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Um apelo à renovação da Igreja

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Veja o vídeo de apresentação deste livro.

Religião

ISBN 978-989-668-405-1

9 789896 684051

O Papa Francisco, o primeiro Papa de origem latino-americana, nasceu em Buenos Aires,

na Argentina, a 17 de dezembro de 1936. Filho de imigrantes italianos, que lhe deramo nome de Jorge Mario Bergoglio, ingressou

no noviciado da Companhia de Jesus em 1958, tendo-se ordenado em 1969. Tornou-se bispo auxiliar em 1992 e arcebispo em 1998, sempre

na diocese da sua cidade natal.

Proclamado cardeal pelo Papa João Paulo IIno consistório de 2001, participou no conclave que

elegeu Bento XVI como Sumo Pontífice. Apósa renúncia deste, foi eleito seu sucessor, a 13 de março de 2013. O novo Papa tomou o nome de

Francisco e assumiu desde logo um novo compromisso de fé e de renovação social,

com uma Igreja mais humilde.

— Um apelo à renovação da Igreja —

PAPA FRANCISCOPAPA FRANCISCO

Jorge BergoglioSempre atento às condições de vida de todos os que o rodeiam, em especial dos mais desfavorecidos, o Papa Francisco partilha

neste livro uma mensagem de mudança e de confiança:o Evangelho é uma nova vida para todos.

UM CONVITE À ESPERANÇAE À TRANSFORMAÇÃO

O Santo Padre prossegue o propósito de anunciar o Evangelho,que vem aliado ao empenho de reforma da Igreja e ao esforço

de dar nova orientação a um mundo que não salvaguardaa vida nem a dignidade dos homens.

ENCONTRAR E SEGUIR CRISTO, SAIR À RUAE SERVIR O HOMEM

Abordando os temas mais presentes nas mensagens de Sua Santidade — a família e a sociedade, os pobres e a injustiça, a Igreja

enquanto «mãe» —, este livro constitui uma liçãoextraordinária de liberdade e de fé em Deus.

UMA PALAVRA DE FÉ, ESPERANÇAE CARIDADE, POR UMA IGREJA RENOVADA

«No Evangelho de Lucas (18,1-8),Jesus conta uma parábola sobre a necessidade de rezar sempre, sem esmorecer. A protagonistaé uma viúva que, com a insistência da sua súplicaa um juiz desonesto, obtém que ele lhe faça justiça.E Jesus conclui: se a viúva conseguiu convencer aquele juiz, julgais que Deus não nos ouve, se lhe suplicarmos com insistência? A expressão de Jesusé muito forte: “Porventura não fará Deus justiçaaos seus escolhidos, que clamam por Ele dia e noite?”(Lc 18,7).

“Clamar dia e noite” por Deus! Impressiona-nosesta imagem da oração. Mas interroguemo-nos:por que motivo Deus quer isto? Não conheceEle já as nossas necessidades? Que sentido tem“insistir” com Deus?

Trata-se de uma boa pergunta, que nos faz aprofundar um aspeto muito importante da fé:Deus convida-nos a rezar com insistência, não porque não saiba do que nós precisamos, nem porque não nos ouça. Pelo contrário, Ele ouve sempre e conhece tudo acerca de nós, com amor. No nosso caminho quotidiano, especialmente nas dificuldades, na luta contra o mal fora e dentro de nós, o Senhor não está distante, está ao nosso lado; nós lutamos, tendo-o ao nosso lado, e a nossa armaé precisamente a oração, que nos faz sentir a sua presença ao nosso lado, a sua misericórdia e também a sua ajuda. Mas a luta contra o mal é árdua e longa, exige paciência e resistência — como Moisés, que devia manter as mãos levantadas para fazer com que o seu povo vencesse (cf. Ex 17,8-13). A realidade é esta: há uma luta a empreender todos os dias; mas Deus é nosso aliado, a fé Nele é a nossa força e a oração é a expressão desta fé. Por isso, Jesus assegura-nos a vitória, mas no final interroga-se: “Mas, quando o Filho do Homem vier, acaso encontrará a fé sobre a terra?” (Lc 18,8).Se se apaga a fé, apaga-se a oração, e nós caminhamos na escuridão, perdemo-nosno caminho da vida.»

