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Parecer sobre os limites constitucionais e infraconstitucionais da coisa julgada tributária (contribuição social sobre o lucro) JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES OAB-PE n° 2317 A SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL consulta-me sobre aspectos relacionados com a coisa julgada tributária, seus efeitos e limites, abordados ao longo deste parecer. I. Circunstâncias emergentes e demarcação do objeto da consulta 1.1 - Algumas empresas obtiveram decisões de juizes e Tribunais Regionais Federais, proclamando a inconstitucionalidade da contribuição sobre o lucro, destinada ao financiamento da seguridade social e instituída na Lei 7.689, de 15.12.88, art. 1°. Essas decisões transitaram em julgado sem apreciação do mérito pelo Supremo Tribunal Federal, que, por questões processuais, desacolheu recursos extraordinários delas interpostos. Subseqüentemente a Lei Complementar 70, de 30.12.91 dispôs essa contribuição social em termos que serão adiante considerados (infra, IX). 1.2 - A Fazenda Nacional teria decaído do direito à ação rescisória desses julgados, porque não tempestivamente exercitado, devendo o fisco suportar os efeitos da coisa julgada. Esse argumento pressupõe o cabimento da rescisória mas é sem coerência consorciado à alegação de que descabe a rescisória. Se cada decisão de Tribunal inferior ficasse sujeita à rescisória diante de eventual modificação de interpretação do STF, as lides se eternizariam e indiretamente o acórdão em RE teria efeito vinculante, o que não se coaduna com a CF. 1.3 - Em desrespeito à coisa julgada - alegam as empresas - autuações procedidas pelo órgãos fiscalizadores da Secretaria da Receita Federal lhes vêm exigindo a contribuição em exercícios posteriores aos abrangidos pelos julgados. 1.4 - A pretensão fazendária funda-se sobretudo na superveniência de decisão do STF no RE 146733-SP (Pleno), rel. Min. MOREIRA ALVES, em acórdão-paradigma, proclamando unanimemente a constitucionalidade da contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas: "Contribuição Social sobre o lucro das pessoas jurídicas. Lei n° 7.689/88. Não é inconstitucional a instituição da contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas, cuja natureza é tributária. Constitucionalidade dos artigos 1°, 2° e 3° da Lei n° 7.689/88. Refutação dos diferentes argumentos com que se pretende sustentar a inconstitucionalidade desses dispositivos legais. Ao determinar, porém, o artigo 8° da Lei n° 7.689/88 que a contribuição em causa já seria devida a partir do lucro apurado no período-base a ser encerrado em 31 de dezembro de 1988, violou ele o princípio da irretroatividade contido no artigo 150,

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Parecer sobre os limites constitucionais e infraconstitucionais da coisajulgada tributária (contribuição social sobre o lucro)

JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES

OAB-PE n° 2317

A SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL consulta-me sobre aspectos relacionados com a coisajulgada tributária, seus efeitos e limites, abordados ao longo deste parecer.

I. Circunstâncias emergentes e demarcação do objeto da consulta

1.1 - Algumas empresas obtiveram decisões de juizes e Tribunais Regionais Federais,proclamando a inconstitucionalidade da contribuição sobre o lucro, destinada aofinanciamento da seguridade social e instituída na Lei 7.689, de 15.12.88, art. 1°. Essasdecisões transitaram em julgado sem apreciação do mérito pelo Supremo Tribunal Federal,que, por questões processuais, desacolheu recursos extraordinários delas interpostos.Subseqüentemente a Lei Complementar 70, de 30.12.91 dispôs essa contribuição social emtermos que serão adiante considerados (infra, IX).

1.2 - A Fazenda Nacional teria decaído do direito à ação rescisória desses julgados, porquenão tempestivamente exercitado, devendo o fisco suportar os efeitos da coisa julgada. Esseargumento pressupõe o cabimento da rescisória mas é sem coerência consorciado àalegação de que descabe a rescisória. Se cada decisão de Tribunal inferior ficasse sujeita àrescisória diante de eventual modificação de interpretação do STF, as lides se eternizariam eindiretamente o acórdão em RE teria efeito vinculante, o que não se coaduna com a CF.

1.3 - Em desrespeito à coisa julgada - alegam as empresas - autuações procedidas peloórgãos fiscalizadores da Secretaria da Receita Federal lhes vêm exigindo a contribuição emexercícios posteriores aos abrangidos pelos julgados.

1.4 - A pretensão fazendária funda-se sobretudo na superveniência de decisão do STF noRE 146733-SP (Pleno), rel. Min. MOREIRA ALVES, em acórdão-paradigma, proclamandounanimemente a constitucionalidade da contribuição social sobre o lucro das pessoasjurídicas:

"Contribuição Social sobre o lucro das pessoas jurídicas. Lei n°7.689/88.

Não é inconstitucional a instituição da contribuição social sobreo lucro das pessoas jurídicas, cuja natureza é tributária.Constitucionalidade dos artigos 1°, 2° e 3° da Lei n° 7.689/88.Refutação dos diferentes argumentos com que se pretendesustentar a inconstitucionalidade desses dispositivos legais.

Ao determinar, porém, o artigo 8° da Lei n° 7.689/88 que acontribuição em causa já seria devida a partir do lucro apuradono período-base a ser encerrado em 31 de dezembro de 1988,violou ele o princípio da irretroatividade contido no artigo 150,

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III, a da Constituição Federal, que proíbe que a lei que instituitributo tenha, como fato gerador deste, fato ocorrido antes doinício da vigência dela.

Recurso extraordinário conhecido com base na letra b do incisoIII do artigo 102 da Constituição Federal, mas a que se negaprovimento porque o mandado de segurança foi concedido paraimpedir a cobrança das parcelas da contribuição social cujo fatogerador seria o lucro apurado no período-base que se encerrouem 31 de dezembro de 1988. Declaração deinconstitucionalidade do artigo 8° da Lei n° 7.689/88".

Orientação jurisprudencial reiterada: o STF, no RE 138.284-CD (Tribunal Pleno), rel. Min.CARLOS VELLOSO, à unanimidade, decidiu pela constitucionalidade da contribuição:

É a seguinte a ementa do respectivo acórdão:

"CONSTITUCIONAL.TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS.CONTRIBUIÇÕES INCIDENTES SOBRE O LUCRO DAS PESSOASJURÍDICAS. Lei n. 7.689, de 15.12.88.

I. - Contribuições parafiscais: contribuições sociais,contribuições de 149. Contribuições sociais de seguridadesocial. C.F., arts. 149 e 195. As diversas espécies decontribuições sociais.

II. - A contribuição da Lei 7.689, de 15.12.88, é umacontribuição social instituída com base no art. 195, I, daConstituição. As contribuições do art. 195, I, II, III, daConstituição, não exigem, para a sua instituição, leicomplementar. Apenas a contribuição do parág. 4 do mesmoart. 185 é que exige, para a sua instituição, lei complementar,dado que essa instituição deverá observar a técnica dacompetência residual da União (C.F., art. 195, parág. 4; C.F.,art. 154, I). Posto estarem sujeitas a lei complementar do art.146, III, da Constituição, porque não são impostos, não hánecessidade de que a lei complementar defina o seu fatogerador, base de cálculo e contribuinte (C.F., art. 146, III, "a").

III. - Adicional ao imposto de renda: classificaçãodesarrazoada.

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IV. - Irrelevância do fato de a receita integrar o orçamentofiscal da União. O que importa é que ela se destina aofinanciamento da seguridade social (Lei 7.689/88, art. 1).

V. - Inconstitucionalidade do art. 8°, da Lei 7.689/88, porofender o princípio da irretroatividade (C.F., art. 150, III, "a")qualificado pela inexigibilidade da contribuição dentro no prazode noventa dias da publicação da lei (C.F. art. 195, parag.6).Vigência e eficácia da lei: distinção.

VI. - Recurso Extraordinário conhecido, mas improvido,declarada a insconstitucionalidade apenas do artigo 8 da Lei7.689, de 1988.".

Esse entendimento fixou-se então no sentido da constitucionalidade da contribuiçãosocial sobre o lucro, proclamando o STF apenas a inconstitucionalidade do art. 8° da Lei7.689/88.

1.5 - Posteriormente a Resolução do Senado n° 11/95, suspendeu a execução desse art.8°, mantidos todos os demais, in verbis:

"Art. 1° - é suspensa a execução do disposto no art. 8° da Lein° 7.689, de 15 de setembro de 1988".

Essa competência do Senado é exercida com fulcro na CF, art. 52, X: compete aoSenado suspender da execução total ou parcial de lei declarada inconstitucional por decisãodefinitiva do STF.

1.6 - Em contraposição à fazenda pública, as empresas envolvidas alegam que a mudançade orientação jurisprudencial, ainda que do STF, não afeta per se a eficácia da sentença erespectiva autoridade de coisa julgada.

1.7 - Em face dessas divergências jurisprudenciais (STF versus TRFs) se interpõe aquestão central a ser enfrentada neste parecer: quais são os limites constitucionais einfraconstitucionais da coisa julgada tributária e de sua revisibilidade? Noutros termos emais especificamente: a coisa julgada tributária protegeria alguns contribuintes, excluídosem decisões conflitantes com as do STF, da exigibilidade ad futurum, isto é, posterior aosperíodos de contribuição alcançados pelas decisões dos TRFs, já agora fundada, a pretensãofazendária, na jurisprudência do STF?

II - Primeiras linhas sobre o regime constitucional e infraconstitucional das

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contribuições

2.1 - Preliminarmente importa sindicar o regime constitucional da contribuição instituídana L. 7.689/88. Trata-se de uma contribuição social, submissa à CF, art. 149, que atribuicompetência à União para instituir contribuições sociais, com observância do disposto nosarts. 146, III (normas gerais de direito tributário), 150, I (legalidade) e III (limitaçõesconstitucionais à cobrança de tributos). E como, ela finalisticamente reveste a natureza decontribuição para a seguridade social, subespécie das contribuições sociais, está submissa àvacatio legis excepcional de 90 dias (CF, arts. 149, caput, in fine e 195, § 6°).

