paixão pelas pessoas

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Julho/Agosto de 2012 17 STORE MAGAZINE Fátima de Sousa jornalista [email protected] Passeio Público Paixão pelas pessoas Pedro Norton de Matos acredita nas pessoas. Acredita sobretudo no poder de transformação das pessoas, porque cada um tem dentro de si as brasas do talento que estão apenas à espera de um sopro para se avivarem. Acredita também no empreendedorismo como atitude e, mais uma vez, como motor da mudança. E foi por acreditar nas pessoas, no empreendedorismo e na mudança que criou o Green Festival, a My Change e a Gingko. Ramon de Melo Há sete anos, Pedro Norton de Matos mudou de vida. Iniciou uma viagem pelo interior de si próprio. Em busca do auto-conhecimento que acredita ser o combustível da transformação. Do lado de fora, ficou o executivo – durante os 15 anos anteriores fora n.º 1 da Unisys, primeiro, e da ONI depois. E a porta abriu-se a um homem que mantém a mesma alegria de viver mas que se dedica a cultivar o empreendedorismo como atitude. Foi um incidente de saúde (“que felizmente não deixou sequelas”) que fez tocar a rebate o sino da mudança. Estava a dias de cum- prir 50 anos. Diz que a idade não o assusta, mas reconhece simbo- lismo de certas datas: “Aos 50 já se ganhou uma determinada ma- turidade, já caímos algumas vezes, já nos levantámos, se calhar mais fortes, a vida já nos ensinou a sa- ber o que queremos e o que não queremos”. A perspectiva de uma escolha de fundo já se adivinha- va, mas o problema de saúde veio “claramente” acelerar a tomada de decisão. Pedro não renega a carreira de sucesso: “Antes pelo contrário, valorizo imenso esse período da minha vida. Vivi-o com intensida- de, porventura demasiada. Não há nenhum diagnóstico que confirme a co-relação entre essa intensida- de e o incidente de saúde, mas é sabido que o estilo de vida tem in- fluência”. A decisão de mudar assumiu a forma de promessa feita à família na cama dos cuidados intensivos: “Essa foi a expressão do compro- misso que assumi de mudar de vida”. Um gesto solene e de res- ponsabilidade que a “compreen- são” dos accionistas ajudou a res- peitar: “Convidaram-me para ficar um ano como não executivo até completar o mandato. Foi um ano sabático, de amadurecimento das minhas decisões sobre o que que- ria fazer”. E desde logo se confron- tou com um desafio: “Como tenho esta grande alegria de viver e gosto de fazer muitas coisas, acabei por criar vários projectos”. Embarcou então numa viagem interior, de confirmação de quais as áreas que mais o motivavam, enfim, de decantação de interes- ses. E um denominador comum emergiu – as pessoas. “Criei uma empresa em que as pessoas estão no centro. A My Change é um fa- cilitador de processos de mudan- ça, que se propõe levar à prática

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Paixão pelas pessoas

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Julho/Agosto de 2012 17STORE MAGAZINE

Fátima de [email protected]

Passeio Público

Paixão pelas pessoas

Pedro norton de matos acredita nas pessoas. Acredita sobretudo no poder de transformação das pessoas, porque cada um tem dentro de si as brasas do talento que estão apenas à espera de um sopro para se avivarem. Acredita também no empreendedorismo como atitude e, mais uma vez, como motor da mudança. E foi por acreditar nas pessoas, no empreendedorismo e na mudança que criou o Green Festival, a My Change e a Gingko.

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Há sete anos, Pedro Norton de Matos mudou de vida. Iniciou uma viagem pelo interior de si próprio. Em busca do auto-conhecimento que acredita ser o combustível da transformação. Do lado de fora, ficou o executivo – durante os 15 anos anteriores fora n.º 1 da Unisys, primeiro, e da ONI depois. E a porta abriu-se a um homem que mantém a mesma alegria de viver mas que se dedica a cultivar o empreendedorismo como atitude.Foi um incidente de saúde (“que felizmente não deixou sequelas”) que fez tocar a rebate o sino da mudança. Estava a dias de cum-

prir 50 anos. Diz que a idade não o assusta, mas reconhece simbo-lismo de certas datas: “Aos 50 já se ganhou uma determinada ma-turidade, já caímos algumas vezes, já nos levantámos, se calhar mais fortes, a vida já nos ensinou a sa-ber o que queremos e o que não queremos”. A perspectiva de uma escolha de fundo já se adivinha-va, mas o problema de saúde veio “claramente” acelerar a tomada de decisão.Pedro não renega a carreira de sucesso: “Antes pelo contrário, valorizo imenso esse período da minha vida. Vivi-o com intensida-

