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FACULDADE MERIDIONAL IMED

ESCOLA DE DIREITO

PROGRAMA DE PS-GRADUAO STRICTO SENSU EM DIREITO PPGD

MESTRADO EM DIREITO

Larissa Borges Fortes

A PARTICIPAO POPULAR NO PROCESSO CONSTITUINTE DA BOLVIA COMO ELEMENTO DE FORTALECIMENTO DA DEMOCRACIA NA AMRICA

LATINA.

Passo Fundo 2017

Larissa Borges Fortes

A PARTICIPAO POPULAR NO PROCESSO CONSTITUINTE DA BOLVIA COMO ELEMENTO DE FORTALECIMENTO DA DEMOCRACIA NA AMRICA

LATINA.

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao Stricto Sensu Mestrado em Direito da Faculdade Meridional IMED, em sua rea de concentrao em Direito Democracia e Sustentabilidade, Linha de Pesquisa Fundamentos do Direito e da Democracia,como requisito obteno do ttulo de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Sergio Ricardo Fernandes de Aquino

Passo Fundo, RS

2017

CIP Catalogao na Publicao

F738p FORTES, Larissa Borges

A participao popular no processo constituinte da Bolvia como elementos de

fortalecimento da democracia na Amrica Latina / Larissa Borges Fortes. 2017.

77 f. ; 30 cm.

Dissertao (Mestrado em Direito) Faculdade IMED, Passo Fundo, 2017.

Orientador: Prof. Dr. Srgio Ricardo Fernandes de Aquino.

1. Democracia participativa. 2. Processo constituinte. 3. Plurinacionalidade. I.

Aquino, Srgio Ricardo Fernandes de, orientador. II. Ttulo.

CDU: 321.8

Catalogao: Bibliotecria Angela Saadi Machado - CRB 10/1857

DEDICATRIA

Dedico o trabalho a todos os povos latino-americanos que, apesar de

viver na esperana de existir enquanto identidade, experimenta uma realidade

colonial, marcada, ainda, pelo encobrimento.

A segunda fundao da Bolvia

No dia 22 de janeiro de 2002, Evo foi expulso do paraso. Ou seja: o deputado

Evo Morales foi posto para fora do Parlamento.

No dia 22 de janeiro de 2006, nesse mesmo lugar de aspecto pomposo, Evo

Morales foi empossado como presidente da Bolvia. Ou seja: a Bolvia

comea a dar-se conta de que um pas de maioria indgena.

Na poca da expulso, um deputado indgena era algo mais raro do que um

co verde. Hoje, so muitos os legisladores que mascam coca, um costume

milenar que era proibido no sagrado recinto do Parlamento.

Muito antes da expulso de Evo, seu povo, o indgena, j havia sido expulso

da nao oficial. Os ndios no eram filhos da Bolvia - no passavam de sua

mo-de-obra. At pouco mais de meio sculo atrs, os ndios no podiam

votar nem andar pelas caladas das cidades. Com toda razo, Evo, em seu

primeiro discurso presidencial, disse que, em 1825, os ndios no foram

convidados para a fundao da Bolvia.

Essa tambm a histria de toda a Amrica, incluindo os EUA. Nossos

pases nasceram mentidos. A independncia dos pases americanos foi

usurpada desde o primeiro momento por uma minoria muito minoritria.

Todas as primeiras Constituies, sem exceo, deixaram de fora as

mulheres, os ndios, os negros e os pobres em geral.

Pelo menos nesse sentido, a eleio de Evo Morales equivalente eleio

de Michelle Bachelet. Evo e Eva. Pela primeira vez um indgena presidente

da Bolvia, e pela primeira vez uma mulher presidente do Chile. O mesmo

poderia ser dito do Brasil, onde, pela primeira vez, o ministro da Cultura

negro. Por acaso no tem razes africanas a cultura que salvou o Brasil da

tristeza?

Nestas terras doentes de racismo e de machismo, no faltar quem ache que

tudo isso um escndalo. O escandaloso mesmo que no tenha acontecido

antes.

Cai a mscara, o rosto vem tona, e a tempestade se intensifica.

A nica linguagem digna de crdito aquela nascida da necessidade de

dizer. O mais grave defeito de Evo consiste no fato de que as pessoas

acreditam nele, porque ele transmite autenticidade at mesmo quando

comete algum erro ao falar o castelhano, que no sua lngua de origem.

Acusam-no de ignorncia os doutores que exercem a superioridade de ser

ecos de vozes alheias. Os vendedores de promessas o acusam de

demagogia. Acusam-no de caudilhismo aqueles que impuseram Amrica

um Deus nico, um rei nico e uma verdade nica. E tremem de pavor os

assassinos de ndios, com medo de que suas vtimas sejam como eles.

Bolvia parecia ser no mais do que o pseudnimo daqueles que mandavam

na Bolvia e que o exprimiam quando cantavam o hino nacional. E a

humilhao dos ndios, transformada em costume, parecia ser um destino.

Entretanto, nos ltimos tempos, meses, anos, esse pas vivia em um perptuo

estado de insurreio popular. Esse processo de contnuos levantes, que

deixou um rastro de mortes, chegou ao auge com a guerra do gs, mas j

vinha de antes. Vinha de antes e continuou depois, at a eleio de Evo,

contra ventos e mars.

Com o gs boliviano estava sendo repetida uma histria antiga de tesouros

roubados ao longo de mais de quatro sculos, desde meados do sculo 16: a

prata de Potos deixou uma montanha vazia, o salitre da costa do Pacfico

deixou um mapa sem mar, o estanho de Oruro deixou uma multido de

vivas. Foi isso o que deixaram, e apenas isso.

Os tumultos dos ltimos anos foram crivados de balas, mas evitaram que o

gs se evaporasse em mos alheias, desprivatizaram a gua em

Cochabamba e La Paz, derrubaram governos governados de fora do pas e

disseram "no" ao imposto sobre o salrio e outras sbias ordens do FMI. Do

ponto de vista dos meios civilizados de comunicao, essas exploses de

dignidade popular foram atos de barbrie. Mil vezes j o vi, li e ouvi: a Bolvia

um pas incompreensvel, ingovernvel, intratvel, invivel. Os jornalistas

que o dizem se enganam de "in": deveriam confessar que, para eles, a Bolvia

um pas invisvel.

No h nada de estranho nisso. Essa cegueira no apenas um mau hbito

de estrangeiros arrogantes. A Bolvia nasceu cega para ela mesma, porque o

racismo impe antolhos s pessoas, e com certeza no faltam bolivianos que

preferem enxergar-se com os olhos que os menosprezam.

Mas deve ser por algum motivo que a bandeira indgena dos Andes faz uma

homenagem diversidade do mundo. De acordo com a tradio, uma

bandeira nascida do encontro do arco-ris fmea com o arco-ris macho. E

esse arco-ris da terra, que na lngua nativa se chama tecido de sangue e que

ondeia ao vento, tem mais cores do que o arco-ris do cu.

Eduardo Galeano

Traduo de Clara Allain

AGRADECIMENTOS

O perodo de dois anos de mestrado foi um dos mais difceis da minha

vida. Foram dias e noites de recluso. Leituras, estudos, pesquisas, ausncias.

Muitas ausncias. Ausente com meu marido, ausente com meus pais, minhas irms

e meu irmo, minhas avs. Ausente com minha famlia, de modo geral. Ausente com

meus amigos e amigas. Ausente com minha canina Francisca. Ausente no meu

ambiente profissional.

Talvez esse perodo tenha tido mais obstculos do que eu mesma

imaginava, pois a academia no , hoje, um ambiente que acolhe e convida a

pesquisar. Sair da zona de conforto, por certo, no e nem deveria ser uma tarefa

fcil e tranquila e a academia deve ter, tambm, esse papel: desafiar.

No entanto, por vezes a academia se torna algo triste, solitrio,

melanclico e, ao contrrio de desafiar, desanima. Apesar de todos os obstculos,

sejam eles naturais do desafio ou da forma como a academia tem se colocado na

vida dos pesquisadores e pesquisadoras, a pesquisa foi realizada e a dissertao

nasceu. E essa dissertao s nasceu porque pude contar com o apoio de pessoas

muito especiais, que compreenderam as ausncias, auxiliaram nelas, e fizeram com

que eu me sentisse segura e capaz de seguir em frente.

Ao Igor, amor da minha vida, meu marido, companheiro de todas as

horas. Deu-me apoio, amor e carinho. Leu meu trabalho por diversas vezes, corrigiu

meu portugus, consolou-me todas as vezes em que achei que no conseguiria,

secou minhas lgrimas em todas as minhas decepes e ajudou a me erguer diante

das pedras no caminho. Est sempre ao meu lado, o meu amor e minha paz,

como j diz Chico Buarque.

Francisca, companheira canina, que esteve sempre ao meu lado nos

momentos de estudo, dizendo-me que jamais estaria sozinha.

Aos meus pais, que me apoiaram sempre, cultivando em mim, desde

criana, a vontade de estudar e de pensar, sempre, para e num mundo melhor. Alm

disso, por terem compreendido todas as minhas muitas ausncias em inmeros

momentos de reunies de famlia, nos almoos de domingo, nas viagens, nas jantas,

nos cafs e passeios de final de semana.

s minhas irms Jssica e Bruna, que so minhas verdadeiras

companheiras e amigas para a vida toda, que sempre me estiveram comigo, mesmo

que distantes fisicamente. Sempre me mostrando que tudo ia se revolver e que

passaramos muitos outros momentos juntas.

Ao meu irmo Vincius, que alm de um verdadeiro amigo e companheiro

da vida, foi meu professor de mestrado. Acompanhou de perto vrias das minhas

angstias e esteve sempre ao meu lado, inclusive para correes da dissertao.

Alm disso tudo, o Vini, junto com a Manu, minha cunhada-cumadi, souberam

compreender minha ausncia na espera do pequeno Bernardo, meu sobrinho

querido, que est chegando e que j amo muito.

s minhas avs, Emlia e Selvina, que so mulheres guerreiras, que me

mostraram, sempre, que a f um dos elementos mais importantes para se superar

os momentos difceis. Apesar de doces, essas duas mulheres so fortes e sempre

me inspiraram com sua fora.

Aos meus avs, Fabrcio, Luis e Vitalino, que apesar de no estarem mais

aqui, nesse mundo, esto em algum lugar, iluminando meus caminhos e

acompanhando meus passos.

