base integradora da tv escola

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2PROPOSTA PEDAGÓGICA

DIÁLOGOS CINEMA E ESCOLA

LAURA MARIA COUTINHO1

APRESENTAÇÃO

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Antes do cinema, você olhava para a sua vida da mesma forma

que um despreparado ouvinte de um concerto ouve a orquestra

executando uma sinfonia. O que ele ouve apenas é a melodia

principal, enquanto que todo o resto se confunde num ruído

geral. Somente os que conseguem distinguir a arquitetura dos

contrapontos de cada trecho da partitura é que podem real-

mente entender e apreciar a música. E é assim que vemos a

vida: só a melodia principal chega aos olhos. Mas um bom filme,

com seus close-ups, revela as partes mais recônditas de nossa

vida polifônica, além de nos ensinar a ver os intrincados deta-

lhes visuais da vida, da mesma forma que uma pessoa lê uma

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

partitura orquestral.2

Você entra numa sala de cinema, apagam-se as luzes, ilumina-se a

tela. Uma sucessão de imagens, cores, luzes, sombras e sonoridades

preenche o espaço e você, junto aos personagens que compõem a história

que se desenrola à sua frente, reconstrói aquela narrativa cinematográfica.

Um filme é sempre visto como se fosse a primeira vez, mesmo que você o

tenha visto antes, ou ainda que o veja depois. A linguagem cinematográfica

conduz o espectador a um tempo inaugural, sempre no presente. Primeiro

1 Professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, Doutora em Educação na área �Educação, Conhe-cimento, Linguagem e Arte� pela UNICAMP. Consultora desta série.

2 Balázs, Bela. A face das coisas. Em: Xavier, Ismail. (org.) A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Graal/Embrafilme,1983, p. 90.

3PROPOSTA PEDAGÓGICA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

a escuridão, minutos depois a luz se faz. Tudo se passa, então, como se o

filme, ao apreender determinado tempo, pudesse transformá-lo em um

eterno presente. E é para esse presente que o espectador é transportado a

cada nova projeção. As pessoas vão ao cinema em busca do tempo, do tempo

perdido da história, do tempo das muitas histórias que os filmes contam.

Este, talvez, seja o maior poder do cinema: o de enriquecer a experiência

viva e presente de uma pessoa3.

Por isso, posso dizer que o filme está sempre no presente, mesmo

quando procura retratar histórias acontecidas em tempos remotos. Assim,

o cinema inaugura uma maneira nova de estar e de olhar para o mundo e,

mais ainda, estabelece uma nova forma de inteligibilidade. Depois do cinema,

as pessoas passaram a contar com um instrumento poderoso de

conhecimento do mundo, de si próprias, do comportamento humano, de

lugares, de situações, da história. Jamais o homem esteve tão exposto com

todas as suas virtudes e mazelas como no cinema.

Pela força que a imagem visual adquiriu, as narrativas do cinema são

aquelas que, em quantidade e intensidade, povoam a imaginação de um

número significativo de pessoas; personagens de filmes passam a compor

certo imaginário coletivo, de tal forma que transcendem o universo ficcional

e, como figuras exemplares de virtudes ou de vícios, transitam pela vida de

quem anda pela cidade, pela escola, pela academia e institutos de pesquisa,

de quem vê televisão.

É, sobretudo, por meio do aparato televisivo – emissoras com canais

abertos e por assinatura e, ainda, com o videocassete – que o cinema, os

filmes e seus personagens expandiram as possibilidades de exposição,

alcançando níveis antes inimagináveis. Se por um lado o cinema perdeu o

requinte da projeção em tela branca na sala escura, com acústica apropriada,

com um número reduzido de lugares, por outro ganhou a rua, a escola, a

casa, o ambiente de trabalho, a sala de espera.

Depois dessa pequena digressão, retomo a reflexão que fazia sobre a

linguagem do cinema, que tem como elemento essencial a realidade, ainda

que esta seja, quase sempre, criada em estúdios. Algumas cenas de filme são

rodadas em ambientes naturais que não foram criados originalmente para o

3 Ver o livro de Andrei Tarkoviski. Esculpir o tempo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

4PROPOSTA PEDAGÓGICA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

cinema, mas servem como locais onde a narrativa se desenrola. São as

filmagens feitas em locações que podem estar a quilômetros dos locais onde

se passa a história que o filme quer contar. As locações e os cenários artificiais

dos estúdios cinematográficos procuram reproduzir a realidade com toda a

verossimilhança possível. Mais do que uma realidade composta de elementos

reconhecidos, identificados, verdadeiros, o cinema cria imagens e sons que

possam construir para o espectador uma sensação de realidade. Assim, o

cinema cria uma linguagem que expressa o real, com toda a multiplicidade

de aspectos que o compõem. Muitos destes aspectos não são vistos ou ouvidos

objetivamente, são apenas sugeridos. Alguns podem ser encontrados no

espaço que Gilles Deleuze chamou de extra-campo ou espaço-off4.

Para Pier Paolo Pasolini, “o cinema não evoca a realidade como a língua

da literatura; não copia a realidade como a pintura; não mima a realidade

como o teatro. O cinema reproduz a realidade: imagem e som! E reproduzindo

a realidade, que faz o cinema então? Expressa a realidade pela realidade.”5 E é

ainda a Pasolini, já em outro texto, que recorro para falar desse novo olhar que

o cinema cria: “Nada como fazer um filme obriga a olhar as coisas. O olhar de

um literato sobre uma paisagem, campestre ou urbana, pode excluir uma

infinidade de coisas, recortando do conjunto só as que o emocionam ou lhe

servem. O olhar de um cineasta – sobre a mesma paisagem – não pode deixar,

pelo contrário, de tomar consciência de todas as coisas que ali se encontram,

quase as enumerando. De fato, enquanto para o literato as coisas estão

destinadas a se tornar palavras, isto é, símbolos, na expressão de um cineasta

as coisas continuam sendo coisas: os signos do sistema verbal são portanto

simbólicos e convencionais, ao passo que os signos do sistema cinematográfico

são efetivamente as próprias coisas, na sua materialidade e na sua realidade.”6

O cinema é feito de imagens e sons em seqüência e, embora se

expressando por meio da realidade, convencionou uma linguagem que revela

um modo de ver completamente artificial, criado através do olhar ciclópico

4 O extra-campo pode ter duas naturezas distintas: �um aspecto relativo, através do qual um sistema fechado remete noespaço a um conjunto que não se vê e que pode, por sua vez, ser visto, com o risco de suscitar um novo conjunto visto,ao infinito; um aspecto absoluto, através do que o sistema fechado se abre para uma duração imanente ao todo douniverso, que não é mais um conjunto e não pertence à ordem do visível�. Deleuze, Gilles. Cinema: a imagem-movimento. São Paulo: Brasiliense, 1985, p.29.

5 Pasolini, Pier Paolo. Empirismo Hereje. Lisboa: Assírio e Alvim, 1982, p. 107.6 Pasolini, Pier Paolo. Gennariello: a linguagem pedagógica das coisas. In: Os jovens infelizes: antologia de ensaioscorsários. São Paulo: Brasiliense, 1990.

5PROPOSTA PEDAGÓGICA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

das câmeras e de todo o aparato tecnológico que está presente desde o

momento da captação das imagens até o instante em que surgem,

iluminando as telas e contando todos os tipos de dramas, comédias,

tragédias, reais ou fictícias. As inúmeras possibilidades do olhar que câmera

criou, as múltiplas formas de aproximação e distanciamento que vão dos

enormes planos gerais ao close-up7, os enquadramentos e movimentos que

as novas tecnologias de captação de imagens permitem, quando percorrem

grandes distâncias indo de um ponto de vista a outro na mesma tomada,

deram origem à linguagem cinematográfica atual e, ao mesmo tempo

alteraram irreversivelmente a própria percepção visual das pessoas e por

isso a própria realidade em que vivem.

Tudo isso acontece no mesmo espaço 4x3 das telas, que permanece

inalterado enquanto coisas, pessoas, detalhes aumentam ou diminuem à

frente do espectador, que está acostumado com a forma de expressar que o

cinema inventou, pois já nasceu mergulhado nesse universo de imagens

criadas pela linguagem cinematográfica. As cabeças decepadas do início

do cinema já não surpreendem mais8. Porque o espectador aprendeu, cedo,

como todas as pessoas com as quais convive, a decifrar os códigos do cinema

que perpassam as relações da sociedade contemporânea.

Todo espectador é capaz de perceber, identificar e reconstituir, por

inteiro, a imagem que se apresenta fragmentada na tela, um big close é

hoje tão natural quanto qualquer figura que aparece inteira na tela. Posso

dizer que é natural apenas no cinema, pois essa não é uma experiência que

as pessoas possam ter sem contar com os aparatos de captação e tratamento

de imagem – câmera, lentes, gravadores, editores. A linguagem

cinematográfica é o resultado de um processo de elaboração que envolveu

muitas escolhas e precisou de certo tempo para tornar-se a linguagem global

que é hoje. Jean-Claude Carrière9 conta que, no início do cinema, para que

7 Plano para a linguagem cinematográfica pode significar duas coisas: primeiro a composição de cada imagem que, deacordo com enquadramento e distância do assunto, pode ser classificada em: plano geral, plano de conjunto, planoamericano, primeiro plano, plano detalhe; e, ainda, o espaço-tempo contido em uma única tomada.

8 Massimo Canevacci, citando Béla Balàzs diz que este �usa palavras cheias e comoção para descrever a �descoberta� doprimeiro plano, por ele atribuída a D.W. Griffith, que inventou também a montagem alternada. Graças à fisionômica, ocinema exalta a correspondência entre os sentimentos interiores até os mais escondidos do homem e os traços do rosto:os movimentos da alma impressos, �marcados� no código facial que, de tal modo, se torna a máscara da tela. (...) Noprimeiro plano freqüentemente está a dramática revelação daquelo que realmente se esconde na aparência do ho-mem.� Antropologia da comunicação visual. São Paulo: Brasiliense, 1990.

9 Carrière, Jean-Claude. A linguagem secreta do cinema. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.

6PROPOSTA PEDAGÓGICA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

espectadores entendessem a narrativa, havia a figura do explicador, uma

pessoa que, postada ao lado da tela, ia fazendo a relação entre as imagens e

contando a história.

Ninguém vê enquadrado, ou mesmo se aproxima de tal maneira de

coisas e pessoas para captar determinados detalhes que compõem muitas

narrativas fílmicas. São lentes especiais que realizam esse trabalho. Essa

naturalização da linguagem faz que não haja uma maior preocupação com

ela. Ver um filme é algo trivial para alguém que nasceu no século passado.

O olhar enquadrado é parte essencial e corriqueira do viver contemporâneo,

mas requer uma infinidade de técnicos e profissionais e movimenta uma

indústria poderosa que lança, no mercado dos consumidores de histórias,

uma profusão cada vez maior de narrativas, procurando atender a todos os

gêneros e gostos.

Um filme é feito de tudo o que vemos estampado na tela e ouvimos

pelas caixas de som, mas também por tudo o que os cortes que conduzem o

olhar do espectador de uma para outra cena evocam. Os vazios entre os

planos supõem uma supressão temporal e abrem o espaço para a imaginação

do espectador. Por isso, talvez, o procedimento da montagem do filme é

chamado de específico fílmico, ou seja, aquilo que faz do cinema, cinema.

Traduz a essência da linguagem cinematográfica e diferencia o cinema da

realidade da qual se destaca e se separa.

A realidade, diz Pasolini, seria um plano-seqüência infinito e o filme,

ao contrário, um plano-seqüência finito; começa, desenvolve e termina10. O

filme é feito de tudo o que se oferece à visão e, igualmente, do que não será

visto. Algumas coisas serão apenas sugeridas e irão compor os vazios, os

intervalos que, no cinema, são tão significativos quanto o que as imagens e

sons explicitam. É nesse intervalo que os sentidos conversam: o sentido do

filme que o diretor quis expressar e o sentido acrescido de quem vê. Assim,

posso dizer também que o filme é sempre uma obra aberta. Não se presta a

uma única interpretação. Pode ser visto e revisto de várias maneiras, tudo

fica a depender do contexto, da capacidade, do interesse, das expectativas

de quem vê.

O cinema cria uma linguagem específica, portanto, uma

inteligibilidade peculiar. Assim, ao pensar o cinema, a escola pode também

10 Pasolini, Pier Paolo. Empirismo Hereje. op.cit.

7PROPOSTA PEDAGÓGICA

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CINEMA E ESCOLA

refletir sobre a educação que realiza, os métodos, o programa e até mesmo

a sua organização. Como os filmes – e com eles a linguagem cinematográfica

–, chegam à escola, à sala de aula, aos ambientes educacionais? Esta é a

questão básica que permeia esta série de programas em que vamos discutir

as possíveis relações do cinema com a educação. Nesta série, vamos nos

dedicar, prioritariamente, aos filmes produtos da cultura, manifestações

estético-culturais, obras abertas e que, portanto, não foram pensadas para

a escola ou para a educação. Filmes dessa natureza são realizados para um

público muito amplo, para a massa heterogênea de pessoas que vão ao

cinema, vêem televisão e assim consomem os produtos da indústria cultural.

Como produtos dessa indústria, os filmes não foram pensados para

atender a determinados requisitos que a educação realizada pela escola

exige: a adequação a um conteúdo predeterminado, à seriação, às

especialidades, às disciplinas, aos horários. A educação escolar ainda está,

em grande parte, centrada na escrita e na oralidade das aulas expositivas

que os professores ministram. Assim o filme – imagem e som – chega ao

ambiente escolar como ilustração, anexo, acessório do texto que, ainda, é o

mais forte referencial para a escola, mesmo com todo o vigor que a linguagem

audiovisual adquiriu na sociedade contemporânea.

O cinema já nasceu com certa vocação científico-educacional para além

dos espetáculos e curiosidades dos vaudevilles do início do século XX11. O

cinema documentário e a tradição dos filmes etnográficos confirmam essa

tendência. No Brasil, o diálogo cinema e escola tem o seu mito de origem:

Humberto Mauro e o Instituto Nacional do Cinema Educativo – INCE, criado

em 1936 por Roquette Pinto. Nada como um filme que se leve para a sala de

aula nos obriga a olhar para a escola. Posso dizer que era essa a preocupação

dos criadores do INCE: que educação é essa que estamos promovendo, no

cinema, na televisão, na sala de aula? Como o cinema pode, em realidade e

magia, penetrar o universo educacional da sala de aula? Como seria uma

escola que também pudesse se expressar na língua do cinema e não somente

na língua dos livros? Essas questões parecem persistir depois de tanto tempo

e de tantas experiências. A TV Escola não tem fugido a essas questões, pelo

contrário, as vem recolocando de novas maneiras, buscando sempre sob

novos enfoques que esse diálogo se concretize.

11 Ver Costa, Flávia Cesarino.O primeiro cinema: espetáculo, narração, domesticação. São Paulo: Scritta, 1995.

8PROPOSTA PEDAGÓGICA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

O cinema, com o seu aparato tecnológico apropriado para

documentar, encenar e narrar histórias, construiu uma nova maneira de

olhar para o mundo e, com isso, estabeleceu uma forma peculiar de

inteligibilidade e conhecimento. Esta série, que será apresentada de 3 a 7

de junho, no programa Salto para o Futuro, da TV Escola, constitui-se de

cinco programas dedicados a refletir as relações possíveis entre o cinema e

a escola, entre a linguagem cinematográfica e a educação.