2.2 - Em decorrência dessa circunscrição apenas relativa e parcial das contribuiçõessociais ao regime jurídico tributário da CF, elas podem ser havidas como tributárias ou não.Aplica-se-lhes o regime constitucional tributário, mas não se lhes aplica de todo. O quepode suscitar controvérsia sobre a natureza jurídica dessas contribuições - controvérsiaabastecida pelo § 6° do art. 150, acrescentado pela EC 03/93 e que aparta formalmente"tributo ou contribuição". Se a contribuição, como o imposto e a taxa, é tributo, porqueapartá-la do gênero: tributo? A contribuição é ou não tributo? A contribuição de categoriaprofissional é fixada pela assembléia geral (art. 8°, IV) e não pela lei. Algo incompatívelcom o regime tributário.

2.3 - Essa questão sobre a natureza jurídica da contribuição (se tributária ou não), podeno entanto ser desconsiderada neste parecer porque a CF determina que elas observem asnormas gerais de direito tributário e portanto o art. 156 do CTN que contempla a decisãojudicial passada em julgado dentre as causas de extinção do crédito tributário (item X).Para esses efeitos processuais, a disciplina infraconstitucional da coisa julgada impõe a suacircunscrição às causas de extinção do crédito tributário: efeito do julgado é a extinção docrédito da contribuição social sobre o lucro das empresas.

2.4 - Crédito tributário é contrapartida da obrigação tributária individual. Decorre do atode lançamento (CTN, art. 142, caput). Mas o lançamento é redutível a uma individualizaçãodas normas gerais instituídas na lei tributária. Ele põe norma de caráter individual com esseconteúdo material: verificar a ocorrência concreta do fato gerador (hipótese-de-incidêncialegal), identificar o sujeito passivo e quantificar o débito. Pois bem: é esse crédito (inclusiveda contribuição) que a decisão judicial trânsita em julgado, ao declará-lo indevido, extingue.

2.5 - A CF diz que a lei não retroagirá para alcançar a coisa julgada (art. 5°, XXXVI). Queseja a coisa julgada é no entanto algo indeterminado no texto constitucional. Adeterminação do conteúdo, limites objetivos e subjetivos da coisa julgada, dá-se na dalegalidade integrativa da CF, inauguralmente pelo CTN, art. 156, X. A eficácia da coisajulgada é algo que cabe à lei integrativa material (CTN) e processual (CPC) fixar e delimitar.Em última análise, embora os direitos e garantias individuais tenham aplicabilidade imediata(CF, art. 5°, § 1°), a efetividade da coisa julgada não pode ser extraída só da CF: eladepende da legislação complementar e ordinária federal, porque é nesse planoinfraconstitucional que se dá consistência normativa ao seu conteúdo e limites.

2.6 - Conseqüência dessas ponderações: não passa de petição-de-princípio, dar comodemonstrado o demonstrável, o ainda indemonstrado, ou seja, fundar exclusivamente na CFa interdição de agravo à coisa julgada. O preceito constitucional é ponto de partida, não oponto terminal da hermenêutica jurídica. Não diz o que é coisa julgada, nem o seu regime,efeitos e limites. E essa uma função que, à falta de determinação constitucional, incumbe à

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legalidade integrativa. Efeito da coisa julgada é eficácia - susceptibilidade à produção dosefeitos jurídicos - prevista em lei infraconstitucional (CTN, CPC, etc). Não podem essesefeitos ser extraídos diretamente da CF.

III - Que é isso - a isonomia constitucional?

3.1 - A isonomia não corresponde a um princípio constitucional qualquer. Destacamo-loem conferência de abertura do VIII Congresso Brasileiro de Direito Tributário, promovidopelo IDEPE, em São Paulo (A isonomia tributária na CF de 1988, RDT 64/8 a 19).

A isonomia, mais precisamente a legalidade isônoma, é o protoprincípio, o maisoriginário e condicionante dos princípios constitucionais, porquanto dele dependem todos osdemais para sua eficácia. E que sem ele decerto a perderiam.

3.2 - Deveras: a isonomia está no preâmbulo da CF, ao lado da justiça, da qual ela émanifestação jurídico-positiva e nos objetivos fundamentais da federação brasileira (art. 3°,III). Adentra-se no elenco dos direitos e garantias individuais (art. 5°, caput e itens I e II).No interrelacionamento entre as pessoas constitucionais (União, Estados, DF e Municípios).No campo das relações tributárias (art. 150, I e II) em geral e particularmente naconcessão de incentivos fiscais para promover o equilíbrio sócio-econômico inter-regional(art. 151, I, in fine, art. 165, § 7°) e, no âmbito das relações empresariais pela livreconcorrência, como um princípio geral da ordem econômica (art. 170, IV). Está ainda essesuperprincípio no programa nacional de redução das desigualdades regionais e sociais (art.170, VII), etc. De sorte que poder-se-á concluir sinteticamente: a isonomia não estáapenas na CF, ela é a própria CF, com a qual chega a confundir-se. A CF de 1988 éuma condensação da isonomia. Nenhum outro dos setenta e sete itens em que se desdobrao art. 5° da CF - inclusive o seu item XXXVI (coisa julgada) - prescinde da isonomia comoum condicionante de conteúdo e eficácia.

3.3 - Chega a ser chocante portanto venha a ser esse princípio pretensamente reduzido auma quinquilharia da qual é possível sem mais descartar-se o intérprete e aplicador da CF,com o invocar-se sem pertinência voto antigo do Min. CASTRO NUNES, como se ele tivesseo condão de afastar qualquer controvérsia relativa à quebra da isonomia na hipótese deficarem as empresas-partes no julgado à margem do dever de contribuir para a seguridadesocial:

"Não importa que haja julgados anteriores em outras espéciessufragando entendimento diverso, aliás com o meu voto. Nemimpressiona o argumento de que o caso julgado fere a regra daigualdade tributária, por isso que, em qualquer matéria, essaigualdade de tratamento, fiscal ou não, é uma consequêncianecessária da intervenção do Judiciário, que só age porprovocação da parte e não decide senão em espécie". (v.também a sua obra: Da Fazenda Pública em juízo, 2ª ed. p.298, nota 12).

Muito mais rente à realidade e à lógica do razoável se mostra a ponderação de OSWALDO

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OTHON SARAIVA FILHO:

"Impende ponderar que decisões imutáveis distintas, paracasos iguais, comprometeriam o princípio constitucional-tributário da isonomia (art. 150, inciso II), e abalariam aconfiança devida ao Poder Judiciário.

De fato, para o contribuinte que paga os tributos regularmenteinstituídos, é difícil aceitar que o seu concorrente estejaexonerado de alguns desses gravames por força de coisajulgada material contrária ao entendimento da Suprema Corte,em matéria constitucional-tributária" (in Processo Judicialem matéria tributária, p. 116).

3.4 - E sobre mais é impertinente a invocação daquele voto porque ele não enfrentou aquestão constitucional e processual que agora se interpõe: a antinomia não é entre decisõesde tribunais de igual hierarquia, mas entre decisões do STF e as de TRFs. É questão a serenfrentada e resolvida à luz de outros critérios e não de uma decisão isolada qualquer e doefeito típico desse julgado. Porque a questão é no fundamental de sintaxe normativa:relações entre decisões do STF e decisões do TRFs.

3.5 - Não há de negar que uma decisão judicial introduz eventualmente uma certadesigualdade interpessoal, tolerada pela CF, ao excluir as partes envolvidas no processo (p.ex., do dever de contribuir para a seguridade social que, nos termos da CF, art. 195, é detoda a sociedade). Por isso mesmo essa exclusão só é cabível se não se trata de pretensãoformal ou materialmente (a) inconstitucional ou (b) ilegal. No efeito excludente que provocaum julgado isolado não há no entanto nenhum problema de desigualdadeconstitucionalmente repudiada. Nessa hipótese não se instaura a desigualdade, ao contráriodo que pareça a uma análise superficial. Porque todos os contribuintes têm em princípioacesso ao judiciário para pleitear não-sujeição ao gravame (CF, art. 5°, XXXV).Desequiparação de regime jurídico existiria se nem todos os contribuintes pudessem teracesso ao judiciário. A desigualdade decorrente de julgado isolado é constitucionalmenteirrelevante. Há desequiparações constitucionalmente irrelevantes e desequiparaçõesconstitucionalmente relevantes, i. é, não toleradas: todas as que envolvam privilégios. Sóessas últimas são a rigor anti-isonômicas.

Dado que a decisões pela constitucionalidade da contribuição foram proferidas pela CorteExcelsa em controle difuso, desprovidas de efeito vinculante, elas só valem entre as partes.Mas desigualdade se interpõe, relevantíssima, quando há divergência entre acórdãos do STFe decisões do TRFs porque aí então dá-se um duplo regime: inclusão para uns e exclusãopara outros do dever de contribuir para a seguridade social, nos termos da CF, art. 195,caput.

3.6 - Agora, fazer prevalecer decisões hierarquicamente inferiores, excludentes dogravame, contra decisões do STF, é subversão da hierarquia, problema inconfundível com aquestão de simples alteração jurisprudencial (p. ex., da jurisprudência de um mesmoTribunal). E fazer prevalecer ad futurum a decisão judicial pela inconstitucionalidade dacontribuição restrita às partes (controle difuso) é estabelecer um regime jurídicoprivilegiado, que não encontra, esse sim, guarida na CF, antes é constitucionalmenterepudiado. Efeito de um julgado não deve, nunca, importar em rutura da CF, sobretudo do

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mais eminente dos seus princípios: a isonomia.

3.7 - Por esse motivo, não deve sustentar-se na hipótese que a mudança de orientaçãojurisprudencial, ainda que do STF, não afeta a autoridade da coisa julgada. A conclusão éperfeita, mas inaplicável à hipótese. Trata-se de identificar um limite à coisa julgada e nãode uma desconsideração do seu conteúdo. É o que subsequentemente se verá.

3.8 - As decisões do STF inviabilizam na prática o ingresso ao Judiciário pelas empresas,porque qualquer decisão excludente do gravame será doravante reformável pela CorteExcelsa. Mas a igualdade empresarial é incompatível com os privilégios decorrentes dapretensa imutabilidade dos julgados dos TRFs. Desse efeito anticonstitucional CASTRONUNES não cogitou em absoluto. Noutras palavras: estão a atribuir-lhe mais do que eledisse…

IV - Isenção indireta para as partes no litígio

4.1 - Sob esse ângulo, em geral inapercebido, se revela a incompatibilidade entre a coisajulgada e a extensão descomedida dos efeitos que as empresas lhe pretendem atribuir.

