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O CONTENCIOSO DO DIREITO À INFORMAÇÃO NO REGULAMENTO DA LEI N.º 34/2014, DE 31 DE DEZEMBRO Associação Centro de Direitos Humanos I. Introdução Assembleia da República conferiu ao Governo a competência originária para, no prazo de cento e oitenta dias, aprovar o regulamento de execução da Lei n.º 34/2014, de 31 de Dezembro Lei do Direito à Informação (LDI). Como princípio, a orientação do Direito é de que os actos legislativos que incumbem ao poder executivo a sua regulamentação são inexequíveis antes da aprovação dos respectivos regulamentos porque estes actos normativos regulamentares actuam como condição suspensiva dos actos legislativos que visam regulamentar 1 . Pelo que, em termos práticos, a LDI manteve-se inexequível durante um ano, já que o respectivo regulamento, o Decreto n.º 35/2015, de 31 de Dezembro, só apareceu exactamente trezentos e sessenta e cinco dias depois da publicação da LDI. Do ponto de vista jurídico, não é inexequibilidade da lei a regulamentar enquanto não for aprovado o respectivo regulamento que interessa. Interessa, ainda, saber o acontece quando o poder regulametar excede o prazo dentro do qual uma lei deve regulamentada, como aconteceu neste caso em que o Governo aprovou o Regulamento da Lei do Direito à Informação (RELDI) seis meses depois do fim do prazo fixado na lei. No Direito, o tempo é um acontecimento natural com relevância jurídica e é controlado através de prazos fixados na lei por acordo dos interessados. Não é por acaso que o Código Civil dedica-lhe um capítulo 2 com a epígrafe “o tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas” 3 . No Direito Civil, por um lado, a falta de exercício de um direito por certo lapso de tempo determina a sua prescrição 4 . Por outro, quando um direito deva ser exercido dentro de um determinado prazo, opera a caducidade do mesmo, salvo disposição legal em contrário 5 . No Direito Público, o tempo também não é indiferente porque as normas dão-lhe relevância jurídica, como é o caso das normas constitucionais que fixam mandatos em função do tempo. Investido num mandato, um órgão público só pode exercer regularmente as suas competências dentro do prazo de duração da sua investidura num determinado cargo, findo o qual e antes da sua substituição só pode exercer os chamados poderes de gestão corrente 6 . 1 Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Malheiro Editores, 41.ª Edição. Pg 144. 2 Capítulo III do Livro I do Código Civil. 3 Sobre o tema, vide entre outros Antunes, Ana Filipa Morais, Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade. Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, Vol III, pgs 35-72. 4 Artigo 298.º, n.º 1, do Código Civil. 5 Artigo 298.º, n. º 2, do Código Civil. 6 Neves, Maria José Castanheira. Gestão Corrente; regime de gestão limitada dos órgãos das autarquias locais e seus titulares, Lei n.º 47/2005, de 29 de Julho. Pareceres Jurídicos, disponível em http://www.ccdrc.pt/index.php?option=com_pareceres&view=details&id=1750&Itemid=45

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O CONTENCIOSO DO DIREITO À INFORMAÇÃO NO REGULAMENTO DA LEI

N.º 34/2014, DE 31 DE DEZEMBRO

Associação Centro de Direitos Humanos

I. Introdução

Assembleia da República conferiu ao Governo a competência originária para, no prazo de

cento e oitenta dias, aprovar o regulamento de execução da Lei n.º 34/2014, de 31 de

Dezembro – Lei do Direito à Informação (LDI). Como princípio, a orientação do Direito é de

que os actos legislativos que incumbem ao poder executivo a sua regulamentação são

inexequíveis antes da aprovação dos respectivos regulamentos porque estes actos normativos

regulamentares actuam como condição suspensiva dos actos legislativos que visam

regulamentar1. Pelo que, em termos práticos, a LDI manteve-se inexequível durante um ano,

já que o respectivo regulamento, o Decreto n.º 35/2015, de 31 de Dezembro, só apareceu

exactamente trezentos e sessenta e cinco dias depois da publicação da LDI.

Do ponto de vista jurídico, não é inexequibilidade da lei a regulamentar enquanto não for

aprovado o respectivo regulamento que interessa. Interessa, ainda, saber o acontece quando o

poder regulametar excede o prazo dentro do qual uma lei deve regulamentada, como

aconteceu neste caso em que o Governo aprovou o Regulamento da Lei do Direito à

Informação (RELDI) seis meses depois do fim do prazo fixado na lei. No Direito, o tempo é

um acontecimento natural com relevância jurídica e é controlado através de prazos fixados na

lei por acordo dos interessados. Não é por acaso que o Código Civil dedica-lhe um capítulo2

com a epígrafe “o tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas”3. No Direito Civil, por

um lado, a falta de exercício de um direito por certo lapso de tempo determina a sua

prescrição4. Por outro, quando um direito deva ser exercido dentro de um determinado prazo,

opera a caducidade do mesmo, salvo disposição legal em contrário5. No Direito Público, o

tempo também não é indiferente porque as normas dão-lhe relevância jurídica, como é o caso

das normas constitucionais que fixam mandatos em função do tempo. Investido num mandato,

um órgão público só pode exercer regularmente as suas competências dentro do prazo de

duração da sua investidura num determinado cargo, findo o qual e antes da sua substituição só

pode exercer os chamados poderes de gestão corrente6.

1 Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Malheiro Editores, 41.ª Edição. Pg 144.

2 Capítulo III do Livro I do Código Civil.

3 Sobre o tema, vide entre outros Antunes, Ana Filipa Morais, Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade.

Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, Vol III, pgs 35-72. 4 Artigo 298.º, n.º 1, do Código Civil.

5 Artigo 298.º, n. º 2, do Código Civil.

6 Neves, Maria José Castanheira. Gestão Corrente; regime de gestão limitada dos órgãos das autarquias locais e

seus titulares, Lei n.º 47/2005, de 29 de Julho. Pareceres Jurídicos, disponível em http://www.ccdrc.pt/index.php?option=com_pareceres&view=details&id=1750&Itemid=45

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No que à regulamentação da LDI diz respeito, o Governo dispunha de uma competência a ser

exercida dentro do prazo de cento e oitenta dias. A competência regulamenar é um poder

funcional através do qual a lei confere a determinado órgão, neste caso o Governo, a

faculdade de manifestar a vontade geral e abstracta Administração Pública7. De um modo

geral, a competência obedece ao princípio da legalidade, do qual decorre a regra de que a

competência não se presume porque deve ser expressamente conferida por lei, e delimita-se

em quatro critérios cumulativos, nomeadamente, a matéria, hierarquia, território e tempo. O

critério temporal delimita no tempo o período dentro do qual a competência deve ser exercida,

dizendo-se por regra que a competência dispõe para o presente e só pode referir-se ao passado

ou ao futuro por autorização expressa da lei8. Adicionalmente, o critério temporal da

competência traduz-se o prazo dentro do qual os poderes funcionais devem ser exercidos.

Não tendo sido exercido dentro do prazo fixado na lei, será que opera a caducidade da

competência de regulamentar do Governo? A prática jurisprudencial do direito comparado

consiste em considerar que quando a lei fixa prazo para a sua própria regulamentação,

decorrido esse prazo sem publicação do decreto regulamentar, os destinatários da norma

legislativa podem invocar os seus preceitos e auferir todas as vantagens dela decorrentes, por

entender-se que a omissão do poder executivo não tem o condão de invalidar os mandamentos

legais do poder legislativo9. Não há caducidade do poder regulamentar.