Esta reflexão deverá acontecer, prioritariamente, em salas de aula.

Sobretudo após a apresentação dos filmes. Pouquíssimas escolas podem

contar com salas apropriadas para sessões de cinema. Tampouco as escolas

têm se organizado para a recepção de novas linguagens. O tempo recortado

das aulas quase sempre não permite que os filmes sejam vistos na sua

integralidade. Há uma incompatibilidade temporal entre o cinema e a escola

que talvez pudesse ser superada com um pouco de boa vontade e

determinação.

Os filmes, na escola, chegam, em geral, por meio do videocassete e da

televisão, sendo vistos em telas menores. Mas, se perde em tamanho e

concorre com as imagens da própria sala, pois os ambientes nem sempre

podem ser escurecidos, ganha em público que se amplia a cada nova

projeção. Muitas pessoas somente terão acesso a certos filmes se eles

estiverem presentes nas salas de aula. Ademais, o videocassete permite,

para o bem ou para o mal, que o filme seja “decupado” a critério de quem o

assiste. As imagens podem ser facilmente vistas e revistas. Ver filmes e as

imagens que eles propõem deve ser um exercício de liberdade, uma fruição.

Sem isso o cinema estará reduzido à mera ilustração de conteúdos

curriculares e pouco dirá ao aluno. Cinema é a arte da vida e talvez possa se

constituir em um grito que desperte professores e alunos para uma nova

visão educativa, na qual os tradicionais e os modernos métodos de ensinar

e aprender possam fundir-se em novas possibilidades expressivas.

ESTES SÃO OS TEMAS A SEREM DEBATIDOS DOS PROGRAMAS:

PGM 1 � CINEMA E REALIDADE

Apresentar o cinema documentário como construção estética de uma visão

sobre o real. As múltiplas possibilidades educacionais deste gênero. Esta-

belecer algumas conexões entre os inúmeros filmes documentários que a

9PROPOSTA PEDAGÓGICA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

TV Escola veicula e as diferentes formas e abordagens pedagógicas que

permitem.

PGM 2 � CINEMA E HISTÓRIA

Apresentar as potencialidades do cinema como revelação e ocultação da his-

tória. A força da imagem como formadora de um entendimento do mundo. A

ficção e a realidade dos filmes históricos, sejam ficcionais ou documentários.

Como os filmes baseados em fatos históricos chegam na escola.

PGM 3 � CINEMA E LITERATURA

O objetivo deste programa é o de apresentar uma reflexão que permita

estabelecer relações entre a linguagem escrita e a linguagem audiovisual,

enfocando, sobretudo, o potencial pedagógico de cada uma dessas lingua-

gens. Discutir a tradução de uma linguagem para outra, com exemplos de

filmes que foram baseados em obras literárias. Indicar algumas possibilida-

des educativas que possam auxiliar o trabalho do professor em sala de aula.

PGM 4 � CINEMA NA ESCOLA

Apresentar a história do cinema educativo brasileiro com a criação do Insti-

tuto Nacional do Cinema Educativo- INCE. A importância de Humberto Mauro

para o cinema brasileiro.

PGM 5 � ESCOLA NO CINEMA

Discutir, a partir de alguns filmes comerciais, a visão que o cinema apre-

senta da escola, e de que forma esta visão pode concorrer para conformar

uma percepção e uma memória das relações ocorrentes no interior desta

instituição educacional.

BIBLIOGRAFIA

Almeida, Milton José de. Imagens e sons: a nova cultura oral. São Paulo: Cortez, 1994.

O livro trata as linguagens audiovisuais do cinema e da televisão como

produtos de uma nova cultura e suas relações com a educação. Em um

primeiro momento, aborda a linguagem audiovisual do ponto de vista da

sua constituição na moderna sociedade oral e, depois, a sua tradução em

alguns filmes contemporâneos.

Canevacci, Massimo. Antropologia da comunicação visual. São Paulo: Brasiliense, 1990.

Aborda a sociedade contemporânea com o estranhamento próprio dos an-

10PROPOSTA PEDAGÓGICA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

tropólogos. Busca mostrar, de maneira singular, as imbricadas relações

entre a linguagem audiovisual, a cultura e a sociedade moderna.

Carrière, Jean-Claude. A linguagem secreta do cinema. Rio de Janeiro: Nova

Fronteira, 1995.

Desvela com muita propriedade a linguagem do cinema da perspectiva do

roteirista, ou seja, de quem escreve o que será filmado. Constrói uma

narrativa que leva o leitor a uma compreensão profunda da linguagem

cinematográfica.

Costa, Flávia Cesarino. O primeiro cinema: espetáculo, narração, domesticação.

São Paulo: Scritta, 1995.

Focaliza os primórdios do cinema, um período muito pouco conhecido.

Procura desvelar as suas origens, situando os processos que constituíram

a linguagem cinematográfica.

Pasolini, Pier Paolo. Empirismo Hereje. Lisboa: Assírio e Alvim, 1981.

O livro no qual Pasolini constrói as suas teorias sobre linguagem, mais

especificamente a linguagem cinematográfica.

Tarkoviski, Andrei. Esculpir o tempo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

O livro é uma reflexão poética do cineasta sobre o cinema, o ato de filmar,

as imagens, os sons, o tempo, o espaço. A realização cinematográfica e os

elementos que a constituem.

Viany, Alex. Humberto Mauro: sua vida, sua arte, sua trajetória no cinema. Rio de

Janeiro: Artenova/Embrafilme, 1978.

Trata-se de uma coletânea de textos e imagens da vida do cineasta

Humberto Mauro.

Xavier, Ismail. (org.) A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Graal/Embrafilme,

1983.

Trata-se de uma antologia que reúne os principais estudiosos da lingua-

gem cinematográfica. Introduz o leitor a diferentes concepções de cinema.

SITES

www.cineduc.org.br – Site com rica produção na área do cinema e educação,

abrangendo aspectos da história do cinema e de atualidades. Instituição que

se dedica a ensinar linguagens audiovisuais para crianças e adolescentes.

www.kinedia.hpg.ig.com.br – Divulga informações gerais sobre cinema.

www.cenaporcena.com.br - Apresenta links de entrada para várias institui-

ções e assuntos relativos a cinema.

11PROPOSTA PEDAGÓGICA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

www.revbravo.com.br – Site da Revista Bravo que trata dos múltiplos aspectos

do audiovisual, com ênfase no cinema e na televisão.

www.classicvideo.com.br - Site onde é possível encontrar para encomenda

filmes que não existem em muitas locadoras.

www.casacinepoa.com.br – Site que divulga as atividades da Casa de Cinema

de Porto Alegre e, ainda, artigos e sinopses de filmes.

www.studium.iar.unicamp.br – Site do Instituto de Artes da Unicamp. Divulga

atividades e artigos sobre arte, incluindo audiovisual, cinema e televisão.

12BOLETIM

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

PGM 1 � CINEMA E REALIDADE

O MUNDO ATRAVÉS DAS LENTES

MARCOS DE SOUZA MENDES1

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

“Para o documentarista, nada é adquirido para sempre. A realidade

é sempre mais forte, ela impõe sua ordem e é com ela que é necessá-

rio se medir. Posso dizer que não existiu um filme durante o qual eu

não tivesse aprendido alguma coisa, de uma maneira ou de outra. Até

hoje, após cinqüenta anos de prática, ainda não cheguei a definir, de

uma vez por todas, um método de me aproximar dos homens e de os

filmar. É porque esse método não existe: a cada vez é diferente.”

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Joris Ivens

Ao longo do século XIX, foram inú-

meras as experiências humanas para

registrar e captar as imagens da vida

real. Em paralelo ao desenvolvimento

técnico e industrial da fotografia, cien-

tistas e fotógrafos se interessaram, par-

ticularmente, pela análise do movimen-

to em sua progressão no tempo. Esta

análise seria possível pela obtenção de

imagens sucessivas do mesmo corpo, o

que realizaria o tão sonhado desejo hu-

mano de reproduzir o movimento, de re-

ter a vida em sua passagem, de perdu-

rar as ações dos seres animais em suas

várias manifestações no mundo: corrida

de cavalos, caminhadas, danças, banhos

de mar e gestos banais como os da ali-

mentação de um bebê.

Em 1879, o fotógrafo inglês Eadweard

James Muybridge, radicado nos Estados

1 Cineasta. Professor de cinema da Universidade de Brasília. Doutorando emMultimeios no Instituto de Artes da UNICAMP.

13BOLETIM � PGM 1 - CINEMA E REALIDADE

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

Unidos, dispôs 24 câmeras fotográficas

que, ao serem disparadas sucessivamen-

te, possibilitaram imagens fixas do galo-

pe de um cavalo, fotografias que foram

determinantes das diferentes posições

de suas patas durante o movimento. O

tempo, no entanto, ainda não chegara a

ser restituído.

Contemporâneo de Muybridge, o

fisiologista francês Etienne Jules Marey

– que já estudara a locomoção animal

em 1873 com um gráfico de tempo e

movimento, a cronografia – criou, em

1882, um aparelho capaz de reter os vá-

rios movimentos do vôo de um pássaro:

o fuzil fotográfico. Esta câmera cinema-

tográfica ancestral deu origem, pouco

tempo depois, ao Cronofotógrafo em pe-

lícula ( em filme de celulóide, inventado

em1887). O aprimoramento do Cronofo-

tógrafo de Marey deu origem ao Kinetos-

cópio, dos inventores Thomas Edison e

Laurie Dickson, que permitia o visio-

namento de imagens em movimento. Em

1895, finalmente, com a criação do

Cinematógrafo dos irmãos Lumière –

Louis e Auguste, industriais franceses –

o cinema veio à luz. A vida real em seu

tempo e movimento se projetou nas te-

las. Trens chegando à estação, operári-

os saindo da fábrica, pedestres e ciclis-

tas nas ruas, crianças brincando na neve

e saltando sobre o mar. O movimento e

o tempo real eram o espetáculo; os se-

res humanos em suas vidas cotidianas a

essência desses primeiros filmes2.

Nascido como registro da vida, logo

o cinema tornou-se documento e teste-

munho da história. Os cinegrafistas de

Lumière percorreram vários países e re-

gistraram acontecimentos sociais e polí-

ticos, trágicos acidentes, paisagens exó-

ticas, o que deu origem aos filmes de atu-

alidades, de exploração e de reportagem.

No início do século XX, inúmeros

pioneiros percorreram terras distantes

e inóspitas para filmar guerras, batalhas,

expedições e povos desconhecidos. En-

tre nós, por exemplo, o fotógrafo e

cinegrafista Luís Tomás Reis (1878-

1940) do Serviço de Proteção aos Índios,

percorreu entre 1914 e 1916 centenas

de quilômetros do Brasil Central e da

Amazônia para documentar as viagens

da comissão Rondon e aspectos da cul-

tura dos povos indígenas contactados3.

De curtos registros para filmes de

longa metragem, estas imagens de não

ficção se constituíram em memória dos

povos e sociedades. Seus realizadores –

cinegrafistas, diretores, montadores –

transformaram-se em cineastas do real

– repórteres, historiadores, sociólogos,

pintores, etnólogos, poetas, enfim, ho-

2 A Chegada do Trem na estação ( � L� arrivée d�un train à la gare de la Ciotat� ) , de Louis Lumière, 1895. A saída dosoperários da fábrica ( � La sortie des usines Lumiére�), Louis Lumiére, 1895. Referências: Filmoteca do consulado daFrança, Rio de Janeiro, Cinemateca do Museu de Arte Moderna, R.J., Sr. Hernani Hefner; UNB-Filmoteca da Faculdadede Comunicação; Filmoteca da Embaixada da França, Brasília.

3 Ao redor do Brasil, Luís Tomás Reis, 1938. (FUNARTE, Decine, CTAV: Renato Costa e Vanda Ribeiro � 21.25803631).

14BOLETIM � PGM 1 - CINEMA E REALIDADE

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

mens comprometidos com seu tempo e

com a vida, uma “presença no mundo”

(parafraseando o educador Paulo Freire),

“presença que se pensa a si mesma, que

se sabe presença, que intervém, que

transforma, que fala do que faz mas tam-

bém do que sonha, que constata, com-

para, avalia, que decide, que rompe (...)

a ética se torna inevitável e sua trans-

gressão possível é um desvalor, jamais

uma virtude.”

O Cinema Documentário, que teve

seu nome cunhado na década de 20 do

século passado, foi definido por John

Grierson, grande produtor e documen-

tarista britânico, como “o tratamento cri-

ativo da realidade”; já para o cineasta

francês Jean Vigo, documentário era um

“ponto de vista documentado”. Podería-

mos acrescentar também “o conhecimen-

to do outro”, pensamento do realizador

brasileiro Eduardo Coutinho – o outro e

seu patrimônio de cultura vivida (seus

valores espirituais, éticos e sua tradição

oral, não apenas sua cultura material).

Todas essas definições apontam o

documentarista como um artista

revelador da vida, vida já tão rica em gran-

des e pequenos assuntos, em dramas hu-

manos e sociais, tão rica em cinema. Este

Cinema se oferece em luz de naturezas,

direções e intensidades diferentes; se

oferece em lentes que abrem espaços de

paisagens, campos, cidades e ruas; len-

tes que descobrem o espaço do próprio

corpo do homem em toda plasticidade

de seus movimentos, em toda nobreza

de suas ações de trabalho e em suas lu-

tas trágicas nesse mundo.

Essas lentes, essas câmeras, que tra-

zem em si um coração e uma moral, ora

são fixas e contemplativas; ora são mó-

veis e participativas e correm leves e qua-

se voam para “seguir os seres e as coisas

na totalidade de seu percurso”, para di-

alogar com outros pensamentos e olhar

e ver o mundo mais em profundidade.

Sem a objetividade excessiva e o oportu-

nismo do repórter, o documentarista

deixa o mundo se apresentar.

Alguns documentaristas, como Dziga

Vertov (1896-1954), principal cineasta

soviético dos anos 20, não negociaram

seu cinema engajado – no caso de Vertov,

compromissado com os ideais da revolu-

ção bolchevique de outubro – não nego-

ciaram o cinema do real, do homem vivo,

sem encenação, nem o cinema da cria-

ção e da experimentação (principalmen-

te em som e montagem)4.

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

(...) De uma montagem de fatos visíveis e

fixados na película (Kino-Glaz), cinema-

olho, a uma montagem de fatos visíveis-

audíveis pelo rádio (Rádio-Glaz). A uma

4 Kino Glaz. Dziga Vertov, URSS, 1929.O homem da câmera. Dziga Vertov, URSS, 1924.

15BOLETIM � PGM 1 - CINEMA E REALIDADE

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

montagem de fatos simultaneamente visí-

veis-audíveis-palpáveis-respiráveis,etc...

A uma filmagem de improviso dos pen-

samentos humanos e, finalmente a

uma grandiosa tentativa de organiza-

ção direta do pensamento por conse-

qüência, das ações) de toda a huma-

nidade (...) Dziga Vertov,Kiev, 06/11/

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

1928.

Cada vez mais lírico e poético em seus

documentários de longa metragem “Cine-

Poemas”, como ele chamou alguns filmes,

entre os quais, Três Cantos sobre Lênin e

Canção de Embalar (“Kolibelnaya”),

Vertov sofreu com a burocracia e a cen-

sura artística dos produtores e críticos.

