oswaldo giacoia júnior - notas sobre direito, violência e sacrifício

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Notas sobre direito, violência e sacrifício Oswaldo Giacoia Junior Unicamp [email protected] resumo O artigo pretende investigar o papel fundamental da violência na genealogia das instituições sociais e suas conseqüências, visando refletir sobre problemas cardeais da filosofia política contemporânea, como por exemplo, a fundação e a justificação do poder de comando, contrato social, estado democrático de direito, controle constitucional, esta- do de exceção e a possibilidade de compreensão de políticas que não se referem ao Estado. palavras-chave Soberania; violência; constituição; lei; exceção O último capítulo de Profanações se abre com uma referência aos antigos juristas italianos, que sabiam perfeitamente o significado do verbo profa- nar. “Sagradas ou religiosas eram coisas que de algum modo pertenciam aos deuses. Como tais elas eram subtraídas ao livre uso e comércio dos homens, não podiam ser vendidas nem dadas como fiança, nem cedidas em usufruto ou gravadas de servidão. Sacrílego era todo ato que violasse ou transgredisse esta sua especial indisponibilidade, que as reservava exclusivamente aos deuses celestes (nesse caso eram denominadas propria- mente ‘religiosas’). E se consagrar (sacrare) era o termo que designava a saída das coisas da esfera do direito humano, profanar, por sua vez, signifi- cava restituí-las ao livre uso dos homens.” (AGAMBEN, 2007, p. 65) De um ponto de vista estritamente jurídico, profanar tinha, para os antigos jurisconsultos romanos, o sentido de reverter uma sacratio, devol- vendo ao ‘livre’ uso dos homens o que anteriormente fora religiosamente consagrado. Correlativamente,‘puro’ poderia significar, por exemplo, um 33 doispontos, Curitiba, São Carlos, vol. 5, n. 2, p.33-47, outubro, 2008

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Oswaldo Giacoia Júnior - Notas Sobre Direito, Violência e Sacrifício

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  • Notas sobre direito, violncia e sacrifcio

    Oswaldo Giacoia [email protected]

    resumo O artigo pretende investigar o papel fundamental da violncia na genealogia das

    instituies sociais e suas conseqncias, visando refletir sobre problemas cardeais da

    filosofia poltica contempornea, como por exemplo, a fundao e a justificao do poder

    de comando, contrato social, estado democrtico de direito, controle constitucional, esta-

    do de exceo e a possibilidade de compreenso de polticas que no se referem ao Estado.

    palavras-chave Soberania; violncia; constituio; lei; exceo

    O ltimo captulo de Profanaes se abre com uma referncia aos antigosjuristas italianos, que sabiam perfeitamente o significado do verbo profa-nar.Sagradas ou religiosas eram coisas que de algum modo pertenciamaos deuses. Como tais elas eram subtradas ao livre uso e comrcio doshomens, no podiam ser vendidas nem dadas como fiana, nem cedidasem usufruto ou gravadas de servido. Sacrlego era todo ato que violasseou transgredisse esta sua especial indisponibilidade, que as reservavaexclusivamente aos deuses celestes (nesse caso eram denominadas propria-mente religiosas). E se consagrar (sacrare) era o termo que designava asada das coisas da esfera do direito humano, profanar, por sua vez, signifi-cava restitu-las ao livre uso dos homens. (AGAMBEN, 2007, p. 65)

    De um ponto de vista estritamente jurdico, profanar tinha, para osantigos jurisconsultos romanos, o sentido de reverter uma sacratio, devol-vendo ao livre uso dos homens o que anteriormente fora religiosamenteconsagrado. Correlativamente,puro poderia significar, por exemplo, um

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  • lugar que havia sido desvinculado da sua destinao aos deuses dosmortos e j no era nem sagrado, nem santo, nem religioso, libertado detodos os nomes desse gnero. (AGAMBEN, 2007, p. 65) Profanadoremete, assim como puro, ao que restitudo a um novo uso humano, doqual havia sido separado por consagrao. Nessa especfica acepo,purono remete a uma primeira natureza impoluta, nem a uma destinaooriginria desvirtuada, mas a uma relao peculiar entre utilizao eprofanao, de tal modo que possibilidade do uso , nesse sentido, umadimenso a que s se pode ter acesso de modo justamente no-natural,ou seja, atravs de um ato humano de profanao.

