, e vrios no permitiriam que suas filhas se relacionassem com ele, mas esconder-se em

    casa seria, aos olhos da sociedade, equivalente a admitir a culpa, e estaria muito melhor agindo

    como se no tivesse acontecido nada.

    Mesmo que quisesse desesperadamente atravessar uma parede com o punho.

    O pior de tudo era que a nica pessoa com a qual absolutamente no podia relacionar-se era

    Tillie. Ela era universalmente reconhecida como a maior herdeira da temporada, e sua beleza e

    personalidade vivaz a converteram sem dvida no melhor partido. Era difcil para qualquer um

    cortej-la sem ser catalogado como caa-dotes, e se Peter fosse visto pendurado atrs dela, nunca se

    livraria da mancha em sua reputao.

    Mas claro que Tillie era a nica pessoa - a nica - a qual queria ver.

    Ela vinha a ele em seus pensamentos, em seus sonhos. Sorria, ria e logo se colocava sria, e

    parecia entend-lo, acalm-lo com s sua presena. E ele queria mais. Queria-o toda; queria saber

    quo longo era seu cabelo, e queria ser quem o soltasse do afetado coque em sua nuca. Queria

    conhecer o aroma de sua pele e a curva exata de seus quadris. Queria danar com ela mais perto do

    que permitia o decoro, e queria lev-la onde nenhum outro homem pudesse olh-la sequer.

    Mas seus sonhos iriam ter que continuar sendo s isso. Sonhos. No havia maneira de que o

    conde de Canby aprovasse uma unio entre sua nica filha e o filho menor e sem dinheiro de um

    baro. E se ele fugisse com Tillie, se fugissem sem a permisso da famlia dela... Bom, ela seria

    deserdada sem dvidas, e Peter no a arrastaria a uma vida de refinada pobreza.

    No era, pensou Peter friamente, o que Harry teve em mente quando lhe pediu que cuidasse

    dela.

    Assim simplesmente se achava de p no permetro do salo de baile, simulando estar muito

    interessado em sua taa de vinho, e muito contente de no poder v-la. Se soubesse onde Tillie

    estava, ento no seria capaz de conter-se para no observ-la.

    E se o fizesse, ento certamente conseguiria v-la. E uma vez que isso acontecesse, realmente

    pensava que poderia afastar os olhos dela?

    Ela o veria, obvio, e seus olhos se encontrariam, e ento ele teria que se aproximar para

    saud-la, e ela poderia querer danar...

    Lhe ocorreu em um sbito brilho de ironia que abandonou a guerra precisamente para evitar a

    ameaa de tortura.

    Bem podia arrancar as unhas agora.

    Peter mudou sutilmente sua postura para ficar mais de costas s pessoas. Ento se deu um

    golpe mental, ao pegar-se olhando sobre o ombro.

    Encontrara um pequeno grupo de homens que conhecia do exrcito, todos os quais, estava

  • 22

    certo, vieram a Londres pela mesma razo que ele, embora com exceo de Robbie Dunlop,

    nenhum deles teve a desgraa de ter sido convidado ao desafortunado jantar de Lady Neeley. E

    Robbie no foi escolhido por Lady Whistledown para o escrutnio; parecia que at mesmo essa

    enrugada velha bruxa sabia que Robbie no tinha a astcia para tramar, muito menos levar a cabo,

    um roubo to atrevido.

    Que m sorte a do Whistledown - comentou um dos ex-soldados, sacudindo a cabea com

    sincera comiserao.

    Peter s grunhiu e levantou um ombro em um gesto inclinado. lhe parecia uma boa resposta.

    Ningum lembrar na prxima semana - disse outro. - Ela ter algum novo escndalo que

    informar, e ademais, ningum pensa realmente que voc tenha roubado esse bracelete.

    Peter se virou para seu amigo com crescente horror. Nunca lhe ocorreu que algum realmente

    pudesse pensar que era um ladro. Simplesmente esteve preocupado pela parte a respeito de que era

    um caa-dotes.