Aos meus amigos e amigas, meus tios e tias, primos e primas, meu

sobrinho Rafa, minha sogra Cirlene, ao pessoal do escritrio, meus e minhas

colegas de mestrado e professores e professoras, ao pessoal da secretaria do

PPGD, em especial Morgana, enfim, agradeo todos que acompanharam essa

caminhada, apoiando cada qual na sua forma. Agradeo, especialmente, ao meu

orientador Prof. Dr. Srgio Ricardo Fernandes de Aquino, que se mostrou bastante

disponvel e atencioso, alm de ser um exemplo de educador para mim.

E, por fim, agradeo ao Programa de Suporte Ps-Graduao de

Instituies de Ensino Particulares (PROSUP) da Coordenao de Aperfeioamento

de Pessoal de Nvel Superior (CAPES), por financiar parte da minha pesquisa,

viabilizando a continuidade e concluso desse trabalho.

RESUMO

Destaca-se, inicialmente, que a presente dissertao est vinculada linha de pesquisa Fundamentos do Direito e da Democracia, do Programa de Ps-Graduao em Direito Mestrado , da Faculdade Meridional IMED. A histria da Amrica Latina semelhante em praticamente todo o seu territrio: colonizao marcada por explorao, escravizao, etnocdios, extermnio, encobrimento de culturas, dentre tantas outras situaes vivenciadas pelos povos originrios latino-americanos. Por tal razo, muitos dos problemas igualmente so semelhantes e interligados, especialmente no que se refere precria participao popular da diversidade de povos nos espaos polticos e de poder. Pensando-se nessas questes, alm de se observar os processos poltico-jurdicos vivenciados pela Amrica Latina nos ltimos vinte anos, verificou-se que a pesquisa atinente democracia, participao popular e a concretizao do pluralismo cultural-jurdico se mostrou de extrema valia para se repensar algumas das estruturas organizacionais do modelo de Estado e de democracia, modelos estes fundados a partir da colonialidade. O processo constituinte vivenciado pelo Estado boliviano, nesse sentido, mostrou-se um exemplo de ruptura constitucional instigante a ser pesquisado. Procurou-se, portanto, responder ao seguinte problema de pesquisa: a participao popular, nos moldes ocorridos no processo constituinte da Bolvia, a partir da deliberao sobre os temas Pluralismo Jurdico e Plurinacionalidade, pode ser considerada um mecanismo de fortalecimento da Democracia, especialmente no caso da Amrica Latina? A partir do mtodo indutivo e das tcnicas de pesquisa bibliogrfica e documental, procurou-se responder ao problema de pesquisa, levantando-se uma hiptese: a participao popular, nos moldes do processo constituinte da Bolvia, pode ser considerada um elemento de fortalecimento da democracia na Amrica Latina, se atendidas algumas premissas. Buscou-se verificar a importncia dos elementos pluralismo e plurinacionalidade no contexto de refundao dos modelos de Estado e democracia na Bolvia. Procurou-se, ainda, estudar a importncia do processo constituinte da Bolvia no contexto do Novo Constitucionalismo Latino-Americano, na medida em que a participao popular se mostra como elemento essencial nesse movimento. Para verificao do elemento participao popular, procedeu-se a anlise dos documentos oficiais relativos ao processo constituinte da Bolvia, especialmente com relao Comisso n. 4, que tratou da nova organizao e estrutura do novo Estado. A partir de tais anlises, foi possvel observar como ocorreu a participao popular antes e durante o processo constituinte boliviano, no intuito de confirmar ou no as premissas levantadas, quando da hiptese alcanada. Chegou-se, portanto, concluso de que a hiptese foi confirmada, no sentido de que a participao popular, nos moldes do processo constituinte da Bolvia, pode ser considerada um elemento importante para os modelos democrticos latino-americanos, bem como para os modelos de democracia participativa.

Palavras-chave: Pluralismo. Plurinacionalidade. Processo Constituinte. Participao Popular. Democracia Participativa.

RESUMEN

Inicialmente destacar que la presente disertacin est vinculada a la lnea de investigacin Fundamentos do Direito e da Democracia, del Programa de Ps-Graduao em Direito Maestra , de la Faculdade Meridional IMED. La historia de Amrica Latina es semejante en prcticamente todo su territorio: colonizacin marcada por explotacin, esclavitud, etnocidios, exterminio, encubrimiento de culturas, entre tantas otras situaciones vividas por los pueblos originarios latinoamericanos. Por tal razn, muchos de los problemas igualmente son semejantes y estn conectados, especialmente en lo que se refiere a la precaria participacin popular de la diversidad de pueblos en los espacios polticos y de poder. Pensando en esas cuestiones, adems de observar los procesos poltico jurdicos acontecidos en Amrica Latina en los ltimos veinte aos, se verific que la investigacin relativa a la democracia, la participacin popular y la concretizacin del pluralismo cultural jurdico se mostr de extrema vala para repensar algunas de las estructuras organizacionales del modelo de Estado y de democracia, modelos fundados a partir de la colonialidad. El proceso constituyente experimentado por el Estado boliviano, en ese sentido, se mostr como un ejemplo de ruptura constitucional instigador a ser estudiado. Se busc, por tanto, responder al siguiente problema de investigacin: la participacin popular, en los moldes ocurridos en el proceso constituyente de Bolivia, a partir de la deliberacin sobre los temas Pluralismo Jurdico y Plurinacionalidad se puede considerar un mecanismo de fortalecimiento de la Democracia, especialmente en el caso de Amrica Latina? A partir del mtodo inductivo y de las tcnicas de investigacin bibliogrfica y documental, se intent responder al problema de la investigacin, realizando una hiptesis: la participacin popular, en los moldes del proceso constituyente de Bolivia, puede ser considerado un elemento de fortalecimiento de la democracia en Amrica Latina, si se atienden algunas premisas. Se busc verificar la importancia de los elementos pluralismo y plurinacionalidad en el contexto de refundacin de los modelos de Estado y democracia en Bolivia. Se busca, adems, estudiar la importancia del proceso constituyente de Bolivia en el contexto del Nuevo Constitucionalismo Latinoamericano, en la medida en que la participacin popular se muestra como elemento esencial en ese movimiento. Para la verificacin del elemento participacin popular, se procedi al anlisis de los documentos oficiales relativos al proceso constituyente de Bolivia, especialmente en relacin a la Comisin n. 4, que trat de la nueva organizacin y estructura del nuevo Estado. A partir de tales anlisis, fue posible observar como ocurri la participacin popular antes y durante el proceso constituyente boliviano, con el objetivo de confirmar o no las premisas levantadas, al alcanzar la hiptesis. Se lleg, por lo tanto, a la conclusin de que la hiptesis fue confirmada, en el sentido de que la participacin popular, en los moldes del proceso constituyente de Bolivia, se puede considerar un elemento importante para los modelos democrticos latinoamericanos, bien como para los modelos de democracia participativa.

Palabras llave: Pluralismo. Plurinacionalidad. Proceso Constituyente. Participacin Popular. Democracia Participativa.

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Chuquisaca/Comisso n. 4. Relao das propostas recebidas e

identificao do proponente (organizao social, pessoa individual/natural, empresa,

grupo social, etc.). ..................................................................................................... 73

Tabela 2 - La Paz/Comisso n. 4. Relao das propostas recebidas e identificao

do proponente (organizao social, pessoa individual/natural, empresa, grupo social,

etc.). .......................................................................................................................... 74

LISTA DE GRFICOS

Grfico 1 - Representantes Constituintes Comparativo entre mulheres e homens.59

Grfico 2 - Representantes Constituintes Identidades. .......................................... 60

Grfico 3 - Localidade de Pando. Tabela relativa s propostas recebidas nos

encontros territoriais e audincias pblicas. Essa tabela tem por objetivo demonstrar

quem so os atores sociais que apresentaram propostas. ....................................... 65

Grfico 4 - Localidade de La Paz. Tabela relativa s propostas recebidas nos

encontros territoriais e audincias pblicas. Essa tabela tem por objetivo demonstrar

quem so os atores sociais que apresentaram propostas. ....................................... 66

Grfico 5 - Localidade de El Alto. Tabela relativa s propostas recebidas nos

encontros territoriais e audincias pblicas. Essa tabela tem por objetivo demonstrar

quem so os atores sociais que apresentaram propostas. ....................................... 66

Grfico 6 - Localidade de Potos. Tabela relativa s propostas recebidas nos

encontros territoriais e audincias pblicas. Essa tabela tem por objetivo demonstrar

quem so os atores sociais que apresentaram propostas. ....................................... 67

Grfico 7 - Localidade de Oruro. Tabela relativa s propostas recebidas nos

encontros territoriais e audincias pblicas. Essa tabela tem por objetivo demonstrar

quem so os atores sociais que apresentaram propostas. ....................................... 67

Grfico 8 - Localidade de Cochabamba. Tabela relativa s propostas recebidas nos

encontros territoriais e audincias pblicas. Essa tabela tem por objetivo demonstrar

quem so os atores sociais que apresentaram propostas. ....................................... 68

Grfico 9 - Localidade de Santa Cruz. Tabela relativa s propostas recebidas nos

encontros territoriais e audincias pblicas. Essa tabela tem por objetivo demonstrar

quem so os atores sociais que apresentaram propostas. ....................................... 68

Grfico 10 - Localidade de Tarija. Tabela relativa s propostas recebidas nos

encontros territoriais e audincias pblicas. Essa tabela tem por objetivo demonstrar

quem so os atores sociais que apresentaram propostas. ....................................... 69

Grfico 11 - Localidade de Beni. Tabela relativa s propostas recebidas nos

encontros territoriais e audincias pblicas. Essa tabela tem por objetivo demonstrar

quem so os atores sociais que apresentaram propostas. ....................................... 69

Grfico 12 - Localidade de Chuquisaca. Tabela relativa s propostas recebidas nos

encontros territoriais e audincias pblicas. Essa tabela tem por objetivo demonstrar

quem so os atores sociais que apresentaram propostas. ....................................... 70

Grfico 13 - Tabela comparativa entre o nmero de participantes por cidade, nmero

de propostas recebidas escritas e verbais. Destaca-se que se trata de propostas

relacionadas somente Comisso n. 4. .................................................................. 71

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

APG Asamblea del Pueblo Guarani

CIDOB Confederacin de Pueblos Indgenas de Bolvia

CONAIE Confederao de Nacionalidades Indgenas do Equador

CONAMAQ Consejo Nacional de Ayllus y Markas de Qullasuyu

CPESC Coordinadora de Pueblos tnicos de Santa Cruz

CSCB Confederacin Sindical de Colonizadores de Bolvia

CSUTCB Confederacin Sindical nica dos Trabajadores Campesinos

de Bolvia

CPEMB Confederacin de Pueblos tnicos Moxeos de Beni

FNMCB-BS Federacin Nacional de Mujeres Campesinas de Bolvia,

Bartolina Sisa

INE Instituto Nacional de Estadstica

MAS Movimiento Al Socialismo

MAS-IPSP Movimiento Al Socialismo Instrumento Poltico por la

Soberana de los Pueblos

MBL Movimiento Bolvia Libre

MNR Movimiento Nacionalista Revolucionrio

MNR-FRI NP Movimiento Nacionalista Revolucionrio Frente Revolucionrio

de Izquierda

MST Movimiento Sin Tierra de Bolvia

OIT Organizao Internacional do Trabalho

PODEMOS Partido Democrtico y Social

SUMRIO

1 INTRODUO ....................................................................................................... 15

EPGRAFE ................................................................................................................ 20

