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Serviço Público Federal
Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará – CREMEC
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PARECER CREMEC N.º 10/2020
18/05/2020
Protocolo CREMEC nº 5810/2020
Interessado: Diretor técnico de hospital secundário.
Assunto: Escala de plantão incompleta.
Parecerista: Cons. Helvécio Neves Feitosa.
EMENTA: Diante do número insuficiente de
plantonistas, o médico de plantão em setores de
urgência/emergência, não deve deixar de prestar o
atendimento ao paciente, mesmo que para uma
triagem. Caso haja necessidade de intervenção
médica imediata, a assistência deve ser prestada nas
condições em que o médico se encontra. Seguindo o
Protocolo de Manchester (após a devida triagem),
orientamos que o atendimento se restrinja aos
classificados como amarelo, laranja e vermelho. Os
diretores técnicos respondem junto aos Conselhos de
Medicina pelas condições de exercício ético da
profissão nas respectivas instituições de saúde.
DA CONSULTA
Diretor técnico de hospital secundário do município de Fortaleza, em
correspondência eletrônica protocolizada sob nº 5810/2020, solicita manifestação
deste egrégio Conselho Regional de Medicina, mediante Parecer, sobre a seguinte
situação:
Diante da pandemia de Covid-19, estamos com vários colegas médicos
obstetras adoecendo e tendo que se afastar de suas atividades. Por isso,
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em alguns momentos, temos ficado com um plantonista na escala (onde
normalmente temos três). Por isso, solicito parecer URGENTE do CREMEC
como orientar o colega médico e a instituição como deve proceder. O
plantonista terá que atender no pronto atendimento da obstetrícia, atender
as pacientes internadas na sala de parto, ser responsável pelo
acompanhamento do trabalho de parto e parto vaginais e cesarianas, além
de possíveis intercorrências no Alojamento Conjunto. Além disso, caso
ocorra uma cesárea, não teremos os dois cirurgiões em campo. (...)
DO PARECER
O Código de Ética Médica (CEM), em seus Princípios Fundamentais, estabelece:
(...)
VII – O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a
prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem
não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em
caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer
danos à saúde do paciente.
Nos ditames deontológicos do CEM, está estabelecido ser vedado ao médico:
(...)
Art. 7º Deixar de atender em setores de urgência e emergência, quando
for de sua obrigação fazê-lo, expondo a risco a vida de pacientes, mesmo
respaldado por decisão majoritária da categoria.
Art. 19. Deixar de assegurar, quando investido em cargo ou função de
direção, os direitos dos médicos e as demais condições adequadas para o
desempenho ético-profissional da Medicina.
Art. 33. Deixar de atender paciente que procure seus cuidados
profissionais em casos de urgência ou emergência, quando não haja
outro médico ou serviço médico em condições de fazê-lo.
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Art. 37. Prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame
direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e
impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nestas circunstâncias,
fazê-lo imediatamente após cessar o impedimento.
Art. 56. Utilizar sua posição hierárquica para impedir que seus
subordinados atuem dentro dos princípios éticos.
Art. 57. Deixar de denunciar atos que contrariem os postulados éticos à
comissão de ética da instituição em que exerce seu trabalho profissional e,
se necessário, ao Conselho Regional de Medicina.
A Resolução CFM nº 2.147/2016, que “Estabelece normas sobre a responsabilidade,
atribuições e direitos de diretores técnicos, diretores clínicos e chefias de serviço em
ambientes médicos”, determina que:
(...)
Art. 2º O diretor técnico, nos termos da lei, é o responsável perante os
Conselhos Regionais de Medicina, autoridades sanitárias, Ministério
Público, Judiciário e demais autoridades pelos aspectos formais do
funcionamento do estabelecimento assistencial que represente.
(...)
§ 3º São deveres do diretor técnico:
I) Zelar pelo cumprimento das disposições legais e regulamentares em vigor;
II) Assegurar condições dignas de trabalho e os meios indispensáveis à
prática médica, visando ao melhor desempenho do corpo clínico e dos demais
profissionais de saúde, em benefício da população, sendo responsável por faltas
éticas decorrentes de deficiências materiais, instrumentais e técnicas da
instituição;
(...)
