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1391 Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste, V. 9 - N. 1 - Jul./Ago. 2016 PARA CURAR CERTOS MALES: PROPOSIÇÕES DE PESQUISAS SOBRE TESES MÉDICAS BRASILEIRAS DO SÉCULO XIX 1 THE CURE CERTAIN EVILS: PROPOSITIONS OF RESEARCH ON BRAZILIAN MEDICAL THESES OF THE XIX CENTURY Rogéria Cristina Alves Doutoranda em História Social da Cultura pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em História Social da Cultura pela Universidade Federal de Minas Gerais. Especialista em Inspeção Escolar pelo Centro Universitário Internacional Uninter. Graduada em História pela Universidade Federal de Ouro Preto. Analista Educacional na Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais. Email: [email protected] Harley Francisco de Assis Enfermeiro. Graduado em Enfermagem pela Faculdade de Ciência Biológica e da Saúde (UNA). Especialista em Enfermagem do Trabalho pelo Centro Universitário Internacional Uninter. Enfermeiro de Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em Belo Horizonte - MG. Email: [email protected] RESUMO “Theses médicas do século XIX” é um fundo documental disponibilizado pelo Arquivo Público Mineiro, que abriga uma coleção de 251 teses médicas produzidas no Brasil oitocentista. Aborda-se diversas temáticas da área médica, as teses são fontes curiosas e importantes para estudos sobre a história da medicina e da saúde no Brasil. Objetiva-se neste artigo analisar tais fontes e apontar algumas possibilidades de pesquisa, a partir da utilização dessas fontes, em trabalhos da área das ciências da saúde e também das ciências sociais. Tais indicações foram elaboradas, primeiramente, através da consulta à listagem das teses médicas. As teses fazem referências a outro Brasil, a outro contexto histórico-político, que se desconhece ou que conhece de “ouvir falar”. Ou seja, não é possível analisar esse material somente sob uma ótica atual, antes, é preciso se voltar para o passado e buscar entendê-lo não como obsoleto e precário, mas como específico. PALAVRAS-CHAVE: História. Doenças. Assistência à saúde. ABSTRACT "Medical Theses nineteenth century" is a documentary fund made available by the Arquivo Público Mineiro, which houses a collection of 251 medical theses produced in the nineteenth century Brazil. Various themes of medical issues to consider, theses are curious and important sources for the study of the history of medicine and health in Brazil. Objective in this article is to analyze these sources and point out some research possibilities, from the use of such sources, work in the area of health sciences and also social sciences. Such statements were prepared, first, by consulting the list of medical theses. Theses are references to another Brazil, another historical and political context that is unknown or who knows of "hearing." That is, you can not analyze this material only under a current 1 Este artigo é fruto de uma pesquisa autônoma realizada por seus autores, que são estudiosos, respectivamente, das áreas das Ciências da Saúde e da História do Brasil.

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Revista Enfermagem Integrada – Ipatinga: Unileste, V. 9 - N. 1 - Jul./Ago. 2016

PARA CURAR CERTOS MALES: PROPOSIÇÕES DE PESQUISAS SOBRE TESES MÉDICAS BRASILEIRAS DO SÉCULO XIX1

THE CURE CERTAIN EVILS: PROPOSITIONS OF RESEARCH ON BRAZILIAN MEDICAL THESES OF THE XIX CENTURY

Rogéria Cristina Alves Doutoranda em História Social da Cultura pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em História Social da Cultura pela Universidade Federal de Minas Gerais. Especialista em Inspeção Escolar pelo Centro Universitário Internacional Uninter. Graduada em História pela Universidade Federal de Ouro Preto. Analista Educacional na Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais. Email: [email protected]

Harley Francisco de Assis Enfermeiro. Graduado em Enfermagem pela Faculdade de Ciência Biológica e da Saúde (UNA). Especialista em Enfermagem do Trabalho pelo Centro Universitário Internacional Uninter. Enfermeiro de Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em Belo Horizonte - MG. Email: [email protected]

RESUMO “Theses médicas do século XIX” é um fundo documental disponibilizado pelo Arquivo Público Mineiro, que abriga uma coleção de 251 teses médicas produzidas no Brasil oitocentista. Aborda-se diversas temáticas da área médica, as teses são fontes curiosas e importantes para estudos sobre a história da medicina e da saúde no Brasil. Objetiva-se neste artigo analisar tais fontes e apontar algumas possibilidades de pesquisa, a partir da utilização dessas fontes, em trabalhos da área das ciências da saúde e também das ciências sociais. Tais indicações foram elaboradas, primeiramente, através da consulta à listagem das teses médicas. As teses fazem referências a outro Brasil, a outro contexto histórico-político, que se desconhece ou que conhece de “ouvir falar”. Ou seja, não é possível analisar esse material somente sob uma ótica atual, antes, é preciso se voltar para o passado e buscar entendê-lo não como obsoleto e precário, mas como específico. PALAVRAS-CHAVE: História. Doenças. Assistência à saúde.