CAPTULO 1 ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO ESTADO CONSTITUCIONAL

PLURINACIONAL NA BOLVIA ............................................................................... 21

1.1 Estado Constitucional Plurinacional e o Pluralismo Jurdico ............................ 21

1.2 Estado Constitucional Plurinacional frente ao modelo proposto pelo Estado

Moderno................................................................................................................. 34

CAPTULO 2 A PARTICIPAO POPULAR E O PROCESSO CONSTITUINTE NO

ESTADO PLURINACIONAL DA BOLVIA ............................................................... 43

2.1 A Participao Popular e o Novo Constitucionalismo Latino-Americano: um

estudo sobre a Bolvia (2009) ................................................................................ 43

2.2 A Constituio como expresso da vontade popular: anlise dos documentos

oficiais relativos organizao da Assembleia Constituinte e das atas oficiais da

Comisso 4 (Organizacin y Estructuta Del nuevo Estado), formada durante o

processo constituinte da Bolvia ............................................................................ 55

CAPTULO 3 A PARTICIPAO POPULAR COMO MECANISMOS PARA

DEMOCRATIZAR A DEMOCRACIA. ....................................................................... 80

3.1. O Processo Constituinte Boliviano a partir da Participao Popular: um

caminho para um novo modelo democrtico ......................................................... 80

3.2 Desafios para o fortalecimento da Democracia Participativa na America Latina:

a emancipao e a decolonialidade a partir da experincia boliviana ................... 98

CONSIDERAES FINAIS .................................................................................... 114

REFERNCIAS ....................................................................................................... 121

15

1 INTRODUO

A histria da Amrica Latina semelhante em praticamente todo o seu

territrio: colonizao marcada por explorao, escravizao, etnocdios, extermnio,

encobrimento de culturas, aculturamento, dentre tantas outras situaes vivenciadas

pelos povos originrios latino-americanos.

Com isso, muitos dos problemas latino-americanos igualmente so

semelhantes e interligados: a pobreza, o desenvolvimento tardio, as profundas

desigualdades scio-polticas, as permanentes ameaas s jovens democracias, as

misrias sociais extremas (que geram diferentes modalidades de excluso), o

encobrimento de culturas, a escassez da participao popular nos espaos polticos

e de poder, dentre outros fatores.

Pensando-se nessas questes, alm de se observar os processos poltico-

jurdicos vivenciados pela Amrica Latina nos ltimos vinte anos, verificou-se que a

pesquisa atinente democracia, participao popular e a concretizao do

pluralismo cultural-jurdico se mostrou de extrema valia para se caminhar no

horizonte da diminuio de problemas como os anteriormente citados, bem como

para se repensar algumas das estruturas organizacionais do modelo de Estado

moderno fundado no modelo europeu.

A partir de uma viso prvia presente pesquisa, o exemplo boliviano se

mostrava bastante rico para resignificar o modelo de Estado e as estruturas sociais,

na medida em que parecia carregar em seu recente processo constituinte a

participao de pessoas que sempre estiveram excludas dos processos de

decises polticas as populaes indgenas, movimentos sociais, sociedade civil,

organizaes ambientais, alm da participao daqueles que sempre estiveram

ocupando espaos de deciso e poder.

Observou-se que, para que se chegasse perspectiva do pluralismo no texto

constitucional, houve a participao de diferentes setores sociais na construo

desse texto normativo. Foi no rico e plural processo constituinte que nasceu a

Constituio do Estado Plurinacional da Bolvia, na vanguarda latino-americana,

trazendo novas bases para se repensar o Estado por meio do pluralismo cultural-

jurdico e a plurinacionalidade.

16

Ao assegurar a participao das populaes indgenas nos espaos de deciso

e construo da Constituio - bem como assegurar que a nacionalidade no se

restringe aos contornos territoriais desse Estado-nao, mas a qualquer uma das

mais de sessenta populaes indgenas que habitam aquele territrio -, observou-se

uma verdadeira caminhada para a concretizao do pluralismo cultural e jurdico.

Quando se reconhece no texto constitucional, tambm, que a lngua oficial no

se restringe ao espanhol lngua-me dos colonizadores, no dos povos originrios

-, assegurou-se a possibilidade dos mais de sessenta povos a existncia inclusive

com relao s suas lnguas e/ou idiomas, seja quchua, seja aymara, seja aquela

decorrente de qualquer outro povo indgena. Ao se reconhecer a possibilidade de

uma Jurisdio Indgena, no subalterna Jurisdio Ordinria, mostra-se a

possibilidade do pluralismo jurdico saltar dos textos legais (e acadmicos) para as

prticas vivenciadas pelos povos indgenas da Bolvia.

A partir dos vrios novos elementos nascidos da nova Constituio da Bolvia,

da sua construo em torno de debates e participao dos prprios beneficirios dos

direitos ali contidos, mostra-se plenamente vivel e promissora a construo de

modelos democrticos mais eficientes e mais prximos de um ideal de bem comum,

mas, principalmente, de respeito s diferenas e pensados a partir das realidades

latino-americanas.

Nesse sentido se procurou responder ao seguinte problema de pesquisa: a

participao popular, nos moldes ocorridos no processo constituinte da Bolvia, a

partir da deliberao sobre os temas Pluralismo Jurdico e Plurinacionalidade,

pode ser considerada um mecanismo de fortalecimento da Democracia,

especialmente no caso da Amrica Latina?

Considerando o referido problema de pesquisa, chegou-se a uma possvel

hiptese, que poder ser confirmada ou no: a participao popular, nos moldes do

processo constituinte da Bolvia, pode ser considerada um elemento de

fortalecimento da democracia na Amrica Latina, se atendidas algumas premissas.

A primeira premissa constitiu em observar se houve a efetiva participao dos

diversos grupos sociais no processo constutinte no apenas uma participao

formal. A segunda premissa levantada foi com relao ao respeito s deliberaes

dos diversos grupos sociais frente ao processo constituinte.

17

Para confirmao da referida hipteses, tambm se levantou a premissa

acerca das deliberaes frutificadas da participao popular, se esto contidas no

texto da nova Constituio da Bolvia e, por fim, a premissa que pretendeu avaliar se

a experincia boliviana pode ser considerada enquanto modelo democrtico a ser

observado por pases com caracteristicas semelhantes, especialmente com relao

aos demais pases latino-americanos.

Para se verificar as premissas levantadas, a fim de confirmar ou no a hiptese

levantada e, por consequencia, responder ao problema de pesquisa proposto,

organizou-se o trabalho em trs captulos, com dois subttulos em cada um dos

captulos, vinculando-se cada um dos subttulos s premissas anteriormente

indicadas.

No primeiro captulo desta dissertao, buscou-se analisar os elementos

constitutivos ao Estado Plurinacional da Bolvia, especialmente a Plurinacionalidade

e o Pluralismo Jurdico. Verificou-se, tambm, o modelo de Estado Plurinacional

frente ao modelo de Estado Moderno tradicional.

Pretendeu-se, nesse primeiro momento, examinar o elemento

Plurinacionalidade, verificando em quais aspectos esse elemento se torna

importante para resignificar o texto constitucional proposto, bem como analisar quais

evidncias demonstraram a necessidade de uma Constituio Plurinacional.

Sob igual critrio, pretendeu-se verificar em que contexto nasceu o modelo de

Estado moderno tradicionalmente conhecido, observando quais os elementos que

so importantes para a estrutura organizacional das sociedades, de forma geral, e

quais os elementos que devem ser refundados, a partir de realidades prprias, como

o caso latino-americano, em especial da Bolvia.

A partir dessas anlises, constatou-se como o modelo proposto pela Bolvia,

em sua atual estrutura de Estado Plurinacional, apresenta diferenas significativas

frente ao modelo de Estado moderno, cumprindo com as caractersticas de

decolonialidade e pluralismo cultural e jurdico postulados pelas lutas sociais que

deram origem ao novo texto constitucional.

No segundo captulo, pretendeu-se pesquisar, especificadamente, o elemento

da participao popular no processo constituinte da Bolvia. Estudou-se tal elemento

18

a partir da perspectiva do Novo Constitucionalismo Latino-Americano, especialmente

no caso da Bolvia (2009).

Com relao ao caso boliviano, pretendeu-se analisar documentos oficiais

sobre o processo constituinte, bem como algumas das atas da Comisso n. 4

(Organizacin y Estructuta Del nuevo Estado) do referido perodo constituinte. Ao se

fazer esse recorte com base na temtica da referida comisso, conseguiu-se

identificar os elementos estudados no presente trabalho plurinacionalidade,

pluralismo jurdico e participao popular.

Essa anlise se deve ao recente processo constituinte, o qual nasceu

justamente pela presso popular em refundao dos elementos constitutivos do

Estado. A participao popular, nesse caso, ocorreu de forma intensa desde o

perodo anterior Assembleia Constituinte, contexto este que propiciou o

nascimento da atual Constituio.

Analisou-se, portanto, algumas das atas das reunies e encontros que

ocorreram durante o processo constituinte boliviano (somente da comisso referida

anteriormente), justamente para verificar a qualidade1 da participao dos povos

indgenas e movimentos sociais, verificando-se se, o elemento participao popular

representa fator importante para o fortalecimento da Democracia, especialmente em

ambientes sociais, polticos e jurdicos mais historicamente vulnerveis, como o

caso da Bolvia.

No terceiro e ltimo captulo, a partir da anlise do processo constituinte da

Bolvia e dos elementos constitutivos do novo modelo de Estado (Plurinacional),

pretendeu-se verificar a participao popular como mecanismo para democratizar

a democracia, apropriando-se do termo utilizado por Boaventura de Sousa Santos.

No primeiro tpico do terceiro e ltimo captulo, procurou-se apontar as

principais diferenas entre o modelo democrtico hegemnico representativo

liberal , comparando-se com o modelo democrtico participativo, indicando

algumas teorias contra-hegemnicas, que explicam a participao popular enquanto

importante mecanismo para o aprimoramento da democracia e avano para as

teorias democrticas clssicas.

