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178 3 2003 rebeldias e invenções na anarquia edson passetti* É preciso ser rebelde. Os anarquistas não esperam pelo futuro. Atuam no presente alimentando a utopia dos universalistas tanto quanto a vivência de singula- res libertários na atualidade. Os anarquistas são rebel- des, muitas vezes utópicos e comumente realizadores de experiências liberadoras. Mais do que lutar por jus- tiça e fermentar práticas igualitárias, os anarquismos são invenções da vida. Os anarquistas querem a anarquia, como expôs com clareza e potência Pierre-Joseph Proudhon. Não a ba- gunça como enfaticamente seus adversários proclamam. A anarquia é uma existência social com pessoas livres associadas. Construí-la requer a rebeldia 1 de quem não dá sossego a si mesmo, convulsiona-se, incomoda-se, atiça a potência da liberdade em si e no amigo. A anar- quia não é um regime estável, contínuo e tranqüilo que será encontrado no futuro após alguma gloriosa revolu- ção vencedora capitaneada pelos desveladores da ver- * Professor no Depto. de Política do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP e Coordenador do Nu-Sol. verve, 3: 178-188, 2003

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rebeldias e invenções na anarquia

edson passetti*

É preciso ser rebelde. Os anarquistas não esperampelo futuro. Atuam no presente alimentando a utopiados universalistas tanto quanto a vivência de singula-res libertários na atualidade. Os anarquistas são rebel-des, muitas vezes utópicos e comumente realizadoresde experiências liberadoras. Mais do que lutar por jus-tiça e fermentar práticas igualitárias, os anarquismossão invenções da vida.

Os anarquistas querem a anarquia, como expôs comclareza e potência Pierre-Joseph Proudhon. Não a ba-gunça como enfaticamente seus adversários proclamam.A anarquia é uma existência social com pessoas livresassociadas. Construí-la requer a rebeldia1 de quem nãodá sossego a si mesmo, convulsiona-se, incomoda-se,atiça a potência da liberdade em si e no amigo. A anar-quia não é um regime estável, contínuo e tranqüilo queserá encontrado no futuro após alguma gloriosa revolu-ção vencedora capitaneada pelos desveladores da ver-

* Professor no Depto. de Política do Programa de Estudos Pós-Graduados em

Ciências Sociais da PUC-SP e Coordenador do Nu-Sol.

verve, 3: 178-188, 2003

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dadeira consciência e chefes da grande massa ou nofindar de um processo pacífico liderado no parlamentopela social-democracia. Baseia-se no mutualismo eco-nômico e no federalismo político vividos pelas associa-ções. É o terceiro momento na série justiça iniciada pelahumanidade com a comunidade e seguida pela propri-edade. Em ambas o que era justo para alguns permane-cia como injustiça aos demais. Os fortes que eram ex-plorados pelos fracos no regime da comunidade, funda-do na força física diante das intempéries naturais,revoltaram-se contra tal injustiça e fundaram o regimeda propriedade, passando a partir de então a exploraros demais, segundo o uso combinado das forças físicase intelectuais. Foi na busca por soluções justas que sepercorreu a história que vai da criação do patriarca aopovo soberano até chegar aos homens livres de governosuperior e propriedade privada. A anarquia é o regimeda liberdade dos indivíduos livres associados com baseno apoio mútuo, que se dispensam de soberanos e ul-trapassam as normas, leis e injustiças decorrentes dapropriedade. Anarquia e liberdade são sinônimos, doisnomes para o mesmo regime. A anarquia é a possibili-dade de uma sociedade justa que abole a exploraçãoentre os homens e sua instituição-mor, o Estado.

Foi desta matriz proudhoniana que os demaisanarquismos contemporâneos se inventaram, dissemi-nando a anarquia como um regime que não orquestraterritórios a partir de uma instância, mas que é com-posto por atos intensos provocados por cada um, cadarebelde associado. Para existir, a sociedade igualitária,fundada no indivíduo livre e autônomo, requer aboliçãoda autoridade centralizada, do pai, do chefe, do profes-sor, do governante. É a revolta contra a autoridade cen-tral que fortalece a liberdade e instiga a novas relações

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horizontalizadas abreviando sociabilidades autoritári-as a cada associação que se efetiva.