    Se sacrare remete etimologicamente a separao, consagrar significasubtrair, juridicamente (por direito humano ou divino), ao livre uso ecomrcio. Apoiado nessas razes, Agamben sustenta sua primeira vistadesconcertante interpretao religio como derivando no de religare, daligao e aproximao entre as esferas do humano e do divino, mas derelegere, indicando precisamente o contrrio ou seja, a distncia, oescrpulo, a observncia de formas e frmulas.

    Religio no o que une os homens e deuses, mas aquilo que cuidapara que se mantenham distintos. Por isso, religio no se opem acredulidade e a indiferena com relao ao divino, mas a negligncia,uma atitude livre e distrada ou seja, desvinculada da religio dasnormas diante das coisas e do seu uso, diante das formas da separaoe do seu significado. Em contraposio a isso,profanar significa abrira possibilidade de uma forma especial de negligncia, que ignora aseparao, ou melhor, faz dela um uso particular. (AGAMBEN, 2007,p. 66)

    Ora, sacrare, tornar religiosamente sagrado, realiza-se por meio, ou instru-mentalidade de uma operao ritual sempre minuciosamente estabeleci-da em seus procedimentos o sacrifcio. Entre consagrao e sacrifciosubsiste um vnculo antropologicamente indissolvel: o rito sacrificial, ouseja, o conjunto de procedimentos cultuais diferenciados de acordo coma variedade das culturas, atravs dos quais opera-se a passagem da esferado humano para a do divino, do profano para o sagrado, sendo o sacrif-cio o limiar entre essas distintas esferas; a zona de transitus que a vtimadeve necessariamente percorrer para que se opere a separao religiosa.

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  • nessa perspectiva que pretendo tratar criticamente o direito numhorizonte formado pela constelao entre sacralidade, profanao e uso,da qual no se pode separar o elemento violncia. Como evidente, anoo intuitiva de uso remete relao instrumental ou meditica; afinal,usar significa dispor de meios pretensamente adequados para alcanarmetas ou finalidades desejadas. Se pensarmos o direito nessas coorde-nadas, o jurdico seria determinado principalmente como medium. Basi-camente, o direito meio tanto para a realizao da justia, para o esta-belecimento da paz, para delimitar e promover a organizao institucionalda sociedade poltica, pela via da constituio (jurdica). Como direitodivino, ele tambm o meio de assegurar a separao (violenta) entre asesferas do religioso e do profano.

    Em outras palavras, o direito seria sempre o medium adequado paraassegurar eficazmente uma separao e, nessa funo de meio operadorda separao, ele conserva um trao essencialmente religioso. Pode-sedefinir como religio aquilo que subtrai coisas, lugares, animais ou pessoasao uso comum e as transfere para uma esfera separada. No s no hreligio sem separao, como toda separao contm ou conserva em sium ncleo genuinamente religioso. O dispositivo que regula a separao o sacrifcio. (AGAMBEN, 2007, p. 65 e ss)

    O que pretendo sugerir com isso tambm, e sobretudo, uma inter-pretao rigorosamente sacrificial do direito, como dispositivo que operae assegura as separaes que efetuam e constituem um dominium origi-nrio a esfera sagrada do poltico. Sendo assim, h um elo indissocivelentre a sacralidade do poltico e instrumentalidade sacrificial do jurdico,sendo o direito o meio pelo qual se constitui o espao poltico, separadocomo um mbito prprio da existncia humana, no natural, propria-mente cultural.

    Ora, se podemos entender, nesse sentido, sacrificialmente o direito,ento podemos tambm estender ao jurdico a vinculao indissolvelque une o sacrifcio, o sagrado e a violncia, pois como uma constanteantropolgica todo transitus sacrificial inteiramente pervadido, desdeas origens mticas, pela violncia. A esse respeito, pertinente a obser-vao de Ren Girard:Em numerosos rituais, o sacrifcio apresenta-sede duas maneiras opostas: ou como algo muito sagrado, do qual noseria possvel abster-se sem negligncia grave, ou, ao contrrio, como uma

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  • espcie de crime, impossvel de ser cometido sem expor-se a riscos igual-mente graves. criminoso matar a vtima, pois ela sagrada ... Mas a vti-ma no seria sagrada se no fosse morta. Existe aqui um crculo que rece-ber um pouco mais tarde, conservando-o at hoje, o sonoro nome deambivalncia. (GIRARD, 1990, p.13)

    O direito promove e garante, de acordo com a interpretao que orase prope, a instituio dessa esfera ambivalente para a qual transitamsacrificialmente os sditos sob a insgnia do soberano, transio que nopode ser pensada seno por meio da institucionalizao da violncia.Nesse sentido, instituio do dispositivo jurdico cumpriria a mesmafuno arcaica do sacrifcio, ou seja, a neutralizao eficaz da violncia.