ABSTRACT "Medical Theses nineteenth century" is a documentary fund made available by the Arquivo Público Mineiro, which houses a collection of 251 medical theses produced in the nineteenth century Brazil. Various themes of medical issues to consider, theses are curious and important sources for the study of the history of medicine and health in Brazil. Objective in this article is to analyze these sources and point out some research possibilities, from the use of such sources, work in the area of health sciences and also social sciences. Such statements were prepared, first, by consulting the list of medical theses. Theses are references to another Brazil, another historical and political context that is unknown or who knows of "hearing." That is, you can not analyze this material only under a current

1 Este artigo é fruto de uma pesquisa autônoma realizada por seus autores, que são estudiosos,

respectivamente, das áreas das Ciências da Saúde e da História do Brasil.

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perspective before, you need to go back to the past and seek to understand it not as obsolete and precarious, but as specific. KEY WORDS: History. Diseases. Health care.

INTRODUÇÃO

O objetivo geral deste estudo é apontar algumas expectativas de pesquisas na área das ciências da saúde e de sua história. Para tal, apresenta-se o fundo documental, pertencente ao acervo de obras raras, existente no Arquivo Público Mineiro (doravante citado como APM), intitulado de “Theses médicas do século XIX”. Constituído por 251 teses médicas, elaboradas no Brasil oitocentista, esse acervo aborda diversas temáticas da área médica. O acesso a tais fontes está disponível no site do APM, onde é possível encontrar a versão digitalizada das teses. As mesmas estão listadas por categorias como assunto, data e autoria.

Desde a criação das faculdades de medicina no Brasil, até os anos 30 do século XX, as teses médicas eram obrigatoriamente elaboradas para titular os médicos (JACO-VILELA, 2004).

Até as primeiras décadas do século XIX, o reconhecimento dos profissionais médicos foi atribuição do Protomedicato ou do Cirurgião-mor, que concediam diplomas mediante exames prestados perante uma banca nomeada para esse fim. Com a lei de 03 de outubro de 1832, a regulamentação da profissão tornou-se monopólio das Faculdades de Medicina que, a partir daquela data, tornavam-se responsáveis pela certificação dos profissionais. O mesmo decreto determinava que a obtenção do título de doutor, ao final do sexto ano do curso, estava condicionada à defesa pública de uma tese pelos candidatos aprovados nos exames dos anos precedentes. A exposição, geralmente, dividia-se em temas relacionados às diversas cadeiras cursadas, constituindo-se de um ponto central (dissertação) e outros três acessórios (proposições), tendo por objetivo fixar ideias sobre temas específicos (ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO, 2016).

As teses das quais se trata foram produzidas por médicos mineiros para serem

defendidas na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, que foi criada pelo príncipe regente Dom João, em cinco de novembro de 1808, com o nome de Escola de Anatomia, Medicina e Cirurgia e foi instalada no Hospital Militar do Morro do Castelo. Juntamente com a Escola de Cirurgia da Bahia – criada no mesmo ano – foram as precursoras no ensino médico no Brasil.

Em 1° de abril de 1813, novo decreto reorganiza o ensino médico e a Escola passa a denominar-se Academia Médico Cirúrgica do Rio de Janeiro. Em 1832, profunda reforma marca a fundação das Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia, e a do Rio de Janeiro passa a ministrar, além do curso médico, os cursos de Farmácia e de Obstetrícia. No bojo desta reforma, é organizada a Biblioteca da Faculdade de Medicina. Aos poucos, ampliando suas atividades, passa a Faculdade a ocupar com seus cursos diversos prédios da cidade, com destaque para a Santa Casa de Misericórdia, onde, num anexo, tem

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sua sede até que, em 1918 é inaugurado o edifício – sede da Praia Vermelha (FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO, 1996).

FIGURA 1 - Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Praia Vermelha, 1918.

FONTE: MAIA, 1996.