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Introdução

Com uma insistência sempre crescente e denúncias cada

vez mais duras — na intenção de abanar consciências,

exortando -as a renovar o coração —, o Papa Francisco

prossegue, expedito, no seu caminho de anúncio do Evan-

gelho, no seu empenho de reforma da Igreja e, ao mesmo

tempo, no seu esforço de mudar a orientação de um mundo

que não salvaguarda a vida nem a dignidade de cada homem.

Assim, o seu discurso eclesial cruza -se cada vez mais com

o discurso social do desenvolvimento ou, por assim dizer,

de uma ecologia para o homem, em que haja cada vez menos

espaço para a cobiça do ter, para o egoísmo dominador, para

o cálculo destrutivo, para o paradoxo da abundância que cria

fome e exploração e em que pelo contrário, ocupe cada vez

mais espaço a cultura da responsabilidade e do respeito,

do diálogo e do encontro, do acolhimento e da solidariedade.

O anúncio do Evangelho entretece -se, deste modo, com o

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Papa Francisco

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desígnio de um humanismo cristão que, no seu modo de

testemunhar a vida nova que nasce do encontro e do segui-

mento de Jesus, se esforça por todos os meios por fazer sen-

tir como na Igreja — «mãe sem confins nem fronteiras»,

como disse o Papa (21 de Novembro de 2014) — cada um

traz o seu tijolo para a construção daquela a que o beato Paulo

VI chamava a «civilização do amor»: um projeto inspirador

de toda a sua vida — como o cardeal Re quis recordar na

homilia em sufrágio de Paulo VI, no trigésimo aniversário

da sua morte (6 de Agosto de 2008) —, que o tornava «muito

sensível ao problema da fome no mundo, ao grito de angús-

tia dos pobres, às graves desigualdades sociais e às desigual-

dades no acesso aos bens da terra».

O Papa Francisco é o novo intérprete deste programa, visto

que o seu «estilo evangelizador» tem esse objetivo como meta

e caminho da sua ação apostólica. Por isso, ao mesmo tempo

que nos exorta a combater os ídolos do mundo e a libertarmo-

-nos das inúmeras cadeias que os fazem instalar -se no nosso

coração, convida todos — a começar pelos sacerdotes e pelos

fiéis — a aprender o espírito que faz de uma existência cristã

um itinerário de fraternidade partilhada, de alegria francis-

cana, de corajosa criatividade, em direção a uma meta que os

espera: a santidade, à qual todos são chamados.

É óbvio, porém, que, para isso, se precisa de um suplemento

de sacrifício, empenho e, antes de mais, de lucidez no discer-

nimento daquilo que é essencial e prioritário transmitir ao

mundo de hoje, no esforço de ajudá -lo a apreender a novidade

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O Evangelho da Vida Nova

permanente e a riqueza inexaurível da mensagem evangé-

lica. Daí também a urgência de as pessoas se mudarem, pri-

meiro que tudo, a si próprias, para depois reformar a Igreja,

afastando a hipocrisia e a vaidade, os pesos e as incrustações,

os maus hábitos e o formalismo, mas também o carreirismo,

a mundanidade, o triunfalismo, os mexericos e as lamenta-

ções que ofuscam a credibilidade da fé e privam de autenti-

cidade o testemunho. Atitudes ostensivas ou desleais, que o

Papa Francisco, com uma perseverança que nunca esmorece,

estigmatiza em cada ocasião e que já constituem o leit ‑motiv

dominante da sua pregação, a par de todos os outros temas

que compõem a longa lista da sua denúncia eclesial e social:

o poder, o dinheiro, a corrupção, o consumismo, a exploração,

o desperdício, o descarte, a indiferença, a ofensa à dignidade

humana em todas as suas manifestações… Nesta realidade

atual, em que o homem luta contra uma existência cada vez

mais precária, oprimida e vilipendiada, no progressivo soço-

brar da justiça e da paz no mundo, são esses os problemas

e os desafios que Francisco toma particularmente a peito e que

a Igreja é chamada a enfrentar no seu testemunho de Jesus.

Aliás — como o Papa gosta muitas vezes de repetir —, a vida

cristã é uma luta contínua contra o mal e contra as tentações.

