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Palestra Jorge Eremites de Oliveira

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Page 1: Palestra jorge eremites

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Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

Campus de Naviraí

Curso de Formação de Professores em História e Cultura Indígena

A história indígena em Mato Grosso do Sul:

desafios, avanços e perspectivas

Jorge Eremites de Oliveira

Universidade Federal da Grande Dourados

Faculdade de Ciências Humanas

Programa de Pós-Graduação em Antropologia

Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-história

Page 2: Palestra jorge eremites

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Surgimento e importância da história indígena

O surgimento e o desenvolvimento da ideia de que os indígenas possuem

história (e não apenas etnografia ou cultura fossilizada no tempo e espaço), que

são sujeitos históricos e a entrada dos povos indígenas no campo de estudo dos

historiadores no Brasil e em Mato Grosso do Sul ainda são bastante recentes.

A história dos povos indígenas é importante para a compreensão da história das

sociedades nacionais americanas e disso resulta na necessidade de

descolonização da História e de outras ciências sociais no Ocidente.

Ou nas palavras de Pedro Ignacio Schmitz (1998: 2005), falando sobre Mato

Grosso do Sul: “Quem conta hoje a história de Mato Grosso do Sul não tem o

direito de colocar o início da colonização na chegada do conquistador europeu,

quer este seja de origem espanhola, quer portuguesa. Tanto o Planalto como o

Pantanal estavam ocupados desde muitos milênios. Populações variadas tinham

chegado a estes espaços e desenvolvido técnicas, estruturas sociais e culturas

adaptadas aos diversos ambientes”.

A história indígena no Brasil e em outros países americanos

O desenvolvimento das pesquisas sobre a história indígena nos Estados Unidos,

México, Guatemala, Peru, Argentina etc., e o legado dos quatro campos da

antropologia cultural americana (antropologia sociocultural [cultural ou social],

antropologia física, antropologia linguística e arqueologia) para o método da

etno-história.

O desenvolvimento das pesquisas sobre a história indígena no Brasil: o diálogo

entre antropologia e história e o questionamento sobre as comemorações oficiais

dos 500 anos do “descobrimento da América”, em 1992, e dos 500 anos do

“descobrimento do Brasil”, em 2000, sob impacto da obra História dos índios no

Brasil, organizada por Manuela Carneiro da Cunha (1992).

No Brasil, a história indígena geralmente tem sido proposta para ser concebida

de suas maneiras: (1) como o transcurso dos povos ameríndios dentre ou fora de

uma visão emic, quer dizer, na perspectiva da própria narrativa e interpretação

que os indígenas fazem sobre sua história; (2) como o estudo processual da

trajetória histórica e sociocultural dos povos nativos da América, isto é, da

interpretação (etic) que os cientistas sociais (arqueólogos, etnólogos, etno-

historiadores etc.) fazem sobre a história dos povos ameríndios desde tempos

pré-coloniais.

Os povos indígenas entraram definitivamente no campo de estudo dos

historiadores no Brasil?

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Etno-história, etnografia histórica, antropologia histórica, história antropológica,

história indígena...

História indígena, antropologia histórica, história antropológica, etnografia

histórica ou etno-história? Sobre o que, afinal de contas, estamos a falar?

História indígena é o mesmo que etno-história ou história nativa americana?

A palavra etno-história, grafada em inglês como ethnohistory e em espanhol

como etnohistoria, vem do grego (etno + história) e foi usada pela primeira vez

no início do século XX por Clarck Wisler nos Estados Unidos.

Segundo o arqueólogo estadunidense Bruce G. Trigger, autor do artigo

Ethohistory: problems and prospects, publicado na revista Ethnohistory (n. 29,

v. 1, 1982), “a etno-história é uma perspectiva de método interdisciplinar para o

conhecimento da história dos povos nativos das Américas”. Mas para o

antropólogo espanhol, radicado no Paraguai, Bartomeu Melià, em ensaio

denominado Del Guaraní de la historia a la historia del Guaraní”, publicado no

Correo Semanal (Asunción, n. 27, 1991), “a etno-história Guarani é a história

entendida pelos próprios Guarani, quem sabe seus tempos e os entende”. Eis

aqui certa controvérsia entre emic e etic que chegou a gerar polêmica entre

alguns historiadores em Mato Grosso do Sul.

Um pouco sobre etno-história e algo mais

O surgimento do campo (na perspectiva bourdiana) da etno-história no âmbito

da antropologia cultural americana e os debates sobre seu conceito e sua

aplicabilidade nas décadas de 1950, 1960 e 1970, muitos dos quais aconteceram

na revista Ethnohistory.

O desconhecimento da etno-história no Brasil em decorrência de duas grandes

escolas que influenciaram/influenciam a antropologia brasileira contemporânea:

antropologia francesa e antropologia social britânica (ou

estruturalismo/perspectivismo x processualismo/antropologia histórica?).

A influência da antropologia no trabalho dos historiadores europeus: do

movimento inicial dos Annales à nova história cultural francesa e à micro-

história italiana.

