outubro/ 2011 – edição nº3, ano i boletim ... · seguida pelo descarte inadequado de material...

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OUTUBRO/ 2011 – Edição nº3, ano I BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO ACIDENTES DE TRABALHO COM EXPOSIÇÃO POTENCIAL A MATERIAL BIOLÓGICO INFORME DO CENTRO COLABORADOR UFBA/ISC/PISAT – MS/DSAST/CGSAT Em 2004, o Brasil divulgou recomendações para o atendimento e acompanhamento de acidentes de trabalho com exposição potencial à material biológico, AT-Bio, pelo Ministério da Saúde. Mais tarde, a Portaria GM/MS 777/2004 definiu que esses agravos fossem notificados no Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan), empregando-se ficha própria para notificação e investigação epidemiológica. Nesta publicação apresentam-se as estimativas do coeficiente de incidência (CI) dos AT-Bio no Brasil, 1 ACIDENTES DE TRABALHO COM EXPOSIÇÃO POTENCIAL A MATERIAL BIOLÓGICO ENTRE TRABALHADORES DA SAÚDE NO BRASIL, 2007- 2010 Em 2007 foram notificados, no Sinan, 15.735 casos de AT-Bio. Esse número duplicou em 2010, chegando a 32.734 casos, o que representou aumento de 108,0% no número de notificações, em apenas três anos, no País. Isso pode ser resultado do processo ainda em implantação da notificação dos agravos relacionados ao trabalho no Sinan. O número de casos de AT-Bio foi maior entre as mulheres, que representou, em 2007, 11.794 casos, e em 2010, 24.540 (aumento de 108,1%). Para os homens houve 3.445 casos notificados em 2007, e 6.850 em 2010, representando um aumento de 93,0%. AS NOTIFICAÇÕES DE ACIDENTE DE TRABALHO COM EXPOSIÇÃO POTENCIAL A MATERIAL BIOLÓGICO ESTÃO SE ELEVANDO e as características dos casos notificados no Sinan de 2007 a 2010. Os coeficientes de incidência foram calculados dividindo-se o número de casos pelo número de trabalhadores da saúde, obtido no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, CNES, divulgado no “Cadernos de Informações de Saúde” (tabnet.datasus.gov.br/tabdata/cadernos/ca dernosmap.htm). Excluíram-se os casos com profissionais que não eram da saúde.

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Page 1: OUTUBRO/ 2011 – Edição nº3, ano I BOLETIM ... · seguida pelo descarte inadequado de material ... Infelizmente o cuidado às vítimas de AT-Bio precisa ainda ser ... preconizada

OUTUBRO/ 2011 – Edição nº3, ano I

BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO ACIDENTES DE TRABALHO COM EXPOSIÇÃO POTENCIAL A

MATERIAL BIOLÓGICO

INFORME DO CENTRO COLABORADOR UFBA/ISC/PISAT – MS/DSAST/CGSAT

Em 2004, o Brasil divulgou recomendações para o atendimento e acompanhamento de acidentes de trabalho com exposição potencial à material biológico, AT-Bio, pelo Ministério da Saúde. Mais tarde, a Portaria GM/MS 777/2004 definiu que esses agravos fossem notificados no Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan), empregando-se ficha própria para notificação e investigação epidemiológica. Nesta publicação apresentam-se as estimativas do coeficiente de incidência (CI) dos AT-Bio no Brasil,

1

ACIDENTES DE TRABALHO COM EXPOSIÇÃO POTENCIAL A MATERIAL

BIOLÓGICO ENTRE TRABALHADORES DA SAÚDE NO BRASIL, 2007- 2010

Em 2007 foram notificados, no Sinan, 15.735 casos de AT-Bio. Esse número duplicou em 2010, chegando a 32.734 casos, o que representou aumento de 108,0% no número de notificações, em apenas três anos, no País. Isso pode ser resultado do processo ainda em implantação da notificação dos agravos relacionados ao trabalho no Sinan. O número de casos de AT-Bio foi maior entre as mulheres, que representou, em 2007, 11.794 casos, e em 2010, 24.540 (aumento de 108,1%). Para os homens houve 3.445 casos notificados em 2007, e 6.850 em 2010, representando um aumento de 93,0%.