Tratou-se de temáticas aparentemente simples e cotidianas como os hábitos de higiene que se devia ter com os recém-nascidos, entre outras mais complexas, como as causas da mortalidade entre as crianças no Rio de Janeiro oitocentista, as teses documentam detalhes das inovações e das descobertas médicas no século XIX. Assim, tais documentos constituem-se num rico manancial de pesquisas, uma vez que neles estão relatados estudos médicos que são partes fundamentais da história da medicina no país.

Para os estudiosos da área das ciências da medicina e da enfermagem, o acervo pode fornecer um histórico das problemáticas solucionadas, parcialmente solucionadas ou aquelas que ainda se apresentam como um desafio para os pesquisadores da atualidade. Na área das ciências sociais, as teses podem ser analisadas sob ângulos diversos, tais como a história das doenças, a história dos cuidados com a saúde, a história da assistência, entre outras temáticas. Dessa forma, ambas as áreas podem produzir significativas contribuições para a construção da história da medicina, da história dos cuidados com a saúde e a assistência aos pacientes. METODOLOGIA

Trata-se de um artigo de natureza histórica e de caráter descritivo, que poderá servir de base para estudos qualitativos e quantitativos. O primeiro acesso ao site do APM fez surgir a ideia da elaboração dessas indicações de pesquisa. Partiu-se do princípio de que é possível levantar fontes e dados de pesquisas através do levantamento prévio disponibilizado pelo referido site.

O caráter histórico das fontes consultadas, bem como as possibilidades de estudos a partir dessas foram elaboradas, primeiramente, através da consulta à listagem das teses médicas. Optou-se, por ser esse um trabalho descritivo, por

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consultar todas as fontes disponíveis – embora nesse artigo, por razões práticas, citam-se apenas algumas teses – são levantadas as possibilidades de estudos em torno desse material. Abaixo foi reproduzido a interface do sistema de pesquisa disponível no site do APM, que facilita o acesso à documentação. FIGURA 2 – Reprodução da interface do sistema de pesquisa no site do APM

PESQUISA AVANÇADA - THESES MÉDICAS - PESQUISA POR PALAVRAS-CHAVE

As palavras-chave com menos de 3 caracteres serão ignoradas

PALAVRAS-CHAVE

TIPO

Todos (E)

TIPO DA PUBLICAÇÃO

Escolha uma opção

CÓDIGO INTERNO

ASSUNTO

A Causa das Doenças

EDITORA

Escolha uma opção

DATA DA PUBLICAÇÃO

ORDENAR POR

Ordem cronológica

CRITÉRIO DE ORDENAÇÃO

Ascendente DescendenteExecutar pesquisa

FONTE: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/

Há a opção de ordenar a busca por termos como palavras-chave, assunto, tipo, data da publicação e editora. O pesquisador também pode optar por um critério de ordenação de sua busca que melhor se enquadra na procura. Utilizou-se o mecanismo de busca disponível no site do APM para as buscas preliminares, mas também se procurou explorar a referida documentação de formas diferenciadas. Um exemplo disso é a ordenação das teses a partir das décadas do século XIX, o que

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possibilita, por exemplo, a frequência com que determinados temas foram trabalhados. O gráfico a seguir retrata a relação periódica de publicação das Teses Médicas disponíveis no site do APM, entre as décadas do século XIX.

GRÁFICO 1 – Relação periódica de publicação das Teses Médicas entre décadas do século XIX

FONTE: Teses Médicas disponíveis no site do APM, 2012.

Ressalta que, a tese mais antiga do acervo data de 1836 e a mais recente do ano de 1898, não há registros de teses para as duas primeiras décadas do século XIX. No entanto, duas teses que estão disponíveis não estão datadas. Destaca-se que tais informações refletem a situação do acervo disponível. Ou seja, não é possível saber se existiram outras teses, produzidas no mesmo período e local.

As teses de medicina são consideradas os primeiros livros acadêmicos do Brasil e possuíam uma tiragem variável, que dependia do interesse e da capacidade financeira do autor (JACO-VILELA, et al., 2004). Pôde-se observar que a maior parte do acervo foi produzida entre as décadas de 70 e 80 do século XIX, período que o Brasil foi acometido por várias epidemias. Seria apenas coincidência ou parte dessas teses refletem a realidade da época?