    Eh, no quis mencionar - gaguejou o tipo, dando um passo atrs ante o que devia ter sido

    uma expresso feroz no rosto de Peter. - Estou seguro de que terminar sendo essa dama de

    companhia. Essa moa nunca teve sequer dois peniques ao mesmo tempo.

    No foi a senhorita Martin - disse Peter mordazmente.

    Como sabe? - Perguntou um dos homens. - Conhece-a?

    Algum a conhece? - perguntou outro.

    No foi a senhorita Martin - disse Peter com voz dura. - E indigno de vocs especular com

    a reputao de uma mulher.

    Sim, mas como sab...?

    Encontrava-me justamente a seu lado! - disse Peter bruscamente. - A pobre mulher estava

    sendo atacada por um papagaio. No teve a oportunidade de pegar o bracelete. Claro - adicionou

    causticamente, no sei quem confiar em minha palavra sobre o assunto agora que fui catalogado

    como o suspeito principal.

    Os homens se apressaram em assegurar que continuavam confiando em sua palavra a respeito

    a qualquer coisa, embora um foi o bastante tolo para assinalar que Peter dificilmente fosse o

    principal suspeito.

    Peter s o olhou com fria. Principal ou no, parecia que grande parte de Londres agora

    pensava que poderia ser um ladro.

    Maldito inferno.

    Boa noite, senhor Thompson.

    Tillie. S lhe faltava isto de noite.

    Peter se virou, ansiando que seu sangue no corresse com tanta energia ante o simples som de

    sua voz. No deveria olh-la. No queria olh-la.

    Que bom v-lo - disse ela, sorrindo como se tivesse um segredo.

    Estava no fundo.

    Lady Mathilda - disse ele, fazendo uma reverncia e pegando sua mo oferecida.

    Ela se virou e saudou Robbie, e logo disse a Peter:

    Talvez poderia me apresentar ao resto de seus compatriotas?

    Ele o fez, franzindo o cenho enquanto todos caam sob seu feitio. Ou possivelmente, lhe

    ocorreu, o feitio de seu dote. Harry no foi exatamente circunspeto quando havia falado disso no

    Continente.

  • 23

    No pude evitar ouvir sua defesa da senhorita Martin - disse Tillie, uma vez que as

    apresentaes foram completadas. Virou-se para o resto das pessoas e adicionou: - Eu tambm

    estava l, e lhes asseguro que ela no poderia ter sido a ladra.

    Quem acredita que roubou o bracelete, Lady Mathilda? - perguntou algum.

    Os lbios de Tillie se apertaram uma frao de segundo, o suficiente para informar a qualquer

    um que a observasse com muita ateno que estava irritada. Mas para outros - que consistiam em

    todos exceto Peter - sua expresso ensolarada nunca fraquejou, especialmente quando disse:

    No sei. Prefiro pensar que ser encontrado sob uma mesa.

    Certamente Lady Neeley j revisou a sala - disse um dos homens lentamente.

    Tillie moveu uma de suas mos no ar, um gesto despreocupado que Peter suspeitava que

    estava destinado a acalmar outros cavalheiros e faz-los acreditar que ela no se incomodaria em

    pensar em questes to srias.

    No importa - disse ela com um suspiro.

    E isso era tudo, pensou Peter com admirao. Ningum voltou a falar do assunto. Um "no

    importa" e Tillie levou a discusso exatamente onde ela queria.

    Peter tentou ignorar o resto da conversa. Eram principalmente tolices sobre o clima, que esteve

    um pouco mais fresco que o normal para esta poca do ano, salpicadas com o ocasional comentrio

    a respeito do traje de algum. Sua expresso, se possua algum controle sobre ela, era cortesmente

    aborrecida; no queria parecer muito interessado em Tillie, e embora no se iludia pensando que ele

    era o assunto principal de intrigas no baile, j vira mais de uma velha assinalando em sua direo e

    logo sussurrando algo atrs da mo.