No entanto, a falta de exercício do poder regulamentar pelo poder executivo pode ser objecto

de litígio pelos interessados na aprovação da norma regulamentar. No direio brasileiro,

recorre-se ao chamado mandato de injunção10

. No contencioso administrativo, o poder

regulamentar é especificamente objecto do mecanismo processual de impugnação de normas

emitidas no desempenho da função legislativa, nos termos dos artigos 101 da LPPAC. A

impugnação de normas tem por finalidade a declaração de ilegalidade de normas

administrativas.11

A existência deste meio processual é prova de que o legislador quis que o

poder regulamentar da Administração Pública fosse objecto de contencioso administrativo,

daí que a omissão de exercício da função regulamentar administrativa possa ser contestada

através de acções não especificadas, previstas no artigo 130 da LPPAC, que se aplicam nos

casos em que nenhum meio processual assegure a tutela efectiva em face das circunstâncias

do caso. Esta é a situação de omissão regulamentar que não tem um meio processual

específico previsto na lei, pelo que o interessado só pode lançar mão da acção não

especificada.

No exercício do poder regulamentar, Administração Pública estabelece, em termos gerais e

abstractos, o modo como vai interpretar determinada lei12

. Esta faculdade é limitada pelo

7 Sobre o âmbito da Administração Pública, vide a Lei n.º 7/2012, de 8 de Fevereiro – Lei de Bases de

Organização e Funcionamento da Administração Pública. 8 Sousa, António Francisco de. Manual de Direito Administrativo Angolano. Vida Económica, Porto, 2014. Pg

347. 9TJSP, RT 568/33, Apelação N.º9111929, 12 de Fevereiro de 2012, disponível em http://tj-

sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21591022/apelacao-apl-9111920112009826-sp-9111920-1120098260000-tjsp/inteiro-teor-110381918. 10

Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Malheiro Editores, 41.ª Edição. Pg 144 11

Artigo 101, n.º 1, da LPPAC. 12

Cfr. Amaral, Diogo Freitas do. Direito Administrativo, volume II, Lisboa, 1988.

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princípio da legalidade, do qual resulta que o regulamento interpretativo ou de execução não

pode ir para além do conteúdo da lei. O poder regulamentar não goza da faculdade de

inovação ou restrição de direitos fundamentais, porquanto o poder de inovação legislativa

pertence ao poder legislativo13

.Sobre esta matéria ocupou-se recentemente o Conselho

Constitucional no Acórdão n.º 6/CC/2015, de 9 de Setembro, através do qual declarou

inconstitucionais e ilegais algumas normas de carácter regulamentar, designadamente o n.º 2

do artigo 187 do Regulamento do Estatuto Geral dos Funcionários do Estado, aprovado pelo

Decreto n.º 62/2009, de 8 de Setembro, o artigo 12 do Regulamento de Previdência Social dos

Funcionários e Agentes do Estado, aprovado pelo Decreto n.º 27/2010, de 12 de Agosto14

.

Portanto, o poder conferido pelo legislador ao Governo para regulamentar a LDI não é um

poder ilimitado, antes pelo contrário é um poder vinculado à Constituição e ao próprio

conteúdo da LDI.

Neste contexto, a análise do regime regulamentar do contencioso do direito à informação,

aprovado pelo Decreto n.º 35/2015, de 31 de Dezembro, deve atender aos critérios traçados

pelo acima referido acórdão do Conselho Constitucional, a conformidade constitucional e a

legalidade do regulamento. Porém, a avaliação do regime regulamentar não pode ser feita sem

a mínima referência ao acto normativo regulamentado que, igualmente, está sujeito a limites

próprios – os limites constitucionais do poder legislativo. No plano da eficácia directa e

imediata dos direitos fundamentais, a natureza da regulação do direito fundamental à

informação, consagrado no artigo 48 da Constituição da República (CRM), suscita uma

dúvida. Com efeito, em relação aos direitos, liberdades e garantias fundamentais, o artigo 56

da CRM consagra o princípio da aplicação directa dos direitos fundamentais, do que resulta a

sua exequibilidade por força própria, como princípio geral, independentemente de qualquer

intervenção do legislador, pela via da mediação legislativa.

Vem esta dúvida a propósito do facto de o artigo 48 da CRM consagrar o direito à informação

na `carta dos direitos fundamentais´ sem lograr determinar o respectivo conteúdo,

contrariamente às liberdades conexas, como sejam a liberdade de expressão15

e de imprensa16

,

13

Caetano, Marcello. Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Almedina. 14 Conselho Constitucional. Acórdão n.º 6/CC/2015, de 9 de Setembro. Disponível em www.cconstitucional.org.mz/eng/content/.../Acórdão%206-CC-2015.pdf 15

À luz do n.º 2 do artigo 48 da CRM, exercício da liberdade de expressão compreende a faculdade de divulgar o próprio pensamento, por todos os meios legais. Neste preceito, o legislador impôs um limite constitucional à liberdade de expressão, ao estabelecer que ela só pode ser exercida mediante o recurso a meios legais de divulgação do pensamento próprio, o que logicamente exclui a possibilidade de divugação do pensamento próprio através de meios ilegais. Porém, o legislador constituinte não só não definiu os meios legais de divulgação do pensamento próprio, como, também, não precisou o alcance da expressão “meios legais”. Com ela o legislador pode ter abrangido tanto os meios instrumentais pelos quais a informação pode ser divulgada, como o próprio conteúdo da informação em que se traduz a informação. Ao definir informação, o Protocolo da SADC sobre Cultura, Informação e Desporto, acabou elencando os meios pelos quais a informação pode ser conservada e divulgada. Lê-se, no Protocolo que "Informação" significa estatísticas de conhecimento, relatórios, danças e canções registados sob várias formas tais como em livros, fitas de áudio, vídeo e

digitação electrónica ( o sublinhado é nosso). Estes podem ser, exemplificadamente, os meios legais de

divulgação de informação. Do ponto de vista prático, não são, fundamentalmente, os meios de divulgação de pensamento que são mais controversos, mas, sim, o conteúdo da informação que pode ser legalmente divulgada. Hoje em dia, com a generalização do uso de redes sociais, assiste-se a uma utilização abusiva desses meios para divulgar sem

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cujo conteúdo o legislador tratou de estabelecer formalmente. É caso para perguntar se na

ausência do respectivo conteúdo normativo, constitucional, o direito à informação é de

aplicação directa e imediata tal como preconiza o artigo 56 da CRM. No Acórdão n.º

3/CC/2011, de 7 de Outubro, o Conselho Constitucional adoptou a posição de que o princípio

de aplicabilidade directa, se bem que envolve a eficácia imediata dos preceitos constitucionais

consagradores de direitos, liberdades e garantias, nem sempre implica a exequibilidade

imediata desses preceitos, porquanto muitos direitos, liberdades e garantias precisam de uma

optimização legal, outros pressupõem dimensões institucionais, procedimentais e

organizatórias criadas pelo legislador17

.

A ausência do conteúdo normativo, constitucional, do direito à informação pode indiciar a

inexequibilidade deste direito, já que o poder de delimitação e conformação das permissões

legais correspondentes ao seu conteúdo normativo foi deixado a cargo do legislador ordinário.