Os povos indígenas no imaginário brasileiro: homogeneidade x diversidade;

fossilização no tempo x dinâmica sociocultural; etnografia x história; diacronia x

sincronia; aculturação e perda de identidade étnica.

Minha posição hoje: em defesa da pluralização de tradições etnográficas e

historiográficas para romper com o areacentrismo acadêmico e para produzir

uma outra história indígena possível, a partir, sobretudo, de uma perspectiva

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holística baseada inicialmente no diálogo da História com os quatro campos da

antropologia de tradição boasiana.

Instigando a discussão sobre a interpretação de fontes escritas de interesse à

história indígena

“Corre que [os Guató] praticam a poligamia. Disso, entretanto, não pude

certificar-me. Cheguei a perguntar a um guató, encontrado em companhia de três

mulheres, em sua canoa, se todas elas lhe pertenciam. Respondeu-me que sim.

Indaguei, então, se não queria dar-me uma. Cuidou ele, por sua vez, de saber se

eu trouxera a minha comigo. Diante de minha resposta negativa, acrescentou-me

que, se eu a tivesse trazido, poderíamos fazer uma troca. Nada me prova, porém,

que, dessas três mulheres, duas não fossem suas parentas ou amigas, de modo

que talvez não passasse de ironia sua afirmação, quando lhe dirigi a primeira

pergunta” (FLORENCE, Hercules. 1977 [1826/1827]. Viagem fluvial do Tietê

ao Amazonas pelas Províncias Brasileiras de São Paulo, Mato Grosso e Grão-

Pará (1825-1829). Trad. de F. A. Machado & V. Florence. Assis, Museu de

Arte de São Paulo Florence, 1977, p.48).

“Não sendo imprevidentes, tomam [os Guató] o cuidado de plantar vários

vegetais nos capões que não ficam submersos pelas inundações periódicas, para

dessas plantações, em que predominam as bananeiras, tirarem o necessário

proveito oportunamente. São celeiros estabelecidos convenientemente nas

paragens que eles percorrem anualmente e que satisfazem não só as

necessidades de que os estabeleceu, como também de todos os viajantes que por

ali passam” (RONDON, Candido Mariano da Silva. 1949 [1900-1906].

Relatório dos trabalhos realizados de 1900-1906 pela Comissão de Linhas

Telegráficas do Estado de Mato-Grosso... Rio de Janeiro, Departamento de

Imprensa Nacional, p.158).

Sobre a história indígena em Mato Grosso do Sul

Até a década fins da década de 1980 praticamente não se falava em história

indígena em Mato Grosso, mas este quadro passou a mudar, e muito, a partir da

década de 1990 com a contribuição de três importantes pesquisadores: Pedro

Ignacio Schmitz (arqueólogo, antropólogo sociocultural, historiador, geógrafo,

filósofo e teólogo), Bartomeu Meliá (antropólogo sociocultural, historiador,

filósofo e teólogo) e Antônio Jacó Brand (antropólogo sociocultural e

historiador). Com isso houve uma espécie de gradual redescobrimento ou

desencobrimento da história dos povos indígenas no estado, quando

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historiadores passaram a dar mais visibilidade à historicidade e às vozes dos

indígenas.

Em fins da década de 1990 houve a criação, em Dourados, na época do antigo

CEUD/UFMS, atual UFGD, do Programa de Pós-Graduação em História, onde

há uma linha de pesquisa chamada História Indígena. Este foi um marco

importante para a historiografia sul-mato-grossense e também para a etnologia

indígena e a antropologia no estado, uma região que outrora foi área de estudo

de renomados antropólogos: Alfred Métraux (1942, 1963), Claude Lévi-Strauss

(1996 [1955]), Darcy Ribeiro (1986 [1980]), Max Schmidt (1942 [1905]) e

Roberto Cardoso de Oliveira (1968, 1976) e tantos outros. Mas como e porque

isso aconteceu logo em Dourados?

A criação, em fins de 2010, do PPGAnt (Programa de Pós-Graduação em

Antropologia) na UFGD.

Dilemas, avanços e perspectivas em Mato Grosso do Sul

Como se dá a formação, em nível de graduação e pós-graduação, dos

profissionais de história em Mato Grosso do Sul e até mesmo no Brasil?

Porque historiadores que atuam no estado tem uma preocupação maior com a

história indígena no tempo presente e menos no tempo pretérito?

De um ponto de vista teórico-metodológico, quais seriam os dilemas, avanços e

perspectivas para a história indígena em Mato Grosso do Sul?

Há mesmo uma necessidade de descolonizar a História enquanto campo de

atuação dos historiadores?

O que os povos indígenas esperam no estado dos antropólogos, historiadores,

educadores, linguistas, sociólogos, advogados etc.?

