para além das revoluçoes açucareiras

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  • 7/30/2019 Para alm das revoluoes aucareiras

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    17Cadernos de Letras da UFF Dossi: Amrica Central e Caribe: mltiplos olhares no 45, p. 17-48

    PArA ALm DAS rEVoLuES AuCArEirAS:

    rEPENSANDo o CAriBE ESPANHoL NoSSCuLoS XVii E XV ii i1

    Juan Giusti-Cordero

    RESUMO

    As Antilhas espanholas guram pouco na historiograacaribenha dos sculos XVII e XVIII, cujas protagonistasso, em geral, as Antilhas de lngua inglesa, rancesa eholandesa. A escassa importncia dasplantationsescra-vistas nas Antilhas hispanas durante esses sculos pareceexclu-las da histria da regio. Entretanto, uma anlisemais integrada da histria do Caribe revela uma intera-o importante entre a produo de provises, gado e

    madeira das Antilhas hispanas e as vizinhas ilhas au-careiras, mediadas, sobretudo, pelo comrcio de con-trabando.

    PALAVRAS-CHAVE: Caribe, acar,plantations, con-trabando.

    However brave their ancestors may have been, [the inhabi-tants o the Spanish Islands] have degenerated into a dastardlyand mongrel herd o mulattoes, musters, and other spuriousmixtures, and are now certainly the very scum o mankind

    1 Uma verso preliminar deste trabalho oi publicada em ingls com o ttulo Beyond SugarRevolutions: Rethinking the Spanish Caribbean in the Seventeenth and Eighteenth Centu-ries. In: BACA, George, Aisha KHAN e Stephan PALMI (eds.). Empirical Futures: An-

    thropologists and Historians engage the work o Sidney W. Mintz. University o North CarolinaPress, 2009, p. 58-83. raduo para o portugus: Maria Isabel de Castro Lima. Revisotcnica: Viviana Gelado e Juan Giusti-Cordero.

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    18Giusti-Cordero, Juan.

    Para alm das reolues auareras: repensando o carbe espanhol nos sulos xvii e xviii

    NAHANIEL JOHNSON, governor o the English LeewardIslands (1689).2

    [Puerto Rico] is one o the nest islands I ever saw, and I verilybelieve not any one island in the West Indies is more capa-ble o improvement than this; but through the pride and slotho the inhabitants it is the ar greater part o it still a wilder-ness It might in the hands o the English or Dutch be ren-dered a paradise on earth, but the present inhabitants are meredevils Tis town [San Juan] is a nest o pirates in times o

    peace, and an asylum or runaway negroes rom our islands. JOHN GEORGE (1748)3

    Segn sensaron los lorosqe dejaron los piratas:Ochenta miles de patasPor las montaas; tesoro

    Aora el jengibre y los toros,

    La sal, el ron i la brega.

    2 Calendar o State Papers, Colonial, 1689-1692, p. 28-29,citado em MORALES-CARRIN,Arturo [1952]. Puerto Rico and the Non-Hispanic Caribbean: a Study in the Decline o Span-ish Exclusivism. Ro Piedras: University o Puerto Rico Press, 1971, p. 51. Por mais va-lentes que seus ancestrais tenham sido, [os habitantes das ilhas espanholas] degeneraram-seem um bando de mulatos, uma mistura desqualicada e outras mesclas esprias de covardessem raa denida, e hoje so, sem dvida, a escria da humanidade. raduo minha (N.da .).

    3 Journal o a Captive. Remarkable Occurences rom the Year 1745 to 1748. ManuscriptDivision, Library o Congress; citado em MORALES-CARRIN, op. cit., p. 81. [PortoRico] uma das ilhas mais belas que j vi, e realmente acredito que no h uma nica ilhanas ndias Ocidentais que seja capaz de melhorar como esta; mas, pelo orgulho e preguiade seus habitantes, a maior parte dela ainda est em estado selvagem... Poderia, nas mos dos

    ingleses ou dos holandeses, transormar-se em um paraso na terra, mas os habitantes atuaisso simplesmente demnios... Esta cidade [San Juan] um ninho de piratas em tempos depaz, e um asilo de negros ugidos de nossas ilhas. raduo minha. (N. da .)

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    19Cadernos de Letras da UFF Dossi: Amrica Central e Caribe: mltiplos olhares no 45, p. 17-48

    Dos siglos ueron la breaDe aqueya jente sensiyaQe abricaban sus biyas

    En cadberes de aldeas.JOSERRAMN MELENDES (1977)4

    A histria das ilhas hispnicas (Cuba, Espanhola/So Domingos e PortoRico) do sculo XVI ao sculo XVIII ainda um territrio quase inexplorado.5Durante esses dois sculos, os territrios ingleses, ranceses e dinamarquesesdo Caribe passaram por uma revoluo aucareira e tornaram-se sociedades

    deplantation escravagistas, gerando imensa ortuna, ao passo que as ilhas es-panholas pareciam estar estagnadas como colnias pobres no desenvolvidas,quase ora da histria.

    Sidney Mintz oi um dos raros caribenhistas a estudar o desenvolvimen-to das Antilhas Espanholas, ao mesmo tempo em que reetia sobre o papeldelas, como um todo, na histria social caribenha. Adotando uma perspec-tiva histrica excepcional por ter se undado em uma pesquisa etnogrcaem Porto Rico, Jamaica e Haiti, Mintz destacou os padres ecolgicos e

    histricos comuns das Antilhas Espanholas6 e os situou na histria social

    4 De Puertorrico, em MELENDES, Joserramn. Desimos dsimas. Ro Piedras: Qease, 1983,p. 92. Segundo mostram os louros/ deixados pelos piratas:/ so oitenta mil passadas/ pelasmontanhas, tesouro/ agora gengibre, touros,/ o sal, o rum e a rerega./ Duzentos anos de trevas/daquelas gentes ingnuas/ que construram vivendas/ em cadveres de aldeias. raduo minha(N. da .). Os versos esto escritos oneticamente de acordo com a pronncia porto-riquenha.

    5 A Ilha de So Domingos (Espanhola) oi colnia espanhola at 1697, quando a Espanha reco-nheceu os direitos da Frana sobre a aixa ocidental do territrio. Esta parte tornou-se a colniarancesa de Saint-Domingue e, depois da independncia, Haiti. A ilha permaneceu dividida emdois pases, exceto durante duas dcadas (1822-1844), quando o Haiti governou a ilha inteira.

    6 Ver MINZ, Sidney. Caamelar: the sub-culture o a rural sugar plantation proletariat.In: SEWARD, Julian et al. Te People o Puerto Rico. Urbana: University o Illinois Press,1956. p. 314-417; MINZ, Sidney. Foreword a Ramiro GUERRA y SNCHEZ. Sugarand Society in the Caribbean. New Haven: Yale University Press, 1964. p. v-xliv; MINZ,Sidney. Puerto Rico: an essay in the denition o a national culture. In: U.S.-Puerto RicoStatus Commission. Status o Puerto Rico. Selected Background Studies Prepared or the U.S.-Puerto Rico Status Commission on the Status o Puerto Rico. Washington, D.C.: U.S. Govern-

    ment Printing Ofce, 1966. p. 339-434; MINZ, Sidney. Te Caribbean as a socio-cul-tural area. In: HOROWIZ, Michael (ed.). Peoples and Cultures o the Caribbean. GardenCity: Natural History Press, 1971. p. 17-46.

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    geral da regio7. Mintz esquematizou magistralmente a relaoplantation--campons e, ao assumir uma perspectiva que evoca, sobretudo, temticasda historiograa do Caribe hispnico, corrigiu a distoro introduzida pelas

    abordagens da histria do Caribe centradas naplantation. Mintz tambmenatizou, em todo seu trabalho, o impacto de histrias e ecologias locaissobre o desenvolvimento social das populaes originariamente europeias earicanas. Assim, Mintz discerniu a adaptao criolla nas ilhas espanholas,bem como a situao dos camponeses assentados, historicamente desen-volvidos, em especial em Porto Rico8. Em relao aos sculos XVII e XVIII,ao dierenciar as Antilhas Espanholas, Mintz chegou a armar que estes eram

    territrios realmente isolados, que permaneceram estagnados at se unirema uma sorte de corrida de revezamento na expanso daplantation de cana--de-acar caribenha, isto , at se engajarem, de alguma orma, na revolu-o aucareira9. Enquanto nas ltimas duas dcadas a ateno de Mintz sevoltou para outros temas, um artigo posterior10 aos j citados parece situar aplantation como um propulsor undamental na histria caribenha11.

    O quadro complexo que emerge do texto de Mintz sobre as AntilhasEspanholas rico em argumentos conceituais, histria social concreta e cone-

    xes provocadoras entre teoria e histria. Apesar disso, a viso de Mintz sobreas Antilhas Espanholas permanece desconcertante. O autor arma com maisrequncia o que o Caribe espanhol n era nos sculos XVII e XVIII um

    7 Ver, em portugus, MINZ, Sidney. Aturando substncias duradouras, testando teoriasdesaadoras: a regio do Caribe como oikoumen. O poder amargo do acar: produtoresescravizados, consumidores proletarizados. Org. e trad. Christine Runo Dabat. Recie: Ed.da UFPE, 2003. p. 49-88

    8 Ver MINZ, Sidney, Foreword, op. cit.; MINZ, S., Puerto Rico: an essay..., op. cit.;MINZ, S. A Note on the Denition o Peasantries.Journal o Peasant Studies, 1 (1): 91-106, 1973; MINZ, Sidney. Caribbean ransormations. Chicago: Aldine Publishing Co.,1974; MINZ, Sidney, Slavery and the rise o peasantries. In: CRAON, Michael (ed.).Roots and Branches: Current Directions in Slave Studies. oronto: Pergamon Press, 1980. p.213-242.

    9 Ver MINZ, S., Caribbean ransormations, op. cit., p. 105; e antes WILLIAMS, Eric. Capi-talism and Slavery. Chapel Hill: Univ. o North Carolina Press, 1944, p. 7.

    10 MINZ, S., Enduring substances, trying theories: the Caribbean region as oikoumen.Journal o the Royal Anthropological Institute(N.S.) 2: 289-311, 1995. (Em portugus: Atu-

    rando substncias duradouras..., op. cit., p. 49-88.)11 Para uma perspectiva de teor mais etnogrco, ver MINZ, S. Tree Ancient Colonies. Ca-ribbean Temes and Variations. Cambridge: Harvard University Press, 2010.

