parintins - duas faces da mesma moeda
TRANSCRIPT
Duas faces da mesma moedaTwo sides of the same coin
2
IdealizaçãoInstituto D’Amanhã
Realização
Gilberto Bousquet Bomeny
Concepção, projeto, textos, seleção de fotos, design
Eduardo Barroso Neto
Apoio Artístico
Lílian Mello Bomeny
Fotografia
Agência Vídeo Park
Andréas Valentin
José Luiz Paiva
Pavel Chernev, boibumba.com
Tarcísio Mattos/Tempo Editorial
Pesquisa de Campo / Sociológica e identitária
Heloiza Lima de Castro
Thais Louise A. Trez
Design Gráfico e editorial
Natacha Pontes
Ilustrações
Thais Louise A. Trez
Soraya Amorim
Revisão
Ivanildo Amaro de Araújo
Versão
Elza Maria Meinert
B277d Barroso Neto, Eduardo Parintins, Duas faces da mesma moeda / Eduardo Barroso Neto; fotografia José Luiz Paiva ... [et al.]; ilustrações Thais Louise A. Trez, Soraya Amorim; versão Elza Maria Meinert. – São Paulo : Instituto D’Amanhã, 2008. 236p. : il. , color.
Texto bilíngüe: Português – Inglês
1. Folclore – Parintins (AM). 2. Festas populares – Parintins (AM). 3. Folguedos folclóricos – Parintins (AM). 4. Parintins (AM) – Cultura Popular. I. Título. CDU: 398(811.3)
Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071
14
Agên
cia
Víde
o Pa
rk
A cidade de Parintins
The city of Parintins
15
Kim
ura
17
Embora possa não parecer, Parintins é uma cidade como nenhuma outra no Brasil.
Seu patrimônio cultural e o talento de sua gente a transformaram no palco do maior
espetáculo cênico a céu aberto do mundo.
Durante todo o ano a cidade se prepara para realizar, nos três últimos dias de junho,
uma inacreditável ópera amazônica que reúne para sua encenação mais de 4.000
fi gurantes e uma audiência de 40.000 pessoas.
Parintins está localizada à margem direita do Rio Amazonas, a 420 km de Manaus,
situada no arquipélago fl uvial Tupinambará, com uma população de pouco mais de
100.000 habitantes (censo demográfi co 2007).
Although it may not seem so, Parintins is like no other city in Brazil. Due to its cultural inheritance and the talent of its people Parintins was transformed into the stage of the greatest open sky scenic spectacle in the world.
During the whole year the city prepares itself to perform, in the last three days of June, an unbelievable Amazon opera that joins for its presentation more than 4,000 players and an audience of 40,000 people.
Located along the right bank of the Amazon River, 420 km from Manaus, Parintins is situated in the Tupinambará archipelago, with a population of nearly 100,000 inhabitants (2007 Census).
21
26
O azul e o vermelho adquirem em Parintins uma
representação simbólica tão forte que levaram até a
Coca-Cola, um dos principais patrocinadores do Festival, a
obter autorização especial da sede da empresa em Atlanta,
nos Estados Unidos, para utilizar ambas as cores em seu
material publicitário e promocional durante o Festival.
Parintins é o único lugar do mundo onde é possível tomar
uma Coca-Cola com rótulo azul. O mesmo procedimento,
de adaptar sua identidade visual a este código bicromático,
assume as demais empresas patrocinadoras, alimentando
assim a rivalidade.
Esta disputa é levada tão a sério, que solicitaram ao
Conselho Nacional de Trânsito autorização para que, nos
semáforos de Parintins, o verde fosse trocado pelo azul.
Do mesmo modo cogita-se que os bombeiros tenham dois
uniformes: um azul e outro vermelho.
A disputa cromática sintetiza a dualidade que, na ausência
de elementos de distinção mais expressivos que possam
diferenciar um Boi do outro, como poderiam ser, por
exemplo, um discurso político ou ideológico diferenciadores,
apóia-se apenas nos elementos mais simples da identidade
visual: a escolha de uma cor - azul ou vermelho, e de
um elemento gráfico - estrela ou coração, com toda a
conotação simbólica contida nestes dois elementos.
José
Lui
z Pa
iva
Edua
rdo
Barr
oso
27
In Parintins blue and red acquire a symbolic representation so strong that even Coca-Cola, one of the main Festival sponsors, obtained special authorization from its administrative office in Atlanta (USA), so that it could use both colors in its advertising and promoting material during the Festival. Parintins is the only place in the world where you may drink Coke in a blue label. The same attitude of adapting their visual identity to this bichromatic code had other sponsors, maintaining the rivalry.
This dispute is taken so seriously that it was asked of Brazil’s National Traffic Council to authorize, in Parintins’ traffic signs, the exchange of the green color for blue. The same way, some consider having two uniforms for the firefighters: one red and the other blue.
The chromatic dispute synthesizes the duality that, in lack of more expressive distinctive elements that may differentiate one Bull from the other, such as diverse political or ideological beliefs for instance, rests solely on the single most visual identity elements: the choice for one color – blue or red, and for one graphic element – star or heart, with all symbolic connotations within them.
