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Jorge Loredo

O Perigote do Brasil

Jorge Loredo

O Perigote do Brasil

Cludio Fragata

So Paulo, 2009

Governador

Jos Serra

Imprensa Oficial do Estado de So Paulo Diretor-presidente Hubert Alqures

Coleo Aplauso Coordenador Geral Rubens Ewald Filho

Apresentao

Segundo o catalo Gaud, No se deve erguer monumentos aos artistas porque eles j o fizeram com suas obras. De fato, muitos artistas so imortalizados e reverenciados diariamente por meio de suas obras eternas. Mas como reconhecer o trabalho de artistas geniais de outrora, que para exercer seu ofcio muniram-se simplesmente de suas prprias emoes, de seu prprio corpo? Como manter vivo o nome daqueles que se dedicaram mais voltil das artes, escrevendo, dirigindo e interpretando obras-primas, que tm a efmera durao de um ato? Mesmo artistas da TV ps-videoteipe seguem esquecidos, quando os registros de seu trabalho ou se perderam ou so muitas vezes inacessveis ao grande pblico. A Coleo Aplauso, de iniciativa da Imprensa Oficial, pretende resgatar um pouco da memria de figuras do Teatro, TV e Cinema que tiveram participao na histria recente do Pas, tanto dentro quanto fora de cena. Ao contar suas histrias pessoais, esses artistas do-nos a conhecer o meio em que vivia toda

uma classe que representa a conscincia crtica da sociedade. Suas histrias tratam do contexto social no qual estavam inseridos e seu inevitvel reflexo na arte. Falam do seu engajamento poltico em pocas adversas livre expresso e as consequncias disso em suas prprias vidas e no destino da nao. Paralelamente, as histrias de seus familiares se entrelaam, quase que invariavelmente, saga dos milhares de imigrantes do comeo do sculo passado no Brasil, vindos das mais variadas origens. Enfim, o mosaico formado pelos depoimentos compe um quadro que reflete a identidade e a imagem nacional, bem como o processo poltico e cultural pelo qual passou o pas nas ltimas dcadas. Ao perpetuar a voz daqueles que j foram a prpria voz da sociedade, a Coleo Aplauso cumpre um dever de gratido a esses grandes smbolos da cultura nacional. Publicar suas histrias e personagens, trazendo-os de volta cena, tambm cumpre funo social, pois garante a preservao de parte de uma memria artstica genuinamente brasileira, e constitui mais que justa homenagem queles que merecem ser aplaudidos de p. Jos SerraGovernador do Estado de So Paulo

Coleo AplausoO que lembro, tenho. Guimares Rosa

A Coleo Aplauso, concebida pela Imprensa Ofi cial, visa resgatar a memria da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compem a cena brasileira nas reas de cinema, teatro e televiso. Foram selecionados escritores com largo currculo em jornalismo cultural para esse trabalho em que a histria cnica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituda de maneira singular. Em entrevistas e encontros sucessivos estreita-se o contato entre bigrafos e biografados. Arquivos de documentos e imagens so pesquisados, e o universo que se reconstitui a partir do cotidiano e do fazer dessas personalidades permite reconstruir sua trajetria. A deciso sobre o depoimento de cada um na primeira pessoa mantm o aspecto de tradio oral dos relatos, tornando o texto coloquial, como se o biografado falasse diretamente ao leitor. Um aspecto importante da Coleo que os resultados obtidos ultrapassam simples registros biogrficos, revelando ao leitor facetas que tambm caracterizam o artista e seu ofcio. Bigrafo e biografado se colocaram em reflexes que se estenderam sobre a formao intelectual e ideolgica do artista, contextualizada na histria brasileira.

So inmeros os artistas a apontar o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida, deixando transparecer a firmeza do pensamento crtico ou denunciando preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando nosso pas. Muitos mostraram a importncia para a sua formao terem atuado tanto no teatro quanto no cinema e na televiso, adquirindo, linguagens diferenciadas analisando-as com suas particularidades. Muitos ttulos exploram o universo ntimo e psicolgico do artista, revelando as circunstncias que o conduziram arte, como se abrigasse em si mesmo desde sempre, a complexidade dos personagens. So livros que, alm de atrair o grande pblico, interessaro igualmente aos estudiosos das artes cnicas, pois na Coleo Aplauso foi discutido o processo de criao que concerne ao teatro, ao cinema e televiso. Foram abordadas a construo dos personagens, a anlise, a histria, a importncia e a atualidade de alguns deles. Tambm foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correo de erros no exerccio do teatro e do cinema, a diferena entre esses veculos e a expresso de suas linguagens. Se algum fator especfico conduziu ao sucesso da Coleo Aplauso e merece ser destacado ,

o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu pas. Imprensa Oficial e sua equipe coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficcia a pesquisa documental e iconogrfica e contar com a disposio e o empenho dos artistas, diretores, dramaturgos e roteiristas. Com a Coleo em curso, configurada e com identidade consolidada, constatamos que os sortilgios que envolvem palco, cenas, coxias, sets de filmagem, textos, imagens e palavras conjugados, e todos esses seres especiais que neste universo transitam, transmutam e vivem tambm nos tomaram e sensibilizaram. esse material cultural e de reflexo que pode ser agora compartilhado com os leitores de todo o Brasil. Hubert AlquresDiretor-presidente Imprensa Oficial do Estado de So Paulo

Este livro dedicado a Cleunice Rocha, que, como eu, f de Z Bonitinho. Cludio Fragata

IntroduoNo me lembro da primeira vez que vi Carlitos. Ou Drcula, Cantinflas, Zorro, Gordo e Magro, embora esses personagens tenham muito cedo entrado em minha vida. Mas lembro com exatido da primeira vez que vi Z Bonitinho. Eu morava em Marlia, no interior de So Paulo e tinha uns 11 anos. Naquela poca, levar a imagem da televiso ao interior exigia uma complicada logstica de torres repetidoras. As imagens que chegavam minha casa vinham de Londrina, no Paran. E, por incrvel que parea, eram de programas produzidos no Rio de Janeiro. Num deles, suponho que fosse A Praa da Alegria, da TV Rio, vi um sujeito magrelo como um palito que, de diminuto, tinha apenas o bigodinho. Tudo o mais era mega. Usava um topete colossal, camisa de bolas imensas e, na lapela, uma flor do tamanho de um girassol. Falava rpido, gesticulava muito e lanava cmera olhares sedutores como s um tremendo canastro capaz de fazer com tanto empenho. Subitamente, tirou um pente enorme de dentro do palet e se ps a retocar o cabelo. Em seguida, com a destreza de um prestidigitador, fez surgir um espelho tambm enorme no qual

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se mirou com o encantamento de um Narciso do subrbio. Antes que eu me recuperasse da estupefao, ainda tirou do bolso uma lima gigantesca e se ps a lixar calmamente as unhas enquanto dizia seu script beira do nonsense. Era Z Bonitinho, claro. Passados quase 50 anos, jamais o esqueci. Mais do que isso, nunca deixei de am-lo. Vejo que no estou sozinho nessa. O personagem continua mais vivo do que nunca e no s na tela da TV. Basta digitar seu nome no Google para que milhares de pginas se abram. L est Z Bonitinho citado em sites e blogues. Muitas vezes, por jovens que nunca ouviram falar em Jorge Loredo, o ator que deu e d flego a ele. Z Bonitinho transcendeu ao seu criador. um patrimnio nacional. Virou cone, smbolo, mito, tem vida prpria. Uma coisa impressionante. Analistas podem explicar o fenmeno recorrendo ao inconsciente coletivo e ao poder dos arqutipos. De minha parte, estou certo de que a longevidade do personagem est intimamente ligada ao talento de Jorge Loredo. Embora esteja no corao de todos os brasileiros, Jorge carioqussimo e mora no Rio de Janeiro, cidade da qual nunca pensou em sair.

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Nossos encontros foram sempre no Hotel San Raphael, no Largo do Arouche, onde Jorge se hospeda quando vem a So Paulo. Faz isso todas as semanas, para gravar sua participao em A Praa Nossa, do SBT. Quase sempre se instala no mesmo apartamento, que no tem carpete nem tapetes, por causa da alergia poeira. At hoje se preocupa com a respirao e a voz. Na vspera da gravao, faz apenas refeies leves. No gosta de se sentir pesado quando entra em cena. E, depois de um problema respiratrio que o afastou do trabalho e obrigou-o a interromper nossas entrevistas por alguns meses, passou a fazer inalao antes de encarnar Z Bonitinho. Apesar da familiaridade com o personagem, Jorge o interpreta com o rigor de um ator meticuloso. Qualidade que nunca abandonou ao longo de toda a sua carreira, seja na televiso, no teatro ou no cinema. No total, foram seis encontros, que totalizaram mais de 12 horas de conversa. Em todos, Jorge me recebeu sempre com gentileza. Ele um lorde. Uma caracterstica que pode surpreender quem o conhece apenas dos programas populares de humor, mas que no passa despercebida de seus colegas de televiso. Jorge um cavalheiro, diz a atriz Snia Almeida, a bonitona que contracena com Z Bonitinho, em A Praa Nossa. Educadssimo, faz questo de cumprir

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o ritual das etiquetas: Por favor, sente-se, fique vontade, repetia ao incio de cada uma de nossas entrevistas, depois de me cumprimentar. Quase sempre me esperava porta do elevador para, cortesmente, conduzir-me ao apartamento. Fala baixo e sem pressa. Ao longo de nossos papos, no disse um palavro sequer. Nada de descompostura. Pelo contrrio, no dispensava o tratamento cerimonioso ao referir-se a um mestre ou colega: o senhor Paschoal Carlos Magno ou dona Ema Dvila. Mesmo assim, no posa de santo. J cometi os sete pecados capitais e, s vezes, sou reincidente, confessou-me um dia.16

Jorge tem uma relao de amor e dio com Z Bonitinho. Coisa que pouca gente imagina. No precisa ser Freud para entender a razo. Ao mesmo tempo que lhe trouxe consagrao nacional, o personagem o impediu de fazer outros papis. Todos sempre quiseram, e ainda querem, Z Bonitinho. Mas Jorge o considera apenas mais um entre os vrios tipos que criou ao longo da carreira: o deputado Palestrino Conversildo da Silva, o guru hindu Saravabatana, o professor de portugus Luizclopdia, o costureiro Charles Paet e vrios outros. Admite, porm, que Z Bonitinho tem uma fora estranha, algo que ele mesmo no sabe explicar. S no gosta de ser confundido com seu famoso personagem. Meu Deus, so duas coisas muito diferentes. O que

bem fcil de constatar. Jorge um homem discreto, quase tmido. Diz que nunca foi mulherengo: No mais do que a maioria dos homens. Nada tem de conquistador barato. Muito menos de exibicionista. Comeou no teatro, pelas mos de Paschoal Carlos Magno, fazendo Shakespeare. Sempre se viu, antes de tudo, como um ator. Capaz de papis cmicos ou dramticos. Z Bonitinho eclipsou a carreira do ator verstil para lhe dar fama. Que ele agradece. Mas lamenta a camisa de fora que o personagem lhe imps. Sempre desconfiei que por trs de Z Bonitinho havia um grande artista. Depois de passar horas conversando com Jorge Loredo descobri que, alm disso, por trs do artista havia todo um tempo. De um Brasil que ria mais de si mesmo. De um Rio de Janeiro mais bem-humorado e menos violento. Tempo do Distrito Federal da Guanabara, do teatro de revista, dos cassinos, dos shows espetaculares de Carlos Machado. Jorge viveu a poca de ouro do humor brasileiro. Foi contemporneo e amigo de cmicos como Oscarito, Grande Otelo, Walter Dvila, Ronald Golias, Chico Ansio, Consuelo Leandro, Ankito, Costinha, Zez Macedo, Catalano, Agildo Ribeiro, Otelo Zeloni, Renata Fronzi, Carmen Vernica e muitos outros dos quais fala com um carinho reverente. Lembra com saudade do tempo em que autores e atores discutiam o script e construam

