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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO NO DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO SCHIRLEY APARECIDA FARIAS Itajaí, junho de 2010

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO NO DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO

SCHIRLEY APARECIDA FARIAS

Itajaí, junho de 2010

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO NO DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO

SCHIRLEY APARECIDA FARIAS

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel

em Direito. Orientador: Professora Doutora Cláudia Regina Althoff Figueredo

Itajaí, junho de 2010

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AGRADECIMENTO

Primeiramente a DEUS por estar sempre comigo

deste a minha concepção me abençoando e guiando

o meu caminho.

Aos meus pais Jair e Isolete, por acreditarem no

meu ideal, e estarem sempre me apoiando nesta

escolha.

À minha querida filha Heloisa Fernanda dos Santos,

por ser tão pequenina, mas ter uma sabedoria

reluzente, capaz de entender às vezes em que não

pude dar a atenção suficiente quando ela tanto

necessitava, no decorrer destes anos de estudo.

Aos meus irmãos Fábio e Samantha, e demais

familiares, que de alguma forma contribuíram para a

realização deste ideal, em especial aos meus tios

João César e Leonel companheiros das horas

difíceis.

À querida professora e amiga Doutora Cláudia

Regina Althoff Figueredo, por ter aceitado orientar

este trabalho de final de curso, pela ajuda,

companheirismo e inestimável e principalmente

compreensão, aliados aos esclarecimentos sobre a

temática.

Aos meus professores, em especial ao professor

Clóvis Demarchi, pela oportunidade da bolsa de

pesquisa.

Aos colegas de turma, especialmente a Nivalte,

Paulo, Karlon, Márcia e Caroline, pela amizade,

paciência e companheirismo, ao longo destes anos.

E a todos que de forma direta ou indireta,

contribuíram para a conclusão deste curso.

Meu profundo agradecimento.

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DEDICATÓRIA

Aos que eu amo muito, em especial aos meus pais e

minha filha que sempre estiveram ao lado, nas horas

alegres, tristes e nos momentos que achava não ser

capaz de cumprir as minhas metas. Muito obrigada

pelo carinho, pela paciência, compreensão e por

acreditarem em mim. Amo vocês!

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do

Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de

toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, junho de 2010

Schirley Aparecida Farias Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do

Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Schirley Aparecida Farias, sob o título

Paternidade socioafetiva e seu reconhecimento no direito de família brasileiro, foi

submetida em [Data] à banca examinadora composta pelos seguintes professores:

[Nome dos Professores ] ([Função]), e aprovada com a nota [Nota] ([nota Extenso]).

Itajaí, junho de 2010

Professora Doutora Cláudia Regina Althoff Figueredo Orientadora e Presidente da Banca

Professor MSc Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ART Artigo

CC/1916 Código Civil Brasileiro de 1916

CC/2002 Código Civil Brasileiro de 2020

CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

ED Edição

N Número

ONU Organização das Nações Unidas

ORG Organização

P Página

TJRS Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

TJSC Tribunal de Justiça de Santa Catarina

TJSP Tribunal de Justiça de São Paulo

V Volume

§ Parágrafo

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Adoção:

A adoção é uma ficção jurídica que cria o parentesco civil. É um ato jurídico bilateral

que gera laços de paternidade e filiação entre pessoas para as quais tal relação

inexiste naturalmente1.

Direito de família:

O direito de família é de todos os ramos do direito, o mais intimamente ligado à

própria vida, uma vez que de modo geral, as pessoas provêm de um organismo

familiar e a ele conversam-se vinculadas durante a sua existência, mesmo que

venham a constituir nova família pelo casamento ou pela união estável2.

Família: lato sensu

Abrange todas as pessoas ligadas por vínculo de sangue e que precedem, portanto,

de um tronco ancestral comum, bem como as unidas pela afinidade e pela doação 3.

Filiação:

Filiação é o vínculo existente entre pais e filhos; vem a ser a relação de parentesco

consangüíneo em linha reta de primeiro grau entre uma pessoa e aqueles que lhe

deram a vida, podendo, ainda ser uma relação socioafetiva entre o pai adotivo e

institucional e filho adotado ou advindo de inseminação artificial heteróloga4.

1 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2005.

v. 6. p. 269. 2 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p.1.

3 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 1.

4 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 5. p. 420.

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Parentesco:

O parentesco é o vínculo que une duas ou mais pessoas, em decorrência de uma

delas descender da outra ou de ambas procederem de um genitor comum.5

Parentesco por afinidade:

Relação deriva exclusivamente de disposição legal, sem relação de sangue. Na

relação de afinidade, o cônjuge está inserido na mesma posição na família de seu

consorte e contam-se os graus da mesma forma.6

Paternidade socioafetiva:

Paternidade socioafetiva é uma relação afetiva, íntima e duradoura, caracterizada

pela reputação frente a terceiros como se filho fosse, e pelo tratamento existente na

relação paterna filial, em que há o chamamento de filho e a aceitação do

chamamento de pai7.

Poder familiar:

Poder familiar conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais com relação aos

filhos menores e não emancipados, com relação à pessoa destes e seus bens.8

5 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. São Paulo: Atlas, 2009. 9. ed. p. 209.

6 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 214.

7 BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de paternidade: posse de estado de filho: paternidade socioafetiva. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 30.

8 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 301-302.

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SUMÁRIO

RESUMO........................................................................................... XI

INTRODUÇÃO .................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 ....................................................................................... 3

DIREITO DE FAMÍLIA ........................................................................ 3

1.1 DIREITO DE FAMÍLIA - CONSIDERAÇÕES GERAIS .................................... 3

1.1.1 A família no direito canônico ..................................................................... 6

1.1.2 A família no Código Civil de 1916 e nas leis posteriores ......................... 8

1.2 A FAMÍLIA NA ATUALIDADE ....................................................................... 12

1.3 O DIREITO DE FAMÍLIA NO BRASIL ........................................................... 14

1.4 NATUREZA JURÍDICA E CARACTERÍSTICAS ........................................... 15

1.5 PRINCÍPIOS DE DIREITO DE FAMÍLIA ........................................................ 16

1.5.1 Princípio da dignidade da pessoa humana ............................................. 17

1.5.2 Princípio da liberdade ............................................................................... 18

1.5.3 Princípios da solidariedade familiar ........................................................ 19

1.5.4 Princípios da igualdade jurídica de todos os filhos ............................... 21

1.5.5 Princípio Jurídico da afetividade ............................................................. 23

1.6 DIREITO DE FAMÍLIA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 E NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 ............................................... 27

CAPÍTULO 2 ..................................................................................... 31

FILIAÇÃO E PATERNIDADE ........................................................... 31

2.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA........................................................... 31

2.2 ESPÉCIES DE PATERNIDADE ..................................................................... 34

2.2.1 Paternidade biológica ............................................................................... 36

2.2.2 Paternidade adotiva .................................................................................. 38

2.2.3 Paternidade registratória .......................................................................... 40

2.2.4 Paternidade sócio-afetiva ......................................................................... 41

2.3 ESPÉCIES DE FILIAÇÃO .............................................................................. 45

2.4 RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO ............................................................. 51

CAPÍTULO 3 .................................................................................... 59

RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE SÓCIOAFETIVA E AS DIVERGÊNCIAS COM A PATENIDADE BIOLÓGICA ..................... 59

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3.1CARACTERIZAÇÃO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA .......................... 59

3.2 EFEITOS JURÍDICOS DECORRENTES DO RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. ....................................................................... 67

3.3 SOLUÇÕES DE CONFLITOS DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA PRIORIZANDO O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.71

3.3.1 Aspectos iniciais ....................................................................................... 71

3.3.2 O direito de revogar a paternidade e anulação do registro civil ........... 76

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 82

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ........................................... 86

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RESUMO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 provocou uma importante

alteração no Direito de Família através do princípio da igualdade dos filhos.

Introduziu no ordenamento jurídico uma mudança de valores nas relações familiares,

que influenciou na determinação de uma nova paternidade, fruto do afeto, objeto de

análise na presente pesquisa. Desta forma, faz-se relevante uma abordagem da

repercussão da paternidade socioafetiva no ordenamento jurídico brasileiro, além

dos efeitos decorrentes de reconhecimento. Imprescindível a menção da posição

dos doutrinadores brasileiros, bem como às decisões que formam o atual

entendimento dos Tribunais pátrios, no caminho da solução dos conflitos que

porventura possam surgir decorrentes do reconhecimento da paternidade tema da

presente pesquisa bibliográfica.

Palavras chaves: Direito de Família. Filiação. Paternidade. Paternidade

Socioafetiva.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto a paternidade

socioafetiva e seu reconhecimento no direito de família brasileiro.

O seu objetivo institucional é produzir monografia para

obtenção do grau de Bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí-

UNIVALI; tendo com objetivo geral analisar as questões relevantes ao

reconhecimento da paternidade socioafetiva, específicos verificar os efeitos

decorrentes deste reconhecimento, bem como os conflitos decorrentes deste

reconhecimento, a possibilidade de revogação ou anulação posterior ao ato, assim,

como examinar os entendimentos dos tribunais acerca do tema pesquisado.

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratar de uma

abordagem do direito de família, fazendo uma contextualização histórica do direito

da família. Em seguida dedica-se uma abordagem da família na atualidade e a

família no Brasil. Posteriormente trata da natureza jurídica, características e os

princípio que norteiam o direito de família e finalmente passando a exposição o

direito de família na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o

Código Civil de 2002, fazendo uma contextualização panorâmica, acerca das

modificações ocorridas no direito de família.

Mais a adiante, no Capítulo 2, trata-se-á do estudo do instituto

da filiação e da paternidade. Destacando que acerca da filiação existem duas

espécies, as quais são biológica ou civil, sendo a biológica decorrente do vínculo

sangüíneo, em relação a segunda pode ser constituída pela adoção, pelo vínculo

sociafetivo e de forma registral. Em seguida dedica-se as espécies de paternidade,

fazendo menção à paternidade socioafetiva, e por fim trata-se do reconhecimento da

filiação.

Por fim, no Capítulo 3, será abordado o estudo propriamente

dito da paternidade sociafetiva, dando-se ênfase a forma de sua caracterização,

passando em seguida aos efeitos jurídicos decorrentes desta paternidade. Bem

como se buscou demonstrar a solução dos conflitos gerados a partir do seu

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reconhecimento e por fim se há a possibilidade de revogação e anulação posterior

ao reconhecimento da paternidade socioafetiva.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,

seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a

paternidade socioafetvia.

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses, as quais, após o reconhecimento da pesquisa, serão confirmadas ou não

nas considerações finais:

● Quando há reconhecimento da paternidade socioafetiva,

aquele que o reconhece, terá que assumir os mesmos encargos de um pai biológico.

● A jurisprudência tem aderido à idéia de filiação afetiva

independente da biológica, indo inversamente a base estritamente patriarcal.

● O reconhecimento da paternidade socioafetiva poderá ser

revogado ou anulado, ou deverá nos casos concretos priorizar o melhor interesse da

criança ou do adolescente.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de

Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de desenvolvimento o Método

Dedutivo, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é

composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas

do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica.

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CAPÍTULO 1

DIREITO DE FAMÍLIA

O presente capítulo é dedicado ao Direito de Família, sendo

composto por seis subtítulos, fazendo-se inicialmente uma abordagem do direito de

família, conceituando o direito de família, passando em seguida para uma

contextualização histórica do Direito de Família. Em seguida dedica-se uma

abordagem à família na atualidade. Discorrendo acerca do direito de família no

Brasil. Posteriormente a natureza jurídica, características, os princípios do direito de

família e finalmente passando a exposição o direito de família na Constituição da

República Federativa do Brasil de 1.988 e o Código Civil de 2002, fazendo uma

abordagem panorâmica, acerca das modificações ocorridas no direito de família.

1.1 DIREITO DE FAMÍLIA - CONSIDERAÇÕES GERAIS

Inicialmente, há de se registrar que a família brasileira atual

sofreu grandes influências da família romana, canônica e germânica.

O direito de família constitui o ramo do direito civil, que

disciplina as relações entre pessoas unidas pelo matrimônio, pela união estável ou

pelo parentesco, bem como os institutos da tutela e da curatela.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves, 9:

[...] o direito de família é de todos os ramos do direito, o mais intimamente ligado à própria vida, uma vez que de modo geral, as pessoas provêm de um organismo familiar e a ele conversam-se vinculadas durante a sua existência, mesmo que venham a constituir nova família pelo casamento ou pela união estável.

Acerca do tema leciona Sílvio de Salvo Venosa10:

9 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 6. p.1.

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4

O direito de família estuda, em síntese, as relações das pessoas unidas pelo matrimônio, bem como daqueles que convivem em uniões sem casamento; dos filhos e das relações destes com os pais, da sua proteção por meio da tutela e da proteção dos incapazes por meio da curatela.

Conforme a sua finalidade ou seu objetivo, as normas do direito

de família ora regulam as relações pessoais entre os cônjuges, ou entre os

ascedentes ou entre parentes fora da linha reta, ora disciplinam as relações

patrimoniais que se desenvolvem no seio da família.

Assim o direito de família regula exatamente as relações entre

os seus diversos membros e as conseqüências que delas resultam para as pessoas

e bens.

Conforme Carlos Roberto Gonçalves11, o vocábulo família no

sentido latu sensu, abrange todas as pessoas ligadas por vínculo de sangue e que

precedem, portanto, de um tronco ancestral comum, bem como as unidas pela

afinidade e pela doação.

Quanto sua evolução, pode-se dizer que ocorreu lentamente ao

longo dos séculos, mas somente com o advento da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1.988, que chegou ao ápice da mudança social e legal, ao

ser consagrada como a base da sociedade.

Desta maneira a família não é mais vista como um modelo

rígido, constituído unicamente com o casamento, pode-se então dizer, que a

transformação da estrutura da família deu-se progressivamente, através da adoção

do principio da igualdade entre todas as espécies de filiação.

É imprescindível neste trabalho científico que se faça menção à

família romana, como berço da atual, e à qual diversos autores concorrem na

importância de sues sustentáculos para o conceito da cédula familiar ocidental e

para o desenvolvimento do próprio Direito de Família, mesmo que discordem das

diferentes teorias quanto à origem primitiva das relações humanas.

10

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 01.

11 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p.1.

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5

Segundo Arnoldo Wald12, em Roma a família era definida como

o conjunto de pessoas que estavam sob a pátria potestas do ascendente comum

vivo mais velho. Assim a família romana era organizada preponderantemente no

poder do pai, e na posição de chefe da comunidade, tendo este poder unitário.

O pater era uma pessoa sui juris, ou seja, este comandava

toda a sua família, e todo resto eram alieni juris.

Desta maneira o conceito de família independia da

consangüinidade, sendo que o chefe (pater) familiar exercia autoridade sobre todos

seus descendentes menores, sobre a sua esposa e inclusive sobre suas noras.

Pelo relato de Arnoldo Wald:13 “a família era, então,

simultaneamente, uma unidade econômica, religiosa, política ou jurisdicional”.

Além destas características a família era uma unidade

religiosa, pois seguiam uma religião própria trazida pelos antepassados já falecidos.

Em relação ao patrimônio, este pertencia a toda família, sendo

administrado unicamente pelo pai, em uma fase mais evoluída do direito romano,

surgiriam patrimônios individuais, como os pecúlios, sendo estes administrados por

pessoas que estavam sob a autoridade do pai.

Com o falecimento do pater, não era a matriarca que assumia a

família, tampouco as filhas, sendo vedado a estas o poder familiar. O pater familis,

era transferido ao filho primogênito, e/ou a outros homens que faziam parte do grupo

familiar.

No casamento romano, existiam duas possibilidades para as

mulheres: que podiam continuar sob a autoridade do pai, denominando-se

casamento sem manus, ou entrar na família marital, devendo obediência a partir

daquele momento do marido, casamento com manus.

Em Roma existiam duas espécies de parentesco: a agnação e

a cognação. “A agnação vinculava as pessoas que estavam sujeitas ao mesmo

12

WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 2.

13 WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p. 2.

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6

pater, mesmo quando não fossem consangüíneas (filho natural e filho adotivo do

mesmo pai). A cognação era o parentesco pelo sangue que existia entre pessoas

que não deviam necessariamente ser agnadas uma da outra. Assim, por exemplo, a

mulher casada com manus era cognada mas não agnda do seu irmão, o mesmo

ocorrendo com o filho emancipado em relação àquele que continuasse sob a patria

potestas”. 14

A evolução da família romana foi no sentido de restringir

gradualmente a autoridade do pai, dando mais autonomia à mulher e aos filhos,

substituindo assim o parentesco agnatício pelo cognatício. 15

A idéia romana de casamento é diferente da predominante dos

dias atuais. Para os romanos, o afeto era um o sentimento necessário para o

casamento, que por sua vez não poderia existir somente no momento da cerimônia

deste, mas enquanto durasse. Deste modo, a ausência de convivência, e o

desaparecimento do afeto, eram causas necessárias para a dissolução do

casamento.

Por derradeiro, pode-se dizer que a origem do instituto do

divórcio foi no direito romano, sendo este permitido inicialmente em casos especiais,

mais após um lapso temporal volta a ser admitido, desde que houve entre as partes

consentimento mútuo.

1.1.1 A família no direito canônico

Com o decorrente desaparecimento do pater famílias, o poder

familiar passa para mão dos chefes da Igreja. Sendo os canonistas totalmente

adversos ao instituto do divórcio, pelo fato do matrimônio não ser apenas um

contrato, mas sim um sacramento, não podendo ser dissolvido pelos homens,

acreditavasse também que este, seria contrário aos interesses da família e dos

filhos.

Prevalecia a premissa de que “quod Deus conjunxit homo non

separet” 16,ou seja, o que Deus uniu o homem jamais poderá separar.

14

WALD, Arnoldo. O novo direito da família. p. 10.

15 WALD, Arnoldo. O novo direito da família. p. 10

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7

É relevante mencionar, a existência de uma divergência básica

entre a concepção católica do casamento e a concepção medieval.

Enquanto para a Igreja, em princípio, o matrimônio depende do simples consenso das partes, a sociedade medieval reconhecia no matrimônio um ato de repercussão econômica e política para o qual devia ser exigido não apenas o consenso dos nubentes, mas também o assentimento das famílias a que pertenciam. 17

Em virtude de o casamento ser indissolúvel, a doutrina

canônica, estabeleceu um sistema de impedimentos, visando impedir a sua

realização. Para ocorrer à dissolução do casamento, era necessário estar presente

causas de nulidade ou de anulabilidade.

A separação do direito canônico se distingue do divórcio romano ou judaico por não importar na dissolução do vínculo e por ser um ato judiciário da autoridade religiosa, enquanto em Roma e para os hebreus constituía um ato privado contra o qual a parte prejudicada podia recorrer à autoridade judiciária.18

A única conseqüência jurídica da separação no direito

canônico, era a extinção do dever de coabitação, permanecendo entre os

separados, o dever de prestar alimentos e de fidelidade recíproca.