AS NOTIFICAÇÕES DE ACIDENTE DE TRABALHO COM EXPOSIÇÃO

POTENCIAL A MATERIAL BIOLÓGICO ESTÃO SE ELEVANDO

e as características dos casos notificados no Sinan de 2007 a 2010. Os coeficientes de incidência foram calculados dividindo-se o número de casos pelo número de trabalhadores da saúde, obtido no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, CNES, divulgado no “Cadernos de Informações de Saúde” (tabnet.datasus.gov.br/tabdata/cadernos/cadernosmap.htm). Excluíram-se os casos com profissionais que não eram da saúde.

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Na Figura 1, observa-se que o coeficiente de incidência de AT-Bio aumentou 53,5% entre 2007 e 2010, passando de 10,8 /1.000 profissionais de saúde a 16,6 /1.000 em 2010. Nesse mesmo período, o coeficiente de incidência anual de AT-Bio passou de 14,9 para 23,1 /1.000 profissionais de saúde

MULHERES TÊM MAIOR RISCO DE SOFRER AT-BIO DO QUE OS

HOMENS

Figura 1- Coeficiente de incidência de acidente de trabalho com exposição potencial a material biológico (/1.000 profissionais de saúde), por sexo. Brasil, 2007- 2010.

O ESTADO DE ALAGOAS APRESENTOU O MAIOR RISCO DE AT-BIO DO PAÍS

Fonte: Sinan/MS, 2007-2010 (atualizado em 24/09/2011) Cadernos de Saúde, MS, 2009.

Ao observar a Figura 2, nota-se que há grande variação do coeficiente de incidência de AT-Bio no território nacional. O risco de AT-Bio foi maior no estado de Alagoas (34,13 /1.000 profissionais de saúde) e menor no Amazonas (0,78 /1.000) em 2010. Na região Norte, o estado com maior risco foi Tocantis, enquanto na Centro-Oeste foi Goiás, no Sul o Paraná, e no Sudeste, São Paulo.

Figura 2 - Coeficiente de Incidência anual (/1.000 profissionais de saúde) de acidente de trabalho com exposição potencial a material biológico, por Unidade Federada, 2010.

Fonte: Sinan/MS, 2007-2010 (atualizado em 24/09/2011) Cadernos de Saúde, 2009.

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do sexo feminino. Portanto o crescimento entre as mulheres foi maior (55,2%) do que entre os profissionais de saúde do sexo masculino (48,3%). Razões para essas diferenças precisam ser identificadas por estudos específicos, porque os dados disponíveis são limitados.

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O campo relativo à informação sobre a “circunstância de ocorrência” dos AT-Bio ainda é pouco preenchido na ficha Sinan. No período de 2007-2010, das 96.113 notificações, apenas 44,97% apresentavam este campo preenchido. Por conseguinte, os casos com dados ignorados foram excluídos da análise. A principal causa de AT-Bio (Figura 3) entre as mulheres fo i o descar te inadequado de mate r ia l

DESCARTE INADEQUADO DE MATERIAL PÉRFURO-

CORTANTE FOI A PRINCIPAL CAUSA

Figura 3 - Principais circunstâncias de acidentes de trabalho com exposição potencial a material biológico, excluindo-se os ignorados. Brasil, 2007-2010.

A distribuição dos AT-Bio notificados mostra

q u e n ã o h o u v e a l t e r a ç õ e s r e l e v a n t e s n a s p r o p o r ç õ e s d e c a s o s d e a c o r d o com variáveis sócio-demográficas e ocupacionais ao longo dos anos do estudo. Dentre os casos notificados, houve maior freqüência de pessoas do sexo feminino, na faixa-etária de 20-29 anos, que referiram ter a cor da pele branca, e tinham escolaridade até o ensino médio completo.

Fonte: Sinan/MS, 2007-2010 (atualizado em 24/09/2011).

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pérfuro-cortante na bancada, leito hospitalar, dentre outros (19,94%). Em seguida situou-se a administração de medicação endovenosa (18,99%). Entre os homens, a principal causa foi o descarte de material pérfuro-cortante em sacos de lixo (32,61%) seguida pelo descarte inadequado de material pérfuro-cortante em bancada, leitos hospitalares, dentre outros (17,79%).