Para os anarquistas, a anarquia e os anarquismosestão na formação distendida de relações de autoridadee liberdade que abolem o centro, o saber superior e aVerdade verdadeira dos religiosos ou cientistas, em fa-vor de uma descontinuidade. A vida se vive na coexis-tência: não há homens, saberes ou poderes verdadei-ros, superiores ou inferiores: abolir hierarquias épotencializar liberdades. Os anarquismos não subesti-mam as ciências, apenas alertam para o poder da co-munidade científica que determina a verdade verdadei-ra. Nada é fixo, constante e imutável, constataraBakunin.

Liberdade e autoridade vivem em tensão, são insu-peráveis e não dependem de uma síntese pacificadora:a vida potencializada em liberdades provoca e incentivaoutras rebeldias. As séries justiça e liberdade e justiça eautoridade caminham para infinitos opostos. SegundoProudhon2, é por intermédio da análise das séries quese compreende a história das forças em luta, captam-seas atuações segundo as decisões descentralizadas oucentralizadas, formas pelas quais se realiza tanto a exis-tência do indivíduo livre como sua acomodação comoservo, súdito do governante ou democrata juramentado.

A emancipação humana, para os anarquistas, estárelacionada aos avanços em progressão geométrica daséries justiça e liberdade, diante das estagnações oucrescimentos em progressão aritmética na série justiçae autoridade. A invenção da vida libertária — descen-tralizada, mutualista e federalista — leva à sociedadeigualitária fomentando a diversidade e a singularidadede ações libertadoras vinculadas às incessantes rebel-dias. A rebeldia de cada um garantirá a sociedade anar-

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quista e igualitária e não a falsa ilusão de paz divulgadapelos Estados e seus governantes, em nome da ordem,da autoridade superior, do saber mais sábio, da classedestinada. A emancipação humana não é uma meta aser alcançada no futuro por meio de um traçado cons-ciente e preciso, é uma criação no presente. Ela nãosupõe a uniformidade para libertar a diversidade. Aocontrário dos socialistas autoritários, ela afirma a di-versidade para garanti-la no futuro.

Certas pessoas identificam o anarquista com o jo-vem rebelde que questiona a autoridade centralizada,como homem insatisfeito com a ordem e que ainda nãoamadureceu, com pessoas que se recusam a ceder aosefeitos inevitáveis dos acomodamentos necessários, comum marginal, um convicto iracundo. Daí decorre aconstatação que comanda o passo firme das forças con-servadoras da sociedade em direção ao anarquista, tidocomo sinônimo de terrorista, de sujeito perigoso, alguémque deve ser combatido, preso, excluído, exilado, es-quecido. Na melhor das hipóteses, um sonhador, umnostálgico, peça de museu vivo a ser colecionada, anti-quado e ultrapassado romântico, um infantilizado polí-tico, ou ainda, como prefere parte da historiografia deinspiração social-estatista, um ator pré-político, umdinossauro na política. Entretanto, apesar das múlti-plas conotações a ele atribuídas, os anarquistas tam-bém não estranharam ou se surpreenderam quando,na segunda metade do século XX, os socialismos come-çaram a ruir. Muito menos quando estes teóricos, an-tes de dialogarem sobre a crise do socialismo estatistacom os anarquistas, preferiram se acomodar às liçõesdemocráticas institucionais dos conservadores. Por nãopoderem abdicar do Estado, acabaram confirmando nahistória o que sua teoria supunha ter superado comometafísica; o fim do Estado, não passou de uma utopia

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irrealizável. Como disseram os liberais, este tipo de so-cialismo nunca passou de uma forma deintervencionismo incapaz de destruir o capitalismo. Porlinhas tortas estes socialistas teóricos e estatistas ape-nas colaboraram para redimensionar e recriar o própriocapitalismo, seja da maneira autoritária como socialis-ta estatal histórico e efêmero, seja como um dissimula-do retorno social-democrata, fazendo crer que pela viainstitucional democrática será possível chegar ao soci-alismo. É o percurso abandonado pelos revolucionári-os, no início do século XX.