Em virtude de o casamento ter caráter de sacramento, a

competência exclusiva para julgar as questões referentes ao direito de família era da

Igreja e das autoridades eclesiásticas. Já na época do Renascimento, com o

fortalecimento da autoridade do rei, a competência para julgar tais questões, passa a

ser do Estado.

A doutrina, por sua vez, foi destacando como elementos distintos os aspectos civil e religioso do casamento, o primeiro vinculado à lei do Estado e dependente de tribunais leigos e o segundo, à competência dos órgãos eclesiásticos.19

16

WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p. 12.

17 WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p. 13.

18 WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p. 15.

19 WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p. 17.

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8

Contudo, não se pode negar, a influência dos direcionamentos

básicos trazidos pelo direito canônico, que ainda hoje são utilizados no direito

brasileiro.

1.1.2 A família no Código Civil de 1916 e nas leis posteriores

A família do início do século passado era constituída

unicamente pelo matrimônio. Em sua versão original, trazia uma estreita e

discriminatória visão da família, limitando-a ao grupo originário do casamento.

Impedia sua dissolução, fazia distinção entre seus membros e trazia qualificações

discriminatórias às pessoas unidas sem casamento e aos filhos havidos dessa

relação.

Maria Berenice Dias20, acerca da evolução da família discorre:

A evolução pela qual passou a família acabou forçando sucessivas alterações legislativas. A mais expressiva foi o Estatuto da Mulher casada (l. 4.121/62), que devolveu a plena capacidade à mulher casada e deferiu-lhe bens reservados que asseguravam a ela a propriedade exclusiva dos bens adquiridos com o fruto do seu trabalho.

Um marco histórico para a equiparação entre os filhos legítimos

e os naturais (ilegítimos), foi o advento da Carta Constituinte de 1937, que trouxe

esculpida em seu artigo 126, a possibilidade de muitos filhos de pessoas

desquitadas na época, de serem legitimados. Porém manteve a proibição da

legitimação dos filhos adulterinos e incestuosos, o que permaneceu até o advento da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

A mencionada lei modificou os princípios básicos aplicáveis em

matéria de regime de bens e de guarda de filhos.21

Inúmeros foram os diplomas legislativos na época, mas sem

dúvida e o mais importante nos últimos tempos, em relação do direito de família, foi

a Lei n. 6.515/77, conhecida como a Lei do Divórcio, que regulou os casos de

dissolução da sociedade conjugal e do casamento.

20

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. 3. ed. ver. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006. p. 28

21 WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p. 22.

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Possibilitada a dissolução do vínculo matrimonial pela Emenda Constitucional n. 9, de 28-6-1977, a Lei n. 6.515, de 26-12-1977, alterou profundamente o sistema do Código Civil em matéria de família, que repousava na indissolubilidade do matrimônio. A lei aboliu a palavra desquite, trazida ao nosso direito pelo Código Civil, e substituiu-a pela expressão separação judicial. 22

Em relação ao regime de casamento este não difere do atual,

sendo a separação parcial o legal, ou seja, decorrente de lei no silêncio das partes,

passando o regime de comunhão universal, uma faculdade das partes, sendo

necessário neste caso, o contrato antenupcial.

Com a promulgação da Constituição da República Federativa

do Brasil de 1988, ocorreu à facilitação do divórcio, e também o reconhecimento de

entidades familiares, como por exemplo, a união estável, estando está baseada no

afeto e a instituição do divórcio, através da Emenda Constitucional 9/1977 e Lei

6.515/77, acabando com a indissolubilidade do casamento deixando assim de ser o

casamento a única forma de constituir a entidade familiar.

A CRFB/88, “deu maior amplitude ao conceito de família,

abrangendo a família havida fora do casamento, bem como aquela composta por um

dos progenitores e sua descendência, ou seja, a família monoparental”23.

Para destacar a importância da modificação, transcreve-se o

art. 22624 da Carta Magna:

Art. 226 – A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1° O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2° O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3° Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

22

WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p. 23.

23 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. 27 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 4.

24 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1.988. Organização do texto Anne Joyce Angher. 4 ed. São Paulo: Rideel, 2007. p. 140.

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§ 4° Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

Dentre os textos alterados pela CRFB/88, o instituto da filiação

é o que maior merece destaque. Tendo em vista a eliminação da ligação do

casamento com a ilegitimidade da família resultou no fim de antigas categorias de

filiação influenciando também para o surgimento de uma nova categoria de

paternidade, ou seja, aquele que deriva do carinho e do afeto, denominando-se

paternidade socioafetiva.

Quanto à evolução da família, esta promulgou o principio da

isonomia em seu artigo 5º25, inciso I, ao declarar que homens e mulheres são iguais

em direitos e obrigações.

Estabelece a CRFB/88:

Art. 5° - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.

Além da CRFB/88 ter elevado o princípio da isonomia ela prevê

a existência de três espécies de família, quais sejam:

a) família legítima – criada pelo casamento, que por sua vez

possui três ordens de vínculos, o conjugal, o de parentesco e o de afinidade.

b) união estável – decorrente da união de homem e mulher,

estando porém ausente o vinculo matrimonial.

c) família monoparental – formada por ambos os genitores ou

apenas um deles e seus descedentes.

Em relação aos filhos, havidos ou não da relação do

casamento ou por adoção, a CRFB/88, contempla os mesmos direitos e

qualificações, vedando-se qualquer tipo de discriminação relativa à filiação.

25

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. p. 2.

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Segundo Maria Berenice Dias26 “essas profundas modificações

acabaram derrogando inúmeros dispositivos da legislação então em vigor, por não

recepcionados pelo novo sistema jurídico”.

Ressaltando as palavras de Luiz Edson Fachin27 “após a

Constituição, o Código Civil perdeu a papel de lei fundamental do direito de família”.

Diante de todas as mudanças sociais ocorridas e o advento da

CRFB/88, com as significativas modificações já mencionadas, estimularam á

aprovação do Código Civil de 2002.

E segundo Carlos Roberto Gonçalves 28: “[...] com a

convocação dos pais a uma paternidade responsável, e a assunção de uma

realidade familiar concreta, onde os vínculos de afeto se sobrepõem à verdade

biológica”.

No vigente Código Civil, os filhos havidos fora do casamento

ainda necessitam de reconhecimento, pelo fato de não haver a presunção legal

acerca de sua paternidade, conforme preconiza o artigo 1.59729, havendo

necessidade do reconhecimento de maneira voluntária ou por via judicial, enquanto

que os filhos havidos do casamento, esta presunção é pater is est.

Estabelece o disposto legal no artigo 1.597:

Art. 1.597 – Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I – nascidos 180 (cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II – nascidos nos 300 (trezentos) dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

26

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 29.

27 FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade, relação biológica e afetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 83.

28 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil: direito de família. p. 18.

29 CAHALI, Yussef Said (Org.). Mini código. 10 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 439.

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III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Finalmente em face da evolução científica, a paternidade pode

ser apontada com exatidão, assegurando ao filho o seu reconhecimento, ainda que

na constância da sociedade conjugal de seu genitor, garantido ao mesmo, direito a

alimentos, filiação, bem como a todos os direitos sucessórios, não cabendo qualquer

abjeção à palavra filho.

1.2 A FAMÍLIA NA ATUALIDADE

Pensar em família ainda traz em mente o modelo convencional:

um homem e uma mulher unidos pelo casamento e cercados de filhos, mas

atualmente todos já estão acostumados com famílias que se distanciam do perfil

tradicional.

Acerca do tema posiciona Silvio de Salvo Venosa30:

A cédula da família, formada por pais e filhos, não se alterou muito com a sociedade urbana. A família atual, contudo, difere das formas antigas no que concerne a sua finalidade, composição e papel de pais e mães.

Essa visão hierarquizada da família, no entanto, sofreu com o

tempo enormes transformações. Como diz Teresa Wambier, a “cara” da família

moderna mudou.31

Atualmente o principal papel da família é “de suporte emocional

do indivíduo, em que há flexibilidade e, indubitavelmente, mais intensidade no que

diz respeito a laços afetivos” 32.

30

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 20.

31 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 40 apud Teresa Celina Arrda Alvim Wambier, Direitos de família e do menor, p. 83.

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Acerca dos novos contornos da família, posiciona Maria

Berenice Dias33:

[...] faz-se necessário ter uma visão pluralista da família, abrigando os mais diversos arranjos familiares, devendo-se buscar a identificação do elemento que permita envolver no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos que têm origem em um elo de afetividade, independentemente de sua conformação.

Com o advento da CRFB/88, a família buscou um novo

modelo, passou a ser fundar nos pilares do carinho e da afetividade, surgindo com

isso uma nova modalidade de família, denominando-se família socioafetiva.

No dizer de Paulo Lobo34:

[...] a família atual busca sua identificação na solidariedade (art. 3º, I, da CRFB/88), como um dos fundamentos de afetividade, após o individualismo triunfante dos últimos séculos, ainda que não retome o papel predominante que exerceu o mundo antigo.

Disciplina Maria Berenice Dias:35

[...] a família-instituição foi substituída pela família-instrumento, ou seja, ela existe e contribui tanto para o desenvolvimento da personalidade de seus integrantes como o crescimento e formação da própria sociedade, justificando, com isso, a sua proteção pelo Estado.

Portanto as novas famílias procuraram construir uma história

em comum, buscando cada vez mais a felicidade pelo convívio e afeto, na qual se

funda na existência da comunhão afetiva cuja ausência implica na falência do

projeto de vida.

32

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 38.

33 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 39.

34 LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 02.

35 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Família apud Mônica Guazzelli Estrougo. O princípio da igualdade aplicado à família. p. 331.

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1.3 O DIREITO DE FAMÍLIA NO BRASIL

Os diplomas legislativos elaborados a partir do século XIX

dedicaram normas sobre a família, considerando que naquela época a sociedade

era eminentemente rural e patriarcal.

[...] a mulher exercia a função fundamental de cuidar dos afazeres domésticos, o marido por sua vez exercia o papel de chefe da família, em relação aos filhos submetiam-se à autoridade exclusiva do pai, não se distanciando muito da família romana36.

Somente a partir do século XX, paulatinamente o legislador foi

vencendo obstáculos e resistências, atribuindo aos filhos ilegítimos direitos e

tornando a mulher plenamente capaz, até o advento da CRFB/88, que não mais

distingue a origem da filiação, estabelecendo igualdade de direitos entre o homem e

mulher na direção da sociedade conjugal.

A batalha legislativa foi árdua, principalmente no tocante à emenda constitucional que aprovou o divórcio. O atual estágio legislativo teve que suplantar barreiras de natureza ideológica, sociológica, política, religiosa e econômica. 37

Nessa evolução social, mostrou-se necessária a mudança da

codificação existente, haja vista que novos temas estão hoje a desafiar o legislador,

esperando com isso respostas mais rápida do Direito, o que não ocorria no passado.

Desta maneira, a CRFB/88, consagrou a proteção à família no

seu artigo 226, compreendendo tanto a família fundada no casamento, como na

união de fato, a família natural e a família adotiva. De modo que há muito tempo, a

sociedade sentia necessidade do reconhecimento da família, independente do

casamento.

36

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 14.

37 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 28.

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1.4 NATUREZA JURÍDICA E CARACTERÍSTICAS

A presente matéria é tema polêmico e controvertido,

consistente em opiniões divergentes quanto ao Direito de Família pertencer ao ramo

do Direito Privado ou Público.

Contudo, a família constitui o alicerce mais sólido em que se

assenta toda a organização social, estando a merecer, por isso, a proteção especial

do Estado, como proclama a art. 22638 da Constituição da República Federativa do

Brasil.

Dispõe o artigo 226:

Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

Ainda dispõe Silvio Rodrigues39:

O interesse do Estado pela família faz com o que o ramo do direito que disciplina as relações jurídicas que se constituem dentro dela se situe mais perto do direito público que do direito privado. Dentro do direito de família o interesse do Estado é maior que o individual.

Em face disso, quase todas as normas de direito de família,

são de ordem pública, insuscetíveis, portanto de serem derrogadas pela convenção

entre particulares.

Acerca do tema observa Pontes de Miranda40: “[...] que a

grande maioria dos preceitos de direito de família é composta por normas cogentes,

sendo que só excepcionalmente, em matéria de regime de bens, deixa o Código

margem à autoridade da vontade".

Assim, as normas familiares são regras que não se sujeitam

exclusivamente à vontade das partes, são chamadas de normas de interesse e

ordem pública, assim a tendência em afirmar que o direito de família pende mais ao

38

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. p. 140.

39 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito da família.p. 12.

40 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito da família apud Francisco Pontes de Miranda, Tratado de direito de família. p. 12.

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ramo do direito público do que o direito privado, em razão de tutelar sempre as

entidades familiares do que os seus integrantes.

Neste diapasão, Maria Berenice Dias41, aduz:

O direito das famílias, por voltado à tutela da pessoa, é personalíssimo, adere indelevelmente à personalidade da pessoa em virtude de sua posição na família durante toda a vida. Em sua maioria, são direitos intransmissíveis, irrevogáveis, irrenunciáveis e indisponíveis. A imprescritibilidade também ronda ao direito das famílias.

Outra característica presente no direito de família é o seu

caráter personalíssimo, por estar voltado à tutelar das pessoas, sendo esses na

maioria das vezes, intransferíveis, intransmissíveis e irrenunciáveis.

Por fim, seu caráter formalista, “exigindo solenidades especiais

para a prática dos atos fundamentais como o casamento, o reconhecimento de filho

e a adoção”.42

1.5 PRINCÍPIOS DE DIREITO DE FAMÍLIA

Após o advento da CRFB/88, é no ramo do direito de família

que mais se sente o reflexo dos princípios eleitos pela carta constitucional, que

consagrou como fundamentais valores sociais dominantes.

Assim, “os princípios constitucionais dispõem de primazia

diante da lei, sendo a primeira regra a ser invocada em qualquer processo

hermenêutico”. 43

Desta feita, as alterações introduzidas visam preservar a

coesão familiar e os valores culturais, conferindo-se à família moderna um

tratamento diferenciado que atenda às necessidades da prole, da afeição entre os

41

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias apud Sílvio Venosa, Direito civil. p. 28.

42 WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p.6.

43 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de famílias. p. 56.

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cônjuges ou companheiros e aos elevados interesses da sociedade, regendo-se o

novo direito pelos seguintes princípios a seguir.

1.5.1 Princípio da dignidade da pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa humana, por estar ligado

intimamente ao direito de família, deve assegurar proteção especial às várias formas

de filiação e aos vários tipos de entidades familiares, preservando e desenvolvendo

as qualidades mais relevantes entre os familiares, buscando sempre o afeto, o

carinho, a solidariedade, a união, o respeito, o amor, e a vida em comum.

Nesta senda Maria Berenice Dias44 dispõe:

É o princípio maior, fundante do Estado Democrático de Direito, sendo afirmado já no primeiro artigo da Constituição Federal. A preocupação com a promoção dos direitos humanos e da justiça social levou o constituinte a consagrar a dignidade da pessoa humana como valor nuclear da ordem constitucional.

Portanto sendo proclamado pela CRFB/88 em seu artigo 1º III,

como o principio fundamental do Estado Democrático de Direito e da ordem jurídica.

Estabelece a CRFB/8845:

Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Ferderal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana.

Nesse sentido ensina Paulo Lôbo46:

A dignidade da pessoa humana é o núcleo existencial que é essencialmente comum a todas as pessoas humanas, como membros iguais do gênero humano, impondo-se um dever geral de respeito, proteção e intocabilidade.

44

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de famílias. p. 59.

45 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. p. 21.

46 LÔBO, Paulo. Famílias. p. 37.

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Diante de tal citação, pode-se dizer que o princípio da

dignidade da pessoa humana, é o princípio universal, sendo este considerado como

a célula principal da qual se irradiam todos os demais.

Seguindo esse pensamento, Maria Berenice Dias47 aduz:

[...] representa o epicentro axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos estatais, mas toda a miríade de relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade.

Ao tema em questão, Maria Berenice Dias48 destaca que:”o

direito de família está umbilicalmente ligado aos direitos humanos, que têm por base

o princípio da dignidade da pessoa humana, versão axiológica da natureza humana”.

Destarte, a dignidade da pessoa humana, encontra na família,

a base fundamental para prosperar, tendo assegurado na Constituição, especial

proteção, independente de sua origem.

Desse modo, o princípio da dignidade da pessoa humana,

constitui base da comunidade familiar, seja esta constitui pelo vinculo biológico ou

socioafetivo, garantindo o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus

membros, principalmente da criança e do adolescente.

1.5.2 Princípio da liberdade

A liberdade e a igualdade foram os primeiro princípios

reconhecidos como direitos humanos fundamentais, sendo este princípio da primeira

geração garantindo assim o respeito à dignidade da pessoa humana.

Segundo os dizeres de Maria Berenice Dias49: “a Constituição,

ao instaurar o regime democrático, revelou grande preocupação em banir

discriminações de qualquer ordem, deferindo à igualdade e à liberdade especial

atenção”.

47

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de famílias apud Daniel Sarmento, A ponderação de interesses..., p. 52.

48 DIAS Maria Berenice. Manual de Direito de famílias apud Sérgio Resende de Barros, Direitos humanos: paradoxo da civilização, p. 53.

49 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 53.

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Dispondo sobre o tema Maria Helena Diniz50 continua:

Princípio da liberdade, fundado, como observa Paulo Luiz Netto Lobo, no livre poder de constituir uma comunhão da vida familiar por meio de casamento ou união estável, sem qualquer imposição ou restrição de pessoa jurídica de direito público ou privado.

Ainda sobre o tema, Paulo Lôbo51 ensina: “o princípio da

liberdade diz respeito ao livre poder de escolha ou autônoma de constituição,

realização e extinção da entidade familiar, sem imposição ou restrições externas”[...].

Tem-se assim que, o princípio da liberdade, abrange o livre

arbítrio, dando à pessoa a possibilidade de escolha, seja está em relação à decisão

livre do casal, na escolha do casamento ou da união estável, no planejamento

familiar, ao tipo de regime de casamento, dentre outros elencados tanto CRFB/88

como no CC.

Assim, os princípios de igualdade e liberdade do âmbito familiar

são consagrados em sede constitucional, prevalecendo o princípio da isonomia de

tratamento jurídico, entre o marido e a mulher no que diz respeito ao papel que

desempenham na chefia da sociedade conjugal.

Contudo, no tocante ao princípio da liberdade, no que se refere

o dever de promover à manutenção da família deixou de ser apenas um encargo do

marido, incumbindo também à mulher, de acordo com a possibilidade de cada um.

1.5.3 Princípios da solidariedade familiar

Solidariedade é o que cada um deve ao outro. Esse princípio,

que tem origem nos vínculos afetivos, dispõe de conteúdo ético, pois contém em

suas entranhas o próprio significado da expressão solidariedade, que compreende a

fraternidade e a reciprocidade.