de, porventura demasiada. Não há nenhum diagnóstico que confirme a co-relação entre essa intensida-de e o incidente de saúde, mas é sabido que o estilo de vida tem in-fluência”.A decisão de mudar assumiu a forma de promessa feita à família na cama dos cuidados intensivos: “Essa foi a expressão do compro-misso que assumi de mudar de vida”. Um gesto solene e de res-ponsabilidade que a “compreen-são” dos accionistas ajudou a res-peitar: “Convidaram-me para ficar um ano como não executivo até completar o mandato. Foi um ano

sabático, de amadurecimento das minhas decisões sobre o que que-ria fazer”. E desde logo se confron-tou com um desafio: “Como tenho esta grande alegria de viver e gosto de fazer muitas coisas, acabei por criar vários projectos”.Embarcou então numa viagem interior, de confirmação de quais as áreas que mais o motivavam, enfim, de decantação de interes-ses. E um denominador comum emergiu – as pessoas. “Criei uma empresa em que as pessoas estão no centro. A My Change é um fa-cilitador de processos de mudan-ça, que se propõe levar à prática

18 Julho/Agosto de 2012 STORE MAGAZINE

Passeio Público

“Todos temos dentro de nós um braseiro, que pode ou não estar com

umas cinzas por cima – e as brasas são as nossas qualidades, é o nosso

talento, o nosso saber-fazer”

“Nem toda a gente tem de ser empreendedor como empresário, mas como atitude sim. Significa espírito de iniciativa e não tem idade, deve ser comum a toda a sociedade”

Promover a mudança não é fácil, desde logo porque os humanos são animais de hábitose também as organizações, porque compostas de pessoas, o são. “Parece que mudamos quando temos as barbas a arder”

aquilo que se ouve muitas vezes nas organizações – as pessoas são o principal activo – que para uns é apenas uma frase bonita, mas vã, e para outros tem significado”.Também a revista Gingko tem mui-to a ver com as pessoas. O nome foi sugerido por uma das filhas du-rante o processo de brainstorming. Pedro reconhece que é um nome difícil, mas sempre acreditou que poderia, por isso mesmo, suscitar curiosidade. E faz suas as palavras de Belmiro de Azevedo quando disse que, com o orçamento certo, qualquer nome pode ficar no ouvi-do…Mas Gingko não vingou por acaso, vingou pelo simbolismo associado a uma árvore que, sendo de cres-cimento lento, tem grande capa-cidade de adaptação a diferentes solos e climas, que conviveu com os dinossauros e lhes sobreviveu, que se manteve incólume no epi-centro de Hiroshima e Nagasaki. É símbolo da paciência e da resiliên-cia. “Mais do que suficiente para inspirar um projecto” que, também ele, pretende ser de longevidade. E que evoluiu nos últimos seis anos, num ambiente económico pro-gressivamente mais difícil, trilhan-do o seu caminho de afirmação.Lenta é por definição a mudança de comportamentos, mas Pedro Norton de Matos acredita na mu-dança. Acredita no empreendedo-rismo como atitude, que é, aliás, o mote da próxima edição do Green Festival, mais uma iniciativa a que empresta o seu entusiasmo. “Nem toda a gente de tem ser empre-endedor como empresário, mas como atitude sim. Significa espírito de iniciativa e não tem idade, deve ser comum a toda a sociedade”.Reconhece que promover a mu-dança não é fácil, desde logo porque os humanos são animais de hábitos e também as organi-zações, porque compostas de pessoas, o são. “Parece que mu-damos quando temos as barbas a arder”, comenta, para atestar que em momentos de crise as pesso-as são obrigadas a mudar. Mas, “e quando as barbas não estão a arder?” Também é possível: passa por incorporar novos comporta-mentos, repetindo-os até serem assimilados, transformando-se em novos hábitos.

Importa que esses comportamen-tos sejam valorizados como bons pela pessoa ou pela organização, mas Pedro sabe que existe um fos-so entre o que sabemos que deve ser feito e o que fazemos. Ainda assim, porque é positivo, prefere olhar para o copo meio cheio e encontrar esperança nesse fosso: “Se conseguirmos ser mais coe-rentes e consistentes, sem entrar em fundamentalismos, ligando o conhecimento à prática, estreita-mos o fosso”. A grande interroga-ção é como. É aqui que entram o Green Festival e o Movimento Ver-de, “ajudam sem paternalismos, através da inspiração de bons exemplos, a diminuir esse gap”.Uma ferramenta de mudança é o coaching, domínio em que Pedro tem competências reconhecidas. E para explicar a filosofia desta prática recorre a uma metáfora de um argentino segundo o qual “coaching é a arte de soprar bra-sas”. “Alinho com essa forma de pensar, porque todos temos den-tro de nós um braseiro, que pode ou não estar com umas cinzas por cima – e as brasas são as nossas qualidades, é o nosso talento, o nosso saber-fazer. O coaching é o fôlego para avivar a chama, porque as brasas já lá estão”. Entre coach e coachee estabelece-se um “diá-logo dançante, uma interacção fei-ta de verbo, mas também de ges-to”. Sempre para realçar o “enorme poder de transformação que cada um tem em si”, porque Pedro acre-dita que todos somos potencial-

