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Jorge Amado Andréia Silva

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Livro , curso , 2012.

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Jorge Amado

Andréia Silva

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Sumário

Capítulo 1: A vida de Jorge Amado

Infância: Entre a fazenda de cacau e o mar da Bahia .................................. 4

Os anos de aprendizado e a descoberta da paixão pelas letras .................. 5

Estréia como profissional da palavra .......................................................... 6

O círculo de amizades do Movimento de 30 .............................................. 7

Humor, sensualismo e a contestação feminina .......................................... 8

Os últimos anos .......................................................................................... 9

Capítulo 2: Obras

O país do Carnaval................................................................................. 10

Cacau .................................................................................................... 11

Suor ....................................................................................................... 12

Jubiabá .................................................................................................. 13

Mar morto ............................................................................................. 14

Capitães da Areia .................................................................................. 15

ABC de Castro Alves .............................................................................. 16

O cavaleiro da esperança ...................................................................... 17

Terras do sem-fim ................................................................................. 18

São Jorge dos Ilhéus .............................................................................. 19

Bahia de Todos os Santos ...................................................................... 20

Seara vermelha ..................................................................................... 21

O amor do soldado ................................................................................ 22

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Os subterrâneos da liberdade | Os ásperos tempos .............................. 23

Os subterrâneos da liberdade | Agonia da noite ................................... 23

Os subterrâneos da liberdade | A luz no túnel ...................................... 24

Gabriela, cravo e canela ........................................................................ 25

O compadre de Ogum ........................................................................... 26

Os pastores da noite ............................................................................. 27

Dona Flor e seus dois maridos ............................................................... 28

Tenda dos Milagres ............................................................................... 29

Tereza Batista cansada de guerra .......................................................... 30

O gato malhado e a andorinha Sinhá .................................................... 31

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Capitulo 1

Infância: Entre a fazenda de cacau e o mar da Bahia

Jorge Amado nasceu em 10 de agosto de 1912, na fazenda Auricídia, em Ferradas, distrito de Itabuna, filho de João Amado de Faria e Eulália Leal. O pai havia migrado de Sergipe para se tornar fazendeiro de cacau na Bahia. Além de Jorge, o primeiro filho, o

casal teve Jofre, que morreu aos três anos, Joelson e James. Antes que o primogênito completasse dois anos, a família mudou-se para Ilhéus, fugindo de uma epidemia de varíola (a “bexiga negra”). No litoral sul da Bahia, a “nação grapiúna”, o menino Jorge Amado ganhou intimidade com o mar, elemento fundamental de seus livros, e viveu algumas de suas experiências mais marcantes. Cresceu em meio a lutas políticas, disputas pela terra e brigas de jagunços e

pistoleiros. Seu pai foi baleado em uma tocaia. Em companhia do caboclo Argemiro, que nos dias de feira o colocava na sela e o levava a Pirangi, o menino conheceu as casas de mulheres e as rodas de jogo. A região cacaueira seria um dos cenários preferidos do autor, atravessando toda sua carreira literária, em livros como Terras do sem-fim, São Jorge dos Ilhéus, Gabriela, cravo e canela e Tocaia Grande, nos quais relata as lutas, a crueldade, a exploração, o heroísmo e o drama associados à cultura do cacau que floresceu na região de Ilhéus nas primeiras décadas do século XX.

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Os anos de aprendizado e a descoberta da paixão pelas letras

Jorge Amado tomou contato com as letras através da mãe, que o alfabetizou pela leitura de jornais. Completou os estudos iniciais num internato religioso: com onze anos foi mandado a Salvador para estudar no Colégio Antônio Vieira. Apesar da sensação de encarceramento e da saudade que sentia da liberdade e do mar de Ilhéus, o menino experimentou ali a paixão pelos livros. Seu professor de português era o padre Luiz Gonzaga Cabral, que lhe emprestou livros de autores como Charles Dickens, Jonathan Swift, José de Alencar e clássicos portugueses. O padre Cabral foi o primeiro a sentenciar que Jorge Amado se tornaria escritor, ao ler uma redação de seu aluno, intitulada “O mar”. Em 1924, o menino fugiu do internato e passou dois meses percorrendo o sertão baiano. Viajou até Itaporanga, em Sergipe, onde morava seu avô paterno, José Amado. Seu tio Álvaro, uma das figuras mais importantes de sua infância, foi buscá-lo na fazenda do avô. Depois de transferir-se para outro internato, o Ginásio Ipiranga, em 1927 Jorge Amado foi morar em um casarão no Pelourinho, em Salvador. O prédio serviria de inspiração ao seu terceiro romance, Suor, publicado em 1934.

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Estréia como profissional da palavra

Aos catorze anos, Jorge Amado conseguiu seu primeiro emprego: repórter policial no Diário da Bahia. Em seguida, passou a trabalhar em O Imparcial. Nessa época, participava intensamente da vida popular e da boemia de Salvador, freqüentava “casas de raparigas”, botecos, feiras e costumava sair com os pescadores em seus saveiros. Em 1928, fundou com amigos a Academia dos Rebeldes, reunião de jovens literatos que pregavam “uma arte moderna, sem ser modernista”, antecipando a ênfase social e o teor realista que caracterizariam o romance do Movimento de 30. O grupo era liderado pelo jornalista e poeta Pinheiro Viegas e dele faziam parte Sosígenes Costa, Alves Ribeiro, Guilherme Dias Gomes, João Cordeiro, o etnólogo Edison Carneiro, entre outros. Foi este último quem apresentou Jorge Amado ao pai-de-santo Procópio, de quem o escritor recebeu seu primeiro título no candomblé: ogã de Oxóssi. A descoberta do candomblé, religião celebrativa em que não existe a noção do pecado, e o contato com as tradições afro-brasileiras e com a história da escravidão levaram Jorge Amado a desenvolver uma visão específica da Bahia - e do Brasil -, que perpassa toda a sua criação literária: uma nação mestiça e festiva.