Deste ponto de vista, as posições jurídicas do cidadão face ao Estado no que diz respeito ao

direito à informação ficaram necessariamente dependentes “de uma optimização legislativa”.

Contudo, em termos práticos, esta aparente fraqueza constitucional do direito à informação

pode traduzir-se num ganho, na medida em que o legislador ordinário ficou com maior

liberdade para fixar o seu conteúdo. Só que esta técnica legislativa constitucional comporta

um risco associado a possíveis omissões do legislador ordinário.

De uma coisa se deve ficar ciente. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 56 da CRM,

dúvidas não sobram de que o direito à informação vincula as autoridades públicas e privadas.

Todos os poderes do Estado estão vinculados aos direitos fundamentais, o que significa que o

legislador ordinário deve respeitar o conteúdo de um direito fundamental, não só porque está

previsto na Constituição, mas pela própria ideia de vinculação objectiva à posição subjectiva

fundamental do cidadão perante o Estado. A este respeito, entende o Conselho Constitucional

que a intervenção do legislador é negativamente limitada pelo princípio da vinculação das

entidades públicas, que proíbe a emanação de leis inconstitucionais lesivas de direitos e

liberdades e garantias18

.

Este é o sentido exaltado pelo artigo 56 da CRM, segundo o qual os direitos fundamentais

vinculam as autoridades públicas. No plano legislativo, isso significa que “A actividade

legislativa é vinculada aos direitos fundamentais à medida que o legislador é obrigado a

respeitar estritamente os limites estabelecidos pela Constituição , no caso de imposição de

autorização imagens privadas e assuntos pessoais sem a autorizização dos visados, o que pode ser visto como devassa da vida privada. É por isso legítimo entender que, com a expressão meios legais, o legislador constituinte tratou de modo indistinto, quer os instrumentos de divulgação de informação, que devem ser legais, quer o próprio conteúdo da informação a ser divulgada, que, igualmente, deve ser legal. Estes elementos interpretativos do conteúdo da liberdade de pensamento, podem fazer parte do contencioso do direito à informação. 16

Do ponto de vista constitucional, o conteúdo da liberdade fundamental de imprensa é mais rico, compreendendo a liberdade de expressão, a criação jornalística, o acesso às fontes de informação, protecção da independência e do sigilo profissional, bem como o direito de criar jornais, publicações e outros meios de difusão. Entretanto, a liberdade de expressão jornalística encontra-se limitada pelo conteúdo do n.º 1 do artigo 48 da CRM, nomeadamente, no que diz respeito à divulgação do pensamento por meios legais nos termos atrás referidos. 17

Conselho Constitucional, Acórdão n.º 3/CC/2011, de 7 de Outubro pg. 13. 18

Conselho Constitucional, Acórdão n.º 3/CC/2011, de 7 de Outubro pg. 13.

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restrições a direitos, como também encontra-se compelido a editar normas indispensáveis à

concretização de inúmeros direitos fundamentais, especialmente daqueles direitos dotados de

âmbito de protecção com conteúdo estritamente normativo o que consequentemente traduz o

carácter limitador do poder normativo face aos direitos fundamentais19

.

No caso concreto da determinação da substância do direito à informação, o legislador não

esteve sujeito a tais limites, pelo facto de a CRM não ter delimitado o âmbito da permissão

legislativa abrangida por este direito. De um modo geral, o legislador só esteve vinculado ao

limite negativo de carácter geral fixado no n.º 3 do artigo 56 CRM, que versa sobre a mútua

limitação dos direitos fundamentais, bem como as restrições impostas pela necessária

protecção de outros valores fundamentais20

.

A compreensão do quadro geral dos direitos fundamentais é importante para a análise do

regime do contencioso administrativo abraçado pelo regulamento, por execução directa da

opção que legislador ordinário perfilhou na LDI21

. Pela via da vinculação do legislador pelos

direitos fundamentais, a LDI e consequentemente o respectivo regulamento não pode

consagrar um regime de contencioso que na prática pode resultar na limitação do direito

fundamental de acesso à justiça. Por isso, esta brevíssima análise do regime do contencioso do

direito à informação, previsto no Regulamento da Lei do Direito à Informação, aprovado pelo

Decreto n.º 35/2015, de 31 de Dezembro, ocupa-se fundamentalmente da projecção do regime

do processo administrativo contencioso, cujo regime consta da Lei n.º 7/2014, de 28 de

Fevereiro.

Neste sentido, este artigo debruça-se sobre o contencioso administrativo do direito à

informação (I) consagrado no Regulamento da Lei n.º 34/2014, de 31 de Dezembro (II).

II. O Contencioso administrativo do Direito à Informação

De acordo com o artigo 18 do Regulamento da Lei do Direito à Informação (RELDI), com a

epígrafe impugnação judicial, o indeferimento do direito de pedidos de informação, consulta

e passagem de certidões é regulada pelo processo administrativo contencioso. Esta norma,

integra no contencioso administrativo (1) os litígios emergentes do exercício do direito à

informação (2).

2.1. Do contencioso administrativo

Ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 253 da CRM, é assegurando aos cidadãos o direito ao

recurso fundado em ilegalidade de actos administrativos prejudiciais aos seus direitos. Por

esta norma constitucional, o direito a recurso contra actos administrativos, é uma garantia

fundamental do cidadão, ou seja, traduz-se num modo específico no direito de acesso à justiça

19

Savazzoni, Simone de Alcantara. Eficácia dos Direitos Fundamentais. http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/990895/eficacia-dos-direitos-fundamentais-simone-de-alcantara-savazzoni 20

Artigo 56, n.º 2 da CRM. 21

Cfr. Artigo 36 da LDI.

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administrativa contra as decisões administrativas dos órgãos da administração estadual e

autárquica no domínio da informação. Neste sentido, o RELDI adopta um modelo judicialista

de protecção do direito à informação, o que no plano da Declaração Universal dos Direitos do

Homem (DUDH) corresponde ao direito de ser julgado por um tribunal independente e

imparcial22

. Igualmente, a opção de remeter os litígios do direito à informação ao contencioso

administrativo materializa o direito de acesso à justiça, previsto no artigo 8.º da DUDH,

segundo o qual toda a pessoa tem direito a recurso efectivo para jurisdições nacionais

competentes contra actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição

ou pela lei. Esta garantia é formalmente reconhecida pelos artigos 69 e 70 da CRM,

assegurando o direito de impugnação contra actos que violem os direitos protegidos pela

Constituição e demais leis; e, por outro, expressando o direito de o cidadão recorrer aos

tribunais contra actos que violem os seus direitos reconhecidos pela Constituição e demais

leis.

A justiça administrativa é definida pela sua finalidade, como o conjunto das garantias dos

cidadãos contra as actuações ilegítimas da Administração que ofendem os seus direitos23

, mas

porque o direito à informação não é exclusivamente dirigido ao cidadão uma vez que pode ser

exercido mesmo por entidades públicas, é correcta a crítica de José Vieira de Andrade,

segundo a qual já não é possível, no contexto de um Estado Social com uma administração

descentralizada, reduzir a justiça administrativa à garantia dos particulares. A justiça

administrativa deve ser vista como substantivamente dirigida ao julgamento de recursos e

acções emergentes de relações jurídicas administrativas24

.