A persistir o entendimento de que, por força do julgado, certas empresas estariamexoneradas para sempre da contribuição social, ter-se-ia por portas travessas uma isençãoatípica, ao arrepio do princípio da legalidade tributária (CF, arts. 5°, II e 150, I, CTN, arts.97, VI e 175, I), i. é, por via diretamente jurisdicional. Sem lei isentante e sem atosubjetivamente administrativo de sua concessão para o caso concreto. A maioria dasempresas, contribuintes; as partes no litígio, exoneradas. Efeito isencional típico.

4.2 - Isenção em caráter individual - mesmo as que não ousam dizer o seu nome, comono caso - é ato materialmente administrativo. Os pressupostos de incidência da norma gerale abstrata de isenção estão no entanto sob estrita reserva legal. Se prevalecesse a extensãodesmesurada do julgado sustentada pelas empresas, estar-se-ia diante de uma isenção semlei que a tivesse instituído: formalmente ato jurisdicional, materialmente, ato administrativopraticado pelo Judiciário. Somente a lei pode instituir as hipóteses de exclusão do créditotributário (CTN, art. 97, VI) e, dentre elas, as de isenção. E a coisa julgada é, como visto,causa de exclusão do crédito tributário (CTN, art. 156, X). Essa norma geral é plenamenteaplicável às contribuições sociais, ex vi da CF, art. 149, caput). Efeito isentante é efeitoestranho às atribuições constitucionais do poder judiciário. Precisamente porque a coisajulgada só extingue o crédito tributário é que os seus efeitos são retrospectivos. Não épossível extinguir crédito tributário ainda em vias de constituição ou posteriormenteconstituído.

4.3 - A CF é expressa ao sujeitar a administração ao princípio da legalidade (Art. 37,caput). Nenhuma isenção senão mediante lei. Na hipótese, o ato jurisdicional seria,entretanto e quanto aos seus efeitos futuros, um ato administrativo mascarado pela formade sentença e sem fulcro em lei.

4.4 - Qualquer isenção da contribuição sobre o lucro somente poderá ser concedidamediante lei federal específica, que a regule exclusivamente (CF, art. 150, § 6°,acrescentado pela Emenda 3/93). Esse efeito, a exoneração do pagamento do gravame, nãopode consequentemente decorrer pela via indireta de ato jurisdicional algum.

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4.5 - A incompatibilidade desse regime com a isonomia é assim outro obstáculoconstitucional intransponível à atribuição de efeitos atípicos à coisa julgada, porqueprojetados em períodos de exigibilidade futuros, equiparando-se de conseguinte essesefeitos aos de uma isenção, dissimulada pela forma do ato jurisdicional. A decisão judicialassumindo um papel para o qual é destinada a legalidade.

4.6 - Não se sabe - nem é relevante saber - quantas empresas obtiveram dos juizes eTRFs decisões pela inconstitucionalidade da contribuição social sobre o lucro. Sabe-seseguramente porém que não foram todas elas. Só algumas, as empresas beneficiadas pelosjulgados. Ora, se persistissem os efeitos desses julgados nos períodos de exigibilidadesubsequentes aos das decisões - efeitos prospectivos e não apenas retrospectivos, essesúltimos, sim, alcançados pela coisa julgada - algumas empresas não pagariam acontribuição no confronto com outras ou porque estas não provocaram o Judiciário ouporque, após as decisões do STF, acatando-as, vêem recolhendo a contribuição, posto ativessem dantes impugnado. Essa situação é em tudo e por tudo equivalente a umaisenção: onde está o mesmo regime jurídico, está o mesmo instituto de regência. Oacatamento à coisa julgada, em homenagem à segurança jurídica, há-de ser sóretrospectivamente assegurado. Porque ai a desequiparação de iguais - as empresasoneradas e exoneradas - se daria como condição sine qua non para a eficácia da regraprocessual constitucional (art. 5°, XXXVI). E a desequiparação seria a consequência dainércia de algumas empresas que não se socorreram do judiciário. Não é assim que sucedequando as empresas se encontrassem diante de fato consumado: umas pagariam e outrasnão a contribuição por força diversa: a "autoridade" da coisa julgada.

4.7 - E, na medida em que somente algumas empresas seriam detentoras do estranhoprivilégio, ter-se-ia a subversão da ordem constitucional.

A ordem econômica é tão só um subcapítulo da ordem constitucional. Disciplinada pela CF,art. 170, em cujos termos a ordem econômica observará, dentre outros, o princípio (e nãosimples norma) da livre concorrência entre empresas (item IV). Como poderá dizer-se"livre" uma concorrência entre empresas se umas pagam e outras não a contribuição social?Estranha invocação da coisa julgada: o processual se contrapondo e anulando oconstitucional.

4.8 - Não será cabível objeção à tipificação de um privilégio no caso. Porque, sob o pálioda intangibilidade dos julgados, estar-se-ia a indiretamente a provocar um efeito que nem auma isenção legalmente concedida poderia ser atribuído. Porque essa "exoneração" sóbeneficiaria as partes no litígio, sem um critério de razoabilidade para a discriminação econtra o universo dos demais contribuintes. Esse pretenso efeito do julgado não passa deuma impertinência hermenêutica: a extensão dos limites objetivos e subjetivos da coisajulgada mascararia a instituição de um privilégio de direito público. Algo que as decisões dosTRFs decerto não objetivaram.

4.9 - Donde a inconstitucionalidade do discrime (partes ou não na relação processual) porviolação da isonomia. Que não tolera a concessão de privilégios em sentido estrito:concessão de uma posição jurídica favorável, vantagem restrita a alguns sujeitos passivosda contribuição (sobre os privilégios, v. FRANCESCO FERRARA, Trattato di Diritto CivileItaliano, 1921, pp. 90 e segs.) Violação também do princípio da tripartição do poder: oJudiciário não pode, sob esse ângulo de análise, praticar atos materialmenteadministrativos. Veda-o a CF, art. 2°. O que constitucionalmente é defeso - e não está

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expresso nem implícito nos atos jurisdicionais que proclamam a inconstitucionalidade dacontribuição - não pode estar permitido… a juízo do intérprete.

V - Natureza da questão constitucional e suas projeções na hipótese da consulta

5.1 - Qual a força da decisão judicial sobre inconstitucionalidade das leis? - indagaPONTES DE MIRANDA. E ele mesmo responde: "A questão sobre inconstitucionalidade dasleis é quaestio iuris. As questiones iuris ou são questiones iuris praeiudicialis, seprévias em relações a outras questões, ou quaestiones iuris principales, se o sistemajurídico não veda a discussão e a resolução das questões de direito in abstrato, sem exigirque se decida algo sobre ameaça de violação, ou violação atual de direito" (Comentários àConstituição de 1946, 2ª ed., v. V, p. 293). Questões jurídicas principais deconstitucionalidade/ inconstitucionalidade são hoje contempladas na CF de 1988, art. 102, I,a: ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e açãodeclaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.

5.2 - Ao decidir a questão constitucional em controle difuso (para o caso concreto) e nãoconcentrado (é constitucional/ inconstitucional - só - a lei), a sentença apenas fundamentao mérito do decisum. Mas a decisão sobre inconstitucionalidade com este não se confunde.Sob um rótulo ou nomen iuris unificado (formalmente uma só sentença) abrigam-sesubstancialmente duas decisões: a 1ª, sobre a questão constitucional (prejudicial demérito); a 2ª, sobre o mérito, a coisa deduzida em juízo (res in iudicio deducta): é devidaou não a contribuição sobre o lucro de alguma empresa em determinados períodos, i. é, noslimites - inclusive temporais - da exigibilidade do pedido. Só formalmente, o atojurisdicional é, percebe-se, unificado.

5.3 - A decisão sobre a questão se é ou não constitucional a lei é decisão sobre questãoprejudicial ao mérito da demanda (quaestio iuris praeiudicialis); portanto decisãologicamente antecedente ao mérito da lide. Ainda quando decide uma questãoconstitucional, o juiz não julga a lei, mas conforme a lei. Mais precisamente: decide sobre arelação sintática de conformidade ou não entre a CF e a lei integrativa (é constitucional?inconstitucional?). Se inconstitucional, a decisão nega aplicação da lei inconstitucional queincidiu sobre o caso concreto. É assim que se dá o controle jurisdicional difuso deconstitucionalidade. Em síntese: no controle difuso, a alegação pela parte dainconstitucionalidade de lei é incidenter tantum, como típica questão prejudicial.Conseqüências? Vejamo-las no magistério autorizado de ADA PELLEGRINI GRINOVER:

"Se a declaração de inconstitucionalidade ocorreincidentemente, pela acolhida da questão prejudicial que éfundamento do pedido ou da defesa, a decisão não temautoridade de coisa julgada, nem se projeta - mesmo interpartes - fora do processo no qual foi proferida.

A matéria submete-se ao regime das questões prejudiciais, quenão tem aptidão para fazer coisa julgada material (art. 469, III,CPC)" (Ação rescisória e divergência de interpretação emmatéria constitucional, in Revista Dialética de DireitoTributário, vol. 8, p. 14).

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Insiste enfaticamente essa acatada processualista que a decisão sobreinconstitucionaliade, em controle difuso, não produz coisa julgada material:

"É esta a pedra do toque do sistema difuso de controle daconstitucionalidade do Brasil. A decisão deinconstitucionalidade, operada incidenter tantum, não tem ocondão de fazer coisa julgada material.

A lei continua eficaz, podendo qualquer juiz, e inclusive opróprio Supremo Tribunal Federal aplicá-la por entendê-laconstitucional enquanto o Senado Federal, por resolução, nãosuspender a sua executoriedade" (rev. e vol. cits. p. 15).

5.4 - Para que essa aplicação (=eficácia) seja suspensa com efeitos erga omnes énecessário, ato do Senado Federal (supra, 1.5). Fora dessa hipótese, os efeitos do julgadonão transcendem os limites da pretensão concretamente deduzida em juízo. Numa decisãojurisdicional em controle difuso não se dão efeitos erga omnes e para os casos futuros.Antes do ato do Senado, suspendendo-lhe a eficácia, a lei continua a regerindiscriminadamente as relações de vida sob seu império. Em suma: continua ela a integrara ordem jurídica. Normas jurídicas que não mais têm eficácia são porém normasinexistentes, invalidadas pelo ato do Senado.