1 O termo qualidade se refere anlise de como ocorreu a participao popular nesse processo, justamente para verificar se no foi somente formal, o que ser possvel a partir da confirmao ou no dos pressupostos elencados na hiptese levantada no presente trabalho.

19

Verificou-se algumas das principais teorias da democracia, principalmente

aquelas com vis pluralista e emancipador, alternativas aos modelos democrticos

liberais, considerando os elementos estudados nos captulos anteriores:

plurinacionalidade, pluralismo jurdico e a participao popular.

Pretendeu-se, ainda nesse captulo, verificar os desafios para a democracia

participativa na Amrica Latina, participao esta pensada pelo vis da

emancipao, decolonialidade e plurinacionalidade, a partir do olhar desenvolvido no

Novo Constitucionalismo Latino-Americano e, especialmente, a partir da experincia

boliviana diante do novo paradigma democrtico vivenciado.

20

EPGRAFE

Salgo a caminar Por la cintura csmica del sur

Piso en la regin Ms vegetal del viento y de la luz

Siento al caminar Toda la piel de Amrica en mi piel

Y anda en mi sangre un ro Que libera en mi voz

Su caudal

Sol de alto Per Rostro Bolivia, estao y soledad Un verde Brasil besa a mi Chile

Cobre y mineral Subo desde el sur

Hacia la entraa Amrica y total Pura raz de un grito

Destinado a crecer Y a estallar

Todas las voces, todas

Todas las manos, todas Toda la sangre puede

Ser cancin en el viento

Canta conmigo, canta Hermano americano Libera tu esperanza

Con un grito en la voz!

Cancin con todos (Letra de Armando Tejada Gmez e Csar Isella)

http://www.cancioneros.com/aa/19/0/canciones-de-armando-tejada-gomezhttp://www.cancioneros.com/aa/35/0/canciones-de-cesar-isella

21

CAPTULO 1

ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO ESTADO CONSTITUCIONAL

PLURINACIONAL NA BOLVIA

1.1 Estado Constitucional Plurinacional e o Pluralismo Jurdico

A cosmoviso ou viso csmica seria a forma particular, de cada povo, de

sentir/perceber e projetar o mundo. Existem inmeros povos na regio andina, cada

qual com sua cosmoviso. No entanto, apesar de cada um possuir sua prpria

identidade, h uma caracterstica essencial que comum a todos esses povos: o

paradigma comunitrio fundado na vida em harmonia e equilbrio com o entorno.

Recuperar essa cosmoviso voltar a sua identidade, entrar em contato com a

cosmoviso de seus ancestrais.

Entender a cosmoviso andina entender os contornos tericos e prticos do

Novo Constitucionalismo Latino-Americano a partir do Buen Vivir/Vivir Bien. A

expresso que em Aymara (Bolvia) conhecida como Suma Qamaa (Vivir Bien)

e em Quechua (Equador) conhecida como Sumak Kawsay (Buen Vivir),

significam2 viver em plenitude.

Essas expresses significam viver em harmonia e equilbrio; em harmonia com

os ciclos da Me Terra (Pachamama), com o cosmos, com a vida e a histria e,

principalmente, em equilbrio com toda forma de existncia humana e no

humana, em permanente e mtuo respeito.

A identidade desses povos nasce de uma profunda relao com o entorno,

com a Me Terra, com o lugar que habitam. Nasce, tambm, de acordo com a forma

de vida, com o idioma, as danas, a msica, dentre tantos outros elementos. Existe

uma identidade prpria de cada cultura, que nasce de uma complementao com a

comunidade da vida.

2Traduzir o significado das expresses em Aymara e Quechua muito difcil, na medida em que tais

expresses so muito prprias e cheias de significados em suas prprias origens. A traduo, inevitavelmente, acaba perdendo um pouco de seu significado original.

22

A partir da significao da expresso cosmoviso, mostra-se imprescindvel

que se distinga o viver bem do vivir mejor3. Quando se analisa o viver melhor,

pressupe-se que algum vive pior. Nesse sentido, segundo a Filosofia Andina,

essa competio de quem vive melhor acabou por gerar uma sociedade cada vez

mais desigual, desequilibrada, depredadora, consumista, insensvel e

antropocntrica.

Nesse sentido, as bases legais que se preocupam em manter/resgatar a

Filosofia Andina e a cultura do Vivir Bien/Buen Vivir se mostram valiosas, alm de

precursoras de um movimento que pretende auxiliar na construo de um novo

modelo de integrao social.

Para que ocorra essa elaborao scio-poltica-jurdica, a Plurinacionalidade

um tema estratgico na medida em que reconhece e valoriza a existncia de vrios

povos, vrias nacionalidades, vrias identidades, dentro de um mesmo territrio.

Essa categoria resgata as identidades dilaceradas pelas foras colonizadoras e evita

outros conflitos internos os quais dificultam a viabilidade desse projeto no decorrer

do tempo.

A Plurinacionalidade nada mais do que a expresso do pluralismo jurdico-

cultural reconhecido no texto constitucional e um elemento fundante do novo Estado

Constitucional Plurinacional da Bolvia, vanguarda na mudana de paradigma na

Amrica Latina.

Segundo Mascaro 4 , o nascimento da Modernidade pode ser considerado

quando da rutptura com o perodo medieval perodo este que foi marcado pelo

pluralismo. Algumas das marcas desse mencionado perodo histrico so o

surgimento e a consolidao do Capitalismo, bem como a exaltao do

individualismo que surge justamente a partir da concepo burguesa da

propriedade privada.

A organizao do Estado, a partir Idade Moderna, atenta para novos

imperativos: fim dos feudos, expanso do comrcio, grandes navegaes, unio dos

territrios, relaes sociais mais complexas, entre outros. Conforme afirma

3MAMANI, Fernando H. Buen vivir/ Vivir bien: Filosofa, polticas, estrategias y experiencias

regionales andinas. Peru: CAOI, 2010. 4

MASCARO, Alysson Leandro. Introduo filosofia do direito: dos modernos aos contemporneos. 2. ed. So Paulo: Atlas, 2005, p. 18.

23

Mascaro5, as tradicionais explicaes medievais do poder divino e humano cedem

lugar a uma compreenso que busca ser realista na anlise do papel e na ao do

governante, ou seja, as explicaes teolgicas do lugar aos princpios da poltica.

De acordo com Mascaro6, nesse perodo, a burguesia buscava as liberdades,

principalmente para negociar, sendo que vai ser na poltica que ela encontra tais

liberdades. partir das concepes advindas das lutas burguesas, portanto, que se

tem o destaque dos direitos individuais, configurando mais uma das importantes

caractersticas da modernidade.

J Silva 7 entende que o momento mximo da modernidade, ou melhor, o

momento pice dos movimentos que deram origem modernidade, foi o ano de

1492. Segundo o autor, ao citar Dussel, foi a partir desse momento em que houve o

confronto entre o europeu e aqueles que no lhe eram semelhantes, o outro.

Segundo Silva8, o encobrimento do outro pode ser considerado o smbolo da

modernidade e o ano de 1492 pode ser considerado esse marco, eis que foi [...] o

ano da Conquista da Amrica, por Colombo, bem como o ano em que os Reis

Catlicos da Europa ocuparam a cidade de Granada, ltimo reduto muulmano do

continente europeu.

Mostra-se importante essa introduo para explicar que o universalismo e o

individualismo talvez as principais marcas da Modernidade so tambm

caractersticas dos modelos democrticos liberais modernos. Em que pese a marca

da Amrica Latina ser a diversidade de povos, culturas, valores a maioria dos

pases adotam modelos democrticos liberais, em virtude do legado deixado pela

colonizao europeia.

Dentre as heranas da colonizao justamente o encobrimento do diverso,

do diferente, do outro no branco e europeu o qual se enraizou como obstculo

emancipao civilizacional na Amrica Latina. Conforme exposto anteriormente, a

Modernidade possui, intrinsecamente, a ideia de uniformizao, padronizao e,

5

MASCARO, Alysson Leandro. Introduo filosofia do direito: dos modernos aos contemporneos. p. 19/20. 6

MASCARO, Alysson Leandro. Introduo filosofia do direito: dos modernos aos contemporneos. p. 20. 7SILVA, Heleno Florindo da. Teoria do Estado Plurinacional: o novo constitucionalismo latino-

americano e os direitos humanos. Curitiba: Juru, 2014, p. 37/38. 8SILVA, Heleno Florindo da. Teoria do Estado Plurinacional: o novo constitucionalismo latino-

americano e os direitos humanos. p. 38.

24

consequentemente, encobrimento; inevitavelmente com vis colonizador. Segundo

Sparemberger 9 , a modernidade proporcionou a perpetuao da lgica da

colonialidade, que nada mais do que a dominao, controle, explorao,

dispensabilidade de vidas humanas, subalternizao dos saberes dos povos

colonizados, etc..

Os pases da Amrica Latina vivenciaram tristes momentos com as

colonizaes, preponderantemente portuguesas e espanholas. Os povos originrios

no tiveram respeitados seus espaos, territrios, culturas, saberes, ao contrrio,

foram obrigados a apagar de suas vidas a sua histria.

O Novo Constitucionalismo Latino-Americano carrega consigo diversos

elementos inovadores para a Teoria da Democracia e para a Teoria do Estado, na

medida em que repensa a prpria estrutura do Estado. Dois desses novos e

principais elementos so a plurinacionalidade e o pluralismo jurdico, trazidos com as

constituies do Equador (2008) e da Bolvia (2009).

No entanto, importante destacar que essas constituies so frutos de lutas

sociais que propiciaram a criao de um momento aparentemente ideal, no sentido

de se pensar, lutar e aprovar uma nova constituinte. Conforme aponta Leonel

Jnior10, o contexto histrico da dcada de 80 e 90 propiciou, por um lado, um

avano nas lutas sociais nos pases latino-americanos, impulsionadas, inclusive,

pela Conveno n. 169, da OIT, sobre os povos indgenas e tribais (1989), pelas

exigncias de reformas paliativas do Banco Mundial, bem como pela crescida

neoliberal.

De acordo com Leonel Jnior11, a efervescncia social do contexto contribuiu

para a ocorrncia de alguns fatos, tais como a deposio de alguns presidentes e a

eleio de Evo Morales na Bolvia (por exemplo), o que acarretou, posteriormente,

na aprovao da Assembleia Constituinte e a criao da Constituio boliviana de

2009.