    No final das contas, o sistema judicirio e o sacrifcio tm a mesmafuno, mas o sistema judicirio infinitamente mais eficaz. S podeexistir se associado a um poder poltico realmente forte. Comoqualquer outro progresso tcnico, ele constitui uma arma de doisgumes, servindo tanto opresso quanto libertao. sob esteaspecto que ele se mostra aos primitivos que, neste ponto, tm semdvida um olhar bem mais objetivo que o nosso. Por mais imponenteque seja, o aparelho que dissimula a identidade real entre a violnciailegal e a violncia legal sempre acaba por perder seu verniz, por sefender e finalmente por desmoronar.A verdade subjacente aflora e areciprocidade das represlias ressurge, no apenas de forma terica,como uma verdade simplesmente intelectual que se mostraria aoseruditos, mas como uma realidade sinistra, um crculo vicioso do qual sepensava ter escapado, e que reafirma seu poder. (GIRARD, 1990, p. 37)

    Esse vnculo ancestral entre violncia, sacrifcio e direito abre um campofecundo de indagao, no interior do qual pretendo refletir sobre areleitura feita por Agamben do mito fundador da soberania, que refazinteiramente a interpretao hegemnica, na filosofia poltica e do direi-to, do clssico mitologema hobbesiano do contrato originrio. Nessecontexto, adquire especial relevncia e fecundidade, para a reflexo atual,a retomada crtica da relao entre a teologia e a poltica, das razesteolgicas da filosofia poltica, tal como foram problematizadas, entreoutros, por Kelsen, Schmitt e Benjamin, e que Agamben revisita. Paratanto, Agamben re-atualiza a erudio jurdica, levando a efeito um

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  • escrupuloso estudo das fontes, de que testemunha sua re-leitura doestatuto da proscrio no direito germnico arcaico, feita por Rudolphvon Jhering (alis, talvez seguindo uma pista genealgica primeiramenteencontrvel em Nietzsche).Von Jhering a vincula sacratio no direitoantigo direito romano, de modo a associar o sacer romano e o friedlosgermnico, ambos condenados a viver em estado de proscrio religiosae civil, excludos da comunidade humana e sujeitos vingana divina.

    O ancestral do sacer romano, o banido era um inimigo da paz, um sernocivo a quem se arremessava da comunidade dos homens s bestasferas, podendo julgar-se feliz se se encontrava com algum que noconsiderasse, como ato meritrio, tirar-lhe a vida (VON JHERING,1942, p. 201 e ss). Ser sacer significava estar proscrito tanto da comunidadereligiosa como da civil, razo pela qual sua morte nem poderia serconsiderada expiao ou sacrifcio, portanto nem como parte legtima doculto ritual (o que o situaria no mbito sagrado do direito divino), nemdo direito penal, na medida em que poderia ser morto pelo primeiro queassim o decidisse, sem que isso tipificasse homicdio.

    O perfeito carter da pena sacer esse indica que no nasceu no slo deuma rdem jurdica regulada, mas remonta ao perodo da vida pr-social, como um fragmento da vida primitiva dos povos indo-germnicos. No indagaremos si a palavra grega enchges1 tem algumaanalogia com esse estado; mas a antigidade germnica escandinavamostra, sem dvida alguma, que o banido, ou forasteiro, irmo dohomo sacer (warges, varg, lobo; e no sentido religioso, lobo santo, varg iveum). Esta semelhana histrica, que at aqui no foi feita porningum, que saibamos, de um valor inestimvel para a compreensoexata do sacer romano. opinio generalizada que ningum seconvertia em sacer por conseqncia imediata do delito, e sim por umacondenao, ou pelo menos, que se comprovasse o facto Isso prova,com efeito, que o que se considerava como impossvel para aantiguidade romana, isto , o homicdio do proscrito sem razo e semdireito, foi de indiscutvel realidade na antiguidade germnica. (VONJHERING, 1942, p. 203)

    O Bann (bando) resulta, pois, de uma transposio da matriz jurdico-obrigacional do dbito e do crdito, ampliando, aprofundando e

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  • desenvolvendo o sentimento primitivo de justia como equivalncia.O significado da palavra remete a bandido, mas tambm a banido excludo do mesmo modo que, em alemo, os termos Bande e Banndesignam tanto a expulso da comunidade quanto a insgnia de gover-no do soberano.Tal como se encontra explicitamente mencionado naobra Rudolph von Jhering O Esprito do Direito Romano, o termo Bannguarda relao com a sacratio romana arcaica, designando o fora da lei,proscrito e banido da proteo do ordenamento primitivo, que,enquanto tal, poderia ser morto independentemente de um juzo efora do direito.