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o personagem a quatro mos: Hoje mal sabemos quem o autor do texto. Mas no desdenha do presente. Jorge cheio de ideias. No para de pensar em novos projetos. Quer fazer mais cinema. Alado aos filmes de arte pelo cineasta Rogrio Sganzerla, na dcada de 70, foi redescoberto mais recentemente pelos diretores Selton Mello, Las Bodanzky e Arnaldo Jabor. No teatro, ainda sonha com um espetculo solo em que possa apresentar dublagens e outros nmeros iguais aos que fazia no incio da carreira. Diz que gostaria de representar um dos esquetes mais engraados que j viu na vida e que descreve neste livro cujo nico texto a palavra Arnaldo. Quer fazer tudo de cara limpa. Quer entrar em cena como Jorge Loredo. Quer se despir de Z Bonitinho. Ou talvez entre em cena caracterizado de Z Bonitinho e v tirando a maquiagem, a fantasia, a peruca, desconstruindo o personagem aos poucos. At chegar a Jorge Loredo. De repente, pode no ser nada disso. As ideias so muitas. Mas, na televiso, seu maior sonho voltar a encarnar o Mendigo Aristocrata, o primeiro personagem que criou, um mix de filsofo e de vagabundo. Este sim, seu verdadeiro alterego. Ele um humanista e todo humorista um humanista, diz. Tomara que Z Bonitinho permita que isso acontea. Cludio FragataSetembro 2009

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Garotas do meu Brasil varonil: vou dar a vocs um tosto da minha voz...! Z Bonitinho

Captulo I Prlogo, no: MonlogoEu morro de rir quando dizem que o stand up comedy uma inveno americana. Antigamente, no teatro de revista, sempre havia um ator convidado para fazer um monlogo. Eram grandes comediantes que ficavam ali sozinhos em cena e o pblico vinha abaixo de tanto rir. O Mesquitinha era um desses cmicos maravilhosos, mas, quem se lembra? Pagano Sobrinho era outro rei do stand up comedy. Contava a piada e, se o pblico no entendia, dizia: Vamos fazer ginstica mental. Um gnio. Havia tambm o Badu. Quando a plateia no reagia, ele falava: Bolotas... Bolotas... Bolotas de amor para vocs!. Uma coisa assim meio nonsense. Fui muito influenciado por esses caras. Os monlogos de hoje no so novidade para mim. Cansamos de fazer isso. S que agora stand up comedy. Ento, t bom. Vamos na onda. Talvez seja essa a melhor maneira de contar minha histria. Que outra coisa falar sobre nossa prpria vida seno um monlogo? A diferena do stand up que nem tudo aqui comdia. Mas vamos em frente. Estou com 84 anos. J fiz muitos monlogos. Aqui comeo mais um. L vou eu pra boca de cena. Luzes, por favor!

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Captulo II Criador e Criaturas vezes, tenho vergonha de fazer o Z Bonitinho. Algumas pessoas me perguntam se no sei fazer outra coisa. Claro que sei. Jamais quis ser ator de um personagem s. Quando vim para A Praa Nossa, no SBT, pensei que faria o Mendigo, outro personagem criado por Manoel da Nbrega para a Praa da Alegria e que interpretei durante anos com grande sucesso. Achei at que poderia fazer algum novo tipo, mas o Carlos Alberto me pediu o Z Bonitinho. Fiquei pensando: Puxa, vou fazer o Bonitinho mais uma vez, novamente vo achar que s sei fazer isso. Pensei, pensei e, no fim, resolvi que ia fazer. Se ns envelhecemos, por que o personagem no pode envelhecer? A, sob essa tica, o Z Bonitinho comeou a caminhar em outra direo. Claro que continua vaidoso e galanteador porque no admite a velhice. S que, agora, as meninas dizem pra ele: tio, no se enxerga?. Foi uma maneira de renovar o personagem e no deix-lo to repetitivo. Mas fico constrangido, porque tem gente que olha pra mim pensando que no sei fazer outra coisa. o preo que pago pelo carisma que o Z Bonitinho tem. Sabemos que na dramaturgia e na literatura

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acontece isso de personagens adquirirem uma fora que impossvel controlar. Um amigo meu me aconselhou a colocar na cabea, de uma vez por todas, que Charles Chaplin morreu fazendo Carlitos. O ator Mrio Moreno morreu fazendo Cantinflas. Oscarito morreu fazendo Oscarito. O prprio Marcel Marceau fazia Pipi. Ento, j vi que vou morrer fazendo Z Bonitinho. Pelo jeito, ele vai virar av, bisav, tatarav... Transformou-se numa exigncia do pblico. H pouco tempo, fiz uma apresentao de cara limpa na Casa da Gvea, no Rio de Janeiro, a convite do ator Paulo Betti. Interpretei monlogos, canes e uma poro de coisas que sempre quis fazer. Isso me animou a bolar um espetculo que ainda pretendo montar. Quero entrar em cena como Z Bonitinho e, aos poucos, descaracteriz-lo at chegar ao ator Jorge Loredo. Tenho feito algumas experincias assim. Fui ao programa da Hebe Camargo e apresentei-me como eu mesmo regendo uma orquestra de verdade. A, na hora H, dizia que faltava o acorde e tal. Uma enrolao total para fazer as pessoas rirem. Esse um tipo de nmero inspirado na minha vivncia de teatro de revista e que adoro fazer. Assim, posso mostrar que tenho uma histria, uma longa carreira no teatro e na televiso. E que sou um ator de muitas possibilidades. No quero ser escravo do Z Bonitinho.

Captulo III O Perigote das MulheresNo Rio de Janeiro, existe a Praa Saens Pea, que era cercada por muitos bares e uma dzia de cinemas, entre eles o Olinda. Era o nosso point. Z Bonitinho nasceu ali. Eu tinha um colega chamado Jarbas, mais conhecido como Perigote das Mulheres porque era metido a conquistador. Usava um topete descomunal, o maior que j vi at hoje. O do Z Bonitinho idntico ao que ele usava, assim como as costeletas tipo Dom Pedro I e o bigodinho fino. O Jarbas no podia ver um espelho e os botequins sempre tinham muitos. Mal chegava, j ia tirando o pente e se punha a pentear. No satisfeito, ficava se olhando no espelho e fazendo caras e bocas. No era um homem bonito, mas se julgava lindo. Tinha um grande amor por si mesmo. Era vaidoso, praticava halteres. Quando as meninas passavam, ele comeava a cantar em ingls para se exibir. Cantava Strangers in the Night, com voz de um Sinatra canastro. Muito papudo, vivia dizendo que havia sado com tudo quanto garota e feito isso e mais aquilo, mas a gente sabia que era mentira. Eu sempre fui muito observador, sacava as mutretas e ria dele interiormente. Quando o Jarbas no estava por perto, eu o imitava e todo mundo ria.

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Z Bonitinho

Um dia, passou em frente ao Cine Metro uma mulher lindssima, que tinha fama de bem-casada e feliz. A gente, de pura safadeza, provocou o Perigote, dizendo que duvidvamos muito que tivesse sado com aquela mulher. Ele no perdeu a pose. Respondeu que nunca havia falado nada porque era um homem discreto, mas que, naquele exato momento, os dois iam se encontrar dentro do cinema. Explicou que, para despistar, ela entrava primeiro e ele depois. No podiam chamar a ateno; afinal, a moa era casada. A mulher, de fato, entrou no cinema. Ele se despediu da gente apressado e entrou tambm. Ficamos desconfiados e resolvemos conferir. Demos um tempo e entramos tambm no cinema. A sala j estava escura e ele no percebeu nossa presena. Vimos ento que a mulher estava l na frente e ele vrias fileiras atrs. Antes das luzes se acenderem, samos correndo e ficamos esperando por ele na praa. Quando o Perigote se aproximou, ns perguntamos: E a?. E ele: Essa mulher me persegue... louca por mim. Foram tantos beijos que nem vi o filme. Esse era o Perigote! Comecei a imitar cada vez mais o jeito que ele falava, os gestos que fazia para arrumar o cabelo, a postura, tudo. As pessoas pediam para que eu o imitasse nas festas. Todo mundo achava graa. Da para o Z Bonitinho foi um pulo. S

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que esse nome surgiu na minha cabea depois de pedir um prato num restaurante de beira de estrada. Veio um bife de soltar fogo pela boca de to apimentado. Quando reclamei, o garom chamou o cozinheiro: Z Bonitinho, venha c!. Eis que surge da cozinha um sujeito feio pra caramba e com um dente s na boca. Pronto. Meu personagem estava batizado. No comeo, tinha pensado em cham-lo de Brbaro. Mas mudei de ideia depois desse incidente no restaurante. Z Bonitinho tinha tudo a ver. O personagem estava construdo. Com o tempo, fui exagerando na composio. Acrescentei as roupas espalhafatosas. Transformei-o em uma caricatura ambulante. Foi a que surgiram os culos, o espelho, o pente, a flor da lapela, tudo em tamanho gigante, que mais tarde seriam imitados at por cidades do interior. Fui inventando bordes para ele: Sou Z Bonitinho, o homem mais bonito do meu Brasil varonil, qui of the world.... Ou ento: Estou cansado de ser bonito... Atente para o detalhe de meu cansao: Arf! Arf!. O mais famoso deles, que virou uma marca do Z Bonitinho, : Cmera, close! Microfone, please!. Eu intua que o personagem daria certo. Mas nunca imaginei que teria essa fora que tem at hoje. amado por idosos, jovens e crianas. O Z Bonitinho transformou-se em patrimnio nacional. Sem saber, criei um mito.

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Z Bonitinho

Captulo IV Parece ComdiaUm dia, l pelos anos 50, abro o jornal e leio que estavam abertas as inscries para um curso de formao de atores no Teatro do Estudante do Brasil TEB, que era dirigido por Paschoal Carlos Magno. Eu era muito amigo de Sylvia Telles, que depois se transformou num dos grandes nomes da bossa nova. Naquela poca, era ainda muito menina e sonhava ser bailarina. Tnhamos at feito juntos um nmero de dublagem na TV Tupi. Quando contei do anncio, ela me deu a maior fora e disse que faria o teste tambm. L fomos ns pra Santa Teresa. Assim que chegamos, entramos numa fila enorme. Ouvi os candidatos falando que iam fazer Shakespeare, Molire, Sfocles, Ibsen, s teatro clssico. No tinha noo de nada disso. Pra mim, era palavro. Um dizia que ia fazer Hamlet, outro dizia que faria Rei Lear, e mais outro que faria no sei qu l. Comecei a me sentir um peixe fora dgua. Queria estudar teatro, mas no sabia que precisava fazer teste para isso. Pensei em ir embora, mas quando vi j estava na boca do leo: chegou a minha vez. A moa encarregada das inscries perguntou o que eu ia fazer. Respondi que ia fazer comdia. E ela: Um monlogo cmico?. Eu