O princípio da solidariedade tem assento constitucional, tanto

que seu preâmbulo assegura uma sociedade fraterna. A lei civil consagra o princípio

50

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 22 ed.São Paulo: Saraiva, 2007. v. 5º. p. 23.

51 LÔBO, Paulo. Famílias. p. 42

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da solidariedade ao dispor que o casamento estabelece plena comunhão de vidas

(CC 1.511). Igualmente a obrigação alimentar dispõe deste conteúdo (CC 1.694).

Seguindo este pensamento, importante a leitura dos artigos do

Código Civil52:

Art. 1.511 – O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos conjugues.

Art. 1.694 – Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

Acerca do princípio da solidariedade familiar, Paulo Lôbo53

relata:

O princípio da solidariedade resulta da superação do individualismo jurídico, que por sua vez é a superação do modo de pensar e viver a sociedade a partir do predomínio dos interesses individuais, que marcou os primeiros séculos da modernidade, com reflexos até a atualidade.

Seguindo este pensamento, importante a leitura do I do art. 3º54

da Constituição, por ser a regra central do principio ora estudado:

Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - constituir uma sociedade livre, justa e solidária.

Acerca do principio da solidariedade, Paulo Bonavides55relata:

O principio da solidariedade serve como oxigênio da Constituição – não apenas dela, dizemos, pois, a partir dela se espraia por todo ordenamento jurídico -, conferindo unidade de sentido e auferindo a valoração da ordem normativa constitucional.

52

CAHALI, Yussef Said (Org.). Mini código.p. 426 - 452.

53 LÔBO, Paulo. Famílias. p. 40.

54 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. p. 21.

55 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 259, apud Paulo Lobo.

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Concernente ao princípio, Paulo Lôbo56, leciona: “a

solidariedade do núcleo familiar deve entender-se como solidariedade recíproca dos

cônjuges e companheiros, principalmente quanto à assistência moral e material”.

Oportuno destacar alguns artigos do CC57, relacionado ao

principio da solidariedade familiar:

Art. 1.513 – É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família.

Art. 1.566 - São deveres de ambos os cônjuges:

[...]

III – mútua assistência.

Art. 1.567 – A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos.

Aproveita-se a lei da solidariedade no âmbito das relações

familiares. Ao gerar deveres recíprocos ente os integrantes do grupo familiar,

fazendo com que os integrantes, sempre tenham a obrigação de auxiliar as pessoas

do grupo familiar.

1.5.4 Princípios da igualdade jurídica de todos os filhos

Este princípio consubstancia com o artigo 227 § 6ª da

CRFB/88, que estabelece absoluta igualdade entre todos os filhos, não admitindo

mais a retrógrada distinção entre filiação legítima ou ilegítima.

Destaca-se a leitura do art. 227, § 6ª, da CRFB58:

Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de

56

LÔBO, Paulo. Famílias. p. 41.

57 CAHALI, Yussef Said (Org.). Mini código. p. 426, 434, 435.

58 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. p. 141.

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negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

[...]

§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Acerca do princípio da igualdade de tratamento entre os filhos,

Roberto Lisboa59: afirma que “a Constituição Federal de 1988 estabeleceu a

isonomia plena tratamento, devendo-se conferir aos filhos havidos e não havidos do

casamento os mesmos direitos e garantias.

Com isso, aos filhos devem ser conferidos os meios de

preservação e desenvolvimento dos seus direitos fundamentais básicos, os direitos

da personalidade, entre os quais cabe mencionar: o direito à vida, o direito à

integridade física e psíquica, o direito aos alimentos naturais e civis (vestuário,

educação, cultura, lazer esporte etc.), o direito à liberdade, o direito á convivência

familiar e comunitária, o direito à identidade, o direito às criações intelectuais e o

direito à honra.

Dispondo sobre o tema, Carlos Roberto Gonçalves60 continua:

[...] não admite distinção entre os filhos legítimos, naturais e adotivos, quanto ao nome, poder familiar, alimentos e sucessão; permite o reconhecimento, a qualquer tempo, de filhos havidos fora do casamento; proíbe que conste no assento do nascimento qualquer referencia à filiação ilegítima, e veda designações discriminatórias relativas à filiação.

Portanto, no tocante a igualdade entre os filhos, cabe salientar

que em nosso ordenamento jurídico não se pode lograr a figura da discriminação

entre os filhos, nascido ou não na constância do casamento.

59

LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: direito de família e das sucessões. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. v. 5. p. 309.

60 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 8.

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1.5.5 Princípio Jurídico da afetividade

No decorrente dos tempos, ocorreram grandes transformações,

em relação ao conceito de família. Antes do advento da CRFB/88, o conceito de

família, fica restrito ao matrimonio, ou seja, o Estado só reconhecia a família,

fundada no vinculo do casamento, assegurando a esta sua proteção.

A CRFB/88 ampliou a definição de família, alude sobre o

reconhecimento da família não constituída pelo laço do matrimônio, mas também

aquela decorrente da união estável e a monoparental, e também aquela constituída

nos laços de afeto e de solidariedade.

Concernente ao princípio da afetividade, Paulo Lôbo61, leciona:

[...] é o principio que fundamenta o direito de família na estabilidade das relações

socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia sobre as considerações de

caráter patrimonial ou biológico.

Dispondo sobre o tema, Maria Berenice Dias62:

Ao serem reconhecidas como entidade familiar merecedora da tutela jurídica as uniões estáveis, que se constituem sem o selo do casamento, tal significa que o afeto, que une e enlaça duas pessoas, adquiriu reconhecimento e inserção no sistema jurídico.

Desta maneira, a família recuperou a função de grupo unido

pelos laços afetivos, em sua comunhão de vida. Tal principio jurídico faz despontar a

igualdade e respeito entre os todos os membros da entidade familiar.

Embora o princípio da afetividade seja implícito na

Constituição, este encontra fundamentos essenciais nos artigos 22663, § 4º e 227, §

5º e 6º.

Art. 226 – A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

61

LOBO, Paulo. Famílias. p. 47.

62 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito da famílias. p. 60.

63 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. p.140,141.

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[...]

§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, violência, crueldade e opressão.

§ 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá sobre casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.

§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Muito embora o Código Civil não utilize a categoria afeto, em

alguns de seus dispositivos, de forma explicita, esse é merecedor da tutela do

Estado.

Todavia, o termo laço de afetividade serve de elemento

indicativo para definição de guarda do filho, quando da separação dos pais, como

versa o art. 1.58464, parágrafo único do CC.

Disciplina o artigo 1.584 do Código Civil:

Art. 1.584 – Decretada a separação judicial ou divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la.

Parágrafo único. Verificando que os filhos não devem permanecer sob a aguarda do pai ou mãe, o juiz deferirá a sua guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, de preferência levando em conta o grau de parentesco e relação de afinidade e afetividade, de acordo com o disposto na lei específica.

Segundo o que disciplina o CC e CRFB/88, o princípio da

afetividade, está ligado com o bom relacionamento familiar, com o vínculo do amor,

e do companheirismo para com os todos os membros familiares.

64

CAHALI, Yussef Said (Org). Mini código. p. 438.

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Desta forma, deixou o Estado de se preocupar de que forma a

entidade familiar é composta ou constituída, ou seja, não importando muito, se esta

é matrimonializada ou não, ou ainda, se é composta somente por um dos pais e sua

prole.

Pois a tutela jurisdicional com o advento da CRFB/88

assegurou a proteção de forma igualitária a todas as entidades familiares e a todos

os tipos de filhos, banindo do ordenamento jurídico, quaisquer formas de

discriminação.

Acerca do princípio da afetividade, Maia Berenice Dias65

ensina: “o afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam

da convivência familiar, não do sangue”.

Seguindo esse pensamento, Paulo Lôbo66 assevera:

[...] assim, a afetividade é dever imposto aos pais em relação aos filhos e destes em relação àqueles, ainda que haja desamor ou desafeição entre eles. O princípio jurídico da afetividade entre pais e filhos apenas deixa de incidir com o falecimento de um dos sujeitos ou se perda do poder familiar.

Portanto, o princípio da afetividade jurídica, faz despontar uma

modalidade de filiação, qual seja a posse do estado de filho, que tem seu

reconhecimento jurídico no afeto.

No tocante a posse de estado de filho, esta surgiu devido às

transformações ocorridas nas famílias, na medida em que se acentuam as relações

mais igualitárias, tendo como elemento essencial o amor, o afeto e respeito mútuo.

Seguindo esta linha de raciocínio, Maria Berenice Dias67, aduz:

Assim, a posse do estado de filho nada mais é do que o reconhecimento jurídico de afeto, com o claro objetivo de garantir a felicidade, como um direito a ser alcançado. O afeto não é somente

65

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias apud Paulo Luiz Netto.Código civil comentado. p. 56.

66 LÕBO, Paulo. Famílias. p. 48.

67 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. p. 60-61.

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um laço que envolve os integrantes de uma família. Igualmente tem um viés externo, ente as famílias, pondo humanidade em cada família, compondo, no dizer de Sérgio Resende de Barros, a família humana universal, cujo lar é a aldeia global, cuja a base é o globo terrestre, mas cuja origem sempre será, como sempre foi a família.

Ainda, Paulo Lôbo68, dispõe:

A família atual é tecida na complexidade das relações afetivas, que o ser humano constrói entre a liberdade e o desejo. A família, tendo desaparecido suas funções tradicionais, no mundo do ter liberal burguês, reencontrou-se no fundamento da afetividade, na comunhão de afeto, pouco importando o modelo que adote, inclusive que se constitui ente um pai ou mãe e seus filhos.

Desta maneira, “a família transforma-se na medida em que se

acentuam as relações de sentimentos entre seus membros: valorizam-se as funções

afetivas da família” 69.

Assim, a doutrina jurídica tem novos olhares, na esteira dessa

evolução, vislumbrando a aplicação do princípio da afetividade jurídica, em várias

situações do direito de família brasileiro.

Relativo ao tema cita-se exemplos de Paulo Lôbo70, nas

dimensões: “a) da solidariedade e da cooperação; b) da funcionalização da família

para o desenvolvimento da personalidade de seus membros;c) da primazia do

estado de filiação, independentemente da origem biológica ou não biológica”.

Em suma, o princípio norteador do direito das famílias é o

princípio da afetividade; pois é o elemento de conexão que mantém as pessoas

unidas nas relações familiares.

Elemento este que, deu surgimento a uma nova modalidade de

paternidade, a qual será o foco do trabalho de conclusão do curso, no decorrer da

pesquisa acadêmica.

68

LÕBO, Paulo. Famílias. p. 49.

69 OLIVEIRA, José C. de; MUNIZ, Francisco José F. in DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 11.

70 LÕBO, Paulo. Famílias. p. 51-52.

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1.6 DIREITO DE FAMÍLIA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO

BRASIL DE 1988 E NO CÓDIGO CIVIL DE 2002

O Código Civil de 1916 e as leis posteriores, vigentes no século

passado, regulavam a família constituída unicamente pelo casamento, de modelo

patriarcal e hierarquizada. Ao passo que o moderno enfoque tem indicado novos

elementos que compõem as relações familiares, destacando-se os vínculos afetivos

que norteiam a sua formação. Nessa linha, a família socioafetiva vem sendo

priorizada em nossa doutrina e jurisprudência71.

A CRFB/88 absorveu essa transformação e adotou uma nova

ordem de valores, privilegiando a dignidade da pessoa humana, realizando

verdadeira revolução no Direito Família.72

Assim, a partir de 1988, a legislação não protege apenas a

família tradicional. Novas estruturas familiares encontram guarda no texto

constitucional e nas codificações que o precedeu.

Nessa tônica Carlos Roberto Gonçalves73aponta:

A nova Carta abriu ainda outros horizontes ao instituto jurídico da família, dedicando especial atenção ao planejamento familiar e à assistência direita à família. No tocante ao planejamento familiar, o constituinte enfrentou o problema da limitação da natalidade, fundando-se nos princípios da dignidade humana e da paternidade responsável, proclamando competir ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito. .

A CRFB/88 garantiu a tutela jurisdicional do Estado, estendo

sua assistência às entidades familiares, independente de suas peculiaridades em

sua formação.

Assim, assegurou a assistência para as famílias formadas

apenas por irmãos, pais separados, tios que tenham a guarda dos sobrinhos ou

ainda àqueles formados no vínculo do afeto, denominadas famílias socioafetivas, e

71

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p. 16.

72 PEREIRA, Rodrigo da Cunha apud Maria Berenice Dias. Direito de família e o novo Código Civil. Prefácio. p. 17.

73 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito da família. p. 17.

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outras que possam a vir a surgir na constante metamorfose social que vivemos em

nossa contemporaneidade.

Quanto à assistência direta à família, a CRFB74 estabeleceu no

art. 226, § 8º:

Art. 226 – A família, base da sociedade, em especial proteção do Estado.

[...]

§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações75.

Desta maneira, todas as mudanças sociais havidas na segunda

metade do século passado e o advento da CRFB/88, com as inovações

mencionadas, levaram à aprovação do Código Civil de 2002, com a convocação dos

pais a uma paternidade responsável e a assunção de uma realidade familiar

concreta, onde os vínculos de afeto se sobrepõem à verdade biológica.

Maria Berenice Dias76, acerca de tais alterações se posiciona:

[...] “foram sepultados todos aqueles dispositivos que já eram letra morta e que

retratavam ranços e preconceitos discriminatórios. Assim as referências

desigualitárias entre o homem e a mulher, as adjetivações da filiação, o regime dotal

etc”.

Ainda com exemplos aponta: [...] “corrigiu alguns equívocos e

incorporou orientações pacificadas pela jurisprudência, como não mais determinar

complusoriamente a exclusão do sobrenome do marido do nome da mulher”.

Neste enquadramento de pensamentos, Arnoldo Wald77,

menciona as principais inovações ou modificações:

74

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. p. 140.

75 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito da família. p. 17

76 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito da famílias. p. 30.

77 WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p. 29-30.

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a) As normas sobre o registro civil do casamento religioso, de conformidade com o que dispõe a Constituição, com os corolários indispensáveis para se pôr termo aos abusos que ora se praticam.

[...]

b) Revisão dos preceitos pertinentes à contestação, pelo marido, da legitimidade do filho nascido de sua mulher, ajustando-os à jurisprudência dominante.

Nesta senda Carlos Roberto Gonçalves78, aponta outras

inovações ou modificações:

O novo diploma amplia ainda, o conceito de família, com a regulamentação da união estável como entidade familiar; revê os preceitos pertinentes á contestação, pelo marido, da legitimidade do filho nascido de sua mulher, ajustando-se à jurisprudência dominante, reafirmado a igualdade entre os filhos em direitos e qualificações, como consignado na Constituição Federal; introduz nova disciplina do instituto da adoção, regula a dissolução da sociedade conjugal, revogando tacitamente as normas de caráter material da Lei do Divórcio mantidas, porém, as procedimentais.

Destarte, as inovações mencionadas dão uma visão

panorâmica das profundas modificações introduzidas no direito de família.

Importante mencionar, a lição de Carlos Roberto Gonçalves79;

acerca das alterações:

Frise-se, por fim, que as alterações pertinentes ao direito de família, advindas da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002, demonstram e ressaltam a função social da família no direito brasileiro, a partir especialmente da proclamação da igualdade absoluta dos cônjuges e dos filhos;

[...] da obrigação imposta a ambos os cônjuges, separados judicialmente, de contribuírem, na proporção de seus recursos, para a manutenção dos filhos etc.

No tocante, a questão da afetividade e do convívio, o referido

Código, não faz menção de forma explicita, em alguns de seus dispositivos, muito

embora seja merecedora da tutela jurisdicional.

78

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito da família. p. 18.

79 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito da família. p. 19.

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Acerca do mencionado, estatui do CC o art. 1.58480, parágrafo

único:

Art. 1.584 – Decretada a separação judicial ou divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la.

Parágrafo único. Verificando que os filhos não devem permanecer sob a aguarda do pai ou mãe, o juiz deferirá a sua guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, de preferência levando em conta o grau de parentesco e relação de afinidade e afetividade, de acordo com o disposto na lei específica.

Todavia, a categoria afeto, é o pilar essencial e indispensável,

quando se quer construir uma entidade familiar, fundada nos laços de afeto, e do

amor, mesmo que está não tenha o selo do instituto jurídico do casamento.

Nesta direção, o referido capítulo foi observado o instituto

direito de família, como seus aspectos históricos, natureza jurídica e características.

Também discorrido a respeito de alguns princípios de direito de família, bem como

uma visão panorâmica do direito de família na CRFB/88 e no CC/2002. O capítulo

seguinte irá tratar o tema: paternidade e filiação, reconhecimento da filiação.

80

CAHALI, Yussef Said (org.). Mini código. p. 438.

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CAPÍTULO 2

FILIAÇÃO E PATERNIDADE

Dedica-se o segundo capítulo à filiação e à paternidade, sendo

composto por sete subtítulos. Porém, acerca da filiação é importante destacar que,

existem duas espécies, as quais são biológica ou civil. Sendo que, a filiação

biológica ou natural, é aquela estabelecida pelo vínculo consangüíneo, e com

relação à segunda, está pode ser constituída pela adoção, pelo vínculo sócioafetivo

e de forma registral. Em seguida dedica-se as espécies de paternidade, fazendo

menção à paternidade socioafetiva, a qual é o foco principal da pesquisa científica.

Posteriormente fazendo uma abordagem acerca do reconhecimento da filiação.

2.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

A categoria filiação é a relação de parentesco que se

estabelece entre duas pessoas, uma das quais nascidas da outra.

Contudo, a filiação pode ser compreendida, de maneira mais

ampla por diversos outros meios como, por exemplo, a filiação adotiva, a por

inseminação artificial, fertilização em vidro, bem como sob o aspecto sócio-afetivo.

Porém, como já vimos anteriormente, nem sempre a filiação decorre de laços

consangüíneos entre pai e filho, que seria a paternidade biológica.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves81, filiação é a relação de

parentesco consangüíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa

aquelas que a geraram, ou a receberam como se a tivessem gerado.

Concernente a filiação, Maria Helena Diniz 82, leciona:

81

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil: direito da família. p. 297.

82 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. p. 420.

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Filiação é o vínculo existente entre pais e filhos; vem a ser a relação de parentesco consangüíneo em linha reta de primeiro grau entre uma pessoa e aqueles que lhe deram a vida, podendo, ainda ser uma relação socioafetiva entre o pai adotivo e institucional e filho adotado ou advindo de inseminação artificial heteróloga.

Sílvio de Salvo Venosa83 assim conceitua filiação:

A filiação é, destarte, o status familiae, tal como concebido pelo antigo direito. Todas as ações que visam seu reconhecimento, modificação ou negação, são, portanto, ações de estado. O termo filiação exprime a relação entre o filho e seus pais, aqueles que o geraram ou o adotaram. A adoção, sob novas vestes e para finalidades diversas, volta a ganhar a importância social que teve no Direito Romano.