    Mas ento todas suas boas intenes foram arruinadas quando Tillie se virou para ele e disse:

    Senhor Thompson, acredito que comeou a msica.

    No havia maneira de entender mal esse comentrio, e mesmo que o resto dos cavalheiros se

    apressaram a encher os espaos subsequentes em seu carto de dana, ele se viu obrigado a dobrar o

    brao e convid-la pista de dana.

    Era uma valsa. Teria que ser uma valsa.

    E quando Peter pegou a mo dela, lutando contra o impulso de entrelaar seus dedos, teve a

    inconfundvel sensao de que estava caindo por um precipcio.

    Ou pior, jogando-se pelo lado.

    Porque por muito que tentasse se convencer de que isto era um terrvel engano, que no

    deveriam v-lo com ela - diabos, que no deveria estar com ela, e ponto - no pde sossegar

    totalmente o comicho de pura alegria, quase incandescente que cresceu e deu voltas dentro dele

    quando a pegou em seus braos.

    E se as intrigas queriam catalog-lo como o pior de todos os caa-dotes, que assim fosse.

    Valeria a pena por esta nica dana.

    Tillie passou os primeiros dez minutos do grande baile Hargreaves tentando escapar das garras

    de seus pais, os seguintes dez procurando Peter Thompson, e os terceiros de p a seu lado enquanto

    conversava sobre nada com os amigos dele.

    Passaria os seguintes dez minutos com a ateno completa dele, embora isso a matasse.

    Continuava um pouco irritada por ter, praticamente, que rogar para que danasse com ela, e

    em frente a uma dzia de outros cavalheiros. Mas no parecia ter muito sentido dar voltas agora que

    ele a tomava pela mo e a fazia dar voltas elegantemente pela pista de dana.

    E por que era, perguntou-se, que a mo dele sobre suas costas podia provocar uma corrente to

  • 24

    estranha de desejo direto ao centro de seu ser? Poderia pensar que se fosse sentir-se seduzida, seria

    pelos olhos dele, que depois de dez minutos de ignor-la deliberadamente, ardiam nos dela com uma

    intensidade que lhe tirava a respirao.

    Mas para falar a verdade, se estava preparada para arriscar qualquer coisa, se agora requeria de

    cada grama de sua fora para no suspirar, cair contra ele e rogar que tocasse seus lbios com os

    dele, era devido a essa mo em suas costas.

    Talvez fosse a localizao, na base de sua coluna, s a centmetros atravs de seu corpo de sua

    parte mais ntima. Talvez fosse o modo em que se sentia atrada, como se a qualquer momento fosse

    a perder si mesma, e seu corpo estaria apertado contra o dele, quente e escandaloso, e desejando

    algo que no compreendia totalmente.

    A presso era implacavelmente macia, atraindo-a para ele, lenta, inexoravelmente... e

    entretanto, quando Tillie baixou o olhar, a distncia entre seus corpos no havia mudado.

    Mas o calor dentro deles havia explodido.

    E ela ardia.

    Fiz algo para decepcion-lo? - perguntou, tentando desesperadamente colocar seus

    pensamentos em qualquer coisa alm do desejo embriagador que estava ameaando apropriar-se

    dela.

    Claro que no - disse Peter asperamente. - Por que pensaria algo to absurdo?

    Ela deu um encolher de ombros.

    Parecia... OH, no sei... um pouco distante, imagino. Como se no o agradasse minha

    companhia.

    Isso ridculo - grunhiu ele, dessa maneira que os homens o faziam quando sabiam que uma

    mulher tinha razo, mas no tencionavam admitir.

    Ela cresceu com dois irmos, entretanto, e sabia que no lhe convinha pressionar, assim em

    troca disse:

    Esteve magnfico quando defendeu senhorita Martin.