    A figura do banido era, na antiguidade germnica, o Friedlos, o sempaz, teria seu fundamento na paz (Fried) assegurada na comunidade, daqual a proscrio o exclua. Tratava-se, pois, de um caso de exclusoincludente, ao qual o ordenamento jurdico se aplica integralmente, pormeio de sua prpria suspenso a instituio do bando mantm oproscrito capturado fora do ordenamento, na medida em que a aplicao(incidncia) da deciso soberana consiste precisamente na excluso esuspenso da lei e da paz, fazendo coincidir, num mesmo ato, suspenso(excluso) e aplicao (incluso). A mesma paradoxia se encontrapresente no termo Ausschliessung (afastamento, excluso, incluso),formado a partir de aus (ex) e schliessen (fechar, trancar, encerrar) eAusnehmen-Ausnahme (ex-capere).

    Se a nossa hiptese est correta, a sacralidade , sobretudo, a formaoriginria da implicao da vida nua na ordem jurdico-poltica, e osintagma homo sacer nomeia algo como a relao poltica originria, ouseja, a vida enquanto, na incluso exclusiva, serve como referente deciso soberana. Sacra a vida apenas na medida em que est presa deciso soberana, e ter tomado um fenmeno jurdico-poltico (ainsacrificvel matabilidade do homo sacer) por um fenmenogenuinamente religioso a raiz dos equvocos que marcaram no nossotempo tanto os estudos sobre sacro como aqueles sobre a soberania.Sacer esto no uma frmula de maldio religiosa, que sanciona ocarter unheimlich, isto , simultaneamente augusto e abjeto, de algo: ela, ao contrrio, a formulao poltica original da imposio do vnculosoberano. (AGAMBEN, 2002, p. 92 e ss)

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  • Vemos, portanto, que na esfera do direito que se opera a incluso davida nua na esfera da eminentemente jurdico-poltica da deciso sobera-na:A violncia soberana no , na verdade, fundada sobre um pacto, massobre a incluso exclusiva da vida nua no Estado. E como o referenteprimeiro e imediato do poder soberano , neste sentido, aquela vidamatvel e insacrificvel que tem no homo sacer o seu paradigma, assimtambm, na pessoa do soberano, o lobisomem, o homem lobo dohomem, habita estavelmente na cidade. (AGAMBEN, 2002, p. 113)Interpretar o ato poltico originrio como contrato social, e no comoexceptio e Bann constitui o equvoco que impede pensar uma polticaemancipada de sua relao com o Estado, ou seja, com a soberania jurdi-co-poltica tradicional.

    nesse sentido que se pode plausivelmente reportar tanto o direitopenal quanto o fenmeno jurdico em seu conjunto, ao mbito religiosodo sacrifcio ritual, de modo que o homo sacer adquire a significao desacralizao da vida, como uma figura de separao e seqestro da vida nocampo de deciso da soberania, conservando a memria da excluso-includente que constitui assim a dimenso originria da poltica. Oespao poltico da soberania ter-se-ia constitudo, portanto, atravs deuma dupla exceo, como uma excrescncia do profano no religioso e doreligioso no profano, que configura uma zona de indiferena entre sacri-fcio e homicdio. Soberana a esfera na qual se pode matar sem cometerhomicdio e sem celebrar sacrifcio, e sacra, isto , matvel e insacrificvel, a vidaque foi capturada nesta esfera. (AGAMBEN, 2002, p. 90 e ss)

    Essa crtica radical da modernidade poltica, que opera por umretorno reflexivo s origens mticas do direito, transforma em alvo privi-legiado de seus ataques a hiptese da origem contratual da sociedade e doEstado como se sabe um dos cones da moderna racionalidade poltica denunciando operao ideolgica de racionalizao que consiste emdescrever a gnese do espao poltico a partir do mitologema do contra-to, por encobrimento de sua dimenso religioso-sacrificial.

    preciso dispensar sem reservas todas as representaes do atopoltico originrio como um contrato ou conveno, que assinalaria demodo pontual e definido a passagem da natureza ao Estado. Existeaqui, ao invs, uma bem mais complexa zona de indiscernibilidadeentre nmos e physis, na qual o liame estatal, tendo a forma do bando,