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    conjunto de Ilhas de Acar do que o que ele era. De todo modo, este no o momento para azermos uma crtica totalizadora da perspectiva de Mintzsobre as Antilhas Espanholas e sua transio para uma produo de acar

    em larga escala; muito menos, de aventurar hipteses sobre as implicaesdecorrentes de pensarmos as noes de Caribe como a primeira regio ver-dadeiramente moderna e como a primognita do capitalismo ultramarinoeuropeu, com base na histria antilhana espanhola. No obstante isso, este en-saio buscar articular uma caracterizao abrangente e armativa das AntilhasEspanholas em relao com as histrias mais conhecidas das ilhas aucareirasinglesas, rancesas e holandesas dos sculos XVII e XVIII.

    Uma revoluo que se repete?

    A produo daplantation tornou-se importante nas Antilhas Espanholasapenas no nal do sculo XVIII, no caso de Cuba; a partir dos anos 1820,em Porto Rico; e no incio do sculo XX (bem depois da escravido), na Re-pblica Dominicana12. Nos sculos XVII e XVIII, a prosperidade baseada noacar dos territrios no hispnicos contrastava ortemente com a aparente

    estagnao das colnias espanholas.13

    12 Ver WILLIAMS, E. From Columbus to Castro: the History o the Caribbean, 1492-1969.Nova York: Vintage Books, 1970; CANABRAVA, Alice P. O acar nas Antilhas (1697-1755). So Paulo: Instituto de Pesquisas Econmicas, 1981; MINZ, Sidney e Sally PRICE(eds.). Caribbean Contours. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1985; CURIN,Philip. Te Rise and Fall o the Plantation Complex: Essays in Atlantic History. Nova York:Cambridge University Press, 1990; SINCHCOMBE, Arthur. Sugar Island Slavery in the

    Age o Enlightenment: Te Political Economy o the Caribbean World. Princeton: PrincetonUniversity Press, 1995.

    13 certo que vrios territrios ingleses, ranceses e holandeses no estavam engajados naproduo de acar; algumas das Antilhas Menores permaneceram inconquistadas e sob ocontrole dos caribes ou dos caribes negros at a dcada de 1790; as ecologias de certas ilhasinglesas e rancesas limitaram severamente a produo daplantation de acar; e mesmoas ilhas de acar se caracterizaram pela diversidade regional interna. Algumas mudan-as no poder colonial de vrias ilhas deram origem tambm a dierenas socioeconmicasimportantes. No entanto, a preponderncia da produo de acar, a existncia de umagrande maioria de populao escrava e a orte dependncia das exportaes de acar eram

    muito claras em ilhas como Barbados, St. Kitts, Antigua, Guadalupe, Martinica, Jamaica ena regio ocidental de Espanhola, que mais tarde oi Saint-Domingue. Ver BREREON,Bridget. Regional histories. In: HIGMAN, B. W. (ed.). General History o the Caribbean.

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    O relato de B. W. Higman sobre a revoluo aucareira que Menardconsidera possivelmente a concepo mais importante na historiograa sobreo Caribe14 sintetiza um amplo consenso sobre o que ocorreu no Caribe

    ingls e rancs nos sculos XVII e XVIII, e o que naconteceu nas ilhashispnicas: uma rpida mudana de uma agricultura diversicada para a mo-nocultura do acar; da produo em pequenas azendas para grandesplanta-tions; do trabalho livre para o trabalho escravo; de assentamentos pouco popu-losos para densos; de populaes brancas para negras; e de um baixo para umalto valor do produtoper capita15. Embora haja opinies divergentes sobre aimportncia do trabalho escravo, a posse de terras em larga escala e o acar

    per se, h um consenso em torno do acontecimento de uma revoluo auca-reira16, ou algo semelhante, na maioria das ilhas no hispnicas. Entretanto,nos territrios espanhis no acontecia nada anlogo. As ilhas espanholas noestavam se desenvolvendo em direo quilo que os especialistas denominamcomplexo deplantation17, nem para uma revoluo deplantation18.

    O que de ato estava acontecendo no Caribe espanhol nos sculos XVIIe XVIII no to claro; desde a perspectiva da revoluo aucareira, a histriadas ilhas hispnicas durante aqueles anos parece ser a de uma poca amora

    que no mereceria conceitos maiores nem debate histrico.19 Para aqueles quepostulam a existncia da revoluo aucareira, o assunto simples: a revoluoainda no tinha atingido as ilhas espanholas, mas, inexoravelmente, um diaela aconteceria. Historiadores das Antilhas Espanholas, com Ramiro Guerra

    Londres: UNESCO Publishing, 1997. Vol. 6, p. 308-342.14 MENARD, Russell. Sweet Negotiations: Sugar, Slavery, and Plantation Agriculture in Early

    Barbados. Charlottesville: University o Virginia Press, 2006, p. 123.15 HIGMAN, B. W. Te Sugar Revolution. Economic History Review, 53 (2): 213-236,

    2000, p. 213.16 BERLIN, Ira.Many Tousands Gone: Te First wo Centuries o Slavery in North America.

    Cambridge, Mass.: Belknap Press o Harvard University Press, 1998.17 Por exemplo, CURIN, Ph., Te rise and all..., op. cit.18 Por exemplo, BERLIN, I.,Many Tousands Gone..., op. cit.19 Sobre a importncia historiogrca do Caribe hispnico, ver SUED-BADILLO, Jalil.

    Te Teme o the Indigenous in the National Projects o the Hispanic Caribbean. In:

    SCHMID, Peter e Tomas C. PAERSON (eds.). Making Alternative Histories: TePractice o Archaeology and History in Non-Western Settings. Santa Fe: School o AmericanResearch Press, 1995, p. 25-46.

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    y Snchez20 cabea, esto entre os que mais acreditam em uma revoluoaucareira em srie, requentemente como parte de uma armao da caribe-nhidade das ilhas espanholas. Esta a abordagem adotada por autores como

    Manuel Moreno Fraginals, Frank Moya Pons, Antonio Bentez Rojo e peloprprio Mintz na maior parte de seu trabalho. A situao pr-revolucionriados territrios espanhis , por si mesma, de menor interesse. Os historia-dores porto-riquenhos Andrs Ramos Mattei, Francisco Scarano e AntonioGaztambide21 seguem, at certo ponto, essa tradio historiogrca do Caribehispnico. Para esses estudiosos, uma preocupao crtica maior tem sido ade situar as ilhas espanholas na histria mais ampla dos regimes daplantation

    escravagista do Caribe, quebrando com uma historiograa anterior que mini-mizava a importncia (e a crueldade) da escravido nesses territrios.Um exemplo recente na historiograa hispano-antilhana o livro Histo-

    ria del Caribe: azcar y plantaciones en el mundo atlntico, de Moya Pons. Essehistoriador, que pesquisou detalhadamente a histria da Repblica Dominica-na nos sculos XVII e XVIII, centra seu abrangente trabalho naplantation. Eleconsidera que a evoluo daplantation de acar a ora integradora domi-nante da histria econmica do Caribe. O livro pouco menciona as Antilhas

    Espanholas no sculo XVIII. Moya Pons explica seu ponto de vista no eplogo(intitulado Por qu la plantacin?):

    Este livro trata, principalmente, da evoluo da plantationaucareira como a ora integradora predominante na histriaeconmica do Caribe. Escolhemos este oco porque a unidadeuncional do Caribe se percebe melhor quando se considera o

    sistema de plantation como a estrutura econmica subjacenteque ez com que as economias coloniais se assemelhassem muitoentre si, apesar das dierenas ecolgicas e polticas entre as ilhas.

    20 GUERRA y SNCHEZ, Ramiro. Sugar and Society in the Caribbean. New Haven: YaleUniversity Press, 1964.

    21 RAMOS-MAEI, Andrs. Azcar y esclavitud. Ro Piedras: Universidad de Puerto Rico,1981; SCARANO, Francisco A. Sugar and Slavery in Puerto Rico: Te Plantation Economy of

    Ponce, 1800-1850. Madison, Wis., 1984; SCARANO, Francisco A. Puerto Rico: una historiacontempornea. Mxico: McGraw-Hill, 1999; GAZAMBIDE, Antonio. an lejos de Dios: en-sayos sobre las relaciones del Caribe con Estados Unidos. San Juan, P.R.: Ediciones Callejn, 2006.

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    nome Caribe ou ndias Ocidentais nos ttulos de seus livros, sem ao menosmencionar as partes hispnicas da regio. ratando, em geral, do Caribe brit-nico ou da Comunidade de Naes, eles ensinaram ao pblico anglono de

    todo o mundo a associar o Caribe, em primeiro lugar, a suas reas anglonas25.

    at os anos 1960. O inuente livro de M. G. Smith, A Framework or the Caribbean Stu-dies(Mona: University College o the West Indies, 1956), enatizou a enorme importnciaque, de acordo com ele, a escravido daplantation teve para as relaes sociais do Caribe eapresentou o estudo das ndias Ocidentais britnicas como se osse o estudo do Caribe.

    Ao excluir simplesmente da regio o Caribe hispnico, o modelo de sociedade plural deSmith torna-se mais plausvel (LEWIS, Gordon K. Te Growth o the Modern West Indies.

