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4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016 PAISAGEM CULTURAL E IDENTIFICAÇÃO DE ELEMENTOS SIMBÓLICOS DA VILA DE ITAÚNAS (ES) COSTA, MAÍSA F. (1); CAMPOS, MARTHA M. (2) 1. Universidade Federal do Espírito Santo. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. [email protected] 2. Universidade Federal do Espírito Santo. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. [email protected] RESUMO O conceito de paisagem cultural atravessa várias disciplinas, sendo discutido no campo da geografia, da arquitetura, do urbanismo, citando alguns, e, em específico, no subcampo do patrimônio cultural. Sua abrangência pressupõe abordagem dos bens culturais imateriais e materiais aliados à integração do homem com o território e o meio natural, além de apontar questões contemporâneas ao patrimônio cultural. Este trabalho investiga o termo paisagem cultural como conceito e sua problematização na Vila de Itaúnas (ES), litoral norte do Estado do Espírito Santo. Conhecida por sua beleza natural e pela ocupação peculiar do território, a história da Vila de Itaúnas remete ao processo de soterramento da antiga vila iniciado na década de 1950. Em meados de 1970, os moradores da antiga vila deixam definitivamente o local e se estabelecem no outro lado do rio de nome homônimo. No local da antiga Vila houve a formação de dunas de areia, característica peculiar de seu meio natural e o aumento do turismo na região. A partir de 1990, o local teve novo e considerável aumento do fluxo de turistas. Em seguida, o turismo foi sendo intensificado, devido, sobretudo ao apelo dos meios de comunicação em massa e das iniciativas locais na caracterização da imagem da Vila de Itaúnas como Capital do Forró. Desde 2000, o evento Festival Nacional de Forró de Itaúnas (FENFIT) é realizado no mês de julho. Anterior à difusão do turismo advindo do denominado forró pé de serra, a Vila de Itaúnas se caracterizava por suas manifestações culturais mais genuínas, a exemplo do Alardo de São Sebastião e do Ticumbi. Ambos são eventos temporários que se apropriam dos espaços da igreja, da praça, do rio, entre outros lugares da vila, para sua realização durante o mês de janeiro, contudo o Ticumbi se estende por todo ano com distintas atividades. Autores afirmam que o local possui um forte elo étnico e cultural com os índios botocudos e os afros descendentes, e a sincronia entre ambos constitui a marca identitária da comunidade do lugar, de modo indissociavelmente vinculado ao seu território, isso desde a época da antiga vila até os dias atuais. Este trabalho expõe os elementos simbólicos caracterizadores do espaço da Vila de Itaúnas por meio de registro preliminar, construído a partir de estudos sobre os significados criados pelos grupos que vivenciam os espaços da vila, produzindo os lugares simbólicos do local. Esses lugares são apontados como manifestações espaciais da cultura e possuem significados políticos, religiosos, étnicos ou associados ao passado, todos impregnados de singularidades simbólicas. Conclui-se que a localidade de Itaúnas representa uma pequena vila carregada de simbolismos construídos por seus habitantes, principalmente durante o processo de mudança da antiga ocupação para a vila atual e pelos turistas que esporadicamente frequentam o local, isso em processos e dinâmicas continuadas de construção de lugares simbólicos, que por sua vez, moldam paisagens também em continua construção. Palavras-chave: Paisagem cultural; Patrimônio cultural; Elementos simbólicos; Itaúnas.

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4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

PAISAGEM CULTURAL E IDENTIFICAÇÃO DE ELEMENTOS SIMBÓLICOS DA VILA DE ITAÚNAS (ES)

COSTA, MAÍSA F. (1); CAMPOS, MARTHA M. (2)

1. Universidade Federal do Espírito Santo. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo.

[email protected]