Outro critério de busca interessante são os assuntos, que estão alistados no site num índice com mais de 150 tópicos tratados nas teses. Esses revelam uma abrangência curiosa, tendo títulos como os “Vômitos incoercíveis da prenhez” a outros mais complexos, que ainda são pesquisados, como as “Doenças neurológicas”.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A percepção, pelos estudiosos das ciências da saúde, bem como das ciências sócias, da interlocução entre tais ares gerou, no passado, uma limitação no diálogo entre tais áreas. Em sua unilateralidade, as ciências sociais estiveram preocupadas

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com os caminhos das sociedades, com as condições sociais de produção, com os atores sociais e o desempenho de seus papéis. Noutro lado, as ciências da saúde voltaram-se para estudos que ressaltaram as linearidades, cronologias, autores, descobertas e inovações, influências e contextos. A proposição de um diálogo enriquecedor que envolvesse as duas áreas, por muito tempo, pareceu ser inviável.

Não obstante, a pluralidade dos diversos campos das ciências trouxe à tona a relação de complementaridade que existe em vários aspectos. O que tornou evidente é a indivisibilidade entre o arquivo e a teoria, o empírico e o analítico. E como bem definiu Bastos e Barretos (2011, p.12):

Parece hoje impensável trabalhar em qualquer dessas vertentes excluindo a outra. Pelo contrário, podemos e devemos transitar entre ambas, combiná-las e conjugá-las, já que contextos e redes não anulam inventores e invenções ou, numa linguagem de síntese conceptual, os actores da inovação. Mais ainda, podemos explorar zonas intermédias e intersticiais que não teriam lugar em nenhum desses lados isoladamente.

E é nesse sentido que caminham as proposições formuladas nesse artigo. A

compreensão sobre a história da saúde e da medicina no Brasil não deve desconsiderar a dinâmica e as implicações sociais ocorridas no país, de acordo com a época que será investigada. Durante o século XIX, por exemplo, várias regiões brasileiras foram cenários de revoltas populares, como a Revolução Pernambucana (1817), a Sabinada (1834), a Balaiada (1838), entre outras. Como já mencionado, no Brasil em meados do século XIX, várias doenças tornaram-se epidemias e verdadeiros problemas de saúde pública (BENCHIMOL, s/d):

Embora haja evidências de febre amarela no Brasil já em 1694, foi somente a partir de meados do século XIX que esta se tornou a grande questão sanitária nacional. As epidemias de varíola aconteciam, em geral, no inverno. A cólera atingiu o país em 1855-56 e nos anos 1890, pouco tempo antes de o Brasil ser alcançado por outra pandemia, a da peste bubônica. A tuberculose, as disenterias, a malária e febres chamadas por dezenas de nomes crepitavam como flagelos crônicos na capital e nas províncias.

Entre as teses consultadas, há três exemplares que tratam da febre amarela,

produzidas nos anos de 1872, 1878 e 1885 respectivamente. As teses refletem a preocupação dos médicos frente a um problema de saúde pública nacional. Segundo relatos da época, a epidemia de febre amarela que se espalhou pelo Brasil em meados do século XIX estava relacionada à chegada de um navio negreiro, procedente de Nova Orleans, que fez escalas em Havana e Salvador antes de chegar ao Rio de Janeiro, em dezembro de 1849.

Noberto de Alvarenga Mafra foi o autor da tese “Febre Amarella”, escrita em 1872. Ele relata as dificuldades daquela época em encontrar uma definição precisa e completa da doença e enumera uma série de sintomas relatados por estudiosos daquele período e que caracterizavam a moléstia. Segundo ele, a doença era típica de climas quentes e podia “reinar” endêmica ou epidemicamente. O autor também

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alista as causas que seriam determinantes e predisponentes para o desenvolvimento da doença: FIGURA 3 - Trecho da tese “Febre Amarella”

FONTE: Site do APM – Tese “Febre Amarella”.

Gonçalves (2012) ressalta que a falta de conhecimento sobre a natureza da doença fez com que o seu controle se tornasse praticamente impossível:

Leigos e acadêmicos debatiam intensamente se a doença era contagiosa ou infecciosa. Essa discussão não se limitava aos espaços acadêmicos, mas invadia também as páginas dos jornais. Os médicos partidários da primeira tese defendiam as quarentenas, pois desta forma evitavam que os doentes entrassem em contato com indivíduos sãos. Outros, convencidos de que o mal era infeccioso, clamavam por medidas de higiene pública para sanear o ambiente imundo das ruas.