Desta forma, a remissão dos litígios relativos ao exercício do direito à informação perante a

Administração Pública e entidades privadas detentoras do interesse público baseia-se na

concepção de relação jurídica administrativa. Embora criticada do ponto de vista

doutrinário25

, a ideia relação jurídica administrativa realça a titularidade de direitos

subjectivos públicos pelo cidadão perante o Estado-administração. De facto, na esteira do que

afirma Luísa Cristina Netto, somente com a aceitação de direitos subjectivos públicos perante

o Estado pode-se dizer que o elemento jurídico superou o elemento do poder, pois afirmou-se

o carácter jurídico dos relacionamentos entre particulares e o Estado, reconhecendo-se a sua

natureza de relação jurídica, sagrada e submetida ao Direito26

, conferindo, quer ao Estado

quer ao cidadão, direitos e deveres recíprocos, como uma exigência do Estado do Direito

Democrático27

. Deste modo, a relação entre a Administração Pública e o cidadão deve ser

encarada como uma verdadeira relação jurídica e não como uma relação de sujeição28

.

22

De acordo com o artigo 10.º da DUDH, Toda a pessoa tem, em plena igualdade, direito a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida. 23

Andrade, José Vieira. A Justiça Administrativa. Almedina, 11.ª edição. 24

Andrade, José Vieira. A Justiça Administrativa. Almedina, 11.ª edição. 25 Correia, José Sérvulo. As relações Jurídicas Administrativas de Prestação de Cuidados de Saúde. Disponível

em www.icjp.pt/sites/default/files/media/616-923.pdf 26

Cfr. Artigo 3 da Constituição da República 27

Nos termos do artigo 3 da CRM, a República de Moçambique é um Estado de Direito, baseado no pluralismo de expressão, na organização democrática, no respeito e garantia dos direitos e liberdades do Homem. Por este

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Neste sentido, a consagração formal do contencioso do direito à informação traduz o

reconhecimento da titularidade de uma posição juridicamente activa, do cidadão, merecedora

de garantias judiciais próprias e típicas. É a tutela jurisdicional efectiva, prevista no artigo 4

da Lei n.º 7/2014, de 28 de Fevereiro – Lei Atinente aos Procedimentos de Processo

Administrativo Contencioso (LPPAC). De acordo com o preceito em referência, a todo o

direito corresponde um meio processual adequado à sua tutela efectiva29

, pressupondo, entre

outros, o direito de obter dos tribunais uma decisão judicial em prazo razoável com vista a

assegurar o efeito útil da sentença a proferir. Deste ponto de vista, ao elencar os meios

processuais a que o cidadão pode lançar mão, o RELDI faz corresponder o direito à

informação a meios processuais específicos que julgou adequados à protecção deste direito

fundamental face ao Estado e entidades privadas detentoras de informação de interesse

público.

Num outro plano, pela via do princípio da tutela jurisdicional efectiva, previsto na LPPAC, o

legislador vinculou a justiça administrativa ao critério de oportunidade no acesso efectivo à

informação. Isto vai implicar o dever de prolação de sentenças dentro de um prazo razoável

de modo a permitir que a informação a obter da Administração Pública e entidades privadas

ainda possa servir efectivamente aos interesses individuais do demandante. É por isso que, em

consonância com a LDI, o RELDI optou por um regime de contencioso do direito à

informação fundamentalmente assente em processos urgentes, nomeadamente a intimação

para informação, consulta de processo e passagem de certidões30

e a intimação de órgão

administrativo, particular e concessionário para prestar informação31

. Neste domínio, o

legislador deu maior importância ao carácter urgente da decisão a proferir nos litígios

emergentes do exercício do direito à informação, daí ter optado por especificar os meios

processuais urgentes, típicos, do direito à informação, de modo a garantir uma tramitação

célere dos mesmos32

.

Porém, sobre o direito de acesso à justiça administrativa foi recentemente divulgado pela

imprensa nacional que o Provedor da Justiça impugnou o n.º 1 do artigo 33 da LPPAC que faz

depender o recurso contencioso do esgotamento dos recursos internos dentro da

Administração Pública, impondo a obrigatoriedade de interposição de recurso hierárquico

contra os actos dos subalternos para tornar a decisão definitiva e executória. A posição do

Provedor da Justiça é consentânea com a dos que defendem que o pressuposto da

definitividade e executoriedade do acto administrativo como condição de acesso à justiça é

um limite ao direito de acesso à justiça administrativa, previsto nos artigos 69, 70 e 353, n.º 3,

todos da CRM. No quadro destes dispositivos constitucionais a condição de acesso à justiça

dispositivo legal, o primeiro elemento caracterizador do Estado de Direito em que assenta a República é a liberdade de expressão que, como é sabido, é indissociável do direito à informação. 28

Pinto e Netto, Luisa Cristina. A Contratualização da Função Pública. Del Rey, Belo Horizonte, 2005. 29

n.º 2 do artigo 4 da Lei n.º 7/2014, de 28 de Fevereiro. 30

Artigo 36, alínea b) da LDI e artigo 18, alínea b) do RELDI. 31

Artigo 36,alínea c) da LDI e artigo 18, alínea c) do RELDI. 32

Andrade, José Vieira. A Justiça Administrativa. Almedina, Coimbra, 2011.

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administrativa é a violação de direitos reconhecidos na Constituição e demais leis, pelo que a

imposição do recurso hierárquico necessário é visto como um limite ilegítimo.

A propósito do pressuposto da mediação laboral prévia como condição de acesso à justiça

laboral que tinha sido introduzida pelo legislador através do artigo 184 da Lei do Trabalho33

,

o Conselho Constitucional foi chamado a avaliar a compatibilidade desse pressuposto com o

direito de acesso à justiça. No pedido apresentado pelo Juiz que requereu a verificação da

constitucionalidade deste dispositivo legal, refere-se que não carece a norma do artigo 70 da

CRM de qualquer interpositio legislatoris para ser aplicada ou fundamentar directa e

autonomamente o recurso ao tribunal, pelo que não há fundamento constitucional para se

condicionar o acesso aos tribunais à prévia realização da mediação. Isto significa que no

referido pedido de declaração de inconstitucionalidade requerida pelo Provedor da Justiça

contra a norma do n.º 1 do artigo 33 da LPPAC, o Conselho Constitucional haverá que se

pronunciar em torno do recurso hierárquico necessário como condição de acesso à justiça

administrativa para verificar se tal exigência entorpece o direito fundamental previsto nos

artigos 69, 70, 353, n.º 3, todos da CRM.

Ao discutir a questão da conformidade constitucional do artigo 184 da Lei do Trabalho, que

impunha a conciliação e mediação obrigatórias como pressuposto de acesso à justiça laboral,

o Conselho Constitucional refere, antes de concluir pela inconstitucionalidade da referida

norma, o seguinte: As disposições conjugadas dos artigos 62 e 70 da Constituição vinculam

positivamente o legislador a adoptar a ordem jurídica de normas que permitam não só a

abertura das portas dos tribunais ao cidadão como também a concretização do princípio do

“due process of law”, ou princípio do devido processo legal, assim como a boa

administração da justiça. Em sentido negativo, os supracitados preceitos constitucionais

vinculam o legislador a não provar normas passíveis de estreitarem, de forma directa ou

oblíqua, o livre acesso do cidadão à jurisdição publica, ou seja, no sentido de que não deve

afastar o recurso do cidadão à via judicial ou estabelecer imposições que acabam por

constituir condicionamentos ao exercício do direito de acesso aos tribunais, exceptuando

casos justificados de fixação de pressupostos processuais geralmente admitidos como

normais e necessários à administração da justiça34

. Desta posição, infere-se que na discussão

sobre a conformidade constitucional do pressuposto processual de definitividade e

executoriedade do acto administrativo, que em termos práticos materializa o recurso

hierárquico necessário, o Conselho Constitucional pode, pelo menos, tomar uma das posições

adoptadas sua jurisprudência no Acórdão n.º 3/CC/2011, de 7 de Outubro, senão uma outra

posição sempre possível na análise de questões jurídicas de grande complexidade como esta.