2. Universidade Federal do Espírito Santo. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. [email protected]

RESUMO

O conceito de paisagem cultural atravessa várias disciplinas, sendo discutido no campo da geografia, da arquitetura, do urbanismo, citando alguns, e, em específico, no subcampo do patrimônio cultural. Sua abrangência pressupõe abordagem dos bens culturais imateriais e materiais aliados à integração do homem com o território e o meio natural, além de apontar questões contemporâneas ao patrimônio cultural. Este trabalho investiga o termo paisagem cultural como conceito e sua problematização na Vila de Itaúnas (ES), litoral norte do Estado do Espírito Santo. Conhecida por sua beleza natural e pela ocupação peculiar do território, a história da Vila de Itaúnas remete ao processo de soterramento da antiga vila iniciado na década de 1950. Em meados de 1970, os moradores da antiga vila deixam definitivamente o local e se estabelecem no outro lado do rio de nome homônimo. No local da antiga Vila houve a formação de dunas de areia, característica peculiar de seu meio natural e o aumento do turismo na região. A partir de 1990, o local teve novo e considerável aumento do fluxo de turistas. Em seguida, o turismo foi sendo intensificado, devido, sobretudo ao apelo dos meios de comunicação em massa e das iniciativas locais na caracterização da imagem da Vila de Itaúnas como Capital do Forró. Desde 2000, o evento Festival Nacional de Forró de Itaúnas (FENFIT) é realizado no mês de julho. Anterior à difusão do turismo advindo do denominado forró pé de serra, a Vila de Itaúnas se caracterizava por suas manifestações culturais mais genuínas, a exemplo do Alardo de São Sebastião e do Ticumbi. Ambos são eventos temporários que se apropriam dos espaços da igreja, da praça, do rio, entre outros lugares da vila, para sua realização durante o mês de janeiro, contudo o Ticumbi se estende por todo ano com distintas atividades. Autores afirmam que o local possui um forte elo étnico e cultural com os índios botocudos e os afros descendentes, e a sincronia entre ambos constitui a marca identitária da comunidade do lugar, de modo indissociavelmente vinculado ao seu território, isso desde a época da antiga vila até os dias atuais. Este trabalho expõe os elementos simbólicos caracterizadores do espaço da Vila de Itaúnas por meio de registro preliminar, construído a partir de estudos sobre os significados criados pelos grupos que vivenciam os espaços da vila, produzindo os lugares simbólicos do local. Esses lugares são apontados como manifestações espaciais da cultura e possuem significados políticos, religiosos, étnicos ou associados ao passado, todos impregnados de singularidades simbólicas. Conclui-se que a localidade de Itaúnas representa uma pequena vila carregada de simbolismos construídos por seus habitantes, principalmente durante o processo de mudança da antiga ocupação para a vila atual e pelos turistas que esporadicamente frequentam o local, isso em processos e dinâmicas continuadas de construção de lugares simbólicos, que por sua vez, moldam paisagens também em continua construção.

Palavras-chave: Paisagem cultural; Patrimônio cultural; Elementos simbólicos; Itaúnas.

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Introdução

Desde o final do século XIX, o campo disciplinar da geografia se dedica ao avanço do conceito

de paisagem cultural, considerando seu interesse pelas relações entre espaço e cultura, e seu

papel descritivo acerca da diversidade da superfície terrestre. Contudo, a dimensão cultural foi

lentamente conquistando o interesse dos pesquisadores da área. Para Casado (2010), “A

introdução da cultura na apreensão da paisagem está diretamente relacionada com o

enfraquecimento da visão teológica do mundo” (CASADO, 2010, p. 28). Da mesma maneira

que a noção de paisagem cultural foi adicionada aos poucos nos estudos da geografia, ela

ganhou importância gradualmente no âmbito da preservação do patrimônio cultural. Deste

modo, o conceito de paisagem cultural abre um leque para várias e distintas abordagens.

A discussão da paisagem cultural no âmbito das políticas e dos instrumentos de preservação,

e em especifico, como categoria cultural abarcando a relação entre as características culturais

e naturais do território, começa de modo efetivo na década de 1980, a partir de abordagens

que buscam uma “(...) visão integradora entre o homem e a natureza” (RIBEIRO, 2007, p.41).

Entretanto, a importância dos significados - no âmbito do estudo cultural da paisagem – é

anterior, começando a ser reconhecida em 1923, tal como argumenta Cassirer citado por

Corrêa (2009) que para compreender o ser, era preciso apreendê-lo tanto no que se refere à

sua organização estrutura e constituição quanto em relação aos significados que dele se faz.

Os significados - prossegue Corrêa (2009) - não representam apenas um produto social, mas

também uma condição para a produção social, incluindo além de mitos, crenças e utopias, as

relações sociais e a espacialidade humana. Eles representam o foco da atenção do geógrafo

cultural, afirma o autor (CORRÊA, 2009).

Deste modo, Claval (2002) afirma que o espaço aparece como resultado da ação do homem,

criando paisagens humanas e humanizadas, fazendo parte da memória individual e coletiva,

atribuindo ao lugar valores sentimentais e psicológicos ligados ao desenvolvimento da

consciência do território (CLAVAL, 2002). Do mesmo modo, Costa (2008) destaca a

psicanálise como o primeiro campo a se aprofundar na análise dos símbolos presentes na

paisagem. De forma semelhante à psicologia, os símbolos permitem que outras disciplinas

trabalhem com sua leitura, a exemplo, da geografia humanística, que discute categorias como

paisagem e lugar. A mesma autora prossegue: “(...) os saberes e fazeres humanos atribuem

significados e organizam as paisagens e os símbolos presentes fazendo mediação entre o

mundo interior e o exterior” (COSTA, 2008, p. 2).