5.5 - Essa negativa de aplicação da lei ao caso concreto no ato judicial fornece a basedecisiva para a caracterização da natureza jurídica da decisão pela inconstitucionalidadecomo sendo constitutiva negativa. Constituinte ou instituinte de um estado novo:erradicação da lei ou ato inconstitucionais por um critério (o ato jurisdicional +a decisão doSenado) diverso da regra: lex posterior derogat priori. A decisão judicial pelainconstitucionalidade - ensina-o PONTES DE MIRANDA - é constitutiva negativa e nãodeclaratória, ao contrário do que pretende equivocada doutrina (p. ex., ALFREDO BUZAID,Da ação direta de inconstitucionalidade no direito brasileiro, Saraiva, SP, 1958).Demonstração sumária desse efeito do ato jurisdicional? É necessária a maioria absolutados seus membros para que os tribunais proclamem a inconstitucionalidade das leis (CF,art. 97). Tanto aparato para dizer que o nada, o inexistente, é… coisa nenhuma? Ainterpretação jurisdicional pode variar no mesmo ou em vários órgãos jurisdicionais: o queera constitucional passa a ser havido como inconstitucional e vice-versa: o dantesinconstitucional será doravante constitucional (p. ex., a contribuição sobre o lucro,inconstitucional para TRFs, constitucional, para o STF). A lei havida como inconstitucionalcontinuará a reger as relações de vida nos casos não abrangidos pelo julgado (a resjudicata só tem força de lei entre as partes em litígio). São restritos portanto os seusefeitos no controle difuso da constitucionalidade. Logo a lei inconstitucional existe, porquesujeita a desconstituição pelo procedimento judicial e congressual previsto na CF.

5.6 - Se assim o é, com maiores razões a lei constitucional continuará a reger as relaçõesde vida nos casos não abrangidos pela decretação de inconstitucionalidade em decisãotrânsita em julgado (limites objetivos e subjetivos da coisa julgada). Mas será que a eficáciada coisa julgada resguarda prospectivamente as partes no litígio em que decidiu um órgãohierarquicamente inferior (o TRF), pela inconstitucionalidade, diante da decisãosuperveniente pela constitucionalidade, proferida por órgão superior (o STF)? Veremos que

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não.

5.7 - A solução da questão constitucional não é o objeto do litígio, por isso mesmo que ocontrole judicial é na hipótese difuso. É tão só um dos fundamentos da decisão sobre omérito da pretensão concretamente deduzida em juízo. A decisão do mérito, em talhipótese, faz coisa julgada tão somente e como visto quanto ao caso concreto, o objeto darelação processual litigiosa. A coisa julgada não se dilarga para além do período deexigibilidade a que a decisão se reporta. A questão prejudicial da inconstitucionalidade nãotem nada a ver com os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada - porque essa decisãonão transita em julgado ou, com a licença da linguagem metafórica, não adquire "força" decoisa julgada. A lei continua em vigor porque o judiciário negou-lhe tão só aplicação nocaso concreto. Do contrário, essa decisão projetaria no futuro os seus efeitos, liberandodefinitivamente só alguns contribuintes (as partes em litígio) do dever de pagar acontribuição. A proclamação da inconstitucionalidade não vai portanto além dos limites dalide em que ela foram proferida.

5.8 - Essas considerações valem para as hipóteses de controle difuso daconstitucionalidade. E no controle concentrado, onde se postula a proclamação deconstitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei em ação direta? Como se apartam essesregimes processuais? Responde-o sucintamente ALBERTO XAVIER:

"Para que a questão prejudicial integre o dispositivo dasentença e produza efeitos de caso julgado é necessário que elanão seja decidida incidenter tantum, mas principaliter emação declaratória incidental, nos termos do art. 470 do Códigode Processo Civil" (Do lançamento, 2ª ed., 1987, p. 385).

No controle difuso, a proclamação da inconstitucionalidade, exceto na declaratória, éincidenter tantum, motivo ou pressuposto para a anulação do lançamento da exação; noconcentrado é o objeto de cognição direta do Judiciário, principaliter.

A conclusão será esse discrime mesmo quem no-la oferta:

"Assim, sentenças proferidas em ‘processos sobre atos’ não sãoidôneas a revestir a autoridade de caso julgado em processosfuturos, tendo por objeto a mesma relação tributáriasubjacente, mas quanto à qual se formula um pedido diverso,seja um pedido de anulação de novo ato administrativo seja umpedido meramente declaratório em ação própria e sucessiva"(ALBERTO XAVIER, op. cit., p. 385).

E a razão porque não integra, a solução da questão constitucional, a coisa julgada, éque ela constitui apenas a motivação ou fundamentação da decisão sobre a relação jurídicalitigiosa concreta. A motivação ou fundamentação está excluída da coisa julgada, tal comodecidiu o STF na ação rescisória n° 1239-MG, Pleno, unânime, rel. Min. CARLOS MADEIRA:

"Ação Rescisória. Eficácia da coisa julgada. Alegação de

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violação dos artigos 546 e 468 do Código de Processo Civil, 322do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, e ofensaao parágrafo 4° do artigo 153 da Constituição. Súmula 239 daCorte. O que é consagrado no enunciado da Súmula 239 é aorientação restritiva da coisa julgada em matéria tributária, demodo a excluir os motivos e fundamentos da sentença.

Ação julgada improcedente".

Do voto do relator, extrai-se o seguinte tópico:

"O art. 469, I, do atual Código de Processo Civil, acolheu esseponto de vista doutrinário, defendido entre nós desde PaulaBatista, que dizia ser a autoridade da coisa julgada ‘restrita àparte dispositiva da sentença, e aos pontos aí decididos efielmente compreendidos em relação aos seus motivosobjetivos" (Teoria e Prática, 1910, pág. 175)".

No mesmo sentido, assim se expressou o Min. MOREIRA ALVES:

"A meu ver, não cabe ação declaratória para o efeito de que adeclaração transite em julgado para os fatos geradores futuros,pois ação dessa natureza se destina à declaração da existência,ou não, de relação jurídica que se pretende já existente. Adeclaração da impossibilidade do surgimento de relação jurídicano futuro porque não é esta admitida pela Lei ou pelaConstituição, se possível de ser obtida por ação declaratória,transformaria tal ação em representação de interpretação ou deinconstitucionalidade em abstrato, o que não é admissível emnosso ordenamento jurídico.

Assim, e considerando que não há coisa julgada nesses casosque alcance relações que possam vir a surgir no futuro,acompanho o voto do eminente relator, e julgo improcedente aação".

VI - A antinomia entre as decisões dos TRFs e as do STF

6.1 - Antinomia, como a sua origem etimológica indica (do grego anti - contra + nomos -lei), é o governo simultâneo dos contrários: as decisões do STF pela constitucionalidade dacontribuição social sobre o lucro das empresas em contraposição, sucessiva no tempo, adecisões de TRFs, pela sua inconstitucionalidade.

Não se trata de um singelo problema sintático de relacionamento normativo entreiguais na escala hierárquica. Conflito entre decisões de órgãos da mesma hierarquia noescalonamento da ordem jurídica. Não levar em conta a particular feição do STF nofederalismo brasileiro é porém fonte dos equívocos generalizados no particular.

6.2 - O texto constitucional, no seu art. 102, caput, atribui ao STF precipuamente a

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guarda da Constituição. Que nomeia a CF com essa cláusula tão solene? Que procura elasintetizar? Qual o sentido dessa guarda, que é como uma guarda pastoral?

O STF tem a seu cargo a custódia da CF. De sorte que a CF é, no sentido pragmático quelhe emprestam os juristas americanos, o que o STF diz que ela é. Nesse insigne mistér, oSTF é o construtor do federalismo brasileiro. De maneira que, as decisões do STF, mesmocronologicamente posteriores às dos Tribunais inferiores, lhes confirmam ou infirmam avalidade. Decisão em contrário às normas postas pelo STF é decisão de validade limitada.Assim como o das normas gerais, o fundamento de validade das normas individuais não éextraído de critérios cronológicos, mas hierárquicos.

6.3 - A "guarda da Constituição" é uma cláusula-síntese. Seu campo material de validadeabarca, na sua universalidade de significação, a competência toda do STF. Disso resultaque as normas constitucionais específicas sobre essa competência (art. 102, itens I a III) jáestão de certa forma compreendidas nessa cláusula, como espécies de um gênero. Se nãodesdobrada a sua competência em autônomos tópicos normativos, ainda assim o STFestaria legitimado para custodiar a CF: compete-lhe a guarda da Constituição - e isso basta,porque essa cláusula diz tudo.

6.4 - Não há como afastar-se a posição de proeminência das decisões do STF no contrastecom as de quaisquer outros tribunais do País, mesmo sob a invocação da proteção à coisajulgada. Esse efeito a coisa julgada não tem, porque ele equivaleria a uma derrogaçãoparcial da cláusula-síntese, na medida em que prevalecessem as decisões jurisdicionais emcontrário, sob invocação da coisa julgada que desconsiderasse esses limites constitucionais.Como diria o saudoso GERALDO ATALIBA, a CF não dá com u’a mão ao STF - a guarda daConstituição, art. 102, caput - e tira com a outra - a proteção da coisa julgada - art. 5°,XXXVI. Esses dois dispositivos devem portanto ser harmonizados. Mas há entre elesdiferença capital: a competência do STF tem eficácia plena: a proteção constitucional dacoisa julgada, limitada. Porque é à lei integrativa (CPC, p. ex.) que incumbe a estruturaçãoda coisa julgada. É como se o texto constitucional afirmasse: (I) lei processual disporásobre os efeitos da coisa julgada (âmbito constitucionalmente indeterminado) e (II) a coisajulgada não pode ser alcançada por leis e decisões judiciais retroativas (âmbitoconstitucionalmente determinado). Sob formulação unitária, dois preceitos distintos. Essafórmula aliás está implícita no texto constitucional e, assim sendo, pode ser enunciada nalinguagem que o descreve.

6.5 - A CF protege a coisa julgada, sem no entanto determinar-lhe os limites objetivos esubjetivos. Como estão no campo da indeterminação constitucional, esses limites sãoinfraordenados com relação aos limites constitucionais - quaisquer deles. Logo a cláusula-síntese da competência do STF é, sob esse aspecto, sobreordenada. O que lhe revela aeminência, antes uma proeminência: a coisa julgada não pode ter o efeito de derrogar (=revogar parcialmente), a cláusula-síntese: o STF é o guardião da CF. É este um limiteconstitucional à eficácia da coisa julgada. Derrogação consumada porém se os efeitos dojulgado, coexistissem com decisão do STF em sentido contrário. Constitucional para o STF,inconstitucional para as TRFs. Que é que isso tem a ver com a coisa julgada? Apenas comos seus limites. A invocação da coisa julgada na hipótese de débitos posteriores ao julgadoé simplesmente impertinente. Viola regra da dialética processual: a da pertinência. Violaçãooculta pela caracterização exclusiva da coisa julgada como um instituto de direitoprocessual. E estudada, como se não tivesse nenhuma implicação com a ordemconstitucional. Estando os seus limites fixados na ordem infraconstitucional, a coisa julgada,

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não pode prevalecer contra a CF.