    A mo dele se esticou sobre a dela, mas tristemente, s por um segundo.

    Qualquer um a teria defendido - disse ele.

    No - disse Tillie lentamente. - No acredito. Na realidade, diria o oposto, e acredito que

    voc sabe que tenho razo.

    Olhou-o, com olhos desafiantes, esperando que Peter a contradissesse. Como era um homem

    inteligente, no o fez.

    Um cavalheiro nunca deveria causar estragos com a reputao de uma mulher - disse com

    rigidez, e ela se deu conta com uma pequena e estranha borbulha de prazer que adorava essa

    pequena demonstrao de peso, adorava que ele realmente se sentisse envergonhado por seu prprio

    e estrito cdigo de tica.

    Ou talvez no fosse tanto o cdigo como o fato de que ela o tivesse capturado. Era muito mais

    elegante ser um ser insensvel, mas Peter nunca poderia ser to cruel.

    Uma mulher no deveria causar estragos com a reputao de um cavalheiro tampouco -

    disse Tillie suavemente. - Lamento o que Lady Whistledown escreveu. No ficou bem de sua parte.

    E voc tem influncia sobre nossa estimada colunista de intrigas?

    Claro que no, mas sim aprovo suas palavras com grande frequncia. Desta vez, entretanto,

    acredito que pode ter cruzado o limite.

    Ela no acusou ningum.

  • 25

    Peter deu um encolher de ombros como se no importasse, mas seu tom no podia mentir.

    Estava furioso e dolorido pela coluna dessa manh, e se Tillie soubesse quem era Lady

    Whistledown, a teria amarrado como um ganso felizmente.

    Era uma sensao estranha e intensa, essa fria de que ele tivesse sido ferido.

    Lady Mathilda... Tillie.

    Ela o olhou surpresa, inconsciente de que esteve perdida em seus prprios pensamentos.

    Ele lhe ofereceu um sorriso divertido e olhou as mos de ambos.

    Ela seguiu seu olhar, e foi s ento que se deu conta de que estava pegando os dedos dele

    como se fossem o pescoo de Lady Whistledown.

    OH! - Soltou ela com surpresa, seguida pelo mais balbuciado: - Sinto muito.

    Tem o costume de amputar os dedos de seus companheiros de dana?

    S quando preciso retorcer seus braos para obter que me convidem a danar - devolveu no

    ato.

    E eu que pensava que a guerra era perigosa - murmurou Peter.

    Ela se surpreendeu que pudesse brincar a respeito, surpreendeu-se que o fizesse. No estava

    muito segura de como responder, mas ento a orquestra terminou a valsa com um floreio

    surpreendentemente vivaz, e se salvou de ter que responder.

    A levo a seus pais? - Perguntou Peter, levando-a para fora da pista de dana. - Ou com seu

    seguinte par?

    Na realidade - improvisou ela, - estou bastante sedenta. Talvez a mesa de limonada?

    A qual, notou, estava do outro lado da sala.

    Como desejar.

    Seu progresso era lento; Tillie manteve o passo inusitadamente tranquilo, esperando prolongar

    seu tempo juntos outro minuto ou dois.

    Esteve desfrutando do baile? - perguntou-lhe.

    Algumas parte - disse ele, mantendo o olhar diretamente frente.

    Mas ela viu que a comissura de sua boca se curvava para cima.

    Alguma de minhas partes? - perguntou audazmente.

    Ele se deteve.

    Tem alguma ideia do que acaba de dizer?

    Muito tarde, Tillie lembrou ter ouvido seus irmos falando sobre partes femininas...

    Seu rosto ruborizou.

    E ento, que Deus os ajudasse, ambos riram.

    No diga a ningum - sussurrou ela, recobrando o flego. - Meus pais me trancariam

    durante um ms.

    Isso certamente...

    Lady Mathilda! Lady Mathilda!