José
Lui
z Pa
iva
Edua
rdo
Barr
oso
46
A história das estórias
History, creation and recreation
47
Pave
l Che
rnev
58
Cultura material e iconográfi ca
Material and iconographic culture
59
José
Lui
z Pa
iva
66
José
Lui
z Pa
iva
José
Lui
z Pa
iva
José
Lui
z Pa
iva
José
Lui
z Pa
iva
José
Lui
z Pa
iva
67
Araçá
Guaraná
Jambu
Pimenta Cumari
Urucum
Pupunha
Ingá
Buriti
Taperebá
Mucajá
Tucumã
Cupuaçu
Bacuri
Graviola
Vitória régia
Flora
José
Lui
z Pa
iva
José
Lui
z Pa
iva
José
Lui
z Pa
iva
José
Lui
z Pa
iva
68
José
Lui
z Pa
iva
José
Lui
z Pa
iva
José
Lui
z Pa
iva
71
“Eu convivi muito com a natureza, na pesca e na caça. Já aconteceu de eu pernoitar no meio da floresta com caçadores,
sem rede, sem nada. E você fica admirado de ver, mesmo sendo daqui da Amazônia. Se você pernoitar numa floresta, você sente
algo diferente, é uma coisa mística, tanto na floresta quanto no rio. Muitas pessoas dizem “é porque é lenda”, mas você sente algo diferente. Você sente o toque do Curupira numa
sapopema, você ouve, você vê coisas sobrenaturais.”
Ademar Azevedo – Compositor
José
Lui
z Pa
iva
80
A arte plumaria e a pintura corporal dos índios
transformaram-se na matriz cultural das fantasias.
The Indians’ feather art and corporal paintings transformed the cultural matrix of the fancy costumes.
José
Lui
z Pa
iva
81
José
Lui
z Pa
iva
82
Trançados e entalhes / padrões gráficos vernaculares.
Plait work and carvings / vernacular graphic patterns.
José
Lui
z Pa
iva
83
Animais miniatura
Arco e fl echa
Barcos miniatura
Bijuterias de sementes
Bois miniatura
Cestos
Cocar
Cuia tacacá
Remos
Objetos
Açaí
Anajá
Jarina
Mari-mari (drops)
Sementes
José
Lui
z Pa
iva
José Luiz Paiva
José Luiz Paiva
José Luiz Paiva
84
Durante cinco séculos, os índios do Brasil foram sendo
exterminados continuamente, seja pela ação direta
dos colonizadores, seja pelas doenças para as quais
não possuíam defesas naturais, ou ainda pela simples
negação de sua raça e de sua cultura (até mesmo por
parte de seus descendentes diretos).
Da mestiçagem entre os brancos e os índios surgiu o
caboclo, hoje o mais numeroso grupo populacional da
Amazônia. Esta denominação derivada do tupi caa-
boc, “o que vem da floresta” ou de kari’boca, “filho do
homem branco” não era ostentada com orgulho. Até
pouco mais de duas décadas, os brancos e caboclos
que habitam a região, de modo geral, não admitiam a
relação com a cultura indígena.
Poucos hoje duvidam que foram os Bois de Parintins
que resgataram a auto-estima dos caboclos e
que permitiram um crescente interesse, respeito e
admiração pelas lendas e tradições indígenas.
José
Lui
z Pa
iva
José
Lui
z Pa
iva
85
For five centuries Brazilian Indians were continuously exterminated, whether by colonizers direct action, the diseases against which they had no natural immunity or for the simple denial of their race and their culture (even by their own direct descendants).
From the miscegenation of white people and Indians emerged the caboclo, the most numerous Amazon population group today. This denomination, derived from the tupi word caa-boc “he who comes from the forest” or from kari’boca “son of the white man”, was not carried with pride. Until a little more than two decades, white people and caboclos living in the region usually didn’t admit they had any relation to the Indian’s culture.
Few people doubt today that the Bulls of Parintins were the ones who redeemed the caboclos self-esteem and allowed an increasing interest, respect and admiration for the Indians’ legends and traditions.
Pave
l Che
rnev
86
A construção do espetáculo
The construction of the show
87
José
Lui
z Pa
iva
94
José
Lui
z Pa
iva
102
José
Lui
z Pa
iva
114
José
Lui
z Pa
iva
115
Os bois são hoje empresas dotadas de inteligência competitiva. Buscam identificar no boi adversário
suas fortalezas e fraquezas, pois essas podem se transformar em ameaças ou em oportunidades.
Processam informação, cruzam dados, projetam cenários probabilísticos para criarem alternativas
e surpresas. Buscam apoio externo, sobretudo em conhecimentos especializados que não podem
ser encontradas na cidade. Fazem um homem voar, outro se jogar de avião ou trazem o boi em um
balão, conseguindo com que pouse no centro da arena com extraordinária precisão para delírio da
galera. Os Bois hoje são isso: um espetáculo sem limites.
Das asas da imaginação de sua comissão de arte, os Bois renascem a cada ano, cada vez com
menos vínculos com o passado, porém cada vez mais compromissados com o futuro da Amazônia.