Para Elíade (1991), o simbolismo é consubstancial ao ser humano e vai além da linguagem e

da razão, portanto não é um campo exclusivo do poeta, ou da criança, pelo contrário, “(...) o

símbolo revela certos aspectos da realidade – os mais profundos – que desafiam qualquer

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outro meio de conhecimento” (ELÍADE, 1991, p. 8). Dessa forma, em acordo com Corrêa

(2012), é possível conhecer o ser humano por meio das interpretações de seus símbolos que

constituem traços fundamentais do ser humano (CORRÊA, 2012).

É sobre esse enfoque acerca da dimensão simbólica da paisagem que a análise do sítio

escolhido para estudo será exposta neste trabalho. De antemão, cabe apontar que a Vila de

Itaúnas possui elementos naturais e imateriais fortemente ligados ao seu território, seja pelo

modo de viver, seja pelos mitos acerca do soterramento da vila ou pelas diversas

manifestações culturais que acontecem eventualmente no espaço da vila. Alguns desses

elementos se configuram em símbolos importantes para a apreensão do espaço, compondo

os traços da população que vive e frequenta os locais que serão identificados e reconhecidos

como lugares simbólicos da Vila de Itaúnas.

Paisagem cultural: balizas conceituais

Enquanto um conceito relativamente novo, a paisagem cultural trabalha de forma integrada os

aspectos materiais e imateriais da cultura, até então pensados separadamente na

preservação e indica as interações existentes entre o homem e o meio natural (RIBEIRO,

2007). Dessa forma, pressupõe uma abordagem dos bens imateriais e materiais aliados à

integração do homem com o território e meio natural.

Ao final do século XIX, o campo da denominada Geografia Humana, passa por uma evolução

em seu âmbito conceitual, com a inserção do termo Geografia Cultural em seus estudos. A

partir dos anos de 1970, essa vertente de pesquisa deixa de ser tratada em separado,

adquirindo a mesma importância da Geografia Econômica e Política. Isso ocorre quando os

geógrafos passam a enfatizar que a paisagem deve ser compreendida explorando a

convivência que se desenvolve entre ela e o homem. Como afirma Claval (2002):

“Falar de regiões é falar de realidades sociais já existentes. Falar de lugares e de territórios é falar da significação do espaço para cada indivíduo e da maneira de construir objetos sociais a partir das experiências pessoais” (CLAVAL, 2002, p. 23).

Estudos indicam que os pesquisadores buscavam explicar as características de determinados

lugares analisando primeiro os aspectos econômicos e sociais, recorrendo aos aspectos

culturais apenas quando era necessário, ou ainda, quando os primeiros aspectos não eram

suficientes para o diagnóstico da região. Isso se tornou, posteriormente, um fator importante

para realização dessas pesquisas, facilitando a compreensão da realidade humana.

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Há várias abordagens conceituais sobre paisagem cultural, Ribeiro (2007) indica como ponto

de partida para a análise da paisagem, o fato de que a abordagem deve ser realizada em

conjunto, e precisa ressaltar as interações existentes entre homem e território. O mesmo autor

afirma também, que a riqueza da abordagem da paisagem cultural reside na valorização da

integração existente entre natural, cultural, material e imaterial.

Da mesma maneira que a noção de paisagem cultural foi adicionada conceitualmente aos

poucos nos estudos da geografia, conforme dito, ela ganhou importância gradual no âmbito da

preservação do patrimônio cultural. Aos poucos, o discurso e o olhar para o patrimônio cultural

foi se expandindo, saindo da preservação do edifício isolado, passando a incluir também

conjuntos de edifícios e sítios históricos, patrimônio imaterial, e hoje agrega a problemática da

paisagem cultural, em nova abordagem e atuação que abraça tradições, expressões de arte,

saberes populares, paisagem, arqueologia, etc.

Deste modo, o conceito e a categoria de paisagem cultural abrem um leque para diferentes

enfoques, sejam em campos disciplinares distintos, sejam em instrumentos de preservação

de políticas públicas em esferas variadas.

Nota-se que o conceito remete a um pedaço do território, onde o homem transformou ou

transforma a natureza de acordo com a apropriação do espaço. Cabe assim destacar, que a

inclusão de elementos de caráter imaterial associados ao território é outro ponto forte no

conceito atualizado de paisagem cultural. Desta forma, a partir do breve debate sobre o

conceito de paisagem cultural, este trabalho prossegue com enfoque em território e lugares

específicos, explorando a simbologia contida na materialidade e imaterialidade cultural da

paisagem de Vila de Itaúnas.