9 SPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes. Direitos humanos e descolonialidade: uma leitura a

partir da (arthropos)logia jurdica e formas outras de conhecimento. In: SANTOS, Andr Leonardo Copetti; LUCAS, Douglas Cesar; BRAGATO, Fernanda Frizzo (Orgs.). Ps-colonialismo, pensamento descolonial e direitos humanos na Amrica Latina. Santo ngelo (RS): Furi, 2014, p. 104. 10

LEONEL JUNIOR, Gladstone. O novo constitucionalismo latino-americano: um estudo sobre a Bolvia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 97-99. 11

LEONEL JUNIOR, Gladstone. O novo constitucionalismo latino-americano: um estudo sobre a Bolvia, p. 99.

25

Diante desse contexto, as lutas sociais latino-americanas do perodo foram

marcadas pela prevalncia das ideias plurais e exigncia de novos contextos em

que a soberania popular foi motriz das mudanas paradigmticas ocorridas a partir

dessas novas constituies.

O caso da Bolvia, por exemplo, destaca o seguinte contexto: a guerra da

gua em 2000, a guerra do gs em 2003, queda de presidentes e a eleio do

lder sindical dos cocaleros, de origem Aymara, Evo Morales, em 2005. Essas

situaes impulsionaram a ecloso de um processo de reivindicaes e

mobilizaes de movimentos sociais, que acabaram por gerar um terreno propcio

para a aprovao da Assembleia Constituinte.

O partido poltico MAS-IPSP (mesmo partido poltico de Evo Morales)

conseguiu maioria parlamentar, sendo que a segunda principal fora poltica no

parlamento foi do principal partido de oposio o PODEMOS (Partido Democrtico

y Social), de acordo com as informaes de Leonel Jnior12.

Destaca-se que a presidncia da Assembleia Constituinte foi de Silvia Lazarte,

uma lder mulher e indgena fatores estes interessantes, que denotam o

caminhar de mudanas proporcionado por tal processo. Nesse contexto, pode-se

verificar que o processo constituinte estabelecido naquele pas no foi fcil, ao

contrrio, bastante turbulento.

Segundo Leonel Jnior13, em que pese as diversas tenses no decorrer do

processo constituinte, em 17 de janeiro de 2007 tem incio os trabalhos das vinte

comisses estabelecidas, as quais viajaram por toda a Bolvia, com a finalidade de

receber propostas de vrios grupos sociais partidos polticos, associaes

diversas, movimentos indgenas, campesinos, empresas pblicas e privadas, alm

da sociedade civil. Nessa linha de raciocnio, a nova constituio da Bolvia se

mostra, desde o seu embrio, fruto da participao popular, do pluralismo de

valores.

A aprovao do texto constitucional daquele Estado ocorreu, inclusive, por

meio de um referendo popular, onde mais de 90% dos eleitores bolivianos

12

LEONEL JUNIOR, Gladstone. O novo constitucionalismo latino-americano: um estudo sobre a Bolvia, p. 105. 13

LEONEL JUNIOR, Gladstone. O novo constitucionalismo latino-americano: um estudo sobre a Bolvia, p. 111.

26

participaram, sendo que 61,43% dos votos foram no sentido de aprovao do texto

apresentado14. A partir daquele momento, a Bolvia, em que pese ser um estado

unitrio, seria tambm plurinacional.

Ressalta-se que essa prtica democrtica pode ser observada no contexto

histrico latino-americano, que, conforme j referido, pode ser considerado como

incio a partir da prpria constituio brasileira, bem como nas constituies do

Equador, Venezuela e, agora, com o Chile15 iniciando as consultas populares para a

construo de uma nova constituio.

As mudanas recentes ocorridas (e que vem ocorrendo) nas constituies dos

citados pases, sob fundamento do pluralismo jurdico-cultural, representam uma

mudana paradigmtica no que se refere ao modelo de Estado e de sistema de

Justia. A Bolvia, por exemplo, prev em seu novo texto a criao da Jurisdio

Indgena, a qual no est subalterna Jurisdio Ordinria, ainda que sofra um

controle de constitucionalidade, no entanto, tambm por um Tribunal Plurinacional

Constitucional.

Rememora-se que na Conferncia Geral da OIT, em 1989, foi aprovado um

documento que reconhece as pretenses dos povos indgenas, no sentido de

assumir o controle de suas prprias instituies e formas de vida, mantendo e

fortalecendo as suas identidades, lnguas e religio, dentro do marco dos Estados

em que vivem. Outro documento importante foi a Declarao das Naes Unidas

sobre os Direitos dos Povos Indgenas, aprovada em 7 de setembro de 2007, na

Assembleia Geral das Naes Unidas. O artigo 316, da referida Declarao, prev o

direito livre determinao dos povos.

A partir dos anos setenta, as principais organizaes indgenas iniciaram

discusses acerca da formao de estados plurinacionais em substituio aos

estados uninacionais17, que se mostravam na perspectiva excludente. Os estados

14

LEONEL JUNIOR, Gladstone. O novo constitucionalismo latino-americano: um estudo sobre a Bolvia, p. 114-115. 15

CUNHA, Joo Flores da. Chile. Bachelet recebe propostas para nova Constituio. In: Instituto

Humanitas Unisinos. Disponvel em . Acesso em 12 jun 2017. 16

os povos indgenas tem o direito a livre determinao. Em virtude desse direito, decidem livremente sua condio poltica e perseguem livremente seu desenvolvimento social e cultural. 17

LEONEL JUNIOR, Gladstone. O novo constitucionalismo latino-americano: um estudo sobre a Bolvia, p. 54-59.

27

constitudos de forma uninacional somente reconhecem a cultura

predominantemente ocidental, promovendo processos de homogeneizao e

aculturao, contribuindo para a marginalizao dos povos indgenas18.

Em 2008 o Equador trouxe a questo do pluralismo jurdico em seu texto

constitucional, com o reconhecimento e resgate dos direitos e saberes indgenas. No

entanto, somente em 2009 que a Amrica Latina teve promulgada a primeira

constituio, de fato, plurinacional: a Constituio do Estado Plurinacional da Bolvia.

Como bem referem Wolkmer e Fagundes 19 , os movimentos do

constitucionalismo surgidos para compor o novo cenrio na Amrica Latina foram de

extrema importncia, na medida em que provocam verdadeira revoluo na lgica

europeia imposta a estes pases.

Em verdade, esses autores mencionados20 chegam a indicar a existncia de

uma espcie de ciclos do Novo Constitucionalismo Latino-Americano Insurgente,

18

Basta que se observe os diversos problemas destacados pela Relatora especial das Naes Unidas sobre os direitos dos povos indgenas, Victoria Tauli-Corpuz, quando da visita feita ao Brasil, em 2016: [...] a Proposta de Emenda Constituio, PEC 215, e outras legislaes que solapam os direitos dos povos indgenas a terras, territrios e recursos; a interpretao equivocada dos artigos 231 e 232 da Constituio na deciso judicial sobre o caso Raposa Serra do Sol; a introduo de um marco temporal e a imposio de restries aos direitos dos povos indgenas de possuir e controlar suas terras e recursos naturais; a interrupo dos processos de demarcao, incluindo 20 terras indgenas pendentes de homologao pela Presidncia da Repblica, como por exemplo a terra indgena Cachoeira Seca, no estado do Par; a incapacidade de proteger as terras indgenas contra atividades ilegais; os despejos em curso e as ameaas constantes de novos despejos de povos indgenas de suas terras; os profundos e crescentes efeitos negativos dos megaprojetos em territrios indgenas ou prximos a eles; a violncia, assassinatos, ameaas e intimidaes contra os povos indgenas perpetuados pela impunidade; a falta de consulta sobre polticas, leis e projetos que tm impacto sobre os direitos dos povos indgenas; a prestao inadequada de cuidados sade, educao e servios sociais, tal como assinalam os indicadores relacionados ao suicdio de jovens, casos de adoo ilegal de crianas indgenas, mortalidade infantil e alcoolismo; e o desaparecimento acelerado de lnguas indgenas [...]. ONUBR. Relatora especial da ONU sobre povos indgenas divulga comunicado final aps visita ao Brasil. Disponvel em . Acesso em 12 jun 2017. 19

Importa mostrar como os movimentos do constitucionalismo ocorrido recentemente em pases sul-americanos (Bolvia, Equador e Venezuela) tentam romper com a lgica liberal-individualista das constituies polticas tradicionalmente operadas, reinventando o espao pblico a partir dos interesses e necessidades das maiorias alijadas historicamente dos processos decisrios. Assim, as novas constituies surgidas no mbito da Amrica Latina so do ponto de vista da filosofia jurdica, uma quebra ou ruptura com a antiga matriz eurocntrica de pensar o Direito e o Estado para o continente, voltando-se, agora, para refundao das instituies, a transformao das idias e dos instrumentos jurdicos em favor dos interesses e das culturas encobertas e violentamente apagadas da sua prpria histria; qui, observa-se um processo de descolonizao do poder e da justia.. WOLKMER, Antnio Carlos; FAGUNDES, Lucas Machado. Tendncias contemporneas do constitucionalismo latino-americano: Estado plurinacional e pluralismo jurdico. In: Pensar, Fortaleza, v. 16, n. 2, p. 371-408, jul./dez. 2011, p. 377-378. 20

WOLKMER, Antnio Carlos; FAGUNDES, Lucas Machado. Tendncias contemporneas do constitucionalismo latino-americano: Estado plurinacional e pluralismo jurdico. In: Pensar, Fortaleza.

28

sendo que o primeiro ciclo teria iniciado com as Constituies do Brasil (1988) e da

Colmbia (1991), o segundo ciclo com a Constituio da Venezuela (1999) e o

terceiro ciclo com as Constituies do Equador (2008) e da Bolvia (2009). J se

pode visualizar um quarto ciclo nesse processo, com uma nova constituio chilena,

eis que o referido pas j iniciou os procedimentos de consulta popular sobre o novo

processo constituinte.

Com relao ao Equador, a Assembleia Constituinte do Estado Poltico do

Equador foi formada em 6 de agosto de 2006. De acordo com Huanacuni Mamani21,

alguns setores polticos tentaram deter a formao da referida Assembleia

Constituinte, promovendo humilhaes e perseguies racistas, a exemplos o

massacre de 24 de maio de 2008, em Sucre e o massacre em Porvenir (Pando), em

setembro de 2008.

Em 1990, a Confederao de Nacionalidades Indgenas do Equador (CONAIE),

j havia solicitado a alterao do artigo 1, da Constituio do Equador, para que o

Estado se declarasse um estado plurinacional. Apesar das presses e tenses, na

tentativa de desestabilizar e desarticular os movimentos indgenas, esses

conseguiram, em 2008, a promulgao da nova Constituio Poltica do Equador.

Em seu prembulo22 h a evidente incluso do pluralismo no texto constitucional, no

entanto, o Estado do Equador no pode ser considerado um Estado Plurinacional23.