Sob o ponto de vista do direito brasileiro, a filiação pode ser

biológica ou não. Com relação à filiação biológica deriva da consangüinidade, já não

biológica, resulta da convivência familiar e da afetividade, sendo considerada para o

direito um fenômeno socioafetivo.

Com o advento da CRFB/88, buscou-se um termo único para

filiação, não se admitindo adjetivações ou discriminações, não havendo mais filiação

legítima, ilegítima, natural, adotiva ou adulterina.

Assim, a CRFB/88 em seu artigo 227, § 6º, estabeleceu

absoluta igualdade entre os filhos.

Estabelece o disposto legal no § 6º do art. 22784:

Art. 227 – [...]

§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Contudo, após um lapso temporal entre a CRFB/88 e o

CC/2002, vieram algumas leis que amenizaram as lacunas existentes nos códigos e

leis anteriores. Somente com a entrada em vigor do CC/2002, é que a filiação se

solidificou na seara do direito, embasada no texto constitucional.

83

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 212.

84 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. p.72.

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Importante aqui a posição de Washington de Barros Monteiro85:

Somente com o Código Civil de 2002 foi devidamente acatadao o princípio constitucional da absoluta isonomia entre os filhos. Nenhuma qualificação discriminatória é utilizada no novo diploma civil. Finalmente os filhos, oriundos ou não do casamento, são tratados de maneira igual.

Porém atualmente, todos são apenas filhos, sejam estes

havidos fora do casamento ou na sua constância, mas todos são iguais em direitos e

qualificações.

Nesta linha de pensamento, colhem-se os ensinamentos de

Carlos Roberto Gonçalves:86

O princípio da igualdade dos filhos é retirado no art. 1.596 do Código Civil, que enfatiza: “Os filhos havidos o não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Acerca da nomenclatura paternidade, esta pode ser

compreendida como, uma figura jurídica que vem sendo alterada ao longo dos anos,

através dos grandes avanços tecnológicos e científicos, sendo que o exame de DNA

nos trouxe uma nova espécie de verdade sobre a paternidade, ou seja, a verdade

real, sem a necessidade do formalismo processual.

Décadas atrás, ser pai era algo natural, ou seja, era apenas um

fato, deixando de ser um ato, em outras palavras, o aspecto afetivo da paternidade

era de pouca importância, sendo que os filhos na maioria das vezes nasciam e eram

criados somente com a finalidade de ajudarem seus pais nos trabalhos.

Atualmente, com a promulgação da CRFB/88, a paternidade

vem sendo analisada, sob o ponto de vista de que não é somente um ato, não

podendo ser estabelecida por simples presunção ou pela descendência genética,

mais sim vem sendo construída ao longo dos anos, com dedicação, atenção, zelo,

resguardando o princípio da dignidade da pessoa humana e os interesses da

85

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de família.De acordo com o novo código civil (Lei n. 10.406, de 10.01.2002) ver. atul. 38. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 305.

86 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. p.273.

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criança. Assim, a CRFB/88 consagrou como fundamento o direito da convivência

familiar, adotando a proteção integral.

Concernente a paternidade, Maria Berenice Dias87, assevera:

“a paternidade não é só um ato físico, mas, principalmente, um fato de opção,

extrapolando os aspectos meramente biológicos, ou presumidamente biológicos,

para adentrar com força e veemência na área afetiva”.

Maria Berenice Dias88 completa:

[...] os avanços científicos de manipulação genética popularizam a utilização de métodos reprodutivos, como a fecundação assistida homóloga e heteróloga, a comercialização de óvulos ou espermatozóides, a locação de útero e isso sem ainda em clonagem. Todos esses avanços ocasionaram uma reviravolta nos vínculos de filiação.

Ainda, “todas essas mudanças refletem-se na identificação dos

vínculos de parentalidade, levando ao surgimento de novos conceitos e de uma

nova linguagem que melhor trata a realidade atual: filiação social, filiação

socioafetiva, estado de filho afetivo etc.”

Ser pai ou mãe, não significa apenas ser a pessoa que gerou

ou que tem vínculo genéticos com a criança. É antes de tudo, a pessoa que cria, que

ampara, que dá amor, educa, isto é, a pessoa que realmente exerce as funções de

pai ou mãe, atendendo ao melhor interesse da criança.

Por essa razão, a paternidade sócio-afetiva, que é objeto de

estudo desta monografia, vem ocupando espaço no mundo jurídico, e na maioria

das vezes, se sobrepõe à paternidade biológica.

2.2 ESPÉCIES DE PATERNIDADE

Inicialmente e para fins de entendimento, é necessário não se

confundir parentesco com a família, embora as relações de parentesco sempre

87

DIAS, Maria Berenice, apud Julie Cristine Delenski, O novo direito de filiação. p. 297.

88 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de família. p. 295.

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sejam identificadas como vínculos decorrentes da consangüinidade, ligando assim

as pessoas a determinado grupo familiar.

Oportuno os dizeres de Maria Berenice Dias89: “não existe

coincidência entre o conceito de família e o de parentesco, uma vez que, na idéia da

família, está contido o parentesco mais importante: a filiação”.

Para uma melhor compreensão, acerca do tema faz-se

necessário conceituar a categoria parentesco.

Acerca da categoria Venosa90, dispõe: “o parentesco é o

vínculo que une duas ou mais pessoas, em decorrência de uma delas descender da

outra ou de ambas procederem de um genitor comum.

Neste sentido Maria Helena Diniz,91 conceitua:

Parentesco é a relação vinculatória existente não só entre pessoas que descendem umas das outras ou de um mesmo tronco comum, mas também entre um cônjuge ou companheiro e os parentes de outro, entre adotante e adotado e entre pai institucional e filho sociafetivo.

Importante também é o pensamento de Maria Berenice Dias92,

no que tange ao instituto do parentesco: “além de um vínculo natural, o parentesco

também é um vínculo jurídico estabelecido por lei, que assegura direitos e impõe

deveres recíprocos”.

Desta maneira, como os vínculos familiares dispõem de

diversas origens, o parentesco pode ser natural ou civil.

Dispondo sobre o tema, Maria Berenice Dias93, continua: “o

parentesco admite variadas classificações e decorre das relações conjugais, de

companheirismo e filiação, podendo ser natural, biológico ou consangüíneo, civil,

adotivo, por afinidade, em linha reta ou colateral, maternal ou paternal”.

89

DIAS, Maria Berenice apud Paulo Luiz Netto Lobo, Código civil comentado. p. 26.

90 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 210.

91 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. p. 409.

92 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de família. p. 286.

93 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de família. p. 286.

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2.2.1 Paternidade biológica

No que se refere à paternidade, antes de qualquer coisa

imperioso reconhecer que esses dados integram o complexo subjetivo formador da

personalidade do indivíduo razão pela qual se revela de máxima importância a justa

aplicação e interpretação das normas que disciplinam a matéria.

Contudo, “a forma de maior prevalência de paternidade, desde

as origens das relações de parentesco, é biológica, como aquela em que o vínculo

da filiação é estabelecido pela consangüinidade”. 94

Portanto, a paternidade biológica ou consangüínea refere-se ao

laço genético que liga a prole aos genitores, aferível através da tipagem do exame

de DNA.

Nessa linha, assevera Maria Berenice Dias95:

Parentes consangüíneos são as pessoas que têm entre si um vínculo biológico. Assim, são parentes as pessoas que descendem uma das outras, ou têm um ascendente comum. O estabelecimento dos elos de parentesco sempre tem origem em um ascendente: pessoa que dá origem a outra pessoa. Descendentes são os parentes que se originam a partir da filiação. Os vínculos de ascendência e descendência natural têm origem biológica.

Acerca do parentesco biológico Maria Helena Diniz96 aduz:

Natural ou consangüíneo, que é o vinculo entre pessoas descentes de um mesmo tronco ancestral, portando ligadas, umas às outras, pelo mesmo sangue. P. ex: pai e filho, dois irmãos, dois primos etc. O parentesco por consangüinidade existe tanto na linha reta como na colateral. Será matrimonial se oriundo de casamento, e extramatrimonial se proveniente se união estável [...] O parentesco natural pode ser, ainda duplo ou simples, conforme derive dos dois genitores ou somente de um deles. Sob esse prisma, são irmãos germanos os nascidos dos mesmos pais, e unilaterais os que são de um só deles.

94

QUEIROZ, Juliane Fernandes. Paternidade: aspectos jurídicos e técnicas de inseminação artificial. Belo Horizonte : Del Rey, 2001. p. 46.

95 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de família. p. 287.

96 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 410.

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Entretanto, antes do advento da CRFB/88, a família era

basicamente patriarcal, existindo apenas a presunção pater is est, que consistia em

se atribuir a paternidade de um filho concebido pela mulher na constância do

casamento ao marido dela. Porém, esta nem sempre coincidia com a verdade real,

ou seja, aquele filho nascido poderia não ser filho do cônjuge da mulher que deu a

luz.

Dispondo sobre o tema, Luiz Edson Fachin97:

A verdade biológica era, portanto, uma verdade proibida. Filho era somente o filho no sentido jurídico. A descendência genética podia (e deveria) coincidir com a concepção do direito; caso contrário, ao banimento do sistema se empurravam os filhos que não se submetiam aos estritos limites da lei.

Nesse sentido, menciona Luiz Edson Fachin98:

A presunção comporta duas fases que entre si se completam: uma, a que gera um vínculo de filiação para aquele que contraiu matrimônio, e que impõe aos pais deveres, como é o de educação e sustento; outra, a que se mostra no plano dos direitos (direitos em que se desdobra o poder paternal) e que impõe, até certo ponto em que os fundamentos da regra se mantenham, o respeito de terceiros.

Assim, pode-se dizer que, nem mesmo a verdade biológica

tinha primordial importância na atribuição da paternidade, porque o direito

estabelecia uma série de presunções, que leva à chamada paternidade jurídica,

derivada do direito romano e consistente em “ter como pai o marido da mulher que

deu à luz o filho: pater is est, quem justae nuptiae demonstrant”.99

Desta maneira, a presunção era a única forma de determinar a

paternidade. Porém, após um lapso temporal, mais especificamente nas últimas

décadas do século XX surgiu uma ciência denominada, Bioética, que estuda as

questões ligadas à vida dentro dos valores éticos, e sem dúvida foi responsável pelo

avanço da ciência médica, no campo da genética.

97

FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade. p. 20.

98 FACHIN, Luiz Edson. Estabelecimento de filiação e paternidade presumida. Porto Alegre:Fabris, 1992. p. 27,28.

99 RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil. Atualizada por Paulo Roberto Benasse. v. 2. 1. ed. Campinas: Bookseller, 1999. p. 267.

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38

Contudo, na década de 80 foi descoberto o mais importante e

revolucionário de todos os sistemas para se determinar a paternidade ou

maternidade de um filho a alguém, que foi o DNA, o qual estabelece com precisão

quase absoluta, a origem genética de um individuo, atribuindo assim, ao seu genitor

a responsabilidade sobre a paternidade.

Assim pode-se dizer que a tecnologia científica derrubou a

verdade jurídica como forma de estabelecimento de paternidade, permitindo que os

verdadeiros genitores fossem revelados através de um laudo de DNA.

Haja vista que “a presunção na legislação civil é relativa, ou

seja, admite prova em contrário, em favor da verdade biológica reconhecida pelo

direito brasileiro”. 100

Destarte, de certo modo que o avanço da ciência e da

tecnologia genética nas últimas décadas, inovaram questão da determinação real da

paternidade, pois tudo aquilo que antes era solucionado com base em aparências,

passou a ser diagnosticado e solucionado com uma pequena margem de erro.

2.2.2 Paternidade adotiva

Antes de tratar especificamente sobre o tema paternidade

adotiva, é pertinente termos clareza do que trata o instituto da adoção.

Tal instituto foi regulamentado no Brasil, através do Decreto n.

1890 (Estatuto do Casamento).

Acerca da categoria adoção Sílvio de Salvo Venosa101, aduz:

A adoção é um ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consangüíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que lhe é geralmente estranha.

100

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 409.

101 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 312.

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Sendo assim, a adoção é um vínculo criado, muito semelhante

a filiação, o que difere dela é o laço de consangüinidade, vez que trata-se uma

filiação artificial, entre o adotante e adotado.

Contudo, pode-se dizer que a paternidade adotiva cria um

vínculo de parentesco civil entre o adotante e o adotado. Ficando estabelecida a

filiação definitiva e irrevogável para todos os efeitos legais, haja vista que o adotado

se desliga completamente de todos os vínculos com a sua família biológica.

Estabelecendo assim, verdadeiros laços de parentesco com a

família que o adotou, conforme estipula o artigo 1.626 do Código Civil102:

Art. 1.626 – A adoção atribui a situação de filho ao adotado, desligando-o de qualquer vínculo com os pais e parentes consangüíneos salvo quanto aos impedimentos para o casamento.

Assim, tanto nos casos de adoção e inseminação artificial

heteróloga, cortam-se integralmente os laços correspondentes a paternidade

biológica, ou seja, o passado biológico de uma determinada pessoa, sendo a

presunção da paternidade absoluta, não podendo haver qualquer relação jurídica

com o genitor biológico.

Neste sentido, menciona José Lamartine Corrêa Oliveira103, no

que tange a paternidade adotiva: “a paternidade adotiva não repousa em qualquer

dado de natureza biológica, mas sim em dados psicológicos e sociais”.

Desta maneira a adoção dá nascimento a uma relação de

parentesco, e tem por objetivo principal dar filhos aqueles que a natureza negou,

preservar a continuidade da família, não podendo nos esquecer também da

finalidade assistencial.

Ressalta-se, por derradeiro que o vínculo biológico nunca

poderá se sobrepor à relação existente entre um filho e um pai, e que os verdadeiros

pais são aqueles que amam e dedicam sua vida a uma criança.

102

CAHALI, Yussef Said (org.). Mini código civil. p. 443.

103 OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de e MUNIZ, Francisco José Ferreira. Curso de direito de família. 4. ed. atual. Curitiba: Juruá, 2001. p.40.

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2.2.3 Paternidade registratória

Como exemplo clássico de paternidade registratória é o caso

em que o marido registra como seu filho de outrem, tendo convicção de que o filho é

seu, pois é ele o marido da esposa que gerou o filho. Posteriormente este homem

descobre que sua esposa foi infiel, e que ele é apenas o pai que registrou a criança.

Nesta senda Maria Berenice Dias104, dispõe:

Com o registro de nascimento constitui-se a parentalidade registral, que goza de presunção de veracidade e publicidade (CC1.603). O registro faz público o nascimento, tornando-o incontestável. Prestigia a lei o registro de nascimento como meio de prova de filiação. No entanto, essa não é a única forma de reconhecimento voluntário da paternidade. A escritura pública, o escrito público, o testamento e a declaração manifestada perante o juiz também comprovam a filiação (CC 1.609).

Diante de tal fato, tem-se em nosso ordenamento jurídico que

pai é aquele que mantém o vínculo consangüíneo com o filho, mas principalmente o

registrátorio, em face da possibilidade de se ingressar com uma ação de

investigação de paternidade, caso necessário.

O exercício desta ação alcança todos os filhos, inclusive

aqueles concebidos na constância do casamento.

As partes ativas, geralmente são o menor representado, o

Ministério Público, sendo que o nascituro poderá demandar em juízo, conforme o

artigo 26105 do Estatuto da Criança e do Adolescente bem como o artigo 1.609106

parágrafo único do Código Civil.

Assim preconiza tais artigos:

Art. 26 – Os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos pelos pais, conjunta ou separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento, mediante escritura ou outro documento público, qualquer que seja a origem da filiação.

104

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de família. p. 301.

105 ECA- Organização do texto Yussef Said Cahali. 10 ed. ver., ampl. e atual. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2008. p. 1.142.

106CAHALI. Yussef Said (org). Mini código. p. 441.

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Art. 1.609- [...]

Parágrafo único: O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendente.

Assim, não se pode negar que sem dúvida a paternidade

registraria é uma espécie de paternidade sócio afetiva, pois se o suposto pai

registrou o filho e durante toda a sua vida criou-o como sendo seu.

Há de se ressaltar que num período anterior a CRFB/88, a

paternidade jurídica-registrária prevalecia sobre a paternidade biológica, pois se

buscava proteger a família, não permitindo que fosse ajuizada ação de investigação

de paternidade em face de homem casado, pelo fato de que abalaria a paz familiar.

Contudo, com o advento da CRFB/88, foi adotado o princípio

da proteção integral da criança e do adolescente, permitindo que as crianças

pudessem ter seus direitos reconhecidos em face da família, possibilitando assim, a

busca pela verdadeira paternidade, entendida como a biológica.

Portanto, hoje o entendimento dos tribunais já é pacificado com

relação à investigação de paternidade em face de homem casado, uma vez que

trata de um dos direitos fundamentais da pessoa humana conhecer a sua origem.

2.2.4 Paternidade sócio-afetiva

O fenômeno da paternidade não se estabelece pelo simples

ato da procriação, mas sim pelos laços de afetividade, criados pela convivência que

se fortificam dia a dia.

Nesse contexto, é inegável que a CRF/88 deu uma nova feição

à família, que merece proteção do Estado e passa a ser fundada não mais no

pressuposto do casamento, mas sim como um espaço de afeto.

O texto constitucional consagrou o princípio da igualdade,

revogando regras que pudessem estabelecer qualquer desigualdade ou privilégio

por origem de filiação, regra clara insculpida no § 6º do art. 227107.

107

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. p. 141-142.

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Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligencia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

[...]

§ 6º- Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Acerca do princípio da igualdade de tratamento entre os filhos,

Roberto Senise Lisboa108 relata:

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a isonomia plena de tratamento, devendo-se conferir aos filhos havidos e não havidos do casamento os mesmos direitos e garantias.Com isso, aos filhos devem ser conferidos os meios de preservação e desenvolvimento dos seus direitos fundamentais básicos, os direitos da personalidade, entre os quais cabe mencionar (...).

Assim, após o surgimento da presunção da paternidade e o

surgimento da paternidade biológica verificável através de exames genéticos, surge

tanto na doutrina como na jurisprudência uma nova espécie de paternidade sócio-

afetiva.

Esta espécie de paternidade fundamenta-se no princípio da

proteção integral da criança e do adolescente e nasce para se contrapor a

paternidade registraria e biológica, nas quais o vínculo que liga uma pessoa a outra

é apenas genético ou jurídico.

Seguindo esse enquadramento de idéias, Maria Berenice

Dias109, denota:

A posse do estado de filho constitui modalidade de parentesco civil de origem afetiva.

[...]

108

LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. p. 309.

109 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das família. p. 307.

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A necessidade de se manter uma estabilidade da família, que cumpre a sua função social, faz com que se atribua um papel secundário à verdade biológica. Revela a constância social da relação entre pais e filhos, caracterizando uma paternidade que existe não pelo simples fato biológico ou por força de presunção legal, mas em decorrência de uma convivência afetiva.