Simbologia da paisagem: alguns apontamentos

Corrêa e Rosendahl - citados por Silva (2007) - afirmam que a dimensão morfológica da

paisagem é atribuída às várias formas criadas pela ação do homem e da natureza. Quando

essas formas se relacionam com diversas partes do espaço territorial, elas ganham

dimensões em importância, concluem os autores. Ao longo do tempo, a ação humana define

os valores históricos e o fato dessa ação ocorrer em determinado espaço territorial, atribui a

paisagem a sua dimensão espacial. Em outros termos, o fato da ação do homem sobre o

território portar significados “(...), expressando valores, crenças, mitos e utopias, confere à

paisagem a sua dimensão simbólica” (SILVA, 2007, p. 199).

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A simbologia da paisagem recomeça a ser estudada no final da década de 1980, por

geógrafos que acreditavam no papel do caráter subjetivo e simbólico da paisagem,

característica até então desconsiderada - ou minimizada - pela geografia. Contudo, em breve

retrospectiva, é possível apontar que Carl Sauer, em 1925, bem como os geógrafos que o

seguiam, estudavam a paisagem cultural em suas formas materiais e seu estudo deveria ser

restrito aos aspectos visíveis, sendo excluídas as características imateriais da atividade do

homem. Conforme dito, somente a partir da década de 80 do mesmo século, surgiu um

movimento de geógrafos que buscavam romper com o positivismo que até então dominava os

métodos de estudo, e consequentemente, com a linha de pesquisa de Sauer e seus

seguidores. Para os pesquisadores dessa nova corrente de pensamento, “(...) a paisagem

representava mais do que simplesmente o visível, os remanescentes físicos da atividade

humana sobre o solo” (RIBEIRO, 2007, p. 24).

Esse novo grupo de autores procurou renovar a geografia cultural, incorporando em seus

estudos a análise da simbologia da paisagem e valorizando assim, seu caráter subjetivo.

Dessa forma, eles afirmam que “(...) a interpretação da paisagem é subjetiva, e cada grupo a

interpretaria de forma diferente segundo seus próprios conjuntos de símbolos” (RIBEIRO,

2007, p. 26). Logo, cada geógrafo interpretaria os símbolos existentes na paisagem de

acordo, também, com as próprias simbologias pessoais. Destaca-se, contudo, que no

presente trabalho, a interpretação da simbologia da paisagem de Itaúnas se dá mais a partir

da visão do arquiteto urbanista e menos do geógrafo.

Torres e Cozel (2010) afirmam que cada paisagem é produto ou produtora da cultura, e é

possuidora de formas, cores, cheiros, sons e movimentos. Essas características podem ser

absorvidas e experimentadas por cada pessoa integrada à paisagem ou pelas pessoas que as

vê através de fotografias ou desenhos. A característica simbólica dos lugares se revela,

segundo Costa (2008) ao homem como algo que antecede a linguagem, apresenta alguns

aspectos da realidade e enfatiza as relações do lugar com seu caráter simbólico. Essas

relações são divulgadas pelos símbolos e podem representar uma realidade material unida a

uma ideia e a um sentimento, prossegue a mesma autora. A apresentação dos símbolos

passa então, entre as atitudes do homem e da carga de afetividade aos lugares, que, segundo

Elíade “(...) invocam a nostalgia de um passado mitificado” (ELÍADE 1996 apud COSTA, 2008,

p. 149).

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Elementos simbólicos de Itaúnas: uma identificação preliminar

Itinerários simbólicos

A história do vilarejo de Itaúnas, localizado no norte do Estado do Espírito Santo, remete ao

soterramento da antiga vila, aproximadamente na década de 1950. O nome da vila vem do

nome do rio que corta a região: Itaúnas, de origem indígena, “itá, o que é duro, a pedra, a

rocha” e “una, um adjetivo negro, preto, escuro” (FERREIRA, 2002 apud XAVIER 2009, p. 3).

Itaúnas se encontra entre plantações de eucalipto, monocultura local desde o século XX, que

configura o principal uso do solo da região, e o Parque Estadual de Itaúnas (PEI)1. A antiga

vila possuía uma faixa de vegetação natural que a protegia dos ventos que sopravam e estava

localizada em uma faixa de terra entre o rio e o mar. O soterramento foi iniciado na década de

1950 e em meados de 1970

“(...) toda a antiga organização espacial da população desapareceu totalmente, cedendo lugar às dunas móveis. Os moradores então, se viram forçados a se mudar para o outro lado da margem do rio e a construir neste local uma nova Vila” (PETROFF apud MARTINS e MOLINA, 2003, p 5).

O fenômeno do soterramento da antiga vila, fez com que surgisse no imaginário da população

alguns mitos a fim de explicar a movimentação de areia. Esses mitos estão hoje, presentes no

cotidiano da população e constituem parte da história local, além de alimentar a memória dos

moradores, principalmente os mais antigos. Essas narrativas se tornaram parte da tradição

cultural e se evidenciam, por exemplo, nas diversas trilhas existentes, onde é possível fazer o

caminho que os antigos moradores usavam no dia a dia.