Uma outra questão problematizada no regime do contencioso administrativo em vigor é a sua

natureza. De acordo com o disposto no artigo 32 da LPPAC, Os recursos contenciosos são de

mera legalidade e têm por objecto a declaração de anulabilidade, nulidade e inexistência

33

Segundo o que dispunha o n.º 1 do Artigo 184 da Lei do Trabalho (Lei n.º 23/2007, de 1 de Novembro), Salvo os casos de providências cautelares, todos os conflitos devem ser obrigatoriamente conduzidos para a mediação antes de serem submetidos à arbitragem ou aos tribunais de trabalho. 34

Acórdão n.º 3/CC/2011, de 7 de Outubro, pg. 17.

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jurídica dos actos recorridos, exceptuada qualquer disposição em contrário. Não de sendo

um contencioso de plena jurisdição, onde o juiz administrativo tem a prerrogativa de proferir

sentenças que condenem a Administração Pública, a justiça administrativa é tida por detentora

de poderes reduzidos, pelo facto de apenas limitar-se a pronunciar-se sobre a legalidade ou

ilegalidade dos actos administrativos. No respeito pelo princípio da separação de poderes, por

força do qual a acção da justiça administrativa não se deve sobrepor à acção do poder

executivo, cabe a este último tirar as consequências necessárias da declaração de

anulabilidade, nulidade e inexistência jurídica dos actos recorridos.

Por isso, deve-se dizer que o legislador foi feliz ao tipificar como meios de defesa do direito à

informação a intimação para informação, consulta de processo e passagem de certidões ou a

intimação para prestação de informação. Nestes casos, ao abrigo da parte final do disposto no

artigo 32 da LPPAC, a justiça administrativa condena a Administração Pública a

determinadas condutas. Não fica pela simples apreciação da legalidade ou ilegalidade do acto.

Nesses casos, o Juiz decreta as medidas concretas e adequadas para garantir o exercício

efectivo do direito à informação. Portanto, excluindo o recurso contencioso que é de mera

jurisdição, o contencioso administrativo do direito à informação previsto no RELDI é de

plena jurisdição, o que dá a possibilidade ao juiz de decretar medidas concretas a serem

adoptadas pela administração pública, como seja o dever de prestar informação, permitir a

consulta de processos ou o de emitir certidões. Mesmo no recurso contencioso, visto na

perspectiva do regime de execução das decisões da justiça administrativa, pode ser sujeito aos

poderes de plena jurisdição, já que em execução de sentença o juiz administrativo pode

ordenar a prática de actos jurídicos ou materiais julgados necessários à reposição da

legalidade violada35

.

2.2. Os litígios emergentes do exercício direito à informação

Atendendo ao disposto na LDI, os litígios emergentes do exercício do direito à informação

podem ser de índole civil, criminal, disciplinar e administrativos. Perante esta diversidade de

domínios processuais em que se pode traduzir a litigiosidade ligada ao exercício do direito à

informação, é legítimo perguntar se o legislador remeteu-os todos ao contencioso

administrativo. Face ao disposto nos artigos 228 e 230, ambos da CRM, a resposta é

obviamente negativa.

O âmbito da justiça administrativa é substantivamente delimitado pela noção de relação

jurídica administrativa, que para o Prof. Sérvulo Correia é um sistema complexo de situações

jurídicas activas e passivas interligadas, regidas pelo Direito Administrativo e tituladas por

entidades incumbidas do exercício de uma actividade específica da função administrativa e

por particulares ou apenas por diversos pólos finais de imputação pertencentes à própria

Administração36

. No regime do RELDI, os litígios emergentes do exercício do direito à

informação que são directamente remetidos à jurisdição administrativa na legislação 35

Cfr. Artigo 187, n.º 2, da LPPAC. 36 Correia, José Sérvulo Correia. As relações Jurídicas Administrativas de Prestação de Cuidados de Saúde.

Disponível em www.icjp.pt/sites/default/files/media/616-923.pdf.

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específica deste direito são as decisões de indeferimento de pedidos de informação, consulta

de processos e passagem de certidões. Portanto, só os casos de indeferimento é que

constituem litígios do direito à informação da competência da jurisdição administrativa. E os

demais casos?

Os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas no âmbito do exercício do direito

à informação não se limitam, obviamente, aos casos de indeferimento de pedido de

informação, consulta de processo ou passagem de certidões. Eles podem resultar, por

exemplo, da deficiente prestação de informação, situação a que o legislador se refere

expressamente no n.º 2 do artigo 9 da Lei n.º 14/2011, de 10 de Agosto, segundo a qual A

Administração Pública é responsável pelas informações prestadas por escrito aos

administrados, mesmo que não sejam obrigatórias. De forma implícita, o legislador refere-se

aqui à responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública por danos causados ao

cidadão em virtude de deficiente ou inexactidão da prestação de informação, bem como os

casos em que, mesmo sendo verdadeira, a informação prestada pertencer ao domínio do que

não deve ser público. Mas podem surgir mais casos. É a situação, por exemplo, dos casos em

que o cidadão pretende apenas saber se tem ou não direito de aceder a determinado tipo de

informação eventualmente incluída no leque das restrições legais previstas na lei com recurso

a conceitos que podem ser tidos por indeterminados. Este seria o caso de recurso à acção de

reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegido, previsto na alínea c) do artigo

111 da LPAC.

Daqui se deve concluir que apesar de o artigo 18 da RELDI, em concordância textual com o

artigo 36 da LDI, estabelecer um regime típico de impugnação de actos de indeferimento de

pedidos de informação, consulta de documentos e passagem de certidões, não quer dizer que

os demais litígios emergentes de relações administrativas do direito à informação estejam

destituídas de garantia judicial. Na interpretação deste regime do contencioso do direito à

informação, deve-se ter sempre presente o princípio da tutela jurisdicional efectiva acima

referido, na sua vertente de que a cada direito ou interesse legalmente protegido deve

corresponder um meio processual adequado à sua tutela. Este princípio, consagrado no artigo

4 da LPPAC no seguimento do direito de impugnação de actos lesivos a direitos reconhecidos

pela Constituição e demais leis37

. Tal significa que no domínio do direito à informação,

nenhuma situação poderá considerar-se carecida de protecção jurisdicional, pelo que o lesado

ou interessado poderá requerer qualquer outro tipo de meio processual para além dos previstos

no artigo 36 da LDI e artigo 18 do RELDI que julgar apropriada para a defesa dos seus

direitos ou interesses.38

Em conclusão, deve-se afirmar que o regime de contencioso do direito à informação previsto

no artigo 36 da LDI e artigo 18 do RELDI não esgotam, nem o leque de litígios que podem

emergir de relações jurídicas administrativas de direito à informação, nem a diversidade de

meios processuais de que o interessado pode lançar mão em defesa dos seus direitos e

37

Artigo 69 da CRM. 38

Cadilha, Carlos Alberto Fernandes. Dicionário de Contencioso Administrativo, Almedina, Coimbra, 2006.