Outros cineastas abraçaram o mun-

do com a alma. Conviveram com a reali-

dade sem a (pré)-concepção de roteiros

e narrativas fáceis de sucesso comercial.

Sentiram o mundo como poetas maio-

res, com o único compromisso de res-

peitar o cotidiano das pessoas que parti-

ciparam das filmagens e também de res-

peitar seu próprio sentimento. Robert

Joseph Flaherty (1884-1951) foi, talvez,

o mais romântico, o mais sensível des-

ses documentaristas. Pai do filme antro-

pológico, este fotógrafo, diretor e

montador norte-americano trouxe à hu-

manidade três testemunhos inesquecí-

veis sobre o ser humano em luta contra

a natureza ou em harmonia com o mun-

do: Nanook of the North (1920-1921), fil-

me sobre o cotidiano de uma família es-

quimó do nordeste da Baía de Hudson,

no Ártico5; Moana - a romance of the

Golden Age (1923-1926), rodado no Pa-

cífico Sul, Polinésia, com os habitantes

de Samoa em suas vidas diárias de ale-

grias e danças; Man of Aran (1932-1934),

sobre a pesca, o preparo da terra vegetal

e a luta contra o selvagem mar das ilhas

de Aran, na costa oeste da Irlanda.

O cinema de Flaherty foi, antes de

tudo, um cinema de amor ao próximo.

Um cinema generoso para com o huma-

no das relações da família, trabalho e

amizade. Talvez até um cinema utópico,

peça de resistência do poético em uma

cinematografia mundial cada vez mais

voltada ao consumo.

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

“(...) Hoje, mais que nunca, testemunhou

Robert Flaherty, o mundo precisa pro-

mover a mútua compreensão entre os po-

vos. A via mais rápida, a mais segura

para aí chegar é oferecer ao homem em

geral, ao homem da rua, como se diz, a

ocasião de se tomar consciência dos pro-

blemas que afligem seus semelhantes (...).

O drama está na vida real e especialmen-

te na vida primitiva. O homem, nas lutas

5 Nanook, o esquimó (Nanook of the North), Robert Flaherty, USA, 1920-22..O homem de Aran. (Man of Aran), RobertFlaherty, EUA, 1932-34. (Cinemateca Brasileira; Embaixada dos EUA; Cinemateca do MAM; UNICAMP/Instituto deArtes.)

16BOLETIM � PGM 1 - CINEMA E REALIDADE

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

contra a ameaça natural, forma o mais po-

deroso conflito do mundo. Nos meus fil-

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

mes eu tento evocar este conflito(...).

Flaherty, sem abrir mão de seu es-

pírito humanista e de seus métodos de

realização, sofreu com os poderes finan-

ceiros: Moana foi mal distribuído pela

Paramount e teve seus negativos perdi-

dos; White Shadows of the South Seas

(1927-1928) foi abandonado por Flaherty

no início das filmagens, pelo fato de o

mesmo não aceitar as interferências da

Metro Goldwyn Mayer; The Land (1939-

1942), produzido pelo Departamento de

Agricultura dos EUA, foi interditado pela

censura política.

Outro grande documentarista do sé-

culo XX, “trabalhador da luz”, constru-

tor do tempo, foi Joris Ivens, o holandês

voador. Ubíquo, documentarista da liber-

dade, Ivens atravessou o século docu-

mentando a luta de emancipação dos

povos. Filmou na Espanha em 1936 (Ter-

ra de Espanha, sobre a Guerra Civil Es-

panhola)6; filmou nos Estados Unidos, na

Indonésia, na Tchecoslováquia e na

Polônia nos anos 40; filmou na França,

na China (Before Spring e 600 milhões

com vocês) e na Itália, nos anos 50; fil-

mou em Cuba, no Chile e no Vietnã

onde, de corpo fechado, aos 67 anos de

idade, realizou O 17º- Paralelo, sob os

atrozes bombardeios norte-americanos.

Entre 1971 e 1976 retornou à Chi-

na e “pintou” com Marceline Loridan,

sua companheira, o mural cinematográ-

fico Como Yukong deslocou as monta-

nhas, doze horas de filme sobre diver-

sos aspectos da vida cotidiana durante a

Revolução Cultural.

Nonagenário, novamente voltou à

China para, com sua câmera de jovem

poeta, filmar o vento. “Quando a terra

respira, isto chama-se o vento ...”, (se-

gundo um provérbio chinês). “ Penso,

como cineasta, que é preciso ousar “no

no man’s land” entre a realidade e o

imaginário – disse Ivens, em entrevista

a Jean Pierre Sergent, durante lança-

mento do filme –, entre o documentário

e a ficção”. (...) “A poesia, além da reali-

dade, eu já havia encontrado rodando

meus filmes de guerra. Desta vez, eu a

quis filmar. Enquanto artista, senti a

necessidade de ir mais longe”. Uma his-

tória do Vento (1988) foi o último filme

de Joris Ivens.

E assim como Ivens, Flaherty e

Vertov, foram tantos que se arriscaram e

permaneceram fiéis à sua arte: Jean

Vigo, Alberto Cavalcanti, Basil Wright,

Humberto Mauro, Jean Rouch, Roman

Karmen...

Ao acompanhar a dialética do tem-

6 Terra de Espanha. Joris Ivens, EUA, 1936. (UnB/Faculdade de Comunicação; Cinemateca do MAM; Cinemateca Brasi-leira; cineasta Guido Araújo � 71.347,5489, filmes de Joris Ivens).

17BOLETIM � PGM 1 - CINEMA E REALIDADE

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po, o documentarista resgata a história,

a memória, e registra identidades cultu-

rais em extinção no mundo moderno7.

Flexível, curioso, vigilante, ele acompa-

nha a vida em seu processo e por ela é

roteirizado e dirigido. Pesquisa muito, faz

e refaz estruturas narrativas, intui his-

tórias do próprio lugar da filmagem. Fil-

ma, aparentemente, ao léu, mas respei-

tando caminhos nascentes para a des-

coberta de seu filme – e como é difícil

explicar aos burocratas de plantão que

o roteiro (ou não-roteiro) do documen-

tário é dinâmico, que seu orçamento é

flexível, que segue urgências que só o

imponderável do processo criativo sabe

explicar. Depois, na montagem, ainda se

atendo à espinha dorsal do roteiro ou à

estrutura do guia de filmagem, o do-

cumentarista lida com tempos e espa-

ços impensáveis, o que o leva a uma mon-

tagem criativa, independente de de-

cupagens preestabelecidas – tão distan-

te, no entanto, da montagem irrespon-

sável, tão comum nos trabalhos que pre-

conizam: “a gente filma e na montagem

a gente resolve”.

O auge da montagem e do ritmo vi-

sual como expressão máxima do filme

ocorreu no final dos anos 20 (do século

passado), no final do período silencioso.

Com o advento do cinema sonoro, o

Documentário se enriqueceu com as ex-

periências da vanguarda soviética e as

inovações técnicas da escola britânica

dos anos 308. Ruídos, músicas, poemas

foram incorporados à narrativa, o que

ampliou os horizontes artísticos do gê-

nero.

Nos anos 60, as câmeras leves de

16mm – em sincronia com gravadores

portáteis de captação do som direto da

realidade – revolucionaram, ainda mais,

a dramaturgia documentária9. O tempo

real, em toda sua plenitude e duração,

reapareceu e trouxe, desta vez, a voz

humana, viva, de um ator natural, per-

sonagem do real, sem maquiagem, sem

texto decorado e comportamento este-

reotipado. Trouxe a oralidade, com a be-

leza de seus timbres, seus sotaques, suas

cadências e seu vocabulário10. O sonho

antigo de Vertov se realizava: o cinema

do som e imagem da vida e desvelador

da verdade.

Nessa nova dimensão, na qual o

Documentário ganhou novos nomes e

horizontes – Cinema Verdade, Cinema

Direto – a montagem também se modifi-

cou. Tornou-se mais fluida ao privilegiar

o tempo do nascimento de pensamen-

tos e ações; tornou-se menos expressiva

7 Jango. Sílvio Tendler, 1984. (Caliban, 21.254.35645/5086871)Memória do cangaço. Paulo Gil Soares, 1965.8 The song of Ceylon. Basil Wright, Inglaterra, 1934-35. Night mail, Basil Wright e Harry Watt, Inglaterra, GPO, 1936.Coal Face, Alberto Cavalcanti. Inglaterra, 1936. British Council (RJ); UNICAMP/Instituto de Arte.

9 Crônica de um verão. (Chronique d�un été) Jean Rouch e Edgar Morin, França, 1960. (Consulado/Filmoteca daEmbaixada da França, UNICAMP/Instituto de Arte).

10 Nelson Cavaquinho, Leon Hirszman, Brasil, 1966. Cabra marcado para morrer, Eduardo Coutinho, Brasil, 1984.Conterrâneos Velhos de Guerra, Vladimir Carvalho, Brasil, 19. Uma questão de terra, Manfredo Caldas, Brasil, 19.

18BOLETIM � PGM 1 - CINEMA E REALIDADE

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e mais interna, ao respeitar a conjuga-

ção das movimentações de câmera dian-

te de improvisos e imprevistos – sem,

contudo, perder a noção de síntese, ob-

jetividade, ritmo, experimentação e cri-

ação artística11.

Há vinte anos atrás, já octogenário,

o mestre Joris Ivens abordou a questão

da criação artística no Documentário com

tamanha lucidez e bom senso que, ain-

da hoje, em plena era das novas

tecnologias digitais, seu pensamento

continua atual.

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

“(...) Existe uma falsa idéia que é preci-

so combater, esta velha idéia de que

documentário é reportagem, que nada tem

a ver com a arte, que o filme de ficção é

a única maneira artística de se fazer ci-

nema(...). Em alguns casos, o documen-

tário e a ficção se entrecortam, se enri-

quecem mutuamente. Eu acredito que o

documentário é uma boa base para uma

evolução autenticamente cinematográfica

do filme. No documentário, a influência

do teatro e da literatura é menor; é a

imagem fílmica que comanda bem mais

que em uma narrativa dialogada (...). Lutei

durante cinqüenta anos para que se re-

conhecesse ao filme documentário a

mesma importância e a mesma necessi-

dade para a arte cinematográfica que o

filme de ficção... Para mim, não existe

contradição nem oposição entre o cine-

ma documentário e o cinema de ficção.

Nos documentários onde se utiliza me-

nos o diálogo, a liberdade e os recursos

de montagem são bem mais considerá-

veis. Em um segundo, pode-se passar

do microcosmo ao macrocosmo. Pode-se

fazer malabarismos com o tempo e o es-

paço. Este gênero de filme é mais próxi-

mo da poesia, enquanto que o filme de

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

ficção se aparenta à prosa.”

Os aparatos tecnológicos de capta-

ção e edição de imagens e sons estão

cada vez mais práticos e sofisticados. Im-

buídos dessa modernidade, muitos crí-

ticos e cineastas discutem a ausência de

novas linguagens nos Documentários. O

novo, entretanto, não será proporciona-

do por uma câmera de ponta. O novo virá

da própria vida – vida que muda e se

transforma a cada momento – e da ética

que todo cineasta trará em si. A ética é

que definirá a tão ansiada forma. Um fil-

me novo não nasce de uma moldagem,

de um verniz tecnológico que se aplica

sobre um tema ou que coloca uma obra

a seu serviço. Um filme novo nasce de

dentro para fora, como um todo. Da alma

da própria vida e da responsabilidade

que todo cineasta deve ter.

11 Futebol, João Moreira Salles e Arthur Fontes. Santo Forte, Eduardo Coutinho.(Vídeo Filmes, RJ; CTAV-FUNARTE, RJ).

19BOLETIM � PGM 1 - CINEMA E REALIDADE

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

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20BOLETIM

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

PGM 2 : CINEMA E HISTÓRIA

A REALIDADE FICCIONADA

SÍLVIO TENDLER1

LAURA MARIA COUTINHO 2(DIÁLOGOS)

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Para discutir cinema e história”, nesta série, proponho primeiro

que adotemos o livro A história vai ao cinema, de Mariza de

Carvalho Soares e Jorge Ferreira, uma publicação da Editora Record

de 2001.

E, depois, que estabeleçamos um diálogo com o livro, tomando como

referência o prefácio de Sílvio Tendler. É mais ou menos isso que

professores e alunos fazem quando levam para a sala de aula tex-

tos, livros, filmes. Ou, pelo menos deveriam fazer. Os textos e os

filmes são feitos para tratar de assuntos objetivos, mas apresentam

sempre um ponto de vista construído também pelas subjetividade

dos autores e, igualmente, de leitores e espectadores. Talvez não

seja demais lembrar que os produtos culturais dessa natureza são

dinâmicos: só se realizam na interação entre pessoas. O filme preci-

sa ser visto. O livro precisa ser lido. E é justamente neste aspecto

que, acredito, está a grande riqueza da produção intelectual e cultu-

ral. Além do que, o mesmo fato mostra-se de variadas maneiras. E a

visão de uma pessoa traz sempre a possibilidade de enriquecer a

visão de todos e a de cada um.

Assim inicio o nosso diálogo com este texto precioso chamando a

atenção para alguns aspectos que Sílvio Tendler coloca no final, ou

seja, o papel do professor diante das imagens. É claro que as ima-

1 Cineasta. Professor de cinema da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.2 Professora da Faculdade da Educação da Universidade de Brasília. Doutora em Educação na área �Educação, Conhe-cimento, Linguagem e Arte� pela UNICAMP.

21BOLETIM � PGM 2 - CINEMA E HISTÓRIA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

gens nos fascinam a todos. É justamente esta a grande força da

linguagem cinematográfica que, em estética, realidade e magia, cria

e recria universos ficcionais de todas as ordens, sejam eles basea-

dos em fatos reais ou fictícios. Mas nos ambientes educacionais, na

escola, na sala de aula, é possível ir além do filme e das imagens e,

principalmente, estabelecer uma relação histórico-temporal entre pas-

sado e presente. Repito aqui o que vocês vão ler mais adiante: “uma

abordagem do passado muitas vezes é mais rica quando analisada

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

sob a luz do conhecimento e das angústias do tempo presente.”

Ouçamos, então, Sílvio Tendler:

Nos idos dos anos 60, estudante que

se prezasse e quisesse jogar pedras na

ditadura deveria buscar fundamentos

teóricos em Historia da riqueza do ho-

mem, e Leo Huberman. Logo na abertu-

ra, o autor para falar de dinheiro, usa

uma cena de cinema como exemplo;

Georges Duby, um dos mais importan-

tes medievalistas, abre um de seus en-

saios sobre a Idade Média escrevendo:

“Imaginemos”. Desde sempre, imagem e

imaginação fazem parte do conhecimento

da história.

Quando, em 1974, Jacques Le Goff

e Pierre Nora coordenaram a publicação

de Faire de l’Histoire3, estavam eviden-

ciando novos horizontes para a história,

que saía então da dicotomia factual

versus interpretativa para buscar novas

relações com seu objeto de estudo. Nos

rescaldos pós-maio de 1968, uma série

de históriadores franceses discutiam

novos problemas, novas abordagens, no-

vos métodos. Marc Ferro participa desta

coletânea com seu artigo “O filme: uma

contra-análise da sociedade”, no qual

aborda a questão do cinema como fonte

da história. Mais do que introduzir, esse

artigo servirá para legitimar uma rela-

ção que já vinha se desenvolvendo havia

muitos anos e que Ferro transforma em

seminário, com o nome de Cinema e His-

tória.