6.6 - Uma ressalva: essa questão constitucional não deve ser "degradada" ao nível de umsimples incidente de uniformização de jurisprudência, diversamente do que já se pretendeu.

Nem se trata de projetar o efeito vinculante da ação direta de inconstitucionalidade(CF, art. 102, § 2°) no controle difuso. Até porque a jurisprudência do STF pode mudar. Oque se rejeita é manipulação da coisa julgada como pretexto e obstáculo processual àapreciação da matéria em processo subsequente ao período de exigibilidade discutido nocontrole difuso. Se houver alteração da jurisprudência do STF, a solução dos pressupostosprocessuais (questões prejudiciais sobre constitucionalidade) se altera ipso facto. Mas areapreciação da matéria em períodos subsequentes não estará em hipótese alguma vedada,quer pela CF, quer pelo CPC.

6.7 - O entendimento datas adotado, está aliás em harmonia com a jurisprudência do STFque vê na ofensa a coisa julgada apenas violação indireta à CF:

"EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. COISA JULGADA. (ART. 5°,INC. XXXVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

1. O tema relativo à coisa julgada foi examinado peloSuperior Tribunal de Justiça, estritamente sob o aspectoprocessual civil, concluindo aquela Corte pelo não conhecimentodo Recurso Especial.

2. Ora, é pacífico o entendimento do S.T.F., no sentido denão admitir, em R.E., alegação de ofensa indireta àConstituição Federal, por má interpretação e/ou aplicação denormas infraconstitucionais, como são as de Direito ProcessualCivil sobre coisa julgada." (AGRAG - 1722101 RJ - AG. REG.EM AG. DE INST. OU DE PETIÇÃO, 1ª turma, unânime, rel. Min.SYDNEY SANCHES, in DJ 19-09-97, pp. 45532).

"EMENTA: Agravo Regimental.

- Em se tratando de recurso extraordinário contradecisão prolatada em ação rescisória, deve ele dirigir-se aospressupostos dela e não aos fundamentos do acórdãorescindendo.

- Quando à alegação de ofensa à coisa julgada, aquestão dos limites objetivos dela é matéria que se resolve noterreno infraconstitucional, não havendo, assim ofensa direta àConstituição.

Agravo a que se nega provimento" (AGRAG -152725/DF, AG. REG. EM AG. DE INST. OU DE PETIÇÃO, 1ª

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Turma, unânime, rel. Min. MOREIRA ALVES, in DJ de 04.04.97,pp. 10525).

Não será por outro motivo que o STF negou-se a apreciar REs interpostos comfundamento em contrariedade à coisa julgada:

"EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSOEXTRAORDINÁRIO. AFRONTA AO ARTIGO 5° - XXXVI DACARTA. SÚMULA 288.

Não é possível, no Recurso Extraordinário, o exame, inconcreto, dos limites objetivos da coisa julgada" (AGRAG -137811/SP, AG. REG. EM AG. DE INST. OU DE PETIÇÃO, 2ªTurma, unânime, rel. Min. FRANCISCO REZEK, in DJ 25.04.97,pp. 15205).

"EMENTA: Não é admissível recurso extraordinário, comsuposto fundamento em contrariedade ao disposto no incisoXXXVI do art. 5° da Constituição, para reabrir controvérsiaacerca dos limites objetivos da coisa julgada" (AGRAG -16754/SP - AG. REG. EM AG. DE INST. OU DE PETIÇÃO, 1ªTurma, unânime, rel. Min. OTÁVIO GALLOTTI, in DJ de27.09.96, pp. 36155).

6.8 - O CTN diz porém e como visto que a coisa julgada simplesmente extingue o créditotributário. Está, no particular, em plena sintonia com o texto constitucional. Os limites dacoisa julgada estabelecidos na lei processual civil, não podem contrapor-se à ordemconstitucional, atribuindo-se efeitos ao julgado que a CF não admite. Por isso é um equívocofundamental centrar a análise da coisa julgada exclusivamente na legislação processualcivil, sem correlacionar os seus efeitos com a ordem constitucional.

6.9 - À vista de decisões posteriores do STF em controle difuso ou concentradoproclamando a inconstitucionalidade ou constitucionalidade coloca-se o problema daadmissibilidade de ação rescisória de antecedentes decisões de instâncias inferiores, p. ex.,juizes e tribunais federais, trânsitas em julgado.

Esse problema - o do juízo de admissibilidade da rescisória - é decorrente sobretudoda Súmula 343 do STF:

"Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de leiquando a decisão rescindenta se tenha baseado em texto legalda interpretação controvertida nos tribunais".

6.10 - Para abrandar os rigores dessa Súmula, sustenta-se a sua inaplicabilidade nashipóteses em que a controvérsia judiciária se tenha estabelecido na interpretação de normaconstitucional, porque ao STF cabe a guarda da CF e pois incumbe-lhe a última palavra emmatéria constitucional - a suprema preclusão no direito brasileiro.

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6.11 - Em estudo inserto na coletânea Processo judicial em matéria tributária, HUGODE BRITO MACHADO objeta que, ao afastar-se em matéria constitucional a Súmula 343,dar-se-ia retroeficácia às decisões do STF, mesmo no controle difuso, sobrepondo-se até àsleis - que não retroagem para atingir a coisa julgada (Aspectos da ação rescisória emmatéria tributária, op. cit., 1995, p. 65).

E no entanto a alegada retroeficácia assenta numa petição de princípio, porque restaindemonstrado que a decisão do STF teria, em hipóteses que tais, efeito retroativo.Seguramente ela não o tem, porque não desconstitui a decisão do TRF. Ela apenas se aplicaa períodos de exigibilidade não compreendidos nos julgados das instâncias inferiores.

6.12 - Com a sua sagacidade, esse autor reconhece no entanto que, tratando-se derelações jurídicas continuativas, como acontece a miude em matéria tributária, a aplicaçãoda Súmula 343 pode implicar grave lesão ao princípio da isonomia, com algunscontribuintes pagando o tributo e outros, não (art. e op. cits., p. 66).

6.13 - Para afastar esses inconvenientes, o autor corretamente propõe uma soluçãosalomômica: preservar a coisa julgada no concernente aos fatos passados e admitida arescisória somente no tocante aos casos futuros:

"Já no concernente aos fatos futuros a rescisória há de serjulgada procedente, pois a decisão do Supremo TribunalFederal, no exercício do controle de constitucionalidade, é umainovação da ordem jurídica, que atinge, tal como uma lei nova,aquela relação jurídica continuativa" (art. e op. cit. pp. 69-70).

Porém, se a rescisória descabe com relação a fatos passados (o que se concede) e seos fatos futuros não estão abrangidos pelos efeitos dos julgados dos TRFs, a invocação darescisória não terá nenhum cabimento na hipótese em apreço. Pois a Receita Federal nãoestá a exigir a contribuição com referência a períodos anteriores aos julgados dos TRFs.Logo não se trata de eternização de lides, porque são lides diversas. E nada tem a ver ahipótese com o efeito vinculante típico (CF, art. 102, §2°) das decisões do STF em controleconcentrado. Trata-se de diversa vinculação (sintática, hierárquica). Como custodiar a CFdesconsiderando essa diversa forma de vinculação?

VII - Diversidade efectual entre as decisões sobre inconstitucionalidade nocontrole concentrado e no controle difuso

7.1 - A coisa julgada vem sendo abordada como instituto exclusivo do direito processual, aorigem de deficiências na sua caracterização jurídica. E no entanto ela é estudada, pelaTeoria Geral do Direito, como categoria formal, independente portanto de quaisquerconteúdos materiais (v. HANS KELSEN Teoria General del derecho y del Estado, 1949,pp. 161-162 e 165-6). Essa caracterização formal da coisa julgada prescinde de suaconfiguração pelo direito positivo, que introduz no formal da TGD (coisa julgada - só)determinados conteúdos (coisa julgada, tributária, penal, civil, trabalhista, etc).

7.2 - É sobretudo a teoria geral do processo, uma especificação da TGD, que irá - essa sim- iluminar o questionamento desse tema. Em virtude de consideração de capitalimportância: no seu âmbito, poder-se-ia indiferentemente sustentar que a coisa julgada

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abrange ou não os motivos da conclusão. Ensina-o excelentemente HUGO MACHADO:

"No plano de uma teoria do processo, desvinculada de umdeterminado ordenamento jurídico tanto se pode sustentar quea coisa julgada abrange as premissas lógicas da decisão, comoa tese contrária" (Temas de Direito Tributário, II, 1994, p.217).

Mas o problema que nos interessa não é tanto o da caracterização da coisa julgada,quando o da aclaração dos seus limites objetivos e subjetivos no direito positivo brasileiro.Limites que decorrem do conteúdo do julgado. Algo que só a dogmática jurídicaconstitucional e processual pode ofertar. Nesse plano, interpõe-se uma alternativaexcludente: ou a coisa julgada abrange ou não abrange os fundamentos do decisório.

7.3 - A coisa julgada tributária é categoria de direito positivo e há impossibilidade denorma de direito positivo com âmbito de validade ilimitado. Ora, a decisão judicial é umato ponente de norma individual. Tem âmbitos de validade material, pessoal, temporal eespacial limitados. Decisão de TRF pela inconstitucionalidade da contribuição socialestabelece então uma norma individual, a vincular as partes envolvidas na relação jurídicaprocessual - e só elas (âmbito pessoal), a determinar a matéria por ela abrangida - e só ela(âmbito material). E vale apenas para os fatos deduzidos em juízo até a época doajuizamento - é só eles (âmbito temporal). Significa afirmar que, fora desse suporte facticodo ato normativo, a decisão não projeta efeito algum. Noutras palavras: acaba por serimpertinente a discussão sobre a coisa julgada, precisamente porque a transcende. Seestão respeitados esses pressupostos de fato, não há pertinencialidade dialética dadiscussão sobre a res iudicata. Ora, âmbito material é, na teoria geral das normas, umoutro nome para o que a doutrina processual nomeia: "limites objetivos da coisa julgada". Eque particularmente interessa a este parecer.