V) Organizar a escala de plantonistas, zelando para que não haja
lacunas durante as 24 horas de funcionamento da instituição, de acordo
com regramento da Resolução CFM nº 2.056, de 20 de setembro de 2013;
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VI) Tomar providências para solucionar a ausência de plantonistas;
Na presença de um único médico plantonista, em serviço que comportaria três,
orientamos que o atendimento deve ser restrito aos casos de urgência e
emergência. Lembrar que tais casos podem evoluir para procedimento cirúrgico
(uma cesariana, por exemplo). Quanto à possibilidade de cirurgia cesariana (ou de
uma cirurgia de maior porte, como uma cesárea-histerectomia), há o Parecer
CREMEC nº 04/2000, da lavra deste Relator, que aborda a necessidade de primeiro
auxiliar em cirurgia cesariana e cita pareceres de outros Conselhos de Medicina,
alertando que:
A cirurgia é um ato exclusivo do médico, o qual é o responsável legal pela indicação
e execução da mesma. A montagem da equipe cirúrgica é da responsabilidade do
cirurgião, o qual responderá jurídica e eticamente por qualquer dano ao paciente,
ainda que tenha que se ausentar, por motivo de força maior, durante o ato cirúrgico.
O mesmo Parecer acrescenta:
O primeiro auxiliar deverá ser médico cirurgião, conhecedor da técnica e
metodologia do primeiro cirurgião, e apto a terminar o ato cirúrgico no
impedimento do titular. A necessidade de um primeiro auxiliar, e até de um
segundo auxiliar com as características acima, está na dependência do porte
da cirurgia e é de exclusiva decisão do cirurgião titular.
Diante da possibilidade de parto cirúrgico (cesariana), havendo possibilidade e
segurança na transferência das pacientes, entendemos que esta deva ser a conduta
mais prudente. Em casos de emergência, em que a transferência apresentar maior
risco do que a atuação imediata nas condições em que o médico se encontra no
plantão, a estabilização da paciente ou até mesmo a realização de um procedimento
cirúrgico deve ter primazia.
No Parecer CREMEC nº 04/2000, já citado, há a orientação de que:
Nos casos de emergência, quando não houver auxiliar disponível, poderá
ocorrer a designação fortuita de outro profissional. (...) O primeiro auxiliar
poderá, a critério do cirurgião titular, a quem cabe a responsabilidade da
decisão, ser substituído por médico sem treinamento específico, nos casos
de urgência e cirurgia de pequeno porte.
Na decisão por transporte inter-hospitalar de pacientes, atentar para os ditames da
Resolução CFM nº 1.672/2003, que “Dispõe sobre o transporte inter-hospitalar de
pacientes e dá outras providências”, determinando que:
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I - O hospital previamente estabelecido como referência não pode negar
atendimento aos casos que se enquadrem em sua capacidade de resolução.
II - Pacientes com risco de vida não podem ser removidos sem a prévia
realização de diagnóstico médico, com obrigatória avaliação e atendimento
básico respiratório e hemodinâmico, além da realização de outras medidas
urgentes e específicas para cada caso.
III - Pacientes graves ou de risco devem ser removidos acompanhados de
equipe composta por tripulação mínima de um médico, um profissional de
enfermagem e motorista, em ambulância de suporte avançado. Nas
situações em que seja tecnicamente impossível o cumprimento desta norma,
deve ser avaliado o risco potencial do transporte em relação à permanência
do paciente no local de origem.
IV - Antes de decidir a remoção do paciente, faz-se necessário realizar
contato com o médico receptor ou diretor técnico no hospital de destino, e ter
a concordância do(s) mesmo(s).
V - Todas as ocorrências inerentes à transferência devem ser registradas no
prontuário de origem.
VI – Todo paciente removido deve ser acompanhado por relatório completo,
legível e assinado (com número do CRM), que passará a integrar o
prontuário no destino. Quando do recebimento, o relatório deve ser também
assinado pelo médico receptor.
VII – Para o transporte, faz-se necessária a obtenção de consentimento
após esclarecimento, por escrito, assinado pelo paciente ou seu responsável
legal. Isto pode ser dispensado quando houver risco de morte e
impossibilidade de localização do(s) responsável(is). Nesta circunstância, o
médico solicitante pode autorizar o transporte, documentando devidamente
tal fato no prontuário.
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VIII – A responsabilidade inicial da remoção é do médico transferente,
assistente ou substituto, até que o paciente seja efetivamente recebido pelo
médico receptor.
a) a responsabilidade para o transporte, quando realizado por Ambulância tipo D, E
ou F é do médico da ambulância, até sua chegada ao local de destino e efetiva
recepção por outro médico.
b) as providências administrativas e operacionais para o transporte não são de
responsabilidade médica.
(...)
Art. 2º - Os médicos diretores técnicos das instituições, inclusive os dos
serviços de atendimento pré-hospitalar, serão responsáveis pela efetiva
aplicação destas normas.
(...)
No setor de urgência e emergência do hospital, o acolhimento e a classificação de
risco, mormente a última, deve ser feita por profissional de enfermagem de nível
superior, preferencialmente com experiência em serviço de urgência, e após
capacitação específica para a atividade proposta, conforme norma do Ministério da
Saúde (Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política
Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS. Acolhimento e
classificação de risco nos serviços de urgência. Brasília: Ministério da Saúde, 2009).