Por outro lado, desde o nascimento

do cinema, a história é sua fonte. O nas-

cimento de uma nação, de David Griffith,

nos Estados Unidos e O encouraçado

Potemkin, de Sergei Eisenstein, na União

Soviética, são alguns dos muitos filmes

em que, através de cowboys, carruagens,

reis e rainhas, a história está presente.

Em 1937, o documentarista holan-

dês Joris Ivens, ao filmar a Guerra Civil

Espanhola em parceria com Ernest

Hemingway, registra nos créditos do fil-

3 Jacques Le Goff e Pierre Nora. História: novos objetos. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1976.

22BOLETIM � PGM 2 - CINEMA E HISTÓRIA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

me Terra esponhola a produção da

Contemporary Historians Inc. Neste caso,

o cineasta define-se como historiador e,

mais do que um documentário de de-

núncia da ascensão do fascismo ao po-

der na Europa, sente-se fazendo histó-

ria.

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

A essa altura abro um parêntese para

relatar brevemente uma experiência re-

cente que, de alguma forma, se insere

na situação em que, penso, o cineasta e

sua obra podem ser definidos como his-

toriador e história. Silvio Tendler inicia

seu texto falando dos anos 60. Talvez

os mais pulsantes dos últimos séculos.

Ainda ontem, numa livraria, folheando a

biografia de Paul MacCartney “Many

year from now”, uma frase me chamou

a atenção. Paul dizia mais ou menos as-

sim: “não vejo os anos 60 como passa-

do, mas como futuro, como alguma coisa

que ainda não se realizou”. Acho que é

mais ou menos esse sentimento que

aflorou durante a semana em que a Fa-

culdade de Educação da Universidade

de Brasília promoveu a exibição do fil-

me Barra 68 de Vladimir Carvalho e

que “monta” perfeitamente com a idéia

de que a história é mais rica à luz do

presente. Foram 18 exibições seguidas

de debates emocionados com o cineas-

ta, professores, alunos e personagens

do filme e da história que não estavam

no filme. No Barra 68 estão presentes

as principais personalidades da histó-

ria da UnB à epoca, Darcy Ribeiro, o

reitor José Carlos Azevedo, alunos...

Quase todos em imagens passadas e

presentes. E o que gostaria de ressaltar

aqui é a sensação de incompletude que

o filme suscita, não do filme em si, mas

da própria história. Assim quero dizer

vendo Sílvio, Vladimir, Paul, que talvez

o mais importante da história que vai ao

cinema seja não o resgate dos fatos, mas

das possibilidades que os fatos susci-

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

tam e que ainda estão por se realizar.

Voltemos ao texto.

A coletênea de artigos que compõe

este livro segue na trilha original apon-

tada por Marc Ferro: o estudo de filmes

como fonte de conhecimento e o que

Ferro chama de contra-análise da socie-

dade. Em seu artigo, considera que o

estudo da imagem pode fornecer elemen-

tos de análise que ultrapassem os limi-

tes das intenções do autor ou de quem

as captou. A “leitura” dos filmes não se

restringe a uma interpretação “colada”

na obra.

No caso deste livro, os autores fize-

ram uma releitura da obra cinematográ-

fica, relacionando com uma abordagem

histórica, confrontando filme e história.

Esta coletânea de ensaios chega em

boa hora. A história do século XX será

contada com recursos audiovisuais e a

partir da produção audiovisual do sécu-

lo XX. O conjunto de artigos é de alto

nível, merecedor de leitura, exercendo

importante função didática que aponta

mais um território a ser explorado pelo

historiador.

23BOLETIM � PGM 2 - CINEMA E HISTÓRIA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

Alguns limites foram estabelecidos

nos critérios de seleção dos filmes: ape-

nas filmes nacionais, e o corte temporal

foi determinado pelo período de produ-

ção dos filmes, que foi de meados dos

anos 70 ao final dos anos 90. Os temas

são os mais diversos, nem sempre tra-

balhando a história de forma direta, mas

refletindo a formação brasileira ao longo

dos séculos. Diversos historiadores divi-

diram entre si a missão de esmiuçar a

produção cinematográfica, o que trans-

forma este livro num raro painel que re-

trata a pluralidade e a diversidade de

nossa produção.

Por não ser obra de um autor, mas

uma coletânea de textos com enfoques

diferenciados, torna-se mais rico ainda

devido à variedade de olhares que se pro-

jetam sobre a diversidade das obras.

Tem, além disso, o mérito de registrar a

fecundidade do cinema brasileiro nes-

ses anos 70/80/90 e, sobretudo, sua

importância cultural, tornando-se o me-

lhor arrazoado em defesa do cinema bra-

sileiro, de sua pluralidade, diversidade

e criatividade.

Em sua maioria, os estudos aqui de-

senvolvidos servem também como uma

aula de história, uma vez que são acom-

panhados de citações que transcendem

a obra abordada para situá-la em seu

tempo, descrevendo suas fontes, influ-

ências ou precedências. Esse universo

que circunscreve a obra faz com que este

livro se torne objeto de consulta essen-

cial para quem estuda ou quer conhecer

mais profundamente as obras e o tempo

abordados dentro do trinômio cinema/

Brasil/história.

Aqui estão sendo analisados filmes

que retratam a migrantes e imigrantes,

a mulher, o negro, as circunstâncias

históricas, os acontecimentos e as per-

sonalidades. Filmes de João Batista de

Andrade (O homem que virou suco, o

migrante massacrado), Tizuca Yamasaki

(Gaijin, a imigração japonesa), Eduardo

Coutinho (Cabra marcado para morrer),

o meu (Jango, a reconstrução da histó-

ria ), Norma Bengell (Pagu, a mulher

libertária que foi contra a corrente de

seu tempo mas a favor da história). O

Brasil dissecado pela literatura e o in-

crível desafio de transformar letras em

imagens: Mário de Andrade, Jorge Ama-

do, Graciliano Ramos imaginados pelo

cinema, livros que se tornaram filmes

pelos olhos de Nelson Pereira do San-

tos, Joaquim Pedro, Eduardo Escorel,

Bruno Barreto.

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Quero ressaltar aqui outra temática des-

ta série “Diálogos Cinema e escola”, ex-

pressa no texto “Literatura e Cinema:

uma sintaxe transitiva”. A autora, Rosalia

de Ângelo Scorsi, trabalha seu escrito

buscando desvelar não o universo his-

tórico em que os filmes acontecem, como

aborda Silvio Tendler, mas o universo

expressivo das linguagens cinematográ-

fica e literária. Lembremos que esses

dois pontos de vista complementam-se

na perspectiva das multiplicidades das

24BOLETIM � PGM 2 - CINEMA E HISTÓRIA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

visões que as linguagens audiovisuais

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

podem suscitar.

A pluralidade registrada pelos filmes

e os estudos correspondentes aos anos

de chumbo, observados não apenas pelo

viés da política, mas com ampla visão da

época do “seja marginal, seja herói”, gri-

to de rebeldia do artista plástico Hélio

Oiticica sobre a imagem do bandido Cara

de Cavalo, marca dos anos 70: o cinema

mostra, com Lúcio Flávio, o passageiro

da agonia, o marginal necessário para

apontar as mazelas da polícia (“Polícia é

polícia, bandido é bandido”), transpas-

sado das reportagens literárias de José

Louzeiro para as imagens de Hector

Babenco; o mito registrado em Xica da

Silva ou o país trocando de pele em Bye

bye Brasil, filmados por Carlos Diegues.

Em Eles não usam black-tie, de Leon

Hirszmann, a classe operária vai ao ci-

nema e o Brasil caipira em A marvada

carne, de André Klotzel.

Este livro também supre uma lacu-

na: como a crítica cinematográfica prati-

camente desapareceu, e a cada dia tor-

nam-se mais raras as publicações

especializadas, e por conseguinte a aná-

lise e o debate em torno da produção

cinematográfica , transferiu-se para o

historiador a tarefa da crítica, o que va-

loriza ainda mais o presente livro. A abor-

dagem diferenciada do historiador – pro-

funda e analítica – foge da superficiali-

dade da informação jornalística, neces-

sária para divulgar a existência da obra

mas insuficiente para informá-lo sobre

a obra.

Mesmo quando a análise é favorável

ao filme, ainda assim é melhor a publi-

cação, que abre o caminho para a dis-

cussão e a polêmica, do que condená-lo

ao silêncio e ao esquecimento. Nos anos

50, época de nacionalismo na política (“O

petróleo é nosso”) e das “chanchadas” no

cinema, em sua defesa foi cunhada a fra-

se: “Falem mal, mas falem do cinema

nacional”, logo sintetizada no bordão “O

abacaxi é nosso”. “Avacalhar” (expressão

própria da época) era a forma de prote-

ger e divulgar. Logo, este livro ajuda a

resgatar nossos filmes, rompendo o cer-

co do silêncio e do esquecimento.

O filme torna-se matéria de sala de

aula, servindo como objeto de estudo e

conhecimento. Em hipótese alguma o fil-

me substitui o professor. Sua “leitura”

correta está condicionada a um conhe-

cimento prévio, sujeita à orientação do

professor. Confrontar veracidade com ve-

rossimilhança – real versus aparência do

real – é uma das responsabilidades do

professor, que evitará a trilha de um ca-

minho equivocado e cuja ausência po-

derá induzir a erros de abordagem di-

ante do fascínio e da facilidade da histó-

ria recriada em imagens. Quanto a pas-

sado versus presente, é bom dizer que o

filme de tema histórico geralmente tem

mais a ver com a época em que é produ-

zido do que com a época abordada. As-

sim, por exemplo, uma abordagem do

passado muitas vezes, é mais rica quan-

25BOLETIM � PGM 2 - CINEMA E HISTÓRIA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

do analisada sob a luz do conhecimento

e das angústias do tempo presente.

Um grito de alerta: querem apagar

a história. Jovens de 20 anos não sa-

bem o que foi a Guerra do Vietnã, como

foi a descolonização da África, as lutas

populares por liberdade, contra a dita-

dura, a tortura. E o mais grave: livros,

filmes, peças de teatro, pensamentos e

personalidades que escreveram um pro-

jeto de Brasil são apagados da história.

Em tempos que privilegiam o efêmero,

o volátil e o descartável, este livro é peça

essencial na “guerra santa” que trava-

mos contra a amnésia histórica que que-

rem nos impor.

Bibliografia

Soares, Mariza de Carvalho. A história vai

ao cinema. Rio de Janeiro: Record,

2001.

Ramos, Fernão Pessoa. Estudos de cine-

ma. Porto Alegre: Sulina, 2001.

Bernadet, Jean-Claude. Brasil em tempo

de cinema: ensaio sobre o cinema bra-

sileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

1978.

Gerber, Raquel. O mito da civilização atlân-

tica: Glauber Rocha, cinema, política e

estética do inconsciente. Petrópolis: Vo-

zes, 1982.

Gomes, Paulo Emílio Salles. Cinema: traje-

tória no subdesenvolvimento. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1980.

26BOLETIM

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

PGM 3 � CINEMA E LITERATURA

UMA SINTAXE TRANSITIVA

ROSALIA DE ÂNGELO SCORSI*

* Dra. em Educação pela Universidade Estadual de Campinas � Unicamp. Pesquisadora do Lab. de Estudos AudiovisuaisOLHO � Faculdade de Educação - Unicamp.

1 Em A Experiência do Cinema (org. Ismail Xavier) � �O Cinema e as Letras Modernas�, p. 269.2 Extraído de publicação feita pela Embrafilme, Lição de Amor, p. 5.

“A literatura moderna está saturada

de cinema. Reciprocamente, esta arte mis-

teriosa muito assimilou da literatura1 .”

Com estas palavras, Jean Epstein inicia

seu ensaio, de 1921, sobre o intercâm-

bio entre as estéticas do cinema e da li-

teratura moderna, mostrando-nos a for-

te influência de uma arte sobre a outra.

Podemos confirmar essa declaração

de Epstein em Amar, Verbo Intransitivo,

romance moderno de Mário de Andrade,

que se constrói com perceptível diálogo

com o cinema, tanto nas referências que

faz a este, como nas “técnicas” utiliza-

das que lembram aquelas utilizadas pelo

cinema. O livro foi escrito em 1923 e

publicado em 1927. O próprio Mário de

Andrade escreve a Sérgio Milliet sobre o

romance, em 1923, chamando-o de ci-

nematográfico: “Atualmente escrevo

Fräulein - romance. É possível que fique

no meio, como todas as grandes emprei-

tadas que tomo. Cinematográfico. Man-

do-te do prefácio (curto) as duas idéias

que contém 2 .”

“Amar, Verbo Intransitivo não pos-

sui capítulos, conforme a norma aceita,

numeração de seqüências ou títulos para

elas. É um texto de ficção construído pelas

cenas que fixam diretamente momentos,

‘flashs’, resgatando o passado, ou cenas

que são apresentadas pelo Narrador. Às

cenas, contrapõem-se as digressões do

Narrador que compete freqüentemente,

dando grandes demonstrações de conhe-

cimento teórico, com a visão que a heroína

tem do mundo e do amor. As digressões

são, de fato, sua interpretação. A separa-

ção dos episódios, a mudança de cená-

rio, de espaço, a passagem do tempo, os

27BOLETIM � PGM 3 - CINEMA E LITERATURA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

cortes desviando a atenção do leitor, são

marcados apenas pelo espacejamento

padronizado que, graficamente, acentua

a idéia de seqüência solta e divisão da

narrativa em flagrantes3 .” Já nesse tre-

cho do prefácio ao romance, de Telê Porto

Ancona Lopez, percebe-se o uso de uma

terminologia própria à gramática do cine-

ma: flash, cena, seqüência, corte. Seguin-

do o prefácio mais à frente, lê-se: “O

Narrador, que capta a cena no que ela

tem de essencial, freqüentemente nos faz

lembrar a representação cinematográfica:

a câmera que segue os passos, foco isen-

to, olhando por detrás, ou foco comprome-

tido que faz às vezes dos olhos da perso-

nagem. Narrar cinematográfico de roman-

ce moderno, combinado com a reflexão

literária, machadiana, metalingüística, e

com a capacidade do Narrador de se fun-

dir às manifestações do mundo interior de

suas personagens4 .”

Na forma que o romance toma, muito

desse “narrar cinematográfico” é produzi-

do com a oralidade da prosa que o texto

escrito reproduz; com a técnica das “cenas”

que substituem os convencionais capítu-

los, como já foi dito; e por muitos outros

recursos formais, dos quais cito alguns:

Frases telegráficas. Nomeação

abundante. Enumeração: Procedimen-

to, na prosa, equivalente ao processo

descritivo-narrativo da linguagem cine-

matográfica expresso através da contigüi-

dade de planos. “(...) O quartinho é escu-

ro. Maria embala no bercinho pobre o

filho recém-nascido. Janelas abertas,

dando para a grande noite azulada, fa-

cilmente mística. Nascem do chão, saem

pelas janelas as duas colunas inclina-

das do luar. Verão. Silêncio. Murmúrio

em baixo, longe, das águas sagradas do

Reno.”(Amar, verbo intransitivo - AVI5 , p.