Felizmente, no caminho está Ele, Jesus, que nos liberta da

escravidão do pecado para nos fazer saborear a liberdade do

amor que se dá. Mantendo o olhar fixo na sua Cruz, apren-

demos que, na escola da misericórdia e do amor, não esta-

mos sozinhos na luta, não perdemos a esperança e, mesmo

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Papa Francisco

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quando caímos, somos ajudados a levantar -nos de novo e a

pormo -nos novamente a caminho, impelidos pela alegria no

Senhor ressuscitado.

Contudo, há outro tema que, não só no ano dedicado ao

Sínodo sobre a família, se torna crucial para um mais soli-

dário e harmonioso desenvolvimento do tecido social. É o

tema da família, esperança da Igreja e da sociedade, recurso

a valorizar no plano pastoral e educativo para que se torne

cada vez mais aquilo que deve ser: o lugar da multiforme

complementaridade entre homem e mulher — segundo as

«harmonias dinâmicas que ocupam o centro de toda a cria-

ção» —, da união e dos afetos, da educação para a vida, do

crescimento humano e psicológico, do amadurecimento das

responsabilidades como cidadãos e como cristãos. Por isso,

todos vêem como, na família, não só se aprende a difícil arte

de viver juntos e de trocar os próprios dons entre si, mas

como ela é o primeiro campo de sementeira de tudo aquilo

que mais tarde se colherá na própria existência, com base

nos sentimentos, nos ideais e nos valores que se receberam

e transmitiram.

É esta a riqueza da família, embora hoje, nesta cultura do

provisório, o matrimónio esteja em crise, e todos tenham de

suportar as consequências disso, em particular as mulheres

e as crianças. A mentalidade corrente — entre medos psicoló-

gicos, dificuldades económicas e ideias de uma presumível

maior liberdade — empurra na direção oposta à desejável: ou

seja, a um amor forte e duradouro, reforçado por um vínculo

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O Evangelho da Vida Nova

estável, maduro e responsável. Na falta desse tipo de relação,

criou -se um contexto social em que as famílias se tornam cada

vez mais frágeis, divididas, feridas e dilaceradas, e essa não

é, certamente, uma boa base para construir o futuro. O futuro

tem, no matrimónio, «um bem único, natural, fundamental

e belo para as pessoas, as famílias, as comunidades e as socie-

dades». Sem uma família fundada sobre esse pilar, a sociedade

não se aguenta: é como uma arena sine calce, esboroa -se e perde

consistência.

Portanto, entre os grandes desafios do caminho da vida

cristã projetada nos caminhos do homem, multiplicam -se

as tentações, os obstáculos e os problemas. Por isso, o Papa

Francisco chama a Igreja a um empenho mais intenso e gene-

roso, na saída de si própria para ir ao encontro do mundo.

Aliás, viver a fé não é ficar acomodado numa poltrona a enun-

ciar verdades abstratas, mas é experimentar aquilo em que

se crê, em contacto com as realidades e as provas da vida: ou

seja, é entrar continuamente em campo e sujar as mãos no

trabalho quotidiano de crer e de esperar.

Giuliano Vigini

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I

As correntes do mundo

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O desejo de possuir

Uma das verdades mais reconfortantes da nossa fé é a da

Providência divina. O profeta Isaías apresenta -a como

a imagem do amor materno cheio de ternura, e diz assim:

«Porventura pode uma mulher esquecer -se tanto de seu filho

que cria, que não se compadeça dele, do filho do seu ventre?

Mas ainda que esta se esquecesse dele, contudo eu não me

esquecerei de ti» (49,15). Como isto é bonito! Deus não se

esquece de nós, de cada um de nós! De cada um de nós com

nome e sobrenome. Ama -nos e não nos esquece. Que belo

pensamento… Este convite à confiança em Deus encontra

paralelo numa página do Evangelho de Mateus: «Olhai para

as aves do céu — diz Jesus — não semeiam, nem ceifam, nem

recolhem em celeiros; e o vosso Pai do céu alimenta -as…

Observai como crescem os lírios do campo! Não trabalham

nem fiam. Pois Eu vos digo: nem Salomão, em toda a sua

magnificência, se vestiu como qualquer deles» (Mt 6,26.28 -29).