FIGURA 4 - Charge sobre a febre amarela no Rio de Janeiro, 1870.

FONTE: Revista de História da Biblioteca Nacional.

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FIGURA 5 - Charge sobre as epidemias que atingiam o Rio de Janeiro no século XIX FONTE: Revista de História da Biblioteca Nacional.

O acervo de teses médicas do APM possibilita uma viagem no tempo,

construindo uma visão de como era conduzido alguns tratamentos, frente a males que até os dias atuais assombram a sociedade. Dentre esses males cita-se o câncer de colo de útero, referenciado na tese “Das operações reclamadas pelas lesões cancerosas do utero”.

FIGURA 6 - Trecho da tese “Das operações reclamadas pelas lesões cancerosas do utero”

FONTE: Site do APM – Tese “Das operações reclamadas pelas lesões cancerosas do utero.”

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FIGURA 7 - Instrumento cirúrgico utilizado para a retirada de câncer do útero, 1828.

FONTE: Images from the history of medicine (IHM).

A luta contra o câncer uterino é muito antiga, muitos anos foram gastos em prol do tratamento atual. Hoje é sabido que há 100% de cura quando diagnosticado precocemente. Outro trecho que contribui para esse trabalho, retirado da mesma tese, está citado abaixo e nos revela outro mal que ainda assombra mulheres e até homens do mundo todo, “o câncer de mama”.

Os registros históricos nos revelam que as primeiras cirurgias realizadas de câncer de mama foram realizadas pelo cirurgião francês Jean Louis Petit (1673-1750) e pelo cirurgião escocês Benjamin Bell (1749–1806). O recorte abaixo é de setembro 1885, onde se pode notar que as esperanças do acometido pela doença, ainda eram raras.

FIGURA 8 - Trecho da tese “Das operações reclamadas pelas lesões cancerosas do utero”

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Hoje, no ano de 2012, após 127 anos da realização desse estudo, previne-se o câncer de mama com um método simples e útil, “o auto-exame de mama” (BORGHESAN, et al., 2003, p.105):

Não há estudos que comprovem a redução da mortalidade por meio do auto-exame de mama. No entanto, ele deve ser incentivado, proporcionando assim um aumento de cirurgia conservadora, detectando lesões menores e evitando a mutilação pela mastectomia.

Até os dias atuais é comum o uso de diversas plantas e garrafadas no uso da medicina popular, embasada em conceitos ditados pelo senso comum. FIGURA 9 - Trecho da tese “Das operações reclamadas pelas lesões cancerosas do útero”

FONTE: Site do APM – Tese “Das operações reclamadas pelas lesões cancerosas do útero.”

As substâncias naturais - plantas medicinais - proporcionaram a cura de muitas feridas e até a realização de cirurgias. No entanto, ainda hoje, há uma crença em encontrar uma única substância que proporcionará a cura da enfermidade.

A medicina usa conhecimentos acumulados de muitos anos e também de várias ciências, muitos contribuíram para os avanças obtidos e ainda continuam contribuindo através dos registros deixados. Os diversos tratamentos empregados contra o câncer de mama têm em sua trajetória, o uso de plantas medicinais e até terapias radiológicas no intuito de controle e extirpação desse mal. Embora, muitos esforços foram empreendidos, sabe-se, que o melhor tratamento é a prevenção.

Com o curioso título de “Vômitos incoercíveis na prenhez”, a tese escrita pelo Doutor Homero Benedicto Ottoni, no ano de 1892, contém interessantes relatos sobre as formas de tratamento para essa moléstia que acometia as gestantes. Logo na introdução o médico relata que: “a gestação é uma das fases mais interessantes e melindrosas na vida da mulher”, no entanto, sugere que é uma fase em que muitas “perturbações funcionais” se manifestam no organismo feminino, especialmente aquelas que afetam os órgãos digestivos.

No trecho a seguir, o médico alerta para os perigos dos vômitos na gravidez e para as consequências drásticas que tal mal podia assumir indo desde o aborto - espontâneo ou provocado – à morte da gestante.

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FIGURA 10 - Trecho da tese “Vômitos incoercíveis na prenhez”

FONTE: Site do APM - Tese “Vômitos incoercíveis na prenhez”

Para confirmar o diagnóstico de vômitos incoercíveis, segundo o autor da tese, era preciso seguir três passos primordiais: o primeiro era confirmar a gravidez da mulher; o segundo era examinar as causas predisponentes dos vômitos – que incluíam o exame do “temperamento da mulher”, os vômitos nas “prenhezes” anteriores, o estado do útero e do estômago e a verificação da existência de tumores ou hérnias. O terceiro passo e mais complexo, na opinião do autor, exigiria maior “sagacidade e experiência” por parte do médico que elaborasse o diagnóstico: os vômitos podiam ser regulares ou caprichosos.