Nowadays the Bulls mean business and are doted with competitive intelligence. They try to identify in the rival Bull its power and weaknesses for those could become threats or opportunities. They process the information, cross data and project probability scenarios to create alternatives and surprises. They reach for outside support, over all specialized knowledge that may not be found in the city. They make a man fly, another throw himself from a plane or they bring the Bull in a balloon and land it at the center of the arena with extraordinary precision, for the galera’s joy. At present this is the Bulls: a limitless spectacle.
From the wings of imagination of their art committee the Bulls are reborn each year, every time with fewer bonds with the past but more compromised with the futre on the Amazon Region.
116116
A encenação do espetáculo
The presentation of the show
Pave
l Che
rnev
117
127
José
Lui
z Pa
iva
128
Agên
cia
Víde
o Pa
rk
132
Agên
cia
Víde
o Pa
rk
135
136
A Galera
A duas torcidas, que em Parintins são chamadas de
“galeras”, são a alma do espetáculo. Verdadeiras
torcidas organizadas, com animadores e coreografias
ensaiadas. Recebem durante as apresentações adereços
e alegorias de mão, tais como lenços, balões, bandeiras,
sombrinhas e garrafas pet com velas dentro, que são
acessas no ritual indígena compondo um impressionante
espetáculo. As galeras ocupam cada uma a metade do
Bumbódromo, marcado com as cores azul e vermelha.
Durante as apresentações, a galera do Boi adversário deve
permanecer em silêncio pois caso contrário, pode perder
pontos. O desempenho é avaliado pelos jurados, que
consideram empolgação e sincronia nas coreografias.
José
Lui
z Pa
iva
137
The Galera
Both cheer groups, called galera in Parintins, are the spectacle’s soul. They’re actually an Organized Cheer with animators and rehearsed choreographies. During the show they receive ornaments and hand allegories such as scarves, balloons, flags, umbrellas or PET bottles with candles inside, which will be lighted during the Indian ritual setting an impressive spectacle. Each galera occupy half the Bumbódromo, each half red or blue-painted. During the show the rival Bull’s galera must remain silent otherwise it may loose points. Their behavior is evaluated by the jurors, which consider enthusiasm and synchronicity of the choreographies.
Pave
l Che
rnev
142
Alegorias
Surgem a seguir as primeiras alegorias que irão compor os
cenários para a encenação do espetáculo. Este item é um
dos mais surpreendentes. São figuras e seres imaginários,
bichos e aves, personagens surreais que podem ter até
30 metros de altura. As engenhosas soluções mecânicas
permitem realizar movimentos precisos e seguros e do
interior dessas alegorias surgem outros itens do espetáculo
como a porta bandeira ou o próprio boi. Os elementos
de julgamento são: beleza, criatividade, originalidade,
acabamento, funcionalidade e porte.
José
Lui
z Pa
iva
143
The Allegories
Then come in the first allegories that will compose the scenario for the enacting of the show. This item is one of the most astonishing ones. There are figures and imaginary beings, animals and birds, surreal characters that may be 30-meter high. The ingenious mechanical solutions allow precise and safe movements to be performed and from inside those allegories other items of the show emerge such as the flag bearer or the Bull itself. The elements to be judged are: beauty, creativity, originality, completion, functionality and bearing.
Pave
l Che
rnev
156
163
164
205
232
Católicos ou protestantes, espíritas ou budistas, não importa qual religião
professe, o povo de Parintins tem, acima de tudo, fé. Fé em suas crenças,
fé em seu Boi, fé no futuro.
Seu povo aprendeu a ter fé em si mesmo. Sabe que a vitória só depende
de cada um. E aprendeu com seu Boi que isto somente se consegue com
garra, com disposição e, acima de tudo, com criatividade, com engenho e
arte. Esta é a força propulsora da cidade.
Imaginem se todas as cidades de um país fossem como Parintins.
A cidade de Parintins, depois de atrair para o evento do Boi, um número
igual de pessoas que sua população, passa a disseminar o Festival para
diversas outras localidades. Ele se multiplica, fazendo florescer em outras
cidades da região norte o mesmo fenômeno. Esta seja, talvez, a maior
contribuição que os Bois de Parintins trazem. Um extraordinário exemplo
de superação e de sucesso.
Vida longa ao Brasil.
Agên
cia
Víde
o Pa
rk
233
Catholics or Lutherans, Spiritualist or Buddhists, it doesn’t matter to which religion one professes, Parintins people have, above all, faith. Faith in their beliefs, faith in their Bull, faith in the future.
Its people learned to have faith in themselves. They know the victory depends on each one of them. And they learned with their Bull that the only way to get at it is with ardor, disposition and above all creativity with inventiveness and art. This is the driving force of the city.
Imagine if all cities in a country could be like Parintins.
After being able to attract to one single event the same number of persons as its population, it is reversing the flood and starts to export the Festival. It is multiplying and the same phenomenon is blossoming in other cities of the North Region. This may be the greatest contribution the Parintins’ Bulls bring. An extraordinary example of overcoming and success.
Long live Brazil.