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Papa Francisco

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Mas, pensando em tantas pessoas que vivem em condi-

ções precárias, ou até na miséria que ofende a sua dignidade,

estas palavras de Jesus poderiam parecer abstratas, ou até ilu-

sórias. Na realidade, são atuais como nunca! Recor dam -nos

que não se pode servir a dois senhores: a Deus e à riqueza.

Enquanto cada um procurar acumular para si, nunca haverá

justiça. Ouvi bem isto! Enquanto cada um procurar acumular

para si, nunca haverá justiça. Se, ao contrário, confiando na

Providência de Deus, procurarmos juntos o seu Reino, então

não faltará a ninguém o necessário para viver dignamente.

Um coração ocupado pela cupidez de possuir é um cora-

ção cheio desta cobiça de possuir, mas vazio de Deus. Por

isso, Jesus admoestou várias vezes os ricos, porque para eles

é alto o risco de ancorar a própria segurança nos bens deste

mundo, e a segurança, a segurança definitiva, está em Deus.

Num coração possuído pelas riquezas, não há lugar para a fé.

Se, pelo contrário, se deixa a Deus o lugar que lhe compete,

isto é, o primeiro, então o seu amor leva a partilhar também

as riquezas, a pô -las ao serviço de projetos de solidariedade

e de progresso, como demonstram tantos exemplos, até

recentes, na história da Igreja. E assim a Providência de Deus

passa através do nosso serviço aos outros, do nosso partilhar

com os outros. Se cada um de nós não acumular riquezas

só para si mas as puser ao serviço dos outros, nesse caso a

Providência de Deus torna -se visível nesse gesto de solida-

riedade. Se, ao invés, cada um acumular só para si, o que lhe

acontecerá quando for chamado por Deus? Não poderá levar

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O Evangelho da Vida Nova

as riquezas consigo, porque — sabeis — o sudário não tem

bolsos! É melhor partilhar, porque só levamos para o Céu

aquilo que partilhamos com os outros.

O caminho que Jesus indica pode parecer pouco realista

em relação à mentalidade comum e aos problemas da crise

económica; mas, se pensarmos bem, reconduz -nos à justa

escala de valores. Ele diz: «Porventura não é o corpo mais

do que o vestido e a vida mais do que o alimento?» (Mt 6,25).

Para fazer de maneira a que a ninguém falte o pão, a água,

o vestuário, a casa, o trabalho, a saúde, é preciso que todos

nos reconheçamos filhos do Pai que está nos céus e, por con-

seguinte, irmãos entre nós, e que nos comportemos de modo

consequente. O caminho para a paz é a fraternidade: este

andar juntos, partilhar as coisas juntos.

À luz da Palavra de Deus, invoquemos a Virgem Maria

como Mãe da divina Providência. A ela confiemos a nossa

existência, o caminho da Igreja e da humanidade. Em par-

ticular, invoquemos a sua intercessão para que todos nos

esforcemos por viver com um estilo simples e sóbrio, com

o olhar atento às necessidades dos irmãos mais carentes.

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A falsa felicidade do efémero

A alegria não é a emoção de um momento: é outra coisa!

A verdadeira alegria não vem das coisas, do ter, não!

Nasce do encontro, da relação com os demais, nasce do

sentir -se aceite, compreendido, amado e do aceitar, do com-

preender e do amar: e isto não pelo interesse de um momento,

mas porque o outro, a outra, é uma pessoa. A alegria nasce

da imprevisibilidade de um encontro! É ouvir -se dizer: «Tu

és importante para mim», não necessariamente com pala-

vras. Isto é bonito… E é precisamente isto que Deus nos faz

compreender. Ao chamar -vos, Deus diz -vos: «Tu és impor-

tante para mim, eu amo -te, conto contigo». Jesus diz isto a

cada um de nós! Disto nasce a alegria! A alegria do momento

em que Jesus olhou para mim.

Compreender e sentir isto é o segredo da nossa alegria.

Sentir -se amado por Deus, sentir que para Ele nós não somos

números, mas pessoas; e sentir que é Ele que nos chama.