7.4 - Por contraste, a diversidade dos regimes jurídicos de controle concentrado e difusopelo STF esclarece esses pontos tão baralhados pelo uso superficial e até o mau uso nadoutrina tradicional da res iudicata e seus limites objetivos.

Como ocorre o controle concentrado da constitucionalidade no direito brasileiro? A CF dá aresposta: compete ao STF processar e julgar originariamente a ação direta deinconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória deconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal (CF, art. 102, I, a, na redação da EC3/93).

7.5 - A ação direta de inconstitucionalidade somente pode ser proposta pelas pessoas eórgãos mencionados na CF, art. 103, I a IX. Mas, no tocante à sua aplicação, a decisão doSTF alcança uma universalidade de pessoas como seus destinatários. Seu campo-de-incidência e aplicabilidade é portanto indeterminado: qualquer um pode invocá-la a seuprol. No controle difuso, só as partes no litígio em que essa decisão em preliminar de méritose deu é que o podem. Trata-se portanto, sob esse aspecto - o âmbito pessoal de validade -de um número maior ou menor de pessoas alcançadas pelos efeitos do decisório num tipode controle (concentrado) ou noutro (difuso). O sistema jurídico opera desenvoltamentecom esses critérios relativamente indeterminados: quantas pessoas na ação direta? E no

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controle difuso? Impossível responder. Mas seria juridicamente irrelevante a resposta.

7.6 - Essa eficácia generalizada do julgado pelo STF é mais evidente nas ações diretas deconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, porque elas produzirão eficáciavinculante relativamente aos demais órgãos do poder judiciário e do poder executivo (CF,art. 102, § 2°).

7.7 - Mas, como demonstrado, a inconstitucionalidade é, no controle difuso, ao contráriodo controle concentrado, tão só a questão prejudicial, decidida incidenter tantum nojulgamento da causa - não porém o objeto do litígio, a relação deduzida em juízo. Conclusãofundamental: a coisa julgada em controle jurisdicional difuso limita-se às obrigaçõesrelativas aos períodos de apuração do quantum debeatur até a data do trânsito emjulgado da sentença. O objeto da demanda é exonerar determinado(s) contribuinte(s) daobrigação de pagar a contribuição sobre o lucro; a inconstitucionalidade da lei de regênciaconstitui apenas um pressuposto, questão prejudicial, motivo determinante: não integra aoâmbito de validade da decisão, isto é, não é alcançada pela res iudicata. Em suma: a coisajulgada não abrange os motivos e, dentre esses, a fundamentação constitucional dodecisório. Noutros termos: a questão constitucional, exclusa da coisa julgada, é um limitedesta, como que um limite interno do julgado. Não uma limitação à apreciação da matérianoutra instância jurisdicional.

7.8 - A preservação dos períodos anteriores ao julgado não decorre a rigor da coisajulgada, mas sim da proibição constitucional de retroatividade (CF, art. 5°, XXXV). No planodas normas gerais de direito tributário aplicáveis à contribuição, a situação subjacente àconsulta se resolve numa proibição de retroatividade de modificações introduzidas emdecorrência da decisão do STF, tal como dispõe o CTN, art. 146, relativamente ao atoadministrativo de lançamento:

"A modificação introduzida de ofício ou em conseqüência dedecisão administrativa ou judicial nos critérios jurídicosadotados pela autoridade administrativa no exercício dolançamento somente pode ser efetivada, em relação a ummesmo sujeito passivo, quanto ao fato gerador ocorridoposteriormente à sua introdução".

Se simples atos de lançamento podem ser administrativamente revistos até pelamesma autoridade, com relação a fatos subsequentes à modificação de critérios jurídicospor decisão administrativa, com maiores razões, decisões de tribunais inferiores pelaexclusão do dever de contribuir para certas empresas, devem ser substituídas,relativamente a "fatos geradores" subsequentes a decisões do STF pela constitucionalidadeda pretensão à contribuição. Isso não implica retroatividade a que pode ser reconduzida aproibição da CF, art. 5°, XXXVI.

VIII - A doutrina processual da coisa julgada: caminhos e descaminhos, marchas econtra-marchas

8.1 - A doutrina processual, estuda a coisa julgada à luz de duas categorias fundamentais,sintetizadas por PONTES DE MIRANDA:

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"A coisa julgada é formal quando não mais se pode discutir noprocesso o que se decidiu. A coisa julgada material é a queimpede discutir-se, noutro processo, o que se decidiu"(Comentários cit. vol. 4°, pp. 138-9).

Como no entanto se dá a integração da coisa julgada no âmbito da legislaçãoprocessual civil? Noutras palavras: qual o seu regime processual?

8.2 - O DL 4.657, de 04.09.42 ("Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro"), a definegenericamente, no seu art. 6°, § 3°:

"Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial deque já não caiba recurso".

O dualismo porém volta a introduzir-se com o vigente CPC, cujo art. 467 prescreve:

"Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que tornaimutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recursoordinário ou extraordinário".

Uma análise mais refinada apartará nesse dispositivo elementos materiais(imutabilidade, indiscutibilidade) e formais (insusceptibilidade a recursos). Ou seja: umdualismo oculto.

8.3 - O mesmo dualismo retorna ainda em PONTES DE MIRANDA, Comentários ao CPC,2ª ed., t. IV, p. 48:

"A fôrça, que tem a sentença, quanto à solução da questãopleiteada, para o caso de se querer pleiteá-la de nôvo, é acoisa julgada material. À imutabilidade da sentença, porparte do juiz ou tribunal que a emitiu, ou por via de recurso,dá-se o nome de coisa julgada formal" (grifos desse autor).

Todavia o egrégio jurisconsulto é expresso em excluir do âmbito da coisa julgada osmotivos do decisório:

"Os motivos, ainda que importantes para determinar o alcancedo que decide a sentença (‘parte dispositiva da sentença’), nãofazem coisa julgada material. No processo não mais se podemdiscutir e julgar porque o processo se extinguiu. Fora doprocesso, o que pode ter eficácia de coisa julgada (material) éo enunciado sentencial. O que pode acontecer e por vezesacontece é que se têm de apreciar para se saber qual overdadeiro alcance da decisão ou das decisões. Porém, mesmoem tais circunstâncias, não fazem coisa julgada, nem têm

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eficácia de coisa julgada material (art. 469, I verbis: ‘ainda queimportantes para determinar o alcance da parte dispositiva dasentença’). Está-se apenas no plano da interpretação dosenunciados da sentença, em pesquisa lógica. Fez bem o art.469, I, em repelir o que alguns juristas queriam conferir aosmotivos" (Comentários ao CPC, 1974, t. v., pp. 178-179).

8.4 - Diante do CPC, art. 469, I e III, a jurisprudência se inclina no sentido de que a coisajulgada é restrita ao dispositivo da sentença, excluída em consequência a questãoprejudicial:

"A coisa julgada incide apenas sobre o dispositivo propriamentedito da sentença, não sobre os seus motivos ou a questãoprejudicial - CPC, art. 469, I e III, salvante, não alusivo a estaúltima hipótese, se proposta ação declaratória incidental" (STJ -4ª turma, Resp 444 - RJ - E Del. Rel. Min. ATHOS CARNEIRO, j.19.3.91, DJU 22.4.91, p. 4.788, 2° vol. em.).

"Coisa julgada. Não abrange a fundamentação assim como nãocompreende, em seus limites objetivos, a decisão sobre aquestão prejudicial, salvo se pedida a declaração incidental"(STJ - 3ª Turma, Ag. 53.230 - 5 - RJ - AqRg, rel. Min.EDUARDO RIBEIRO, j. 26.9.94, DJU 24.10.94, p. 28.758, 2ªcol. Em).

8.5 - Historicamente superada a opinião de que a coisa julgada alcançaria os motivos dadecisão e dentre esses as questões prejudiciais e pois a questão constitucional que seriamconhecidas e julgadas pelo órgão jurisdicional. Nem pode ser mais havida como preliminardo mérito, com o advento do novo CPC, a questão constitucional. O que a respeito sesustentou à luz do direito antigo obscurece a compreensão das inovações introduzidas noregime da coisa julgada pelo vigente CPC. E nada há que estranhar pois a coisa julgada àcategoria de direito processual positivo.

Consequentemente, só na vigência do CPC revogado uma conclusão como essa seriacabível:

"Se por ocasião da cobrança, em dado exercício, o contribuintese defendeu com a exceção de inconstitucionalidade do impostoe obteve ganho de causa, não será possível exigir, sob opretexto de tratar-se de outro exercício ou de novolançamento o mesmo imposto já julgadoinconstitucional"(CASTRO NUNES e local cit., p. 296).

Trata-se de mera arqueologia jurídica, um resíduo histórico: o vigente CPC nãomais autoriza essa conclusão.

8.6 - No inventário da teoria processual da coisa julgada é preciso não esquecer que essadoutrina foi de início construída sob a vigência do CPC anterior, cujo art. 287, § único,expressamente prescrevia:

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"Considerar-se-ão decididas todas as questões que constituampremissa necessária da conclusão".

O que viabilizou, o entendimento de RUBENS GOMES DE SOUSA, sobre a coisajulgada tributária:

"A solução exata estaria em distinguir, em cada caso julgado,entre as decisões que se tenham pronunciado sobre oselementos permanentes e imutáveis da relação jurídica,como a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do tributo,a sua incidência ou não-incidência na hipótese materialmenteconsiderada, a existência ou inexistência de isenção legal oucontratual e o seu alcance, a vigência da lei tributáriasubstantiva ou sua revogação, etc - e as que se tenhampronunciado sobre elementos temporários ou mutáveis darelação jurídica, como a avaliação de bens, as condiçõespersonalíssimas do contribuinte em seus reflexos tributários eoutras, da mesma natureza; à coisa julgada das decisões doprimeiro tipo há que atribuir uma eficácia permanente; à dassegundas, uma eficácia circunscrita ao caso específico em queforam proferidas" (verbete: Coisa Julgada (Direito Fiscal, inRepertório Enciclopédico do Direito Brasileiro, vol. 9°, p.298 - destaques deste autor).