    Nova York: Monthly Review Press, 1968, p. 37-39). A ausncia do Caribe espanhol prova-velmente contribuiu para a esquematizao do modelo de sociedade plural. Igualmente,a bibliograa principal sobre a regio, aComplete Caribbeana(Millwood, NY: KO Press,1977), de Lambros Comitas, era bastante incompleta, pois exclua o Haiti e os territrioshispanonos. Levando tudo isto em considerao, Mintz constri sua noo de regio his-trica caribenha menos sobre a relaoplantation-campons como tal e mais sobre a prpria

    plantation, como a ora impulsionadora mais importante e geral. Mesmo em um estudoposterior, ao reetir sobre o Caribe como oikoumen, Mintz caracteriza a regio da seguintemaneira: o Caribe pertence, em sua histria como sujeito, s intenes undantes dos pode-res europeus: atitude daqueles que criaram as colnias deplantation no alm-mar e aos re-

    gimes coloniais e de trabalhos coercivos criados por esses regimes, que colocaram as colniascaribenhas no lugar que elas ocuparam e que aqueles regimes lutaram para manter e, quandonecessrio, readaptar, para alcanar seus objetivos (MINZ, Sidney. Aturando substnciasduradouras..., op. cit., p. 49-88). A histria ambiental do Caribe de David Watts (Te WestIndies: Patterns o Development, Culture and Environmental Change Since 1492. Cambridge:Cambridge University Press, 1987) oerece uma viso breve, porm abrangente, das relaesagrrias das Antilhas hispanonas no contexto caribenho, uma tarea que os historiadoresdas Antilhas hispnicas ainda no aceitaram totalmente. No entanto, Watts dedica quasedois teros de seu livro quilo que ele chama de colnias do noroeste europeu (i.e., noespanholas) e ao perodo compreendido entre 1625 e 1833. Como em Williams (From Co-lumbus to Castro..., op. cit.), a discusso sobre as Antilhas Espanholas enoca o sculo XVI,com reerncias dispersas aos desenvolvimentos ps 1830. Para seu mrito, Watts reconheceestas limitaes desde o princpio (WAS, D. Te West Indies..., op. cit., p. xix).

    25 HOEINK, Harry. Race and colour in the Caribbean. In: MINZ, Sidney e SallyPRICE (eds.). Caribbean Contours, op. cit., p. 56. Hoetink vai mais alm: Este preconceitoencontra-se tambm entre os acadmicos, pois muitos caribenhistas tm o problema de seocarem em uma nica lngua e alguns deles esto aptos a azer generalizaes sobre o Caribecomo um todo, baseados em uma pesquisa comparativa sobre, por exemplo, a Jamaica e St.Kitts, deixando o estudo das ilhas hispnicas para uma outra tribo, os latino-americanistas.

    Hoetink tambm observa a tendncia de acadmicos hispnicos e especialistas latino-ame-ricanos, estrangeiros ao Caribe, vincular as Antilhas Espanholas com a Amrica Latinacontinental, como simples apndices de um continente mais vasto e essencialmente mais

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    Junto com a nase no Caribe anglono, a historiograa caribenhaenocou a produo de acar e o desenvolvimento da indstria aucareira.Em Te Rise and Fall o the Plantation Complex, Curtin preocupa-se com a

    ecologia das ilhas do Caribe apenas em termos de sua adequao ao cultivoda cana-de-acar. Enquanto tal anglocentrismo plantation/acar inui nacompreenso do Caribe em geral26, ele o az de um modo especial sobre aorma como se entendem os territrios hispnicos.

    Neste sentido, a distino de Tomas Boswell entre as sub-regies do

    Caribe, como ncleo (as Grandes e Pequenas Antilhas), orla (as Guianas,

    Belize e as outras cadeias de ilhas, principalmente as Bahamas) e perieria

    (litoral do continente), interessante, pois mais inclusiva do que as deni-es estritamente arquipelgicas do Caribe. No entanto, entre outras ques-

    tes, precisamos interrogar as conexes entre as trs sub-regies caribenhas27

    e os padres histrico-geogrcos dentro do arquiplago ncleo do Caribe.

    O livro Te Caribbean in the Wider World, 1492-1992: a RegionalGeography,

    de Bonham Richardson, comea com uma viso geral geogrca interessante,

    mas logo se situa na histria tradicional do acar no Caribe28. Das Antilhas

    Espanholas durante a era aucareira, Richardson diz muito pouco; na perspec-

    tiva dele, aquelas ilhas estariam completamente inativas. Ele acrescenta: As

    ilhas hispnicas eram usadas, principalmente, como postos de suprimentos

    e abrigo para as rotas espanholas e para a criao de gado, para a produo

    de carne-seca e couro, tanto para a Espanha quanto para o continente. A in-

    dstria aucareira cubana, adormecida, segundo Richardson, durante o apo-

    geu daplantation nas Antilhas Menores, teria comeado a acordar por volta

    de 180029. Assim, como Watts havia observado anteriormente, Richardson

    ascinante (exceto quando uma revoluo, como a de Cuba, inspira tanto o melhor quanto opior delas). A diculdade geral de todos os pontos de vista , conclui Hoetink, a estreitezade oco e o insularismo (Id. ibid., p. 56-57).

    26 Ver SHEPHERD, Verene A. Slavery without Sugar: Diversity in Caribbean Economy andSociety Since the 17th century. Gainesville: University Press o Florida, 2002.

    27 Ver BOSWELL, Tomas D. Te Caribbean: a geographic preace. In: HILLMAN, Rich-ard S. e Tomas J. DAGOSINO (eds.). Understanding the Contemporary Caribbean.Boulder, Colo.: L. Rienner; Kingston, Jamaica: Ian Randle, 2003. p. 19-50.

    28

    Ver RICHARDSON, Bonham. Te Caribbean in the Wider World, 1492-1992: A RegionalGeography. Nova York: Cambridge University Press, 1992.29 Id., ibid., p. 36.

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    nota a tremenda demanda das ilhas aucareiras por madeira, e a devastao am-

    biental causada pelo rpido desmatamento por causa da produo de acar:

    a rudeza desta mudana oi sem precedentes30. Richardson no se estende sobre

    as implicaes do desmatamento das ilhas aucareiras nem sobre os eeitos nasAntilhas Espanholas, bem cobertas de forestas (e bem prximas); tambm omite

    considerar os animais de carga, provenientes do territrio espanhol, um insumo

    chave para a produo31. Expedies de madeireiros ocasionalmente visitavam

    pequenas ilhas sem plantationspara cortar madeira destinada combusto32.

    Como tentativas localizadas de lutar contra a deteriorao da ecologia, Richard-

    son considera apenas o bagao de cana e, principalmente, o aumento da importa-

    o de escravos. Ainda assim, a maior importao de escravos oi apenas um doselementos introduzidos pelasplantationse, na realidade, ela criou outros proble-

    mas: houve a necessidade de mais terra de cultivo ou de importao de comida.33

    A geograa histrica do Caribe construda, comumente, com base nasequncia histrica especca dos centros do poder colonial britnico na regio,prestando pouca ateno s ilhas rancesas (com exceo de So Domingos),menos ateno ainda s ilhas holandesas34, e quase nenhuma ateno ao litoral

    30 Id., ibid., p. 30-31.31 Ver FUNES, Reinaldo. De los bosques a los caaverales: una historia ambiental de Cuba, 1491-1926. Havana: Editorial de Ciencias Sociales, 2008.

    32 RICHARDSON, B., op. cit., p. 31.33 Ver FUNES, R., op. cit.34 Os territrios hispanonos do litoral continental (da costa da Venezuela a Iucat), por sua

    vez, so geralmente excludos do Caribe, mesmo por historiadores das Antilhas hispnicas.A inuente denio do Caribe proposta por Eric Williams (Te Negro in the Caribbean.Nova York: Haskell House, 1971) inclua todas as ilhas e, no continente, apenas as Guianase Belize, por causa de suas semelhanas na economia, na composio racial e na agendahistrica: indo alm daplantation para uma agricultura mais diversicada, a abordagem de

    Williams continua sendo importante nos estudos caribenhos. Neste sentido, por exemplo,o Amap, no norte da Amaznia brasileira, raramente considerado em relao ao Caribe,mesmo tendo sido parte da antiga Guiana Francesa at 1899 (e tendo adquirido o estatutode Estado brasileiro apenas em 1988).

    Os territrios continentais das Guianas no podem acilmente ser considerados parte doCaribe deplantation, pois esto localizados apenas sobre o Atlntico, e no sobre o Mardo Caribe (com exceo de Belize). Estes territrios apresentavam escravatura deplantationapenas em uma aixa costeira estreita de suas terras o que nunca oi o caso de Belize, a qual,

    durante sculos, oi uma economia de produtos da oresta, reminiscente das Antilhas Espa-nholas. Se se aplica a denio de arquiplago, mais Guianas e Belize denio comum nosestudos anglocntricos do Caribe-, a oresta amaznica ao sul das Guianas e a oresta pro-

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    caribenho da Amrica Central e da Amrica do Sul, o Caribe continental35.Isto digno de nota, j que as ilhas hispnicas constituem 80% das terras doarquiplago caribenho (ainda que, em seu apogeu, as ilhas aucareiras os-

    sem muito mais populosas), e que essa massa territorial hispanona (e nativa)se multiplica quando se inclui o litoral continental36. Entretanto, a lnguainglesa e o backgroundanglo-saxo, junto com as conexes entre a escravidobritnica e a economia atlntica, zeram com que os pesquisadores ingleses enorte-americanos assumissem um oco muito limitado ao Caribe anglono.

    unda de Iucat e de Belize tambm so, de alguma orma, caribenhas, enquanto o litoral

    caribenho da Colmbia no o seria. (Ver ORRES-SAILLAN, Silvio. An Intellectual His-tory o the Caribbean. Nova York: Palgrave Macmillan, 2006, p. 17-19). A denio de Caribede Sidney Mintz tenta evitar esses problemas, excluindo todos os territrios continentais e,como Williams, considerando como Caribe apenas o arquiplago (MINZ, S. Te Cari-bbean as a socio-cultural area, op. cit.). Entretanto, uma denio de Caribe baseada apenasnas ilhas uncionaria to bem para o Caribe quanto, digamos, para denir o Mediterrneo.