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O Evangelho da Vida Nova

Tornar -se sacerdote, religioso, religiosa, não é primeiramente

uma escolha nossa. Eu não confio naquele seminarista, naquela

noviça, que diz: «Escolhi este caminho». Não me agrada! Não

está bem! Porque é a resposta a uma chamada, a uma cha-

mada de amor. Sinto algo dentro de mim, que me desassos-

sega, e respondo sim. Na oração, o Senhor faz -nos sentir este

amor, mas também o faz através de muitos sinais que pode-

mos ler na nossa vida e de tantas pessoas que põe no nosso

caminho. E a alegria do encontro com Ele e da sua chamada

faz com que não nos fechemos, mas que nos abramos; leva

ao serviço na Igreja.

São Tomás dizia «bonum est diffusivum sui» — não é um

latim muito difícil! O bem difunde -se. E também a alegria

se difunde. Não tenhais medo de mostrar a alegria de ter

respondido à chamada do Senhor, à sua escolha de amor e

de testemunhar o seu Evangelho no serviço à Igreja. E a ale-

gria, a verdadeira alegria, é contagiosa; contagia… faz ir em

frente. Ao contrário, quando te encontras com um semina-

rista demasiado sério, demasiado triste, ou com uma noviça

assim, pensas: «qualquer coisa não está bem!» Falta a alegria

do Senhor, a alegria que te leva ao serviço, a alegria do encon-

tro com Jesus, que te conduz ao encontro com os outros

para anunciar Jesus. Falta isso! Não há santidade na tristeza,

não há!

Santa Teresa de Ávila dizia: «Um santo triste é um triste

santo!». Tem pouca importância… Quando encontras um

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Papa Francisco

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seminarista, um padre, uma freira, uma noviça, amuados,

tristes, que parece que alguém lançou sobre a sua vida um

cobertor muito molhado, muito pesado… dos que te deitam

abaixo… Algo não está bem! Então, por favor: nunca haja

freiras, sacerdotes, com a cara «azeda», nunca! A alegria vem

de Jesus. Pensai nisto: quando um padre — digo um padre,

mas também um seminarista — quando a um seminarista,

a uma freira, falta a alegria e anda triste, vós podeis pensar:

«É um problema psicológico». E é verdade que pode ser,

pode ser isso sim. Acontece: alguns, infelizmente, adoecem…

Pode ser. Mas em geral não é um problema psicológico. É um

problema de insatisfação? Claro que sim!

Mas onde está o cerne daquela falta de alegria? É um pro-

blema de celibato. Explico. Vós, seminaristas, freiras, consa-

grais o vosso amor a Jesus, um amor grande; o coração é para

Jesus, e isto leva -vos a fazer o voto de castidade, o voto de

celibato. Mas o voto de castidade e o voto de celibato não aca-

bam no momento em que se emitem, continuam… Um cami-

nho que amadurece, amadurece, amadurece até à paternidade

pastoral, até à maternidade pastoral, e quando um sacerdote

não é pai da sua comunidade, quando uma religiosa não é

mãe de todos aqueles com quem trabalha, torna -se triste.

Eis o problema. Por isto vos digo: a raiz da tristeza na vida

pastoral consiste precisamente na falta de paternidade e de

maternidade que vem do viver mal esta consagração que, ao

contrário, nos deve conduzir à fecundidade. Não se pode

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O Evangelho da Vida Nova

imaginar um sacerdote ou uma religiosa que não sejam fecun-

dos: isto não é católico! Não é católico! É esta a beleza da

consagração: a alegria, a alegria…

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A doença estéril do pessimismo

A alegria do Evangelho é tal que nada e ninguém no -la

poderá tirar (cf. Jo 16,22). Os males do nosso mundo

— e os da Igreja — não deveriam servir como desculpa

para reduzir a nossa entrega e o nosso ardor. Vejamo -los como

desafios para crescer. Além disso, o olhar crente é capaz de

reconhecer a luz que o Espírito Santo sempre irradia no meio

da escuridão, sem esquecer que, «onde abundou o pecado,

superabundou a graça» (Rm 5,20). A nossa fé é desafiada a

entrever o vinho em que a água pode ser transformada, e a

descobrir o trigo que cresce no meio do joio. Cinquenta anos

depois do Concílio Vaticano II, apesar de nos entristecerem

as misérias do nosso tempo e de estarmos longe de otimis-

mos ingénuos, um maior realismo não deve significar menor

confiança no Espírito, nem menor generosidade.