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respondi que sim, sem ter a menor ideia do que fosse um monlogo cmico. Foi aquele silncio. Todo mundo me olhou. Cmico? Ali, s tinha de Shakespeare pra cima. S tragdia. Como algum podia ousar fazer comdia? Marquei o teste e fui Praa Tiradentes. Fui pensando: Meu Deus do cu, o que ser que um monlogo cmico? Olha o que fui inventar!. Cheguei na praa e encontrei seu Mafra, um ator de opereta que eu gostava muito, naquela poca j com mais de 80 anos. Fumava cachimbo, pintava o cabelo de preto tipo graxa de sapato e usava um bigodinho igual ao do Z Bonitinho. Contei a histria do teste. Ele me mandou ir Talmagrfica. Era uma loja ao lado do Teatro Recreio, que s vendia coisas de teatro e circo, tipo perucas, maquiagem e libretos de textos de dramaturgia. Disse que eu comprasse A Lira Teatral, um livro s de monlogos. Escolhi um chamado Como pedir uma loura em casamento. Era a histria de um sujeito que entrava em cena j pedindo desculpas ao pblico porque no podia se apresentar. Dizia que naquela noite ia pedir a mo da noiva em casamento, mas que no sabia como fazer isso. Perguntava se tinha algum na plateia que pudesse dar alguma dica j havia, na poca, esse tipo de interao com o pblico. Decorei o texto e seu Mafra me ensaiou. Veja s, um homem de teatro, de opereta, perder tempo com um iniciante. E que

cara de pau a minha de fazer um teste onde s tinha Shakespeare, Tchecov e Eurpides. Mais assustador ainda era a banca examinadora: Bibi Ferreira, madame Henriette Morineau, Procpio Ferreira e o prprio Paschoal Carlos Magno. Era para deixar qualquer um de perna mole. Antes de mim, teve gente declamando Ser ou no ser e tal. Cheguei a pensar com meus botes: O que estou fazendo aqui?. Mas logo me chamaram e entrei em cena. Tirei primeiro lugar. Tambm era o nico que concorria ao quesito comdia. Claro que eu podia ter sido reprovado, mas no fui. Meu nervosismo ajudou a compor o personagem, que era algum muito nervoso com a ideia de pedir a mo da noiva. Eu fazia todos os personagens, o pai, a me, a noiva, o noivo e ainda a sonoplastia: batia na porta, pc, pc, pc, a porta abria, nhc... e assim por diante. Quando o negcio terminou, esperava uma chuva de pedras, mas foi o contrrio. Fui aplaudido tanto pelo jri quanto pela plateia. Cheguei a receber uma crtica no jornal Correio da Manh. Era um crtico famoso, que me elogiou e disse que eu tinha futuro. Ainda me aconselhou a ler isso e mais aquilo. Fez uma crtica muito construtiva. Deve ter sido mesmo. Olha eu aqui. Com mais de 60 anos de carreira. Quanto Sylvinha Telles, depois de fazer o curso de teatro, descobriu que o seu barato era mesmo cantar.

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Captulo V Toques de MestreAssim que terminou a cena do meu teste, o senhor Carlos Magno me chamou e perguntou se eu estava disposto a trabalhar em Romeu e Julieta. Queria que eu fizesse o personagem Merccio. Aceitei e dei incio aos ensaios no Teatro do Estudante. Descobri que tinha uma grande expresso corporal. Tanto que fiz essa primeira pea como amador e logo comecei a me profissionalizar. Bem nessa poca, veio ao Brasil o mmico francs Marcel Marceau, que foi visitar o Teatro do Estudante. O senhor Magno me pediu que subisse ao palco para servir de assistente ao mmico. Acabei ganhando dele uma poro de dicas e toques. Olha que privilgio! E eu nem sabia quem era Marcel Marceau, no tinha noo de nada. Depois fui assistir ao espetculo dele no Teatro Municipal e fiquei maravilhado. Achei que aquilo no existia. Ele fazia um homem caminhando contra o vento. Qualquer um que visse aquilo juraria que estava ventando, que o homem lutava com uma poderosa ventania. Foi a partir desse instante que entendi a grandeza de um ator no palco.

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Captulo VI Luzes da RibaltaNo que o mundo teatral fosse completamente estranho para mim. Trazia da infncia uma grande admirao pelo circo, pelo cinema e pelo teatro. Como minha sade era frgil e eu vivia acamado, isolado de todos, meus pais, sempre que podiam, iam comigo ao teatro, ao circo e s famosas revistas da poca para me alegrar um pouco. Meu pai tinha um terreno e costumava alugar para os circos que chegavam ao Rio. Minha me era costureira e pegava encomendas com os artistas. Remendava as fantasias de palhao, as roupas dos mgicos, os vestidos das bailarinas. Eu fazia as entregas. Quando chegava l, no perdia nada. Observava os atores ensaiando, os palhaos se pintando, pondo o nariz e tal. Quem reparar bem, vai ver que o Z Bonitinho tem um pouco de palhao. Eu ficava por ali e acabava assistindo aos espetculos. Assim, sem perceber, fui me aproximando das luzes da ribalta. Minha carreira profissional comeou em 1954, mas o circo, o cinema e o teatro j faziam parte da minha vida.

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Captulo VII Ganhando um TempoEu podia ter comeado minha histria do comeo. No assim normalmente que comeam as biografias? A minha tem incio num subrbio do Rio de Janeiro chamado Campo Grande, a duas horas e meia de trem Maria Fumaa do centro. Foi ali que nasci, no dia 7 de maio de 1925. Podia continuar dizendo que o nome de minha me era Luiza Rodrigues Loredo e o do meu pai Etelvino Ignacio Loredo. Resolvi no comear por a porque tive uma infncia alegre, mas da pr-adolescncia em diante minha vida no foi das mais agradveis. Aos 12 anos, adquiri uma doena chamada osteomielite, que uma inflamao nos ossos. No meu caso, o problema foi no fmur da perna esquerda. Sentia dores atrozes e no conseguia andar. Usei muleta, bengala e at cadeira de rodas. Comear um livro com uma histria triste desanima qualquer um. Tirando algum maluco, ningum gosta de baixo astral. Ainda mais que as pessoas costumam me associar de imediato com o Z Bonitinho. Acontece que a vida de um ator cmico no uma piada. Querendo ou no, temos tambm nossas dores, como todo mundo. Quem escapa disso? A dor que marcou minha infncia e boa parte da

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Foto da famlia Loredo

minha vida adulta foi a osteomielite. Uma dor fsica, bem real, nem estou falando de dores de amores. A doena me causou muito desconforto interior. Vivi bastante isolado. Era um garoto que no se relacionava com ningum. Meu nico amigo era cego. Eu perneta, ele cego! No tnhamos namoradinhas e aquelas conquistas prprias da juventude. Nenhuma garota queria saber da gente. No sei at hoje o que causou a enfermidade. Pode ter sido uma pancada ou alguma arte de moleque. S sei que a osteomielite me acompanhou at os 46 anos. No falo disso para que as pessoas sintam pena. So fatos de minha vida. No posso deixar de falar de uma companheira dessas, por mais indesejvel que ela tenha sido. Precisava ganhar um tempo para entrar no assunto. Agora, j falei.

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Captulo VIII Atrs da Mscara at natural que as pessoas pensem que a vida de um comediante seja um mar de rosas. Se ele faz todo mundo rir, ento s pode ser um sujeito feliz. Claro que isso no verdade. Em primeiro lugar, um humorista gente. Como todo mundo, tem altos e baixos. Dizem por a que todo comediante tmido e triste. Conheci Oscarito e ele era muito tmido fora do palco. Walter Dvila era mais do que tmido: era cerimonioso. Seu Castro Barbosa, um escracho em cena, era um lorde na intimidade. Viajei muitas vezes para So Paulo em sua companhia. Ele usava palet, colete, um chapu desabado, guarda-chuva no brao, sempre elegantssimo. Chico Ansio um cara srio, quase sisudo. Fiz uma temporada em Recife com Lolita Rodrigues e ela me dizia:Pelo amor de Deus, tira os culos ou voc fica parecido com um professor de latim. Sabe aquelas mascarazinhas que simbolizam o teatro? So a melhor definio para ns.

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Aos 8 anos, no internato Colgio Ernani Cardoso, em Cascadura

Captulo IX Curado, enfimDurante um longo perodo, minha vida foi uma sucesso de internaes e altas. O tratamento, na poca, era cirrgico, s bem mais tarde, com o surgimento da penicilina, que passei a tomar remdios. Por causa desse monte de cirurgias, tenho, at hoje, uma descompensao na perna esquerda. Era operado, saa do hospital e voltava a andar. Quando j estava quase me esquecendo da doena... PAM! Ela voltava e tudo se repetia. Podia durar meses, uma semana, um troo louco. Isso significava interromper os estudos e ficar um longo tempo em recuperao. Mais tarde, passou a significar tambm interrupo e reincio de carreira. Aos 46 anos, tive uma recada violenta. Violenta, no. Violentssima. Um amigo, inconformado com minha situao, falou de um mdico que havia chegado dos Estados Unidos e que tratara de soldados feridos no Vietn. Era o ortopedista Donato dAngelo. L fui eu. Esse cirurgio me operou com grande sucesso. Desde ento, no tive reativao nenhuma e espero no ter nunca mais. Mas at isso acontecer, sofri bastante.

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Captulo X Aurora da minha VidaAo contrrio da adolescncia, minha infncia foi tranquila. At surgir a doena, eu brincava como qualquer criana. Adorava futebol de boto, andava de bicicleta, jogava bola, ia ao parque de diverses, corria pelo quintal, que era to grande que hoje uma rua. s vezes, passo por l e digo: J brinquei muito aqui. Eu me lembro de chupar laranja deitado debaixo do p. Tambm de um cavalinho de corda que meu pai me deu e que eu adorava. Mas a mais doce das recordaes que tenho minha bisav Reginalda, que foi camareira da princesa Isabel. Tinha os olhos bem azuis, cabelos brancos e fumava um cachimbinho. Casou-se primeiro com um oficial da Marinha francesa que veio ao Brasil para lutar na Guerra do Paraguai. Ele morreu na batalha e minha bisav casou-se novamente, dessa vez com meu bisav Custdio. Eu era o escudeiro dela. Adorava ouvir suas histrias. Saamos juntos pelo quintal para catar guando. Sabe o que guando? um feijozinho verde que d numa vagem. Ela colhia e eu ia pondo num saco. Enquanto isso, conversava comigo, contava que Dom Pedro II era assim e assado, falava do palcio, dos tempos da guerra. Falava-me da histria

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do Brasil. Talvez, por isso, meu primeiro desejo tenha sido estudar Histria. Depois mudei de ideia, mas at hoje gosto do assunto. Minha famlia no era rica, mas tambm no era pobre. Meu pai tinha um armazm, era um homem remediado. Comeou do nada e, no fim, conseguiu juntar um p-de-meia. No tive isso de querer um brinquedo e no ter, de querer comer isso ou aquilo e no poder. Nossa casa era imensa, minha me tinha duas cozinheiras e mais lavadeira e engomadeira... Quer dizer, a gente vivia bem. Eu fui criado com muitas tias me paparicando, pois elas moravam nas redondezas. ramos seis irmos, trs meninos e trs meninas. O Joo Loredo foi o nico que seguiu carreira artstica como eu. Excelente diretor de televiso, criou o Faa Humor, No Faa a Guerra para o J Soares. Dirigiu programas clebres como Black and White, Viva o Gordo, Dercy de Verdade, Chico Ansio Show, Domingo de Graa, Satiricom e vrios outros. Foi tambm o primeiro diretor do Fantstico. J Jos Amrico formou-se em advocacia como eu e exerce a profisso at hoje. Minhas irms Janice e Eunice so donas de casa e Janete se formou em Histria, mas hoje est aposentada.

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Joo Loredo, com o comediante Costinha

A me, Luiza Rodrigues Loredo, no casamento

Captulo XI A Alma Boa de MameMinha me a coisa mais maravilhosa do mundo. Digo , no presente, embora ela no esteja mais aqui, porque acho que a vida continua em outro plano. Era de uma candura imensa e altamente espiritualizada. No tenho uma religio especfica, mas fui educado dentro da espiritualidade. Meu pai era um homem fisicamente comum. Ela, no. Era muito bonita. O casamento deles causou polmica na poca porque minha me era branca e meu pai negro. No sei se a negritude era africana ou moura. Apesar de no ter conhecido meu av paterno, sei que o apelido dele era Joo Canela. Quando era criana, eu pensava que a razo do apelido fosse o fato de ele ter canelas finas. Depois que me disseram que era por causa da cor da pele. Penso que a melhor palavra para definir minha me seja etrea. Tudo nela era bonito. Tinha uma alma boa e lia muito. Gostava de romances e de livros sobre espiritualidade. No final da vida, levou um tombo e quebrou o fmur. Passou a ter dificuldade para andar, o que a deixou muito deprimida porque sempre foi uma mulher muito gil. Passei a visit-la com muita frequncia. Ela me dizia: Ah, meu filho, Jesus Cristo esqueceu

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de me mandar buscar. Faleceu 15 dias antes de completar 101 anos. Eu estava em So Paulo gravando A Praa Nossa. Na noite anterior, passei muito mal, no conseguia dormir, sentia uma agonia, uma coisa esquisita. Fui para a gravao com uma cara pssima. Minha aparncia era to cadavrica, que, quando cheguei, fui levado ao departamento mdico do SBT. Depois de gravar, tornei a ser encaminhado para l, onde encontrei um de meus filhos. Ele ento me deu a notcia da morte de minha me. Tiveram o cuidado de s me contar depois que eu sasse de cena.