    O que fosse que Peter quisesse dizer se perdeu quando a senhora Featherington, amiga da me

    de Tillie e uma das maiores fofoqueiras da sociedade, aproximou-se rapidamente ao lado deles,

    arrastando consigo sua filha Penelope, que estava vestida em um tom bastante desgraado de

    amarelo.

    Lady Mathilda - disse a senhora Featherington. Ento adicionou, com voz decididamente

    glacial: - Senhor Thompson.

    Tillie esteve a ponto de fazer as apresentaes, mas ento lembrou que a senhora

  • 26

    Featherington e Penelope estiveram presentes no jantar de Lady Neeley. De fato, a senhora

    Featherington era uma das desafortunadas cinco em ser retratados por Lady Whistledown na coluna

    dessa manh.

    Sabem seus pais onde est voc? - perguntou a senhora Featherington a Tillie.

    Desculpe? - perguntou Tillie, piscando com surpresa.

    Virou-se para Penelope, que sempre pensou que era do tipo bastante agradvel, embora calada.

    Mas se Penelope sabia no que andava sua me no deu nenhuma indicao, alm de uma

    expresso dolorida que levou Tillie a acreditar que se um buraco fosse aberto de repente no meio do

    piso do salo de dana, Penelope teria saltado nele felizmente.

    Sabem seus pais onde est? - repetiu a senhora Featherington, desta vez com mais

    mordacidade.

    Viemos juntos - respondeu Tillie lentamente, - assim sim, assumo que esto conscientes

    de...

    Retornarei-a com eles - interrompeu-a a senhora Featherington.

    E ento Tillie compreendeu.

    Asseguro - disse friamente, - que o senhor Thompson mais que capaz de me levar a meus

    pais.

    Me - disse Penelope, pegando a manga de sua me.

    Mas a senhora Featherington a ignorou.

    Uma moa como voc - disse a Tillie, - deve tomar cuidado com sua reputao.

    Se se refere coluna de Lady Whistledown - disse Tillie, com voz atipicamente gelada, -

    ento devo lembrar que voc tambm foi mencionada l, senhora Featherington.

    Penelope ficou boquiaberta.

    Suas palavras no me preocupam - disse a senhora Featherington. - Sei que no peguei esse

    bracelete.

    E eu sei que o senhor Thompson tampouco o fez - respondeu Tillie.

    Nunca disse que o fez - disse a senhora Featherington, e ento surpreendeu Tillie ao virar-se

    para Peter e dizer: - Desculpe-me se dei esse indcio. Nunca chamaria de ladro algum sem provas.

    Peter, que esteve tensamente quieto ao lado de Tillie, no fez nada mais que assentir ante a

    desculpa. Tillie suspeitava que era a nica coisa que podia fazer sem perder os estribos.

    Me - disse Penelope, seu tom quase desesperado ento: - Prudence se encontra junto

    porta, e est saudando com a mo como louca.

    Tillie pde ver a irm de Penelope, Prudence, que parecia felizmente ocupada em conversar

    com uma de suas amigas. Tillie fez uma nota mental para fazer-se amiga de Penelope Featherington,

    que era bem conhecida como um vaso, na prxima ocasio possvel.

    Lady Mathilda - disse a senhora Featherington, ignorando por completo a Penelope, -

    devo...

    Me!

    Penelope puxou com fora da manga de sua me.

    Penelope! - A senhora Featherington se virou para sua filha com evidente irritao. - Estou

    tentando...

    Devemos ir - disse Tillie, tomando vantagem da distrao momentnea da senhora

    Featherington. - Assegurarei-me de comunicar suas saudaes a minha me.

    E ento, antes que a senhora Featherington pudesse se desembaraar de Penelope, que

  • 27

    mantinha um firme aperto sobre seu brao, Tillie fez sua escapatria, praticamente arrastando Peter

    atrs dela.

    Ele no dissera uma s palavra durante o intercmbio. Tillie no estava totalmente segura do

    que significava isso.