Uma das tentações mais sérias que sufoca o fervor e a

ousadia é a sensação de derrota que nos transforma em

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O Evangelho da Vida Nova

pessimistas lamurientos e desencantados, com cara de «vina-

gre». Ninguém pode empreender uma luta se de antemão

não está plenamente confiante no triunfo. Quem começa

sem confiança, perdeu já metade da batalha e enterra os seus

talentos. Embora com a dolorosa consciência das próprias

fraquezas, há que seguir em frente, sem se dar por vencido,

e recordar o que disse o Senhor a São Paulo: «Basta -te a minha

graça, porque a força manifesta -se na fraqueza» (2 Cor 12,9).

O triunfo cristão é sempre uma cruz, mas cruz que é, simul-

taneamente, estandarte de vitória, que se empunha com ter-

nura batalhadora contra as investidas do mal. O mau espírito

da derrota é irmão da tentação de separar prematuramente

o trigo do joio, resultado de uma desconfiança ansiosa e ego-

cêntrica.

É verdade que, nalguns lugares, se produziu uma «deser-

tificação» espiritual, fruto do projeto de sociedades que

querem construir -se sem Deus ou que destroem as suas raí-

zes cristãs. Lá, «o mundo cristão está a tornar -se estéril e a

esgotar -se como uma terra excessivamente desfrutada que

se transforma em poeira» (John Henry Newman, Letters of

26 january 1833).

Noutros países, a resistência violenta ao cristianismo obriga

os cristãos a viverem a sua fé às escondidas no país que amam.

Esta é outra forma muito triste de deserto. E a própria famí-

lia ou o lugar de trabalho podem ser também o tal ambiente

árido, onde há que conservar a fé e procurar irradiá -la. Mas

«é precisamente a partir da experiência deste deserto, deste

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vazio, que podemos redescobrir a alegria de crer, a sua impor-

tância vital para nós, homens e mulheres. No deserto, é pos-

sível redescobrir o valor daquilo que é essencial para a vida;

assim sendo, no mundo de hoje, há inúmeros sinais da sede

de Deus, do sentido último da vida, ainda que muitas vezes

expressos implícita ou negativamente. E, no deserto, existe

sobretudo a necessidade de pessoas de fé que, com as suas

próprias vidas, indiquem o caminho para a Terra Prometida,

mantendo assim viva a esperança» (Bento XVI, Homilia na

Missa de abertura do Ano da Fé, 11 outubro 2012). Em todo

o caso, nestas circunstâncias somos chamados a ser pessoas-

-cântaro para dar de beber aos outros. Às vezes o cântaro

transforma -se numa pesada cruz, mas foi precisamente na

Cruz que o Senhor, trespassado, Se nos entregou como fonte

de água viva. Não deixemos que nos roubem a esperança!

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A indústria da destruição

Quando, no Livro do Apocalipse, ouvimos a voz do Anjo

que clama em voz alta aos quatro Anjos a quem tinha

sido concedido devastar a terra e o mar, destruindo tudo:

«Não danifiqueis a terra, nem o mar, nem as árvores» (Ap 7,3),

vem -me ao pensamento uma frase que não está aqui, mas

está no coração de todos nós: «Os homens são capazes de o

fazer melhor do que vós». Nós somos capazes de devastar a

terra melhor do que os Anjos. E é o que continuamos a fazer,

é isto que levamos a cabo: devastar a Criação, destruir a vida,

aniquilar as culturas, devastar os valores e destruir a espe-

rança. Quanta necessidade temos da força do Senhor, para

que nos trave com o seu amor e com a sua força, para impe-

dir esta desvairada corrida de destruição! Devastação daquilo

que Ele nos concedeu, das coisas mais bonitas que Ele criou

para nós, para que cuidássemos delas e as fizéssemos crescer,

para dar fruto. O homem apodera -se de tudo, julga -se Deus,

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Papa Francisco

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julga -se rei. E as guerras: as guerras que continuam, não para

semear o trigo da vida, mas para destruir. É a indústria da des-

truição! É um sistema, também de vida, em que, quando as

coisas não podem ser resolvidas, são descartadas: descartam-

-se as crianças, descartam -se os idosos, descartam -se os jovens

desempregados. Esta devastação provocou uma cultura do

descartável: descartam -se povos inteiros… Eis a primeira ima-

gem que me vem à mente, quando ouvimos esta passagem

do Apocalipse.