Boas práticas que podem inspirar

DistRiBuição

Pedro Norton de Matos de-fende que nenhum sector de actividade pode ignorar os te-mas da sustentabilidade e da mudança. Quanto mais não seja porque o consumidor está mais inteligente. Neste âmbito, diz que a distribuição tem tido “um papel notável”, procurando que todos os agentes da sua cadeia de va-lor criem valor e sejam bene-

ficiados pela criação de valor. Inclui nesta atitude a preocu-pação com a certificação dos fornecedores, por exemplo, os projectos de aproveita-mento dos perecíveis ainda dentro do prazo por institui-ções de solidariedade social, o tratamento de resíduos. São “boas práticas que podem ser inspiradoras para outros sec-tores”.

Julho/Agosto de 2012 19STORE MAGAZINE

“Em algumas coisas, não mudei tanto quanto quereria, mas estou nesse processo, continuo a fazer esse caminho com enorme alegria de viver e vontade de aprender”

mente agentes de mudança. Há apenas que encontrar o que nos faz “correr a milha extra”. E aqui cita Gandhi - “Sê a mudança que queres ver no mundo” - para jus-tificar que a mudança começa em cada um e que o coaching pode “ajudar a que o eu de auto-estima e de auto-confiança se desenvolva e cresça, com e através dos ou-tros, passando de um eu solitário a um nós solidário”.Este é o grande desafio da socie-dade – conjugar o eu com o nós. É a resposta à busca de uma nova ordem, por oposição a um modelo que tem conduzido a “profundas assimetrias”. Pedro deposita gran-de confiança na capacidade criati-va do homem, vê-o transformar-se e deseja que não fique à espera que sejam os outros – “os eles, sem nome e sem rosto” – a fazê-lo.Não há uma receita para a mu-dança – “Se houvesse na farmácia iríamos todos a correr, eu também iria”: “É, como dizia o poeta, um caminho que se faz caminhando, uma descoberta muito pessoal mas transmissível”.E para onde tem caminhado Pe-dro Norton de Matos desde a pro-messa solene de há sete anos? Mudou desde logo a gestão do tempo, pois hoje são mais as va-riáveis que controla. Não mudou a característica da multitarefa, já que está ligado a muitos projectos que podem – reconhece – conduzir a alguma dispersão, tornando por-ventura necessário algum foco. “Em algumas coisas, não mudei tanto quanto quereria, mas estou nesse processo, continuo a fazer esse caminho com enorme alegria de viver e vontade de aprender”.É também um caminho de “maior humildade, de um ego mais do-mesticado”, fruto da constatação de que “o ego pode ser um dos maiores inimigos da pessoa”. Pe-dro sabe que é ténue a fronteira entre o eu de individualidade, que é positivo e que faz com que um seja diferente do outro, e o eu de individualismo, de egocentrismo. Para não a cruzar, há que “apren-der a escutar melhor”: “Só quando escutamos melhor, quando damos espaço ao outro diferente de nós podemos crescer”. E isso é ser hu-milde. E mais sábio.

Lembrado como uma boa pessoa

eXeRCíCio

“Tenho de fazer aqui uma de-claração de princípio: é que sou um privilegiado”. É assim que Pedro Norton de Matos enquadra a mudança na sua vida no que toca ao rendi-mento. Admite que beneficia de estímulos materiais, e que lhes reage, mas assegura que nunca foi muito materialista e que é, até, um crítico do hiper--consumo, do desperdício e da obsolescência programa-da. É por opção que declina – e continuará a declinar, afirma – os convites que continua a ter para regressar à vida exe-cutiva por conta de outrém. E declina-os com a tranquilida-

de de poder fazer escolhas agora que as duas filhas estão encami-nhadas, têm as suas formações universitárias e as suas profis-sões. “É um factor que me liberta bastante”, reconhece.Reafirma que o materialismo não é o seu caminho, convicto que está de que a sociedade do hi-per-consumo não tem conduzido à felicidade. “Os mais velhos quando, na hora da despedida, dizem o que mais valeu, o que mais prezam, não falam do material, falam sempre do lado humano, das relações, dos afec-tos”, afirma, para sublinhar a sua escolha.E recorre mesmo a um exercício

que pede àqueles a quem orienta no processo de mu-dança: “Como gostariam de ser lembrados quando par-tirem?”. Ele, Pedro, que mu-dou a vida na fronteira dos 50 anos, gostaria de ser recorda-do como “um gajo porreiro, uma boa pessoa que viveu a vida com alegria, que, de cada vez que caía, se levan-tava para voltar a correr”. E como um sonhador, que viveu no presente os seus sonhos porque “o futuro é uma abs-tracção”. “Há que transportar os sonhos para o aqui e ago-ra e começar a realizá-los no aqui e agora”.