Diferentemente do Equador, conforme referido anteriormente, a Bolvia

conseguiu, em 7 de fevereiro de 2009, a promulgao da constituio do Estado

Plurinacional da Bolvia24. Diante desse cenrio, houve uma verdadeira mudana de

paradigmas nos elementos constitutivos desse Estado-nao citado. A Bolvia,

21

HUANACUNI MAMANI, Fernando. Buen vivir/ Vivir bien: Filosofa, polticas, estrategias y experiencias regionales andinas. 22

RECONOCIENDO nuestras races milenarias, forjadas por mujeres yhombres de distintos pueblos, CELEBRANDO a la naturaleza, la Pacha Mama, de la que somos parte y que es vital para nuestra existencia, INVOCANDO el nombre de Dios y reconociendo nuestras diversas formas de religiosidad y espiritualidad, APELANDO a la sabidura de todas las culturas que nos enriquecen como sociedad, COMO HEREDEROS de las luchas sociales de liberacin frente a todas las formas de dominacin y colonialismo, Y con un profundo compromiso con el presente y el futuro, Decidimos construir Una nueva forma de convivencia ciudadana, en diversidad y armona con la naturaleza, para alcanzar el buen vivir, [].. ECUADOR. CONSTITUICIN DE LA REPBLICA DEL ECUADOR. Disponvel em: . Acesso em 29 set 2015. 23

Isso porque no se autodeclarou enquanto um Estado Plurinacional como ocorreu com o Estado Boliviano, alterando elementos do prprio modelo de Estado Moderno, como por exemplo a questo do monismo jurdico e a da uninacionalidade. 24

BOLVIA. CONSTITUICIN POLTICA DEL ESTADO PLURINACIONAL DE BOLIVIA. Disponvel em: . Acesso em 31 maio 2015.

29

enquanto Estado Plurinacional, passou a repensar os seus sistemas de democracia,

direito, justia25, cidadania, entre outros. Eis o prembulo da Constituio boliviana:

En tiempos in memoriales se erigieron montaas, se desplazaronros, se formaron lagos. Nuestra amazonia, nuestro chaco, nuestro altiplano y nuestros llanos y valles se cubrieron de verdores y flores. Poblamos esta sagrada Madre Tierra com rostros diferentes, y comprendimos desde entonces la pluralidad vigente de todas las cosas y nuestra diversidad como seres y culturas. As conformamos nuestros pueblos, y jams comprendimos el racismo hasta que lo sufrimos desde los funestos tiempos de la colonia. El pueblo boliviano, de composicin plural, desde la profundidad de la historia, inspirado em las luchas del pasado, en ls ublevacin indgena anticolonial, em la independencia, en las luchas populares de liberacin, en las marchas indgenas, sociales y sindicales, en las guerras del agua y de octubre, en las luchas por la tierra y territorio, y con la memoria de nuestros mrtires, construmos un nuevo Estado. Un Estado basado en el respeto e igualdad entre todos, con princpios de soberana, dignidad, complementariedad, solidaridad, armona y equidad en la distribucin y redistribucin del producto social, donde predomine la busqueda del vivir bien; con respeto a la pluralidad econmica, social, jurdica, poltica y cultural de los habitantes de esta tierra; en convivncia colectiva con acceso al agua, trabajo, educacin, salud y vivienda para todos. Dejamos en el pasado el Estado colonial, republicano y neoliberal. Asumimos el reto histrico de construir colectivamente El Estado Unitario Social de Derecho Plurinacional Comunitario, que integra y articula los propsitos de avanzar hacia una Bolivia democrtica, productiva, portadora e inspiradora de la paz, comprometida con el desarrollo integral y con la libre determinacin de los pueblos. Nosotros, mujeres y hombres, a travs de la Asamblea Constituyente y con el poder originrio del pueblo, manifestamos nuestro compromiso con la unidad e integridad del pas. Cumpliendo el mandato de nuestros pueblos, con la fortaleza de nuestra Pachamama y gracias a Dios, refundamos Bolivia. Honor y gloria a los mrtires de la gesta constituyente y liberadora, que han hecho posible esta nueva historia.

Sobre a plurinacionalidade, o artigo 8 da Constituio Plurinacional da

Bolvia26 tambm prev as diversas tribos e etnias, bem como os princpios ticos e

25

Cabe explicar que o termo justia utilizado se refere prpria concepo de justia que se mostra descolonizada e revelada a partir de um olhar plural, no somente eurocntrico , alm de se referir aos sistemas de jurisdio, que igualmente tiveram uma grande reformulao a partir da nova Constituio da Bolvia, incluindo a Jurisdio Indgena, que tem autonomia para ser desenvolvimento a partir das culturas e saberes prprios dos povos originrios. 26

I - El Estado asume y promueve como principios tico-morales de la sociedad plural: ama qhilla, ama llulla, ama suwa (no seas flojo, no seas mentiroso ni seas ladrn), suma qamaa (vivir bien), andereko (vida armoniosa), tekokavi (vida buena), ivimaraei (tierra sin mal) y qhapajan (camino o vida noble). II - El Estado se sustenta en los valores de unidad, igualdad, inclusin, dignidad, libertad,

30

morais decorrentes de todas essas nacionalidades. Com o reconhecimento do

Estado Plurinacional h um verdadeiro resgate das bases culturas e sabedorias

encobertas pelos colonizadores, passando a existir espaos para todos os diferentes

que vivem sob um mesmo territrio.

Diante dessa nova constituio boliviana, torna-se paradoxal se pensar o

sistema democrtico e de justia a partir do paradigma monista, pois o elemento

plurinacionalidade se apresenta determinante para se repensar o modelo de

Estado proposto pela Bolvia, contrapondo o modelo de Estado moderno.

Para que se garanta efetividade plurinacionalidade, alm da previso contida

no artigo 8 - referido anteriormente -, a constituio boliviana traz outros

importantes elementos. Inicialmente, na Primeira Parte, no Captulo Quarto

Derechos de lasnaciones y pueblos indgenas originarios campesinos -, no seu

artigo 30, II, 1427, h um elenco de direitos que gozam tais povos, dentre eles, o

direito ao exerccio de seus sistemas polticos, jurdicos e econmicos segundo sua

cosmoviso.

A Plurinacionalidade , portanto, a concretizao do Pluralismo Jurdico, to

importante para se reconhecer a riqueza na diversidade, considerando que nenhum

dos Estados que compe a Amrica Latina podem ser considerados monoculturais,

conforme referido por Wolkmer e Fagundes28:

Sendo assim, as constituies de pases como Colmbia, Bolvia e Equador j incorporaram o pluralismo jurdico e o direito de aplicao da justia indgena paralela juridicidade estatal, reconhecendo a manifestao perifrica de outro modelo de justia e de legalidade, diferente daquele implantado e aplicado pelo Estado moderno [...].

solidaridad, reciprocidad, respeto, complementariedad, armona, transparencia, equilibrio, igualdad de oportunidades, equidad social y de gnero en la participacin, bienestar comn, responsabilidad, justicia social, distribucin y redistribucin de los productos y bienes sociales, para vivir bien.. BOLVIA. CONSTITUICIN POLTICA DEL ESTADO PLURINACIONAL DE BOLIVIA. Disponvel em: . Acesso em 31 maio 2015. 27

Artculo 30. I. Esnacin y pueblo indgena originario campesino toda lacolectividad humana que comparta identidad cultural, idioma, tradicin histrica, instituciones, territorialidad y cosmovisin, cuyaexistencia es anterior a lainvasin colonial espaola. II. Enel marco de launidaddel Estado y de acuerdocon esta Constitucinlasnaciones y pueblos indgena originario campesinos gozan de lossiguientesderechos: [...] 14. Al ejercicio de sus sistemas polticos, jurdicos y econmicos acorde a sucosmovisin..CONSTITUICIN POLTICA DEL ESTADO PLURINACIONAL DE BOLIVIA. Disponvel em: . Acesso em 31 maio 2015. 28

WOLKMER, Antnio Carlos; FAGUNDES, Lucas Machado. Tendncias contemporneas do constitucionalismo latino-americano: Estado plurinacional e pluralismo jurdico.In: Pensar, Fortaleza,p. 400.

31

Alm dessas caractersticas, ressalte-se que a Segunda Parte da Constituio

boliviana trata da estrutura, organizao e funcionamento do Estado. Toda a

estrutura dos poderes do Estado e como ocorre o funcionamento dos poderes e

rgos do Estado esto relacionados nessa parte da Constituio.

A partir da nova Constituio, a Jurisdio boliviana restou dividida em trs:

Jurisdio Ordinria, Jurisdio Agroambiental e Jurisdio Indgena. A Jurisdio

Ordinria aquela convencional, semelhante do Brasil, exercida atravs do

Tribunal Supremo de Justicia, Tribunales Departamentales de Justicia, Tribunales de

Sentencia e os juzes. J a Jurisdio Agroambiental exercida pelo Tribunal e

juzes agroambientais.

A grande novidade da constituio boliviana a criao da Jurisdio Indgena

Originria Campesina. A Jurisdio Indgena a concretizao do pluralismo jurdico

e tentativa de decolonizar o entendimento a respeito do Direito e do sistema de

justia.

A Jurisdio Indgena exercida pelas prprias autoridades originrias

campesinas, prevista no artigo 179 29 , da Constituio boliviana, onde h a

explicao para todas essas divises das Jurisdies. No inciso II30, deste mesmo

artigo, h o destaque para a igualdade hierrquica que a Jurisdio Indgena possui

com relao s demais, ou seja, no est subalterna a qualquer dos rgos de

justia previstos na Jurisdio Ordinria.

A Jurisdio Indgena est submetida apenas ao controle de

constitucionalidade exercido pelo Tribunal Constitucional Plurinacional, conforme

dispe o artigo 20231, da referida Constituio, bem como disposio contida na Lei

29

Artculo 179.I. La funcin judicial es nica. La jurisdiccinordinaria se ejerce por el Tribunal Supremo de Justicia, lostribunalesdepartamentales de justicia, lostribunales de sentencia y losjueces; lajurisdiccin agroambiental por el Tribunal y juecesagroambientales; lajurisdiccin indgena originaria campesina se ejerce por sus propias autoridades; existirnjurisdicciones especializadas reguladas por laley.. BOLIVIA. CONSTITUICIN POLTICA DEL ESTADO PLURINACIONAL DE BOLIVIA. Disponvel em: . Acesso em 31 maio 2015. 30

[...] II. La jurisdiccinordinaria y lajurisdiccin indgena originario campesina gozarn de igual jerarqua. BOLIVIA. CONSTITUICIN POLTICA DEL ESTADO PLURINACIONAL DE BOLIVIA. Disponvel em: . Acesso em 31 maio 2015. 31

Artculo 202. Sonatribucionesdel Tribunal Constitucional Plurinacional, adems de lasestablecidasenlaConstitucin y laley, conocer y resolver: [...]11. Los conflictos de competencia entre lajurisdiccin indgena originaria campesina y lajurisdiccinordinaria y agroambiental. BOLIVIA.