    35 A questo importante do Caribe continental precisa ser considerada, repensando-se o Ca-ribe espanhol e o Caribe em geral. A partir de sua perspectiva nacional especca, este repen-sar est mais avanado na Colmbia e no Mxico, onde o Caribe (e sua grande importnciana histria da Colmbia, por exemplo, como um todo) oi redescoberto. Do nosso ponto

    de vista, as regies dos pases continentais, localizadas no litoral do Mar Caribe, azem parte,certamente, do Caribe (ou Grande Caribe, como comumente se chama). Neste contexto,o Brasil apresenta um orte contraste com o Caribe por possuir uma massa continental semormaes insulares, o que no impede que se possa atribuir ao Brasil padres de interaoentre regies litorneas (em geral, connadas por montanhas), bem como entre o litoral e ointerior (o serto), que lembram as relaes existentes entre as ilhas do Caribe, bem comoentre o arquiplago e o continente. Ver a esse respeito GIUSI-CORDERO, Juan. TeSpanish Caribbean and Northeast Brazil in the seventeenth and eighteenth centuries: plan-tation zones and cattle hinterlands. 2012 (em preparao)

    36 Boa parte do anglocentrismo presente nos estudos caribenhos deriva da persistncia de umponto de partidaexterno. Este ainda um assunto complexo. Para os acadmicos das n-dias Ocidentais britnicas, a historiograa anglocntrica do Caribe oi til para o desen-volvimento de uma conscincia do Caribe ou das ndias Ocidentais. Se h um lugar ondepodemos observar uma semente germinando, emergente da conscincia caribenha, entreas elites de cor educadas das antigas ndias Ocidentais britnicas, treinadas nas melhoresuniversidades inglesas... e que so mais conscientes de seu passado colonial comum e da suaascendncia aricana (MOYA-PONS, Frank. Caribbean Consciousness: What the Carib-bean is not. Caribbean Educational Bulletin, 5 (3): 40-49, 1978.). Alm disso, a posioperirica do Caribe espanhol tem seus precedentes mais importantes nos escritores do norte

    da Europa, cujo oco estava posto nos territrios do continente ricos em minerais, e no naperieria colonial hispano-americana e seus moradores atrasados das provncias do norteda Nova Espanha, da Amrica Central, da Nova Granada e do Rio da Prata.

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    Estes estudos vieram principalmente dos Estados Unidos, no marco de umressurgimento da poltica aro-americana e da preocupao com o racismo.

    De lta plantation

    Embora o debate sobre o signicado do trabalho escravo no desenvolvi-mento do capitalismo continue37, aplantation escravista do Caribe vista ain-da como uma unidade irreutavelmente elementar da economia em expansono mundo dos sculos XVII e XVIII; ela , de certa orma, uma importantebase conceitual. Mais do que a minerao de ouro e prata nas Amricas (que

    provavelmente produziu muito mais riqueza), aplantation escravista a queparece marcar o nascimento de uma nova ordem baseada em novas relaessociais. A denio de Philip Curtin do complexo maduro daplantationdelineia o modelo estabelecido: 1) a maior parte do trabalho produtivo eratrabalho orado; 2) a populao no era autossustentvel; 3) a agriculturaenquanto empresa estava organizada emplantationsamplamente capitalistas;4) existia uma jurisdio legal dos plantadores sobre os trabalhadores; 5) osmercados para produtos altamente especializados eram distantes; 6) o controle

    poltico cava em outro continente e em outro tipo de sociedade38.John McCusker e Russel Menard levantaram questes importantes so-

    bre a estrutura real da produo de acar em seu locus classicus, Barbados. Aicnicaplantation integrada, eles advertem, pode no se ter desenvolvido tocedo, nem ter sido to comum em Barbados como se supe. Uma produ-o dispersa, incrustrada em relaes sociais e ecologias locais, oi igualmentemuito importante. O que McCusker e Menard chamam de sistema disperso

    de plantadores de cana , na realidade, semelhante ao sistema de colonos dasAntilhas Espanholas, aos cultivadores do Caribe rancs e aos lavradores decana do nordeste do Brasil39. No eplogo de seu livro sobre a revoluo au-

    37 Ver OMICH, Dale. Capitalism, Slavery, and World Economy: Historical Teory andTeoretical History. In: Trough the Prism o Slavery: Labor, Capital, and the World Economy.Nova York: Rowman and Littleeld, 2004. p. 3-74.

    38 CURIN, Philip. Te Rise and Fall..., op. cit., p. 13.39

    McCUSKER, John e Russell MENARD. A new perspective on the Barbadian Sugar Revo-lution. In: SCHWARZ, Stuart (ed.). ropical Babylons: Sugar and the Making o theAtlantic World, 1450-1680. Chapel Hill: University o North Carolina Press, 2004. Da mes-

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    30Giusti-Cordero, Juan.

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    careira, Sweet Negotiations: Sugar, Slavery and Plantation Agriculture in EarlyBarbados, Menard questiona o constructo da revoluo aucareira propostopor Higman40.

    O alerta de McCusker e Menard sobre o alcance histrico do modelo deplantation na histria social do Caribe precisa ser multiplicado muitas vezesao se abordar o Caribe espanhol. O desenvolvimento histrico das AntilhasEspanholas, nos sculos XVII e XVIII, oi dierente, embora ligado s ilhas deacar, pois ambas as reas interagiram de maneiras que requerem uma leituramuito mais complexa da histria social caribenha do que aquela dada por mo-delos categoriais, tais como a revoluo do acar ou a ilha que se repete.

    bem verdade que o Caribe muito importante para a compreensodo mundo moderno, resultado global da transao colonial, como escreveSilvio orres-Saillant; o problema est nos detalhes. Deve-se prestar muitaateno aos processos complexos e dinmica intricada que participaram his-toricamente na ormao das sociedades [caribenhas], os quais mostraramque o entendimento do prprio Caribe uma tarea desaadora41.

    D ur a cur e s mulas nas Antlhas Espanhlas

    As ilhas de So Domingos e Porto Rico passaram pelo ciclo de produode acar de plantation no meio do sculo XVI, depois de um orte cresci-mento da minerao, que usava o trabalho orado de aricanos e de nativosaruaques. Uma vez que as duas ilhas e Cuba eram os postos principais depassagem dos espanhis para o continente, as atividades de ornecimento tam-bm oram importantes at os anos 1540, quando as colnias do continente

    se tornaram mais autossucientes. Este ciclo do acar durou at o incio dosculo XVII42. As indstrias de acar em Porto Rico e So Domingos tiveram

    ma orma, o trabalho de Michel-Rolph rouillot sobre Dominica desestabiliza aplantationclssica, demonstrando as conexes padronizadas entre os lavradores de Dominica (engaja-dos basicamente na monocultura de banana) e a economia mundial, e no modo como estespadres eram parcialmente uma construo dos camponeses (1988).

    40 MENARD, Russell. Sweet Negotiations..., op. cit.41

    ORRES-SAILLAN, Silvio.An Intellectual History..., op. cit., p. 25-27.42 GELP, Elsa. Siglo en blanco: estudio de la economa azucarera en el Puerto Rico del siglo XVI(1540-1612). San Juan: Editorial de la Universidad de Puerto Rico, 2000.

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    um segundo impulso por volta dos anos 1590, embora a produo no nordes-te do Brasil crescesse rapidamente e inundasse os mercados europeus.

    Enquanto os primeiros ciclos do acar das Antilhas Espanholas tiveram

    algum impacto na concentrao de propriedades territoriais e na ormao declasse em Porto Rico e So Domingos (e, em menor proporo, em Cuba), ascolnias espanholas quase no oram consideradas como sociedades de plan-tation. A vida econmica das ilhas espanholas permaneceu ligada ao comrciovigoroso da Nova Espanha e do Peru, que se manteve at os anos 1630, embo-ra cada vez menos ativamente, tendo Havana como seu principal entrepostodesde a dcada de 156043. Os espanhis do Caribe no estavam nem desalo-

    jados nem derrotados nessa poca, durante a qual a produo, o transporte, ariqueza e a demanda por bens de consumo europeus e por escravos aricanospor parte dos espanhis atraram os corsrios e contrabandistas provenientesdo norte de um extremo ao outro do Atlntico44.

    Desde a metade do sculo XVI, a caa de gado para couro (pelego), seboe carne-seca, salgada e/ou deumada (toicinho, chacina, charque) tornou-sea principal atividade do Caribe espanhol. No incio do sculo XVII, porvolta de 40.000 peas de couro eram exportadas anualmente pelas Antilhas

    Espanholas45. Atravessadores ranceses queriam comercializar essas peas porruanes(linho de Rouen de dierentes qualidades), j que aquela cidade ran-cesa tinha uma indstria reconhecida de couro e de rouen, sendo o primeirodeles um produto muito reconhecido. Amsterdam tambm tinha uma im-portante indstria de couro. Depois de 1600, os holandeses e, em seguida, osingleses dominaram o comrcio contrabandista. Nas Antilhas Espanholas, ocontrabando chamava-se rescate(em portugus, resgate), uma justicativa

    til para comercializar com os atravessadores estrangeiros. Geralmente usadano singular, essa palavra quase impossvel de denir, porque o enmeno emsi era muito elusivo, cando na ronteira entre o crime e o negcio legal46.

    O sal, para a enorme indstria de arenques do Mar Bltico, a canastu-la (madeira medicinal) e o gengibre tambm ouscaram o acar como bem

    43 ANDREWS, Kenneth R. Te Spanish Caribbean: rade and Plunder, 1530-1630. New Ha-ven: Yale University Press, 1978, p. 54-55.

    44Id., ibid., p. 250.45 Id., ibid., p. 195.

    46 Id., ibid., p. 74.

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    de consumo no Caribe espanhol, bem como a madeira Campeche, extradadas Ilhas do Campeche e da Jamaica at o sculo XVIII. Os habitantes dasAntilhas Espanholas eram primordialmente mulatos e negros livres, com

    orte ancestralidade nativa47. Por volta do nal do sculo XVI, o rescateestava se tornando a principal orma de comrcio; e, perto da metade dosculo XVII, era praticamente a nica. A Espanha concentrou seus esorosna proteo de seus territrios e atividades mais valiosos, no nos mais vul-nerveis48.

    Eclga e da materal nas Antlhas Espanhlas

    A geograa sica do Caribe mais complexa do que, em princpio, possaparecer. Bastante dierentes da descrio geral da topograa de plancie quecomumente atribuem ao Caribe hispnico as perspectivas centradas naplan-tation, estas ilhas se caracterizam por possurem um terreno ngreme, aciden-tado e arborizado, embora no necessariamente montanhoso, chamado monte(o equivalente mata brasileira). Alm do mais, antes de serem drenadas, asplancies do Caribe oram, requentemente, reas pantanosas. O territrio das

    Antilhas Espanholas era menos adequado s plantationsde acar do que aoutro tipo de produo, isto , quela que de ato se tornou a maior populaodessas ilhas desde o sculo XVI: o gado selvagem, bodes, porcos e at cavalos,que se multiplicavam enormemente devido alta de grandes predadores. Osporcos se adaptaram especialmente bem, em particular os sunos de uma ceparesistente49, trazidos das Canrias e da Espanha, conhecidos no Brasil comoporcos selvagens.

    47 undamental azer uma reavaliao completa da herana nativa das Antilhas Espanholas,para que se possa repensar a histria social desses territrios nos sculos XVII e XVIII.