Ressalta-se que a palavra afinidade é um termo utilizado

especialmente para denominar o vínculo existente entre um cônjuge e os parentes

do outro.

Acerca da paternidade socioafetiva José Bernardo Ramos

Boeira110 entende por:

Paternidade socioafetiva é uma relação afetiva, íntima e duradoura, caracterizada pela reputação frente a terceiros como se filho fosse, e pelo tratamento existente na relação paterna filial, em que há o chamamento de filho e a aceitação do chamamento de pai.

Para melhor entendimento, acerca da paternidade socioafetiva,

Leila Donzetti111 relata:

Na paternidade socioafetiva, pai não é apenas aquele ligado por um laço biológico. Pai é muito mais. Pai é aquele ligado pelos intensos e inesgotáveis laços de afeto. Aquele que cuida, protege, alimenta, educa e participa intensamente do crescimento físico, intelectual e moral da criança, dando-lhe o suporte necessário para que se desenvolva como ser humano.

Seguindo esta linha de raciocínio Luiz Edson Fachin112,

assevera:

Se o liame que liga um pai a seu filho é um dado, a paternidade pode exigir mais do que apenas laços de sangue. Afirma-se aí a paternidade socioafetiva que se capta juridicamente na expressão posse do estado do filho.

Portanto, a paternidade socioafetiva, fundada na posse do

estado do filho, ganha abrigo nas mais recentes reformas do direito em todo o

mundo, alguns com mais intensidade que em outros, não levando em conta o

110

BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de paternidade: posse do estado de filho: paternidade socioafetiva. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p.40.

111 DONIZETTI, Leila. Filiação socioafetiva e direito à identidade genética. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 15.

112 FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade. p. 32.

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nascimento, mas na vontade baseada na afetividade, colocando em xeque tanto a

verdade jurídica como a certeza cientifica, já que ela leva em consideração o

aspecto psicológico.

Assim, para legitimar a verdade socioafetiva, surge o instituto

da posse do estado de filho, com o objetivo de valorizar o afeto.

Desta forma, a posse de estado de filho nada mais é do que a

relação clara e pública de um vínculo natural existente entre pais e filhos, ou seja, “é

mais um elemento de convicção para ser sobrepesado pelo juiz, dentro do conjunto

probatório na ação de investigação de paternidade”.113

Então a posse de estado de filho constitui uma nova

modalidade de parentesco civil baseado na origem afetiva.

Entretanto, para que a posse do estado de filho se torne

relevante deve ser considerada ”como um dos elementos constitutivos da

paternidade responsável, fundada em consonância com a noção de família, cuja

estruturação é feita por meio dos laços afetivos”.114

Contudo, para que a paternidade sócioafetiva esteja

caracterizada, é necessário que haja uma relação afetiva, íntima e duradoura com o

filho de criação, comprovada pela posse de estado de filho (estado de filho afetivo),

que se caracteriza não só pelo uso do nome, mais, sobretudo do afeto, amor,

dedicação e o reconhecimento de filho perante toda a sociedade.

Assim, não sendo contemplada a noção de posse de estado de

filho para o estabelecimento da paternidade socicafetiva, pelo direito pátrio e

enquanto a reforma legislativa não ocorre, a função de estabelecer a verdade da

filiação compete ao julgador, que dever ter audácia para inovar e adequar as normas

à realidade social.

113

RODRIGUE, Sílvio. Direito civil brasileiro. p. 309.

114 DONIZETTI, Leila. Filiação sociafetiva e direito à identidade genética. p. 17.

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2.3 ESPÉCIES DE FILIAÇÃO

A filiação é entendida pelo negócio jurídico existente entre pai

ou mãe e sua prole, podendo ser provada pela certidão do nascimento inscrito no

registro civil, conforme preconiza o artigo 1.603115 do Código Civil.

Art. 1.603 – A filiação prova-se pela certidão do termo de nascimento registrada no Registro Civil.

Maria Helena Diniz116 assim conceitua:

Filiação é o vinculo existente entre pais e filhos; vem a ser a relação de parentesco consangüíneo em linha reta de primeiro grau entre uma pessoa e aqueles que lhe deram a vida117, podendo, ainda, ser uma relação socioafetiva entre pai adotivo e institucional e filho adotado ou advindo se inseminação artificial heteróloga.

Importante os ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves118,

acerca do tema: “a relação de parentesco consangüíneo em primeiro grau em linha

reta, que liga uma pessoa àqueles que a geraram e a receberam como se tivessem

gerado”

No entanto o Código Civil de 1916 dividia o instituto da filiação,

em duas, sendo a filiação legítima e ilegítima. Aos filhos não concebidos na

constância do casamento, eram rotulados de ilegítimos, e por conseguinte o

advindos do vínculo do casamentos, eram tidos com legítimos, e estes por sua vez

possuíam proteção integral do Estado.

Entretanto, com o advento da CRFB/88 se estabeleceu

absoluta igualdade entre todos os filhos, não admitindo mais a retrógrada distinção

entre filiação legítima ou ilegítima, conforme preceitua o ar. 227, § 6º.

115

CAHALI, Yussef Said (org.). Mini código civil. p. 440.

116 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. p. 420.

117 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família apud Antônio Chaves, Filiação legítima, in Enciclopédia Saraiva do Direito. p. 420.

118 GONÇALVES, Carlos Roberto. Sinopses jurídicas: direito de família. 12. ed. ver. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p.102.

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Art. 227- É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

[..]

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Hoje, porém, todos são apenas filhos, uns havidos fora do

casamento outros em sua constância e outros por via de adoção, mais com iguais

direitos e qualificações.

Assim devido às conseqüentes mudanças ocorridas no Direito

de Família, ao longo dos anos, principalmente em tempos de grandes avanços de

biotecnologia, impõem novas formas de vivenciar e compreender as relações entre

pais e filhos.

Por fim, tendo conceituado a categoria filiação, com

fundamento nos doutrinadores brasileiro, a seguir passarei a explanar acerca de

algumas espécies de filiação, relevantes a presente pesquisa, dentre elas: a filiação

biológica, registral, assistida e sociafetiva.

Entende-se por filiação biológica, quando o filho possui o

mesmo sangue que dos pais, decorrente de uma relação sexual. A partir dessa

figura, extrai-se três tipos de espécies, os legítimos, legitimados, ilegítimos.

Conceitua Arnaldo Rizzardo119:

Legítimos consideram-se os filhos gerados na vigência do casamento civil de seus pais.

Legitimados, os gerados antes desse casamento, que os legítima.

119

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2005. 3. ed. p. 408.

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Ilegítimos, os nascidos fora do casamento civil de seus pais, os quais, por sua vez, se distinguem em naturais stricto sensu e espúrios.

Dentre os filhos considerados ilegítimos, existia a distinção

entre eles em: naturais e espúrios. Os filhos naturais eram os concebidos por

genitores que não tinha nenhum tipo de impedimento entre si na data da concepção.

Já os espúrios de forma contrária, quando os genitores possuíam algum tipo de

impedimento, sejam por estarem casados na data da concepção ou ainda, se eram

parentes em linha reta.

Com relação a filiação registral, está não difere muito da

paternidade registratória; pois uma forma de ambas se constituem, é através do

registro de nascimento, como preceitua o art. 1.603120 do CC.

Art. 1.603- A filiação prova-se pela certidão de termo de nascimento registrada no Registro Civil.

Oportuna os dizeres de Maria Berenice Dias121:

O registro faz público o nascimento, tornando-o incontestável122. Prestigia a lei o registro de nascimento como meio de prova de filiação. No entanto, essa não é a única forma de reconhecimento voluntário de paternidade. A escritura pública e o escrito particular, o testamento e a declaração manifestada perante o juiz também comprovam a filiação (CC 1.609).

A filiação registral, é um ato voluntário, que gera direito e dever

decorrentes do poder familiar.

Segundo Maria Berenice Dias123: “aqueles que comparecerem

perante o oficial de Registro Civil e se declaram pais de um recém-nascido assim

passam a ser considerados para todos os efeitos legais. Em face da presunção de

paternidade dos filhos nascidos durante o casamento[...].

120

CAHALI, Yussef Said (org.). Mini código civil. p. 440.

121 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das família. p. 301.

122 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das família apud Paulo Luiz Netto Lobo, Código civil comentado. p. 301.

123 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das família. p. 301.

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Relativo à maneira, de como ocorre o registro de nascimento

de um recém-nascido, Maria Berenice Dias 124 aduz:

[...] basta um dos pais, munido da certidão de casamento, comparecer à serventia registral para lavrar o assento de nascimento. Caso contrário é necessária a presença de ambos. Comparecendo somente a mãe, se ela declinar o nome do pai, poderá se desencadear procedimento administrativo oficioso de paternidade.

Todavia, aquele que registrou um recém-nascido como seu, em

caso de erro ou falsidade, conforme o disposto no art. 1.604 do CC, poderá invalidá-

lo.

Pertinente ao tema, Maria Berenice Dias125 conjectura:

[...] A só existência do registro não pode limitar o exercício do direito de buscar, a qualquer tempo, o reconhecimento da paternidade (CC 1.614). Assim, mesmo quem tenha pai e esteja registrado como filho de alguém, não está inibido de intentar ação investigatória de paternidade para conhecer sua ascendência biológica, havendo somente a necessidade de proceder à citação do pai registral.

Concernente a filiação assistida, esta surgiu no direito civil

brasileiro, devido aos grandes avanços da ciência e da biotecnologia, nos últimos

tempos.

Nos dizeres da doutrinadora Maria Berenice Dias126, “os

avanços tecnológicos na área da reprodução humana emprestaram significativo

relevo à vontade, fazendo ruir todo o sistema de presunções da paternidade e da

filiação”.

Com relação a esta espécie de filiação, a lei presume como

filhos havidos na constância do casamento, como dispõe o art. 1.597127, III, IV, V do

CC.

124

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das família. p. 301.

125 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das família. p. 301.

126 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das família apud Guilherme Calmon Nogueira da Gama. Direito de família brasileiro. p. 302.

127CAHALI, Yussef Said (org.). Mini código civil. p. 439..

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Art. 1.597– Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

[...]

III- havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV- havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V- havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Nesse sentido, menciona Sílvio de Salvo Venosa128, no que

tange a filiação assistida:

Esses dispositivos, únicos do Código, cuidam dos filhos nascidos do que se convencionou denominar fertilização assistida. O Código enfoca, portanto, a possibilidade de nascimento de filho ainda após a morte do pai ou da mãe, no caso de fecundação homóloga e de embriões excendentários.

Todavia, por ser uma técnica nova de concepção no

ordenamento jurídico, “o código de 2002 não autoriza nem regulamenta a

reprodução assistida, mas apenas constata lacunosamente e existência da

problemática e procura dar solução ao aspecto da paternidade”129.

A modificação de paradigmas que originou a CRFB/88, bem

como os vários fenômenos apontados pela doutrina que refletem significativamente

no Direito de família, com o fenômeno da repersonalização das relações familiares,

permitindo que a afetividade fosse inserida nas discussões doutrinárias acerca da

família contemporânea, fazendo surgir com isso outra espécie de filiação, a qual

denomina-se socioafetiva.

Isso fez com que a socioafetividade formasse uma das

principais características da família atual, se apresentando nas relações familiares

onde o amor é cultivado cotidianamente.

128

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. p. 228.

129 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. p. 228.

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Sílvio de Salvo Venosa130 assim conceitua filiação socioafetiva:

“é aquela na qual o amor e o carinho recíprocos entre os membros suplantam

qualquer grau genético, biológico ou social”.

Destarte, a filiação socioafetiva, é um fato cada vez mais

presente na sociedade, embora o legislador não a tenha reconhecido de forma

expressa, através da noção de posse do estado de filho.

Para melhor compreensão sobre posse do estado de filho,

Maria Berenice Dias131, aduz:

Quando as pessoas desfrutam de uma situação jurídica que não corresponde à verdade, detêm o que se chama de posse de estado. [...] A noção de posse de estado filho não se estabelece com o nascimento, mas num ato de vontade, que se sedimenta no terreno da afetividade.

A socioafetiva como espécie de filiação, é caracterizada pela

convivência, afetiva e pela estabilidade nas relações familiares, sendo cada vez

mais marcante na evolução do direito de família.

Desta maneira, a filiação socioafetiva, baseia-se na idéia de

qualidade de filho, onde os elementos formadores da relação paterno-filial são

construídos através de laços do amor visando a felicidade dentro da família.

Seguindo este pensamento expõe Maria Berenice Dias132:

A posse do estado de filho constitui modalidade de parentesco civil de origem afetiva (CC 1.593). A filiação socioafetiva corresponde à verdade aparente e decorrente do direito à filiação.

Nessa linha, Luiz Edson Fachin133, assevera:

A descendência genética é assim um dado; a filiação sociafetiva se constrói; é mais: uma distinção entre o virtual e o real. A parternidade biológica vem pronta sobre a filiação [...] Ao reverso, a relação paterno filial socioafetiva se revela; é uma conquista que ganha

130

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 200.

131 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias apud Rolf Madaleno. Direito de família em pauta. p. 306.

132 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 307.

133 FACHIN, Luiz Edson. Da Paternidade. Relação Biológica e afetiva. p. 60.

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grandeza e se afirma nos detalhes [...] A segunda é fruto de um querer: ser pai, desejo que se põe na via do querer ser filho; desse desejo ela nasce e frutifica o que nenhum gene dispensa, mas que por si só pode não explicar.

Contudo, para que a filiação socioafetiva, se caracteriza é

necessário que haja uma relação afetiva, íntima e duradora com o filho de criação,

comprovada pela posse do estado de filho, que se caracteriza não só pelo uso do

nome, mais, sobretudo do afeto, do amor, dedicação e o reconhecimento de filho

perante toda a sociedade.

Acerca dos requisitos necessários para caracterização da

filiação socioafetiva, Paulo Luiz Lobo Netto134 aduz: “a) pessoas que se comportem

como pai e mãe e outra pessoa que se comporta como filho, b) convivência familiar,

c) estabilidade do relacionamento, d) afetividade”

Por fim, ressalta-se que os laços de afeto não derivam da

herança genética dos pais biológicos, mas sim da convivência, portanto pai ou mão

não é apenas a pessoa que gera e que tenha vínculo genético com a criança. Mas

sim a pessoa que cria, educa, instrui, ampara, dá amor, carinho, proteção; enfim,

aquela que realmente exerce as funções próprias de pai ou da mãe em atendimento

ao melhor interesse da criança.

2.4 RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO

Conforme o disposto na CRFB/88, o meio pelo qual se admite

a paternidade de filho tido entre pais não casados, é através do ato de

reconhecimento.

De acordo com o sistema jurídico brasileiro, existem três

modalidades de reconhecimento de filiação, o voluntário ou espontâneo, o judicial ou

coativo e o oficioso.

134

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Paternidade sócioafetiva e a verdade real. p. 15.

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Dispondo sobre o tema Sílvio de Salvo Venosa135, continua:

Este ato pode ser espontâneo ou coativo, gerando, é evidente, todo um complexo de direitos e obrigações. [...] Toda a gama de direitos entre pais e filhos decorre do ato jurídico do reconhecimento.

Portanto o reconhecimento voluntário, este ocorre quanto o

suposto pai, por livre manifestação de vontade, tem o desejo de reconhecer/ assumir

seu filho, proveniente de uma relação extraconjugal.

Importante o conceito de Silvio Rodrigues136; “reconhecimento

espontâneo é o ato solene e público, pelo qual alguém, de acordo com a lei, declara

que determinada pessoa é seu filho”.

Dispondo sobre o tema Maria Helena Diniz137 continua:

O reconhecimento voluntário é, segundo Antônio Chaves o meio legal do pai, da mãe ou de ambos revelarem espontaneamente o vínculo que os liga ao filho, outorgando-lhe, por essa forma, o status correspondente.

Segundo Maria Berenice Dias138, “o reconhecimento,

espontâneo ou judicial, tem eficácia declaratória, constatando uma situação

preexistente. Isto é, tem efeito ex tunc, retroagindo à data do nascimento[...]

podendo ser levado a feito antes do nascimento”.

O reconhecimento voluntário foi regulamentado pela Lei nº

8.560/92, pois, antes de seu advento, o Código Civil de 1916 em seu art. 357, dizia

que o reconhecimento poderia ser feito no registro civil, por escritura pública e por

testamento. Já o ECA reproduziu as normas elencadas no CC/16, acrescentando

que o reconhecimento também poderá ser feito por documento público.

Dispondo sobre o tema, Sílvio de Salvo Venosa139 continua:

135

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 244.

136RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. p. 346.

137 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, apud Antônio Chaves, Filiação ilegítima. p. 450.

138 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 311.

139 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 245, 246.

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O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:

I - no registro de nascimento;

II – por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;

III – por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;

IV – por manifestação expressa e direta perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que contém.

Essa alteração continua mantida no art. 1609 do CC, e ainda

que a lei estabeleça várias maneiras para o reconhecimento, exige-se o uso de uma

delas, pois se houver omissão, dará ensejo a uma ação de investigação de

paternidade.

Com relação à escritura pública, Arnaldo Rizzardo140diz ser

possível “reconhecer-se em ato especificamente elaborado para tal finalidade, ou em

ato também destinado para outro objetivo, como em escritura de doação, ou venda,

ou de instituição de um direito real qualquer”.

Consoante o que reza o inciso III, do art. supra transcrito Caio

Mário da Silva Pereira141, leciona:

[...] é ato personalíssimo e não comporta representação, devendo observar os respectivos requisitos da validade. Atente-se para a regra do art. 1.610, ao determinar que o reconhecimento não pode ser revogado, nem mesmo por outro testamento.

No tocante ao escrito particular, Arnaldo Rizzardo142, aduz:

“este deve conter certeza absoluta, devendo a assinatura ser reconhecia pelo

tabelião, ou, em caso de fotocópia, a indispensável autenticação, devendo consistir

numa declaração específica de reconhecimento”.

140

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. Lei 10.406, de 10.01.2002. p. 439

141 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2006. 16. ed. p. 350.

142 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: lei 10.406, de 10.01.2002.p. 439.

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Disciplina Sílvio de Salvo Venosa143:

O escrito particular pode redundar um expresso consentimento. Pode ser formalizado em uma simples declaração ou missiva, por exemplo, mas com a finalidade precípua de reconhecimento. É evidente que o escrito particular, menos formal, fica mais sujeito às vicissitudes da dúvida e da anulabilidade.

No reconhecimento voluntário, somente tem legitimidade os

pais, ou apenas um deles, é um ato personalíssimo.

Nesse sentido, menciona Maria Berenice Dias144:

A legitimidade para o reconhecimento da paternidade é de ambos os pais, ou de apenas um. Qualquer deles pode comparecer ao registro civil e registrar o filho em nome de ambos os genitores, mediante a apresentação da certidão de casamento. Não sendo casados, mas vivendo os genitores em união estável e havendo prova da vigência da união à época da concepção, há a possibilidade de o declarante proceder o registro também em nome do companheiro.