Os eixos temáticos do PPGH/UFGD: 1) As questões ecológicas e socioculturais

pertinentes às relações entre povos indígenas e seus respectivos territórios,

sobretudo os processos relacionados à dinâmica de ocupação e uso dos recursos

naturais, bem como às formas de humanização da natureza e os processo de

territorialização. 2) Os processos de conquista e colonização que causaram

assimilações, mudanças socioculturais e desterritorializações de muitos povos

indígenas por parte das sociedades envolventes e seus antecessores europeus. 3)

A situação indígena contemporânea e sua relação com as sociedades nacionais e

com o próprio Estado. 4) A situação indígena contemporânea e sua relação com

as sociedades nacionais e com o próprio Estado.

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Dissertações produzidas na linha de história indígena no PPGH da UFGD/UFMS

(2001-2011)

Passos para elaboração de um projeto de pesquisa

(sugestão aos interessados)

1. Realização de pesquisa bibliográfica e leitura das obras levantadas.

2. A definição do assunto a ser pesquisado (delimitação da problemática e recorte

espaço-temporal), por vezes a transformar um problema social em um problema

científico a ser pesquisado.

3. A localização das fontes de pesquisa (sobretudo quando se trata de fontes

textuais) e formas de acesso às comunidades quando se tratar de um estudo com

base na oralidade, tradição oral, memória social etc.

4. A elaboração do projeto de pesquisa e a definição de: 1) tema; 2) justificativa ou

relevância; 3) objetivos gerais e específicos; 4) metodologia ou caminho teórico-

metodológico a seguir; 5) cronograma de atividades; 6) referências

bibliográficas.

5. O desenvolvimento da pesquisa nos prazos estabelecidos (geralmente de 24 a 30

meses) e a divulgação dos resultados finais dos estudos realizados (conclusão da

monografia e publicações).

Page 7: Palestra jorge eremites

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Sugestões de leitura para uma iniciação em história indígena

1. ALVES DA SILVA, Cleube; EREMITES DE OLIVEIRA, Jorge. Fontes

textuais e etnoistória: possibilidades de novas abordagens para uma história

indígena no estado do Tocantins. Revista do Museu Antropológico, Goiânia, n.8,

v.1, p.77-84, 2005.

2. BRAND, Antonio Jacó. O impacto da perda da terra sobre a tradição

Kaiowá/Guarani: os difíceis caminhos da palavra. Tese (Doutorado em

História) – PPGH, PUCRS, Porto Alegre, 1997.

3. CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. (Org.). História dos índios no Brasil. São

Paulo, FAPESP/SMC/Companhia das Letras, 1992.

4. CAVALCANTE, Thiago Leandro V. Etno-história e história indígena: questões

sobre conceitos, métodos e relevância da pesquisa. História, São Paulo, n.30,

v.1, p.349-371, 2011.

5. CELESTINO DE ALMEIDA, Maria Regina. Os índios na história do Brasil.

Rio de Janeiro, Editora FGV, 2010.

6. EREMITES DE OLIVEIRA, Jorge. A História Indígena em Mato Grosso do

Sul: dilemas e perspectivas. Territórios & Fronteiras, Cuiabá, n.2, v.2, p.115-

124, 2001.

7. EREMITES DE OLIVEIRA, Jorge. Sobre os conceitos e as relações entre

história indígena e etnoistória. Prosa, Campo Grande, n.3, v.1, p.39-47, 2003.

8. FUNARI, Pedro Paulo A. Arqueologia. São Paulo, Ática, 1988.

9. GRUPIONI, Luís Donisete B. (Org.). Índios no Brasil. Brasília, MEC, 1994.

10. LE GOFF, J. (Org.). A História Nova. 2ª ed. Trad. de E. Brandão. São Paulo,

Martins Fontes, 1993.

11. MALDI, Denise. A teia da memória – proposta teórica para a construção de

uma etnohistória. Cuiabá, Editora UFMT, 1993.

12. MELIÀ, Bartomeu. El Paraguay inventado. Asunción: Centro de Estudios

“Antonio Guasch”, 1997.

13. MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens

de São Paulo. São Paulo, Companhia das Letras, 1995.

14. SILVA, Aracy L.; GRUPIONI, Luiz Donizete B. (Orgs.). A temática indígena

na escola. Novos subsídios para professores de 1° e 2° graus. Brasília,

MEC/MARI/UNESCO, 1995.

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15. NEVES, Walter A. (Org.). Dossiê “Antes de Cabral: Arqueologia Brasileira”.

Revista USP, São Paulo, n.44, 2v, 2000.

16. PACHECO DE OLIVEIRA, João. Ensaios em antropologia histórica. Prefácio

de Roberto C. de Oliveira. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 1999.

17. SCHMITZ, Pedro Ignacio. Arqueologia em Mato Grosso do Sul: dois projetos,

dois resultados. Fronteiras, Campo Grande, v.2, n.4, p.203-223, 1998.

18. SILVA ROIZ, Diogo. A população indígena na historiografia de Mato Grosso

do Sul: o caso do programa de pós-graduação em História da UFMS, campus de

Dourados. Revista História & Perspectivas, Uberlândia, v.23, n.43, p.251-302,

2010.