O Parque Estadual de Itaúnas possui mais de 15 km de trilhas disponíveis para diversas

atividades como educação ambiental, ecoturismo e pesquisa. São locais que passam por toda

a biodiversidade do PEI: alagados, restinga aberta, restinga arbórea, dunas, etc. Algumas

dessas trilhas são antigos trajetos que os moradores/pescadores utilizavam, a exemplo da

Trilha do Pescador, que ainda hoje é utilizada por pescadores para acesso à praia da “pedra

grande”, e onde se encontra um abrigo dos barcos de madeira de pesca marinha. Outro

exemplo é a Trilha Beira Rio, utilizada por nativos da região passando por restinga arbórea,

mangue, rio e pelas ruínas do antigo porto de atracação de toras, utilizado no início do século

1 Criado pelo Decreto Estadual n° 4.967-E em 1991, apresenta ambientes como mata de tabuleiro, restinga, dunas, mangues e “uma extensão expressiva do Rio Itaúnas e a mais representativa região de alagados do Espírito Santo. O bom estado de conservação destes variados habitats aliado à grande diversidade de espécies vegetais, coloca a unidade como local de extrema importância para a manutenção de uma fauna riquíssima” (Instituto Estadual do meio Ambiente e Recursos Hídricos – IEMA. disponível em: http://www.meioambiente.es.gov.br/default.asp?pagina=16707. Acesso em 22 de ago. de 2016)

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XX para escoamento da madeira explorada na região. Outro exemplo de destaque é a trilha

do Seu Tamandaré (figuras 1 e 2), nela tem-se como destino conhecer a casa que o antigo

morador Carlos Bonelá (Seu Tamandaré) viveu após deixar a antiga vila soterrada. A casa

está afastada das dunas e protegida por vegetação até hoje, apesar de se encontrar

abandonada e em ruínas. A trilha mencionada possui 700 m de distância da ponte do rio

Itaúnas até a casa do Seu Tamandaré e 400 m de distância da casa até a praia e passa por

alagados, restinga e dunas (Instituto Estadual do Meio Ambiente, disponível em:

http://www.meioambiente.es.gov.br/images/20150511_placa04_trilha_do_tamandare.jpg

acesso em: 06/07/2016).

Figura 1 - Placa Trilha do Tamandaré. Fonte: Instituto Estadual do Meio Ambiente. Acesso em:

05/07/2016.

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Figura 2: Imagens Trilha do Seu Tamandaré. Fonte: Costa, 2016.

Afirma-se, portanto, que essas trilhas são formas de manter as tradições da população da

antiga vila nos dias de hoje e de certa forma, constituem símbolos da antiga ocupação e dos

moradores antigos. Além das trilhas expostas acima, é possível observar as ruínas da antiga

Igreja em determinado local nas dunas (figuras 3 e 4). Esses dois elementos representam o

símbolo do passado, de uma vila e um modo de vida que hoje não existem mais, mas ainda

são presentes no imaginário e memória da população, principalmente as mais antigas. São,

portanto, formas simbólicas do local.

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Figuras 3 e 4: Ruínas visíveis da antiga vila. Fonte: COSTA, 2016.

Sobre as formas simbólicas, Corrêa (2012) afirma que elas podem ser materiais ou imateriais.

As imateriais incluem a linguagem, metáforas, metonímias e constituem o meio pelo qual os

significados podem ser criados ou recriados. Já as formas simbólicas materiais podem ser

uma vestimenta, ou uma joia, por exemplo. O autor afirma ainda que os vários significados

criados pelos distintos grupos culturais permitem a construção dos “mapas de significados”

(CORRÊA, 2012).

“(...) esses mapas descrevem a diferenciação espacial dos significados, tendo como suporte teórico o entendimento da cultura como os significados criados e recriados no âmbito da prática de diferentes grupos culturais e sua dinâmica” (CORRÊA, 2012)

.

O autor assegura ainda que as formas simbólicas se tornam formas espaciais que não estão

vinculadas ao espaço e se constituem em fixos e fluxos simbólicos, ou em localizações e

itinerários, características elementares da espacialidade. Nas palavras do autor: “(...) lugares

e itinerários simbólicos sintetizam os diversos fixos e fluxos simbólicos” (CORRÊA, 2012, p.

137).

Em síntese, essas relações derivam da forma das práticas sociais que criam um simbolismo

em determinados locais do trajeto, se identificando com as práticas existentes. Os próprios

moradores podem construir o sentido simbólico dos lugares, assim como as pessoas externas

também podem realizar tal tarefa. Assim, Corrêa (2012) afirma que os lugares simbólicos são

resultados de um processo de criação (interno ou externo) “(...) para o qual há várias tensões

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que envolvem diferentes agentes sociais, criadores e usuários de significados” (CORRÊA

2012, p. 140).