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O círculo de amizades do Movimento de 30

Em meio à efervescência cultural do Rio de Janeiro, então capital do país, Jorge Amado travou amizade com personalidades da política e das letras, como Raul Bopp, José Américo de Almeida, Gilberto Freyre, Carlos Lacerda, José Lins do Rego e Vinicius de Moraes. A convivência com o chamado Movimento de 30 marcou profundamente sua personalidade e a preocupação que reteve com os problemas brasileiros. Jorge Amado viajou até Maceió especialmente para conhecer Graciliano Ramos. Nesse período, a escritora Rachel de Queiroz lhe apresentou aos ideais igualitários do comunismo. Em 1934, com a publicação de Suor, sua ficção aventurou-se pela realidade urbana e degradada da capital Salvador. Dois anos depois, lançou Jubiabá, romance protagonizado por Antônio Balduíno, um dos primeiros heróis negros da literatura brasileira. Aos 23 anos, Jorge Amado começou a ganhar fama e projeção: o livro tornou-se seu primeiro sucesso internacional. Publicado em francês, foi elogiado pelo escritor Albert Camus em artigo de 1939.

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Humor, sensualismo e a contestação feminina

A partir do final da década de 50, a literatura de Jorge Amado passou a dar mais relevo ao humor, à sensualidade, à miscigenação e ao sincretismo religioso. Apesar de não terem estado ausentes de sua literatura, esses elementos passam agora a ocupar o primeiro plano, e seus romances apresentam um posicionamento político mais nuançado. Gabriela, cravo e canela, escrito em 1958, marca essa grande mudança. O escritor, porém, preferia dizer que com Gabriela houve “uma afirmação e não uma mudança de rota”. Nessa época, Jorge Amado passou a se interessar cada vez mais pelos ritos afro-brasileiros. Em 1957, conheceu Mãe Menininha do Gantois, e em 1959 recebeu um dos mais altos títulos do candomblé, o de obá Arolu do Axé Opô Afonjá. No mesmo ano, saiu na revista Senhor a novela A morte e a morte de Quincas Berro Dágua, considerada uma obra-prima, que depois seria publicada junto com o romance O capitão-de-longo-curso no volume Os velhos marinheiros (1961). Mais tarde, viriam algumas de suas obras mais consagradas, como Dona Flor e seus dois maridos (1966), Tenda dos Milagres (1969), Tereza Batista cansada de guerra (1972) e Tieta do Agreste (1977). A nova fase de sua literatura compreende os livros protagonizados por figuras femininas, ao mesmo tempo sensuais, fortes e contestadoras. As mulheres inventadas por Jorge Amado consagraram-se no imaginário popular e ganharam as telas da televisão e do cinema. Nas décadas de 70, 80 e 90, os livros do autor viraram filmes e novelas, em adaptações realizadas por Walter George Durst, Alberto D’Aversa, Marcel Camus, Nelson Pereira dos Santos, Cacá Diegues, Bruno Barreto, Aguinaldo Silva, Luiz Fernando Carvalho, entre outros diretores e roteiristas. Glauber Rocha e João Moreira Salles realizaram documentários sobre o escritor.

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Os últimos anos

No começo da década de 90, Jorge Amado trabalhava em Bóris, o vermelho, romance que não chegou a concluir, quando redigiu as últimas notas de memória que compõem Navegação de cabotagem, publicado por ocasião de seus oitenta anos. Em 1992 recebeu de uma empresa italiana a proposta de escrever um texto de ficção sobre os quinhentos anos do descobrimento da América. Produziu a novela A descoberta da América pelos turcos, publicada no Brasil em 1994. Durante a década de 90, a filha Paloma, ao lado de Pedro Costa, reviu o texto de suas obras completas, a fim de suprimir os erros que se acumularam ao longos dos anos e das sucessivas edições de seus livros. Em 1995, o autor foi agraciado com o Prêmio Camões, uma das maiores honrarias da literatura de língua portuguesa. Em 1996, Jorge Amado sofreu um edema pulmonar em Paris. Na volta ao Brasil, foi submetido a uma angioplastia. Depois, recolheu-se à casa do Rio Vermelho, com um quadro clínico agravado pela cegueira parcial, que o deprimiu por impedi-lo de ler e escrever. O escritor morreu em agosto de 2001, poucos dias antes de completar 89 anos. Seu corpo foi cremado e as cinzas enterradas junto às raízes de uma velha mangueira, no jardim de sua casa, ao lado de um banco onde costumava descansar, à tarde, em companhia de Zélia.

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Capítulo 2

Obras

O país do Carnaval Romance, 1931 Primeiro romance de Jorge Amado, O país do Carnaval faz um retrato crítico e investigativo da imagem festiva e contraditória do Brasil, a partir do olhar do personagem Paulo Rigger, um brasileiro que não se identifica com o país. Filho de um rico produtor de cacau, Rigger volta ao Brasil depois de sete anos estudando direito em Paris. Num retorno marcado pela inquietação existencial, ele se une a um grupo de intelectuais de Salvador, com o qual passa a discutir questões sobre amor, política, religião e filosofia. Dúvidas sobre os rumos do país ocupam o grupo. O protagonista mantém uma relação de estranhamento com o Brasil do Carnaval, acredita que a festa popular mantém o povo alienado. Os exageros e a informalidade brasileira são motivo de espanto, apesar de a proximidade com o povo durante as festas nas ruas fazer com que ele se sinta verdadeiramente brasileiro. Aturdido pelas contradições, Rigger decide voltar para a Europa. Mestiçagem e racismo, cultura popular e atuação política são alguns dos temas de Jorge Amado que aparecem aqui em estado embrionário. Brutalidade e celebração revelam-se, neste romance de juventude, linhas de força cruciais de uma literatura que se empenhou em caracterizar e decifrar o enigma brasileiro.