    A noo de uma tbula rasa em relao conquista talvez seja a razo pela qual se tem aimpresso de uma supercialidade histrica respeito dos camponeses/madeireiros que habi-taram posteriormente essas ilhas (SUED-BADILLO, J., op. cit.; HULME, Peter. Colonialencounters: Europe and the native Caribbean, 1492-1797. Londres; Nova York: Routledge,1992; e FORE, Maximilian C. (ed.). Indigenous Resurgence in the Contemporary Caribbean:

    Amerindian survival and revival. Nova York: Peter Lang, 2006).48

    ANDREWS, K., op. cit.,p. 254.49 SAUER, Carl. [1966]. Te Early Spanish Man. Berkeley: University o Caliornia Press,1981, p. 157.

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    33Cadernos de Letras da UFF Dossi: Amrica Central e Caribe: mltiplos olhares no 45, p. 17-48

    Em conjuno com a guerra e a pirataria, os europeus do noroeste esta-beleceram suas primeirasplantationsde acar nos anos 1630 e 1640, toman-do posse das ilhas que tinham sido reclamadas, embora no ocupadas, pela Es-

    panha. Desta maneira, nos territrios ilhus deplantation ingleses, ranceses,holandeses e dinamarqueses, oi tomando orma um conglomerado caribenhorelativamente coerente, graas ao desenvolvimento de colnias densamentepovoadas, principalmente por escravos aricanos, e interao com as reasmais selvagens e mais amplas das ilhas espanholas; reas estas que, de ato, oseuropeus do norte invadiram ou tentaram invadir. Os episdios-chave oramas devastacionesna Espanhola, na primeira dcada do sculo XVII, quando

    as autoridades hispnicas tentaram saquear as regies nordeste e oeste da ilhapara massacrar e retirar o gado, com o propsito de expulsar e realocar a po-pulao dessas regies; tudo isso com muito pouco sucesso.

    Em Cuba, houve muitos conrontos armados entre os criollose ociaisdo governo. Basta lembrar um deles, ocorrido em Bayamo, no Oriente (lesteda ilha), cuja cidade porturia, Manzanillo, era um paraso rescatista50. Em1603, o tenente governador tentou acabar com os rescatesna zona (dois anosantes das devastacionesem So Domingos), mediante a captura e translado

    de toda a populao de Bayamo para Havana, a centenas de quilmetrosa oeste. As autoridades civis e eclesisticas locais prenderam o enviado dogoverno e, quando Havana mandou reoros, a populao de Bayamo ugiupara o monte51.

    Nos sculos XVII e XVIII, na maior parte do territrio das AntilhasEspanholas e, especialmente, na complexa ecologia das plancies e terras

    50 Ver MOYA-PONS, Frank.Manual de Historia Dominicana. Santiago, Repblica Dominica-na: UCMM, 1980.

    51 Silvestre de Balboa, um ilhu das Canrias que viveu em Bayamo e Porto Prncipe (Ca-magey) (muito envolvido tambm na caa de animais, na criao de gado e no rescate),escreveu um poema importante intitulado Espejo de Paciencia(1608) (Havana: Editorialde Arte y Literatura, 1975). Espejo de Paciencia, o primeiro poema que se conhece daliteratura cubana, conta a histria do sequestro do bispo de Cuba, perpetrado em 1604por um pirata rancs, e o quase literal rescatedo bispo (com peles e dinheiro) por umcontingente de criollosde Bayamo. O ano de 1604 precisamente o ano seguinte ao da

    tentativa de esvaziamento da populao (ou, melhor dizendo, devastacin) de Bayamo. Nopoema, os bayameses so os heris, e o recente conronto com as autoridades coloniais o subtexto sugerido.

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    35Cadernos de Letras da UFF Dossi: Amrica Central e Caribe: mltiplos olhares no 45, p. 17-48

    A maior parte do territrio das Antilhas Espanholas no consistia deplan-tations, mas, ormalmente, de terras da Coroa (baldos, realengos)e enor-mes reas sem demarcao nem registro (hatos), cujos ttulos de posse eram

    quase sempre doados apenas no papel55, como acontecia com as sesmariasnas colnias portuguesas. Nas colnias espanholas, todas as terras perten-ciam nominalmente Coroa, embora ela no as controlasse nem ao me-nos ormalmente. Em geral, eram os governantes locais que controlavamtotalmente os usos dados terra. Foi somente no sculo XIX que o termoranchooi usado para signifcar uma propriedade produtora de gado, en-quanto rancheras, no uso comum, signifcava caa de escravos nativos.

    Assim, os colonos assentados podem ter ligado tal caa busca por gadoselvagem.Do ponto de vista histrico, os hatosso a orma social agrria caribenha

    mais importante, embora com dierenas em Cuba, So Domingos e PortoRico. Os hatostambm oram importantes na Venezuela56 e na plancie doMxico57. Hatosso, possivelmente, o antpoda dasplantations; ainda assim,raramente eles aparecem conceituados na historiograa do Caribe. Como ob-jeto histrico, o hato podia ser to selvagem quanto ecolgico. A paisagem

    do hato em So Domingos era similar quela das outras Antilhas Espanholas:Eles cobriam vastas reas de terra, tipicamente ligadas por marcadores na-turais como rios, vales ou um trecho arborizado. Dentro desses limites viviaqualquer nmero de amlias, cada qual podendo utilizar uma poro de terraao invs de qualquer parcela especca58.

    55 Em Porto Rico, por exemplo, no nal do sculo XVIII, havia 234 hatos, a maioria dos quaisno litoral ou nos arredores. Muitos deles tinham de 5 a 7.000 acres, com uma extenso totalde 500.000 acres. Alm disso, havia 1,5 milhes de acres sem ttulos, os baldos(terras daCoroa).

    56 OO, J. S. e N. E. ANDERSON. Cattle Ranching in the Venezuelan Llanos and theFlorida Flatwoods: A Problem in Comparative History. Comparative Studies in Society andHistory, 28 (4): 672-683, Oct. de 1986.

    57 AGUILAR-ROBLEDO, Miguel. Formation o the Miraores Hacienda: Lands, Indians,and Livestock in Eastern New Spain at the End o the Sixteenth Century.Journal o Latin

    American Geography, 2(1): 87-110, 2003.58

    FRANKS, Julie. Property Rights and the Commercialization o Land in the DominicanSugar Zone, 1880-1924. Latin American Perspectives, 26 (1): 106-128, 1999. A citaocorresponde p. 108.

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    36Giusti-Cordero, Juan.

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    O controle da Coroa sobre os hatosera limitado, ou quase inexistente.59 NasAntilhas Espanholas, os direitos de uso limitado (por exemplo, o direito demonteraou direitos de caa) eram dados pelas autoridades da cidade. Oshaterostinham pouco controle sobre os lavradores mais ou menos indepen-dentes que caavam, pescavam, cortavam madeira, ou mesmo cultivavam naterra deles, embora tenha havido mudanas no decorrer do sculo XVIII.O registro de posse (isto , de no propriedade) legal dos hatosera, geral-mente, de uso comum e cedido por herana entre dezenas de amlias. Essesdireitos eram obtidos na orma de aes ou pesos. Assim, os hatoseramrequentemente chamados de hatos comuneros(ou tierras comuneras; hacien-

    das comuneras, em Porto Rico; e terrenos comuneros, em So Domingos), ealguns dos posseiros (assim denominados tanto em Porto Rico como noBrasil) podiam ser parentes prximos ou distantes60. Certamente, a caracte-rizao desses camponeses como posseiros ou agregados alude a eles apenascomo ugitivos ou intersticiais. Assim, a categoria mais abrangente dereconstitudos pode ser mais apropriada para se reerir primeira ou segunda gerao de camponeses que, inicialmente, no Caribe, tivesse estadosujeita a outras ormas de trabalho (livre, por contrato ou escravo)61. Alm

    do mais, a rea ocupada por baldos ou terras no doadas pela Coroa eramuito maior do que as reas dos hatos.

    Com o passar do tempo, os padres de explorao de gado no Caribeespanhol evoluram da matana de gado selvagem,com o objetivo de seproduzir carne deumada, para a troca por mercadorias com os navios depassagem e para se obter provises; para encerrar o gado para engorda eabate para obteno de carne; e para a criao de gado para sua posterior

    venda como animais de carga. As mulas das ilhas e do continente espa-nhol eram itens comerciais cada vez mais importantes nos sculos XVII e

    59 No sculo XVIII, as terras eram oerecidas cada vez mais como estancias(propriedades depequeno porte, de 10 a 20 acres) para cultivo e criao de gado. odas as terras eram cedidassob certas condies (as estancias, especialmente para a agricultura), e no como simplespropriedades privadas livres. Quando a Coroa comeou a conceder terras sem essas obriga-es, no sculo XVIII, tirou a autoridade das municipalidades e a concentrou no governocolonial.

    60

    MOSCOSO, Francisco. La economa del hato y los campesinos agregados en Puerto Rico,1750-1815. Historia y Sociedad, 11: 9-28, 1999.61 MINZ, Sidney. A Note on the Denition o Peasantries, op. cit.

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    37Cadernos de Letras da UFF Dossi: Amrica Central e Caribe: mltiplos olhares no 45, p. 17-48

    XVIII.62 As mulas criadas em Porto Rico eram normalmente vendidas nasAntilhas Menores, em direo ao sul, at a ilha de Guadalupe, e em direo aoocidente, para Saint-Domingue (talvez cruzando o Vale do Cibao, em trens

    de mulas ou recuas). Para a regio mais ao sul do arquiplago, era mais prticoimportar as mulas das Guianas venezuelanas63. As regies orientais da Espa-nhola e de Cuba tinham seus prprios circuitos de mulas: a primeira, comSaint-Domingue, do lado ocidental da ilha, e a segunda com a Jamaica.64O negcio era realizado diretamente pelos caadores e criadores de gado, ouatravs de intermedirios, chamados tangomangosem So Domingos, os quaiseram, requentemente, negros ou mulatos livres. Esses tangomangosviviam na

    mata, ora do alcance das autoridades locais65

    .As estatsticas sobre os escravos devem ser tratadas com cautela, especial-mente no Caribe espanhol, onde a maior parte do comrcio de escravos erade contrabando, e onde os senhores tambm escondiam o nmero verdadeirode suas dotaes para reduzir o imposto a ser pago. Mesmo assim, apesar depermitir uma grande margem de erro, nos sculos XVII e XVIII, havia clara-

    62 As mulas so produto da cruza de guas com asnos; rebentos do casal oposto (burdgano) so

    raros. As mulas eram criadas em toda parte. Como so, normalmente, estreis, sua procria-o depende de uma quantidade regular dos dois animais genitores. As mulas so valorizadascomo animais de trabalho e para transporte, pois combinam a ora do cavalo, o passo se-guro e o vigor do asno; em termos de inteligncia cognitiva, as mulas podem sobrepujar osgenitores, como resultado de uma criao hbrida ou heterose (ver GARAVAGLIA, JuanCarlos. Agrarian echnology and Changing Ecosystems. In: SCHELL HOBERMAN,Louisa e Susan Migden SOCOLOW (eds.). Te Countryside in Colonial Latin America.