Segundo o que disciplina o CC/2002, o ato de reconhecimento

voluntário é unilateral, não depende anuência da outra parte, salvo em se tratando

de filhos maiores de idade, exigindo assim seu consentimento, conforme preceitua o

art. 1.614 do CC145:

Art. 1.614 – O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos 4 (quatro) anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação.

Assevera Sílvio de Salvo Venosa146, no que tange aos filhos

menores:

Há, de fato, um caráter sinalagmático no ato de reconhecimento, não só porque é necessária a concordância do filho, se maior, como também porque pode o menor reconhecido impugnar o reconhecimento quando se tornar capaz.

Ao aduzir esse termo de consentimento pelo filho maior/menor,

observadas as circunstâncias de cada um, buscou o legislador uma forma de

143

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 249.

144 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 312.

145 CAHALI, Yussef Said (org.). Mini código civil. p. 441.

146 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 246.

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assegurar ao filho reconhecido, o livre arbítrio de escolher o que lhe seja favorável.

Enfatiza Silvio Rodrigues147: “[...] pode-lhe ser inconveniente, no campo patrimonial,

adquirir um herdeiro não desejado, ou um parente a quem deve alimentar”.

Em relação à revogação do reconhecimento, este não é

possível, nem quando feito através de testamento, conforme estatui o artigo 1.610

CC:

Art. 1.610 – O reconhecimento não pode ser revogado, nem

mesmo quando feito em testamento.148

Nesse sentido, Sílvio de Salvo Venosa149 ensina:

O reconhecimento da filiação no bojo de um testamento, em declaração incidente como diz o Projeto do Estatuto das Famílias, obedece aos próprios requisitos dessa declaração e não propriamente aos requisitos testamentários. Assim sendo, sendo o testamento negócio revogável por excelência, o ato de reconhecimento contido em seu bojo não admite revogação.

Diante as diretrizes apontadas, fica evidenciada a busca pela

equiparação entre os filhos. Com o reconhecimento voluntário, o legislador

possibilitou uma maneira mais célere e eficaz no tocante à aplicação da lei.

Já o reconhecimento judicial de filho resulta de sentença

proferida em ação de investigação de paternidade, ajuizada pelo filho, ou seu

representante legal, sendo este incapaz.

Concernente a investigação paternidade, Maria Helena

Diniz150·, leciona:

A investigação de paternidade pode ser ajuizada conta o pai ou a mãe ou conta dos dois, desde que se observem os pressupostos legais de admissibilidade de ação, considerando como presunções de fato.

Assevera Sílvio de Salvo Venosa151:

147

RODRIGUES, Sílvio. Direito civil:direito de família. p. 320.

148 CAHALI, Yussef Said (org.). Mini código civil. p. 441

149 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 250.

150 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 459

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Ação de investigação de paternidade é a que cabe aos filhos contra os pais ou seus herdeiros, para demandar-lhe o reconhecimento da filiação. Ação de estado por definição é inalienável, imprescritível e irrenunciável.

Oportuno os dizeres de Fábio Ulhoa Coelho152:

O filho pode propor contra o genitor ou genitora a ação de investigação de paternidade ou maternidade, sempre que pretender ver retratada no assento civil a verdade biológica de sua concepção. É irrelevante, aqui, se nasceu na constância de casamento ou união estável das pessoas mencionadas como seus pais no registro civil, ou não.

Aduz Sílvio de Salvo Venosa153, em relação a legitimidade:

São legitimados ativamente para essa ação o investigante, geralmente menor, e o Ministério Público. O nascituro pode demandar a paternidade como autoriza o art. 1.609, parágrafo único.

O CC/16 não previa a forma de reconhecimento de paternidade

forçado, a figura do reconhecimento via judicial veio a partir da publicação da Lei

8.560/92, e repetida pelo CC/2002.

O grande êxito da Lei 8.560/92, além possibilidade de iniciativa

do filho, conferiu ao Ministério Público, legitimidade para intentar ação de

investigação de paternidade, quando possuir elementos suficientes para tanto.

Sílvio de Salvo Venosa154 ensina:

O Ministério Público propõe a ação de investigação em nome próprio para defender interesse alheio, ou seja, o do investigante. Essa legitimação extraordinária não exclui a dos interessados que, uma vez proposta a ação, podem pedir seu ingresso como assistentes litisconsorciais. Nada impede, da mesma forma, que, não proposta a ação pelo Ministério Público, façam-no os interessados.

Segundo Washington de Barros Monteiro155, “o Código Civil

não estabelece em que ocasiões a ação de investigação de paternidade poderá ser

impetrada, sendo assim, permite sua utilização em qualquer caso”.

151

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 257.

152 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 5. p. 174.

153 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 258.

154 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 258.

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Assim, qualquer pessoa que tenha seus interesses ou direitos

ameaçados, poderá contestar à ação investigatória, com fundamento na inteligência

do art. 1.615156 do CC: ”Qualquer pessoa, que justo interesse tenha, pode contestar

a ação de investigação de paternidade ou maternidade.

Concernente ao reconhecimento oficioso, a Lei n. 8560/92

trouxe em seu art. 2º a possibilidade de reconhecimento da filiação de forma

oficiosa.

Para melhor compreensão sobre o reconhecimento oficioso,

Silvio de Salvo Venosa157 aduz:

Quando no registro apenas a maternidade é estabelecida, o escrivão remeterá ao juiz uma certidão do ato e das declarações da mãe, informando o nome do suposto pai, endereço e outros dados importantes para identificação. [...] Se negada a paternidade ou mantiver-se silente o indigitado, os autos desse procedimento serão remetidos ao Ministério Público, para o fim de ser promovida a ação de investigação de paternidade contra o suposto pai.

Assinala Washington de Barros Monteiro158: “se o pai admitir a

paternidade será lavrado termo de reconhecimento, a ser averbado pelo oficial de

Registro Civil junto ao assento de nascimento”.

Acerca do procedimento, ensina Sílvio de Salvo Venosa159 que:

O procedimento deve ser singelo e sem formalidades, as quais devem ser reservadas para a ação judicial, se necessária. A simples negativa por parte do pai notificado, que não necessita maiores digressões, implica remessa dos autos ao Ministério Público para a propositura da ação de investigatória. Nada impede, contudo, que as partes, no procedimento, concordem em produzir provas para confirmar a paternidade, como o exame de DNA, por exemplo.

Neste capítulo foram observados os institutos da paternidade e

da filiação no direito brasileiro. Em relação a filiação, foi discorrido a respeito de suas

155

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de família. p. 320.

156 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família: lei 10.406, de 10.01.2002. p. 463.

157 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 250 - 251.

158 MONTEIRO, Washigton de Barros. Curso de direito civil: direito de família. p. 318.

159 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 252 - 253.

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espécies, bem como os modos de seu reconhecimento. O capítulo seguinte irá tratar

propriamente dito do tema proposto na presente monografia.

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CAPÍTULO 3

RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE SÓCIOAFETIVA E AS

DIVERGÊNCIAS COM A PATENIDADE BIOLÓGICA

A terceira e última seção, da presente monografia, encontra-se

voltada especificamente ao tema paternidade socioafetiva, ressaltando a forma de

sua caracterização, passando em seguida ao conflito de interesse existente entre a

paternidade biológica e socioafetiva na tentativa de explicar que sempre deverão ser

observados os interesses do menor. Posteriormente, a polêmica questão sobre a

revogação da paternidade e anulação do registro civil, dando exemplos clássicos

para elucidar as situações existentes, e por fim o entendimento jurisprudencial

acerca do caso, onde na maioria dos casos que houver divergência entre a

paternidade biológica com a socioafetiva ou registraria prevalece o registro civil.

3.1CARACTERIZAÇÃO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA

A filiação socoiafetiva um é fato cada vez mais presente na

sociedade, embora o legislador ainda não a tenha reconhecido de forma expressa,

através da noção de posse do estado de filho.

Ocorre que, tendo o Código Civil já “nascido velho”, estando a

sociedade em constante evolução, o direito acaba ficando para trás. Porém, isso não

significa que não haja, nessa relação de filiação de fato, direito merecedor da tutela

jurisdicional.

Assim, tem-se conhecimento que atualmente o conceito de

paternidade, não está somente voltado para o liame biológico e jurídico. O conceito

de filiação e sua definição no mundo jurídico evoluiu da filiação biológica até a atual

filiação socioafetiva que prepondera, atualmente, em nosso ordenamento.

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Nesse sentido, a relação paterno-filial não se esgota na mera

constatação da hereditariedade sangüínea, há também uma relação afetiva e

cultural. Afirma Paulo Luiz Lobo Netto160 que “[...] o afeto não é fruto da biologia. Os

laços de afeto e da solidariedade derivam de convivência e não do sangue”.

No mesmo sentido aduz Rodrigo da Cunha Pereira161 quando

diz:

[...] não basta esse ato para instituir a paternidade; é preciso que o pai deseje ser o pai, ou é necessário que ele adote seu filho biológico. Caso contrário, ele será apenas o pai jurídico, que se prestará às obrigações e deveres decorrentes da lei.

Com base nesse ensinamento pode-se perceber que não basta

o vínculo biológico para estabelecer a relação entre pai e filho, pois para que se

estabeleça essa relação é necessário o afeto, o cuidado, entre outros fatores que

somente o amor estabelece.

Assim também esclarece Luiz Edson Fachin162, ao tratar que

pai é aquele que se comporta como tal e não aquele que simplesmente gerou a

criança ou o adolescente.

[...] a verdadeira paternidade pode também não se explicar apenas na autoria genética da descendência. Pai também é aquele que se revela no comportamento cotidiano, de forma sólida e duradoura, capaz de estreitar os laços de paternidade numa relação psicoafetiva, aquele, enfim que além de poder emprestar seu nome de família, o trata (sic) como sendo verdadeiramente seu filho perante o ambiente social.

Quando dispensado o tratamento ao qual o doutrinador cometa

acima, verifica-se a posse do estado de filho, presente na relação paterno-filial

De qualquer forma, a paternidade está presente no dia a dia e

geram muitos efeitos. O sistema jurídico brasileiro vigente não permite, de forma

160

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípio jurídico da afetividade na filiação. Jus navigandi, Teresinha, a. 4, n. 41, mai. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=527>. Acesso em: 02 mai. 2010.

161 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família: uma abordagem psicanalítica. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. 2. ed. p. 162.

162 FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 169.

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expressa, o reconhecimento do vínculo jurídico decorrente da paternidade

socioafetiva, até porque o advento do exame de DNA tornou fácil a descoberta da

verdade biológica e, conseqüentemente, o estabelecimento do vínculo jurídico.

Ocorre que, conforme já demonstrado neste trabalho, as

relações familiares sofreram uma sensível alteração, deixando de levar em conta

apenas ou primordialmente os aspectos patrimoniais e matrimoniais, para dar

destaque aos membros que convivem na família, ou seja, tornando-os sujeitos de

direitos. É inegável que, a par de toda essa evolução, necessário se faz contemplar

também o reconhecimento do vínculo afetivo, em detrimento do vínculo biológico.

Nesse contexto, é inegável que a CRFB/88 deu uma nova

feição à família, que merece a proteção do Estado e passa a ser fundada não mais

no pressuposto do casamento, mas sim como um espaço de afeto.

O texto constitucional consagrou o princípio da paridade,

revogando regras que pudessem estabelecer qualquer desigualdade ou privilégio

por origem de filiação e resgatou a dignidade, deixando de classificar filhos pela

maior ou menor pureza das relações sexuais, legais e afetivas de seus pais, regra

clara insculpida no § 6º do art. 227.

Contudo o reconhecimento é importante para garantir o vínculo

jurídico, que gerará efeitos ao filho e, dentre eles, o principal será o direito ao pai.

Para melhor entendimento Giselda Maria Fernandes Novaes

Hironaka163 explica:

Por direito ao pai, na sua valoração juridicamente relevante, deve-se entender o direito atribuível a alguém de conhecer, conviver, amar e ser amado, de ser cuidado, alimentado e instruído, de colocar-se em situação de aprendizado e de apreensão dos valores fundamentais da personalidade e de vida humana, de ser posto a caminhar e falar de ser ensinado a viver e conviver e a sobrevier, o que ocorre com a maioria dos animais que habita a face da Terra. Na via reversa, encontra-se o dever que tem o pai-leia-se também a mãe- de produzir tal convívio, de modo a buscar cumprir a tarefa relativa ao

163

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Os contornos jurídicos da responsabilidade afetiva na relação entre pais e filhos: além da obrigação legal de caráter material. Disponível em:<http://www.advocaciapasold.com.br/artigos/arquivos/os_contornos_juridicos_da_responsabilidade_afetiva.doc>.Acesso: 01 mai. 2010.

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desenvolvimento de suas crias, que provavelmente, a mais valiosa de todas as tarefas incumbidas à raça humana.

Neste sentido, a relação paterno-filial não se esgota na mera

constatação física-laboratorial da hereditariedade sangüínea, há também uma

relação afetiva e cultural. Afirma Paulo Luiz Lobo Netto164: “[...] o afeto não é fruto da

biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência e não do

sangue”.

Assim, enquanto não existe uma normatização específica,

pode ser deferida ao julgador a prerrogativa, de “adaptar o conjunto normativo

existente às necessidades sociais, buscando, assim, atender aos interesses da

criança165”.

Com bem salienta Jacqueline Filgueras Nogueira166:

O julgador, ao decidir um conflito de filiação, deve ter presente a noção de “posse de estado de filho” para reconhecer a paternidade, não tão somente como sendo aquela que decorre da presunção legal ou do vínculo biológico, mas aquela que retrata a verdadeira relação paterno-filial, vínculo que somente se adquire no convívio, na troca diária de afeto.

Vale salientar também os ensinamentos de Paulo Luiz Netto

Lôbo167 ao defender a filiação na perspectiva do princípio da afetividade:

O desafio que se coloca aos juristas, principalmente aos que lidam com o direito de família, é a capacidade de ver as pessoas em toda sua dimensão ontológica, a ela subordinando as considerações de caráter biológico ou patrimonial. Impõe-se a materialização dos sujeitos de direitos, que são mais que apenas titulares de bens. A restauração da primazia da pessoa humana, nas relações civis, é a condição primeira de adequação do direito à realidade e aos fundamentos constitucionais.

164

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípio jurídico da afetividade na filiação. Jus Navigandi. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=527>.Acesso em: 11 de mai. 2010.

165 DELINSKI, Julie Cristine. O novo direito da filiação. São Paulo: Dialétiva, 1997. p. 94.

166 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A filiação que se constrói: o reconhecimento do afeto como valor jurídico.São Paulo: Memória Jurídica, 2001. p. 148.

167 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípio jurídico da afetividade na filiação. Acesso em: 11 de maio de 2010.

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Como base nesses ensinamentos pode-se perceber que não

basta o vínculo biológico para estabelecer a relação pai e filho, pois para que se

estabeleça essa relação é necessário o afeto, o cuidado, entre outros fatores que

somente o amor estabelece.

Assim também esclarece Luiz Edson Fachin168, ao tratar que

pai é aquele que se comporta como tal e não aquele que simplesmente gerou a

criança ou adolescente:

A verdadeira paternidade pode também não se explicar apenas na autoria genética de descendência. Pai também é aquele que se revela no comportamento cotidiano, de forma sólida e duradoura, capaz de estreitar os laços da paternidade numa relação psico-afetiva, aquele, enfim que além de poder emprestar seu nome de família, o trata (sic) como sendo verdadeiramente seu filho perante o ambiente social.

Quando dispensado o tratamento ao qual o doutrinador

comenta acima, contata-se a posse do estado do filho, pois verifica-se presente na

relação paterno-filial elementos importantes para a caracterização da paternidade

socioafetiva, uma vez que a posse do estado de filho nesta paternidade, nada mais

é do que o reconhecimento público da filiação, a forma ao qual o pai dá ao seu filho

afetivo status de filho perante a sociedade.

Dessa maneira entende-se para José Bernardo Ramos

Boeira169, como posse de estado de filho:

[...] expressão forte e real do parentesco psicológico, a caracterizar a filiação afetiva. Alías, não há modo mais expressivo de reconhecimento do que um pai tratar o seu filho como tal, publicamente, dando-lhe proteção e afeto, e sendo assim reputado pelos que, com ele convivem. E pode-se afirmar que a desbiologização da paternidade tem, na posse de estado de filho, sua aplicação mais evidente.

Concernente ao tema Maria Berenice Dias170 afirma que:

168

FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 169.

169 BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de paternidade. p. 54

170 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 306.

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[...] a noção de posse de estado de filho não se estabelece com o nascimento, mas num ato de vontade, que se sedimenta no terreno da afetividade, colocando em xeque tanto a verdade jurídica, quanto à certeza científica no estabelecimento da filiação.

Assim, o direito à paternidade e ao afeto dela decorrente è

inerente à pessoa, principalmente à criança, considerada, atualmente, não mais

como objeto, ma sim como sujeito de direitos.

Todavia, mesmo estando em uso o estado de filho, e os

direitos dos pais e filhos socioafetivos, esse fato não vem sendo tratado como

deveria pela legislação civil brasileira. Uma vez que a posse do estado de filho,

deveria ser incluída entre as formas de estabelecimento de paternidade.

Concernente ao tema, José Bernardo Ramos Boeira171 aduz:

A própria modificação na concepção jurídica de filiação conduz, necessariamente, a uma alteração na ordem jurídica da filiação, em que a paternidade socioafetiva deverá ocupar posição de destaque, sobretudo para solução de conflitos de paternidade.

Destarte, para a caracterização da posse do estado de filho,

segundo Carlos Roberto Gonçalves172, “[...] é necessário a presença de três

elementos: o tratamento (tractatio), o nome (nominatio) e a fama (reputatio)”.

Com relação ao tratamento, conforme o próprio termo, este se

configura através do tratamento que é dispensado na relação paterno-filial, ou seja,

dá-se por meio da convivência.

Deste modo, o estado de filho encontra-se completamente

ligado com a própria relação vivenciada com o pai, na medida em que este revela os

sentimentos que nutre pelo filho através da preocupação com o seu bem-estar,

cuidando de sua saúde, promovendo a sua educação.

O segundo trata da utilização do patronímico pertencente ao

pai pelo filho. Entretanto, o elemento nome não de suma importância, uma vez que a

paternidade poderá ser comprovada apenas com os outros dois elementos.

171

BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de paternidade. p. 54.

172GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. p. 305.

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65

Corroborando com o mencionado, se posiciona José Bernardo

Ramos Boeira173:

[...] a doutrina reconhece em sua maioria, o fato de o filho nunca ter usado o patronímico do pão, não enfraquece a posse do estado de filho se concorrerem os demais elementos – trato fama- a confirmarem a verdadeira paternidade. Na verdade, esses dois elementos são os que possuem densidade suficiente capaz de informar e caracterizar a posse de estado.