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Cacau

Romance, 1934 | Posfácio de José de Souza Martins

Filho de industrial, o sergipano José Cordeiro, conhecido como Cearense, não quer ser patrão: é operário e orgulha-se de sua atividade. Mas acaba despedido da fábrica por ter se relacionado com uma colega de trabalho, cobiçada também pelo patrão, seu próprio tio. Cearense decide procurar serviço em outro lugar. Duas opções se apresentam: São Paulo, ou a zona cacaueira, no sul da Bahia. Cearense escolhe a segunda, a região de Itabuna e Ilhéus, como tantos outros homens e mulheres que vai conhecendo na viagem de barco rumo à região. Ali, na zona do Pirangi, na Fazenda Fraternidade, desenrola-se sua história, tendo como pano de fundo as condições de trabalho nas plantações de cacau, onde os trabalhadores são obrigados a aceitar uma situação de semi-escravidão. Branco, cabelos louros, alfabetizado, Cearense destoa dos demais trabalhadores e chama a atenção de Mária, filha do coronel dono da Fraternidade. A relação com a moça vai colocá-lo mais uma vez diante da possibilidade de se tornar proprietário. No entanto, Cearense se mantém firme do lado dos trabalhadores - fala mais alto sua consciência. Marcado pelo engajamento do autor em sua juventude, o romance conquista pela combinação de crítica social, narrativa de cunho biográfico e retrato de época e lugar.

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Suor

Romance, 1934 |

Nos cômodos diminutos e insalubres de um velho sobrado na ladeira do Pelourinho sobrevivem seiscentas pessoas: operários, mendigos, lavadeiras, prostitutas, desempregados, anarquistas - e muitos ratos. Ali, episódios se sucedem e se interpenetram, compondo um painel coletivo em que o personagem principal é o próprio cortiço, onde se amontoam moradores e suas histórias de vida: o homem que perdeu os dois braços num acidente de trabalho; a viúva do pedreiro que caiu do andaime porque o patrão pediu pressa na obra; a tuberculosa que tosse sem parar e não tem dinheiro para o tratamento; o pai de família que, sem condições de honrar o aluguel, acabou surrando a italiana que lhe cobrava o pagamento; o violinista que não tem onde exercer seu ofício. A lógica do lucro preside o próprio funcionamento do sobrado: os quartos são subdivididos sucessivamente e até o pátio é alugado para retirantes acamparem ao relento. O único lugar vago é o vão da escada, onde os moradores se aliviam, acumula-se o lixo e o mendigo Cabaça cria um rato de estimação. Dentre as muitas personagens do sobrado, destaca-se a jovem Linda, que se envolve com o mecânico Álvaro, líder operário. Suor retrata o cotidiano de miséria, sujeira e promiscuidade da vida urbana de Salvador. Ali, o suor de cada um, seu trabalho e sua intimidade, é ao mesmo tempo objeto de exploração e repulsa. O caráter naturalista das descrições é acompanhado de uma tomada de consciência: num contexto opressivo, em que a exploração do outro é a regra, a única saída parece ser a inspiração revolucionária.

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Jubiabá

Romance, 1935 |

Antônio Balduíno é um garoto pobre, criado no morro do Capa-Negro. Ali, convive com os homens mais respeitados do lugar, como o violeiro Zé Camarão e o pai de santo Jubiabá. Ainda criança, Baldo deseja que sua história seja cantada num ABC, composição popular em louvor de heróis e santos. Depois que a tia de criação enlouquece, Baldo é entregue à guarda do comendador Pereira. Vivendo confortavelmente na casa nova, tem como companhia a menina Lindinalva. Certo dia, porém, é obrigado a fugir. Têm início assim as aventuras que farão a fama de Antônio Balduíno. O rapaz passa um tempo como mendigo, pelas ruas. Depois, torna-se o boxeador Baldo, o Negro. Freqüenta o Lanterna dos Afogados, bar da beira do cais da Bahia. Compõe e vende sambas. Viaja ao Recôncavo, onde trabalha numa plantação de fumo. Integra-se a uma trupe de circo e coleciona amantes pelo caminho. Mas Baldo permanece fiel ao seu amor platônico por Lindinalva. É graças a um pedido dela que se torna estivador e assume a liderança de uma greve geral em Salvador. Como diz pai Jubiabá, a escravidão ainda não acabou, e Baldo se recusa a baixar a cabeça. Finalmente, o ABC de Antônio Balduíno conta que o negro valente e brigão lutou pela liberdade de seu povo. Quarto livro publicado por Jorge Amado, Jubiabá conta a história de um dos primeiros heróis negros da literatura brasileira. O romance é central na obra do autor: as contradições entre o mundo do trabalho, o conflito racial, a ideologia, a luta e, de outro lado, a cultura popular, o universo das festas, o sincretismo religioso, a miscigenação e a sensualidade vão marcar toda a sua produção.

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Mar morto

Romance, 1936

A vida dos marinheiros no cais de Salvador, com sua rica mitologia que gira em torno

de Iemanjá, é o tema central de Mar morto, um painel lírico e trágico sobre a luta

diária desses trabalhadores pela sobrevivência.

Personagens como o jovem mestre de saveiro Guma parecem prisioneiros de um

destino traçado há muitas gerações: os homens saem para o mar que um dia os

tragará, levando-os com Iemanjá para as lendárias terras de Aiocá, e as mulheres os

esperam resignadas no cais. No dia em que eles não voltarem, elas cairão na miséria

ou na prostituição. Lívia, amada que

busca em vão libertar Guma do

chamado do mar, desempenhará um

papel pioneiro na mudança de condição

da mulher. Em torno de Guma

e Lívia entrelaçam-se os dramas de

inúmeros personagens muito

vívidos: do preto Rufino e sua volúvel

mulata Esmeralda; do velho Francisco,

tio de Guma, que conserta redes desde

que se tornou incapaz de enfrentar

o mar; da valente e desbocada Rosa

Palmeirão, de punhal no peito e navalha na

saia. É com grande

lirismo que Jorge Amado narra esse

cotidiano de trabalho árduo,

marcado pelo risco de vida que se

apresenta a todo momento. Em Mar morto, homens e mulheres do cais da Bahia

vivem cada dia como se fosse o último. Paixão e trabalho, instinto e sobrevivência se

conjugam de maneira trágica.