    Albuquerque: University o New Mexico Press, 1996. p. 75-96). Em relao s particulari-dades que revestia a cria de mulas na ronteira brasileira, iago Gil arma que um mapa deRio Grande de So Pedro, em 1804, apontava a existncia de mais de cinco mil burros, que,unidos s mais de cem mil guas de cria, produziam mais de vinte mil mulas anuais (GIL,iago. Infis transgressores: elites e contrabandistas nas ronteiras do Rio Grande e do Rio Pardo(1760-1810). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2007, p. 53).

    63 AIZPURA, Ramn. Las mulas venezolanas y el Caribe oriental del siglo XVIII: datospara una historia olvidada. Boletn Americanista, 30(38): 5-15, 1988.

    64 No Brasil, a criao de mulas e os trens de mulas oram importantes, no sculo XIX, parao transporte do ouro de Minas Gerais para a costa e, mais tarde, para o transporte do ca.Sobre a criao de mulas e os trens de mulas no Brasil, ver KLEIN, Herbert. Te supplyo mules to central Brazil: the Sorocaiba Market, 1825-1880.Agricultural History, 64 (4):

    1-25, 1990.65 DEIVE, Carlos Esteban. angomangos: contrabando y piratera en Santo Domingo, 1522-1606. So Domingos: Fundacin Cultural Dominicana, 1996.

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    38Giusti-Cordero, Juan.

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    mente uma quantidade muito menor de escravos nas Antilhas Espanholas doque nas ilhas de acar, tanto em nmeros absolutos, quanto em proporesrelativas. No nal do sculo XVIII, uma poca na qual mais de 90% da po-

    pulao das ilhas de acar era escrava, e a populao escrava de Cuba estavaevidentemente aumentando, essa populao atingiu, em Cuba, o mximo de30%, uma quantidade nunca superada, mesmo nos anos de maior importa-o de escravos no sculo XIX, quando as estatsticas da populao cubanase tornaram mais conveis (em 1841, a populao escrava era de 436.500,enquanto a populao geral atingia 1.007.600)66.

    No sculo XVIII, a populao escrava de Porto Rico estava abaixo dos

    5% e nunca ultrapassou os 11%, mesmo quando a escravido se expandiu nosculo seguinte67. No sculo XVIII, a populao de 125.000 de So Domin-gos pode ter includo mais escravos ugitivos de Saint Domingue do que escra-vos daplantation. Estes ltimos eram 15.000, ou seja, 12,5% da populao68.Alm do mais, em Cuba, assim como em Porto Rico69 e So Domingos, ademograa dos escravos tem que ser examinada no contexto de regies espec-cas de cada ilha. Regies mais importantes de Cuba, como o Oriente, tinhamuma proporo de escravos similar ou menor de Porto Rico.

    Animais, e no escravatura deplantation, eram o eixo da vida materialdas ilhas espanholas nos sculos XVII e XVIII. Eram centenas de milhares decabeas de gado selvagem (cimarrn, montaraz), porcos e bodes alimentadospela vegetao natural abundante e pelos pomares das ilhas espanholas onde,como observa Carl Sauer, ormou-se o padro do gado de rancho do NovoMundo70. Durante sculos, os criollosdos territrios espanhis estavam toenvolvidos com a caa de animais como as pessoas das ilhas de acar com

    a agricultura: essa era talvez sua dierena undamental. Sem nenhuma ad-

    66 BERGAD, Laird W.; Fe IGLESIAS GARCA; Mara del Carmen BARCIA. Te Cuban slavemarket, 1790-1880. Nova York: Cambridge University Press, 1995, p. 30.

    67 DAZ-SOLER, Luis. Historia de la esclavitud negra en Puerto Rico. Ro Piedras: EditorialUniversitaria, 1970, p. 120-121; e CURIN, Philip. Te Atlantic Slave rade: a Census.Madison: University o Wisconsin Press, 1969, p. 34.

    68 CURIN, Ph. Te Atlantic Slave rade..., op. cit., p. 35; e MOREAU de St. MRY, M.L. E. Descripcin de la parte espaola de Santo Domingo. Ciudad rujillo, R.D.: Editora

    Montalvo, 1944.69 Ver SCARANO, Francisco A. Sugar and Slavery in Puerto Rico..., op. cit.70 SAUER, Carl. Te Early Spanish Man, op. cit., p. 156.

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    39Cadernos de Letras da UFF Dossi: Amrica Central e Caribe: mltiplos olhares no 45, p. 17-48

    mirao por eles, o governador das ilhas Leeward chamou os criollosporto--riquenhos de matadores de vacas.71 O gado, no Caribe espanhol, existia emrelaes ecolgicas e sociais diversas, desde a caa de animais para tirar a pele e

    o sebo, no sculo XVI, at a engorda para abate e a criao de animais de carga(mulas, em particular) no sculo XVIII.

    Nas Antilhas Espanholas dos sculos XVII e XVIII, enquanto a produ-o de subsistncia dos camponeses (com toda sua complexidade ecolgica)era, provavelmente, a atividade econmica predominante, a caa de gado e acriao de animais de abate e carga eram muito mais importantes comercial-mente do que asplantationsescravistas.

    Reges deplantation e reges de prses

    As plantationsescravistas oram, sem dvida, unidades de produo e,como tais, estavam tambm imersas em circuitos de reproduo. Estes inclu-am os espaos e as prticas que geravam os insumos materiais daplantationescravista. Um insumo, claro, tomou toda a ateno: o trabalho, isto , osescravos. Mas asplantationstinham outros insumos, e estes eram estratgicos

    tambm alm de ser requentemente to problemticos quanto a ora detrabalho escravo: o gado, a comida, a madeira para construo, os animaisde carga, a madeira para combusto. No apenas itens de consumo (apesarde importantes para a reproduo), mas insumos que oram para o coraodo processo de produo de acar. David Watts observa, por exemplo, queuma caracterstica ainda no sucientemente estudada do estgio inicial dasterras canavieiras das Antilhas Menores oi o grande ornecimento de animais

    necessrios para a moenda da cana72

    .As bem conhecidas tendncias histricas que impuseram limites e par-cialmente expulsaram os pequenos donos de terra livres (yeomen) do Caribeoriental e transormaram as orestas emplantations73, tambm criaram uma

    71 Calendar o State Papers, Colonial, 1681-1685, p. 483-484, cit. emMORALES-CARRIN,A., op. cit., p. 40.

    72 WAS, David. Te West Indies: Patterns o Development, Culture and Environmental Change

    Since 1492. Cambridge: Cambridge University Press, 1987, p. 197.73 DUNN, Richard. Sugar and Slaves: Te Rise o the Planter Class in the English West Indies,1624-1713. Nova York: Norton, 1972; e WAS, D., op. cit.

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    40Giusti-Cordero, Juan.

    Para alm das reolues auareras: repensando o carbe espanhol nos sulos xvii e xviii

    orte demanda por produtos do Caribe espanhol. A histria ambiental, porsua vez, no pode ser escrita ilha por ilha, mas sim por meio de um estudo dasilhas em interao umas com as outras.

    Uma diviso do trabalho caribenha desenvolvida historicamente ligouas zonas de plantation s zonas de abastecimento e, de uma maneira maisabrangente, pode-se dizer que isso se deu pela relao entre o campons e aplantation, bem como pela relao entre a plancie e as terras altas74. A divisodo trabalho essencial para se entender como o Caribe espanhol oi, e nooi, parte da economia daplantation. Pressionado pela crescente demanda dasorescentes ilhas de acar, o Caribe espanhol desenvolveu uma economia

    principalmente de importao ilegal, que erasua orma de comrcio ultra-marino75. Entretanto, apesar da importncia que teve no processo histricodo Caribe a economia de contrabando, os historiadores caribenhos raramentemencionaram esse ato de uma orma mais abrangente (em parte, devido aontes documentais limitadas). O contrabando era a principal conexo entreo Caribe espanhol e as ilhas aucareiras, e oi em parte atravs das transor-maes que esse contrabando estimulou que os territrios espanhis se oramtornando, enm, ilhas de produo de acar. Pois os suprimentos oram

    sendo trocados cada vez mais por escravos.De um lado ao outro da bacia, uma srie de circuitos intracaribenhos

    que envolviam produtos comuns (animais de carga, suprimentos, madeirapara construo e combusto) uniram territrios espanhis especcos, eregies especcas dentro daqueles territrios, a certas colnias aucareiras:Cuba central e oriental com o norte da Jamaica; o leste de Porto Rico comas Ilhas Virgens; e o sul de Leeward com, pelo menos, Guadalupe; Porto

    Rico ocidental com Curaao; e a Espanhola oriental (So Domingos) com

    74 GIUSI-CORDERO, Juan. Puerto Rico and the Non-Hispanic Caribbean: Un reto alexclusivismo de la historiograa puertorriquea. In: HERNNDEZ-CRUZ, Juan e MaraDolores LUQUE de SNCHEZ (eds.). Obra historiogrfca de Arturo Morales Carrin. SanGermn: CISCLA, 1993.

    75 FELICIANO-RAMOS, Hctor. El contrabando ingls en el Caribe y el Golo de Mxico(1748-1778). Sevilha: Excma. Diputacin Provincial de Sevilla, 1990; FELICIANO-RA-MOS, Hctor. El comercio de contrabando en la costa sur de Puerto Rico (1750-1778).