Eis a segunda imagem, na mesma Leitura: esta «grande

multidão, que ninguém podia contar, de todas as nações, tri-

bos, povos e línguas» (7,9). Os povos, a gente… esses pobres

que, para salvar a sua vida, têm de fugir das próprias casas,

das suas gentes, das suas aldeias, rumo ao deserto… e vivem

em tendas, sentem frio, sem remédios, famintos, porque

o «deus -homem» se apoderou da Criação, de toda aquela

beleza que Deus criou para nós. Mas quem paga a festa?

Eles! Os mais pequeninos, os pobres, aqueles que, como

pessoas, acabaram descartados. E isto não é uma história

antiga: acontece hoje. «Mas Padre, está distante…» Não, tam-

bém aqui, em todas as partes. Acontece hoje. Direi mais:

parece que estas pessoas, estas crianças famintas e enfermas

não contam, parece que são de outra espécie, que não são

humanas. Esta multidão encontra -se diante de Deus e suplica:

«Por favor, salvação! Por favor, paz! Por favor, pão! Por favor,

trabalho! Por favor, filhos e avós! Por favor, jovens com a dig-

nidade de poder trabalhar!» Entre estas pessoas perseguidas

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O Evangelho da Vida Nova

encontram -se também as que são perseguidas pela fé. «Então

um dos Anciãos falou comigo e perguntou -me: “Esses, que

estão vestidos com vestes brancas, quem são e de onde vêm?”

(…) “Esses são os sobreviventes do grande tormento; lavaram

as suas vestes e purificaram -nas no sangue do Cordeiro”»

(7,13 -14). E hoje, sem exagerar, no dia de todos os Santos,

gostaria que pensássemos em todos eles, nos Santos desco-

nhecidos. Pecadores como nós, pior do que nós, mas des-

truídos. A todas estas pessoas que vêm do grande tormento.

A maior parte do mundo vive em tormento. E o Senhor san-

tifica este povo, pecador como nós, mas santifica -o com o

tormento.

E no fim, a terceira imagem: Deus. A primeira, a devas-

tação; a segunda, as vítimas; e a terceira, Deus. Na Primeira

Carta de São João ouvimos: «Desde já somos filhos de Deus,

mas ainda não se manifestou o que havemos de ser. Sabe-

mos que, quando isso se manifestar, seremos semelhantes

a Deus, porquanto o veremos como Ele é» (1 Jo 3,2): ou seja,

a esperança. E esta é a bênção do Senhor, que ainda é a nossa:

a esperança. A esperança de que Ele tenha piedade do seu povo,

tenha piedade daqueles que vivem no grande tormento e que

tenha piedade também dos destruidores, a fim de que se

convertam. É assim que a santidade da Igreja progride: com

este povo, com cada um de nós, que veremos Deus como

Ele é. Qual deve ser a nossa atitude, se quisermos fazer parte

deste povo e caminhar rumo ao Pai, neste mundo de devas-

tação, neste mundo de guerras, neste mundo de tormento?

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Papa Francisco

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Como ouvimos no Evangelho de Mateus, a nossa atitude é

a das Bem -Aventuranças. Somente este caminho nos levará ao

encontro com Deus. Só esta vereda nos salvará da destruição,

da devastação da terra, da Criação, da moral, da história, da

família, de tudo. Unicamente este caminho: contudo, far -nos -á

passar por situações difíceis! Trar -nos -á problemas e perse-

guição. Mas só este caminho nos levará em frente. E assim,

este povo que hoje sofre tanto, devido ao egoísmo dos devas-

tadores, dos nossos irmãos devastadores, este povo progride

através das Bem -Aventuranças, da esperança de descobrir

Deus, de se encontrar face a face com o Senhor, com a espe-

rança de se tornarem santos no momento do encontro defi-

nitivo com Ele.

Que o Senhor nos ajude e nos conceda a graça desta espe-

rança, mas também a graça da coragem de sair de tudo aquilo

que é destruição, devastação, relativismo de vida, exclusão

do próximo, exclusão dos valores e exclusão de tudo o que o

Senhor nos ofereceu: exclusão da paz. Que Ele nos liberte

de tudo isto e nos conceda a graça de caminhar na esperança

de nos encontrarmos um dia face a face com Ele. E esta espe-

rança, irmãos e irmãs, não desilude!