Proudhon mostrou com a análise serial que a demo-cracia é o regime mais livre dentre os instituídos sob aautoridade centralizada do Estado e que no seu interiorsão gestadas as condições para o regime da anarquiaou liberdade, aquele que sucede o da comunidade e oda propriedade. A democracia pertence à série liberda-de e posiciona-se numa relação distinta e oposta aocomunismo, o regime superior na série autoridade. Ademocracia é o regime onde se pode inventar uma as-sociação, fazê-la existir para além da legislação, difun-dir leituras e práticas libertárias, experimentar libera-ções, apontar os limites políticos da representação, asamarras da propriedade privada. Na democracia é pos-sível experimentar a anarquia, não como concessão, mascomo realização. O mutualismo é um sistema econômi-co e o federalismo uma articulação política para as as-sociações. A ajuda mútua que fundamenta estas reali-zações não é filantropia, mas invenção de pessoas li-vres diante das misérias criadas pelo regime dapropriedade privada. O federalismo, assim, não é exer-cício da representação das partes, mas vida destas par-tes que não se subordinam sequer à assembléia.Proudhon procurava, na sua época, analisar como inte-grar cidade e campo, indústria e agricultura — proble-

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mas hoje redimensionados no interior de um capitalis-mo transnacional — sem o mando da propriedade e ocomando do Estado. Para ele, a democracia é um regi-me de liberdade que permite a superação da represen-tação com a conseqüente supressão da propriedade,instituindo-se, de maneira pacífica, pela ação contínuadas forças em luta, a sociedade igualitária, a anarquia.Depois da queda dos regimes socialistas estatistas e daconformação federativa centralizada que vem assumin-do a Europa, desde o final do século passado, decorren-te dos desdobramentos derivados da ultrapassagem daera do Estado nacional, o tema do federalismo descen-tralizado permanece atual, tanto quanto o domutualismo, agora sob o regime capitalista totalizado.A democracia permanece atual não só como o melhorregime para manter a dominação, mas também pelo seuoutro lado que instiga à superação da institucionalidadedos seus procedimentos hierarquizados e da represen-tação. Não se trata de buscar uma condição a priori; aconstrução de associações livres inventoras da vida, li-vres também dos prosélitos defensores de palavras everdades do passado, legadas pelos intelectuais eativistas desde o século XIX, é uma tarefa do presente.O anarquista não é um a mais nas ruas gritando pala-vras de ordem ou distribuindo panfletos. Não se trata,também, de demonstrar uma verdade diante de outraou do regime da prova. Os detratores sabem dacontundência das análises libertárias. Não as reconhe-cem por medo ou ignorância. Diferente dos anarquistasque sabem extrair da democracia limites ofuscados, seuscríticos e adversários, pela carência de argumentos,preferem a detração ou a subestimação.

O anarquista é mesmo perigoso à sociedade. Ele nãoestá aqui para defendê-la, reformá-la ou recriá-la. Elequer inventar vida e isso não implica sempre em nova

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sociedade, utopia do paraíso ou sequer uma heterotopiade idealização criando um lugar capaz de dimensionaras positividades da utopia no presente, um lugar deperfectibilidade. É um rebelde entre os seus. Onde hárebeldia há desassossego e imperfeição, mesmo quan-do se tem a expectativa de uma nova sociedade iguali-tária, anarquista. Ele não menospreza a democracia, apotencializa. Ele recusa a identidade. É anarquista tam-bém por evitar ser identificado como tal entre outrosanarquistas. É a atuação dissonante quando queremharmonia, desestabilizando os prováveis condutores3.

A invenção da vida exige uma educação livre de hie-rarquias: diante das utopias educativas da modernidade,baseadas na internação de todos objetivando a forma-ção e a formatação de iguais, os anarquismos irão pro-por a abolição dos confinamentos. Os anarquistas sereconhecem como iguais e diferentes, duas caracterís-ticas que os colocam como únicos. Se para uma vidaigualitária é preciso rebeldia, cada um deve ser únicoentre os anarquistas, um diferente. Menos do que rela-cionar-se por afinidades — o que os nivelaria a todos osdemais políticos atuando como forças sociais, segundoos interesses do momento, característica que define osaliados e os inimigos do Estado, no território e nas rela-ções transnacionais, ou ainda a versão liberal que tole-ra a presença do diferente entre os iguais —, associam-se como amigos, seus melhores inimigos.