    Revista/Review Interamericana, 14 (1-4): 80-99, 1984; e ARAZ, Celestino. El contrabandoholands en el Caribe durante la primera mitad del siglo XVIII. Caracas: Academia Nacionalde la Historia, 1984.

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    a parte ocidental (Saint-Domingue). Na segunda metade do sculo XVIII,Saint-Domingue tornou-se um importante consumidor da produo trazidailegalmente de Porto Rico, assim como do Oriente cubano e, principalmen-

    te, da metade espanhola oriental de So Domingos (o Vale do Cibao, quese encontra com a Plaine du Nord). Fray Iigo Abbad registrou, em diver-sas ocasies, o contrabando entre Porto Rico e Guarico, isto , a Plaine duNord: o corao daplantation escravista caribenha no apogeu de seu perodorevolucionrio. No entanto, pouca ateno tem sido dada a este comrciosingularmente importante76.

    No Caribe, estes circuitos comerciais atravessaram vrias regies terres-

    tres e martimas, incluindo submares do Caribe, alm de espaos que po-deriam ser caracterizados como regies anbias e que compreenderiam aregio subaqutica e seus litorais:

    A Passagem Windward: Bayamo/Manzanillo, Yaguana

    (Logane), Santiago, Jamaica e Ballaj.

    Estreitos da Flrida/Bahamas, ilhas de coral do norte de

    Cuba e recies de coral da Flrida talvez a mais anbia

    de todas as sub-regies caribenhas (e a mais estratgica nos

    sculos XVII e XVIII, pois era o gargalo mais importante

    para os carregamentos que vinham da Espanha e de outros

    pontos da Europa).

    A conexo anbia da Jamaica, atravs de corais, ilhotas,

    bancos e uma densa interao comercial com a Amrica

    Central caribenha; inicialmente Campeche, a oeste da Pe-

    nnsula de Iucat, e logo Belize, no seu litoral oriental; almdo litoral de corais e manguezais da Costa do Mosquito (ou

    Misquito).

    O Estreito de Vieques e, mais amplamente, o nordeste do

    Caribe e as Ilhas Leeward dinamarquesa/hamburguesa/

    britnica/rancesa.

    76 ABBAD, Fray Iigo. Historia geogrfca civil y natural de la isla de San Juan Bautista de PuertoRico. Ro Piedras: Editorial Universitaria, 1979, p. 135 e 140.

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    Para alm das reolues auareras: repensando o carbe espanhol nos sulos xvii e xviii

    As Ilhas Windward rinidad Leeward holandesa Anti-lhas prximas da costa venezuelana e ligadas ao continentesul-americano.77

    Estes so espaos caribenhos importantes, que no podem ser compre-endidos sem um estudo detalhado da ecologia e da vida material concreta ecomplexa; da mesma maneira em que undamental a reerncia ao Atlnticomaior e aos circuitos mundiais dos quais eles eram/so parte.78

    77 Ver AIZPURA, Ramn. Curazao y la costa de Caracas..., op. cit.. O estudo de Vidal-

    -Ortega (Cartagena de Indias y la regin histrica del Caribe, 1580-1640. Sevilha: CSIC,2002) sobre as relaes padronizadas, anbias, entre uma cidade porturia, o contextocaribenho e a regio continental de Cartagena, com o contrabando como ora propulsoramais importante, merece uma ateno especial. O Caribe se ormou, muito pouco depoisde 1492, como um dos espaos mais dinmicos do continente americano. Se Carlos Sem-pat Assadourian e Fernand Braudel denem espaos mercantis como lugares de encontrodas eseras de circulao e troca, esta regio, no perodo estudado, tornou-se, em poucotempo, um espao econmico pereitamente denido. Nele, diversos circuitos convergirame se naturalizaram (p. 20). De ato, ao reerir-se a Cartagena, Vidal-Ortega esquematizauma sub-regio importante do Caribe (talvez a mais importante da poca), com a proxi-

    midade de perspectiva que precisa ser aplicada a outras regies do Caribe: A posio deCartagena no espao regional caribenho e sua situao como principal mercado da regiopermitiu que se adaptasse com maior acilidade s utuaes do mercado, medida que ocomrcio de escravos, junto com a prata peruana, oram se tornando, entre 1610 e 1640,as principais ontes de riqueza em seu extenso e diversicado imprio (p. 279). O estudose encerra em 1640, exatamente quando asplantationsesto entrando em cena nas colniasinglesas e rancesas do Caribe oriental.

    78 Os papis e lugares histricos do Caribe no Atlntico tambm precisam ser estudados urgen-temente, dado que o interesse atual nos estudos do Atlntico, assim como os estudos culturaisanteriores, pode, mais uma vez, obstruir, ao invs de aproundar, uma reinterpretao histri-ca do Caribe (BAILYN, Bernard.Atlantic History:Concept and Contours. Cambridge, Mass.:Harvard University Press, 2005). A historiograa caribenha tem eito parte e uncionado comouma atia da histria do Atlntico: as descobertas e exploraes, o sistema de rotas espanhol,o trco de escravos entre o Caribe e a rica ocidental, o complexo daplantation e as revolu-es do sculo XVIII so temas tanto do Caribe quanto do Atlntico (Id., ibid.). Entretanto,os estudos acadmicos atuais sobre o Atlntico ainda no consideraram mais especicamenteas maneiras pelas quais o Caribe az parte dessa regio ocenica; de ato, a tendncia tem sido ade enocar o Atlntico Norte. Precisamos olhar para o Caribe como um dos mares que so or-mados por, e ormam, o Oceano Atlntico, e que tm sua prpria complexidade interna...,

    incluindo os submares que ormam regies anbias e os circuitos scio-histricos. A maiorparte das ilhas caribenhas (com exceo da Jamaica e algumas ilhas menores) so, certamente,ilhas to atlnticas quanto caribenhas, uma vez que seus litorais ao norte e/ou a leste esto,

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    No geral, talvez a expresso mais relevante da diviso do trabalho plan-tation/ornecimento no Caribe seja a Espanhola, uma ilha cuja posio globalna histria do Caribe raramente discutida. A Espanhola crucial para a

    compreenso do incio e do m do perodo aqui analisado: da sociedade nati-va sociedade escravista. Moya Pons, que enatizou ortemente a importnciadaplantation para a histria caribenha, incluindo a Repblica Dominicana,reconheceu a magnitude do comrcio interno da Espanhola, embora no alede sua relevncia mais ampla no Caribe.

    Moya Pons observa que, no sculo XVIII, os suprimentos internosde gado em Saint-Domingue no eram sufcientes, e a colnia tinha que

    importar gado espanhol do lado oriental da ilha. Em 1702, por exemplo,o comrcio terrestre de peles, gado e cavalos era de 50.000 escudos. Estecomrcio de gado entre ranceses e espanhis na ilha de So Domingosmarcou as relaes entre as duas colnias durante todo o sculo XVIII efoiuma das bases da revoluo aucareira de Saint-Domingue no sculo XVIII79.

    A capital, Santo Domingo, tinha escassez contnua de animais e carne por-que o gado era largamente contrabandeado para a parte oeste da ilha, Saint--Domingue80: O problema se assentava no comrcio mantido pelas vilas

    do interior com a colnia rancesa... Mandar gado para [a cidade de] SantoDomingo no era bom negcio para os criadores do interior81. Alm domais, as vilas no estavam dispostas a abandonar o comrcio, nem as au-toridades coloniais estavam inclinadas a consentir nisso, com o risco deperderem seu protagonismo econmico (que, provavelmente, j tinhamperdido). Por volta de 1700, os habitantes do interior de So Domingos(Santiago, La Vega, Aza, Hincha) estabeleceram uma comunicao ativa

    com a colnia rancesa, ornecendo animais, mulas para os engenhos e ou-tros itens, em troca de bebidas alcolicas (aguardente, provavelmente rum),tecido e roupas82.

    geogracamente, no Atlntico (e azem parte de uma rede de ecologias atlnticas).79 MOYA-PONS, Frank.Manual de Historia Dominicana, op. cit., p. 141 (nase JGC).80 GUIRREZ-ESCUDERO, Antonio. Poblacin y economa en Santo Domingo, 1700-

    1746. Sevilha: Diputacin Provincial, 1985, p. 149.81 Id., ibid., p. 154.82 Id., ibid., p. 160.

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    Entre os ranceses, Moreau de St. Mry reconheceu a importncia docomrcio bovino de Saint-Domingue com Santo Domingo.83 O governadorde Cap Franais declarou que os espanhis sabem que, em relao s nossasplantationsde acar, no podemos viver sem o gado deles, uma vez que ogado de que dispomos no suciente para cobrir as nossas necessidades.84As tentativas de as autoridades coloniais suprimirem esse comrcio atingiramseu pice em 1721, com um rpido levantamento em Santiago de la Vega, osumultos de Santiago, um conronto armado entre os criadores de gado deSantiago e as autoridades da capital85.

    Os modelos do comrcio interno (e, aparentemente, sobretudo terres-

    tre) na Espanhola e seus processos associados oram parte de transormaesmais amplas, de cujo marco nem o Caribe nem o Atlntico estavam isola-dos, sendo, como eram, uma parte integral e ativa da economia mundial emdesenvolvimento; economia esta que, por sua vez, os estruturava. Entretan-to, esses padres e processos mais locais existiam e se desenvolviam de ummodo especco, por assim dizer, e no possvel deduzi-los, hoje, com baseem transormaes mais amplas no, pelo menos, antes de reconhec-los edocument-los.

    Cnclus

    Por muito tempo, as Antilhas Espanholas oram estudadas por meio daslentes daplantation escravista, mesmo em perodos em que ela tinha poucaimportncia para essa rea. A unidade de produo campo-e-engenho, de mo-nocultura em larga escala, dirigida exportao e movida por trabalho escravo

    deixou de existir, h muito tempo, como protagonista da histria do Cari-be. No entanto, aplantation escravista mantm sua aderncia na imaginaodos historiadores muito tempo aps seu colapso. Nos sculos XVII e XVIII,as Antilhas Espanholas eram, e no eram, dierentes das ilhas produtoras deacar, pois estavam todas conectadas por modelos de interao econmicae social desde o incio da colonizao norte-europeia, em comeos do sculo

    83 MOREAU de St. MRY, op. cit., p. 361.84

    Citado em MOYA-PONS, F. Historia colonial de Santo Domingo. Santiago, R.D.: UCMM,1977, p. 233.85 GUIRREZ-ESCUDERO, A., op. cit., p. 169-170.