Nesse sentido se posicionam os doutrinadores174:

[...] o primeiro elemento (a nominatio) é quase sempre de pouca ou nenhuma utilidade: tenha o filho apenas o nome de família da mãe dou também o nome d família do marido desta, não se está ai diante de elemento decisivo. Os outros dois elementos, porém, particularmente o segundo (tractacio) são da maior importância, por permitirem revelar a existência (ou não) de um vínculo psicológico e social entre filho e suposto pai, isto é, de uma relação pai-filho existencialmente vivida.

Com relação ao terceiro elemento, tem-se a fama ou a

reputatio. Esta nada mais é que a notoriedade acerca da filiação, devendo

transcender além do lar, aos outros familiares e à sociedade.

Assim, a posse do estado de filho se torna relevante e deve ser

considerada “como um dos elementos constitutivos da paternidade responsável,

fundada em consonância com a noção de família sociológica, cuja estruturação é

feita por meio dos laços afetivos”.175

Então ao estudar o instituto da paternidade socioafetiva logo se

percebe que é o único que realmente supri os deveres de um pai e os direitos de um

filho, pois essa relação é baseada em afeto, sendo que a obrigação é composta por

amor e não simplesmente, pelo fato que seu descumprimento acarreta medidas

judiciais.

173

BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de paternidade. p. 93.

174 OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de; MUNIZ, Francisco José Ferreira. Curso de direito de família. p. 50.

175 DONIZETTI, Leila. Filiação sociafetiva e direito à identidade genética. p. 17.

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Concernente ao tema Belmiro Pedro Welter176 se posiciona:

A paternidade socioafetiva é a única garante a estabilidade social edificada no relacionamento diário e afetuoso, formando uma base emocional capaz de lhe assegurar um pleno e diferenciado desenvolvimento como ser humano.

Mesmo não havendo a positivação da posse do estado de filho,

ela não é estranha, visto que se verificam evidências que legitimam a existência do

instituto, principalmente em razão da eleição do princípio do maior interesse da

criança, como preconiza o art. 227 da CRFB/88.

Com relação a este tema, Zeno Veloso177 assevera:

Quem acolhe, protege, educa, orienta, repreende, veste, alimenta, quem ama e cria uma criança, é pai. Pai de fato, mas, sem dúvida, pai. O “pai de criação” tem posse de estado com relação ao seu ”filho de criação”. Há nesta relação uma realidade sociológica e afetiva que o direito tem que enxergar e socorrer. O que cria, o que fica no lugar de pai, tem direitos e deveres para com a criança, observado o que for melhor para os interesses desta.

Embora a paternidade socioafetiva não esteja positivada em

nosso ordenamento jurídico atual, alguns tribunais, como adiante se pontua, vêm

acatando a paternidade socioafetiva em detrimento da paternidade biológica, ao

argumento de que a paternidade é função dos pais para o desenvolvimento físico,

mental, moral, espiritual, cultural e social da pessoa em crescimento.

Por fim, não sendo contemplada a noção de posse do estado

de filho para o estabelecimento da paternidade socioafetiva pelo direito pátrio, e

enquanto a reforma legislativa não acontece, a função de estabelecer a verdade da

filiação compete ao julgador, que deve ter coragem para inovar e adequar as normas

à realidade social.

176

WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e sociafetiva. São Paulo: RT, 2003. p. 165.

177 VELOSO, Zeno. Direito brasileiro da filiação e paternidade. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 215.

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3.2 EFEITOS JURÍDICOS DECORRENTES DO RECONHECIMENTO DA

PATERNIDADE SOCIOAFETIVA.

Pelo princípio da igualdade dos filhos, consagrado pela

CRFB/88, onde dispõe que todos os filhos são iguais e têm os mesmos direitos,

independente sua origem, pressupõe que uma vez reconhecida e declarada a

paternidade socioafetiva, todos os filhos socioafetivos terão os mesmos direitos.

Então, por conseqüência deste princípio, aquele que

reconheceu a paternidade, assumindo o papel de pai, assumiu também todos os

encargos decorrentes deste, como é o caso de ter direito a pensão alimentícia, a

sucessão, bem como os demais direitos inerentes a um filho biológico, haja vista a

decorrência lógica do seu reconhecimento.

Dessa maneira já se posicionou o Tribunal do Rio Grande do

Sul178, decidindo sobre essa questão:

Ementa: Negatória de paternidade, anulação de registro civil ao assumir a paternidade do filho de sua ex-companheira, falseando com a verdade registral, assumiu todos os deveres inerentes à paternidade. Prática de adoção à brasileira, que, como tal, caracteriza-se pela irrevogabilidade. RECURSO DESPROVIDO.

Embora muito se questione, se o pai não biológico, após

romper a relação com sua parceira, fará jus ao dever de alimentar e ao direito de

visitas aos filhos desta, mesmo que não possua qualquer vínculo consangüíneo de

paternidade. Fica evidente no julgado acima que, o dever permanece isso graças ao

princípio da prevalência do melhor interesse da criança, estando esse assegurado

pelo CC, em seu art. 1.593179, o qual estabelece que:

Art. 1.593- O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem.

178

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.. Apelação cível nº 70006440002, Oitava Câmara Cível. Relator: Des. Alfredo Guilherme Englert, Julgado em 18/09/2003. Disponível em <http://www.tjrs.jus.br> Acesso em 03 mai. 2010 179

CAHALI, Yussef Said (org.). Mini código civil. p. 439.

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Em relação direito sucessório, sendo o filho socioafetivo

considerado herdeiro necessário, este se deve atentar para as normas do art. 1.845

do CC: “são herdeiros necessários, os descendentes, os ascendentes e o cônjuge”.

Desse modo, se reconhecida à paternidade socioafetiva,

caberia ao filho socioafetivo impugnar eventual testamento, caso esse dispusesse

de modo diverso do que determina a lei.

Entretanto, se o reconhecimento judicial ocorrer após o

falecimento do pai socioafetiva, há entendimento que se utiliza do argumento de que

se trata de interesse meramente patrimonial, haja vista que o suposto pai em vida

não manifestou a sua vontade de que esse filho fosse reconhecido, ou ainda, teria

deixado testamento que beneficiasse esse filho socioafetivo.

Assim, pela análise da emenda abaixo transcrita, podemos

dizer que, aqueles que negam o reconhecimento da paternidade socioafetiva, após o

falecimento do suposto pai, o fazem por acreditar tratar-se de interesse meramente

patrimonial:

Ementa: Apelação cível, investigação de paternidade socioafetiva cumulada com petição de herança e anulação de partilha. Ausência de prova do direito alegado. Interesse meramente patrimonial. Embora admitida pela jurisprudência em determinados casos, o acolhimento da tese da filiação sociafetiva, justamente por não estar regida pela lei, não prescinde da comprovação de requisitos próprios como a posse do estado de filho, representada pela tríade nome, trato e fama, o que não se verifica no presente caso, onde o que se percebe é um nítido propósito de obter vantagem patrimonial indevida, já rechaçada perante a Justiça do Trabalho. Negaram provimento. Unânime.180

Agora em relação, aquele que educa, sustenta e cuida de

alguém como se fosse um filho, se realmente não o reconhecesse com tal, não

diminuiria o vínculo existente entre esse pai e seu filho, caracterizando assim a

paternidade socioafetiva.

Contudo, dizer que um filho socioafetivo só teria direito à

herança se seus pais socioafetivos o reconhecessem expressamente, seja por um

180

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Sétima Câmara Cível. A.C. 70016362469, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, julgado em 13/06/2006. Disponível em <http://www.tjrs.jus.br> Acesso em 03 mai. 2010.

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testamento ou pelo registro civil, seria o mesmo que reconhecer que a filiação

socioafetiva não gera efeitos, o que é um equívoco.

Situação que ilustra a questão suscitada foi objeto de acórdão

proferido pelo TJRS que, por maioria negou o reconhecimento da maternidade

socioafetiva, por entender tratar-se de interesse meramente patrimonial,

determinado que o único bem da mãe socioafetiva ficasse com a irmã da falecida,

ao invés de ficar com seu filho socioafetivo. Porém, como já foi dito, não há

posicionamento unânime sobre a matéria.

Contudo, enquanto a posse do estado de filho, base da filiação

socioafetiva, não for expressamente reconhecida pelo ordenamento jurídico, cabe à

doutrina e jurisprudência assegurar que os filhos socioafetivos sejam reconhecidos e

protegidos, sobretudo após o falecimento daquele que o criou.

Nesse momento, surge a figura do julgador, o qual cabe a

função de identificar e configurar a filiação, protegendo assim relação existente.

Nesse enquadramento de pensamentos salienta Bernardo

Ramos Boeira181: “Na verdade, o pronunciamento judicial consiste no suprimento da

manifestação da vontade que o pretenso pai deveria ter tido, perfilhando, e que o

omitui”.

A exemplo do que foi explanado, pode-se citar o caso de um

filho que ingressou com pedido de reconhecimento de filiação socioafetiva, e

provando ter sido criado como filho, obteve na justiça o reconhecimento que lhe

estava negado pelos demais herdeiros.

Ementa: Ação declaratória. Adoção informal. Pretensão ao reconhecimento. Paternidade socioafetiva. Posse do estado de filho. Princípio da aparência. Estado de filho afetivo. Investigação de paternidade socioafetiva. Princípios da solidariedade humana e dignidade da pessoa humana. Ativismo judicial. Juiz de família. Declaração da paternidade. Registro. A paternidade sociológica é um ato de opção, fundando-se na liberdade de escolha de quem ama e tem afeto, o que não acontece, às vezes, com quem apenas é a fonte geratriz. [...] que se supere a formalidade processual, determinando o registro da filiação do autor com veredicto

181

BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de paternidade. p. 71.

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declaratório nesta investigação de paternidade socioafetiva, e todos do seus consectários. Apelação provida por maioria.182

Destarte, a filiação socioafetiva é um fato presente em nossa

sociedade, a mesma merece e deve ser regulada expressamente, pois como

preconiza Maria Berenice Dias183, a ausência de regulamentação legal não implica

em ausência de direito:

O Estado, ao reservar o monopólio da jurisdição, assegurou a todos a prerrogativa de buscar os seus direitos. Elencou, pautas de conduta por meio de leis e, na impossibilidade de prever todas as situações que a riqueza da vida, a inteligência humana e o avanço das ciências, podem imaginar, atribuiu aos juizes, não só a função de aplicar o direito, mas também o dever de cria-lo sempre que constatar lacunas na legislação... Tal função torna-se verdadeira missão, quando o magistrado se conscientiza de que lhe compete revelar o direito mesmo quando não há previsão legal, pois a ausência de lei não significa a inexistência de direito merecedor de tutela.

Assim, tendo o filho preenchido os requisitos para a

configuração da filiação socioafetica, quais sejam, nome, trato e fama, e tendo sua

existência determinada pela inserção e convivência em uma determinada família,

entende-se que deva ser autorizada a manutenção do seu status de filho.

Consequentemente será plenamente possível à legitimação do

filho socioafetivo, para assegurar os direitos provenientes desta filiação. Assim o

art.1.593, juntamente com o art. 1.634 do CC184 nos trazem o amparo legal do que

foi acima exposto:

Art. 1.634- Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

I – dirigir-lhe a criação;

II – tê-los em sua companhia e guarda;

182

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Sétima Câmara Cível. AP. 70008795775, Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, julgado em 23/06/2004. Disponível em <http://www.tjrs.jus.br> . Acesso em 03 de mai. 2010.

183 DIAS, Maria Berenice. Era uma vez. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Afeto, ética, família e o novo código civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p 17-18.

184 CAHALI, Yussef Said (org). Mini código civil. p. 444.

.

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III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV – nomear-lhe tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder de família;

V – representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos aos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

V I – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

VII – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

Em suma, o artigo mencionado trata dos pais de uma maneira

geral, não mais mencionando se estes são naturais, civis, afetivos ou não, dirigindo

a eles todos estes encargos, e por conseqüência determinando os seus deveres

direitos inerentes.

3.3 SOLUÇÕES DE CONFLITOS DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA

PRIORIZANDO O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.

3.3.1 Aspectos iniciais

Existem diversas formas de se constituir uma relação de

filiação socioafetiva, independente de consangüinidade. Algumas são decorrentes

da legislação, como ocorre com a adoção e a inseminação artificial, e por isso

gozam de uma presunção legal de existência de convivência e afetividade. Outras

se constroem sem atender a específicas formalidades, e por isso dependem de

prova de relação socioafetivo, fundada no afeto.

No que tange as primeiras, Paulo Luiz Netto Lôbo185 aduz que:

[..] como se desenvolvem sob abrigo de critérios formais delineados, já é assentado na doutrina que não podem ser reversíveis. Consumado o processo de adoção, ou dado o consentimento para a inseminação, tem-se uma consolidação inequívoca do liame de filiação, que não pode vir a ser desfeito.

185

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Revista brasileira de direito de família. Porto Alegre: Síntese, 2003. v. 5. n. 19, p. 137.

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Contudo, em uma breve análise acerca da filiação

socioafetiva,esta foi por longo tempo considerada pelo direito de família como um

mero aspecto jurídico., ou seja nunca se negou a sua existência, nem a relevância

de seu papel para a família. Negava-se sim, a possibilidade de que viesse a produzir

efeitos no mundo jurídico, estruturando-se a disciplina legal das relações de família

sem levá-la em consideração.

Todavia com a constitucionalização do direito civil, da qual é

“corolário a repersonalização das relações de família, veio transformar esta situação,

tornando a afetividade um princípio fundamental da filiação, fulcrado na Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988.” 186

Na expressão de Luiz Edson Fachin187, “passou a ser

reconhecido pela jurisprudência o valor jurídico do afeto, como elemento primordial

para o estabelecimento da filiação”.

Desta forma, quando surgir conflito decorrente da paternidade

socioafetiva em relação à paternidade biológica, o julgador ao analisar o caso

concreto, deverá se atentar para o princípio do melhor interesse da criança e do

adolescente, para estabelecer a solução para este conflito.

Acerca do princípio do melhor interesse da criança Paulo Luiz

Lôbo Netto188 tece considerações: “[...] não é uma recomendação ética, mas diretriz

determinante nas relações da criança e do adolescente com seus pais, com sua

família, com a sociedade e com o Estado”.

Os artigos 4° e 6°, do ECA (Lei 8.069/90) consagram o

princípio do melhor interesse da criança, senão vejamos:

Art. 4º - É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos diretos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao

186

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. Revista brasileira de direito de família. Porto Alegre: Síntese, 2003. v. 5. n. 20 p.40.

187 FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao novo código civil. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2007. p. 28.

188 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. p. 144.

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esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único – A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais e públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos as áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Para maior efetividade ao disposto, teve o legislador o cuidado

de determinar que sua aplicação levaria em consideração não só os aspectos

materiais, mas também os fins sociais a que se destinam.

Art. 6 – Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoa em desenvolvimento.

Assim acerca do tema Belmiro Pedro Welter189 aduz que:

A Constituição Federal, ao adotar o sistema único de filiação, está, na verdade, garantindo a todos os filhos “o direito à peternidade”, e tendo em vista que se trata de um direito constitucional, “ não mais se tolera que aqueles que biologicamente são filhos não sejam juridicamente considerados como tais”. Em outras palavras, “deve-se entender, portanto, que todos as espécies de filiação têm o direito a ser reconhecidos”. Aliás, o art. 7° da Convenção Internacional do Direito da Criança, proclama, em favor do filho, “o direito de conhecer seus pais. No direito brasileiro, o Estatuto da Criança e Adolescente o reconhece em seu art. 27”.

Desde o ano de 1990, o artigo 3.1 da Convenção Internacional

de Direitos da Criança, da ONU190, de 1989, passou a integrar o direito interno

brasileiro, estabelecendo que “[...] todas as ações relativas aos menores devem

189

WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e sociafetiva. p. 142.

190 LÔBO, Paulo Luiz. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus p. 143.

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considerar, primordialmente, o interesse maior da criança. O termo criança para a

Convenção abrange, também o que a lei brasileira (ECA) considera como

”adolescente”.

Concernente ao tema José Roberto Moreira Filho191 leciona

que:

Ser pai ou mãe, atualmente, não é apenas ser a pessoa que gera ou a que tem vínculo genético com a criança. É, antes disso, a pessoa que cria, que ampara, que dá amor, carinho, educação, dignidade, ou seja, a pessoa que realmente exerce as funções de pai ou de mãe em atendimento ao melhor interesse da criança.

E ainda Belmiro Pedro Welter192 ensina: “[...] a filiação

sociológica também é irrevogável. Isso porque, além de ter assento constitucional

(arts. 226, §§ 4° e 7°, e 227 § 6°), devem ser atendidos os princípios da prioridade e

da prevalência absoluta dos interesses da criança e do adolescente”.

A ordem de prioridade é invertida sob a égide do princípio do

melhor interesse, haja vista que antes de seu surgimento, a prática do direito tendia

para a filiação biológica na decisão de conflitos entre a paternidade biológica e

socioafetiva. No entanto “[...] o princípio impõe a predominância do interesse do filho

que norteará o julgador, o qual, ante o caso concreto, decidirá se a realização do

menor estará assegurada, entre os pais socioafetivos ou entre os pais biológicos.”

193

Todavia ao falar em melhor interesse da criança e do

adolescente em termos de filiação não significa fazer coincidir a paternidade jurídica

com a paternidade biológica, pois nem sempre o melhor pai é aquele que possui

mesmo fator genético.

Contudo o fator genético não assegura a melhor paternidade

ou maternidade, pois há aqueles que não agem de acordo com a paternidade

191

MOREIRA FILHO, José Roberto. Direito à identidade genética. p.

192 WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e sociafetiva. p. 193.

193 LÔBO NETTO, Paulo Luiz. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus p. 146.

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biológica responsável, não se importando com os filhos, não os visitam, inexistindo

assim qualquer relação afetiva entre eles o filho.

Nesse sentido estão se posicionando os Tribunais no intuito de

dirimir os conflitos relativo a paternidade. Assim posicionou-se o Tribunal de Justiça

de Santa Catarina194:

Ação Declaratória Negativa de Paternidade- Reconhecimento da mesma através do Registro de Nascimento – Ato jurídico irrevogável – Inteligência da Lei 8.560/92- Vindicação contrária ao que consta do Registro Civil – Inteligência do art. 348 do CC- Impossibilidade jurídica do pedido – Extinção do processo – Sentença confirmada- Apelo improvido. O registro civil prova o nascimento e estabelece presunção de verdade em favor de suas declarações. Ninguém será admitido a impugnar-lhe a veracidade; seu conteúdo impregna-se de fé pública, a mesmo que tenha ocorrido erro ou falsidade do registro

No mesmo sentido posicionou-se o Tribunal de Justiça de São

Paulo195:

NEGATÓRIA DE PATERNIDADE-Reconhecimento voluntário – Anulação – Inadmissibilidade – Pai não biológico – Irrelevância – vício de consentimento não alegando – Irrevogabilidade do ato – Recurso não provido – Voto vencido. É irrevogável o reconhecimento voluntário de paternidade se não eivado de vício de vontade como erro, coação ou inobservância de certas formalidades legais

Assim tem se posicionado a maioria dos Tribunais, uma vez

que o interesse maior do judiciário é o dever a proteção da criança e do adolescente,

sabendo-se que os seus interesses devem preponderar ao demais.