A associação anarquista supõe a liberdade de sair, aética dos amigos que fazem coexistir suas diferençasprovocando rebeldias — ética como abrigo precário —,alheia ao julgamento e em constante reviravoltaprovocada pela coexistência gerada pelos diferentes, umrio heraclítico. Manter os anarquismos relacionando-sesegundo o princípio da afinidade é o mesmo quetransformá-lo em proselitismo e atribuir aos seus de-

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fensores o papel de guardiães das tábuas sagradas dopassado. De iracundo a sacerdote passa qualquer anar-quista toda vez que se voltar para a palavra certa, oumuito menos, a cada instante que se identifica comoanarquista. O anarquista na atualidade desvencilha-seda aspiração a ser sujeito. Desconsidera outros socia-listas que se dizem interessados em aproximar-se doanarquismo para aprender e dialogar segundo as afini-dades socialistas. Sabe que eles, nostálgicos do XIX,acabam modorrentos como um efeito burocrático e aca-dêmico, refazendo a mesma antiga crítica aos anarquis-tas.

Estamos frente a frente a confrontos inevitáveis?Critica-se os socialistas estatistas por preferirem dialo-gar com os conservadores e repudia-se a aproximaçãono interior de uma atuação fundada na afinidade. Re-conhece-se que a democracia é o melhor dos regimespara se fomentar o regime da anarquia ou liberdade,mas contorna-se os democratas. Declarar guerra a es-tas forças seria o mesmo que jogar no terreno do inimi-go, o da destruição, da escravização, da morte, da glori-ficação do superior, do assujeitamento. A rebeldia aba-la mais do que bradar contra a autoridade superior,organizar-se como oposição, propor ser alternativo. Es-tes são os campos de atuação das rebeldias necessári-as às reformas, à continuidade do Estado. Anarquia édescontinuidade por cada anarquismo, articulações fe-derativas, no interior de cada uma e em cada outra novaassociação, formada por únicos.

O único não é somente o indivíduo indivizível, autô-nomo forjado pelas utopias do século XIX. Por únicopodemos compreender também os divíduos, únicos quese fazem e refazem atravessados por múltiplas singula-ridades liberadoras expandidas pelas rebeldias. No pri-meiro caso estaremos ainda no campo da emancipação

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humana, da anarquia como regime para a sociedade,das experiências libertadoras sendo capazes de respon-der às soluções para as injustiças sociais e assim su-cessivamente, metafísicos. Do outro lado, estamos noâmbito de uma diversificação de anarquismos, inven-ções, constatações de ascensos e descensos temporári-os de práticas, campo específico para atuação por meiode afinidades e por éticas dos amigos, diferenças entreiguais que sinalizam para experiências de anarquismos,transcendentais ou não, voltados para o presente comobalão de ensaio para o futuro ou para a atualidade comovida no presente, metafísicos no limite, neste lugar emque é preciso tomar uma atitude. Sabe-se pelas libera-ções que o reconhecimento do indivíduo indivisível é aexpressão do Senhor e, por sê-lo, nada mais anti-anar-quista, restando uma derradeira constatação ou novaquestão: a perfectibilidade do indivíduo autônomo eindivisível foi a última transcendentalidade? Se não hásossego nas séries para autoridade e liberdade numabsoluto reconfortante, não há, nem haverá, o indiví-duo indivisível, a não ser como utopia irrealizável.

Os anarquismos se diferenciam podendo ou não sus-citar confrontos internos. Quando isso não acontecer,não se estará mais falando ou inventando anarquismos,mas apenas professando palavras sacerdotais de umadoutrina. Os anarquismos coexistem sem duelar porhegemonia; existem e atuam com mais ou menos velo-cidades e intensidades, segundo as épocas. Não pre-tendem a verdade verdadeira; isto seria um suicídio.Composto por únicos e associados livremente, cadaanarquismo dissolve gradativamente as hierarquiassuperiores, que muitas vezes permanecem como res-quícios, segundo o culto a uma liderança do passado. Oanarquismo não é isso ou aquilo, é precioso lembrar,ele é isso e aquilo; é rebeldia e é esta rebeldia que edu-

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ca para a coexistência, para a federação, para a disse-minação de miríades de associações. O anarquismo ésimultaneamente uma utopia da sociedade igualitáriae um modo de viver igualitário no presente despojadode utopia.