32

de Demarcao Jurisdicional (Lei n. 073 de 29 de dezembro de 2010). O artigo 202

da Constituio aduz, ainda, que em caso de conflito de matrias entre as

Jurisdies, incumbncia somente do Tribunal Constitucional Plurinacional decidir

a respeito da competncia de tais Jurisdies.

A organizao do referido Tribunal Constitucional Plurinacional est prevista no

Captulo Sexto da Segunda Parte da Constituio da Bolvia. O destaque para esse

Tribunal est justamente no artigo 197, I32, onde explica a necessidade de que o

mesmo seja integrado por representantes de todas as jurisdies, seja ordinrio,

seja indgena.

A questo da Plurinacionalidade est presente em um dos rgos de justia, o

que impede, mais uma vez, a submisso de normas, regras e pensamentos

verticalmente impostos a partir do modelo de Estado moderno, sob a viso ocidental,

completamente diverso dos parmetros adotados pela cosmoviso andina e, por

consequncia, pela Jurisdio Indgena.

a partir do Pluralismo Jurdico, portanto, que se pode compreender, dentre

de um mesmo elenco de direitos, saberes de todos os povos que comungam da

mesma constituio. O Pluralismo Jurdico surge, tambm, como uma das principais

caractersticas de viabilidade desse Novo Constitucionalismo Latino-Americano.

A imposio de um modelo de Estado ao estilo europeu e de uma forma de

conceber o Direito, mostrava-se autoritria, excludente e mantida apenas para

atender aos interesses das elites herdeiras do perodo colonial. Conforme

rememoram Wolkmer e Fagundes33, os povos originrios da Amrica Latina por

longo tempo foram deixados de lado, sem qualquer possibilidade de participao

nas decises polticas e, consequentemente, sem ver seus direitos garantidos:

CONSTITUICIN POLTICA DEL ESTADO PLURINACIONAL DE BOLIVIA. Disponvel em: . Acesso em 31 maio 2015. 32

Artculo 197. I. El Tribunal Constitucional Plurinacional estar integrado por Magistradas y Magistrados elegidos com criterios de plurinacionalidad, com representacindel sistema ordinario y del sistema indgena originario campesino.. BOLIVIA. CONSTITUICIN POLTICA DEL ESTADO PLURINACIONAL DE BOLIVIA. Disponvel em: . Acesso em 31 maio 2015. 33

WOLKMER, Antnio Carlos; FAGUNDES, Lucas Machado. Tendncias contemporneas do constitucionalismo latino-americano: Estado plurinacional e pluralismo jurdico. In: Pensar, Fortaleza, p. 392.

33

Sendo assim, a insurgncia poltica, nos Andes e na Venezuela, demonstra uma postura de rompimento e transformao do paradigma estatal dominante; a partir da historicidade crtica, os sujeitos que foram coisificados e moldados racionalidade externa homogeneizadora emergem no cenrio poltico de exigibilidade das suas necessidades fundamentais, tomando o poder sob as variantes da mentalidade voltada aos interesses populares e com vista a absorver as complexidades, sem, contudo, uniformiz-las.

O Novo Constitucionalismo Latino-Americano demonstra, portanto, que

possvel a construo de direitos a partir da pluralidade. Mais que isso, traz

elementos inovadores e importantes para se repensar os modelos de Estado,

Direito, Democracia e justia at ento impostos pelo modelo europeu. Passa-se a

resignificar esses elementos a partir de uma viso decolonial, de forma a incluir

outras vises, saberes e culturas, sem excluir as construes at ento feitas a partir

dos olhos europeus.

O pluralismo, como fundamento da Democracia, deve estimular,

permanentemente, a construo de direitos, o seu exerccio e reivindicao, pois,

caso contrrio, o Direito apenas representar e repetir - a hegemonia do modelo

civilizacional imposto pela colonizao europeia. Nesse processo de novas

constituies, houve um reacender de luzes dos movimentos sociais, ambientais,

mas principalmente, das populaes indgenas que tiveram ativa participao na

construo de seus prprios direitos.

A partir dessas novas concepes trazidas com o novo constitucionalismo

latino-americano que se pode observar o pluralismo jurdico-cultural tendo

efetividade. Mais que isso, a partir do constitucionalismo latino-americano

insurgente, expresso utilizada por Wolkmer e Fagundes34, possvel se pensar em

um novo modelo de Estado, de Direito e de Democracia.

A prtica democrtica boliviana, em especial, torna evidente a possibilidade de

construo de direitos, a partir de um ambiente plural que deve ser prprio da

Democracia sem ignorar os modelos j conhecidos, orientados pelo vis

eurocntrico, entretanto, tambm sem excluir vozes ou ignorar saberes.

34

WOLKMER, Antnio Carlos; FAGUNDES, Lucas Machado. Tendncias contemporneas do constitucionalismo latino-americano: Estado plurinacional e pluralismo jurdico. In: Pensar, Fortaleza, p. 389.

34

Passa-se, portanto, para o prximo tpico, que far o enfrentamento ao modelo

de Estado proposto pela Bolvia Estado Constitucional Plurinacional -, frento ao

modelo de Estado Moderno, proposto pelo ocidente, atravs do processo de

colonizao sofrido por aquele pas.

1.2 Estado Constitucional Plurinacional frente ao modelo proposto pelo Estado Moderno

O surgimento do Estado Moderno frutos de lutas revolucionrias burguesas,

que cumpriram com um importante papel diante de determinada realidade a

passagem da Idade Mdia para a Moderna, deixando de lado o feudalismo e a Igreja

enquanto principais fontes normativas, conforme explica Wolkmer35. Conforme j

referido, essa mudana de paradigma se mostrou importante, principalmente para

que surgissem os direitos e liberdades individuais.

Segundo Wolkmer36, foi a partir da luta revolucionria burguesa, apoiada pelos

camponeses e pelas camadas sociais exploradas, que tais mudanas foram

possveis. No entanto, a bandeira Liberdade, Igualdade e Fraternidade levantada

pela burguesia, acabou sendo deixada de lado com a ascenso do Capitalismo,

quando da passagem fase industrial. Foi nesse cenrio que a elite burguesa

assumiu o poder poltico, preocupando-se em aplicar, contudo, os aspectos do

liberalismo que melhor conviessem.

A consolidao do monismo jurdico comea nesse perodo, onde o Direito

Positivo passa a ser utilizado como mecanismo de manuteno das relaes de

poder. Antes, no perodo medieval, a fonte normativa se restringia, basicamente,

Igreja e aos senhores feudais. Com a passagem para a Idade Moderna, concentrou-

se no Estado a produo normativa.

35

WOLKMER, Antnio Carlos. Pluralismo jurdico: fundamentos de uma nova cultura no direito. 4. ed. So Paulo: Saraiva, 2015, p. 35-37 e 46-48. 36

[...] Acontece que, no incio, o Liberalismo assumiu uma forma revolucionria, marcada pela liberdade, igualdade e fraternidade, que favorecia tanto os interesses individuais da burguesia enriquecida quanto os de seus aliados economicamente menos favorecidos. Mais tarde, contudo, quando o Capitalismo comea a passar fase industrial, a burguesia (elite burguesa), assumindo o poder poltico e consolidando seu controle econmico, comea a aplicar na prtica somente os aspectos da teoria liberal que mais lhe interessam, denegando a distribuio social da riqueza e excluindo o povo do acesso ao governo.. WOLKMER, Antnio Carlos. Pluralismo jurdico: fundamentos de uma nova cultura no direito, p. 37.

35

O Estado passou a controlar todas as formas de poder, bem como passou a

monopolizar a produo normativa estatal, atendendo aos interesses burgueses,

chegando-se ao contexto em que, Capital e Estado se confundem, onde o Capital

acaba por se utilizar do prprio Estado para deter o poder. A desigualdade social e o

controle das formas e locais de poder so situaes que permanecem inalteradas.

A partir da Modernidade 37 , conforme j referido anteriormente, h uma

necessidade de universalizao, uniformizao, justamente para sobrepor os valores

plurais do perodo medieval. No entanto, em virtude da preocupao burguesa de

ascenso do comrcio e das negociaes mercantis, inclusive os movimentos de

expanso de territrios e grandes navegaes, a dominao de outros povos se

mostra imprescindvel para gerao de mais riqueza.

Segundo Silva, no momento de concretizao das ideias modernas que o

encobrimento do diverso teve seu pice. De acordo com referido autor38, o Estado

Moderno surge como instrumento de imposio de culturas, de dominao, bem

como de manuteno de poder39:

O Estado surge, neste sentido, como instrumento de imposio de uma cultura s demais, como local para a concretizao de um planejamento moderno, que ia desde o reconhecimento de direitos jurdicos e polticos aos diferentes que aceitassem o julgo europeu,

37

Interessante a ideia de Modernidade trazida por Sergio Ricardo Fernandes de Aquino: O Capitalismo de Weber, segundo Touraine, no uma explicao geral sobre o que a Modernidade, mas se refere to somente a uma postura cultural especfica. Esse modelo econmico caracterizado como a ideologia que fundamenta o citado perodo histrico, a partir da ruptura contra o temor imposto pela Igreja Catlica e, tambm, pela tabula rasa na elaborao dos valores que devam ser teis propagao dessa postura no mundo occidental. O protestantismo conseguiu no apenas criar um ethos que tornou possvel e amplamente aceitvel o desenvolvimento do Capitalismo, mas, tambm, criou uma Moral guiada pela f na Razo. A partir da desse cenrio, observa-se, ainda, o surgimento de outra entidade capaz de iluminar os caminhos humanos por meio da Razo Lgica, qual seja, o individualismo burgus. Essa postura se caracteriza, segundo Touraine, como moral da conscincia, da piedade e intimidade.A tabula rasa criada por tal fenmeno religioso permite a confuso que se enraizou no Ocidente e seus efeitos permanecem vivos. Modernizao nem sempre compatvel com as ideias propostas pela Modernidade. Entretanto, a primeira expresso, por meio de seu carter til, disseminou a ideologia de dominao e domesticao. []. AQUINO, Sergio Ricardo Fernandes de. Por uma cidadania sul-americana: fundamentos para sua viabilidade na UNASUL por meio da tica, fraternidade, sustentabilidade e poltica judiciria. Itaja (SC): Novas Edies Acadmicas, 2013, p. 124-125. 38

SILVA, Heleno Florindo da. Teoria do estado plurinacional: o novo constitucionalismo latino-americano e os direitos humanos. p. 46. 39

nesse momento que surgem instituies uniformizadoras, que aviltam a cultura do outro, com objetivo de construir uma identidade nica, haja vista s-la fundamental, no s para a centralizao, como tambm, para a manuteno do poder da metrpole sobre a colnia. [...]. SILVA, Heleno Florindo da.Teoria do estado plurinacional: o novo constitucionalismo latino-americano e os direitos humanos. p. 48.