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Captulo XII Caindo no SambaOutra coisa que no sai da minha memria o carnaval. A osteomielite j tinha tomado conta de mim. Meus irmos me colocavam num tapete e puxavam at o porto. Depois, punham-me numa cadeira para que eu pudesse ver os blocos. Quando fui melhorando, passei a participar do carnaval. Saa em blocos de mascarados. Conheci um rapaz que o pai era dono de um bar. Todo carnaval, ele se vestia de diabinho e saa pelas ruas tocando violo. Adivinha quem era? O Luiz Bonf. Foi meu colega de infncia. Em Campo Grande, havia o Clube dos Aliados. Ali, comecei a ir a festinhas, representaes amadoras e o Bonf tocava violo. Um dia, j estava andando melhor, fiquei com vontade de ir a um baile de carnaval. Fui pedir dinheiro ao meu pai, ele no quis dar. A, minha me disse que daria um jeito. Como era costureira, fez pra mim um fraque de saco de estopa e uma cartola de cartolina. Depois, disse: Pede dinheiro na rua e vai pro seu carnaval. Eu era timidssimo. No sei o que houve. De repente, baixou um santo. Fui pra rua e comecei a pedir dinheiro s pessoas imitando voz de palhao. noite, tinha o suficiente pra ir ao baile. Talvez

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minha me tivesse sentido que eu poderia me soltar desse modo. Foi a maneira dela de me jogar na vida.

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Captulo XIII Primeiro AmorSempre fui tmido. Para piorar, a doena fazia com que eu me sentisse diferente dos outros garotos. Olhava para as meninas, achava-as bonitas e no dizia nada porque tinha um terrvel complexo de inferioridade. No havia curso secundrio em Campo Grande, ento fui estudar no Colgio Arte e Instruo, em Cascadura. L conheci uma garota chamada Maria Aparecida. Ela morava em Realengo e o pai dela era capito do Exrcito e professor na Escola de Cadetes. Nossa! Como eu gostava dessa menina! Tentei me aproximar, mas ela no quis nada comigo. Essa paixo platnica durou muito tempo. At que entrou a Edna na jogada. Era uma garota que gostava de mim, mas eu no gostava dela. Para ver se fazia cime a Maria Aparecida, comecei a namorar a Edna, que acabou sendo a minha primeira namorada de ir ao cinema e pegar na mo. A Maria Aparecida nem se abalou. Nada aconteceu entre ns. S consegui esquec-la depois de fazer o Tiro de Guerra e vir trabalhar no Rio de Janeiro.

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No Tiro de Guerra, 18 anos, 1947

Captulo XIV I Love you, my LoveEm Campo Grande, tinha o cinema do seu Vertlio. Como eu adorava aquelas matins! Eu tinha o problema da perna e ir ao cinema me distraa. Ia de muleta, de bengala, mas ia. Aquele meu mundo de dor eu passava para a tela e me sentia um Rodolfo Valentino. Antes do filme principal, sempre passavam umas comdias curtinhas do Harold Lloyd, Buster Keaton, Charles Chaplin... Era a parte que eu mais gostava. Naquele tempo, ainda precisava interromper a projeo e acender a luz para mudar o rolo do filme. Desconfio que todas essas palavras que digo em ingls quando fao o Z Bonitinho venham dos filmes que assisti nessa poca. Ficou no subconsciente. Meu amigo cego sempre pedia para que eu contasse o filme na volta. Na hora de contar, eu fazia todas as sonoplastias: A, veio o mocinho, pocot, pocot, pocot... Da, o bandido chegou dizendo stand up... A, o mocinho tirou a arma e bang, bang, bang... Da, a mocinha gritou help, help, help! Desconfio tambm que esse negcio do Z Bonitinho jamais ficar com as mulheres era porque nos filmes de cowboy o mocinho ia sempre embora no fim, nunca que

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casava com a moa. Vinha com aquela conversa de tenho de partir, my love... Isso tambm ficou na minha cabea e talvez venha da essa obstinao do Z Bonitinho em permanecer s.

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Captulo XV Palmas! Palmas!Arrumei um emprego em uma loja de importados chamada Casa Celestino Costa & Cia. Ltda., que vendia ch, cera e cereais. Por causa disso, mudei do subrbio para o centro do Rio. Aos 20 anos, prestei um concurso e comecei a trabalhar no Banco Holands Unido. Virei bancrio. Eu me lembro exatamente do meu primeiro dia de trabalho. Era 8 de maio de 1945. Cheguei ao banco e no tinha ningum. Estava todo mundo na rua comemorando o fim da Segunda Guerra Mundial. Trabalhava no setor de importao e exportao. Recebia ordens em vrios idiomas porque havia muitos funcionrios estrangeiros l. Resolvi entrar na Aliana Francesa para estudar francs, uma lngua valorizada naquele tempo. Bem rpido, passei a falar com fluncia. Isso seria muito til para mim no futuro. Eu ainda no conhecia ningum no Rio de Janeiro e ento ia zanzar pela Praa Tiradentes, que era frequentada pelos artistas de teatro, de opereta e de circo, inclusive aqueles que conheciam meu pai e minha me. Eu procurava essas pessoas na tentativa de fazer alguma amizade e no me sentir to s. Ficava por ali conversando com eles e acabava ganhando senhas para ir bater palmas

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nos teatros, porque j existiam as claques. A gente ia para a torrinha, como eram chamados os lugares do anfiteatro, aqueles que ficam quase grudados no teto e a gente tem de fazer contorcionismo para ver o palco. Acho que em So Paulo falam poleiro. Mas bem ou mal, era assim que eu assistia aos espetculos do Teatro Recreio, do Carlos Gomes e do Joo Caetano. Vi grandes humoristas, como Oscarito ou o argentino Pablo Palito, que falava portugus quase fluente e entrava em cena de casaca, tinha muita classe. Se bem que esses artistas eram to brilhantes que nem precisavam de claque. Em todo caso, a gente estava l para isso. Foi vendo esses artistas geniais que comecei a pensar mais seriamente em estudar teatro. Tambm me encantavam as companhias francesas que vinham ao Rio. Como eu havia estudado francs e entendia tudo, ia ao Municipal assistir a essas peas e vi atores sensacionais, como Jean-Louis Barrault, mmico e ator da Comdie Franaise. Comecei a me interessar cada vez mais pelas coisas do teatro, lia o que caa em minhas mos. Nesse ponto da histria que dei de cara com o anncio do curso do Teatro do Estudante do Paschoal Carlos Magno. Tudo foi se juntando, os espetculos que eu assistia, dos clssicos s revistas, minhas lembranas do circo, do cinema. Quando vi, j estava no meio artstico. Passei a inventar personagens, a fazer shows em circos. Minha escola praticamente foi a vida.

Captulo XVI Doutor LoredoDepois de passar no concurso do Banco Holands Unido, resolvi fazer vestibular para o curso de Direito. Nem foi uma questo de vocao. Era o nico curso superior que funcionava noite e como eu trabalhava de dia, no havia outra opo. Entrei na ento Faculdade do Catete. Alm do trabalho no banco, fazia figurao na televiso para pagar meus estudos. No era um aluno dos mais aplicados. Eu fazia parte da turma do fundo. Depois de responder chamada, caamos fora da sala. amos ao Caf Lamas, ao lado, para jogar sinuca e bilhar. Voltvamos no final da aula s para marcar presena. Nosso professor de Processo Penal era o clebre Ari Franco, que hoje nome de presdio. s vsperas da formatura, ele disse para ns: Vocs a do fundo esto todos reprovados. Recebemos o diploma, mas tivemos que voltar para fazer segunda poca da disciplina dele. Formei-me em 1957. Primeiro, eu me especializei na rea criminal e logo me cansei. Queria fazer algo que no me obrigasse a acusar ningum. Acabei optando pelo Direito Previdencirio e do Trabalho. Mesmo aps o sucesso na televiso, jamais abandonei o Direito. Temia ficar sem emprego de uma hora para ou-

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Na formatura como advogado, 1957

tra. Tinha medo da instabilidade da vida artstica. Sempre mantive o escritrio Loredo & Loredo Advogados Associados, em sociedade com meu irmo Jos Amrico. O divertido que muitas vezes fui chamado de Z Bonitinho no Frum. Mas isso nunca atrapalhou meu desempenho como advogado. Defendi muitos colegas do meio artstico.

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Captulo XVII Prezados OuvintesA osteomielite no havia ainda me abandonado. Estava eu l na minha rotina do Banco Holands e, de repente, vinha uma recada. Quando me restabelecia, reaparecia no trabalho de bengala, muleta, essas coisas todas. O pior que ela abria espao para outras doenas. Tive tuberculose. Fui internado no sanatrio Cardoso Fontes, em Jacarepagu, porque era assim o tratamento dos tuberculosos naquela poca. O tratamento era o pneumotrax, uma injeo desse tamanho, uma coisa dolorosa, melhor nem lembrar. Eu, que j havia sentido as dores horrveis da perna, tinha agora de suportar essas injees desumanas. Pior ainda era o isolamento. As pessoas no queriam nem apertar minha mo. Mais uma vez o isolamento, aquele que conheci to bem na adolescncia. Mas a surgiu um medicamento novo chamado estreptomicina, que revolucionou o tratamento e ps fim ao pneumotrax. Fui me recuperando, mas fiquei um ano isolado no sanatrio. Ali, tinham as assistentes sociais, que nos orientavam e tal. Apesar de tudo, meu caso no era dos piores. Para no ter ociosidade, todo mundo fazia alguma coisa, pelo menos

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quem tinha alguma condio para isso. As assistentes sociais aplicavam testes vocacionais para descobrir as aptides de cada um. Depois de me submeterem a uma bateria de testes, disseram que eu iria tomar conta da estao de rdio que havia l. Era uma estaozinha para mensagens internas, mas que tinha um alcance de 10 quilmetros. Assumi o comando. Estava tudo desorganizado. Comecei a limpar discos, chamei um tcnico pra arrumar o microfone que estava quebrado e mais isso e aquilo. S sei que coloquei a estao no ar, sem entender pinoia de rdio. Tinha uma programao de msicas, comunicados, lamos poesias escritas pelos internos, fazamos entrevistas quando aparecia alguma visita. Fui tomando gosto por aquilo e tatat, tatat... At que me recuperei e tive autorizao para sair uma vez por ms. Passei a aproveitar meu dia de folga para ir ao centro da cidade e pegar um cinema ou um teatro. Comprava folhetos de peas teatrais, levava para o sanatrio e montava uns esquetes de acordo com o que me dava na cabea. Dirigia os atores do meu jeito, sem saber dirigir. Talvez eu possa dizer que a coisa comeou a. Continuei a ir muito ao teatro de revista pra ver como que era. Recorria s lembranas que eu tinha do circo, de quando ia levar as roupas costuradas

pela minha me. Tudo aquilo ficou registrado na minha memria. Fui dirigindo pecinhas at que criamos um grupo amador nossa moda. O negcio fez tanto sucesso que o diretor do sanatrio mandou construir um palco. Tudo ia s mil maravilhas, s que um dia eu tive alta...