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FIGURA 11 - General view of the child at the end of pregnancy - (Visão geral de uma criança no final da gravidez). De Jacques Maygrier, 1834.

FONTE: Images from the history of medicine (IHM)

Quanto aos tratamentos, o Doutor Homero cita vários autores que já haviam

estudado o problema. As receitas para curar os vômitos vão desde recomendações de “distrações e passeios ao ar livre” até outras, que para nós, chegam a ser bizarras, como o uso da eletricidade.

FIGURA 12 - Trecho da tese “Vômitos incoercíveis na prenhez”

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Na imagem abaixo, uma mulher que está no segundo mês de gestação, é atendida por um homem, possivelmente um médico, que administra-lhe um inalante.

FIGURA 13 - Le second mois (O segundo mês). De Louis Boily, 182?

FONTE: Images from the history of medicine (IHM)

O Doutor Homero ressalta que, o aborto é uma medida extrema para resolver o

problema dos “vômitos rebeldes” e só deve ser utilizado quando o estado da gestante é desesperador e a mesma pode correr o risco de morrer por inanição ou por fraqueza. E sobre tal fato, disserta:

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FIGURA 14 - Trecho da tese “Vômitos incoercíveis na prenhez”

FONTE: Site do APM - Tese “Vômitos incoercíveis na prenhez

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Reconhece-se que esboçou-se apenas alguns apontamentos para a utilização do fundo documental “Theses Médicas do Século XIX”. É indubitável que não foram

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esgotadas as possibilidades de investigações que esse material fornece. Investigar as ideias e os debates correntes entre os médicos daquela época; a organização do ensino médico; os tratamentos mais difundidos; as influências das escolas internacionais – esses são apenas alguns dos assuntos que podem ser trabalhados a partir das teses. No entanto, ressalta-se que qualquer pesquisador que venha a se valer de tal material para suas pesquisas – seja ele da área das ciências da saúde ou de qualquer outra área – precisará se despir de algumas visões preconceituosas e anacrônicas.

Ao olhar para esse material, primeiramente, deve-se se situar o tempo e o espaço nos quais foi produzido. É preciso lembrar que quase dois séculos nos separam dos médicos que elaboraram essas teses. As concepções, as ideias e soluções propostas pelos médicos que viveram no século XIX eram possíveis e palpáveis para aquela sociedade e para as pessoas que viveram naquela época. Uma época em que epidemias devastavam diversas regiões brasileiras, e que a origem de algumas doenças era desconhecida, na qual se curavam os vômitos de uma mulher grávida com eletricidade ou na pior das hipóteses, provocava-se o aborto.

Acredita-se que, a partir do contato com o site e os mecanismos de pesquisa que são oferecidos, o pesquisador poderá encontrar ou formular maneiras de buscar as informações que serão mais pertinentes aos questionamentos que lhe convém. Não é pretendido, tão pouco intencionado, esgotar as possibilidades de pesquisa que podem ser geradas a partir das fontes apresentadas.

As teses fazem referências a outro Brasil, a um diferente contexto histórico-político, que desconhecemos ou que conhecemos de “ouvir falar”. Ou seja, não é possível analisar esse material somente sob uma ótica atual, antes, é preciso se voltar para o passado e buscar entendê-lo não como obsoleto e precário, mas como específico.

REFERÊNCIAS

AGÊNCIA FIOCRUZ DE NOTÍCIAS. Uma breve história da febre amarela. Disponível em: <http://www.fiocruz.br/ccs/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid =1490&sid=9> Acesso em: 22 ago. 2012. ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Theses Médicas. Disponível em:<http://www. siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/teses/search.php?query=&andor=AND&tipo_publicacao=0&title=&assunto=0&editora=0&dt_public=&ordenar=10&asc_desc=20&submit=Executar+pesquisa&action=resul> Acesso em: 18 jul. 2012. BASTOS, C.; BARRETO, R. A Circulação do Conhecimento: Medicina, Redes e Impérios. Lisboa: ICS. Imprensa de Ciências Sociais, 2011. p. 12.

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