65.) (Esse trecho refere-se a uma diva-

gação de Fräulein, cuja representação

sugere as tomadas e movimentos de

câmera, um certo tipo de luz, de som e

até o silêncio significativo.)

Maiúsculas destacando alguns

enunciados: O uso das maiúsculas aqui

corresponde, se pensarmos na lingua-

gem cinematográfica, à técnica do Close-

up e/ou Detalhe, que vão além da su-

perfície das aparências para tocar em

revelações dramáticas: “A cidade é uma

invasão de aventureiras agora! Como

nunca teve! COMO NUNCA TEVE, Laura

(...) Por isso! Fräulein prepara o rapaz. E

evitamos quem sabe? até um desastre!...

UM DESASTRE!” (AVI, p. 77).

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

“NÃO EXISTE MAIS UMA ÚNICA PES-

SOA INTEIRA NESTE MUNDO E NADA

3 Em �Uma Difícil Conjugação�, prefácio a Amar, Verbo Intransitivo, escrito por Telê Porto Ancona Lopez, p.13.4 idem, p.15.5 AVI é abreviatura de Amar, Verbo Intransitivo.

28BOLETIM � PGM 3 - CINEMA E LITERATURA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

MAIS SOMOS QUE DISCÓRDIA E

COMPLICAÇÃO” (AVI, p. 80)

“Meu Deus! UM FILHO. (...) ... um

FILHO...”(AVI, p.135)

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

“FIM” (AVI, p. 140)

Uso de Onomatopéias e Neologis-

mos: Espécie de dimensão auditiva que

complementa significativamente as ce-

nas textuais:

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

“A bulha dos passarinhos arranhava

o corredor. De repente fogefugia as-

sustado sem motivo colibri: Pleque-

leque, pleque... pleque... pleque...”

(AVI, p. 51)

“Carlos abaixou o rosto, brincabrin-

cando com a página.” (AVI, p. 56)

“Pum! Taratá! Clarins gritando, baio-

netas cintilando, desvairado matar,

hecatombes, trincheiras, pestes, ce-

mitérios...” (AVI, p.61)

“Chiuiiii... ventinho apreensivo. Gran-

des olhos espantados de Aldinha e

Laurita. Porta bate. Mau agouro?...

Não... Pláaa... Brancos mantos... E

ilusão. Não deixe essa porta bater!

Que sombras grande no hol... Por

ques? Tocainado nos espelhos, nas

janelas. Janelas com vidros fecha-

dos... que vazias! Chiuiii... Olhe o si-

lêncio. Grave.”(AVI, p. 88)

“O murmulho das águas gargalhou um

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

‘brekekekex’ fanhoso.”(AVI, p. 120)

O cinema está presente no roman-

ce, não só pelos recursos lingüísticos

utilizados que o mimetizam, mas tam-

bém através de citações ao cinema, afir-

mando o hábito já entranhado no con-

texto urbano onde o romance se passa

de freqüentá-lo e sua influência no ima-

ginário dos freqüentadores:

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

“Dona Laura ficava ali, mazonza, numa

quebreira gostosa quase deitada na

poltrona de vime, balanceando manso

uma perna sobre a outra. Isso quando

não tinham frisa, segundas e quintas,

no Cine República.” (AVI, p. 59)

“Depois do almoço as crianças foram

na matinê do Royal. (...) E como são

juntinhas as cadeiras do Royal! (...)

O certo é que o corpo dela ultrapassa

as bordas da cadeira todo mundo se

queixa das cadeiras do Royal.” (AVI,

p. 69)

“De primeiro era o dia inteirinho na

rua, futebol, lições de inglês, de geo-

grafia, de não-sei-que-mais e nata-

ção, tarde com os camaradas e inda

por cima, depois da janta, cinema.”

(AVI, p.71)

“Quando ele sentiu sobre os cabelos

uma respiração quente de noroeste,

principiou a imaginar e criticar. Cri-

ticar é comparar. Que gosto que teri-

am esses beijos de cinema?” (AVI,

p.91)

“Laurita pensava que havia uma his-

tória triste. Fräulein com Carlos.

Talqual na fita de Glória Swanson.”

(AVI, p.137)

29BOLETIM � PGM 3 - CINEMA E LITERATURA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

“E se não quer gastar os cem, o cine-

ma AVENIDA cerra aos poucos os olhos

elétricos, gente que sai, gente na por-

ta, bulha de empregados apressados.”

(AVI, p.143)

“Na avenida Higienópolis o telefone-

ma avisou que ele almoçava com o

Roberto. Mais um companheiro se

juntava a eles. Passaram a tarde no

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

cinema.” (AVI, p.145)

Lição de Amor é a adaptação de

Eduardo Escorel, para o cinema (1976),

do livro de Mário de Andrade.

Podemos averiguar, a partir das ce-

nas iniciais do filme, como a linguagem

do cinema, na condução de Eduardo

Escorel, traduz esse romance que já em

sua raiz é cinema.

Quero me fixar no que estou cha-

mando de a poética de Fräulein (perso-

nagem essencial do livro e filme, vivida

pela atriz Lílian Lemertz), em grande

parte nascida do discurso indireto livre

presente no romance, e indagar de que

modo e com que recursos técnicos/

estilísticos o cinema a traduz, já que o

cinema optou por prescindir da podero-

sa voz narrativa literária e, conseqüen-

temente, de todos seus malabarismos

discursivos.

Algumas cenas6 iniciais marcam a

apresentação e chegada de Fräulein na

mansão. Tomando a parte inicial em que

Souza Costa contrata o trabalho de

Fräulein e sua chegada de táxi à man-

são, quero buscar nesses acontecimen-

tos a solução estética encontrada para

sua tradução ao cinema. E ainda inda-

gar que densidade ontológica de

Fräulein o cinema, com as soluções es-

téticas assumidas, torna visível.

Eduardo Escorel optou por ficar

rente aos fatos e imagens narrados no

texto, na produção do filme Lição de

Amor. O filme mantém-se obediente ao

texto. É difícil fugir de um texto em que

fatos e imagens estão lá, nítidos, ofere-

cendo-se a serem reproduzidos. A mai-

or parte das falas das personagens es-

tão no filme, tal qual estão no texto. Po-

rém, o filme terá de lidar com a ausên-

cia do narrador, figura expressiva e atu-

ante no romance que garante a densi-

dade dramático-poética da narrativa.

Uma opção do filme foi não sair das cer-

canias da mansão de Souza Costa, es-

paço fundamental da ação dramática,

6 V.Pudovkin distingue Cena de Seqüência: �O roteiro de filmagem completo é dividido em seqüências, cada seqüênciadividida em cenas e, finalmente, as cenas mesmas são construídas a partir de séries de planos, filmados de diversosângulos (...) esses pedaços ou planos, são trabalhados de maneira a dotar as cenas de uma ação que as interligue, ascenas separadas são agrupadas de forma a criar seqüências inteiras. A seqüência é construída (montada) a partir dascenas. Suponhamos que temos a tarefa de construir a seguinte seqüência: dois espiões se arrastam sorrateiramente emdireção a um paiol de pólvora, no intuito de explodi-lo; no caminho, um deles perde um papel com as instruções.Alguém acha o papel e avisa o guarda que chega a tempo de prender os espiões e evitar a explosão. Neste caso, oroteirista tem que lidar com a simultaneidade das várias ações acontecendo em lugares diferentes.� , em A Experiênciado Cinema (org. Ismail Xavier) - �Métodos de Tratamento do Material (Montagem estrutural), p.57/65.

30BOLETIM � PGM 3 - CINEMA E LITERATURA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

diferente do livro que fotografa cenas e

costumes do centro urbano paulistano.

Logo no início do filme, deparamo-

nos com uma câmera ou um foco com-

prometido, como se fizesse às vezes dos

olhos da personagem. O ponto de vista

assumido logo no início conduzirá o es-

pectador pelo resto do filme. Vejamos

como isso ocorre.

O filme abre-se com os primeiros

créditos, em fundo vermelho. Nessa tela

vermelha vemos o esboço, em linhas on-

duladas brancas, de um livro onde se lê:

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Lição de Amor

Adaptado do romance Amar,Verbo

Intransitivo

de Mário de Andrade

Roteiro: Eduardo Coutinho e Eduardo

Escorel

A imagem é mostrada em silêncio e dura

l5 segundos aproximadamente. A lição

de amor terá somada ao seu aprendiza-

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

do uma cor quente – a cor vermelha.

CORTE7

A primeira cena passa-se no quar-

to de pensão de Fräulein, com apenas

uma tomada de câmera. Iluminação dis-

creta, acentuando a modéstia das aco-

modações. São utilizados plano ameri-

cano e plano médio e a câmera movi-

menta-se seguindo o movimento dos

personagens. Souza Costa e Fräulein

dialogam sobre os acertos finais do con-

trato de trabalho de Fräulein. O quar-

to, embora pequeno, está muito bem

organizado. Fräulein veste um conjun-

to simples, blusa de manga longa, saia

e colete. O cabelo está preso. Seu ar é

profissional e suas falas são seguras e

decididas, revelando uma mulher que

não se intimida diante do homem e que

tem clareza quanto aos seus desejos, no

plano profissional. O diálogo é muito

próximo ao diálogo do livro e a cena dura

aproximadamente l minuto e 20 segun-

dos.

Os dois estão sentados junto à mesa,

finalizando o chá:

SC: Então, estamos entendidos, srta. Elga. São

oito contos pelo serviço. Pagos no final, quando

tudo estiver concluído.

F: Perfeitamente, Sr. Souza Costa.

Levantam-se e dirigem-se à porta e

no trajeto:

SC: Está frio!

FFFFF: Estes fins de inverno são perigosos em São

Paulo.

7 Corte=> passagem direta de uma cena para outra. Ver Doc Comparato, Da Criação ao Roteiro, p.276.

31BOLETIM � PGM 3 - CINEMA E LITERATURA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

Fräulein abre a porta do quarto. Sou-

za Costa estende a mão em despedida.

Antes de oferecer sua mão:

F: E... Senhor, sua esposa está avisada?

SC: Não, a srta. compreende... ela é mãe.

Esta nossa educação brasileira... Além do mais,

com três meninas em casa...

FFFFF: Peço-lhe que avise sua esposa, senhor. Não

posso compreender tantos mistérios.

SC: Mas, senhorita...

F:Desculpe insistir. Nãome agradaria ser tomada

por uma aventureira. Certamente não irei, se sua

esposa não souber o que vou fazer lá.

SC: Muito bem. Se é assim que a srta. deseja,

pode ficar tranqüila. Estaremos à sua espera,

senhorita.

Souza Costa sai, Fräulein fecha a

porta, encosta-se nela, com olhar alon-

gado e perdido, ouve-se, então, sua voz,

numa espécie de monólogo interior:

F:Mais oito contos. Se a situação na Alemanha

melhorasse... Mais um ou dois serviços e posso

partir. E casar. Ter uma casa sossegada. Um

rendimento certo.

Ao mesmo tempo em que se ouve o

pensamento de Fräulein, começa a cres-

cer um som musical que se funde ao seu

pensamento. A música tem uma estru-

tura melódica que aflora sentimentos

nostálgico-melancólicos. É somente or-

questrada com destaque ao som do pia-

no. Essa composição de Francis Hime

tornar-se-á uma espécie de tema de

Fräulein e será um centro de força na

criação da subjetividade da personagem,

construída pelo cinema. A música atra-

vessará as duas cenas seguintes, de for-

ma que o final da segunda cena coinci-

de com o final da música. Como se subs-

tituísse a voz narrativa, a música, além

de ligar as cenas, introduz com sua car-

ga dramática a personagem Fräulein.

(Quero chamar atenção para a atmosfe-

ra romântico-sentimental que a música

sugere, pois ela se fixará à imagem de

Fräulein.) Fräulein não é apenas uma

imagem visual, mas a imagem visual so-

mada a uma imagem auditiva.

CORTE

A próxima imagem retoma aquela

primeira – livro sobre fundo vermelho –

continuando a apresentação da equipe

de atores, de produção, de direção etc.

É uma imagem longa com 2 minutos e

10 segundos de duração. Durante essa

apresentação, a música que havia come-

çado baixa, na seqüência do quarto, jun-

to com o pensamento de Fräulein, as-

cende e atravessa toda essa tomada, con-

tinuando na cena seguinte, abrandan-

do, agora, sua altura de som. O especta-

dor, enquanto lê os créditos vai sendo

enredado nessa narrativa musical muda

de palavras.

32BOLETIM � PGM 3 - CINEMA E LITERATURA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

CORTE

A cena que se segue focaliza, em giro

de travelling-panorâmico lento

ascensional, o amplo espaço onde se lo-

caliza a grande casa branca dos Souza

Costa, plantada em meio a uma extensa

área verde, com grades e jardins. A cena

é externa e a luminosidade do dia opõe-

se àquela interna do quarto. Os olhos

do espectador movimentam-se nesse giro

panorâmico, são levados a apreciar a ma-

jestosa residência. Se o espectador tiver

retido na memória a fala de Souza Cos-

ta: “estaremos à sua espera senhorita”,

logo ligará a casa à figura masculina da

cena inicial. Se retomarmos as falas e

imagens da cena do quarto, veremos

como é rica em informações de apresen-

tação do quadro sócio-cultural-brasilei-

ro, no qual Fräulein fará intervenção. A

música, que tivera início há duas cenas

anteriores, invade também toda essa

cena, que dura aproximadamente 50

segundos.

CORTE

A cena seguinte mostra, em close-

up8 , uma outra Fräulein, agora elegan-

te, de chapéu negro, blusa branca de

gola alta, broche na gola, luvas, colete e

casaco negros, olhando obliquamente.

Uma luz suave e impressionista acentua

a atmosfera criada pelo olhar e trajes de

Fräulein. Diferente daquela do quarto de

pensão, vemos uma mulher que olha

com uma curiosidade suspensa no olhar.

Os últimos acordes da música encerram-

se sobre sua figura.

CORTE

Em plano geral e câmera alta, vemos

um carro parado em frente ao portão de

ferro, ouvimos o ruído do motor, indi-

cando o carro ligado, malas sobre o capô,

um empregado vindo apressado abrir o

portão. Sem que soubéssemos vimos

todo o giro em torno da mansão da cena

anterior, da perspectiva de Fräulein que,

de dentro do carro, observava o lugar

para onde estava indo. Será o seu olhar,

o seu ponto de vista, a sua subjetividade

que nos guiará até o final do filme. Sua

presença ativa orientará o desvenda-

mento dos outros personagens e o

surgimento da atmosfera sócio-cultural

em que vivem. E se a primeira cena em

que Fräulein faz o acordo de trabalho

com Souza Costa nos mostra a mulher

dividida entre o homem-da-vida e o ho-

mem-do-sonho — alemão — como faz o

romance, essa Fräulein de chapéu ne-

gro irá, no decorrer do filme, muito por

causa da música que a tematiza, recor-

8 �A figura humana é enquadrada de meio busto para cima.� Em A . Costa, Compreender o Cinema, p. 181.

33BOLETIM � PGM 3 - CINEMA E LITERATURA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

tando-se aos nossos olhos mais como

mulher-do-sonho, já delineada pelo

olhar da mulher que se encosta na por-

ta, quando Souza Costa sai, pela esco-

lha de seus trajes e seu jeito de olhar,

quando se apresenta na casa.