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Captulo XVIII S Pensando NaquiloO confinamento no sanatrio havia durado um ano. Quando me vi de novo na rua, sozinho e saudvel, no quis nem saber. Era boate, cuba libre, noitadas... Meti o p no acelerador. Da, resultado: sanatrio de novo! Passei mais uma temporada l. Aprendi a lio. Dessa segunda vez, sa mais tranquilo. Antes de cair no mundo, a assistente social me recomendou novo teste vocacional. Foi aplicado por um psiclogo especializado e durou vrios dias porque era uma bateria de testes. A aconteceu um negcio que deixaria o Freud maluco. Tudo que o psiclogo me mostrava, eu associava ao rgo sexual feminino. Sei l, acho que, depois de tanto tempo recluso, s conseguia pensar naquilo. Seja como for, o resultado do teste indicava que eu tinha habilidade, em primeiro lugar, para o magistrio. Depois vinha a diplomacia, o Direito e as atividades exibicionistas! Conversamos um pouco sobre isso e ento o psiclogo sugeriu que eu entrasse numa Faculdade de Direito e tambm fosse estudar teatro. Fiz o vestibular para Direito. O negcio do teatro entrou por um ouvido e saiu pelo outro. Mas como ia muito ao teatro de revista e aos shows dos cassinos, alguma coisa comeou a mexer l dentro de mim.

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Captulo XIX Primeiro CasamentoEu casei trs vezes. Ao contrrio de Z Bonitinho, sempre busquei a estabilidade, apesar da vida louca que a do artista. Minha primeira esposa se chamava Marisa Teixeira. No sei se ainda vive, pois perdemos o contato. Era uma mulher belssima. Parecia a Hedy Lamarr. Eu j havia me formado em advocacia, mas continuava com meu trabalho de ator. Ela era advogada tambm e trabalhava com o pai em um escritrio. Uma noite, estava fazendo um show e Marisa foi me ver. No final, foi ao camarim para me cumprimentar. Agradeci normalmente, como fazia com toda f. Ela chegou a me dar seu telefone, mas no liguei. No dei importncia quele encontro. O tempo passou. Eu fazia sucesso no show de Carlos Machado, na boate Freds, quando vi na plateia uma moa linda. No reconheci Marisa, mas era ela. Pedi ao matre que fosse levar um bilhete beldade. Mas veja que desastroso bilhete escrevi. Dizia assim: Gostei de voc. Quanto cobra?. Ela podia ter se ofendido mortalmente, mas respondeu: No sou mulher de cobrar. Voc j tem meu telefone, mas vou dar de novo. Ligue-me. Quase morri de vergonha, mas liguei e comeamos a namorar. S que a vida dela virou

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uma complicao. Como Marisa era desquitada, morava na casa dos pais. No final do dia, saa do escritrio, voltava para casa e depois ia me ver na boate. O show terminava s duas da manh. Ela ia dormir l pelas quatro horas da matina e tinha de acordar cedo para ir ao escritrio e recomear a rotina. Foi ficando exausta e abatida. A me a repreendia, pois, alm de tudo, no via com bons olhos o romance da filha com um artista. Achava que boate era lugar de vagabunda e no de uma moa de famlia. Um dia, recebo um telefonema do pai de Marisa dizendo que precisava falar comigo. Marcamos um almoo. Ele disse que era necessrio tomar alguma medida, pois aquilo no poderia continuar. Pediu tambm que mantivesse nosso encontro em segredo. Eu propus ento Marisa que fosse morar comigo e dei a ela a chave do meu apartamento. Mas a me dela era muito rigorosa e continuou insatisfeita com a ideia de amancebados. Decidimos casar dentro dos rituais do centro esprita que ela frequentava para dar uma satisfao famlia. Meus padrinhos foram Herivelto Martins e sua mulher Lurdes Torelly, que tambm eram espritas e at eram diretores de um outro centro. Nosso casamento durou quatro anos. No comeo, tudo correu s mil maravilhas, mas ela era geniosa, ciumenta e impunha sempre sua von-

tade. Alis, parece que tenho m para mulheres temperamentais, daquelas que jogam as coisas pela janela e tal. Todas que amei eram assim. As coisas complicaram quando fui a Recife para uma temporada de shows. Marisa encontrou um bilhete de uma colega em meu palet e fez um escndalo. O bilhetinho era mesmo de uma amiga, apenas isso. Ela no quis nem saber. Disse que, se eu podia me esbaldar em Recife, ela iria sozinha ao Baile do Hava. E foi mesmo. Voltou toda borrada de batom e a a briga foi feia. No havia mais clima de unio. Acabamos nos separando. Fiquei um tempo pra baixo porque gostava muito dela. Aos poucos, fui me recuperando. assim a vida, no ?

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A esposa, Ruth Lima, no casamento

Captulo XX Segundo CasamentoCasei pela segunda vez com Ruth Lima, em 1962. Ela era a primeira bailarina do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e, ao mesmo tempo, trabalhava como jornalista na revista Cinelndia. Um dia, ligou para mim dizendo que queria fazer uma reportagem comigo. Marcamos a hora e ela veio me entrevistar em minha casa. Nessa poca, eu morava em um belo apartamento, no mesmo edifcio em que moravam Maysa e Ronaldo Bscoli. Quando Ruth chegou, achei-a muito simptica, mas apenas isso. A entrevista foi publicada. Alguns dias depois, ela telefonou perguntando se eu tinha gostado. Respondi que sim, agradeci, mas at a no estava muito ligado no lance. Eu tinha um convite para assistir My Fair Lady, com Bibi Ferreira e Paulo Autran. No sei o que me deu na cabea, que resolvi convidla para ver o espetculo. Ela aceitou. A partir desse dia, trocamos telefonemas frequentes. Voltei a convid-la para sair. Comeou a rolar um clima, veio o primeiro beijo, aquelas coisas todas. Passei a armar umas armadilhas pra ficar sozinho com ela em minha casa. Ruth no caiu. Ela era uma perfeita dama, muito ntima da famlia Kubitschek. Falou assim: Olha, gosto de voc,

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mas ainda sou virgem, s casando. Da, eu disse: Ok, vamos casar!. Os padrinhos dela foram Juscelino e Sarah Kubitschek, o casal presidencial. Os meus foram Manoel da Nbrega e a esposa. Casamos na igreja do Outeiro da Glria. Foi um megaevento, o trnsito parou. Naquele tempo, ningum entendia por que Ruth tinha se casado comigo, ela to fina e eu um cara de televiso. O casamento durou quatro anos. Acabamos separados por incompatibilidade de gnios. Ns nos amvamos muito, mas havia umas coisas das quais eu no conseguia me desvencilhar e que atrapalhavam nosso relacionamento. Era muito comum, quando eu saa, encontrar a patota da TV pelos bares. Puxava a cadeira, sentava, ficava no papo e esquecia da vida. Quando voltava para casa, a guerra estava declarada. Eu fazia essas besteiras, at que chegou uma hora em que ela no aguentou mais e foi embora. Como no havia divrcio, ns nos desquitamos.

Matria sobre o casamento

Matria sobre o casamento

Captulo XXI Terceiro CasamentoMeu ltimo casamento foi uma novela das oito. Cheia de voltas e reviravoltas. Veja se no tenho razo. J era advogado quando Yeda Campos, vedete da boate Freds, mudou-se para o Mxico e pediu-me para que cuidasse das coisas dela no Brasil. Foi assim que conheci Adey Monteiro Campos, irm dela. Primeiro, rolou amizade, que logo virou namoro. Adey tambm era o tipo s casando. L fui eu pedir sua mo me dela, que me botou correndo porta afora. No queria que a filha se juntasse a um desquitado. Resolvemos casar no Mxico onde sua irm morava e havia se tornado uma cantora internacional. Como eu tinha de cumprir uma longa temporada de shows pelo Brasil, que terminaria em Manaus, combinamos que ela iria primeiro ao Mxico e me esperaria na casa de Yeda. Eu voaria de Manaus para l, assim que terminasse a turn. Ela foi, mas, numa das apresentaes, escorreguei em cena e o tombo reativou a osteomielite. Precisei voltar ao Rio para ser operado com urgncia. A recuperao, como sempre, foi demorada e fiquei internado vrios meses no hospital. Para no preocupar Adey, dizia que no podia encontr-la no Mxico por causa de

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compromissos profissionais de ltima hora. Fui adiando o casamento sem revelar a verdadeira causa. Acabamos nos casando por procurao, como Dom Pedro I, ela l e eu aqui. Quando Adey voltou ao Brasil, minha me, que foi receb-la no Galeo, contou a verdade e aconselhou-a a no ficar com um homem enfermo. Ela respondeu que eu era seu marido e que comigo ficaria, na condio que fosse. A partir daquele dia, ficou ao meu lado no hospital. Nossa lua de mel s aconteceu oito meses depois. Durante todo o tempo em que vivemos juntos, Adey foi uma companheira e tanto. Tivemos dois filhos: Jorge Igncio, que hoje analista de sistemas; e Ricardo Frederico, que leiloeiro pblico. Mas, outra vez, deixei a desejar como esposo. Voltava tarde para casa, desaparecia, no dava satisfao. Ela, tal como minhas outras mulheres, tambm tinha um gnio terrvel. Comearam as brigas. At que um dia ela descobriu que tinha cncer de mama. Saiu de casa sem me contar nada. Era muito bonita e teve vergonha da doena. Quando eu soube, quis voltar para junto dela, mas Adey achou que estava fazendo isso por pena e no permitiu. Morreu depois de um longo sofrimento. Amei com sinceridade todas as minhas esposas, cada uma a seu tempo e a meu modo, nem sempre compreendendo o carinho que tiveram por mim. Mas sinto muitas saudades de Adey. O amor que ela me dedicou foi transcendental.

Jorge Loredo e Jorge Igncio, aos 4 meses, dezembro de 1971

Jorge Igncio Neto, 01 ano

Captulo XXII Em Busca da LuzHouve uma poca em que eu bebia muito. Claro que isso afetava a minha vida conjugal. Meus ltimos anos com Adey foram bastante tumultuados por causa de minhas bebedeiras e tudo culminou com nossa separao. Ao mesmo tempo que fazia tanta gente rir com Z Bonitinho, causava sofrimento aos meus familiares. Foi uma fase sombria. Diziam que eu estava pirando. Cheio de medo, culpa e remorso, cheguei a procurar um psicanalista. Mas aquele negcio de fala, fala, fala e a nica coisa que ouvia da boca do cara era a sesso acabou, at a prxima no me ajudou em nada. Um amigo sugeriu que eu procurasse o grupo de autoajuda Neurticos Annimos (NA). Passei a frequentar as reunies e foi a melhor coisa que fiz. Descobri que poderia ter agido de modo muito diferente em relao s pessoas que amava. Aprendi a importncia do dilogo. Eu que gostava tanto de Plato j devia saber disso, mas s fiz a descoberta l. Ouvir as histrias das outras pessoas, suas dores e tragdias e tambm sua luta para se levantar, para reconstruir suas vidas um aprendizado e tanto. A gente descobre que no est sozinho. Quando vemos o drama alheio, percebemos

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que o nosso no nada, que ainda podemos sair daquela. Nunca fui usurio de drogas, mas o lcool uma delas. Parei de beber. Estendi minhas conquistas a outras reas e parei tambm de fumar. Alis, hoje penso que o cigarro devia ser proibido especialmente para os atores. Ele destri a voz, altera a respirao, e o ator vive da respirao. O grande Lawrence Olivier dizia que a inflexo depende da respirao. Se voc fuma, como que fica? Ento fui parando com tudo isso e minha vida deu uma guinada. Passei a frequentar outros grupos de autoajuda, os Alcolicos Annimos (AA) e at os Dependentes de Amor e Sexo Annimos (Dasa). Os Neurticos Annimos nunca abandonei, frequento at hoje. No auge dessa minha busca, conheci uma mulher no hotel em que eu morava. Estvamos os dois fumando no lobby e comeamos a conversar. Conversa vem, conversa vai, iniciamos um affair. Depois de um tempo, passei a frequentar seu apartamento. Um dia, vi, nos fundos, dezenas de garrafas vazias. Como ela tinha filhos adultos, pensei que fossem eles os consumidores. Mesmo assim, aquilo me chocou. Certa noite, samos para jantar e ela pediu uma dose de Steinhagen, que virou de uma vez. Logo em seguida, pediu outra. Alertei-a de que aquela era uma bebida muito forte e que ela devia ter mais moderao.