Aproximadamente 10% dos casos ocorreram entre trabalhadores informais, sem registro em carteira do contrato de trabalho. Apenas para 50% houve a emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho, CAT (Tabela 1). Em relação às condições de ocorrência de AT-Bio, a via percutânea esteve envolvida na maioria dos eventos notificados, apresentando pouca variação no período investigado, 82,0% em 2007 para 80,6% em 2010.

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Variáveis

Ano calendário

2007

2010

N=15.240

100,0%

N=31.392

100,0%

Sexo

Masculino

3.445

22,6

6.850

21,8

Feminino

11.794

77,4

24.540

78,2

Faixa-etária (anos)

10-19

346

2,3

606

2,0

20-29

6.354

41,9

12.577

40,3

30-39

4.509

29,8

9.803

31,4

40-49

2.720

17,9

5.577

17,9

>59

1.224

8,1

2.609

8,4

Cor da pele

Branca 9.137 62,5 18.905 61,6 Preta

710

4,8

1.738

5,7

Amarela

137

1,0

298

0,9

Parda

2.399

16,4

7.303

23,8

Indígena

47

0,3

56

0,2

Ignorada

2.198

15,0

2.399

7,8

Escolaridade

Analfabeto

13

0,1

29

0,1

Até fundamental comp.

1.566

13,3

2.324

9,2

Até ensino médio comp.

6.456

54,6

13.961

55,2

Até superior comp.

3.785

32,0

8.963

35,5

Informal

1.259

9,5

2.821

10,2

CAT emitida

7.302

48,5

14.958

47,7

Variáveis

Ano Calendário

2007

2008

2009

2010

N

%

N

%

N

%

N

%

Condições do acidente

Percutâneo

11.647

82,0

18.462

82,3

21.768

81,3

24.170

80,6

Contato com mucosa oral/ocular

1.320

10,7

2.273

11,6

2.897

12,0

3.202

11,9

Contato com pele íntegra

3.157

25,6

4.991

25,5

6.438

26,7

7.868

29,0

Contato com pele não íntegra

484

4,0

717

3,7

949

4,0

1.240

4,7

Outros

172

1,5

263

1,4

338

1,5

309

1,3Agente do acidente

Agulhas 10.211

72,7

16.156

73,5

18.931

72,7

21.901

73,7

Intracat

124

0,9

179

0,8

232

0,9

259

0,9

Vidro

227

1,6

264

1,2

307

1,2

340

1,1

Lâmina/lanceta

1.067

7,6

1.540

7,0

1.890

7,3

2.041

6,9

Outros

2.418

17,2

3.845

17,5

4.683

17,9

5.179

17,4

Resultado do Teste para HepB no dia do acidente

Positivo

4.760

46,2

7.283

43,9

8.602

49,8

9.703

45,2

Negativo 2.805 27,2 4.080 24,6 4.828 27,9 5.645 26,3

Inconclusivo 217 2,1 510 3,1 379 2,2 422 1,9

Não realizou 2.526 24,5 4.722 28,4 3.462 20,1 5.715 26,6

Resultado do Teste para HIV no dia do acidente Positivo

61

0,6

109

0,6

118

0,6

144

0,6

Negativo

9.289

86,6

14.149

82,4

16.794

84,5

19.099

84,7

Inconclusivo

146

1,4

423

2,5

268

1,3

306

1,4

Não realizou

1.230

11,4

2.490

14,5

2.695

13,6

3.003

13,3

Situação vacinal contra HepB (3doses)

Sim 11.748

80,8

18.640

81,1

22.525

83,0

25.705

84,4

Não

1.776

12,2

2.818

12,3

2.839

10,5

2.919

9,6

Ignorado

1.018

7,0

1.525

6,7

1.782

6,5

1.846

6,0

Tabela 1- Distribuição dos acidentes de trabalho com exposição à material biológico notificados no Sinan. Brasil, 2007-2010.

Fonte: Sinan,/MS (atualizado em 13/04/2011).Totais diferem devido a dados faltantes.