36

enquadrando-se como cidados, s prticas de etnocdio (ALMEIDA, 2012, p. 72) e epistemicdio (SANTOS, 2011, p. 87).

A caracterstica da Modernidade que mais trouxe consequncias negativas aos

povos no europeus foi a universalizao. Esse elemento faz com que as culturas,

ideias, valores, saberes, sejam ignorados, na medida em que h uma verdadeira

defesa de que a racionalidade europeia aquela ideal, a ser seguida.

Segundo Ribeiro40, o eurocentrismo se mostra impregnado no pensamento das

pessoas, no somente com relao aos povos latino-americanos, mas, tambm,

com outros povos, justamente pela tentativa de demonstrar que a Europa seria um

continente mais evoluda com relao s demais. Essa profunda segregao, as

atitudes de violncia e eliminao das diferentes culturas, consideradas brbaras,

so a marca indelvel do mundo europeu na conquista das Amricas, da frica, da

Austrlia e outros continentes.

Ribeiro41 explica, ainda, que o europeu se auto-atribuiu o papel de agente

civilizador, como se tivesse sido chamado ao mundo habitado por sub-raas -, a

regenerar os povos, praticando, a partir dessa concepo, etnocdios, genocdios,

dominao, explorao, alm do encobrimento de culturas e saberes, que acabaram

por marcar tristemente a histria de vrios povos, como o caso dos africanos e

latino-americanos.

Essa situao pode ser comprovada quando da chegada dos colonizadores

Amrica Latina, por exemplo, quando os povos originrios so utilizados como

instrumento de explorao de seus prprios territrios, alm do extermnio

vivenciado por tais povos, conforme destaca Silva42.

40

O segundo contrabando ideolgico do eurocentrismo se refere suposta qualidade diferencial da civilizao ocidental, que seria sua criatividade. Esta viso faz figurar como intrinsecamente europeus os avanos materiais da civilizao. De fato, eles s]ao criaes culturais humanas, alcanadas no curso da evoluo pela explorao das limitadas potencialidades do mundo material. Ao surgirem, ocasionalmente na Europa, se impregnaram, porm, de europeidade. Da o equvoco de considerar que fontes de energia, processos mecnicos ou tcnicas possam ser tidos como inerentes a uma civilizao.. RIBEIRO, Darcy. A Amrica Latina existe? Rio de Janeiro: Editora UnB, 2010, p. 89. 41

Atribuindo-se o papel de agente civilizador, o europeu passou a representar o mundo de fora como habitado por sub-raas que eles eram chamados a regenerar. O ardil to terrvel e sutil que cada negro e cada ndio e seus mestios desculturados por europeus tanto metem dentro de sua prpria conscincia a ideia de sua feiura e inferioridade inatas que sofrem terrivelmente por ter a cara que tm [...].RIBEIRO, Darcy. A Amrica Latina existe?,p. 87. 42

Mas todo esse processo de dominao e encobrimento do diverso teve um pice, um momento de concretizao das ideias modernas de reconhecimento da superioridade da racionalidade europeia

37

Segundo esse mesmo autor43, a partir do contrato social que se conhece,

estabelecido com a formao do Estado moderno, denota-se um pacto que somente

inclui a racionalidade individual do homem, a partir das concepes eurocntricas

universalismo, individualismo, racionalismo, entre outros -, excluindo a natureza, que

nada mais do que um instrumento para acumulao de riquezas. O referido pacto,

portanto, mostra-se enquanto principal mecanismo de homogeinizao e

uniformizao social, com a evidente excluso do diverso (no branco-homem-rico-

europeu-cristo).

Nesse sentido, o reconhecimento da plurinacionalidade enquanto elemento

fundante do Estado se mostra bastante importante, na medida em que reconhece a

existncia de vrios povos, vrias identidades, dentro de um mesmo territrio. A

Plurinacionalidade desvela e recupera as identidades encobertas e subjulgadas

pelos povos colonizadores, como bem explicam Wolkmer e Fagundes44:

No processo da refundao plurinacional do Estado, vale ter presente a condio de pluriculturalidade existente, negada e encoberta pelo processo de colonizao, forjada no seio dos interesses patrimoniais das elites dirigentes, em que a fundamentao violenta reformulava-seno tempo para seguir hegemnica. O alto grau de complexidade das relaes sociais no pode mais ser sufocado pela racionalidade positiva e reducionista, mas direcionar-se para a racionalidade emancipatria ou, ainda, de libertao, embasada na crtica como movimento de construo da nova realidade edificada por aqueles que sempre tiveram os espaos de poder e deciso negados.

sobre as demais, que pode ser constatado no momento em que os colonizadores percebem a necessidade de utilizar os povos originrios da Amrica como instrumentos para a explorao de suas terras.. SILVA, Heleno Florindo da.Teoria do estado plurinacional: o novo constitucionalismo latino-americano e os direitos humanos, p. 48. 43

O contrato social, portanto, um pacto de formao do Estado que inclui apenas a racionalidade individual do homem, excluindo, portanto, a natureza, que passa a ser vista, ainda mais, como matria para o desenvolvimento do homem. E mais, um dispositivo de unificao, uniformizao e homogeneizao social, pois s os cidados homens, brancos, ricos, europeus e cristos fazem parte dele. Todos os outros sejam eles, mulheres, estrangeiros, imigrantes, minorias tnicas, so excludos desse cenrio. (SANTOS, 1998, p. 6-7). SILVA, Heleno Florindo da.Teoria do estado plurinacional: o novo constitucionalismo latino-americano e os direitos humanos, p. 77-78. 44

WOLKMER, Antnio Carlos; FAGUNDES, Lucas Machado. Tendncias contemporneas do constitucionalismo latino-americano: Estado plurinacional e pluralismo jurdico. In: Pensar, Fortaleza, p. 393-394.

38

Nesse mesmo argumento, verifica-se a crtica trazida por Proner45, ao referir

acerca do necessrio enfrentamento ao modelo de Estado hegemnico, fundado no

paradigma liberal, com a nica preocupao em manter intactas as relaes de

poder propostas por tal modelo de Estado. Proner46 entende que o reconhecimento

da plurinacionalidade se mostra importante elemento de enfrentamento ao modelo

de Estado Moderno:

A deciso de construir um documento jurdico fundante da sociedade boliviana com o reconhecimento da plurinacionalidade um fato inovador por sua capacidade de enfrentamento ao modelo de Estado hegemnico (o modelo de Estado-Nao de corte liberal defendido pelos setores sociais conservadores em aliana com os liberais), mas principalmente pela forma que se produziu a mudana, a participao do sujeito coletivo, dos movimentos sociais, partidos polticos de esquerda e representantes das naes indgenas que jamais participaram significativamente das instituies e instncias decisrias do Estado (Pacto da Unidade).

Sparemberger47 tambm refere que o modelo tradicional de Estado Moderno

homogeneizador justamente por indicar apenas uma nao, uma cultura, um direito,

um exrcito, uma religio. Nesse sentido que o Novo Constitucionalismo Latino-

Americano traz importante contribuio na elaborao e preservao do Pluralismo,

seja jurdico, seja cultural.

A nova constituio da Bolvia faz o necessrio enfrentamento ao modelo de

Estado Moderno, que at ento propunha, verticalmente, como deveria ser o Direito,

a Democracia, a Justia, a economia, a cultura, dentre outros elementos

constitutivos; todos esses elementos a partir da tica eurocntrica.

45

PRONER, Carol. O Estado Plurinacional e a Nova Constituio Boliviana: Contribuies da experincia boliviana ao debate dos limites ao modelo democrtico liberal. In: WOLKMER, Antnio Carlos. Constitucionalismo latino-americano: tendncias contemporneas. Curitiba: Juru, 2013, p. 143-144. 46

PRONER, Carol. O Estado Plurinacional e a Nova Constituio Boliviana: Contribuies da experincia boliviana ao debate dos limites ao modelo democrtico liberal. In: WOLKMER, Antnio Carlos. Constitucionalismo latino-americano: tendncias contemporneas, p. 143-144. 47

SPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes. Direitos humanos e descolonialidade: uma leitura a partir da (arthropos)logia jurdica e formas outras de conhecimento. In: SANTOS, Andr Leonardo Copetti; LUCAS, Douglas Cesar; BRAGATO, Fernanda Frizzo (Orgs.). Ps-colonialismo, pensamento descolonial e direitos humanos na Amrica Latina. Santo ngelo (RS): Furi, 2014, p. 107.

39

A ruptura trazida pela constituio da Bolvia mostra uma nova forma de se

pensar todos os elementos que constituem a noo de um Estado, de forma

descolonizadora, pensados a partir da viso da Amrica Latina. De acordo com

Wolkmer e Fagundes 48 , as constituies da Bolvia e do Equador nascem da

vontade popular, reprimida por tanto tempo, de ver decolonizado o poder e a justia:

Importa mostrar como os movimentos do constitucionalismo ocorrido recentemente em pases sul-americanos (Bolvia, Equador e Venezuela) tentam romper com a lgica liberal-individualista das constituies polticas tradicionalmente operadas, reinventando o espao pblico a partir dos interesses e necessidades das maiorias alijadas historicamente dos processos decisrios. Assim, as novas constituies surgidas no mbito da Amrica Latina so do ponto de vista da filosofia jurdica, uma quebra ou ruptura com a antiga matriz eurocntrica de pensar o Direito e o Estado para o continente, voltando-se,agora, para refundao das instituies, a transformao das idia se dos instrumentos jurdicos em favor dos interesses e das culturas encobertas e violentamente apagadas da sua prpria histria; qui,observa-se um processo de descolonizao do poder e da justia.

A populao da Bolvia, diante essa afirmao, predominantemente indgena

ou mestia49, no entanto, o reconhecimento expresso na Constituio acaba sendo,

paradoxalmente, inovador, considerando que tais povos foram muitas vezes

excludos de qualquer processo de reconhecimento de direitos ao longo da histria.

A forma como foi estruturada a Amrica Latina ps descobrimento culminou

em um verdadeiro etnocdio dos povos originrios, onde a cultura, direitos e saberes

prprios de t