Quando o garom passou, pediu que trouxesse a garrafa mesa. Quando tentei, mais uma vez, adverti-la, deu-me uma bofetada. Todos os olhares convergiram para nossa mesa. Mantiveme em silncio at o final do jantar. Assim que samos, eu disse que estava tudo terminado entre ns e partimos em txis diferentes. S ento compreendi quem que consumia todas aquelas garrafas que vi vazias. Dias depois, tentei uma vez mais ajud-la. Sugeri que procurasse ajuda aos Alcolicos Annimos, mas isso me valeu outra bofetada na cara. Desisti. No a procurei nunca mais. Passado um tempo, recebi dela um telegrama em que se dizia recuperada, que havia procurado pelo AA e encontrado ali a fora que precisava para dar a volta por cima. Fiquei feliz por ela. Hoje, estou livre do tormento do lcool, mas procuro sempre um grupo de autoajuda quando estou desesperanado por algum motivo.

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Em foto dedicada me, de 9 de setembro de 1959

Captulo XXIII Tisou, meu Filho!Quando meu primeiro filho nasceu, sa do hospital e fui perambular pela cidade. Ia pensando: Meu Deus, eu sou pai!. Cada boteco que eu via, entrava para comemorar e pedia mais uma. De madrugada, fui parar numa boate de ltima categoria, perto do Beco das Garrafas, o templo da Bossa Nova. Uma moa que fazia streap tease sentou-se na minha mesa e me disse: Voc ser um bom pai porque os melhores pais so os bomios e as melhores mes so as putas. Da, disse que queria me mostrar uma coisa e levou-me ao camarim. L estava um nenezinho no bero. Ela tirou o seio para fora e comeou a amament-lo. Isso me marcou profundamente e nunca mais esqueci. Meu segundo filho nasceu no dia em que eu completava 50 anos. Sa da maternidade e fui contar a novidade ao mais velho, Jorge Ignacio. Ele ento me perguntou: Ih, papai, o mdico tisou meu irmo da barriga da mame? Respondi: Tisou, meu filho! Em seguida, disse a ele que, como era o mais velho, deveria escolher o nome do irmozinho. Nem pestanejou. Foi logo dizendo que seria Ricardo Frederico. Fomos descobrir mais tarde que esses nomes eram de seus dois melhores amigos

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do colgio. Adoro meus filhos. At hoje, tenho uma tima relao com eles. Posso dizer com orgulho que tenho dois grandes filhos. Eu os tive com idade avanada. Muita gente chegou a me perguntar se eu achava mesmo que os veria servir o exrcito. No fim de tudo, acredito que foi melhor para eles terem sido criados somente pela me, longe de mim. Se eu estivesse por perto, teria passado a mo na cabea deles, teriam sido paparicados por mim e talvez at hoje procurassem emprego. No entanto, a me os educou para ser independentes e tornaramse dois profissionais realizados e seres humanos dos quais me orgulho de ser pai.88

Captulo XIV Coisas do AlmBem antes do meu primeiro casamento, fui parar no centro esprita que o Herivelto Martins dirigia. Fui levado l por um amigo, Macedo Neto, ex-marido de Dolores Duran. Ningum se conformava com minhas internaes, toda hora no hospital por causa da osteomielite, e o Macedo era um deles. Botou-me dentro do Buick que ele tinha e l fui eu, de perna engessada e tudo. Aconteceu uma poro de coisas estranhas no caminho, at o pneu furou, como se algo ou algum quisesse impedir nossa chegada ao centro. Macedo disse que eu estava com algum encosto. Chegamos, finalmente. Fui recebido por um mdium que, depois de conversar comigo, disse que eu voltaria l em uma semana sem o gesso. Respondi que, caso isso acontecesse, vestiria roupa branca e iria trabalhar como voluntrio no centro. Isso porque meu mdico havia acabado de me dizer que eu ficaria engessado por, no mnimo, trs meses. Um ou dois dias depois voltei ao mdico e ele, sem que eu mencionasse nada, tirou o gesso. Fiquei impressionado com aquilo e cumpri minha promessa.

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Captulo XV Talento MudoQuase ningum sabe, mas fui eu que levei o playback para a televiso. Hoje uma coisa muito comum, mas naquele tempo no era. Quer saber como fiz playback pela primeira vez? Naquele tempo, as pessoas frequentavam cassinos. Eu ia de vez em quando s matins do Cassino da Urca, do Cassino de Copacabana e do Cassino Atlntico. Sempre havia shows maravilhosos. Cheguei a ver grandes cantores, como Maurice Chevalier. Eu no ia pra sala de jogo, ia s para assistir aos espetculos. Um dia, vi um nmero que me deixou abismado. Era um cara regendo uma orquestra invisvel, s com as sombras dos msicos. Uns dias depois, por coincidncia, ia passando pela loja de discos Palermo, no Largo da Carioca, e ouvi a mesma msica usada no tal nmero. Entrei e contei ao vendedor o meu espanto de ver um maestro que regia uma orquestra fantasma. O rapaz riu e me contou que aquilo era dublagem. Explicou como funcionava. Ele tambm havia visto o espetculo. Resolvi comprar o disco. Levei pra casa e comecei a treinar, tentando repetir exatamente o que o falso maestro fazia. Na TV Tupi tinha um programa chamado Revelaes Kibon. Eles iam aos clu-

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bes, nas escolas e empresas atrs de candidatos para participar. Eu ainda trabalhava no Banco Holands e um dia eles apareceram l. Meus colegas contaram que eu fazia esse nmero, que eu punha um disco e fingia que era o regente. Fui fazer o programa. O nmero arrebentou a boca do balo. Mal terminei, o senhor Mrio Provenzano, que era diretor da Tupi, estava ali nos bastidores me esperando para falar comigo. Ele me convidou para participar, j na semana seguinte, do programa Feira de Amostras, apresentado por Mara Rbia. Da perguntou quanto era o meu cach. Eu no sabia o que era isso. Ele me explicou. Fiquei espantado com a ideia de que ia ganhar dinheiro. Fui ao programa e repeti o nmero. O senhor Mrio pediu-me ento mais nmeros como aquele e eu no tinha. Voltei na Loja Palermo e o vendedor me disse que aquele disco era de uma orquestra maluca regida por um cara chamado Spike Jones. Comprei toda a coleo e fui me especializando cada vez mais em dublagens. Acabei descobrindo outros artistas, grandes comediantes italianos. Tinha um que tentava cantar uma canoneta e espirrava, coisas assim. Criei tambm um nmero em que eu dublava a cano Cielito Lindo, na voz de Rosita Serrano, que tem aquele refro famoso: Ay, ay, ay, ay! Cante y no llores.... Fui seguindo por esse lado. Meu comeo na televiso foi desse

jeito, ningum me deixava abrir a boca. Queriam s dublagem. Passei a me apresentar no Espetculos Tonelux, tambm dirigido pelo Mrio Provenzano. At que um dia eu me queixei pro senhor Mrio que no aguentava mais, queria falar, interpretar. Afinal, eu era um ator.

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Captulo XVI Conde PaspalhamEm 1955, a TV Rio foi inaugurada e eu fui convidado para fazer parte do programa A Famlia Boaventura, que ficou trs anos no ar. Por sorte, aquele crtico do Correio da Manh que havia gostado do meu trabalho era um dos redatores do programa e me indicou. Meu papel era o de um conde falido chamado Paspalham. A histria era a seguinte: uma jovem ganha na loteria e vai para a Europa. L, ela conhece o conde. Fica encantada, sem saber que ele era um nobre que no tinha um tosto. Ela o traz para o Brasil. Depois, inventei um nome mais longo para ele: Conde Altamiros Alexandrovichniovsky, descendente dos Paspalhiansios e conde da Paspalhndia. Era um programa dirio e ao vivo. As pessoas comearam a prestar mais ateno em mim. Naquele tempo, o pblico pagava para entrar no auditrio da televiso. Foi a minha grande chance. Segui em frente, fazendo um esquete aqui e outro ali, em programas como Cinco para s Cinco, apresentado pela Ldia Matos. At que foi criado um programa chamado Ele, Ela & Confuso, que mostrava o dia a dia de um casal cheio de complicaes. A atriz Vera Rossi fazia a mulher e eu o marido. Chegou a

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fazer um relativo sucesso. Foi pioneiro desses programas de casal. Depois surgiu Al, Doura, com Eva Wilma e John Herbert, que entrou para a histria da TV.

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Captulo XVII O Homem do CarooDesde 1956, o Manoel da Nbrega fazia A Praa da Alegria em So Paulo, na TV Paulista, Canal 5, que integrava o Grupo Victor Costa e, mais tarde, acabou virando TV Globo. Era um enorme sucesso. Dois anos depois, resolveu levar o programa para a TV Rio, no Rio de Janeiro. Todos os atores participantes foram. Ronald Golias, Canarinho, Moacir Franco, todo mundo. S um no foi, o ator Borges de Barros, que interpretava um mendigo muito divertido, que dizia ser ntimo de vrios figures importantes. Estava eu passando pelo corredor da emissora e o Manoel da Nbrega me chamou: Menino, quero falar com voc. Da, falou que tinha um tipo que eu poderia fazer, um mendigo assim, assim e tal e coisa. S que ele no queria que eu imitasse o Borges e sim do meu jeito. Manoel me deu um ms para trabalhar o personagem. Comecei a ler o texto, e como j tinha uma formao teatral mnima, fui pensando no que poderia fazer. Conversando com minha me, disse que estava em dvida de como construir o personagem e ela ento me disse para fazer o Homem do Caroo.

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Com Glauco Ferreira

Captulo XXVIII Um ParntesisPreciso abrir um parntesis antes de prosseguir com a histria e falar um pouco mais sobre minha me. Ela sempre foi muito caridosa. Vivia ajudando as pessoas, dava esmolas e comida aos pobres. Todo dia tinha um monte de gente batendo palma na porta de casa pedindo coisa. Para organizar o negcio, meu pai instituiu o dia da esmola. Ficou sendo o sbado. Como ele tinha um armazm, fazia uns pacotes, tipo cesta bsica, e minha me distribua entre os pobres. O povo ia chegando e entrando na fila, tudo muito organizado. Eis que aparece um mendigo muito diferente dos demais. Tinha uma bolota no pescoo e, por isso, era chamado de Homem do Caroo. Eu tinha at um pouco de raiva dele porque minha me passou a fazer todas as suas vontades. O cara de pau jamais entrou na fila. Comia no quintal de casa, longe dos outros. Minha me mandou at fazer uma mesa exclusiva para ele de uma lata de banha. S bebia gua em taa ou copo que tivesse p. Se no tivesse, recusava o copo. Na cabea dele, ele era um lorde. Colocava um caco de vidro no olho e dizia que era monculo. Punha umas chapinhas no peito e garantia que eram condecoraes de

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guerra. Usava uma cartola toda bombardeada e bengala. Parecia um nobre britnico falido. Mas era apenas o Homem do Caroo. Minha me engravidou e meus irmos e eu tivemos que substitu-la na entrega dos mantimentos. Quando esse mendigo foi entrando porta adentro, eu o impedi de entrar, dizendo: Sua esmola est aqui. E dei a ele um ovo. O sujeito no perdeu a classe. Olhou para mim e disse, com empfia, que no era homem de comer ovo. Depois disso, nunca mais voltou. Fim do parntesis.