Uma mulher-imagem, mulher-som,

mulher-luz, irá se recortando ao espec-

tador. Quase uma realidade onírica. Ci-

nema. Mais audiovisual do que escrita.

Justa aos movimentos da criação cine-

matográfica. Fato revelador de que, em-

bora literatura e cinema construam sin-

taxes transitivas, cada linguagem sem-

pre traçará suas específicas rotas de cria-

ção artística.

Se o cinema está impregnado da li-

teratura, a literatura moderna sorve os

ritmos e modos do fazer cinematográfi-

co. Linguagens convergentes, cinema e

literatura são linguagens do nosso viver

urbano, contemporâneo, que se fixam em

nossa memória e nos educam cotidiana-

mente.

Obviamente, a arte literária narrati-

va com séculos de elaboração estilística,

constitui-se em uma referência ao ci-

nema. Interessante é notar o caminho

inverso: a estética do cinema, aos pou-

cos, invadindo e interagindo com a esté-

tica literária. Pasolini, autor de obras li-

terárias e cinematográficas, reconhece

em sua literatura, o modo de criação do

cinema: Minha paixão pelo cinema está

intimamente ligada à minha formação,

a tal ponto que, quando releio hoje cer-

tas obras literárias minhas, produzidas

bem antes de meu primeiro filme, elas

me parecem ter sido escritas com a des-

crição dos travellings, seqüências etc.

É preciso repetir que essas duas lin-

guagens da arte influenciam-se mutua-

mente e participam da educação do ho-

mem contemporâneo. Educação que se

processa de forma espontânea, natural

ou formalizada nas instituições educa-

cionais.

Educação espontânea, pois a litera-

tura e o cinema estão ao alcance de quem

estiver interessado em ler um livro ou

assistir a um filme dentro de casa ou nos

lugares que se freqüentam diariamente.

Um garoto de sete anos sabe ler um filme

através de sua montagem, nos diz

Marguerite. Duras. E se o livro supõe um

acesso a ele para que nos tornemos lei-

tores, o cinema requer uma prática para

que nos tornemos espectadores.

Educação formal, quando essas lin-

guagens, migradas para as instituições

educacionais, passam pelo crivo de uma

equipe ou de um professor que planeja

34BOLETIM � PGM 3 - CINEMA E LITERATURA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

uma metodologia de abordagem tanto a

um livro programado para leitura, quan-

to a um filme.

Walter Benjamin, já em 1931, diz

em sua Pequena História da Fotografia

que o analfabeto do futuro não será

aquele que não sabe escrever, e sim quem

não sabe fotografar, pois sejamos de di-

reita ou de esquerda, temos de nos habi-

tuar a ser vistos. Temos de nos educar a

ver os outros, em close-up, em plano ge-

ral, em câmera lenta e em tantas outras

técnicas de captação das imagens. Te-

mos de nos educar a ver a realidade

construída e mediada pelas tecnologias

de reprodução das imagens e dos sons.

Uma realidade montada de forma nada

inocente dentro dos estúdios do cinema

e da televisão.

Se a Escola já carrega uma tradição

de alfabetização da linguagem literária,

tem, agora, o desafio de alfabetizar-se e

alfabetizar na linguagem das imagens e

sons em movimento. Aprender a vê-las

demoradamente, quadro a quadro,

interagindo com sua sintaxe. Se nós

olhamos as imagens, elas também nos

observam e nos perguntam: “Trouxeste

a chave?”.

E, quando a Escola realiza um tra-

balho, conjugando harmoniosamente

a linguagem literária com as imagens

e sons em movimento do cinema, é o

aluno/leitor/espectador quem ganha.

Tanto o leitor-espectador de literatu-

ra poderá ver iluminadas e animadas

as cenas e imagens descritas no texto

escrito, quanto o espectador-leitor de

cinema poderá imaginar em palavras

as imagens e sons materializados na

tela.

Referências biblio-filmográficas:

Andrade, Mário de. Amar, Verbo Intransitivo,

BH/RJ, Villa Rica, 1995.

Costa, Antonio. Compreender o Cinema,

coleção dirigida por Umberto Eco, 2ª

ed., SP , Globo, 1989.

Comparato, Doc. Da Criação ao Roteiro, Lis-

boa, Editora Pergaminho, 1993.

Lição de Amor, direção de Eduardo

Escorel, baseado na obra de

Mário de Andrade, Amar, Verbo

Intransitivo, Brasil, 1976.

Xavier, Ismail (org.). A Experiência do Ci-

nema, Rio de Janeiro, Edições Graal:

Embrafilme, 1983.

35BOLETIM

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

PGM 4 � CINEMA NA ESCOLA

CINEMA NA ESCOLA: A VOCAÇÃO EDUCATIVA DOS FILMES

MARIALVA MONTEIRO1

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

“O ideal é que o cinema e o rádio fossem, no Brasil, escolas

dos que não têm escolas.”

(Roquette Pinto, 1936)

“A nossa televisão tem 50 anos de existência. Nesse tempo,

ela poderia ter alfabetizado todo o nosso povo, contado a nossa

história, criando um sentimento de nacionalidade.”

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

(Fernando Barbosa Lima, 2002)

Para se esboçar a história do Cinema

Educativo entre nós, é importante

remetermo-nos à Lei nº 378, que cria o

Instituto Nacional de Cinema Educativo,

que refere, na Seção III – Dos serviços re-

lativos à educação – item 2) Instituições

de educação escolar - Art. 40: “Fica creado

o Instituto Nacional de Cinema Educativo,

destinado a promover e orientar a utili-

zação da cinematographia, especialmen-

te como processo auxiliar do ensino, e

ainda como meio de educação popular em

geral”. Assinavam a lei o então Presiden-

te Getúlio Vargas e o Ministro da Educa-

ção e Saúde Gustavo Capanema, na data

de 13 de janeiro de 1937.

Neste mesmo ato, ficou “o Poder Exe-

cutivo autorizado a despender, no exer-

cício de 1937, com despesas de material

necessário ao Instituto Nacional de Ci-

nema Educativo a importância de qua-

trocentos mil reis (400:000$)”. É curioso

observar que, neste mesmo ano, a mes-

ma lei destinava às “despesas necessári-

as ao desenvolvimento do theatro nacio-

nal a quantia de seiscentos mil reis”!

No Brasil, o início do emprego do ci-

nema no ensino e na pesquisa científica

1 Coordenadora do Cineduc e do Projeto �A escola vai ao cinema�.

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pode ser datado de 1910, quando foi cri-

ada a Filmoteca do Museu Nacional. Em

1912, o professor Roquette Pinto trazia,

da atual Rondônia, os primeiros filmes

dos índios nambiquara. A partir de en-

tão, o cinema educativo começou a apa-

recer em diversos pontos do país.

Em 1933, foi criada, no então Distri-

to Federal, a Biblioteca Central de Edu-

cação, com uma Divisão de Cinema

Educativo, para fornecer filmes às esco-

las públicas do Rio de Janeiro.

É bom lembrar que a criação do

INCE, oficializada através da lei citada

anteriormente, deve-se à figura de

Roquette Pinto, que levou ao Ministério

de Educação e Saúde a exposição de

motivos para a criação do referido insti-

tuto, aprovada em 10 de março de 1936.

Competia ao INCE editar filmes

educativos populares (standard, 35mm)

e escolares (substandard, 16mm). Pará-

grafo único: Para desempenhar sua fi-

nalidade, o Instituto manterá uma

filmoteca; divulgará os filmes de sua pro-

priedade, cedendo-os por empréstimo ou

por troca às instituições culturais e de

ensino, oficiais e particulares, nacionais

e estrangeiras.

Como seu primeiro diretor, Roquette

Pinto dotou o INCE de uma filmoteca vol-

tada para a preservação dos filmes bra-

sileiros, e que já continha em seu acer-

vo, no ano de 1943, 587 filmes em 16 e

35mm em permanente contato com es-

colas (232 escolas registradas). Contan-

do com a colaboração do Instituto Nacio-

nal de Estudos Pedagógicos e das Se-

cretarias de Educação dos estados, um

prêmio, sugerido pelo diretor do INCE e

instituído pelo Ministro de Educação,

doava quatro filmes a toda escola que

possuísse um projetor sonoro de 16mm.

Foi Roquette Pinto que escolheu

Humberto Mauro para chefiar a seção

técnica do INCE. Nessa função,

Humberto Mauro realizou 230

documentários de curta-metragem.

Em 1966, criou-se o Instituto Nacio-

nal de Cinema – INC - que absorveu as

atribuições do INCE. Dentro do INC, ha-

via o Departamento do Filme Educativo

que, nos seus dez anos de existência,

apresentou algumas modificações. Nes-

sa época, foi instituída a compra de di-

reitos de contratipagem de produções in-

dependentes (20 filmes por ano), o que

dava ao INC o direito à distribuição de

várias cópias no circuito não comercial

de escolas e demais entidades.

Após a fusão do INC com a

Embrafilme, em 8 de fevereiro de 1976,

o cinema educativo ficou a cargo do De-

partamento de Filme Cultural – DFC -,

subordinado à Diretoria de Operações

não-Comerciais. Em 1978, o DFC pos-

suía um total de 721 títulos, tendo, às

vezes, até 5 cópias de cada um. De ja-

neiro a maio de 1978, o número de aten-

dimentos foi de 980, com 2.257 cópias

emprestadas.

Em 1990, o quadro que se apresen-

tava era bem diferente. Os custos para

produção, copiagem e distribuição pas-

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saram a ser alarmantes, o que fez mu-

dar os rumos da Diretoria de Operações

Comerciais da Embrafilme.

Paulatinamente, foram sendo

abolidas as exibições gratuitas, perma-

necendo apenas em casos de projetos

específicos pagos pelo agente patrocina-

dor do evento. O realizador passa a ser

o proprietário do seu filme, e a Embra-

filme a se ressarcir do investimento na

produção pela retenção prioritária das

rendas do filme.

Com a extinção da Embrafilme no

governo do então presidente Fernando

Collor de Mello, a produção de filmes, que

até então tinha um grande apoio do go-

verno, foi praticamente inviabilizada. A lei

de obrigatoriedade de projeção de um

curta-metragem antes do longa no cine-

ma deixa de existir, o que faz diminuir a

produção também daquele formato.

Entrei na Embrafilme em 1980, e

comecei a trabalhar na Assessoria Edu-

cacional ligada ao Departamento de As-

suntos Culturais. Desde 1970, já traba-

lhava no CINEDUC - Cinema e Educa-

ção - de onde me desliguei por não po-

der acumular as duas funções. O traba-

lho com as filmotecas regionais da

Embrafilme “fez a minha cabeça”. A

Embrafilme doou para vários estados um

acervo de filmes 16mm, formando

filmotecas regionais em universidades,

centros culturais etc. Para aproveitar a

minha experiência do CINEDUC, come-

cei a viajar para formar animadores cul-

turais nestes locais, levando-lhes técni-

cas e alguns elementos que os ajudas-

sem a utilizar os filmes recebidos. Os

filmes poderiam, então, ser usados para

discutir a realidade de suas regiões e os

problemas que os temas dos filmes sus-

citassem para um trabalho educacional

e cultural. Por outro lado, quando esta-

va no Rio, atendia às escolas que nos

procuravam para programar filmes liga-

dos a temas curriculares. Todos os em-

préstimos eram gratuitos. Cheguei a or-

ganizar um catálogo pedagógico com os

110 títulos mais adequados às temáticas

solicitadas. No mês de setembro, por

exemplo, sempre apareciam professo-

res querendo programar algo para o dia

7 - dia da Independência do Brasil. Tí-

nhamos apenas o episódio do filme In-

dependência ou Morte de Carlos

Coimbra, com Gloria Meneses e Tarcísio

Meira, considerado fraco pela crítica es-

pecializada. Era preciso “quebrar a ca-

beça” para descobrir outros filmes que

pudessem se adequar ao assunto. Pas-

sei a sugerir Mão Mãe, um desenho ani-

mado de Marcos Magalhães. O filme

mostra uma mão imensa diante de um

jovem que deve obedecer-lhe. Ela vai se

transformando: ora é a mão da autori-

dade paterna, ora é a da religião, ora é a

do Exército. Em resumo, o filme falava

de vários tipos de poder e de liberdade e

independência. Os professores ficaram

satisfeitos.

Foi aí que comecei a entender que

os filmes de ficção também poderiam ser

úteis e educativos, tanto quanto os “fil-

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mes educativos”, no sentido didático e

educacional.

Em 1990, defendi, na Fundação Ge-

tulio Vargas, a minha dissertação de

Mestrado.: “A recepção da mensagem

audiovisual pela criança”, na qual pro-

curei relatar minha experiência no

CINEDUC. Entrevistei 109 alunos de 1o

grau de escolas para pessoas de alta e

de baixa renda, pesquisando suas rea-

ções diante de dois filmes: um

documentário e um de ficção. Percebi

que a identificação com os filmes depen-

de, em grande parte, de valores indivi-

duais, da cultura, do meio, da história

de vida e das experiências e leituras dos

alunos/espectadores com os recursos

audiovisuais.

Era comum, na época em que reali-

zei a pesquisa, denominar-se “educativo”

somente o filme cuja temática se relaci-

onasse com conteúdos e habilidades

transmitidas pela escola, e era conside-

rado importante que ele tivesse inten-

ções formativas, didáticas. Era freqüen-

te, também, a utilização da nomencla-

tura de “filme educativo” para filmes

instrucionais, que objetivavam auxiliar

e/ou substituir total ou parcialmente a

função exercida pelo professor ou trei-

nador. Por tais motivos, não usei “filmes

educativos” na minha pesquisa. O filme

de ficção enfatiza a emoção. Ele conta

uma história, tem uma estrutura narra-

tiva e desenvolve uma ação.. As crianças

percebem um flash-back (volta ao pas-

sado), uma elipse, uma passagem de tem-

po mais complicada? Era isto que eu

queria pesquisar e entender.

Outra descoberta: embora a minha

preocupação se centrasse na capacida-

de de percepção da imagem, fui levada a

fazer uma comparação entre as respos-

tas dos alunos das diferentes escolas em

relação ao domínio do código lingüístico

(ou seja, da palavra).

Depois de fazer uma reflexão mais

demorada sobre o material recolhido em

todas as respostas escritas pelos alunos,

percebi que existia uma estreita relação

entre o código linguístico e o icônico. Os

padrões ambientais e educacionais po-

dem favorecer, ou não, a assimilação do

código icônico?

A questão da competência icônica ou

lingüística parece estar diretamente li-

gada às oportunidades ambientais e cul-

turais que o aluno recebe. É a educado-

ra Ana Maria Poppovic quem explica: “A

falta de diversidade e de quantidade de

simples objetos domésticos com conteúdo

de significação para a criança, aliada

à impossibilidade de um treinamento in-

dividual, impede as oportunidades de

manipulação e organização das propri-

edades visuais do meio ambiente e, as-

sim, prejudica o desenvolvimento da per-

cepção e discriminação visuais, que, por

sua vez, vão dar bases para funções –

como relacionamento figura-fundo e or-

ganização espacial – necessárias para

a aprendizagem da leitura e da escrita.”