    Lamento terrivelmente - disse ela uma vez que ficaram fora do alcance do ouvido da

    senhora Featherington.

    Voc no fez nada - disse ele, mas sua voz era tensa.

    No, mas, bom... - Ela se deteve, insegura de como prosseguir. No queria aceitar a culpa

    pela senhora Featherington em particular, mas no obstante, parecia que algum deveria desculpar-

    se com Peter.

    Ningum deveria cham-lo de ladro - disse finalmente. - inaceitvel.

    Ele sorriu sem humor.

    Ela no estava me chamando de ladro - disse Peter. - Estava me chamando de caa-dotes.

    Ela nunca...

    Confie em mim - disse ele, interrompendo-a com um tom que a fez sentir como uma menina

    tola.

    Como podia ter ignorado semelhante insulto? Realmente estava to inconsciente?

    Isso o mais tolo que j ouvi - murmurou ela, mais que para defender-se.

    Seriamente?

    obvio. Voc a ltima pessoa que se casaria com uma mulher por seu dinheiro.

    Peter se deteve, olhando-a no rosto com dureza.

    E voc chegou a essa concluso nos trs dias que nos conhecemos?

    Os lbios dela se esticaram.

    No pareceu necessrio mais tempo.

    Peter sentiu suas palavras como um golpe, quase cambaleando pela fora da f de Tillie nele.

    Ela o olhava com ateno, seu queixo to decidido, seus braos como varas ao lado, e ele foi

    possudo por uma estranha necessidade de assust-la, de afast-la, de lembrar que os homens eram,

    acima de tudo, descarados e estpidos, e que ela no devia confiar com um corao to aberto.

    Vim a Londres - disse, suas palavras deliberadas e cortantes, - com o nico propsito de

    conseguir uma noiva.

    No h nada de estranho nisso - disse ela com displicncia. - Estou aqui para encontrar um

    esposo.

    Quase no tenho um centavo em meu nome - declarou ele. Os olhos dela se abriram muito. -

    Sou um caa-dotes - disse sem rodeios.

    Ela sacudiu a cabea.

    No .

    No pode somar dois e dois e esperar que sejam s trs.

    E voc no pode falar com enigmas to ridculos e esperar que eu compreenda uma palavra

    do que diz - replicou ela.

    Tillie - disse Peter com um suspiro, odiando que quase o tivesse feito rir.

    Isso fazia extraordinariamente mais difcil espant-la.

    Poder necessitar dinheiro - continuou ela, - mas isso no significa que seduziria algum

    para obt-lo.

    Tillie...

  • 28

    Voc no um caa-dotes - disse ela convincentemente, - e direi a qualquer um que se

    atreva a insinuar que .

    E ento ele teve que dizer. Precisava deixar claro, faz-la entender a verdade da situao.

    Se busca reparar minha reputao - disse ele lentamente, e um pouco cansado tambm, -

    ento ter que evitar minha companhia. - Os lbios dela se separaram, com surpresa. Ele deu um

    encolher de ombros, tentando tirar importncia. - Se deve sab-lo, passei as ltimas trs semanas

    tentando com bastante desespero evitar ser chamado um caa-dotes - disse Peter, sem poder

    acreditar totalmente que estava lhe contando tudo isto. - E o obtive bastante xito at Whistledown

    desta amanh.

    Tudo cair no esquecimento - sussurrou ela, mas sua voz carecia de convico, como se

    estivesse tentando convencer a si mesma tambm.

    No se me veem cortejando-a.

    Mas isso horrvel. - Em poucas palavras, pensou ele. Mas no tinha sentido dizer. - E voc

    no est me cortejando. Est cumprindo uma promessa a Harry. - Ela se deteve. - No ?

    Importa?

    A mim sim - murmurou Tillie.