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Captulo XXIX O Primero PersonagemQuando disse a minha me que tinha dvidas de como fazer o personagem de A Praa da Alegria, ela sugeriu que me inspirasse no Homem do Caroo. Achei a ideia genial. Entrei em cena exatamente como ele. Com monculo, luvas furadas, cartola amassada e bengala com cabo de prata. Das mangas da camisa havia s os punhos. As meias tinham apenas os canos, eu sentava no banco, puxava a meia e o cano subia pela perna. O figurino era um mix do Homem do Caroo com o mendigo aristocrata que o grande Charles Laughton fez em um filme. Meu personagem era igual, um miservel que no perdia a pose. Fazia citaes em ingls e francs. E s se dirigia ao Manoel da Nbrega da seguinte maneira: Como vai, meu nobre colega?, um pouco inspirado na minha formao de advogado. E assim nasceu o meu primeiro personagem, o Mendigo Aristocrata. Enquanto o representava, notei o sorriso de satisfao do Nbrega ao meu lado, como quem diz assim: Acertei em cheio. O garoto entendeu o que eu queria. Da em diante, todo mundo comeou a prestar ateno em mim. Passei a

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Como Mendigo Aristocrata, com Ibrahim Sued e as filhas do presidente Juscelino Kubstichek

ser chamado para show, televiso, teatro, tudo. Virei um personagem fixo de A Praa da Alegria. O Borges continuou fazendo o mendigo na TV Paulista, em So Paulo. Acontece que o Rio tinha mais penetrao nacional. Fiquei conhecido no Brasil inteiro por causa do Mendigo. Hoje, se eu tivesse que escolher entre o Z Bonitinho ou o Mendigo, ficaria com o ltimo para minha satisfao como ator. um personagem mais completo e, talvez, tenha mais a ver comigo. Ele um pastor. No desses que compram canal de televiso e passam o dzimo. O Mendigo ama a humanidade. Todos so filhos dele. Deseja que a Terra seja um jardim e que os seres humanos sejam flores. Quer a paz mundial. isso o que me apaixona no personagem. No fundo, todo humorista um humanista. s lembrar do discurso que Carlitos faz no final de O Grande Ditador. Veja o exemplo de Mrio Moreno, que fazia o Cantinflas. Ficou muito rico com cinema, podia ter parado a. No entanto, criou a Asociacin Nacional de Actores (Anda), porque se preocupava com os artistas. At hoje, o sindicato dos atores mexicanos muito forte. Eu me considero um humanista tambm. E ainda quero voltar a fazer o Mendigo Aristocrata na televiso.

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Captulo XXX Mulher FatalNo auge do sucesso do personagem, passei a receber telefonemas, todas as teras-feiras, de uma senhora que dizia ser minha f e queria me conhecer. Eu atendia e sempre educadamente, para no causar mgoa, arrumava uma desculpa para no encontr-la. Certo dia, na sada do programa, h um motorista todo aparatado me esperando com uma limusine. Ele me disse:Seu Jorge, vim busc-lo por ordem de madame de tal. Um pouco sem sada, um pouco por curiosidade, entrei no carro. Meu irmo, que estava comigo, acompanhou-me. Chegamos a um apartamento suntuoso, repleto de luxo e objetos de arte. Ela se fez esperar como as divas do cinema daquela poca que s apareciam na tela depois de 40 minutos de filme. O mordomo nos serviu usque e esperamos no sof. Eis que, de repente, ela surge. Foi uma entrada triunfal, tipo Marlene Dietrich, com um vestido longo cor de cenoura e uma piteira na mo. Naquela mesma noite, comeamos a namorar. Meu irmo foi embora e eu fiquei. Passei a ter vida fcil: motorista, usque, comodidade. Ela me dava presentes carssimos, um relgio de ouro suo, perfumes, roupas. Minha me, que no gostou nada da histria,

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me fez devolver tudo depois. A tal dama me dizia que era viva de um cnsul da Repblica Dominicana que havia lhe deixado uma fortuna. No comeo, achei tudo aquilo muito divertido, mas depois fui me cansando. Essa situao cansativa para quem no profissional do ramo, sabia? Piorou ainda mais quando ela comeou a controlar minha vida e a ter crises de cimes. Na verdade, o que queria era me comprar com todo aquele luxo e presentes. Fui me afastando. At que, por fim, como se fosse realmente um filme, ela faz uma revelao assombrosa. Disse que era uma cafetina. Levei o maior susto. Quando revelou seu nome de guerra, quase ca duro. Era a mais famosa cafetina do Rio de Janeiro. Todo mundo a conhecia. Tinha um clebre rendezvous frequentado por polticos e figures da poca. S a descobri que eu era cafeto e no sabia. Pulei fora. Meu negcio era outro. Fui tratar da minha vida.

Com Luiz Carlos Mile, na Praa da Alegria

Captulo XXXI A Hora e a Vez de Z BonitinhoOs convites comearam a chegar de todos os lados, das emissoras de televiso, companhias de teatro, cassinos. Era chamado pra tudo. Alm do Mendigo, inventei outros tipos como o deputado Palestrino Conversildo da Silva e o professor de portugus Luizclopdia, cuja voz foi inspirada na do Ari Barroso. Bolei tambm um guru indiano chamado Saravabatana, que andava com uma cobra dentro de um cesto e dava consultas s mulheres. O script de todos eles era criao de Csar Ladeira, Chico Ansio e Robertinho Silva. Mas conforme o regime militar endurecia, foi ficando difcil interpretar esses personagens, principalmente o Mendigo. No se podia mais fazer stiras polticas e ele vivia cutucando a situao. Eu sempre terminava o nmero dizendo ao Nbrega coisas como: Agora vou encontrar aquele menino, o... Juscelino (Kubitschek)! Comecei a pensar em outro tipo para substituir o Mendigo. Eu j tinha o Z Bonitinho na cabea, oferecia aos diretores e produtores, mas ningum se interessava por ele. Estava nisso quando o Chico Ansio me chamou pra trabalhar em Noites Cariocas, um programa da TV Rio escrito por ele. Eu disse que s aceitaria se fizesse o Z Bonitinho. Chico concordou.

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Z Bonitinho

Antes, me levou pra casa dele. Naquele tempo, era comum o redator chamar o ator em sua casa, conversarem bastante, trocarem ideias, havia uma interao muito legal. Mal chegamos e o Chico perguntou: Como o tipo?. Contei o que tinha na cabea. Ele se sentou diante da mquina de escrever e criou o roteiro do esquete ali na minha frente. E foi assim que Z Bonitinho estreou no programa Noites Cariocas. O sucesso foi imediato. Agora, esse negcio de pente, culos e espelho gigantes, tudo isso foi surgindo gradativamente. Chico continuou escrevendo o texto do Z Bonitinho. Ele j fazia A Escolinha do Professor Raimundo no rdio. Quando ganhou seu programa na televiso, o Chico Ansio Show, eu perguntei: Chico, e agora? Quem vai escrever pra mim? Ele, sem hesitar, respondeu: Voc! Quase ca duro: Eu??? A, o Chico resolveu me falar de uma coisa que j pensava, mas que, at aquele momento, vinha fazendo segredo. Disse que eu s no escrevia meu quadro por preguia, porque as ideias eu tinha. No havia outra sada. Fui obrigado a sentar mquina e escrever os meus prprios esquetes. A partir da, aumentou ainda mais minha intimidade com o Z Bonitinho. O personagem foi crescendo, fui conhecendo cada vez mais o seu ntimo. Passei a explorar suas sutilezas, fui fazendo uma anlise psicolgica. Descobri que o Z Bonitinho era um doente. Todo personagem tem alguma

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coisa por trs. Fui vendo que esse negcio de ele sempre fugir das mulheres no fim tinha alguma conotao sexual. Medo de impotncia, talvez. Alguma dvida sexual. Comecei a perceber que ele fazia tudo para chamar a ateno, precisava disso, mas, na hora de botar pra quebrar, saa fora. Cheguei at a estudar um pouco de psicologia para compreend-lo melhor. Curioso que ele faz mais sucesso entre os homens do que entre as mulheres. Eles gostam daquelas cantadas e tal, talvez se identifiquem, mas elas detestam porque, no fundo, o personagem uma caricatura machista. Hoje, naturalmente, o Z Bonitinho est ficando um pouco clown, por causa da idade e tal, mesmo assim, continua fugindo das mulheres.

Z Bonitinho

Z Bonitinho

Z Bonitinho

Captulo XXXII Nasce uma EstrelaNa primeira vez que entrei em cena como Z Bonitinho, estava supernervoso. A empatia com o pblico foi imediata, mas tive uma reao curiosa. Fiz todo aquele gestual, aquela coisa meio over action, que mais tarde se transformaria em uma marca do personagem. O pblico comeou a rir. Em vez de ficar contente, fiquei irritado, e me perguntava: Esse pessoal no respeita o trabalho de um ator? Eu aqui interpretando e eles rindo? No tinha noo do que estava fazendo. Sa de cena chateado. Na minha cabea eu estava interpretando um personagem srio. Ainda trazia comigo os fluidos do Teatro do Estudante. Quando sa de cena, Ema Dvila, a nossa grande dama do humor, que havia se apresentado antes de mim, disse: Meu filho, hoje voc agradou mais do que eu. Ela no disse isso com despeito. Disse para levantar meu astral, porque percebeu o quanto estava contrariado. Eu no percebi que havia nascido ali um comediante. Veja s minha ignorncia. Da, veio o Chico Ansio, dizendo: Puxa, rapaz... Voc abafou! S a minha ficha caiu. No tinha noo. Eu j fazia o Mendigo, mas era uma interpretao bem teatral. O pblico ria, muito mais porque

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era um maluco que dizia que havia estado em Londres e tal, no porque eu fosse um grande comediante. Com o Z Bonitinho foi diferente. Por isso, no esqueo dessa frase de dona Ema Dvila. Ela percebeu que ali estava nascendo um comediante.

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Captulo XXXIII Primeira PginaNa Copa do Mundo de 2006, na Alemanha, um torcedor brasileiro foi vestido de Z Bonitinho para assistir ao jogo Brasil e Gana. Ficou l, sentado na arquibancada, no meio da multido. Durante a partida, vrias vezes foi focalizado pela cmera da TV, em rede mundial. No sou muito ligado em futebol e no assisti ao jogo. Mas todo mundo que viu veio me contar. No dia seguinte, quando cheguei ao estdio para gravar, os colegas mexeram comigo: A, hein? Estava na Alemanha! Mas se no tivessem me contado, ficaria sabendo do mesmo jeito, pois a foto do camarada estava nas primeiras pginas de todos os jornais. Isso no s no Brasil, mas em vrios rgos internacionais. Num primeiro momento, fiquei surpreso de me ver estampado nos jornais. Claro que senti vaidade; afinal, sou humano, j cometi os sete pecados capitais. S depois, olhando a foto, pensei na fora do personagem. Como que ele havia se destacado dentro de um imenso estdio lotado? O que fez a imprensa estrangeira se interessar por ele? Fiquei pensando na dimenso daquilo. Quer dizer, o Z Bonitinho tem mesmo algum borogod inexplicvel. Ele tem uma coisa que eu mesmo desconheo.

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Captulo XXXIV EsclarecimentoComo j falei que no gosto de futebol, quero fazer uma pequena observao. No pas do futebol, uma declarao dessas pode causar estranheza. Mas h uma razo. No gosto de nenhum esporte em que um jogador se confronta com outro. Prefiro aqueles que se praticam sem que um oponente tenha de tocar no outro, como golfe, tnis, vlei. O que me incomoda a agressividade. Eu penso que o homem no deve se embater. Nunca. Em nenhuma circunstncia, muito menos no esporte. Futebol, esgrima, basquete, no gosto de nada disso. Boxe, ento, tenho horror. Mas veja s que ironia. Na minissrie Alice, da HBO, dirigida pelo cineasta Karim Ainouz, eu interpretava um lutador de boxe idoso, que ensinava a lutar. Adorei o papel, mas tive um srio problema de sade e fui obrigado a deixar as filmagens. Entrei em pnico, me senti fragilizado demais. Gravei apenas um captulo. Karim gostou de minha interpretao, achou minha figura muito cinematogrfica. Queria at aumentar o papel do personagem. Como fiquei doente, disse que gostaria de trabalhar comigo em um prximo projeto. Quer que eu faa o Quincas Berro dgua. Tomara que d certo. Vou adorar.