Ao falar dos itinerários simbólicos, o autor cita Geertz (1989) quando afirma que os membros

de uma determinada cultura e suas representações são percebidos em forte processo de

comunicação (GEERTZ 1989 apud CORRÊA 2012). Deste modo, os meios pelos quais essas

comunicações são realizadas representam os itinerários simbólicos, que por sua vez, são

partes da espacialidade do homem e estão associados a práticas cheias de simbolismo,

afirma o mesmo autor (CORRÊA, 2012).

Sendo assim, Itaúnas representa uma pequena vila que está impregnada de sentimentos e

simbolismos que foram construídos por seus habitantes, principalmente durante o processo

de mudança da antiga ocupação para a vila atual, a exemplo dos itinerários simbólicos das

trilhas mencionadas.

Festas populares

Conforme dito anteriormente, após o soterramento e formação das dunas, Itaúnas teve o seu

fluxo de turistas aumentado consideravelmente, atraídos a partir da década de 1970 pelo

cenário paisagístico. Com a publicação do local nos meios de comunicação em massa, na

década de 1990, e sua efetivação como Capital do Forró, o local se viu cada vez mais cheio de

turistas (MARTINS E MOLINA, 2008). Hoje, o turismo atrai cada vez mais jovens em busca do

forró pé de serra, que passou a ser um importante atrativo local, principalmente no mês de

julho, quando acontece o evento Festival Nacional de Forró de Itaúnas (FENFIT).

É importante afirmar que o forró em Itaúnas “(...) aparece como atividade de lazer de tamanha

importância que foi incorporada no cotidiano da vila” (XAVIER e BASSETTI, 2014, p. 65) como

atividade de lazer que constrói a identidade do lugar. De fato, o turismo se apropriou dessa

atividade, transformando o lugar em referência do forró na região. Cabe lembrar que o forró

sempre aconteceu de maneira espontânea na vila, como dito, se introduzindo como parte do

lazer e do cotidiano. A sua importância é tanta que, como atividade turística, se coloca à frente

do turismo sol e mar, já que a data mais importante para o turismo local é o dito FENFIT, que

acontece no mês de julho, portanto, mês de frio e chuva na região. Talvez, hoje o forró seja o

elemento simbólico que é mais associado diretamente ao local. Ao se falar em Itaúnas, logo

se pensa e se associa à palavra forró, ignorando as outras atividades e atrações da vila.

Maia (1999) afirma que as festas populares são manifestações culturais que se caracterizam

por serem eventos efêmeros e transitórios, podendo durar algumas horas, dias ou semanas e

até meses. Assim, o Festival Nacional de Forró de Itaúnas que acontece sempre no mês de

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julho, pode ser considerado como uma festa popular. Segundo o autor, a maioria das festas

oferece uma nova função para as ruas, praças, estádios – os locais onde acontecem. Quando

elas acabam, esses lugares retornam à função habitual. Há também algumas festas que vão

além do momento de sua ocorrência, embora sejam temporárias da mesma forma, mas essas

festas adquirem um significado simbólico e econômico que permite isso (MAIA, 1999).

Maia (1999) afirma ainda que as festas populares possuem uma composição complexa,

existindo relações econômicas, políticas, ideológicas, afetivas, simbólicas e ricas, apesar de

seu aspecto efêmero.

“Nas festas, as trocas culturais, sob suas diversas faces, acontecem em diferentes sentidos. Aparecem na arte, na estética, na música, na religião, estendendo as relações facilitadas pelo contato na festa (...)” (AMARAL, 1998, p. 88)

Figuras 5 e 6 – Imagens do FENFIT 2015. Fonte -

http://g1.globo.com/espirito-santo/musica/noticia/2016/05/festival-de-forro-itaunas-leva-vencedores-pa

ra-londres-em-2016.html. Acesso em: 06/07/2016.

Carney (2007) afirma que alguns autores como Duncan, Jackson, e McDowell observam que

o relacionamento entre pessoa/lugar é recíproco ocorrendo, então, um tipo de simbiose.

Esses autores asseguram que o lugar não é somente o local onde alguma coisa se situa, “(...)

o próprio lugar incorpora significado, que depende da história pessoal que uma pessoa traz

pra ele” (CARNEY, 2007, p. 127-128). Por fim, o mesmo autor diz ainda que os lugares se

referem a um local e também aos valores que as pessoas associam a ele. Há, portanto, a

formação de laços psicológicos e emocionais entre as pessoas e os lugares que elas

conhecem, a exemplos dos lugares que acolhem festas populares. Em Itaúnas, cabe

destaque para o forró de pé de serra como atividade de lazer cotidiana e como evento turístico

de alcance externo ao local.