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    XVII. Estas ligaes, certamente, estavam entremeadas com o Atlntico maiore mais alm86.

    Em relao ao Caribe, as perspectivas eetivamente anglocntricas e cen-

    tradas naplantation podem ter comeado a desmoronar na dcada de 1970.Vrios trabalhos sobre as relaes sociais camponesas durante e depois daescravatura87, sobre a sociedade criolla88 e sobre uma economia poltica his-trica89 zeram crticas importantes s perspectivas centradas nasplantations.De ato, numa leitura cuidadosa, mesmo as perspectivas paradigmticas dasplantations, como a de Mintz em Te Caribbean as a Socio-cultural Area(1971), esto longe de ser perspectivas centradas simplesmente naplantation.

    Nas duas ltimas dcadas, a onda de estudos culturais e de gnero or-ou a repensar a cultura e a construo cultural.90 No entanto, esta impor-

    86 GREENE, Jack P. e Philip D. MORGAN (eds.).Atlantic History: A Critical Appraisal. NovaYork: Oxord University Press, 2009; BAYLIN, B., op. cit.; e SUED-BADILLO, J., op. cit.

    87 MINZ, Sidney. Slavery and the rise o peasantries. In: CRAON, Michael (ed.). Rootsand Branches: Current Directions in Slave Studies. oronto: Pergamon Press, 1980. p. 213-242; MINZ, Sidney. O poder amargo do acar..., op. cit.; RODNEY, Walter.A History othe Guyanese Working People, 1881-1905. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1981;

    e PIC, Fernando. Libertad y servidumbre en el Puerto Rico del siglo XIX: los jornaleros utua-deos en vsperas del auge del ca. Ro Piedras: Huracn, 1979.

    88 Ver BRAHWAIE, Edward Kamau. Te Development o Creole Society in Jamaica, 1770-1820. Oxord: Clarendon Press, 1971.

    89 OMICH, Dale. Slavery in the Circuit o Sugar: Martinique and the World Economy, 1830-1848. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1990.

    90 Nas Cincias Sociais tambm se levantaram questes contundentes e necessrias em relaos unidades de anlise ligadas espacialmente, sobretudo no Relatrio Gulbenkian, Open theSocial Sciences, (Stanord, Cali.: Stanord University Press, 1996). A controvrsia dos estu-dos de rea dos anos 1990 questionou praticamente as demarcaes existentes e suas razes.

    As bacias martimas, que tiveram uma posio bastante marginal na demarcao global dosestudos de rea, despertaram novo interesse (LEWIS, Martin W. e Karen WINGEN. 1999.A maritime response to the crisis in area studies. Geographical Review, 89 (2): 161-168,1999). De qualquer maneira, o lugar/espao (embora com variaes de escala) continuasendo uma dimenso vital da realidade social e da explicao histrica. Espao e tempoesto, claro, completamente interligados, pois temporalidades so tambm espacialida-des. Oruno D. Lara (Space and history in the Caribbean. Princeton, N.J.: Markus WienerPublishers, 1996) oerece perspectivas estimulantes sobre a geograa histrica da regio; noentanto, oscila demais entre a abstrao e o empirismo. Os estudos caribenhos estariam,

    aparentemente, rente de seu tempo; entretanto, o rtulo Caribe to restrito quantoquaisquer das outras demarcaes dos estudos de rea, entre outras razes porque estavacentrado no arquiplago e no na bacia como um todo, e por causa do entramado que o

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    Para alm das reolues auareras: repensando o carbe espanhol nos sulos xvii e xviii

    tante mudana de perspectiva tem estado sempre baseada em compreensesesquemticas e a-histricas da histria social do Caribe, nas quais plantation,escravido e concepes relacionadas com raa e cultura terminam por ma-

    nobrar de orma obscura. A sociedade criolla, por sua vez, oi parcialmenteassimilada pela ltima onda de estudos dentro da deesa cultural de uma cre-olizao genrica, desincorporada91.

    A interpretao mais conhecida sobre a histria do Caribe do ponto devista ps-moderno o ensaio de Bentez Rojo sobre a ilha que se repete:Te Repeating Island: Te Caribbean and the Postmodern Perspective92. Baseadana teoria do caos e na nase em uma no repetio absoluta, a abordagem

    de Bentez Rojo rearma, entretanto, uma perspectiva que se originou nosanos 1920 (Guerra y Snchez) e que est centrada naplantation como a chavertmica do meio cultural do Caribe. Entre a repetio e a no repetio abso-luta, por mais estimulantes que sejam estes extremos, um deles ca com umasensao de vazio.

    A introduo de mestre de Te Repeating Islandpode ser mais relevantepara a abordagem adotada por este artigo. Ali, Bentez Rojo argumenta emavor do desenvolvimento de uma sociedade criollana Cuba oriental do sculo

    XVII, muito interligada com a Passagem Windward (Paso de los Vientos), ondea Cuba espanhola, a Jamaica inglesa e a Saint-Domingue rancesa orma-ram um tringulo especialmente comercial, social e histrico.93

    campo intelectual caribenho oi adquirindo medida que se desenvolvia historicamente. Vera pgina da web da Universidade de Duke sobre o Oceans Connect Project, discutido no ar-tigo citado de Lewis e Wingen: http://www.duke.edu/web/oceans/project.html. O projetobusca enatizar as interligaes transocenicas e suplementar a estrutura dos estudos derea baseada no continente, introduzindo uma supercie visvel bastante dierente, na qualos mares mais importantes do planeta seriam vistos no como margens, mas como centro.

    91 MINZ, Sidney. Enduring substances, trying theories..., op. cit. (ed. em portugus:MINZ, Sidney. Aturando substncias duradouras, testando teorias desaadoras: a regiodo Caribe como oikoumen. O poder amargo do acar..., op. cit., p. 49-88).

    92 BENEZ-ROJO, Antonio. Te Repeating Island: Te Caribbean and the Postmodern Per-spective. Durham: Duke University Press, 1992.

    93 A ascinao de Bentez-Rojo com a Passagem Windward, entre Cuba e o Haiti, ca evidentecom a publicao da coleo de contos intituladaPaso de los Vientos(Madri: Plaza Mayor,1999). Estes contos oram publicados originariamente em ingls com o ttuloA View rom

    the Mangrove(Amherst: Univ. o Massachussets Press, 1998). Bentez-Rojo imaginou Pasode los Vientoscomo a terceira parte de uma trilogia, da qual ariam parte tambm o livrode ensaios (Te Repeating Island) e um romance (Sea o Lentils, publicado em espanhol em

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    Essa regio anbia do Caribe, que est enraizada em sculos de comrciolegal e de contrabando, em ecologias locais e movimentos de pessoas, e queno oi reduzida nem dierena nem repetio, um espao histrico

    importante que precisamos investigar.O espao histrico caribenho tem sido examinado de maneira ragmen-

    tada94. rabalhos histricos sobre o Caribe nos sculos XVII e XVIII tendem aocalizar ataques s colnias espanholas pelos ingleses, ranceses e holandeses;oerecem uma histria de piratas, corsrios e (raramente) bucaneiros tipica-mente de quadrinhos e hollywoodianos; ou, como numa grande quantidadede trabalhos nas dcadas recentes, esto ocados nasplantationsescravistas e na

    produo e comercializao de acar (ao menos em relao s ilhas no hispa-nonas). Precisamos ir alm desses ragmentos de histria e discernir modelosmais amplos, no lineares, do Grande Caribe, que conectem e multipliquemestas histrias parciais.

    Alm da literatura existente sobre as Antilhas Espanholas individual-mente nos sculos XVII e XVIII, necessrio ir ao detalhe na pesquisa so-bre o regime de posse de terras, conhecido como hatos, tierras comunerasouhatos comuneros, nos quais o regime de posse de terra conhecido como hato

    visto como um processo geral nas Antilhas Espanholas, interagindo tantocom as ecologias locais quanto com as relaes sociais, e com processos maisamplos nas ilhas no hispanonas, de plantation escravista. Estes modelosno aparecero todos de uma vez, mas precisam primeiramente ser pesqui-sados em sub-regies terrestres/martimas especcas do Caribe, tais como aPassagem Windward, o Estreito da Flrida/Bahamas, a Costa do Mosquito,o Estreito de Vieques/Leewards e a costa continental das Ilhas Windward, as

    Antilhas Holandesas, rinidad e Amrica do Sul. nessas sub-regies, e nonas maiores interconexes da regio do Caribe como um todo, onde primeiroteremos de buscar, e onde provavelmente encontraremos, as redes de padrescomerciais e relaes sociais que apontam para uma economia caribenha maislocal ouscada, por assim dizer, na historiograa corrente, pelaplantation (masmuito mais do que isso!). Este o trabalho que nos espera no estudo do Caribe

    1984, e em ingls em 1990). Este oi o ltimo trabalho publicado por Bentez-Rojo, quem

    aleceu em 2005.94 WAS, D., op. cit.; RICHARDSON, B., op. cit.; e LARA, Oruno D. Space and history inthe Caribbean. Princeton, N.J.: Markus Wiener Publishers, 1996.

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    48Giusti-Cordero, Juan.

    Para alm das reolues auareras: repensando o carbe espanhol nos sulos xvii e xviii

    nos sculos XVII e XVIII e um esoro que pode ser importante para toda ahistoriograa do Caribe.

    MS ALL DE LAS REvoLUCioNES AZUCARERAS:REPENSANDo EL CARibE ESPAoL EN LoS SiGLoS

    xvii Y xviii

    RESUMENLas Antillas espaolas guran poco en la historiograacaribea del siglo XVII y XVIII, cuyos protagonistas

    son generalmente las Antillas de habla inglesa, rancesay holandesa. La escasa importancia de las plantacionesesclavistas en las Antillas hispanas durante esos siglosparece excluirlas de la historia de la regin. Sin embar-go, un anlisis ms integrado de la historia del Cariberevela una interaccin importante entre la produccinde provisiones, ganado y madera de las Antillas hispanasy las vecinas islas azucareras, mediadas ante todo por

    el comercio de contrabando.

    PALABRAS CLAVE: Caribe, azcar, plantaciones, con-trabando.

    Recebido em: 15/30/12Aprovado em: 24/09/12