    Agora que Lady Whistledown me rotulou - disse ele, tentando no perguntar-se por que

    importava a ela, - no poderei sequer parar a seu lado sem que algum especule que vou atrs de sua

    fortuna.

    Agora est parado a meu lado - assinalou ela.

    E era uma maldita tortura. Peter suspirou.

    Deveria lev-la a seus pais. - Ela assentiu.

    Sinto muito.

    No se desculpe - disse ele bruscamente.

    Estava zangado consigo mesmo, e zangado com Lady Whistledown, e zangado com toda a

    maldita alta sociedade. Mas no com ela. Nunca com ela. E a ltima coisa que queria era sua

    lstima.

    Estou arruinando sua reputao - disse ela, sua voz se quebrou com uma impotente risada

    triste. - Isso quase engraado. - Ele a olhou com ar zombador. - As jovens donzelas so quem

    temos que cuidar cada movimento que fazemos - explicou Tillie.

    Vocs podem fazer o que desejam.

    No totalmente - disse ele, movendo seu olhar sobre o ombro dela, para que no casse em

    lugares mais maduros.

    Qualquer que seja o caso - disse ela, movendo a mo nesse gesto despreocupado que havia

    usado com tanto xito ao comeo da noite, - parece que sou o obstculo em seu caminho. Voc quer

    uma esposa e, bom...

    Sua voz perdeu sua despreocupao, e quando sorriu, havia algo que faltava ali.

    Peter se deu conta de que ningum mais o notaria. Ningum se daria conta de que seu sorriso

    no estava totalmente adequado.

    Mas ele sim. E isso rompia seu corao.

    Quem quer que escolha... - continuou Tillie, reforando esse sorriso com uma risada

    apagada, - no a obter comigo perto, parece.

    Mas ele se deu conta de que no seria por nenhuma das razes que ela pensava. Se no podia

    encontrar uma esposa com Tillie Howard perto, seria porque no poderia tirar os olhos dela, nem

  • 29

    sequer poderia comear a pensar em outra mulher quando pudesse perceber sua presena.

    Deveria ir - disse ela, e ele soube que tinha razo, mas no podia obrigar-se a dizer adeus.

    Evitara sua companhia precisamente por esta razo.

    E agora que devia mand-la voar de uma vez e para sempre, era ainda mais duro do que

    pensou.

    Est rompendo sua promessa a Harry - lembrou ela.

    Peter sacudiu a cabea, embora ela nunca compreenderia quo bem estava cumprindo com sua

    promessa. Prometera a Harry que a protegeria.

    Tillie engoliu com dificuldade.

    Meus pais esto ali - disse, fazendo um gesto para a esquerda e atrs.

    Ele assentiu e a pegou pelo brao, fazendo-a virar para que pudessem dirigir-se ao conde e a

    condessa.

    E se encontraram cara a cara com Lady Neeley.

    CAPTULO 04

    S podemos perguntar que acontecimentos ocorrero no grande baile Hargreaves esta noite.

    Esta Autora sabe de boa fonte que Lady Neeley planeja participar, como todos os principais

    suspeitos, com a possvel exceo da senhorita Martin, que recebeu um convite s por vontade da

    prpria Lady Neeley.

    Mas o senhor Thompson respondeu afirmativamente, igual ao senhor Brooks, a senhora

    Featherington, e lorde Easterly.

    Esta Autora descobre que s pode dizer: "Que comecem os jogos!"

    Ecos de sociedade de Lady Whistledown, 31 de maio de 1816

    Senhor Thompson! - gritou Lady Neeley. - Justo a pessoa que estive procurando!

    Seriamente? - perguntou Tillie com surpresa, antes de poder lembrar que na realidade estava

    bastante perturbada com Lady Neeley e que pretendera ser amavelmente glacial da prxima vez que

    se encontrassem.

    Assim - disse severamente a mulher mais velha. - Estou furiosa por essa coluna de

    Whistledown desta manh. Essa mulher infernal nunca tem mais que a