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Manifestações culturais e festas religiosas

Anterior à difusão do turismo advindo do denominado forró pé de serra, a Vila de Itaúnas se

caracterizava por suas manifestações culturais mais genuínas, a exemplo do Alardo de São

Sebastião e do Ticumbi. Ambos são eventos temporários que se apropriam dos espaços da

igreja, da praça, do rio, entre outros lugares da vila, para sua realização durante o mês de

janeiro. Xavier e Bassetti (2014) afirmam que a Vila de Itaúnas possui um elo étnico e cultural

com os índios botocudos e os afro descendentes. Os primeiros, pois habitavam a região do

Rio Doce nos séculos XVI a XIX e viviam da caça, pesca e agricultura. Os segundos, pois no

século XIX, o Porto de São Mateus recebeu grande número de africanos escravos sendo

distribuídos pelas comarcas da região.

Segundo as autoras, “Essa herança híbrida étnico-cultural de índios, negros e brancos

aparece em toda a paisagem conivente (uma paisagem de afetividade, carregada de valores e

signos) da Vila Itaúnas” (XAVIER E BASSETTI, 2014, p. 64). Influenciados, então pela fé do

catolicismo (representada pela Igreja Matriz de São Sebastião) misturada com a religiosidade

afro-brasileira (representada pelo Ticumbi) se configura a marca de identidade da

comunidade que está ligada indissociavelmente ao território (XAVIER E BASSETTI, 2014).

Ainda para as autoras citadas acima, o Ticumbi em Itaúnas deve ser entendido além de um

simples folclore, mas como uma instituição social (associação política, hierárquica que possui

um forte traço da cultura afro e do catolicismo). Dessa forma, ele (o Ticumbi) organiza o

calendário social da vila de forma oposta ao calendário turístico pautado no forró. É possível,

então, concluir que essas instituições podem interferir na vida da população e podem também

funcionar como controle do espaço, portando, operando sobre o território. A organização do

Ticumbi se estende por todo o ano com os ensaios dos grupos, confecção de indumentária,

confecção de comidas para os ensaios e festejos, rifas, leilões e outras atividades religiosas.

É possível afirmar que as festas religiosas em Itaúnas são uma combinação do religioso com

o popular e “(...) também um ato político, territorial, uma reafirmação cultural, expressão de

uma visão de mundo” (XAVIER e BASSETTI, 2014, p.66). Dessa forma, é possível identificar

por meio desse exemplo a configuração como patrimônio imaterial (das danças, ritos, cantos,

reza) e material (indumentária, bandeiras, bebidas, comidas), sendo inseridas no espaço

territorial da Vila. Essa fé, sincronia de duas religiosidades fortes, é “(...) marca identitária da

comunidade e está indissociavelmente ligada ao seu território”, e são existentes desde a

época da antiga vila até os dias de hoje (XAVIER E BASSETTI, 2014, p. 64).

Afirma-se então, que a fé católica é representada na vila pela Igreja Matriz e pelo mastro de

São Sebastião localizado um defronte ao outro, compondo o local da praça como ponto de

encontro, que acolhe em seu espaço crianças que brincam, pescadores que arrumam suas

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redes. A mesma praça é ainda cenário para uma modesta feira livre e, como dito, é palco do

Alardo de São Sebastiao e do Ticumbi, além de ser local de passagem e permanência tanto

de moradores como de turistas. A praça central contém outro símbolo forte, o tronco de Pequi

Vinagreiro que, segundo Xavier e Bassetti (2014) é um geossímbolo da vila que “lembra

também um espaço-tempo” (XAVIER E BASSETTI, 2014, p. 64).

Rosendahl (1999) afirma em seus estudos, que no mundo de hoje, qualquer entendimento

religioso de mundo sugere fundamentalmente em uma diferenciação entre sagrado e profano.

De pronto, é possível reconhecer a dicotomia que existe entre os dois termos, no qual o

sagrado se relaciona com uma divindade enquanto o profano não. Segundo palavras da

autora, “(...) a palavra sagrado tem o sentido de separação e definição, em manter separadas

as experiências envolvendo uma divindade, de outras que não envolvem consideradas

profanas.” (ROSENDAHL, 1999)

A autora comenta ainda que o espaço sagrado se constitui de dois elementos: um ponto fixo e

o seu entorno. O ponto fixo se reconhece pelos grupos de devoção e o entorno é a área

utilizada para as práticas religiosas (ROSENDAHL, 1999). Prossegue dizendo, “(...) podemos

definir o espaço sagrado como um campo de forças e de valores que eleva o homem religioso

acima de si mesmo, que o transporta para um meio distinto daquele no qual transcorre sua

existência” (ROSENDAHL, 1999). Dessa forma, o espaço sagrado reflete a assimilação do

grupo religioso envolvido no local, tal como pode ser exemplarmente reconhecido na praça da

Vila de Itaúnas.