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Capitães da Areia

Romance, 1937 |

Nesta história crua e comovente, Jorge Amado narra a vida de um grupo de meninos pobres que moram num trapiche abandonado em Salvador. Os Capitães da Areia têm entre nove e dezesseis anos e vivem de golpes e pequenos furtos, aterrorizando a capital baiana. Do valente líder Pedro Bala, com seu rosto atravessado por uma cicatriz de navalha, ao carola Pirulito, que reza todas as noites para purgar seus pecados; do sensato Professor, o único inteiramente letrado do grupo, ao sedutor Gato, aprendiz de cafetão, cada um desses meninos tem sua personalidade própria, sua concepção de mundo, seus sonhos modestos. A má fama do grupo, no entanto, se espalha pela cidade. Contra eles se levantam os jornais, a polícia, o juizado de menores e as “famílias distintas”. Mas há também quem os ajude: o padre José Pedro, a mãe de santo Don’Aninha, o estivador João de Adão e o capoeirista Querido-de-Deus. Os meninos crescem e encontram caminhos variados: marinheiro, artista, frade, gigolô, cangaceiro. O líder Pedro Bala decide lutar e assumir a tarefa de mudar o destino dos mais pobres. Influenciada pela militância comunista do autor na época em que foi escrita, a narrativa de Capitães da Areia transcende a orientação política mais imediata. Divididas entre a inocência da infância e a crueza do universo adulto, as crianças têm de lidar com um cotidiano ao mesmo tempo livre e vulnerável, revelando um desamparo e uma fragilidade que, em muitos aspectos, permanecem atuais.

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ABC de Castro Alves

Biografia, 1941 |

“A praça é do povo, como o céu é do condor”, diz um dos poemas mais conhecidos de Castro Alves. Autor de Espumas flutuantes, Vozes d’África e Navio negreiro, ele ficou conhecido como o poeta dos escravos, graças a sua atividade abolicionista e às composições sobre a dor dos africanos cativos. As vivências precoces de coragem, romantismo e luta marcaram sua poesia, pautada pelo amor à liberdade. Antônio Frederico de Castro Alves nasceu no sertão baiano em 1847, numa época de disputas sangrentas, de amores proibidos e de lei feita ao sabor da vontade dos homens. Na infância, passada em Curralinho, hoje Castro Alves, e na capital Salvador, o pequeno Cecéu viveu suas experiências poéticas iniciais. Descobriu o amor e a morte nos mistérios da família da mãe, Clélia Brasília, e a importância da luta na convivência com o tio, João José. Agitador popular, o tio era o inverso do pai, o respeitável médico Antônio José Alves. Para contar a biografia de Castro Alves, Jorge Amado recua até o tempo dos ancestrais do poeta, para então reconstituir os fatos mais importantes de sua vida, como a descoberta de Byron e Victor Hugo, o caso de amor com a atriz portuguesa Eugênia Câmara, os estudos de direito no Recife e em São Paulo, os debates com Tobias Barreto, a amizade com Fagundes Varela, a campanha republicana ao lado de Rui Barbosa e Joaquim Nabuco e a morte por tuberculose aos 24 anos. Jorge Amado narra, de maneira apaixonada e em ritmo de romanceiro popular, a vida de um escritor que fez da poesia uma arma do povo e um instrumento da beleza, do compromisso e da esperança. O tom lírico e envolvente da narrativa vem combinado ao rigor histórico da pesquisa, à sensibilidade crítica do romancista e aos poemas de Castro Alves intercalados por Jorge Amado à trama biográfica.

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O cavaleiro da esperança

Vida de Luís Carlos Prestes

Biografia, 1942

Luís Carlos Prestes nasceu em Porto Alegre, no dia 3 de janeiro de 1898, filho do tenente Antônio Pereira e de dona Leocádia. A infância foi de privação econômica, sofrimento e mudanças entre o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro. O pai morreu antes que ele completasse dez anos, e foi o pequeno Luís Carlos quem teve de consolar a mãe e as irmãs, assumindo a dianteira da família. Na casa paterna, o menino aprendeu que o horizonte, mesmo o mais cinzento, sempre escondia atrás de si um céu azul e livre. Seu objetivo de vida tornou-se buscar a felicidade dos oprimidos e lutar em favor do povo. O cavaleiro da esperança louva a dignidade e o heroísmo do maior líder revolucionário brasileiro. O sentimento de injustiça falou cedo ao coração de Prestes, que em sua carreira militar, na juventude, deu início a uma das trajetórias mais singulares da política nacional. Aos onze anos, ele entrou para a Escola Militar do Realengo. Em 1922, acompanhou de perto a revolta dos Dezoito do Forte de Copacabana. Em 1924, iniciou a marcha de cerca de 25 mil quilômetros que ficou conhecida como Coluna Prestes. Viveu na Bolívia, no Uruguai e na União Soviética. Em 1935, fundou a Aliança Nacional Libertadora e liderou a Intentona Comunista. Em 1936, foi detido junto com a mulher, Olga Benário, grávida da filha do casal, Anita Leocádia. Ainda encontrava-se preso, em 1942, enquanto Jorge Amado escrevia este perfil biográfico. O autor define a Coluna Prestes como o grande momento de um Brasil em busca de si mesmo e compara a importância histórica de Prestes à de Tiradentes, José Bonifácio, Castro Alves e Floriano Peixoto. Escrito quando o Brasil vivia o regime do Estado Novo e o mundo atravessava o período sombrio da Segunda Guerra Mundial e do nazismo, esta biografia reafirma a crença na liberdade, na democracia, na igualdade e no futuro.

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Terras do sem-fim

Romance, 1943

As promessas de fortuna rápida são ouvidas por toda parte: aqueles que voltam de Ilhéus contam que o fruto do cacaueiro agora vale mais que ouro. Levas de aventureiros partem de Salvador e de cidades do interior para as “terras do sem-fim” no litoral baiano. Os pequenos povoados da região, como Tabocas e Ferradas, esperam ser desbravados para receber as plantações de cacau. A ganância povoa e estimula os sonhos dos trabalhadores, mas os perigos da empreitada naquela região ainda virgem não são poucos: mata cerrada, cobras venenosas, a varíola, ou bexiga, misteriosa febre que mata, assombrações, tocaias, tiros e sangue. Sinhô Badaró e seu temido irmão Juca Badaró são donos de uma fazenda naquelas terras. E a propriedade do coronel Horácio da Silveira fica na mesma vizinhança. A mata de Sequeiro Grande, boa para o plantio, vira objeto de disputa entre as duas famílias de poderosos. Para alcançar Sequeiro Grande, porém, é preciso atravessar o quinhão do lavrador Firmo. E ele não parece disposto a se desfazer de sua terra. Terras do sem-fim descreve o período de formação da zona cacaueira, com a sede pelo ouro do cacau, a luta pela posse da terra, o estabelecimento das plantações e a construção das pequenas cidades nos arredores de Ilhéus, no sul da Bahia, no começo do século XX. O universo dos coronéis, dos lavradores, dos capatazes, das senhoras de família e das prostitutas dos cabarés ganha um panorama histórico e autobiográfico de tonalidade épica. Narrativa formadora do universo ficcional de Jorge Amado, Terras do sem-fimretrata os laços sociais da região, retrabalha memórias de infância do autor e expõe a violência e a exploração que marcaram o período.