O acolhimento não se trata de um espaço, local ou triagem para receber paciente.
De acordo com o Ministério da Saúde, acolhimento é uma postura ética e não
pressupõe hora ou profissional específico para fazê-lo. É a recepção do usuário,
desde a sua chegada na unidade de saúde, com responsabilidade integral sobre ele,
incluindo ouvir queixas, permitir que ele expresse suas preocupações, angústias, e
ao mesmo tempo, fazer a articulação de outros serviços de saúde para a
continuidade da assistência, quando necessário.
A triagem, diferentemente de acolhimento, é o processo pelo qual se determina a
prioridade do atendimento de pacientes com base na gravidade do seu estado. Este
processo relaciona eficientemente os cuidados quando os recursos são insuficientes
para tratar todos os pacientes de imediato. Existem dois tipos de triagem: simples e
avançada. A triagem simples é normalmente utilizada no local de um acidente ou
desastre com várias vítimas, de forma a categorizar pacientes entre aqueles que
precisam de atenção crítica e transporte imediato e aqueles com lesões menos
graves. Na triagem avançada, os médicos podem decidir que determinados
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pacientes com lesões muito graves não devem receber tratamento avançado porque
é improvável a sua sobrevivência. Os recursos são desviados para os pacientes
potencialmente salváveis. No contexto da triagem, a indicação de internação nos
serviços de atenção à saúde é ato privativo do médico (lei federal nº 13.843/2013 –
Lei do Ato Médico – Art. 4º, inciso XI).
A Resolução CFM nº 2.077/2014, que normatiza o funcionamento dos “Serviços
Hospitalares de Urgência e Emergência”, públicos e privados, torna obrigatória a
implantação do “Acolhimento com Classificação de Risco” para o atendimento.
Determina também que todo paciente que tiver acesso ao “Serviço Hospitalar de
Urgência e Emergência” (SHUE) deverá, obrigatoriamente, ser atendido por um
médico, não podendo, sob nenhuma justificativa, ser dispensado ou
encaminhado a outra unidade de saúde por profissional que não o médico.
De acordo com o mesmo instrumento normativo, o médico plantonista deverá
acionar imediatamente o coordenador de fluxo, e na inexistência deste, o diretor
técnico, nas seguintes situações: 1) quando forem detectadas condições
inadequadas de atendimento ou constatada a inexistência de leitos vagos para a
internação de pacientes, com superlotação do SHUE; 2) quando houver pacientes
que necessitem de UTI e não houver leito disponível no hospital; 3) quando o SHUE
receber pacientes encaminhados na condição de “vaga zero”.
PARTE CONCLUSIVA
Diante do número insuficiente de plantonistas, o médico de plantão em setores de
urgência/emergência, não deve deixar de prestar o atendimento ao paciente,
mesmo que seja para fazer uma triagem. Caso haja necessidade de intervenção
médica imediata, a assistência deve ser prestada nas condições em que o
médico se encontra, para que não seja caracterizada omissão de socorro (e
negligência, na esfera ética), conforme Nota do CREMEC, recentemente divulgada
em mídias sociais. Seguindo o Protocolo de Manchester (após a devida triagem),
orientamos que o atendimento deva ser restrito aos classificados como amarelo,
laranja e vermelho.
O diretor técnico responde junto aos Conselhos de Medicina pelas condições de
exercício ético da profissão nas respectivas instituições de saúde. Cabe a ele
organizar a escala de plantonistas, zelando para que não haja lacunas durante as 24
horas de funcionamento da instituição. Como é de sua obrigação assegurar
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condições dignas de trabalho e os meios indispensáveis à boa prática médica, é ele
quem deverá tomar providências para solucionar a falta de plantonistas, além de ser
responsável por faltas éticas decorrentes de deficiências materiais, instrumentais e
técnicas da instituição.
Perante os Conselhos de Medicina, cabe ao diretor técnico demonstrar que envidou
todos os esforços para promover o exercício ético da Medicina, em tudo aquilo que
estava ao seu alcance. Neste sentido, orientamos que tenha comprovação
documental dos esforços empreendidos, inclusive junto a instâncias superiores, no
sentido de solucionar não conformidades encontradas e de se resguardar quanto às
consequências envolvidas na esfera de suas responsabilidades.
Este é o Parecer, s.m.j.
Fortaleza, 18 de maio de 2020.
_________________________________________________
Dr. HELVÉCIO NEVES FEITOSA
Conselheiro Parecerista
*Parecer aprovado em Sessão Plenária virtual, ocorrida em 18/05/2020.