Figura 7 - Ponto fixo: igreja São Sebastião/Entorno: Praça. Fonte: COSTA, 2016

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Xavier e Bassetti (2014) caracterizam a paisagem acima (Figura 7) como “paisagem

conivente” que nada mais é do que uma paisagem cheia de valores simbólicos e de

afetividade. As autoras afirmam ainda que essa paisagem nem sempre é percebida à primeira

vista, é necessário demorar um pouco no local para que se entenda e perceba. Isso retifica o

fato de que existe algo na paisagem de Itaúnas que enche os olhos, evidenciado pela marca

da cultura local (XAVIER e BASSETTI, 2014).

As atividades religiosas imprimem transformações no espaço que estão intensamente

pautadas com as feições culturais da comunidade, portanto, o espaço pode ser percebido de

acordo com os valores simbólicos representados (ROSENDAHL, 1999). Portanto, é possível

observar em Itaúnas uma forte ligação entre elementos materiais e imateriais relacionados

diretamente ao território, sendo esse o conceito chave da paisagem cultural. Além disso,

mediante observação do local notam-se equipamentos urbanísticos que favorecem a

ocupação do território, não apenas em dias onde o local está cheio de turistas, mas também

em dias comuns, tal como a pequena praça na entrada da vila, que possui academia cidadã, e

a praça em frente a igreja com o tronco de Pequi Vinagreiro, onde em dias de maior número

de turistas é apropriada de diversas formas com barracas de vendedores, palco para shows,

pequenos grupos fazendo pic nics ou apenas reunidos para passar o tempo, e também o

campo de futebol.

Sobre os elementos simbólicos religiosos, observa-se como ponto fixo a Igreja, o Mastro de

São Sebastião e o cemitério. O entorno desses elementos também são identificados, pois há

a apropriação da população nesses espaços em dias de festas e cerimônias. Por ser uma vila

de escala pequena, acontece que a apropriação do espaço ocorre em quase todo o perímetro

central da vila, excetuando aqui o perímetro de expansão da ocupação do território que se

encontra mais afastado. Outros elementos simbólicos observados e que contribuem para a

apropriação tanto da população quanto dos visitantes são as casas de shows de forró. Esses

elementos citados acima encontram-se marcados no mapa abaixo (Figura 8).

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Figura 8: Mapa de elementos simbólicos da Vila de Itaúnas. Fonte: Geobases modificado pela autora.

Considerações finais

A cultura é produzida gradualmente pelo homem, adicionando e retirando ideias e processos

ao longo do tempo. Porém, ao mesmo tempo em que o homem constrói a cultura, ela também

o determina (SOARES, NACIF e RICCO, 2013). Portanto, a propagação da cultura ocorre

pela capacidade do homem em absorver conhecimento e informações sobre determinado

aspecto.

A história da Vila de Itaúnas deixa claro a incorporação das manifestações religiosas e

populares e do cotidiano da população ao patrimônio cultural local, pois além de estarem

presentes nas dinâmicas existentes, na memória dos moradores, também se representam na

configuração espacial do território, sendo essa, a base do conceito de paisagem cultural. Os

mitos e símbolos identificados - material e imaterialmente – ainda que de modo preliminar,

demonstram cumprir a função de construir a história da comunidade de Itaúnas e se

configuram como patrimônio cultural local. Soares, Nacif e Ricco (2013) afirmam que este fato

é fundamental para que os moradores se reconheçam na história da vila.

Por fim, este trabalho buscou na exposição de certos elementos simbólicos caracterizadores

do espaço da Vila de Itaúnas, por meio de registro preliminar, apontar os lugares simbólicos

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resultantes de manifestações espaciais da cultura, que possuem significados políticos,

religiosos, étnicos ou associados ao passado. Conclui-se que a localidade de Itaúnas

representa uma pequena vila impregnada de simbolismos construídos por seus habitantes,

principalmente durante o processo de mudança da antiga ocupação para a vila atual e pelos

turistas que esporadicamente frequentam o local, isso em processos e dinâmicas continuadas

de construção de lugares simbólicos, que por sua vez, moldam paisagens também em

continua construção.

Os elementos e lugares simbólicos identificados são ainda catalisadores de uma atmosfera

tranquila e agradável, percebida pelas pessoas que vivenciam o lugar, sejam moradores,

sejam turistas, o que transforma Itaúnas em uma vila ambiental e culturalmente singular, e

porque não, inesquecível, cabendo, portanto, ao estado e a sociedade de modo geral, a sua

efetiva proteção e preservação.

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