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São Jorge dos Ilhéus

Romance, 1944

Ilhéus ganhou fama em todo o Brasil graças ao ciclo do cacau. Nas primeiras décadas do século XX, a cidade cresceu vertiginosamente e ficou conhecida como a Rainha do Sul, atraindo trabalhadores e aventureiros de várias partes do nordeste e até mesmo de outras regiões do país. O cacau enriqueceu proprietários de terra, embalou o sonho dos lavradores e foi objeto de lutas sangrentas. Em São Jorge dos Ilhéus, Jorge Amado narra a saga da região cacaueira, com seus primeiros coronéis - personagens como Horácio da Silveira, Frederico Pinto e Sinhô Badaró -, que se tornaram homens ricos e poderosos, seguidos na aventura da exploração do cacau por jovens doutores, trabalhadores urbanos, operários e comerciantes. Depois de um período de luta pelas melhores terras, o fruto da cor do ouro tornou-se mercadoria de alto valor no mercado internacional, e os exportadores assumiram a dianteira dos negócios: os americanos Karbanks e Schwarz, o alemão Rauschnings e brasileiros como Carlos Zude, dono da empresa exportadora Zude, Irmãos & Cia. Aos poucos, toda a economia da região é lançada numa roda-viva em que trabalhadores rurais, proprietários de terras e operários se tornam peças de um jogo de risco. São Jorge dos Ilhéus narra o desdobramento da cultura cacaueira num momento em que o ciclo do cacau atinge um patamar de produção industrial e financeira. Ao lado deTerras do sem-fim (1943), o romance narra a vida de Ilhéus e região desde os seus primórdios, época de desbravamentos e disputas sangrentas, até a internacionalização que transformou a antiga localidade de São Jorge dos Ilhéus na cidade do dinheiro e dos cabarés, das promessas de bons negócios e dos acordos escusos.

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Bahia de Todos os Santos

Guia de ruas e mistérios

Crônica, 1945

O povo é doce, acolhedor e ruidoso, mas também dotado de certa timidez, fruto da mistura de portugueses e negros. Nesta cidade onde se conversa muito, sopra uma aragem marítima constante e o tempo ainda não adquiriu a velocidade dos grandes centros urbanos. A topografia é privilegiada: situada entre o mar e o morro, divide-se em Cidade Alta e Cidade Baixa e se abre para o mar. Jorge Amado compõe aqui um guia das ruas e dos mistérios de São Salvador da Bahia de Todos os Santos, a cidade da Bahia, “negra por excelência”, fundada em 1549. O autor descreve os bairros proletários e os nobres, as feiras e os mercados, as inúmeras ladeiras e ruas da cidade, e apresenta as praias locais, como Itapuã, Amaralina, Pituba e o Farol da Barra. Além de traçar a cartografia do lugar, faz uma crônica dos costumes da população baiana: discorre sobre as igrejas, as macumbas e os terreiros, as comidas típicas, a lavagem da igreja de Nosso Senhor do Bonfim, as homenagens a Iemanjá e a são João, entre outras festas populares. O autor investiga o caráter do baiano, valorizando a mestiçagem do povo e as contradições de seu espírito libertário e conservador. Apesar do esforço histórico e interpretativo para compreender Salvador, Jorge Amado chama a atenção para o mistério que recobre a cidade. De onde ele vem, ninguém sabe. Dos batuques do candomblé? Dos saveiros do cais? Das igrejas? Do mercado? Da Baixa dos Sapateiros? O escritor recomenda que não se tente decifrar os segredos da cidade, pois seus mistérios envolvem por completo o corpo, a alma e o coração dos baianos.

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Seara vermelha

Romance, 1946

As terras onde Jerônimo e Jucundina trabalharam durante vinte anos no sertão nordestino mudam de mãos, e o novo proprietário dispensa os colonos. Jerônimo e a mulher decidem tentar a sorte nas lavouras de café em São Paulo. A família toda segue a trilha sertaneja: com o casal vão os dois filhos, Agostinho e Marta, três netos, Tonho, Noca e Ernesto, além de dois irmãos de Jerônimo e seus familiares. Seara vermelha é um romance sobre a luta dos retirantes por condições de vida dignas e por um lugar em que possam descansar da luta diária pela sobrevivência. Na jornada pela caatinga, os sertanejos sofrem com a falta de comida e a aspereza da paisagem. Depois de passar fome e penar com o sol abrasador do sertão, chegam finalmente a Juazeiro, às margens do rio São Francisco, de onde seguem viagem, agora de navio. A penúria nordestina aparece no livro como fruto não somente da seca, mas também da exploração latifundiária. Por isso, os sertanejos decidem deixar as terras de origem: seu destino final é a cidade de São Paulo, onde moram as esperanças de dias melhores. Os que ficam na paisagem árida do sertão, como outros três filhos de Jerônimo e Jucundina, tentam a sorte como podem. João, ou Jão, torna-se soldado. José, ou Zé Trevoada, vira jagunço, e Juvêncio, o Neném, integra-se ao Partido Comunista. Seara vermelha aponta, assim, para as saídas, às vezes extremas, encontradas pelos sertanejos: a retirada e o abandono de seu lugar de origem, a religião, o cangaço e a atuação social por meio da luta revolucionária.