E acrescentou GOMES DE SOUSA, com a habitual acuidade teórica:

"quando a sentença, cuja coisa julgada se invoque, tenhadecidido sobre os elementos permanentes, constantes epermanentes da própria relação jurídica debatida taiselementos não serão meras questões prejudiciais, ou simplesantecedentes lógicos da decisão, mas constituirão a própriatese jurídica decidida, ou seja, representarão o próprio objetoda decisão" (op. e p. cits.)

Entendimento dantes correto, hoje ultrapassado. Duas palavras do legislador eesboroa-se uma biblioteca inteira… A lição de GOMES DE SOUSA perdeu a aplicabilidade aodireito posto, com o advento do CPC de 1973.

8.7 - A diversidade de regime processual da coisa julgada - o motivo ora a integra, comona legislação processual civil anterior, ora não, como no vigente CPC, art. 468, não équestão que possa ser resolvida por mera lógica jurídica. É opção que incumbe ao direitopositivo exercer. E o CPC em vigor optou pela exclusão dos motivos do âmbito material dacoisa julgada. Tollitur quaestio!

É o que claramente deflui de BARBOSA MOREIRA, precisamente no tocante ao pontofulcral da controvérsia - a questão da constitucionalidade:

"O contribuinte x propõe contra o Fisco ação declaratórianegativa de dívida tributária, em relação a determinado

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exercício, argüindo a inconstitucionalidade da lei que instituíra otributo. O juiz acolhe o pedido, por entender que tal lei erarealmente inconstitucional. A solução dessa questão de direitoconstitui motivo da decisão: sobre ela não se forma a coisajulgada. Com relação a outro exercício - e portanto a outradívida - é lícito ao órgão judicial reapreciar a questão,eventualmente para considerar constitucional a mesma lei ejulgar, por isso, que o tributo é devido por x" (Os limites dacoisa julgada no sistema do novo CPC, Revista Forense, t.246, p. 31).

8.8 - Por outro lado, a orientação doutrinária antecedente ao CPC de 1973 sequer adiantaalguma consideração, quanto ao problema diverso da confrontação entre decisões do STF,trânsitas em julgado, pela constitucionalidade da contribuição e dos TRFs, pela suainconstitucionalidade, também trânsitas em julgado. É coisa julgada versus coisa julgada.Tema inexplorado pela doutrina processualística - tributária ou não.

8.9 - A doutrina estrangeira não admite hesitações quanto à delimitação dos efeitos dacoisa julgada tributária. Veja-se p. ex. ENRICO ALLORIO:

"os limites da coisa julgada tributária (e de resto da eficáciaconstitutiva da decisão tributária) são os mesmos da lidetributária: portanto, proferida decisão munida de autoridade dejulgado, positiva ou negativa, sobre o direito de anulação deum determinado lançamento, tal decisão não tem mais eficáciaem relação a outros lançamentos, mesmo similares,concernentes a períodos de impostos sucessivos, nem mesmose, com respeito à legalidade desses últimos atos, existemrelevantes questões idênticas às que foram já judicialmenteresolvidas" (Diritto Processuale Tributario, 4ª ed., p. 188).

Mas certa doutrina, no âmbito do direito brasileiro, já se antecipava ao vigente CPC:

"é só o comando pronunciado pelo juiz que se torna imutável,não a atividade lógica exercida pelo juiz para preparar ejustificar a decisão". (ENRICO TULLIO LIEBMAN, Eficácia eautoridade da sentença, Forense, Rio, 1945, p. 51 - odestaque é desse autor).

No mesmo sentido e com notável clareza ensina autor moderno:

"É evidente que a res, o bem da vida, disputado, é apenas ocrédito tributário que o contribuinte pretende desconstituir,tanto nos embargos como na anulatória de lançamentotributário. Se o contribuinte pagou, porque vencido nosembargos, ou na anulatória, o efeito da coisa julgadaobviamente impede que se rediscuta a questão de saber seaquele crédito era realmente devido, questão que foi resolvidapela sentença proferida nos embargos, ou na anulatória. Nãoalcança, todavia, os motivos ou premissas lógicas dessadecisão. Não abrange a questão de saber se o tributo,

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relativamente a outros períodos, é devido" (HUGO MACHADO,Temas de Direito Tributário, II, cit., pp 218-219).

8.10 - Na vigência do novo CPC, MOACYR AMARAL DOS SANTOS sustentou que, tendo asentença força de lei nos limites da lide e das questões decididas, deverá ater-se a esseslimites. Mas as questões prejudiciais suscitadas pelas partes não fazem coisa julgada(Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. 3°, 12ª ed., SP, págs. 62-63). Oemérito processualista incorpora-se à doutrina que, ex vi do CPC, art. 469, circunscreve acoisa julgada ao dispositivo da sentença.

8.11 - Como visto à luz da Teoria Geral do Processo Civil, o dantes incluso na res iudicata,pelo CPC de 1939, é hoje dela excluso, pelo CPC de 1973. Assim será melhor compreendidaa lição de MOACYR AMARAL DOS SANTOS:

"A matéria comportava controvérsia e profundas indagações noregime do Código de 1939, à vista de que dispunha o parágrafoúnico do art. 287: ‘Considerar-se-ão decididas todas asquestões que constituam premissa necessária da conclusão’.Queria dizer que se considerava com efeito de coisa julgada asdecisões, no desenvolvimento da análise das questõessuscitadas, e que se pressupunham necessariamente naconclusão. E acrescentava-se que, nesse regime, tão só sehaviam por decididas as premissas necessárias à conclusãonão as consequências delas, embora necessárias. Aliás esseera o nosso parecer.

O Código vigente cortou definitivamente a controvérsiaexcluindo a eficácia da coisa julgada as questões resolvidas nafundamentação, até mesmo as questões prejudiciais (art. 469)"(Comentários ao CPC, 1976, vol. IV, p. 476).

8.12 - As questões prejudiciais em que, conforme a solução que lhes for dada, estaráprejulgada a lide? A decisão dessas questões não faz coisa julgada, senão em açãoautônoma. Nunca incidentemente no processo (CPC, art. 469, III).

Numa hipótese excepcional, faz coisa julgada a decisão da questão prejudicial, se aparte o requerer (CPC, arts. 5°, 325 e 470, combinados), o juiz for competente em razão damatéria e constituir pressuposto necessário para o julgamento da lide. É a declaratóriaincidental.

IX - Modificações no estado de direito em decorrência das decisões do STF

9.1 - Decerto a LC 90/91 introduziu modificação na L. 7.689/88, simplesmente com osubstituir uma disciplina de lei ordinária por outra de lei complementar. Modificação deregime jurídico formal ou procedimental (CF, art. 69) e material.

E o seu art. 11, caput, majorou a alíquota da contribuição nos termos que seseguem:

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"Fica elevada em oito pontos percentuais a alíquota referida no§ 1° do art. 23 da Lei n° 8.212, de 24 de julho de 1991,relativa à contribuição social sobre o lucro das instituições aque se refere o § 1° do artigo 22 da mesma lei, mantidas asdemais normas da Lei n. 7.689, de 15 de dezembro de 1988,com as alterações posteriormente introduzidas".

De sorte que, à vista dessa superveniente disciplina legal, deu-se alteração noestado de direito antecedente, restrita embora às alíquotas da contribuição e às pessoasque o § 1° do art. 22 adnumera; alteração relativa ao âmbito pessoal, que o CTN, art. 97,IV coloca sob reserva da lei. Modificação portanto no estado de direito.

9.2 - Soa como trivial, mas necessária, a afirmação de que a coisa julgada não impedevenha a lei nova a reger diferentemente os fatos ocorridos a partir de sua vigência. É umadecorrência da CF, art. 2°: tripartição do poder.

Se os períodos de contribuição a ele subsequentes, fossem abrangidos pelo julgado, amatéria subsumir-se-ia ao CPC, art. 471, I. E caberia então demonstrar que houvemodificação no estado de fato e/ou de direito pressupostos para a exigibilidade dacontribuição.

Não será portanto tão trivial a consideração de que: "Não modifica a causa de pedirmudança de dispositivo legal em que fundamenta a pretensão", mas "a coisa julgada nãoabrangerá aquilo que não foi e não poderia ter sido objeto de apreciação na anteriordemanda (RTFR, 136/77)".

É precisamente o que ocorre com a superveniência da jurisprudência do STF. Asmodificações por ela introduzidas não poderiam jamais ser objeto de apreciação nasdecisões dos TRFs. Seria um exercício de futurologia…

9.3 - Constitui no entanto problema diverso saber se essas modificações devem ser dequalquer sorte "quantificadas", a fim de que sejam apartadas as alterações relevantes dosque não o são para efeito de exclusão do decisum do âmbito da coisa julgada. E mais: dapossibilidade de sua revisão nos termos da lei processual civil em vigor.

9.4 - Todavia essas questões podem ser desconsideradas, para economia doargumentação, em decorrência das decisões do STF que proclamaram a constitucionalidadeda contribuição social sobre o lucro.

O STF não é órgão consultivo ou opinativo. É órgão de produção do direito: a suadecisão introduz norma individual, se de controle difuso se trata, como na hipótese. Houveportanto, no plano dessas normas individuais, nítida alteração no antecedente estado dedireito. É o quanto será necessário para consistentemente invocar o CPC, art. 471, em cujostermos:

"Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas,relativas à mesma lide, salvo:

I - se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio

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modificação no estado de fato ou de direito, caso em quepoderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído nasentença".

A referência processual é ali à "mesma lide", à identidade do processo, pressupostopara a revisão da sentença. De sorte que, ou (a) se considera que a coisa julgada só serefere aos exercícios anteriores, na esteira do STF, Súmula 239 e nesse caso não haverámodificação no conteúdo da decisão pela cobrança da contribuição noutros períodos deexigibilidade, ou (b) se considera ao contrário e sem razão que os períodos futuros tambémestariam abrangidos pelo julgado.

9.5 - Em tais condições, é inafastável o dilema: ou a parte, no caso a Fazenda Pública,poderia pedir a revisão do julgado, se de coisa julgada estivéssemos a tratar, ou os limitesda coisa julgada impõem a sua circunscrição temporal aos períodos antecedentes ao julgado- nunca aos subsequentes. E sequer a revisão do julgado será necessária, para que se abraao fisco a via para o exercício da pretensão à contribuição social. E muito menos seráexigível ação rescisória como a única via de acesso à pretensão fiscal.