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interesses. Há-de ser sempre necessário o recurso ao regime jurídico geral do contencioso

administrativo, actualmente, previsto na Lei n.º 7/2014, de 28 de Fevereiro – LPPAC.

III. Os meios processuais no Regulamento da Lei do Direito à Informação

Os meios processuais de garantia judicial do direito à informação previstos no RELDI são o

recurso contencioso (1), a intimação para informação, consulta de processo e passagem de

certidão (2) e intimação de órgão administrativo, particular e concessionário para prestar

informação (3) como a seguir ilustra-se.

3.1. Recurso Contencioso

O recurso contencioso é definido pela sua função como um meio impugnatório39

de actos

administrativos ilegais, tendo por objecto a anulação ou a declaração de nulidade ou

inexistência desse acto. Portanto, para que se possa dar como admissível ou procedente o

recurso contencioso, será necessário demonstrar a ilegitimidade do acto administrativo em

causa, por padecer de qualquer ilegalidade geradora da sua invalidade40

. Nem a LDI, nem o

RELDI elencam as ilegalidades que podem inquinar o acto de indeferimento de pedidos de

informação com invalidade, devendo ser aplicado o regime geral do contencioso

administrativo, constante do artigo 34 da LPPAC, onde o legislador fixou as ilegalidades

aplicáveis a todos os actos administrativos.

De um modo geral, constituem fundamentos gerais do recurso contencioso a ofensa pelo acto

recorrido dos princípios e normas jurídicas do bloco da legalidade administrativa que integra

não só as normas do Direito Administrativo, mas também qualquer norma interna ou externa

em vigor na ordem jurídica41

. E porque o recurso contencioso é de mera legalidade, pelo facto

de o juiz administrativo encontrar-se limitado a conhecer, apenas, matérias atinentes à

legalidade ou ilegalidade do acto administrativo, considera-se que o regime do contencioso

administrativo adoptou o chamado modelo objectivista. Neste modelo de contencioso, a

justiça administrativa aprecia a conformidade da acção administrativa com a lei, ao contrário

do que seria numa justiça administrativa assente num modelo subjectivista em que o

fundamento e a função do recurso contencioso seria o de verificação da violação de direitos

ou interesses legítimos do cidadão42

. Esta diversidade de modelos de contencioso

administrativo não é indiferente em relação à forma como o legislador estrutura os

fundamentos a invocar para a invalidação do acto administrativo. De um modo geral, no

modelo objectivista, o interessado em impugnar os actos administrativos deve provar,

fundamentalmente, a desconformidade do acto com a lei. Não se dá acento tónico à eventual

violação de direitos ou interesses legalmente protegidos do interessado. O próprio legislador

constituinte moçambicano tomou partido dos dois modelos, pois no n.º 3 do artigo 353 da

39

Andrade, José Vieira. A Justiça Administrativa (Lições), Almedina,Coimbra, 3.º edição, 2000. 40

Oliveira, Mário Esteves at al. Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Vol. I (Anotado), Almedina, 2006. 41

Vide Princípio da Legalidade em Amaral, Diogo Freitas do. Direito Administrativo. Vol II, Lisboa 1988. 42

Vide sobre este tema, Sousa, António Francisco. Direito Administrativo, Prefacio, 2009. Pg 190.

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CRM, a lesão de direitos ou interesses aparece não como fundamento da impugnação dos

actos, mas sim da legitimidade para a interposição do recurso contencioso.

Deste modo, a remissão do RELDI para o regime do contencioso administrativo, se bem que

inevitável, carrega consigo o pecado original do modelo objectivista em que a intervenção do

cidadão na impugnação de actos se funda na sua ilegalidade objectiva. Do que resulta que a

impugnação do indeferimento do pedido de informação, consulta de processo ou passagem de

certidão não se há-de basear fundamentalmente na lesão do direito à informação, mas na

ocorrência de algum vício que por força do artigo 34 da LPPAC dá origem à invalidade do

acto administrativo. Portanto, a impugnação de decisões de indeferimento de pedidos de que

pode emergir o contencioso do direito à informação pode fundar-se em vícios que vão desde a

usurpação de poderes, incompetência, violação de formalidades legais, violação da lei, até ao

desvio do poder.

A decisão de indeferimento de qualquer pedido de informação pode estar inquinada do vício

de usurpação de poderes43

quando no âmbito do exercício do direito à informação, a

Administração Pública proferir um acto administrativo violador do princípio da separação de

poderes, particularmente nos casos em que se considerar que a Administração se intrometeu

na esfera própria da actuação dos tribunais. Em tal caso, o desvalor jurídico de um acto eivado

de vício de usurpação de poderes é a sua nulidade44

. Mas o acto de indeferimento do pedido

de informação pode ser ilegal por ter sido praticado por agente ou funcionário sem

competência45

para o efeito, caso em que a decisão seria igualmente nula e de nenhum

efeito46

. Realce-se que, para este efeito, a competência deve reunir cumulativamente os

quatros critérios acima referidos, nomeadamente, a competência em razão da matéria,

hierarquia, território e do tempo. O acto pode ilegal, por violação da regra da forma ou das

formalidades legais, nos casos em que devendo ser prestrada de forma escrita, Administração

presta informação por outra via. Ainda nos chamados vícios formais, a invalidade do acto

pode resultar da violação do dever de fundamentação imposto por lei, neste caso gerando

nulidade da decisão47

.

A LDI estabelece como requisito essencial, de carácter formal, o dever de fundamentação do

acto administrativo de indeferimento do pedido48

. De acordo com o artigo 31 da LDI, A

recusa de prestação de informação, consulta ou passagem de documentos deve ser

fundamentada, nos termos da presente Lei. Esta formulação tem implicações no regime dos

fundamentos do recurso contencioso a que remente a RELDI, por decorrência da própria LDI,

na medida em que o legislador não indicou em que consistem os termos em que esta lei

considera fundamentado o acto de recusa. Com efeito, na técnica legislativa doutros actos

normativos, como é o caso da Lei n.º 6/2004, de 17 de Junho, a fundamentação consiste na

43

Artigo 34, alínea a), da LPPAC. 44

Artigo 34, n.º 1, da LPPAC. 45

Artigo 34, alínea b), da LPPAC. 46

Artigo 35, n.º 1, da LPPAC. 47

Artigo 35, n.º 1, da LPPAC. 48

Arito 31 da LPPAC.

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apresentação dos fundamentos de facto e de direito que determinam a justificam o sentido de

uma decisão desfavorável49

. O n.º 1 do artigo 122 da Lei n.º 14/2011, de 10 de Agosto,

estabelece que a fundamentação deve ser expressa, através de resumida exposição dos

fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em simples declaração de

concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas. Daí ser

legítimo perguntar se o legislador ao referir na LDI que a fundamentação de actos de

indeferimento de pedidos de informação de ser ser feita de acordo com ela própria, quis

afastar o regime geral de fundamentação fixado nos diplomas legais atrás referidos. Salvo

melhor entendimento em contrário, não parece que tenha sido essa a intenção do legislador.