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O amor do soldado

História de um poeta e sua amante (em um prólogo, três atos e um epílogo)

Teatro, 1947

A peça O amor do soldado é protagonizada por Castro Alves, poeta baiano, um dos grandes nomes do romantismo brasileiro. Ao lado do poeta dos escravos, autor de “O navio negreiro”, o texto coloca em cena a atriz portuguesa Eugênia Câmara, com quem Castro Alves manteve um caso amoroso e a quem dedicou alguns dos poemas deEspumas flutuantes. A história começa em 1866, no Recife, onde os amantes se conhecem, e a ação retrata os conflitos de um autor dividido entre a relação com sua amada e a causa abolicionista. O conflito é compartilhado por Eugênia. Ela admira a consciência social do poeta, mas hesita entre dar seqüência à bem-sucedida carreira de atriz ou acompanhar um Castro Alves devotado à libertação dos escravos e aos ideais republicanos. O amor do soldado compõe-se de três atos, prólogo e epílogo. Tem como cenário as cidades do Recife, do Rio de Janeiro e de São Paulo, onde Castro Alves viveu e atuou. Em dezenove cenas, figuram personalidades históricas como Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, Tobias Barreto, Antônio Borges da Fonseca e Fagundes Varela. Além disso, o próprio Autor participa da peça. Jorge Amado intervém em diversos momentos para explicar passagens da vida de Castro Alves e o contexto histórico em que se passa a ação. O amor do soldado faz, assim, um elogio ao poeta que, como um lutador na frente de batalha pela abolição e pela República, combinou lirismo e atuação social.

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Os subterrâneos da liberdade | Os ásperos tempos

Os subterrâneos da liberdade, vol. 1

Romance, 1954

O romance Os ásperos tempos é o primeiro volume da trilogia Os subterrâneos da liberdade. O livro narra a instauração do regime ditatorial do Estado Novo, imposto em 1937 por Getúlio Vargas, desde os seus preparativos. São Paulo e seus escritórios, seus salões da alta sociedade, seus espaços operários e aparelhos clandestinos são os principais cenários da narrativa. A casa do banqueiro Costa Vale é um centro de decisões políticas mais importante que o gabinete do presidente. Este é visto por seus opositores como um fantoche da burguesia e das potências estrangeiras. As demais forças políticas não são menos comprometidas: o integralismo é uma paródia do nazi-fascismo, os trotskistas são igualados aos agentes da polícia, e a política trabalhista de Vargas é um meio de enganar os operários, abrindo caminho para o surgimento de falsos líderes sindicais. O engajamento do romance adota um teor realista que pretende ensinar sobre a história brasileira e incitar à tomada de posição. Os movimentos de resistência ganham destaque, como um foco de guerrilha camponesa que leva à revolta dos índios pataxós no sul da Bahia. Acompanha-se também a passagem de Apolinário, um membro do Partido Comunista, pelo Uruguai, onde o militante encontra apoio. E a jovem Mariana, integrante do partido, vive devotada à causa dos companheiros. Apesar do forte conteúdo político, a estrutura narrativa sobressai, pois aproveita o formato de folhetim para descrever negociatas, paixões, adultérios, casamentos arranjados e perseguições policiais, preservando a habilidade narrativa característica de Jorge Amado. A combinação entre arte e política de Os ásperos tempos foi decisiva para a experiência ficcional do autor.

Os subterrâneos da liberdade | Agonia da noite

Os subterrâneos da liberdade, vol. 2

Romance, 1954

Agonia da noite é o segundo volume da trilogia Os subterrâneos da liberdade. O romance dá continuidade a Os ásperos tempos, que descreve a implantação do Estado Novo (1937-45) e as primeiras reações ao governo ditatorial de Getúlio Vargas. Este livro retrata as ações criminosas do regime e a resistência inspirada pelo Partido Comunista Brasileiro. A narrativa aborda a situação política no Brasil, mas também o panorama internacional, com a Segunda Guerra Mundial e os interesses imperialistas. O enredo apresenta o negro Doroteu, estivador no porto de Santos, e sua companheira, Inácia. O que une o casal é não apenas o amor, mas também o ideal político: se tiverem um filho, ele se chamará Luís Carlos, como Prestes. O nome rende homenagem ao líder revolucionário então preso e condenado. Doroteu participa de um protesto contra a venda do café brasileiro ao governo de Francisco Franco, ditador espanhol. Os trabalhadores do porto iniciam uma greve, o que durante o Estado Novo era crime previsto na Constituição. A burguesia também

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está presente, reunida para uma festa à fantasia em homenagem ao ministro do Trabalho. A greve repercute em outras paragens revolucionárias: nas fábricas de São Paulo e no Mato Grosso. Mas até mesmo dentro do partido há forças desagregadoras, como o jornalista Saquila. Agonia da noite descreve o endurecimento do Estado Novo e a necessidade urgente do combate político e da luta pela liberdade. Agora que o regime ditatorial instalou-se, a resistência se faz ainda mais necessária. A reforma agrária e o enfrentamento do interesse estrangeiro são temas que podem despertar a tomada de consciência dos trabalhadores para a luta contra a ditadura e o imperialismo. Os subterrâneos da liberdade | A luz no túnel Os subterrâneos da liberdade, vol. 3 Romance, 1954 O romance A luz no túnel é o último volume da trilogia Os subterrâneos da liberdade, da qual fazem parte também Os ásperos tempos e Agonia da noite. Como os demais livros, retrata episódios ocorridos durante o Estado Novo (1937-45) e a resistência do Partido Comunista Brasileiro durante o período. As perseguições aos comunistas intensificaram-se em 1938, com as greves nas fábricas de Santo André, e vários membros do partido estão detidos. A história segue até 1940, quando ocorre o julgamento do líder revolucionário Luís Carlos Prestes, preso desde 1936. O autor faz um retrato minucioso das atrocidades cometidas pela polícia do Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo, comandada pelo delegado Barros, para obter informações sobre as atividades clandestinas. Entre os presos, está o camarada Zé Pedro, que passa por tortura e é obrigado a assistir aos abusos cometidos também contra sua mulher, Josefa. Os donos do poder econômico são personificados no banqueiro Costa Vale e no empresário americano John B. Carlton. Em oposição a eles, estão os operários e os trabalhadores da zona rural, estes liderados por Zé Gonçalo, que lutam pela terra no Mato Grosso. Uma empresa americana busca instalar-se na região para explorar manganês, com mão-de-obra japonesa. Em A luz no túnel, o cenário é ainda mais negativo para o Partido Comunista do que nos outros livros da trilogia, pois o contexto é o do auge da Segunda Guerra Mundial, com a ocupação da França pelos nazistas e a hesitação de Vargas, que tende a apoiar os alemães e acaba sucumbindo aos americanos. Mas os companheiros não perdem o otimismo. Novos militantes enxergam uma “luz no túnel”: em massa, eles acompanham o julgamento de Prestes, herói maior e estímulo para continuarem na luta.