A anarquia não é um projeto futuro de sociedade.Quando ela aparece como utopia é um perigo e consolopara a anarquia4. Só há o presente, sob quaisquer con-dições históricas; isso é o que a análise serial apreendeda permanência do anarquismo, inclusive sob regimesde autoridade, e que nenhuma teoria pode dar conta. Éo que se faz como associações no presente. Cada umainventa o anarquismo. Repletas de anarquistas, de úni-cos, educados pela rebeldia e inventores de revoltas.Dissolvem suas identidades e surpreendem.

O anarquista é uma pessoa insubordinável ao coleti-vo.

Notas1 Neste sentido, permanece atual e ativa a noção de homem revoltado de Albert

Camus, em O homem revoltado. Record, Rio de Janeiro/São Paulo, 1996.

2 Proudhon Pierre-Joseph, O princípio federativo, São Paulo, Imaginário, 2000; Dela création de l’ordre dans l’humanité, Paris, Marcel Rivière, 1927. Convém

ainda chamar a atenção para o derradeiro livro escrito por Proudhon e atual aqualquer ocasião. Trata-se do livro concluído em 1864, De la capacite politique daclase ouvrière, Paris, Marcel Rivière, 1924, no qual Proudhon sublinha a necessi-dade de se rebelar constantemente, não havendo descanso para os libertários

na história. A sociedade livre, da Anarquia ou Liberdade, depende de uma re-belião permanente antes, durante e depois. Os libertarismos de Proudhon e

Stirner se comunicam por intensidades, assim como podem ser remetidos aCamus.

3 A historiadora Christina Lopreato, chamava minha atenção para a crítica

dirigida por mim a Kropotkin, em artigo na Verve 2. Dizia ela que a aversão deKropotkin à universidade se devia às condições históricas de época. De fato.

Contudo, há uma permanência ossificada desta aversão histórica que prosse-

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gue até a atualidade e que comanda certa identificação da universidade como

lugar de um anarquismo de cátedra. Os tempos mudaram. Não só o anarquismotem sido tema de dissertações e teses de pesquisadores que pretendem ascen-

der à vida acadêmica, como passou a ser uma maneira de seus adversáriosinvestirem em sua crítica e derrocada. Diferente destas duas posturas, outras

têm levado o anarquismo como maneira diversa de viver na universidade. Nãohá dono nem de mim, nem do anarquismo. A universidade é outra, os seus

críticos são diversos e no anarquismo não há proibição tolerável.

4 E aqui reside a contundente crítica de Max Stirner a Proudhon em O único esua propriedade. Para ele a metafísica de Proudhon pretende substituir o Estado

pela Sociedade, uma troca de absolutos. Em Filosofia da Miséria, Proudhon cha-ma a filosofia do trabalho, propositalmente de metafísica ou lei serial, método

serial.

RESUMO

A atualidade da anarquia tensionada atravessando a perma-

nência de anarquismos no presente. Do vigor de Proudhon,

extraem-se espaços de resistências nos regimes da série liber-

dade valorizando práticas de revolta no interior da sociedade,

mesmo sob o regime democrático. Do incontível de Stirner, acon-

tecem atitudes insurretas para as quais a sociedade não é meio,

nem fim, mas é também o alvo.

ABSTRACT

A atualidade da anarquia tensionada atravessando a perma-

nência de anarquismos no presente. Do vigor de Proudhon,

extraem-se espaços de resistências nos regimes da série liber-

dade valorizando práticas de revolta no interior da sociedade,

mesmo sob o regime democrático. Do incontível de Stirner, acon-

tecem atitudes insurretas para as quais a sociedade não é meio,

nem fim, mas é também o alvo.