O entendimento da questão atrás aflorada no âmbito do exercício do direito à informação,

deve ser o de que ao restringir os fundamentos da recusa de prestação de informação nos

termos do artigo 31 da LDI, o legislador quis apenas dizer que a recusa só pode ser

fundamentada nos termos do regime das restrições e limites nela previstos. A Administração

Pública só pode recusar prestar informação com fundamento nas excepções constantes do

artigo 20 e seguintes da LDI ou outras expressamente referidas em legislação específica50

.

Esta é a posição que, em sede do exercício do poder regulamentar, o Governo tomou na

RELDI, ao estabelecer que A recusa de prestação de informação, consulta ou passagem de

documentos deve ser fundamentada com base nas excepções e restrições legais51

.

Nos casos em que a Administração Pública recuse prestar informação por algum motivo

diferente do regime das restrições e limites ao direito à informação, por exemplo, porque a

informação solicitada extraviou-se, deverá socorrer-se do regime geral da fundamentação do

acto administrativo, previsto no n.º 1 do artigo 122 da Lei n.º 14/2011, de 10 de Agosto,

indicando os fundamentos de facto e de direito pelos quais recusa prestar informação não

integrada em qualquer limite ou excepção. Esta posição encontra-se aflorada no artigo 14 do

RELDI, sob a epígrafe de informação não disponível, no qual diz-se: Se o funcionário ou

agente responsável por assegurar o direito à informação tiver tomado todas as diligências

necessárias e razoavelmente exigíveis e mesmo assim não encontrar a informação

solicitada…deverá comunicar esse facto ao interessado como o fundamento da não

disponibilização ou prestação de informação52

.

49

Cfr. Artigo 5 da Lei n.º 6/2004, de 17 de Junho – Lei que introduz os mecanismos complementares de combate à corrupção. 50

Vide o corpo do n.º 2 do artigo 20 da LDI. 51

Artigo 15 da RELDI. 52

Artigo 14, n.º 1, da RELDI.

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3.2. Intimação para informação, consulta de processo e passagem de certidão

A intimação para informação, consulta de processo e passagem de certidão encontra-se em

capítulo autónomo da LPPAC, opção legislativa enaltecedora da sua identidade face aos

demais meios processuais previstos na mesma lei por categorias. Ela não integra a categoria

de meios impugnatórios, constituida pelo recurso contencioso e impugnação de normas

adminisrativas, nem faz parte, quer das acções53

, quer dos meios processuais acessórios. Desta

forma, a intimação para informação, consulta de processo ou passagem de certidão, como

processo autónomo, é um meio processual expedito de condenação ou imposição à

administração pública para uma especial prestação: a prestação de informação, a

disponibilização de processos para consulta e a emissão de certidões 54

. Diz-se meio

processual de condenação porque, contrariamente aos meios impugnatórios como é o caso do

recurso contencioso, a intimação para informação, consulta de processo ou passagem de

certidão é de plana jurisdição porque o juiz administrativo detém o poder de ordenar a

Administração a prestar a informação solicitada e fixar o prazo dentro do qual a intimação

deve ser cumprida55

.

Como pressuposto deste meio processual, a lei determina que se deve indicar no pedido o fim

a que se destina a consulta de documentos ou processos e certidões56

. Este pressuposto

tornou-se meramente formal face às exigências do princípio da máxima divulgação de

informação57

e do princípio de que o requerente do direito à informação não precisa de

justificar a razão por que a requer58

.

Pelo facto de que a Lei n.º 14/2011, de 10 de Agosto, já prever o direito de acesso à chamada

informação extraprocedimental, o n.º 1 do artigo 106 da LPPC, confere a este meio processual

um carácter instrumental para o exercício do direito de acesso à informação, dizendo: Para

permitir o uso de meios administrativos ou contenciosos ou a concretização do direito de

acesso à informação, devem as autoridades administrativas competentes facultar a consulta

de documentos ou processos e passar certidões, a pedido do interessado ou do Ministério

Público, no prazo de dez dias, excepto em caso de matérias secretas ou confidenciais (os

destaques são nossos). Esta instrumentalidade entre o meio processual a o direito à

informação não deve ser vista como querendo referir-se ao carácter acessório desta forma de

processo em relação a qualquer outra forma administrativa ou contenciosa como a disposição

em referência sugere. Esta instrumentalidade situa-se no domínio da tutela jurisdicional

53

Capítulo V da LPPAC constituida pelo regime das acções sobre contratos administrativos, responsabilidade da Administração por actos de gestão Pública, reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos, determinação da prática de actos administrativos devidos e sobre outras relações jurídicas administrativas. 54

Fonseca, Isabel Celeste. Direito Processual Administrativo. Roteiro Prático, Almeida & Leitão, Lda. Porto, 2011. 3.ª edição, pg 175. 55

Artigo 110, n.º 1 da LPPAC 56

Artigo 104, n.º 3, da LPPAC. 57

Artigo 4 da LDI. 58

Artigo 10, n.º 2, da LDI.

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efectiva na sua perspectiva da correspondência entre o direito à informação, consulta de

processos ou passagem de certidões como verdadeiro direito substantivo para cuja garantia

jurisdicional existe o processo de intimação. Por isso mesmo que no direito comparado, a

doutrina e a jurisprudência deixaram há muito de pressupor que o recurso ao meio processual

de intimação para informação deve estar necessariamente associado a um processo

administrativo ou contencioso ulterior59

.

Antes pelo contrário, o facto de o RELDI estabelecer que para a impugnação de indiferimento

de pedidos de informação, consulta de processos e passagem de certidões corre pelo

contencioso administrativo através da intimação, autonomizou o direito à informação de

qualquer outra forma de impugnação, conferindo-lhe um meio processual típico e especial60

.

Outro dado cuja análise não deve ser dispensada é a problemática dos prazos de prestação de

informação fixados na LDI e na LPPAC. Já aqui ocorre uma contradição de prazos, na

medida em que a LDI fixou em vinte e um dias o prazo para a disponibilização de

informação, enquanto o regime processual de contencioso administrativo a que remete o

RELDI estabeleceu o prazo de dez dias para as entidades visadas disponibilizarem a

informação. Qual dos prazos deverá prevalecer?

Constitui princípio geral do direito que a lei especial derroga a lei geral, pelo que em matéria

de procedimento administrativo, quando a informação for solicitada directamente à

Administração, prevalecerá o prazo de vinte e um dias. Contudo, se o cidadão tiver de lançar

mão deste meio processual de intimação perante a justiça administrativa, o prazo que vinga é

o de dez dias. A justiça administrativa não tem por quê voltar a conceder à Administração

mais um prazo de dez dias, sendo certo que o julgar dispõe de certa discricionaridade ao

abrigo do disposto no artigo 110 da LPAC, segundo o qual o prazo para o cumprimento da

intimação deve constar da decisão.