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Gabriela, cravo e canela

Crônica de uma cidade do interior

Romance, 1958

Vinda do agreste, Gabriela chega a Ilhéus em 1925, em busca de trabalho. É levada do “mercado dos escravos”, lugar onde acampam os retirantes, pelo árabe Nacib. O dono do bar Vesúvio não atenta de imediato para a beleza da moça, escondida sob os trapos e a poeira do caminho. Não tarda, porém, a descobrir que ela tem a cor da canela e o cheiro do cravo. Em breve, todos os homens da cidade vão se render aos encantos de Gabriela. Ela assume a cozinha do bar, e o Vesúvio ferve por conta do tempero e da presença inebriante de Gabriela. Apaixonado, o ciumento Nacib decide que o melhor é se casar. Gabriela passa a ter obrigações que não combinam com seu espírito livre e rústico. No entanto, não se deixa subjugar. Nacib a flagra na cama com Tonico Bastos e manda anular o casamento. Mas Gabriela ainda voltará a ser sua cozinheira e a freqüentar sua cama. Gabriela, cravo e canela narra o caso de amor entre o árabe Nacib e a sertaneja Gabriela e compõe uma crônica do período áureo do cacau na região de Ilhéus. Além do quadro de costumes, o livro descreve alterações profundas na vida social da Bahia dos anos 1920: a abertura do porto aos grandes navios leva à ascensão do exportador carioca Mundinho Falcão e ao declínio dos coronéis, como Ramiro Bastos. É Gabriela quem personifica as transformações de uma sociedade patriarcal, arcaica e autoritária, convulsionada pelos sopros de renovação cultural, política e econômica.

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O compadre de Ogum

Novela, 1964

Filho da alagoana Benedita e do negro Massu, Felício chama a atenção por sua beleza. Os olhos azuis do menino são motivo de dúvida sobre a sua paternidade: acredita-se que ele seja filho de um marinheiro loiro, o Gringo, ou do caixeiro Otoniel. Massu, porém, está certo de que é o pai da criança. Afinal, ele e Benedita “rebolaram-se” inúmeras vezes no areal. Certo dia, Benedita some no mundo, fugindo do ciúme do marido, para reaparecer tempos depois, muito doente. Ela bate à porta de Massu e lhe entrega o bebê. Some mais uma vez, e logo sua morte é dada como certa. Massu assume a tarefa de batizar o filho, que está para fazer um ano. Tibéria será madrinha, mas são muitos os candidatos a padrinho. Porém, Ogum anuncia que ele próprio vai ser o padrinho de Felício. Será a divindade admitida na igreja do Rosário dos Negros, no Pelourinho? Chega-se afinal a uma solução, mas o dia do batizado ainda reserva grande surpresa, e não apenas a todos os convidados, mas à gente da Cidade Baixa e até mesmo ao orixá guerreiro. Narrativa breve, espirituosa e de grande intensidade, O compadre de Ogum capta a curiosidade do leitor até o desenlace, desconcertante. O sincretismo religioso que justapõe o candomblé e o catolicismo é o traço cultural que permite, com humor e compreensão, aceitar diferenças e resolver conflitos.

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Os pastores da noite

Romance, 1964

O casamento de Martim e Marialva provoca rebuliço na cidade da Bahia. O menino Felício é batizado em uma igreja católica do Pelourinho, mas tem como padrinho uma divindade negra, o orixá Ogum. A ocupação do morro do Mata Gato obriga os moradores a enfrentar o proprietário inescrupuloso e a polícia. Os pastores da noite é um romance formado por três episódios independentes, mas que guardam relação profunda entre si e personagens em comum. Na primeira história, a notícia do enlace do cabo Martim com a bela Marialva espalha-se e atinge o estado vizinho, Sergipe. Mestre do jogo de cartas marcadas, o malandro provoca o ciúme da cafetina Tibéria. Marialva, por sua vez, desperta o interesse de outros homens, especialmente Curió, que se apaixona pela mulher do melhor amigo. A segunda narrativa conta a história de um menino de olhos azuis, Felício, filho da alagoana Benedita e do negro Massu. Prestes a completar um ano, o bebê será batizado pelo pai em uma cerimônia religiosa marcada pelo sincretismo do rito católico com o candomblé. O terceiro episódio relata a invasão do morro do Mata Gato. O dono do terreno consegue um mandado para expulsar a gente do local por meio da força. Negocia-se a desapropriação, e a medida agrada aos moradores. Mas a solução acaba revelando um jogo de interesses espúrios para beneficiar políticos. As narrativas que compõem o livro caracterizam o universo da cidade de Salvador e do Recôncavo, onde os limites entre o convívio harmonioso e o conflito aberto são definidos diariamente. Em meio ao povo simples da Bahia, a solidariedade e a miscigenação são elementos que se refletem na amizade, no amor, na religião e no lugar onde se vive.