(Ana Maria Poppovic. “Atitude e cognição

do marginalizado cultural” – Comunica-

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ção feita aos voluntários do Movimento

de Promoção Humana. Mimeo. São Pau-

lo, 1972).2

Em minha pesquisa, o elemento de

avaliação utilizado para as respostas dos

alunos, foi o código lingüístico. Posteri-

ormente, refletindo sobre isto, tenho

uma questão: este elemento de avalia-

ção pode ter prejudicado a pesquisa?

Verificamos, é certo, uma dificuldade em

traduzir em palavras o sentimento e a

reação diante da película. No filme

Meow, de Marcos Magalhães, essa difi-

culdade se verificou na insuficiência de

dados na descrição da roupa dos dois

donos do gato, na caracterização da gata,

na especificação do cenário onde se pas-

sa a história. No filme documentário, a

carência de informações culturais pode

ter prejudicado o reconhecimento de al-

guns animais da floresta, como a capivara

(confundida com um urso), Se, por um

lado, a pouca capacidade na utilização

do código escrito oferece uma barreira

na comunicação, as frases analisadas,

embora insuficientes em quantidade,

mostram um vocabulário rico de signifi-

cações do cotidiano das crianças. A aná-

lise das frases mostrou ainda a capaci-

dade criativa para a invenção de novas

palavras como o termo fiumista para de-

signar o cineasta. E frases elucidativas,

como a do aluno que respondeu à per-

gunta “Por que o gato vai assistir à TV?” ,

escrevendo: “para se distrair um pouco

e ver se passa a fome”.

Ao iniciar a pesquisa para a disser-

tação, imaginava o cinema e a lingua-

gem audiovisual como grandes auxilia-

res da aprendizagem pela facilidade de

absorção de sua linguagem pelos espec-

tadores, em contraposição à linguagem

escrita, que exigia um aprendizado es-

pecial.

Ao terminar a pesquisa, tive de reco-

nhecer o meu equívoco e concordar com

o professor Sergio Guimarães (1984), que

explica muito bem essa questão no livro

Sobre Educação (Diálogos), quando dia-

loga com o educador Paulo Freire sobre

a relação entre os ensinamentos da es-

cola e os dos meios de comunicação. Diz

ele: “À primeira vista, a impressão que

se tem é a de que , com relação à ima-

gem, não haveria problema nenhum,

porque, sendo parecida com o real, ela

não teria propriamente um código; a lin-

guagem visual não demandaria, de

quem fosse ler imagens, aprendizagem

nenhuma, enquanto a leitura da pala-

2 Nesta pesquisa, Ana Maria Poppovic analisa a questão da memória, ressaltando a importância da quantidade e daqualidade de informações verbais recebidas pela criança, por parte do adulto. A autora assinala que, em geral, ascrianças das classes menos favorecidas têm um enfoque muito mais voltado para o presente, sentindo dificuldade emrelacionar seqüências passado-presente. Se isto realmente se dá, a recepção cinematográfica, que tem na memória umdos elementos facilitadores, ficará enormemente prejudicada. As questões relativas à noção de tempo são necessáriasao entendimento da montagem na construção de uma frase cinematográfica e a toda a pontuação da narrativa damensagem audiovisual.

40BOLETIM � PGM 4- CINEMA NA ESCOLA

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CINEMA E ESCOLA

vra exigiria todo um processo de alfabe-

tização.” Em seguida, o prof. Sérgio con-

clui o contrário: que a leitura de um fil-

me ou de um programa de televisão im-

plica um necessário entendimento das

pessoas sobre a maneira como se relaci-

onam as imagens. E conclui: “Ora, não

é natural que qualquer pessoa de qual-

quer cultura entenda logo de cara a foto-

grafia aumentada do real”.

Uma alfabetização audiovisual faz-se

necessária, mas ela não pode estar afas-

tada de uma cuidadosa atenção quanto

ao contexto cultural do receptor e suas

próprias necessidades e desejos. Embo-

ra o aprendizado seja uma meta funda-

mental, é preciso ter presente que a

criança não é uma folha em branco. Ela

possui uma história de vida que deve ser

levada em conta.

Por outro lado, imagens diversas de-

vem enriquecer e colorir o imaginário da

criança. Para enfrentar o “He-Man”, a

imagem do Saci, com sua astúcia e sa-

bedoria, pode ser um bom contraponto.

Hoje, restabelecida a produção do

cinema nacional, em parte graças à Lei

de Incentivos Fiscais (Lei Rouanet, de

1991), trabalho no projeto A ESCOLA VAI

AO CINEMA, que tem me ajudado a co-

laborar com a exibição de filmes brasi-

leiros, como contraponto às exibições de

filmes americanos oferecidas pela TV.

Com isso, questões como identificação,

empatia, projeção e rejeição podem ser

agora melhor analisadas e aprofundadas

do que na época da dissertação.

A minha experiência com a assesso-

ria pedagógica ao projeto A ESCOLA VAI

AO CINEMA, desenvolvido pela Riofilme

e pelas Secretarias das Culturas e de

Educação do Município do Rio de Janei-

ro, tem me ajudado a ver a importância

do oferecimento da diversidade de ima-

gens para o aluno. O projeto só exibe

filmes brasileiros. São mais de 20 filmes

desde 1996 até agora.

Trabalhamos só com as escolas mu-

nicipais de 1ª a 8ª séries do Ensino Fun-

damental, procurando atingir a todas as

regiões. A partir do ano 2000, nos con-

centramos mais nas Zonas Norte e Oes-

te pela maior necessidade de lazer cul-

tural destas regiões.

Em muitas escolas, verificamos que

vários alunos nunca tinham ido ao cine-

ma. Isto satisfaz uma das finalidades do

projeto que é levar os alunos à sala de

cinema, oferecendo o prazer que este ato

proporciona - e não levar o filme à sala

de aula.

Os alunos estão muito mais habitu-

ados a ver televisão do que a ir ao cine-

ma. “O cinema é uma TV de 200 polega-

das.” – diz Airton, aluno da 1ª série de

uma Escola Municipal da Zona Oeste do

Rio de Janeiro.

A dinâmica do projeto pretende cri-

ar o hábito de freqüentar o cinema. Nada

substitui a sensação da sala escura. e o

poder de concentração que ela oferece

diante da imagem. Mas o referencial do

aluno continua sendo o da TV. Ele con-

funde muitas vezes o projetor cinemato-

41BOLETIM � PGM 4- CINEMA NA ESCOLA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

gráfico com o aparelho de TV. Ele mistu-

ra as palavras filmar com gravar. Ele

chama a filmagem de filmação e o fotó-

grafo de filmador. Ele tem dificuldade

de entender como se processa o movi-

mento no cinema, pois o máximo que

ele conhece é uma fita de vídeo que pode

ser alugado numa locadora – uma caixa

que contém uma fita toda preta, onde

não dá para ver os fotogramas como num

pedaço de filme.

Quais elementos da linguagem cine-

matográfica são melhor assimilados e

quais os que dificultam a compreensão?

Por que alguns filmes agradam mais?

É na segunda fase da dinâmica do

projeto – a ida à escola (depois da exibi-

ção do filme, a Secretaria de Educação

seleciona algumas escolas que deverão

ser visitadas pela equipe do CINEDUC) –

que tais perguntas podem ser respondi-

das, cumprindo o objetivo principal do

projeto: a formação de platéia. O conta-

to com o aluno, com suas opiniões, re-

jeições e adesões a algumas cenas dos

filmes enriquece a nossa atividade no

projeto, ajudando-nos a identificar quais

os filmes preferidos e quais os que não

são bem aceitos.

As questões relacionadas aos ele-

mentos estruturais da linguagem cine-

matográfica, como a montagem, os

enquadramentos, a fotografia, o roteiro

são explicadas neste momento a partir

das cenas do filme visto. No diálogo es-

tabelecido com os alunos, percebe-se,

por exemplo, que uma montagem mais

elaborada, com alguns flash-back (volta

ao passado) ou elipses no tempo narra-

tivo dificultam a compreensão. Por ou-

tro lado, os atores conhecidos das tele-

novelas facilitam a identificação dos per-

sonagens e a maior adesão ao filme. As

histórias de príncipes e princesas onde

os “mocinhos” terminam ricos e felizes

são sempre bem aceitas.

O ideal é que esses resultados obti-

dos pela relação produção – recepção sir-

vam de subsídios para a escolha de no-

vos filmes a serem usados no projeto,

bem como a realização de novas produ-

ções. Uma nova política de incentivos à

indústria cinematográfica brasileira vol-

tada para o público em idade escolar se

faz necessária no sentido de ampliar o

oferecimento de opções de filmes de boa

qualidade adequados ao público infanto-

juvenil.

Bibliografia comentada

Gutierrez, Francisco. Linguagem Total, uma

pedagogia dos meios de comunicação.

São Paulo,Summus Editorial, 1978.

Comentário: este é um livro mais

antigo, porém fundamental, pois foi

Gutierrez quem primeiro entendeu

que os métodos tradicionais de ensi-

no não atendiam às formas

massificantes e atraentes oferecidas

pelos meios de comunicação.

Barbero, Jesus-Martin. Dos Meios às Me-

diações. Rio de Janeiro, Editora

UFRJ, 1997.

Comentário: Conheci os textos do

Barbero nas entrevistas que deu na

42BOLETIM � PGM 4- CINEMA NA ESCOLA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

revista da FASE. Finalmente chegou

seu livro ao Brasil. Ele é fundamen-

tal, porque fala das mediações, e do

receptor latino-americano. Não trata

só de comunicação, mas de antropo-

logia, sociologia, política e sociologia.

Machado, Arlindo. Máquina e Imaginário.

São Paulo, Ed. da Universidade de

São Paulo (Edusp), 1996.

Arlindo Machado fala de produção de

arte e novas tecnologias. Isto signifi-

ca uma decadência da arte? Para ele,

não. E explica: o problema é a ques-

tão da liberdade na sociedade

informatizada.

Amorim Garcia, Claudia e outros (Cole-

ção Escola de Professores). Infância,

Cinema e Sociedade. Rio de Janeiro,

Ravil, 1997.

Comentário: é um livro interessan-

te, porque reúne professores e cine-

astas. Traz o resumo de um ciclo de

debates sobre alguns filmes e ques-

tões da infância e adolescência.

Freire, Paulo e Guimarães, Sérgio. Sobre

Educação (Diálogos)- vol. 2. Rio de

Janeiro, Ed Paz e Terra, 1984.

Comentário: é um livro gostoso de ler,

porque usa a forma de diálogo. Paulo

Freire e Sergio Guimarães discutem

assuntos importantes da educação,

inclusive o uso dos meios de comu-

nicação na sala de aula.

Berger, John. Modos de ver. São Paulo,

Livraria Martins Fontes, 1987.

Comentário: gosto muito deste livro.

Li primeiro em inglês e fiquei feliz

quando apareceu traduzido no Bra-

sil. Frase que sempre repito e copio

do livro: “A vista chega antes das pala-

vras. A criança olha e vê antes de fa-

lar”. É sobre a percepção visual.

Kauamura, Lili. Novas Tecnologias e Edu-

cação. São Paulo, Ed Ática, 1990.

Comentário: é um livro pequeno (79

páginas), mas resume algumas polí-

ticas governamentais de educação

diante da indústria cultural, que na

realidade não funcionam.

Santaella, Lucia e Winfried, Nöth. Ima-

gem - Cognição, Semiótica, mídia. São

Paulo, Ed. Iluminuras, 1997.

Comentário: é um livro mais comple-

xo. Mas vale para aprofundar algu-

mas questões.

Barbosa, Ana Mae. A Imagem no ensino da

arte. São Paulo, Ed Perspectiva, 1994.

Comentário: é sempre bom ler o que

a Ana Mae escreve. Ela não trata do

cinema, mas da arte em geral. Sua

metodologia triangular para leitura

da obra de arte deve ser conhecida

por todos os professores.

Ferrés, Joan. Televisão e Educação. Porto

Alegre, Ed. Artes Médicas, !996.

___________. Vídeo e Educação. Porto Ale-

gre, Ed. Artes Médicas, 1996.

Comentário: dois livros fundamentais.

Ferrés escreve de maneira simples e

levanta questões válidas. Sugere ati-

vidades práticas para quem trabalha

com vídeo e televisão na sala de aula.

Virilio, Paul. A Máquina de Visão. Rio de

Janeiro, Ed. José Olympio, 1994.

Comentário: a “máquina de visão” é

o nosso olho ou a câmera? É disto

que trata o livro. Paul Virilio é muito

citado pelos teóricos de nossa era da

informática.

43BOLETIM � PGM 4- CINEMA NA ESCOLA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

Moran, José Manuel. Como ver Televisão.

Ed Paulinas, 1991.

Comentário: não é um livro teórico.

Traz alguns exercícios práticos que

podem ajudar o professor que traba-

lha com os meios de comunicação.

Azzi, Riolando. Cinema e Educação. vol 1 e

2 – Ed Paulinas, 1996.

Comentário: é uma orientação para

o uso de alguns filmes já disponíveis

em vídeo. Tem de tudo: desde filmes

bem comerciais como Alien, o oitavo

passageiro até filmes mais “cabeça”

como Lanternas Vermelhas.

Aumont, Jacques. A Imagem. Campinas,

Ed Papirus, 1993.

Comentário: o livro trata de questões

bastante importantes, como a relação

do espectador com a imagem, como a

imagem representa o mundo real, etc

Baudrillard, Jean. Tela Total, Mito- Ironias

da Era do Virtual e da Imagem. Porto

Alegre, Ed. Sulina, 1997.

Comentário: coletânea de textos publi-

cados pelo autor em jornal sobre ques-

tões importantes ligadas ao mundo

moderno e à comunicação de massa.

Babin, Pierre. A Era da Comunicação. São

Paulo, Ed. Paulinas, 1989.

Comentário: Pierre Babin é um pa-

dre que há muito tempo mantém cur-

sos para quem se preocupa com os

meios de comunicação e valores hu-

manos.

44BOLETIM

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

PGM 5 � ESCOLA NO CINEMA

A CONSTRUÇÃO ESTÉTICO-CULTURAL DE UM ESPAÇO

LAURA MARIA COUTINHO1

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

“As primeiras lembranças da vida são lembranças visuais. A vida,

na lembrança, torna-se um filme mudo. Todos nós temos na

mente a imagem que é a primeira, ou uma das primeiras, da

nossa vida. Essa imagem é um signo, e, para sermos mais exa-

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

tos, um signo lingüístico, comunica ou expressa alguma coisa2.”

Assim como a primeira imagem da

vida, a que se refere Pasolini na epígrafe

acima, cada um de nós traz consigo a

imagem da sua primeira escola ou ain-

da a primeira imagem de uma escola,

ainda que esta nem tenha sido a nossa.

O primeiro professor, ou professora –

geralmente as mulheres atuam mais

nesses anos iniciais de escolarização –,

também compõe nosso banco pessoal de

imagens escolares ou não. Os primeiros

colegas... a turma, a fotografia da turma

– quando isso fosse possível. Todas es-

sas imagens ensinam e conformam a

idéia que vamos ter dos lugares sociais

por onde transitamos. É assim com a

escola, a família, o trabalho, a cidade, os

hospitais, os hospícios, as prisões...