A intimação para prestação de informação, consulta de documento ou passagem de

documentos deve ser requerida no prazo de vinte dias contado a partir do primeiro dia, findo o

prazo de vinte e um dias dentro do qual a Adminstração Pública deve prestar informação à luz

da LDI. Este prazo extrai-se da conjugação da alínea a) do artigo 107 da LPPAC com o artigo

16 da LDI. Esta seria a situação do indeferimento tácito do pedido de informação quando,

pelo silêncio da Administração Pública ou entidade privada, transcorrido o prazo de vinte e

um dias, o artigo 59 das Normas de Funcionamento dos Serviços da Administração Pública,

aprovadas pelo Decreto n.º 30/2001, de 15 de Outubro, retira a ilação do indeferimento tácito

para efeitos de impugnação. Havendo recusa expressa de disponibilização ou satisfação

parcial da inforamação solicitada, o prazo para apresentação do pedido de intimação judicial

conta a partir do dia seguinte ao correspondente indeferimento ou prestação deficiente da

59

Fonseca, Isabel Celeste. Direito Processual Administrativo. Roteiro Prático, Almeida & Leitão, Lda. Porto, 2011. 3.ª edição, pg 175. 60

Fonseca, Isabel Celeste. Direito Processual Administrativo. Roteiro Prático, Almeida & Leitão, Lda. Porto, 2011. 3.ª edição, pg 175.

Page 16: O CONTENCIOSO DO DIREITO À INFORMAÇÃO NO …...a mínima referência ao acto normativo regulamentado que, igualmente, está sujeito a limites próprios – os limites constitucionais

informação61

. A este respeito deve-se concluir que, apesar de a referência pelo artigo 18 do

RELDI da impugnação do indeferimento de pedidos sugerir o contrário, esta intimação

juridicial tanto pode ser accionada quando a Administração permaneceu omissa como quando

ela tenha respondido de forma não integral ao pedido de informação ou quando tenha

recusado expressamente tal pedido62

.

A intimação para informação corre em apenas dois articulados, a petição inicial e a resposta

do órgão administrativo que deve ser oferecida no prazo de dez dias. Na petitição inicial, que

em termos práticos é um requerimento expositivo dirigido ao tribunal, o interessado

demonstra a legitimidade do seu pedido e termina pendido ao tribunal que intime à

Administração Pública a prestar-lhe determinada informação ou a permitir-lhe a consulta de

certos documentos ou que lhe emita uma certidão sobre determinado assunto. A informação,

processo ou certidão objecto de pedido tanto pode referir-se à informação procedimental,

como a informação extraprocedimental ou a informação arquivística e registos

administrativos63

.

O carácter simplificado da tramitação da intimação para informação e a brevidade dos prazos

processuais ilucida a natureza urgente deste meio processual, daí seguir o modelo de

processos urgentes assente na ideia da instrumentalidade do direito à informação para a

realização de outros direitos. De acordo com o artigo 1 da LDI, o direito à informação é

instrumental para a participação democrática na vida pública e constitui uma garantia dos

direitos fundamentais conexos, tais como liberdade de expressão e opinião.

3.3. Intimação de órgão administrativo, particular e concessionário para

prestar informação

De um modo geral, a intimação de órgão administrativo, particular e concessionário tem por

finalidade a condenação da Administração Pública para adoptar determinada conduta positiva

(acção) ou negativa (abstenção). Lança-se mão deste meio processual urgente quando os

órgãos administrativos, os particulares ou os concessionários violem normas de direito

administrativos ou deveres decorrentes de acto ou contrato administrativo ou quando a

actividade destes entes viole um direito fundamental como é o caso do direito à informação64

.

Verificado este pressuposto, qualquer interessado ou o Ministério Público podem requerer de

um tribunal a sua intimação para adoptarem certo comportamento ou abster-se dele com o fm

de assegurar o respeito pelos deveres ou o respeito pelo exercício do direito65

.

61

Artigo 107, alíneas b) e c) da LPPAC. 62

Fonseca, Isabel Celeste. Direito Processual Administrativo. Roteiro Prático, Almeida & Leitão, Lda. Porto, 2011. 3.ª edição, pg 175. 63

Fonseca, Isabel Celeste. Direito Processual Administrativo. Roteiro Prático, Almeida & Leitão, Lda. Porto, 2011. 3.ª edição, pg 175. 64

Artigo 144, n.º 1, da LPPAC. 65

Artigo 144, n.º 1, in fine da LPPAC.

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Este meio processual é uma inovação de grande alcance, que encontrará a sua maior utilidade

nos casos em que um particular ou um concessionário, tendo determinadas obrigações

decorrentes da lei administrativa, como as que decorrem da LDI e respectivo regulamento,

não as cumpram nem sejam obrigados a cumpri-las pela própria Administração. Permite fazer

cessar, por mandado jurisdicional, a actividade ilegal do particular ou do concessionário,

suprindo assim ao mesmo tempo a omissão indevida das autoridades administrativas

competentes66

. Esta forma de intimação terá maior utilidade nos casos em que a prestação de

informação pela Administração Pública deve ser precedida por um conjunto de diligências

que implique a adopção de determinado tipo de comportamento.

A tramitação deste meio processual é simples. Corre em dois articulados, o pedido de

intimação e a resposta do requerido a ser apresentada no prazo de dez dias67

, prazo que em

caso de excepcional urgência pode ser encurtado por decisão do juiz68

. Igualmente, com

fundamento na excepcional urgência, o juiz pode dispensar a audição do requerido para a

imediata decisão do processo, fase que normalmente só acontece findo o prazo dos dez dias

em que normalmente deve ser ouvido o requerido69

.

IV. Conclusões

O regime do contencioso do direito à informação previsto no RELDI é um reenvio para o

regime geral do contencioso administrativo actualmente constante da Lei n.º 7/2014, de 28 de

Fevereiro, do qual já constam meios processuais aplicáveis à defesa do direito à informação.

A consagração formal dum contencioso do direito à informação traduz o reconhecimento da

titularidade de uma posição juridicamente activa do cidadão merecedora de garantias judiciais

próprias e típicas.

Ao elencar os meios processuais constantes do artigo 18 do RELDI, o julgador escolheu

aqueles que considerou adequados à defesa do direito à informação, nomeadamente, o recurso

contencioso, a intimação para informação, consula de processo ou passagem de certidões e a

intimação de órgão administrativo, particular ou concessionário para prestar informação. Esta

escolha, não deve ser vista como exclusão de outros meios processuais do contencioso

administrativo previstos na LPPAC.

De facto, os meios escolhidos pelo legislador no RELDI para a defesa do direito à informação

perante a Administração tem um potencial muito grande para garantir o acesso à informação

de interesse público não subtraida do conhecimento público. Porém, a eficácia destas

garantias jurisdicionais dependem de muitos factores, desde logo, o facto de os tribunais

terem de lidar com os processos relativos ao acesso à informação como verdadeiras garantias

jurisdicionais de um direito humano fundamental porque previsto na Constituição da

República, DUDH, no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, na Carta Africana

dos Direitos Humanos e dos Povos e no Protocolo da SADC sobre Cultura e Desporto. Em

segundo lugar, é necessário que o cidadão esteja ao corrente da disponibilidade destes meios

processuais como garantias que o legislador lhe proporcionou para a defesa dos seus direitos.

66

http://octalberto.no.sapo.pt/os_meios_processuais_acessorios.htm 67

Artigo 14, n.º 1, da LPPAC. 68

Artigo 14, n.º 3, da LPPAC. 69

Artigo 14, n.º 2, da LPPAC.

Page 18: O CONTENCIOSO DO DIREITO À INFORMAÇÃO NO …...a mínima referência ao acto normativo regulamentado que, igualmente, está sujeito a limites próprios – os limites constitucionais

A própria Administração Pública deve estar consciente de que o recurso ao contencioso

administrativo não é um litígio contra ela, mas sim contra os seus actos de recusa de

informação.