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Dona Flor e seus dois maridos

Romance, 1966

Num domingo de Carnaval, Vadinho parou de sambar e caiu duro. Uma vida de boemia chegava ao fim: cachaça, jogatina e noites de esbórnia arruinaram o jovem malandro. Dona Flor acorreu em prantos ao corpo do marido, fantasiado de baiana. Em sete anos de casamento, sofrera com as safadezas de Vadinho, mas o amava. Viúva, Florípedes Guimarães concentra-se nas aulas de cozinha na escola Sabor e Arte. Um ano depois da morte de Vadinho, porém, o desejo do corpo lhe incendeia o recato da alma. O farmacêutico Teodoro Madureira surge como pretendente. Do namoro e de um noivado pudico, eles passam ao casamento. Cerimonioso e equilibrado, o segundo marido é o oposto do primeiro. Dr. Teodoro vive para a farmácia e para os ensaios de fagote. Flor é feliz com ele, mas sente um vazio que não sabe definir. Certa noite, depois de um ano de casada, dona Flor toma um susto: Vadinho está nu, deitado na cama, rindo e acenando para ela. O fantasma do malandro passa a viver com o casal. No melhor estilo de crônica de costumes, Dona Flor e seus dois maridos descreve a vida noturna de Salvador, seus cassinos e cabarés, a culinária baiana, os ritos do candomblé e o convívio entre políticos, doutores, poetas, prostitutas e malandros. Uma das mais conhecidas personagens femininas do autor, dona Flor encarna contradições bem brasileiras. Dividida entre o fiel e comedido Teodoro e o extravagante e voluptuoso Vadinho, ela decide viver o melhor de dois mundos. A narrativa faz um retrato inventivo e bem-humorado das ambigüidades que marcam o Brasil, país dividido entre o compromisso e o prazer, a alegria e a seriedade, o trabalho e a malandragem.

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Tenda dos Milagres

Romance, 1969

É 1968, e a chegada a Salvador do prêmio Nobel James Levenson provoca alvoroço na imprensa local. O professor americano vem em busca de quatro livros que documentam a formação do povo baiano, de autoria de um certo Pedro Archanjo. Voltamos então ao começo do século XX, época em que se passaram as proezas do pobre, pardo, boêmio e mulherengo Archanjo. Na juventude, Archanjo conheceu Lídio Corró, um “riscador de milagres”, que virou parceiro na luta contra o preconceito racial e religioso. A Tenda dos Milagres, no Pelourinho, lugar onde os amigos trabalhavam, era também palco de candomblé e capoeira de Angola. E os folhetos de literatura popular e os livros de Archanjo impressos na tipografia da Tenda transformaram-na em uma espécie de universidade livre da cultura popular. Bedel da Faculdade de Medicina da Bahia, Archanjo inspirou-se no convívio com os catedráticos da instituição e passou a estudar a história do povo baiano. Mas suas teorias, que valorizavam a miscigenação, despertam o ódio do professor Nilo Argolo, para quem os mestiços eram “degenerados”. Em Tenda dos Milagres, Jorge Amado opõe as idéias de Archanjo às de Argolo para enaltecer a mestiçagem, a tradição popular e a cultura negra. O romance critica a postura colonizada de aceitação de teorias racistas originárias da Europa no início do século XX e ironiza a valorização tardia da obra do intelectual negro, reconhecida à revelia da elite local graças à iniciativa de um estrangeiro. A narrativa entrelaça com extrema habilidade os registros erudito e popular. As críticas à repressão contra o candomblé e outras manifestações da cultura negra ganham relevo em dois momentos históricos: o começo do século XX, quando da atuação de Pedro Archanjo, e a época em que o livro foi publicado, em plena ditadura militar.

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Tereza Batista cansada de guerra

Romance, 1972

Órfã de pai e mãe, a menina Tereza é vendida pela tia Felipa a Justiniano Duarte da Rosa, o capitão Justo. Nas terras dele, é tratada como propriedade, inclusive do ponto de vista sexual. Mas Tereza irá lutar até o fim contra as dominações a que se vê submetida. Surpreendida pelo capitão ao lado do amante Daniel, Tereza é obrigada a se defender das violências de Justiniano com uma faca. Presa, ela será libertada por Emiliano Guedes, usineiro rico e antigo admirador. Mandada para um convento, foge incentivada pela cafetina Gabi. Emiliano intervém mais uma vez e retira a jovem do bordel. Entregue a si própria e ao destino, ela vai para Sergipe, onde suas desventuras não cessarão: apaixona-se por Januário Gereba, um homem casado; combate uma epidemia de varíola, ao lado das prostitutas da pequena cidade de Buquim, dando auxílio aos doentes da “Bexiga Negra”; depois muda-se para Salvador, onde lidera um movimento de prostitutas, a “greve do balaio fechado”. “Peste, fome e guerra, morte e amor, a vida de Tereza Batista é uma história de cordel”, já adiantava a epígrafe do romance. Na saga dessa heroína não faltam atribulações e conflitos, que ela vai enfrentar com determinação inabalável. E o fim de sua história reacende uma luz de esperança que o cansaço não pode apagar. O espírito do inconformismo, da luta e da sedução (mas também o da recusa da sensualidade) garantem o lugar de Tereza Batista entre as grandes protagonistas de Jorge Amado.

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O gato malhado e a andorinha Sinhá Infantil, 1976 O temperamento do gato malhado não era dos melhores. Sua fama de encrenqueiro era tanta que, quando ele aparecia no parque, todos fugiam: a galinha carijó, o reverendo papagaio, o pato negro, a pata branca, mamãe sabiá, os pombos, os cães. Até as flores se fechavam à sua passagem. Ao descobrir que todos os bichos tinham medo dele, o gato fica arrasado. Mas logo retoma sua indiferença habitual, pois não se importa com os outros. O que ele não sabia é que havia alguém que não tinha nem um pouco de medo dele: a andorinha Sinhá. Num dia de primavera, o gato percebe que ela foi a única que não fugiu quando ele apareceu. A andorinha justifica sua coragem: ela voa, ele não. Desde aquele dia a amizade entre os dois se aprofunda, e no outono os bichos já vêem o gato com outros olhos, achando que talvez ele não seja tão ruim e perigoso, uma vez que passara toda a primavera e o verão sem aprontar. Durante esse tempo, até soneto o gato escreveu. E confessou à andorinha: “Se eu não fosse um gato, te pediria para casares comigo…”. Mas o amor entre os dois é proibido, não só porque o gato é visto com desconfiança, mas também porque a andorinha está prometida ao rouxinol. Com grande lirismo, a história do amor de um gato mau por uma adorável andorinha assume aqui o tom fabular dos contos infanto-juvenis. Além de se transformar em um improvável caso de paixão, a narrativa mostra como duas criaturas bem diferentes podem não apenas conviver em paz como mudar a maneira de ver o mundo.

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Fonte : http://www.jorgeamado.com.br/