Sendo assim, os conflitos entre os pais biológicos e os pais

socioafetivos não se resolve mais pela primazia de um ou de outro, e sim pelos

interesses do filho.

Diante dos apontamentos, Paulo Luiz Lôbo Netto196 assevera:

194

SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação cível nº 96.00570l-3, de Pinhalzinho, Rel. Des.Cláudio Barreto Dutra.Disponível em: <www.tj.sc.gov.br>. Acesso 28/04/2010.

195 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação cível. nº 274.482-, de São Paulo, j. 11.6.96, Rel. Des. Alfredo Migliore. Disponível em:< www.tjsp.jus.br >. Acesso 28 abr. 2010.

196 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus p. 155-156.

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A solução do conflito mudou o foco dos interesses dos pais para os filhos. A convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989, com força da lei ordinária no Brasil, desde 1990, estabelece que todas as ações relativas às crianças devem considerar, primordialmente, o melhor interesse da criança, em face dos interesses dos pais. Essa norma, interiormente conforme a Constituição foi absorvida pelo Estatuto da Criança e Adolescente e pelo Código Civil de 2002.

Desta forma, quando não houver vínculos afetivos entre pai e

filho, a paternidade biológica deverá imperar sobre a paternidade socioafetvia, uma

vez que se não há relação paterno-filial saudável e afetiva entre pai e filho, não há

que se falar em sociafetividade.

No entanto, verificou-se que nos casos em que houver uma

relação paterno-filial amorosa e saudável entre o pai e o filho, sejam os ligados ou

não pelos laços sanguíneos, a paternidade sociafetiva deverá ser preservada,

inclusive juridicamente, para a continuação da vida social e psicológica da criança

não ser afetada.

Assim os laços afetivos são mais importantes do que os laços

biológicos, pois é o que dá base para a formação de uma criança, a estrutura do seu

lar a forma com que ela é criada, dará amparo para o que ela venha ser no futuro.

3.3.2 O direito de revogar a paternidade e anulação do registro civil

Um exemplo clássico de revogação de registro civil pode ser

visto no caso de um homem que ao estar apaixonado por uma mulher, registra como

seu o filho de outrem (paternidade registratória), após, casa com aquela mulher,

criando e educando o filo alheio como se fosse seu, ou seja, estabelecendo assim

uma relação paterno-filial entre ambos. Porém, como o passar dos anos, o

relacionamento desse homem com a mãe da criança chega ao fim, e esse homem,

arrependido do que fez (ter registrado a criança) queria também deixar de ser pai.

Surge então a pergunta que não quer calar? Teria esse homem

o direito de negar a paternidade de anular o registro civil?

Se for levado em conta o entendimento de alguns anos atrás,

sem dúvida a resposta seria sim. Porém nos dias de hoje a resposta pode ser não.

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Essas situações tratam do reconhecimento voluntário da

paternidade sem a existência do vínculo biológico, equiparando-se assim, a

paternidade adotiva, porém sem a existência do processo legal.

Neste sentido, o tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande

do Sul197, já decidiu, em caso semelhante conforme demonstra a jurisprudência

abaixo:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇAO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA EVIDENCIADA EM TRINTA ANOS DE CONVÍVIO FAMILIAR. ADOÇÃO Á BRASILEIRA. Para haver a anulação do registro civil, deve ser demonstrado um dos vícios do ato jurídico. Pedido embasado em alegada "dúvida" do autor acerca da paternidade da filha, admitida a efetivação do registro de nascimento com dita incerteza. Ato equivalente à denominada adoção à brasileira, que, aplicando-se por analogia o art. 48 do ECA, é irrevogável. Paternidade sociafetiva configurada ante o convívio familiar de trinta anos, idade da ré quando do ajuizamento da ação. APELAÇÃO DESPROVIDA. (SEGREDO DE JUSTIÇA)

Ainda:

EMENTA: REGISTRO DE NASCIMENTO – RECONHECIMENTO ESPONTÂNEO DA PATERNIDADE – ADOÇÃO SIMULADA OU “À BRASILEIRA”. Descabe a pretensão anulatória do registro de nascimento do filho da companheira, lavrado durante a vigência da união estável, já que o ato tipifica verdadeira adoção, que é irrevogável. APELO IMPROVIDO. (Apelação Cível nº 598300028, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Maria Berenice Dias, julgado em 18/11/98).

Sendo assim, atualmente o juiz tem a faculdade de determinar

a paternidade socioafetica, não permitindo a desconstituição da paternidade

registrária apenas pela ausência do vínculo biológico.

Ou seja, não há como desconstituir o registro de nascimento de

uma criança, realizado de forma espontânea por aquele que, mesmo não sabendo

ser o pai biológico, tem o filho como se fosse seu, cumprindo assim com todos os

seus deveres de pai, produzindo esta os mesmo efeitos da adoção, tornando-se

assim, um ato irrevogável.

197

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça di Rio Grande do Sul. Apelação cível nº 70027474907. Sétima Câmara Cível, Relator: André Luiz Planella Villarinho. Porto Alegre/RS.Julgado em 08/07/2009. Disponível em: <www.tjrs,jus.br>. Acesso: 25 abr. 2010

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Colhe-se a jurisprudência neste sentido:

EMENTA: NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. ANULAÇÃO DO REGISTRO CIVIL. AUSÊNCIA DE PROVA DE OCORRÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA. O reconhecimento da paternidade por quem sabe não ser o pai biológico tipifica a chamada adoção à brasileira, inviabilizando a anulação do registro de nascimento, salvo comprovação de ocorrência de vício de consentimento. Apelação desprovida. (Ap. cív. Nº 70031082837, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Jorge Luís Dall'Agnol, julgado em 28/04/2010).

Assim, diante dos julgados expostos, fica demonstrada

claramente a opção do legislador em manter a paternidade e não revogar o registro

de nascimento.

Concernente ao tema Maria Berenice Dias198 aduz que: “como

foi o envolvimento afetivo que gerou a posse do estado de ilho, o rompimento da

convivência não apaga o vínculo da filiação que não pode ser desconstituído”. Assim

se, os pais registraram voluntariamente a criança e conviveram com a mesma, vindo

a separar-se logo após, não há como desconstituir este registro, pois persiste o

registro da filiação, no sentido de que o pai é muito mais importante como função

social do que propriamente como genitor.

Todavia, se após o registro de nascimento, os pais separem-se

nem por isso, desaparece o vínculo de paternidade, ou seja, se mantida a posse de

estado de filho, não há como desconstituir o registro.

Sobre o tema leciona Pontes de Miranda199:

O ato de reconhecimento é irrevogável, isto é, o seu autor, não pode retirar a expressão que motivou o ato de reconhecimento de paternidade e maternidade, nem de desdize, com o fim de pedir o seu cancelamento. O único meio á a alegação de nulidade, anulabilidade ou ineficácia [...].

Sobre o tema, merece destaque à lição de Paulo Luiz Lôbo

Netto200: “a declaração de nascimento do filho, feita pelo pai, é irrevogável. Ao pai

198

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 307.

199 MIRANDA, de Pontes apud Costa, Larissa Toledo. Disponível em: <www.boltimjuridico.com.br/ doutrina/texto.asp?id=1036.>. Acesso 16 maio 2010.

200 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Paternidade socioafetiva e a verdade real, in Revista CEJ. Brasília,

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cabe apenas o direito de contestar a paternidade, se provar conjuntamente, que está

não se constitui por não ter sido o genitor biológico e não ter havido estado de

filiação estável.

Para dar maior elucidação ao tema, pode-se citar tal

jurisprudência:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. ANULATÓRIA DE REGISTRO PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA NÃO DEMONSTRADA. Confirmada a falsidade da declaração de paternidade, inclusive pela recorrente na contestação, para a conservação do registro de nascimento deve restar demonstrado que entre eles se configurou a posse do estado de filho (relação socioafetiva), pois se sobrepõe à verdade consangüínea e manutenção da relação jurídica de filiação que se construiu a partir dos fortes laços afetivos de convivência estabelecidos entre o pão registral e a filha ao longo do tempo. Tal circunstancia, entretanto, não se configurou no caso. NEGARAM PROVIMENTO, À UNANIMIDADE.201

Dessa forma quando um filho for reconhecido jurídica e

voluntariamente por alguém, não há o que se falar em desconstituição da

paternidade, uma vez que a perda da identificação paterna e do vínculo de

parentesco com os parentes em linha paterna feriria sua dignidade. Pois como não

teria como apagar toda a história de sua vida, pelo fato de ter sido alterado um

simples documento. Como se diria a um filho para esquecer a figura paterna que foi

tão marcante durante a sua infância e a adolescência, como também na sua face

adulta.

Como já visto, o reconhecimento da filiação é um ato

irretratável e incondicional, sendo seus efeitos imediatos a partir de sua

manifestação e do lançamento no registro civil, no entanto, este ato poderá emanar

de vícios de vontade ou defeitos formais no registro, como por exemplo, erro ou

coação.

Portanto, somente nestes casos á admitida a modificação do

registro com uma ação anulatória, com sentença transitada em julgado.

201

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação cível nº 70008775686, Sétima Câmara Cível, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Porto Alegre/RS. julgado em 30/06/2004. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 30 abr. 2010.

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Como o Código civil admite apenas duas hipóteses de

impugnação de paternidade: pelo marido ou pelo filho contra o reconhecimento de

filiação, não existe fundamento para disseminação de ações negatória de

paternidade, com o intuito de substituí-la pela paternidade genética.

A jurisprudência tem também entendido, que nos casos de

“adoção à brasileira”, torna-se irrevogável o registro de nascimento, pois quando

estabelecido o estado de filho afetivo, nasce à filiação socioafetiva, a qual está

devidamente amparada na CRFB/88 em seus artigos 226 e227.

Então, o pai registrário não poderá jamais interpor uma ação

negatória de paternidade, ma vez que não tem a legitimidade para buscar a

anulação do registro de nascimento, pelo fato de inexistir vício material ou formal

para ensejar sua desconstituição.

Everton Leandro da Costa202 neste sentido aduz:

Quando um pai cria e educa uma pessoa como filho, mesmo que não biológico, ele deixa transparecer ali o estado de filho sociológico (...) e com isso, não mais poderá impugnar essa paternidade, mesmo que não seja o pai genético.

Portanto, diante de todo o exposto, pode-se constatar que

existem julgados para todos os tipos de casos, uns revogando o registro, nos casos

quando emanar de vício, outros não. Porém constata-se que a grande maioria dos

julgados tem decidido em não anular o registro de nascimento, por isso, “os olhos do

profissional devem estar sempre voltados para as relações sociais que envolvem o

conflito e buscar a melhor solução para a pacificação desta. Não servimos a

biologia, mas sim ao social” 203.

Como a paternidade socioafetiva é um tema novo no direito

brasileiro, existem diversas demandas nos judiciários envolvendo estas questões, e,

pelo fato de não existir uma legislação específica para regular as questões

202

COSTA, Everton Leandro da. Paternidade sócioafetiva. Disponível em: <www.ibdfam.com.br./ public/artigos.aspx?codigo=295>. Acesso em 16 maio 2010.

203 CINTRA, Antônio Carlos Fontes. Sócio-afetividadexconsaguinidade. Disponível em: <www.defensoria.df.gov.br/artigos/artigoantonio.htm>. Acesso em: 10 maio 2010.

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envolvendo esta nova forma de paternidade, as decisões dos magistrados vêm

sendo baseada na grande maioria das vezes em jurisprudências.

O fato é que não se pode negar a existência da paternidade

socioafetiva, a qual foi demonstrada no decorrer da pesquisa, que se dá não só pelo

registro de nascimento, mas principalmente pela convivência diária e pelos vínculos

afetivos que se formam entre pai e filho.

Contudo, o direito civil brasileiro juntamente com a CRFB/88,

passou a valorizar a pessoa, as questões relativas a paternidade e a preservação da

identidade do filho, de sua história de vida e de sua personalidade passaram a ter o

foco no melhor interesse da criança e do adolescente, tutelando os seus direitos,

atentando para a paternidade exercida com responsabilidade.

Por fim, ressalvada a hipótese de erro ou coação, não se pode

voluntariamente registrar uma criança e após negar a paternidade anular o registro

civil, pelo fato de se tratar de um ato irrevogável e irretratável, uma vez que a

paternidade socioafetiva equipara-se a paternidade adotiva, produzindo assim os

mesmos efeitos da adoção.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como advento da CRFB/88 foram inseridos, em nosso

ordenamento jurídico, uma série de princípios e direitos fundamentais. Contudo, uma

das principais mudanças trazidas pela Constituição foi sem dúvida a equiparação

dos filhos.

Até a promulgação da CRFB/88 os filhos eram tidos como

legítimos e ilegítimos, dependendo do vínculo existente entre seus pais. Se os pais

fossem casados então os filhos seriam legítimos, caso não fossem, seriam

ilegítimos.

Pode-se dizer que há muitas verdades acerca da filiação, mas

infelizmente, nem todas elas estão protegidas pelo ordenamento jurídico. A respeito

disso, citamos a filiação baseada apenas o afeto. Pois, embora a CRF/88 tenha

equiparado os filhos, proibindo a discriminação e reconhecendo, como vimos ao

longo do trabalho, o princípio da afetividade, ela não faz referencia direta ao

chamado filho sociafetivo.

Ao não reconhecer e proteger a filiação socioafetiva, o

legislador deixa uma enorme lacuna no nosso ordenamento. E foi essa lacuna

deixada pelo legislador que motivou a presente pesquisa.

O presente trabalho teve como objetivo investigar, à luz da

legislação, da doutrina e jurisprudência brasileira, os aspectos da filiação a

paternidade socioafetica, bem como as soluções dos conflitos que versam sobre a

paternidade socioafetiva, se valendo das formas de reconhecimento da paternidade,

às enquadrando no princípio do melhor interesse da criança.

O interesse pelo tema deu-se em razão de existir

cotidianamente problemas enfrentados por criança que provieram de relações não

matrimoniais e em decorrência desse fato sofreram as discriminações impostas pela

sociedade.

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Para seu desenvolvimento a presente pesquisa foi dividida em

três capítulos.

O primeiro, tratou sobre considerações gerais do direito de

família, fazendo uma contextualização da família no direito romano, canônico, bem

como uma abordagem da família na atualidade, no direito de família brasileiro e da

família na atualidade, fazendo-se uma abordagem panorâmica acerca do direito de

família no Brasil, a sua natureza jurídica e características, os princípios e por fim o

direito de família na Constituição e no Código civil.

Neste capítulo, observou-se que historicamente a religião, era

a norma constitutiva da família, tornando os laços de consangüinidade em princípio

secundário. Mostrou-se, porém, que as famílias não advindas do matrimonio não

eram consideradas legitimas, e o mesmo acontecia com os seus filhos, ou seja, os

filhos concebidos de famílias não matrimoniais eram tidos como filhos ilegítimos.

O segundo capítulo foi destinado a filiação e paternidade, as

espécies de paternidade e suas subdivisões, bem como as espécies de filiação, a

forma de seu reconhecimento.

Abordou-se também, que atualmente as divisões em relação a

filiação, são particularmente somente a título de estudo do direito, pois na prática é

vedado qualquer tipo de distinção discriminatória entre filhos, reconhecendo a todos

os filhos, aqueles advindos ou não do matrimonio, todos os direitos à filiação e os

benefícios e ela inerentes.

Ainda, foi destinado aos meios de reconhecimento, dentre os

quais o reconhecimento voluntário e suas espécies e o reconhecimento judicial.

Pode-se constatar ainda que, o reconhecimento voluntário dos

filhos, quando se tratar do filho maior o reconhecimento dependerá de sua

aceitação, e quanto ao filho menor fica reservado o direito a sua impugnação nos

prazos estipulados por lei.

No terceiro capítulo, observaram-se os aspectos relevantes da

paternidade socioafetiva e suas divergências com a paternidade biológica, tratou-se

da caracterização da paternidade socioafetiva, onde tentou-se enumerar, quais os

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fatores que apontam para essa forma de paternidade, vislumbrando o caráter afetivo

acima do fator biológico.

Nesse último capítulo foi considerada a importância do pai na

formação da criança, considerando que pai não é aquele que simplesmente possui

um laço biológico, mas sim aquele que assumiu a paternidade de forma responsável

criando assim uma verdadeira paternidade, baseada nos laços afetivos.

Pode-se perceber durante a pesquisa, que nos casos de

conflitos entre a paternidade biológica e socioafetiva, tanto a doutrina como a

jurisprudência, tem-se posicionado no sentido de assegurar o melhor interesse da

criança e do adolescente.

Para encerrar essa pesquisa, foi apreciada a questão da

revogação e anulação do reconhecimento, e com base nos posicionamentos

doutrinários e jurisprudenciais, foi demonstrado que o reconhecimento da filiação é

ato jurídico irretratável e irrevogável, não podendo estar os interesses dos filhos

vulneráveis aos sentimentos dos pais, ressalvados os casos que ocorrem defeito no

negócio jurídico.

Passando as hipóteses da pesquisa, verificou que a primeira:

Quando há reconhecimento da paternidade socioafetiva,

aquele eu o reconhece, terá que assumir os mesmos encargos de um pai biológico,

restou comprovada visto que, o reconhecimento da paternidade gera todos os

deveres inerentes ao pai, com fundamento no principio constitucional da igualdade

jurídica dos filhos, consagrado pela CRFB/88 em seu art. 227 § 6.

Com relação à segunda hipótese:

A jurisprudência tem aderido à idéia de filiação afetiva

independente da biológica, indo inversamente a base estritamente patriarcal, restou

confirmada, já que se absorveu do estudo que a paternidade socioafetiva vem sendo

reconhecida, amparando tanto aos filhos, como aos pais que não querem ter

interrompido o seu vinculo de afeto por problemas judiciais, uma vez que a teoria do

melhor interesse da criança toma proporções maiores e a cada dia, sendo

confirmada pelos Tribunais.

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A última hipótese trabalhada na pesquisa:

O reconhecimento da paternidade socioafetiva poderá ser

revogado ou anulado, ou deverá nos casos concretos priorizar o melhor interesse da

criança ou do adolescente, restou confirmada em parte, haja vista que o

reconhecimento voluntário da filiação é um ato jurídico irrevogável e irretratável, uma

vez que a paternidade socioafetiva equipara-se a paternidade adotiva, produzindo

assim os mesmos efeitos da adoção. Assim a revogação ou a anulação é possível,

somente nos casos em que forem comprovados o erro e a coação.

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