O contato com pele íntegra representou 25,6% dos AT-Bio, em 2007, aumentando para 29,0% em 2010 (Tabela 2). Ao se avaliar condição de ocorrência, o manejo de agulhas representou a maior proporção, variando de 72,7% em 2007 para 73,7% em 2010.

Dentre as respostas dadas ao problema, destacam-se os testes realizados para detecção de Hepatite B e HIV, que contemplaram a maioria dos casos notificados. Resultados positivos de Hepatite B foram encontrados em 46,2% dos testes realizados no ano de 2007. A proporção de soropositivos para o HIV manteve-se em torno de 0,6%, constante no período investigado. Infelizmente o cuidado às vítimas de AT-Bio precisa ainda ser melhorado.

O teste para Hepatite B não foi realizado em quase ¼ dos casos em 2007 (24,5%), elevando-se discretamente para 26,6% em 2010 o que revela uma piora desse cuidado. Para o teste do HIV a situação ainda é menos favorável. A não realização de testes variou de 11,4% em 2007 para 13,3% em 2010, tendência também preocupante. Como medida profilática, a vacinação contra Hepatite B (3 doses) foi registrada na ficha de notificação na maioria dos casos de AT-Bio (Tabela 2).

Tabela 2 - Distribuição dos casos de acidentes de trabalho com exposição potencial a material biológico por características. Brasil, 2007-2010.

Fonte: Sinan/MS, 2007-2010 (atualizado em 24/09/2011).Totais diferem devido a dados faltantes. 4

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Centro Colaborador em Vigilância dos Acidentes de Trabalho.

Instituto de Saúde Coletiva, Campus Universitário do Canela, Rua Augusto Vianna s/n, Salvador Bahia, 40110-060. Fone: 71-3336-0034.

Universidade Federal da Bahia, Instituto de Saúde Coletiva, Programa Integrado em Saúde Ambiental e do Trabalhador.

Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Diretoria de Saúde Ambiental e do Trabalhador, Coordenação Geral em Saúde do Trabalhador.

Apesar das fragilidades percebidas na qualidade dos

registros desse importante sistema de informações em saúde do trabalhador, e fonte singular para o monitoramento e a vigilância dos AT-Bio é possível observar que ainda se encontra em implantação essas notificações. Como a notificação é realizada pelo próprio profissional de saúde, vítimas mais comuns desses acidentes, espera-se que além de se conscientizarem da importância do registro, mobilizem-se para que o cuidado previsto nos protocolos possa ser viabilizado em todos os casos. Ademais, além da notificação é necessário realizar esforços para que se reduzam os casos, também adotando-se as boas práticas já consensuadas constantes dos protocolos respectivos.

Tendo em vista a possibilidade de prevenção desses eventos, deve-se destacar o avanço conquistado pela Norma Regulamentadora (NR-32) que trata da segurança e saúde no trabalho em serviços de saúde, preconizada pela Portaria n.° 485, de 11 de novembro de 2005 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Esta norma identifica e classifica as formas de agentes biológicos, além de indicar diretrizes para implementação de medidas de proteção e segurança para os serviços de saúde.

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Esta NR passou por modificações, e em novembro de 2008, através da Portaria nº 939 do MTE, foi estabelecida a substituição dos materiais pérfuro-cortantes por outros dispositivos de segurança, além da capacitação dos trabalhadores da saúde para uso destes dispositivos substitutivos. O Sistema de Atenção à Saúde do Servidor (SIASS) em implantação, também poderá no futuro ser um espaço privilegiado para efetiva proteção dos servidores federais engajados nas ações de saúde. Vale notar que a existência da NR-32 ou SIASS, por si não é suficiente para a prevenção. Para a eficiência das ações preventivas se faz necessária uma mudança de atitude tanto dos servidores da saúde quanto dos gestores dos serviços. A conscientização dos riscos iminentes, o compromisso com um processo de trabalho seguro e decente que leve em consideração a capacitação técnica e investimento em tecnologias funcionais para segurança ocupacional tornam-se um desafio para melhoria do padrão de vida e saúde dos trabalhadores da saúde.