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Captulo XXXV Inflexo TudoFicava muito chateado quando recebia um texto sem graa para fazer. Certa vez, no gostei de um script do Z Bonitinho. O Walter dvila, um dos mestres do humor brasileiro, estava ao meu lado. Leu o texto e disse que eu poderia salvar o esquete usando apenas a inflexo. Jamais me esqueci disso e at hoje utilizo esse recurso. A inflexo pode dar outro sentido ao texto. At mesmo ao texto ruim. O melhor esquete que vi na minha vida, e que um dia ainda pretendo fazer, s tinha uma palavra: Arnaldo. Foi num daqueles espetculos de revista do Valter Pinto, que misturavam quadros de humor, com nmeros de dana e tal. Apenas dois atores em cena. Um deles era o senhor Pedro Dias, o maior imitador do presidente Getlio Vargas. Chegou a descer de um carro e a entrar no Palcio do Catete com todos os seguranas abrindo caminho. O outro ator era o seu Manoel Vieira, que tinha sotaque portugus, muito valorizado no teatro daquela poca. Os dois j eram octogenrios quando assisti ao esquete, que, para mim, foi a maior demonstrao do poder da inflexo. Eles faziam dois amigos que tinham estudado juntos no colgio interno e que, sem querer, se esbarra-

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vam na rua. A, um dizia assim: Arnaldo? O nome ia sendo repetido nas mais variadas inflexes, uma hora em tom afetivo, em outra, saudoso, depois, amoroso... As mudanas de sentido eram percebidas s por meio das inflexes, at que o pblico acaba entendendo que os dois tinham tido um lance l atrs, no tempo do internato... Naquela poca, no se podia falar abertamente de homossexualismo, tudo era sugerido pela inflexo. No final, os dois se abraavam e o cara dizia em xtase: Arnaldo! No tinha outra palavra no texto. Isso sim que um tour de force de talento! Isso que ser ator. Conforme o pblico ia rindo, seu Pedro, que tinha a maior cara de sacana, ia pra boca do palco e punha mil intenes na fala: Arnaldo! Arnaldo... Arnaaaldo!

Captulo XXXVI A Quatro MosEu me lembro de um certo dia em que o Chico Ansio me olhou e disse: Voc vai fazer esse personagem aqui. Eu li o texto e respondi: Eu fazer isso? Nem pensar. No tem graa nenhuma. O Chico ento me deixou em nocaute: Se isso no tem graa, voc no ator. Mandou-me pra casa do Haroldo Barbosa, que era o redator do quadro, para discutir o roteiro com ele. O Haroldo me explicou o personagem, disse que era um lobista do Congresso e tal. Fiz umas leituras em voz alta e, de repente... A voz do personagem veio! No sei se foi pelo fato de admirar muito o Silveira Sampaio, a voz dele como que surgiu na minha garganta. E olha que no sei imitar ningum. O nome do personagem era Miguel. Eu ficava no telefone e um monte de gente me pedia emprego. Ento, eu ligava para Braslia e tal. Aquele negcio. Mas como que o personagem nasceu assim to pronto? Porque o Chico me mandou pra casa do Haroldo Barbosa. Como eu j disse, essa conexo entre ator e redator era muito boa e criativa. Caso o ator no entendesse, o autor explicava. Era uma dupla. Tudo a quatro mos. Uma pena que isso tenha acabado. Hoje,

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a gente nem sabe quem escreve o roteiro do esquete. O texto chega em nossas mos e se a gente quer modificar alguma coisa, no pode. Tem de fazer o que est l, sem discutir.

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Captulo XXXVII A Era do HumorDepois que o Manoel da Nbrega levou A Praa da Alegria para a TV Rio, houve um verdadeiro boom de programas de humor. Era um atrs do outro. Havia o A Famlia Boaventura, Noites Cariocas e a prpria A Praa da Alegria. Aos sbados, tinha O Riso o Limite, onde eu fazia um ladro de luva branca, inspirado no clebre Raffles, o larpio elegante de E. W. Hornung, que, naquela poca, fazia sucesso no cinema na pele de David Niven. Meu personagem era um lorde que seduzia mulheres ricas para roub-las de todas as maneiras, seja surrupiando suas joias ou fazendo com que pagassem faustos e carssimos jantares. No domingo, havia dois programas de humor. De manh, o Botando Banca, onde tudo se passava em torno de uma banca de jornal. Neste, eu interpretava o Professor Luizclopdia. noite, era a vez do Domingo Alegre, onde eu vivia o costureiro Franois Paet. Com tantos programas divertidos, o ibope da TV Rio subiu e a emissora passou a investir cada vez mais em humor. Isso estimulou outros canais a fazer o mesmo. Samos da TV Rio e fomos para a TV Excelsior, que, para mim, representa a renovao da TV brasileira. Foi a poca dos grandes profis-

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sionais de televiso. Fazer um Time Square, um Vov Deville, um My Fair Show e todos aqueles suntuosos programas musicais no para qualquer um. O Chico Ansio estava na coordenao geral desses programas. Ele sabia que eu adorava canonetas, cantores como Maurice Chevalier, comediantes como Danny Kaye, esse pessoal todo, e ento me disse que Vov Deville tinha tudo a ver comigo. Aconselhado por Chico, fui casa de Srgio Porto, o famoso Stanislaw Ponte Preta, que era um dos roteiristas do programa, trocar algumas figurinhas. Ele me perguntou quais eram minhas ideias. Como eu ia muito ao teatro de revista e ficava fascinado por aqueles caras que cantavam, danavam, faziam assim e assado, disse que pensava em fazer algo parecido. Srgio achou genial. Em seguida, fui mais uma vez pedir socorro minha me. Ela tinha uns discos de um canonetista, que at hoje gosto muito, chamado Alfredo de Albuquerque. Ouvi os discos, ainda aqueles de 72 rotaes, da Casa Edson, e adorei. Levei para o Srgio e ele vibrou. A cano falava de um professor de piano e tal. Eu entrava com minha parte, contava que, um dia, o tal professor chegou casa da menina para dar aula de piano. A primeira coisa que fez foi botar a batuta pra fora. Ui, ui, ui... A menina, ah, meu Deus, tomou um susto. Pudera, ela nunca tinha visto uma batuta! Ai, ai, ai... E

a coisa seguia por a. Depois, descobrimos um grande cantor italiano, Nicola Paone, que tinha a canoneta do espirro. Adorei aquilo e ento virei um humorista canonetista, com grande orquestra, sempre bem-vestido, com colete, chapu, aquela sobriedade toda. Entrava no palco e fazia meu nmero. Mas para bolar tudo ia casa do Srgio Porto, a velha parceria de autor e ator. Ainda na Excelsior, a dupla Mile e Ronaldo Bscoli criou um programa para mim chamado O Ponto o Rio. Eu interpretava tambm um mendigo que ficava na calada, perto de uma boate, e conversava na maior intimidade com os passantes, que eram artistas famosos como Wilson Simonal, Carlos Lira e outros. Mais um trabalho que adorei fazer.

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Captulo XXXVIII A Patota do ImperatorDo lado da TV Rio, havia um botequim chamado Imperator, onde a gente se reunia. Era daqueles que logo ao se entrar j se sente o bafo do mictrio. Os programas eram ao vivo, ento ns ensaivamos e amos pro boteco, at chegar a hora de entrar em cena. A gente almoava ou ficava por ali tomando um chope e rolavam encontros incrveis. Ciro Monteiro, Lamartine Babo, Silveira Sampaio e at o grande Orlando Silva eram alguns dos frequentadores. O Chacrinha tambm aparecia. Ele sofria de um problema que os telespectadores nem desconfiavam: sempre tinha dor de barriga antes de entrar em cena. At o fim da vida foi assim. J o Silveira Sampaio no sentava nunca. Ele foi um dos maiores atores e dramaturgos que j conheci. Ficava ali me provocando. Costumava dizer que eu era o Silveira Sampaio dos pobres e J Soares o Silveira Sampaio dos ricos. Eu gostava do humor dele. A mesa ia ficando comprida medida que os artistas iam chegando. Ali conheci Tom Jobim, que tocava em uma boate ao lado, a atriz Leila Diniz, o maestro Erlon Chaves e tantos outros. De repente, o assistente de direo entrava esbaforido para avisar que o programa j ia pro ar. A gente ento se levantava e ia para o estdio.

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O nome do bar era Imperator, mas para os ntimos era o bar do peixe, porque em frente havia uma colnia de pescadores. A gente chamava o garom e pedia para ele buscar anchova direto da canoa do pescador. Tambm ali era servido o chope Orlando Silva. Era o chope sem espuma porque Orlando s tomava chope se fosse assim. Um dia, o Ciro Monteiro passou mal. Botamos o homem num carro e o levamos, s pressas, ao hospital Souza Aguiar. Quando a gente estava passando pelo Aterro do Flamengo, que era onde ele morava, Ciro mandou parar o carro. Olhou bem em todas as direes do Aterro e disse: Engraado, moro aqui h tanto tempo e nunca tinha visto esse jardim. Um grande amigo, o Ciro. Jamais consegui esquec-lo. O mesmo posso dizer de Lamartine Babo. Ele no tinha dentes, mas se recusava a usar dentadura. Tinha aquela voz fanhosa genial e cantava pra gente. Compunha ali na nossa frente, fazendo os instrumentos, imitando o trombone, era muito engraado. Bons tempos o do Imperator. Eu estava comeando. Aquela gente toda teve a ver com Z Bonitinho. Eram meus dolos. Muita coisa que eu observava ali incorporava depois ao personagem. Era outra poca. A gente fazia amigos trabalhando. Hoje entramos em cena e o cara no d nem bom-dia pra voc. Mas a vida essa. Fazer o qu?

Captulo XXXIXOs Verdadeiros Duas pessoas importantssimas em minha carreira foram Manuel de Nbrega e Chico Ansio. Foram os caras que acreditaram em mim. Com eles, tive a minha grande chance. Agora, muitos outros tiveram uma importncia indireta. o caso do Silveira Sampaio. Por isso, quero me estender um pouco mais sobre ele. Para mim, esse cara foi um dos maiores autores teatrais de todos os tempos e um ator excepcional. Fui muito influenciado pelo trabalho dele. Suas peas no so mais representadas por causa de direitos de famlia, essas coisas, o que uma pena. Veja s a inteligncia desse homem. Fazia um programa na TV que era s ele e o telefone. Discava um nmero e comeava falar coisas assim: Al, Braslia? Quero falar com o Presidente. Ele no est? Ento chama o Vice-Presidente. Tambm no est? Ento, chama o Presidente da Cmara... No est? Ento, quem governa o Brasil?. Ele tinha esse tipo de humor. Era um gnio. Fazia um humor de primeira linha, um humor inteligente, s ele e um telefone. o que falta hoje. Inteligncia. Acho que devia haver uma escola para que o humorista experiente passasse um pouco do seu talento para os mais jovens. Sobretudo falar desses caras, que foram os construtores do humor brasileiro. H pouco

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tempo, li no jornal que os verdadeiros construtores do Brasil foram Pedro I, Campos Salles, Getlio Vargas e Juscelino Kubitschek. Se a gente dependesse s dessa turma a, estvamos fritos. Tem que se falar quem foi Silveira Sampaio. Precisamos lembrar de Oscarito. Esses sim foram os verdadeiros construtores do nosso pas.

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Captulo XL O Rei do RisoPor falar em Oscarito, quero contar umas coisas sobre ele tambm, j que foi outro que me influenciou bastante. Desde garoto, era f desse cara. Como eu vivia doente, meus pais me levavam ao circo e ao teatro com a inteno de me fazer rir. S Oscarito me fazia rir pra valer. E quando eu sentia muita dor, aquela dor insuportvel, minha me imitava o Oscarito. Incorporava o jeito dele, andava de c pra l pela casa, fazia caretas. Eu morria de rir e esquecia da dor. Bem mais tarde, quando eu j fazia umas figuraezinhas aqui e ali, cruze