O que faz o cinema, então? Cria ima-

gens que são, ao mesmo tempo que as

vemos como reais, expressão de coisas e

pessoas com as quais convivemos em

nossas lembranças. E as lembranças têm

origem em muitos lugares e situações:

1 Professora da Faculdade de Educação da UnB. Consultora desta série. Participaram de uma discussão na disciplina�Imagem e educação�, de onde se originou este texto, os professores Maria Madalena Torres, Cristiane Terraza, NeusaDeconto, Paula Miranda, Mário Maciel-Marel.

2 Pasolini, Pier Paolo. �Gennariello: a linguagem pedagógica das coisas� em: Os jovens infelizes: antologia de ensaioscorsários. São Paulo: Brasiliense, 1990, p. 125.

45BOLETIM � PGM 5 - ESCOLA NO CINEMA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

nas histórias que ouvimos em casa, nas

experiências pessoais de cada um, na

televisão, nos filmes. Também por isso

gosto da idéia de que o cinema é uma

arte da memória3. As cenas que vemos

estampadas nas telas não dizem somente

daquelas personagens cuja história se

desenvolve à nossa frente, no tempo que

durar a projeção, mas remetem a todas

as outras histórias e personagens que

habitam as nossas lembranças. O cine-

ma, com alguns dos seus filmes, nos faz

até mesmo sentir saudade de lugares

aonde nunca pisamos e de pessoas com

as quais jamais estivemos. E o faz em

realidade e ficção.

No cinema, são os ambientes que

(re)-conhecemos claramente que suge-

rem ações, comportamentos, atitudes

que podem, além de nos fazer olhar para

o filme, olhar também para os lugares

onde vivemos e, igualmente, para a vida

que levamos em casa, na cidade, na es-

cola. Disse (re)-conhecemos, porque

embora possamos estar vendo os luga-

res ficcionados que o cinema apresenta,

pela primeira vez, os mecanismos de

construção da linguagem cinematográ-

fica ativam as lembranças e assim, ve-

mos as imagens na tela não somente com

o que objetivamente nos mostram, mas

também em reminiscências. Por meio da

linguagem do cinema, é possível ver tudo

o que as imagens nos sugerem. No mo-

mento da projeção, acontece sempre um

jogo entre a objetividade das imagens e

a subjetividade das lembranças de cada

um dos espectadores.

Por isso o cinema na escola pode ser

tão rico. Mais do que os conteúdos que

cada filme possa trazer, a presença do

cinema na escola pode se constituir em

momentos de reflexão que transcendam

os próprios filmes e incluam o olhar de

cada um à narrativa que o diretor pro-

pôs e nos ofereceu, em imagens e sons.

Quando vamos ao cinema, às salas es-

curas de projeção, ao final, as imagens,

as histórias, os personagens nos acom-

panham, solitárias, para além do filme,

às vezes, para sempre. Na escola, quan-

do o filme termina, é possível conversar

sobre ele e construir uma outra história

ou quantas histórias cada pessoa que viu

quiser acrescentar.

São muitas as razões que justificam

o cinema na escola. A sala de aula não é

uma sala de cinema. Talvez por isso

mesmo possa se constituir em um outro

ambiente, que não é nem um nem ou-

tro, nem a simples soma dos dois. Pode

se transformar em algo novo, tão ou mais

rico em possibilidades expressivas e re-

flexivas: os filmes, na escola, são

projetados em telas de tevê e o

videocassete proporciona outras formas

de ver. Pode-se parar o filme, voltar a fita,

ver novamente. Acontece uma outra re-

3 Ver Almeida, Milton José de. Cinema � arte da memória. Campinas: Autores Associados, 1999.

46BOLETIM � PGM 5 - ESCOLA NO CINEMA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

lação com os filmes que, no cinema, uma

vez iniciados, seguem certo percurso es-

paço-temporal sem ser interrompido.

Ainda que o espectador possa levantar e

sair da sala, o filme prossegue, a menos

que falte luz. É bom lembrar, portanto,

que estamos falando de linguagens que

dependem de energia elétrica.

Professores e alunos podem utilizar

filmes por muitos motivos: para enrique-

cer o conteúdo das matérias, para intro-

duzir novas linguagens à experiência

escolar, para motivar os alunos para cer-

to tipo de aprendizagem, para o desem-

penho de determinada função, para en-

tretenimento. Não que o cinema chegue

na escola sem conflitos. Talvez o cinema

na escola deva mesmo se constituir em

oportunidades para a explicitação dos

conflitos com os quais a escola e a edu-

cação têm de lidar.

Milton José de Almeida diz que “o

filme é produzido dentro de um projeto

artístico, cultural e de mercado – um

objeto da cultura para ser consumido

dentro da liberdade maior ou menor do

mercado. Porém, quando é apresentado

na escola, a primeira pergunta que se

faz é: ‘adequado para que série, que dis-

ciplina, que idade etc.?’ Às vezes ouvi-

mos dizer que um filme não pode ser

passado para a 6ª série, por exemplo, e

no entanto ele é assistido em casa pelo

alunos, juntamente com seus pais.(...)

[A escola] está presa àquela pergunta

sobre a adequação, à idéia de fases, ao

currículo, ao programa. Parece que a es-

cola está em constante desatualização,

que é sublinhada pela separação entre

a cultura e a educação. A cultura locali-

zada num saber-fazer e a escola num

saber-usar, e nesse saber-usar restrito

desqualifica-se o educador, que vai ser

sempre um instrumentista desatualiza-

do.”4 Entendo a provocação proposta por

Milton Almeida como um desafio a to-

dos os educadores que estão nas esco-

las e encontram nos filmes e na lingua-

gem cinematográfica uma forma de ver

o mundo em seus múltiplos cenários.

Um dos múltiplos cenários que o ci-

nema contempla é a própria escola. Inú-

meros filmes tratam dela. Assim, direta ou

indiretamente, os filmes nos ajudam a

construir nossa imagem de escola, de pro-

fessores, de alunos e, até mesmo, da for-

ma como a educação escolarizada se inse-

re ou deve se inserir na sociedade. Convi-

do, então, a uma breve reflexão sobre como

a escola é vista pelo cinema, ou como al-

guns filmes tratam as relações que ocor-

rem nesse espaço social. Os personagens

que por ali transitam, os papéis que de-

sempenham, as tramas, os desafios, os

conflitos. Penso que a filmografia que tem

a escola como cenário principal da narra-

tiva não é tão extensa quanto a que tem

como cenário as prisões, por exemplo. Tal-

4 Almeida, Milton José de. Imagens e sons: a nova cultura oral. São Paulo: Cortez, 1994, p.8.

47BOLETIM � PGM 5 - ESCOLA NO CINEMA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

vez porque para haver um filme é preciso

algum tipo de conflito e os conflitos, nas

prisões, são mais evidentes do que nas

escolas, têm mais impacto visual. É bom

lembrar que estamos falando de filmes de

ficção e não de documentários.

Os campeões de audiência, ou os

sucessos de bilheteria, nas escolas, são

os filmes que tratam de situações esco-

lares-educacionais, ou de outras que

acontecem dentro delas, ou, ainda, que

têm as escolas como referência, pano de

fundo. Penso que o que professores e

alunos buscam, ao levar esses filmes

para a escola, são as situações exempla-

res que o cinema tão bem retrata. Não

quero aqui restringir o que chamo de

exemplar, a simples exemplo a ser se-

guido. Talvez fosse melhor dizer mode-

lar, como alguma coisa que pode confor-

mar a nossa imaginação e a nossa me-

mória e, até mesmo, a nossa maneira de

perceber o mundo e a sociedade que nos

cerca. Encontrei em muitos escritos, fil-

mes, programas de tevê, uma idéia so-

bre isso e que pode ser traduzida mais

ou menos assim: toda imaginação é uma

espécie de memória5.

Assim retorno ao que já expus no

início do texto: a linguagem cinemato-

gráfica, os filmes que vemos – na escola

ou fora dela –, as situações que imagi-

namos depois dos filmes, irão compor,

em estética e magia, a memória de cada

um. A idéia que cada um de nós tem de

escola transita, em realidade e ficção,

pelas imagens reais das escolas onde

estivemos e imagens ficcionais que co-

nhecemos através do cinema, da televi-

são. Recorremos às nossas lembranças,

sejam elas boas ou ruins, sempre que

queremos imaginar, projetar, criar algu-

ma coisa nova. Ensinar e aprender são

atos de criação; recorrer aos filmes pode

ser apenas parte desse esforço criativo.

O mundo visto pelo cinema tem ma-

tizes próprios, embora os filmes retra-

tem a vida como ela é, cheia de contra-

dições, as histórias apontam para a

transformação, a mudança. Talvez por-

que a escola seja mesmo um ambiente

propício às mudanças ou porque o filme

não se concretizaria sem que cumprisse

a sua estrutura narrativa: apresentação,

desenvolvimento, conflito, clímax, desen-

lace. “A narrativa parece ser o modo mais

simples e eficaz de nosso conhecimen-

to, o modo pelo qual apresentamos o

mundo e os homens de forma que, por

um momento, sejam inteligíveis para nós

mesmos. Conhecer pode ser apenas isto:

contar uma história onde o espaço e o

tempo do mundo se conjugam na suces-

são linear dos acontecimentos.”6

5 Esta frase encontrei no livro de Shirley Maclaine, (Dançando na luz, Rio de Janeiro: Record, 1987, p. 37.) que, talveznão por acaso, é atriz e roteirista, embora esse livro não trate de cinema.

6 Lázaro, André. Cultura e emoção: sentimento, sonho e realidade. In: Rocha, Everardo. (org.) Cultura & Imaginário. Riode Janeiro: Maud, 1998, p.151.

48BOLETIM � PGM 5 - ESCOLA NO CINEMA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

Muitas das escolas que conhecemos

nos filmes trazem a marca da sociedade

americana. Somos alfabetizados

audiovisualmente pelo cinema feito nos

Estados Unidos. Gosto da idéia de que o

cinema americano é o maior do mundo

porque retrata uma sociedade que acre-

dita no milagre. Talvez por isso mesmo

tenha se apropriado, como nenhuma

outra, da linguagem cinematográfica e

feito dela uma de suas mais poderosas

indústrias. Pequenos milagres se reali-

zam a cada filme. Como a redenção da

escola pobre, de bairro mais pobre ain-

da, no filme “Meu mestre, minha vida”

do diretor John G. Avildsen. Lá os alu-

nos estavam reféns de traficantes, vân-

dalos e toda sorte de bandidos e, pela

intervenção de um novo diretor com mé-

todos nada convencionais de ensinar e

administrar uma instituição escolar, con-

seguem vencer o exame estadual em tem-

po recorde.

Lembro que este filme deixa claro o

fato de basear-se em uma história real.

Uma vez mais realidade e ficção se fun-

dem para realizar o milagre de uma so-

ciedade estratificada, hierarquizada,

legalista, centrada no esforço individual

e na vida comunitária, qual seja, formar

vencedores. E o que é ser um vencedor?

A resposta a essa pergunta podemos

encontrar em quase todas a imagens do

filme, mas sobretudo num dos discur-

sos do diretor a seus alunos: precisamos

mudar esta escola, pois vocês estão mui-

to longe do sonho americano que vemos

na tevê. Mas uma vez vemos as narrati-

vas audiovisuais – do cinema e da televi-

são – constituindo a vida de uma nação,

ou pelo menos o seu imaginário.

São muitas as histórias que envol-

vem a escola que o cinema retrata, pos-

so citar algumas: A corrente do bem; Mr.

Holland, adorável professor; Conrak;

Sociedade dos poetas mortos, Perfume

de mulher (EUA), Adeus, meninos (Fran-

ça). Assistimos a histórias completa-

mente possíveis, não há nelas nenhum

efeito especial de linguagem. Os pro-

fessores sobretudo, os diretores, os alu-

nos, pais cumprem a sua função e seu

papel. Ora estão mais próximos do he-

rói redentor, ora do bandido mais pro-

saico. A magia do cinema ali, é o pró-

prio cinema, com a sua linguagem que

se expressa por meio da realidade, mes-

mo sendo ficção. Procurando os filmes

brasileiros que passam em escola, en-

contrei poucos. É bom lembrar que a

nossa filmografia não é mesmo muito

extensa por muitos motivos que não ca-

bem neste escrito. E escrevendo este

texto fiquei pensando que, talvez, dife-

rente dos americanos, sejamos um povo

que não acredita no milagre, mas na

vida como ela é. Talvez por isso não es-

tejamos cuidando o bastante do nosso

ensino público e tenhamos deixado o

cinema para os americanos e para al-

guns poucos obstinados conterrâneos

que, além de acreditar no milagre do

cinema, acreditam também neste país.

Para encerrar esta nossa reflexão,

49BOLETIM � PGM 5 - ESCOLA NO CINEMA

D I Á L O G O S

CINEMA E ESCOLA

recorro a Jean-Claude Carrière7 quan-

do diz que a nação que não produzir suas

próprias imagens está fadada a desapa-

recer. Por isso penso no cinema que vem

de países que se dão a conhecer por seus

filmes de forma completamente diversa

da que vemos nos noticiários da tevê. A

tevê nos revela imagens construídas por

um olhar estrangeiro. Os filmes por um

olhar próprio. São assim os filmes Os fi-

lhos do paraíso e Gabet; ambos tratam

com delicadeza e poesia situações esco-

lares. Muito diferentes do que vemos no

cinema americano, embora a educação

para todos os povos se constitua em um

processo de transformação. Talvez não

seja exagero dizer, e se o for, deixo como

forma de provocar o debate, que a nação

que não recorrer às suas próprias ima-

gens para educar suas crianças e seus

jovens estará fadada a desaparecer du-

plamente. Mas como lembra Manoel de

Barros, “o mundo não foi feito em alfa-

beto” e também não em linguagens

audiovisuais. Talvez possamos reunir to-

das as linguagens e construir, como ain-

da diz o poeta “uma didática da inven-

ção”8.

Bibliografia

Coutinho, Evaldo. A imagem autônoma: en-

saio de teoria do cinema. Recife: UFP/

Editora Universitária, 1972.

Lebel, Jean-Patrik. Cinema e ideologia. São

Paulo: Mandacaru, 1989.

Lugar Comum – Estudos de mídia, cultu-

ra e democracia. Núcleo de Estudos

e Projetos em Comunicação da Esco-

la de Comunicação da UFRJ, nº 9-10

set. 1999 abr. 2000.

Miguel, Antonio e Zamboni, Ernesta (org.)

Representações do espaço:

multidisciplinaridade na educação.

Campinas: Autores Associados, 1996.

Rocha, Everardo. (org.) Cultura & Imaginá-

rio: interpretação de filmes e pesquisa

de idéias. Rio de Janeiro: Mauad,

1998.

7 Roteirista e escritor. Presidente da FEMIS, escola francesa de cinema, autor do livro A linguagem secreta do cinema. Riode Janeiro: Nova Fronteira, 1995.

8 O livro das ignorãças. Rio de Janeiro: Record, 1998.

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Presidente da RepúblicaFernando Henrique Cardoso

Ministro da EducaçãoPaulo Renato Souza

Secretário de Educação a DistânciaPedro Paulo Poppovic

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MECSecretaria de Educação a Distância

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Diretora do Departamento dePolítica de Educação a DistânciaCarmen Moreira de Castro Neves

Coordenadora-Geral dePlanejamento eDesenvolvimento de Educação aDistânciaTânia Maria Magalhães Castro

Diretor de Produção eDivulgaçãode Programas EducativosAntonio Augusto Silva

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