9.6 - Houve, com a LC 70/91, modificação do preexistente estado de direito: modificaçãono plano das normas gerais. O STF, ao considerar constitucional a contribuição introduziu,também ele, modificação no estado de direito: modificação no plano das normas individuais.Que é um acórdão do STF senão um ato instituinte de normas individuais no controle difusoda constitucionalidade? Portanto modificativo do estado-de-direito antecedente edecorrente, também ele, de normas individuais postas pelos TRFs.

Tanto procedem essas considerações (e implicitamente as próprias empresas oreconhecem) que argumento esgrimido nas demandas judiciais era o da necessidade de leicomplementar para reger a matéria. Argumento porém expressamente rechaçado pelo STF(supra, 1.4).

9.7 - Não se trata in casu de questionar o acerto ou desacerto dos julgados pelainconstitucionalidade da contribuição. Até porque às decisões judiciais, atos ponentes denormas para o caso concreto, não pertinem os atributos de verdade ou falsidade, mas devalidade ou invalidade. A coisa julgada permanece então inalterada e intangível. O que sediscute são os seus limites objetivos.

Descabe pois sustentar-se que, diante das modificações introduzidas pelajurisprudência do STF permaneceu inalterado o estado-de-direito anterior. É o suficientepara afastar do âmbito material da coisa julgada os períodos de contribuição. Exigindo-se acontribuição em períodos posteriores, não se toca nos julgados dos TRFs. A "autoridade" dacoisa julgada está respeitada na hipótese.

X - A exigibilidade da contribuição decorre de uma relação jurídica continuativa

10.1 - A relação entre a administração federal e o contribuinte não é instantânea, mascontinuativa, ex vi da L. 7.689/88, art. 5°, § 1°, em cujos termos ela é exigível:

"A contribuição será paga em 6 (seis) prestações mensaisiguais e consecutivas, expressas em número de OTN, vencíveis

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no último dia útil de abril a setembro de cada exercíciofinanceiro".

A cada mês portanto se renova a exigibilidade da prestação.

"A relação jurídica tributária continuativa é peculiar aostributos relacionados a ocorrências que se repetem, formandouma atividade mais ou menos duradoura. Por isto mesmo oscontribuintes, sujeitos passivos dessa relação, inscrevem-se emcadastro específico, que se faz necessário precisamente emvirtude da continuidade dos acontecimentos relevantes doponto de vista tributário" (HUGO MACHADO, op. cit. p. 221).

10.2 - Poder-se-á no entanto sustentar que, tratando-se de ação declaratória, a declaraçãoda inexistência de relação jurídica é fim em sim mesma, enquanto que nas açõescondenatórias ou constitutivas, a declaração é apenas uma premissa lógica da decisão.Assim sendo, nessa hipótese específica, a de declaratividade judicial, o preceituado nasentença valeria ad futurum.

Essa é com efeito a observação arguta de HUGO MACHADO e note-se que o tópicoacima exclui da eficácia futura a alteração no estado de direito - precisamente que ocorrena hipótese:

"Na sentença que declara a inexistência de relação jurídicatributária, porque reconhece haver imunidade, ou isenção, ounão incidência pura e simples do imposto, transita em julgado adeclaração. Assim, em se tratando de relação jurídica tributáriacontinuativa, o preceito valerá para o futuro, salvo, é claro,alteração que poderá ocorrer nos elementos de fato ou dedireito, formadores dessa relação." (op. cit., p. 229).

10.3 - Mesmo que as decisões dos TRFs tivessem efeitos futuros, poderiam esses efeitosser subtraídos da res iudicata. Se a decisão sobre a inconstitucionalidade, em juízo dedeclaração, transitar em julgado, não constituirá óbice à reapreciação jurisdicional damatéria em decorrência da modificação que apanha uma situação jurídica continuativa.

10.4 - Não se deve consequentemente erguer, contra a exigibilidade da contribuição emperíodos posteriores aos abrangidos pelas sentenças trânsitas em julgado, o argumento deque permaneceram inalterados os seus pressupostos normativos de incidência com asuperveniência da jurisprudência do STF. Qualquer óbice à reapreciação judicial da matéria- e à exigência da contribuição nesses períodos supervenientes - estaria ainda assimafastado pelo CPC, art. 471, I.

10.5 - A relação jurídica que se instaura na cobrança da contribuição é continuativa: aexigência do gravame se renova e alterna em períodos sucessivos ao longo do tempo deabril a setembro.

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Finalmente, o pressuposto do art. 471, I é alternativo: modificação do estado de fato ou dedireito. Dito noutros termos: o CPC não exige a modificação cumulativa do estado de fato edo estado de direito.

10.6 - Insista-se na demonstração desse ponto de certa forma óbvio: dado que as decisõesdo STF sobre a constitucionalidade da contribuição modificam o estado-de-direitopreexistente, abrem-se duas alternativas exegéticas na hipótese: ou bem curva-se ohermenêuta ao CPC, art. 469, I e III e nesse caso inexiste coisa julgada tout court, oubem se há coisa julgada, ela não constitui obstáculo à revisão do ato sentencial.

Revisão de sentença não é instrumento só de atualização de prestações alimentícias,reajustamento de aluguéis, pensões, etc. Ela pode perfeitamente ser concedida para ahipótese sob consulta, observado o devido processo legal. Tratar-se-ia de ação revisional dojulgado que proclamou a inconstitucionalidade da contribuição. Nem tampouco se confundecom os pressupostos processuais para o cabimento da ação rescisória (CPC, arts. 485 esegs.).

10.7 - A relação jurídica continuativa já foi reconhecida pelo STF, em ação declaratória,como obstáculo à extensão dos efeitos do julgado para além dos eventos passados:

"A declaração de intributabilidade, no pertinente a relaçõesjurídicas originadas de fatos geradores que se sucedem notempo, não pode ter o caráter de imutabilidade e denormatividade a abranger eventos futuros" (RE 99.435-1, rel.Min. LUIS RAFAEL MAYER, in RTJ, 106/ 1.189, RTJ 132, p.1114).

E igualmente o STF assim o decidiu no Agravo de Instrumento n° 91060 (Ag RQ) -AM (2ª turma), unânime. Rel. Min. DÉCIO MIRANDA:

"Processual Civil. Mandado de segurança. Não se presta àobtenção de sentença preventiva genérica, aplicável a todos oscasos futuros da mesma espécie" (in RTJ, 105, p. 635).

10.8 - Viável é portanto a renovação da cobrança da contribuição em cada períodosuperveniente ao dos limites objetivos do julgado. A coisa julgada não prevalece nasrelações continuativas, relações fácticas e jurídicas de trato sucessivo.

É reiterado o posicionamento jurisdicional a respeito. Veja-se por todos o STJ:

"Processual e tributário. embargos de divergência. ICM.Executivo Fiscal, Limites da coisa julgada. Súmula STF - 239.

1. Decisão que declara indevida a cobrança do tributo emdeterminado exercício não faz coisa julgada em relação aosexercícios posteriores.

2. Desassemelhando-se as situações enfrentadas nosacórdãos embargados e paradigma, não se há de prover os

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embargos de divergência.

3. Embargos não conhecidos."

(EResp n° 36.807 - SP, 1ª sessão, embargos de divergência norecurso especial, julgado em 12.12.1995, rel. Min. PeçanhaMartins, in DJU de 01.04.1996, p. 9859).

10.9 - Noutras oportunidades, o próprio STF pronunciou-se no mesmo sentido:

"Coisa Julgada. Matéria Tributária.

Sentença proferida em mandado de segurança não faz coisajulgada quanto à ilegitimidade, em tese, da cobrança de certotributo, visto que a concessão do writ diz respeito estrito àcobrança tópica do tributo em exercício determinado." (RE n°100.125 - PR, 2ª T., Rel. Min. Francisco Rezek, in RTJ 108/404).

"ICM. Coisa julgada. Não faz a decisão que julga indevidos olançamento e a cobrança do tributo em determinadosexercícios, não pode, portanto, ser invocada contralançamentos e cobranças relativos a exercícios posteriores.Súmula 239.

Recurso extraordinário conhecido e provido." (RE n° 100.126 -PR, 2ª T., Rel. Min. Moreira Alves, in RTJ 108/ 406).

"Coisa julgada em matéria fiscal. Súmula 239. Diferimento.Crédito.

A coisa julgada, em matéria de cobrança de ICM, tem pordelimitação a relação jurídico-tributária emergente daoperação, ou operações, que foi controvertida e julgada no casoconcreto, a teor da Súmula 239.

Recurso extraordinário não conhecido." (RE n° 109.073 - SP, 1ªT., Rel. Min. Rafael Mayer, in RTJ 118/831).

Ainda nesse sentido, o Ministro Moreira Alves, ao proferir seu voto no julgamento dosEmbargos de Divergência em Recurso Extraordinário n° 100.888 - MG (in RTJ 111/ 1306),reiterou:

"Há pouco examinei mandado de segurança preventivo, em quesalientava, a meu ver acertadamente - já levantei este mesmoproblema a que V. Exa. Está aludindo agora, na SegundaTurma, que mandados de segurança preventivos, em casosdessa natureza, só podem ser admitidos quanto à relação

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jurídica concreta e imediata, com referência à qual há ameaçade aplicação do dispositivo. A não ser assim ter-se-árepresentação de interpretação de lei em tese paradeterminada pessoa, o que não se pode obter sequer doSupremo Tribunal Federal, porque na representação deinterpretação de lei em tese esta Corte interpreta com aeficácia erga omnes, e não exclusivamente para alguém, semreferência a um caso concreto."

10.10 - De notar que a obrigação de pagar a contribuição social em tela se renovamês a mês, eis que a legislação em vigor a submete ao sistema de "bases correntes" deapuração (L. 7.689/88, art. 5°, § 1°). A apuração é mensal porque, em cada mês, serealizam os fatos-pressupostos-de-incidência da contribuição. Essa continuidade de relaçõesque se sucedem ao longo do tempo pode alternativamente ser havida como obstáculo aeficácia da coisa julgada no futuro e não apenas como um critério de demarcação dos seusefeitos processuais e substanciais. De qualquer sorte, a pretensão à contribuição nosperíodos subsequentes ao abrangido pelo julgado será legítima.

De toda a antecedente exposição, decorre uma conclusão fundamental: a coisajulgada não constitui obstáculo ao exercício da pretensão à contribuição social sobre o lucroem períodos subsequentes àqueles que foram abrangidos pelas decisões respectivas.

Recife, 12 de junho de 1998

JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES

OAB-PE n° 2317

CPF n° 000.539.294-20