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<14 mm>Impressão CMYK

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Veja o vídeo de apresentação deste livro.

Religião

ISBN 978-989-668-405-1

9 789896 684051

O Papa Francisco, o primeiro Papa de origem latino-americana, nasceu em Buenos Aires,

na Argentina, a 17 de dezembro de 1936. Filho de imigrantes italianos, que lhe deramo nome de Jorge Mario Bergoglio, ingressou

no noviciado da Companhia de Jesus em 1958, tendo-se ordenado em 1969. Tornou-se bispo auxiliar em 1992 e arcebispo em 1998, sempre

na diocese da sua cidade natal.

Proclamado cardeal pelo Papa João Paulo IIno consistório de 2001, participou no conclave que

elegeu Bento XVI como Sumo Pontífice. Apósa renúncia deste, foi eleito seu sucessor, a 13 de março de 2013. O novo Papa tomou o nome de

Francisco e assumiu desde logo um novo compromisso de fé e de renovação social,

com uma Igreja mais humilde.

— Um apelo à renovação da Igreja —

PAPA FRANCISCOPAPA FRANCISCO

Jorge BergoglioSempre atento às condições de vida de todos os que o rodeiam, em especial dos mais desfavorecidos, o Papa Francisco partilha

neste livro uma mensagem de mudança e de confiança:o Evangelho é uma nova vida para todos.

UM CONVITE À ESPERANÇAE À TRANSFORMAÇÃO

O Santo Padre prossegue o propósito de anunciar o Evangelho,que vem aliado ao empenho de reforma da Igreja e ao esforço

de dar nova orientação a um mundo que não salvaguardaa vida nem a dignidade dos homens.

ENCONTRAR E SEGUIR CRISTO, SAIR À RUAE SERVIR O HOMEM

Abordando os temas mais presentes nas mensagens de Sua Santidade — a família e a sociedade, os pobres e a injustiça, a Igreja

enquanto «mãe» —, este livro constitui uma liçãoextraordinária de liberdade e de fé em Deus.

UMA PALAVRA DE FÉ, ESPERANÇAE CARIDADE, POR UMA IGREJA RENOVADA

«No Evangelho de Lucas (18,1-8),Jesus conta uma parábola sobre a necessidade de rezar sempre, sem esmorecer. A protagonistaé uma viúva que, com a insistência da sua súplicaa um juiz desonesto, obtém que ele lhe faça justiça.E Jesus conclui: se a viúva conseguiu convencer aquele juiz, julgais que Deus não nos ouve, se lhe suplicarmos com insistência? A expressão de Jesusé muito forte: “Porventura não fará Deus justiçaaos seus escolhidos, que clamam por Ele dia e noite?”(Lc 18,7).

“Clamar dia e noite” por Deus! Impressiona-nosesta imagem da oração. Mas interroguemo-nos:por que motivo Deus quer isto? Não conheceEle já as nossas necessidades? Que sentido tem“insistir” com Deus?

Trata-se de uma boa pergunta, que nos faz aprofundar um aspeto muito importante da fé:Deus convida-nos a rezar com insistência, não porque não saiba do que nós precisamos, nem porque não nos ouça. Pelo contrário, Ele ouve sempre e conhece tudo acerca de nós, com amor. No nosso caminho quotidiano, especialmente nas dificuldades, na luta contra o mal fora e dentro de nós, o Senhor não está distante, está ao nosso lado; nós lutamos, tendo-o ao nosso lado, e a nossa armaé precisamente a oração, que nos faz sentir a sua presença ao nosso lado, a sua misericórdia e também a sua ajuda. Mas a luta contra o mal é árdua e longa, exige paciência e resistência — como Moisés, que devia manter as mãos levantadas para fazer com que o seu povo vencesse (cf. Ex 17,8-13). A realidade é esta: há uma luta a empreender todos os dias; mas Deus é nosso aliado, a fé Nele é a nossa força e a oração é a expressão desta fé. Por isso, Jesus assegura-nos a vitória, mas no final interroga-se: “Mas, quando o Filho do Homem vier, acaso encontrará a fé sobre a terra?” (Lc 18,8).Se se apaga a fé, apaga-se a oração, e nós caminhamos na escuridão, perdemo-nosno caminho da vida.»