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  • tambm desde sempre no estatalidade e pseudo-natureza, e a naturezaapresenta-se desde sempre como nmos e estado de exceo.(AGAMBEN, 2002, p. 116 e ss)

    Desse modo, a violncia do estado de natureza nunca um estgio supe-rado, uma ameaa removida nos primridos da vida poltica: antes pelocontrrio, ela constitutiva da polis como seu princpio interno, de modoque se mantm presente como possibilidade permanente da decisosoberana sobre o estado de exceo: somente sob esta luz que omitologema hobbesiano do estado de natureza adquire seu sentidoprprio. Como vimos que o estado de natureza no uma poca real,cronologicamente anterior fundao da Cidade, mas um princpiointerno desta, que aparece no momento em que se considera a Cidadetanquam dissoluta (portanto, algo como um estado de exceo), assim,quando Hobbes funda a soberania atravs da remisso ao homo hominislupus, no lobo necessrio saber distinguir o eco do wargus e do caputlupinum das leis de Eduardo o Confessor: no simplesmente besta feranatural, mas, sobretudo zona de indistino entre humano e ferino, lobi-somem, homem que se transforma em lobo e lobo que torna-se homem:vale dizer, banido, homo sacer. (AGAMBEN, 2002, p. 112)

    Nesse horizonte, gostaria de situar a preocupao medular de Agam-ben, particularmente em Homo Sacer I e no Estado de Exceo: pensar apoltica em novos quadros conceituais, separ-la de sua vinculaosempiterna com o Estado e com o Direito. Para diz-lo em outrostermos, a preocupao se volta para uma liberao da vida nua do seuabandono ao poder soberano, para dissolver o vnculo mtico e ancestralentre Direito e uso instrumental da violncia. por essa razo que oensaio de Walter Benjamin: Crtica da Violncia Crtica do Poder assumeuma funo diretriz no programa crtico denominando Homo Sacer.

    Haver exposto, sem reservas, o nexo irredutvel que une violncia edireito faz da Crtica benjaminiana a premissa necessria, e ainda hojeinsuperada, de todo estudo sobre a soberania. Na anlise de Benjamin,esse nexo se mostra como uma oscilao dialtica entre violncia quepe o direito e violncia que o conserva. Da a necessidade de umaterceira figura, que rompa a dialtica circular entre essas duas formas deviolncia. (AGAMBEN, 2002, p. 71)

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  • A singularidade da Crtica de Benjamin e seu valor nico para a reflexode Agamben justificam-se luz do que o filsofo italiano entende comoa necessidade de uma terceira figura, que rompa a dialtica circular entrea violncia que funda, institui, o direito (poder constituinte originrio), ea violncia que o assegura, sob a forma dos dispositivos que operam nosaparelhos de Estado (poder constituinte derivado).

    O elemento talvez mais fecundo desse ensaio de Benjamin se encon-tra na distino de um tipo especial de violncia a violncia divina ,que no institui (pe, setzt) nem conserva o direito, seno que o depe(entsetzt), dissolvendo o vnculo entre direito e violncia. No ensaio arespeito da crtica da violncia e do poder, o objetivo de Benjamin seria,de acordo com a interpretao de Agamben,garantir a possibilidade deuma violncia (o termo alemo Gewalt significa tambm simplesmentepoder) absolutamente fora (ausserhalb) e alm (jenseits) do direito e que,como tal, poderia quebrar a dialtica entre violncia que funda o direitoe violncia que o conserva (rechtsetzende und rechtserhaltende Gealt).Benjamin chama essa outra figura da violncia de pura (reine Gealt) oude divina e, na esfera humana, de revolucionria. O que o direito nopode tolerar de modo algum, o que sente como uma ameaa contra aqual impossvel transigir, a exigncia de uma violncia fora do dire-ito; no porque os fins de tal violncia sejam incompatveis com o direi-to, mas pelo simples fato de sua existncia fora do direito. (AGAM-BEN, 2004, p. 84 e ss)

    Justamente os efeitos dessa crtica que se esfora por provar a efetivi-dade de uma violncia pura so intolerveis para um jusfilsofo comoCarl Schmitt, cuja teoria do estado de exceo constituiria, a ver deAgamben, num esforo para capturar a idia benjaminiana de violnciapura na figura de uma anomia inscrita no corao do nomos, sendo aexceo uma modalidade de aplicao do ordenamento jurdico justo pormeio de sua suspenso, uma situao excepcional em que a lei se aplica,ao suspender-se, num estado de pura vigncia, por auto-suspenso deci-dida e instaurada pela vontade soberana.

    Todavia, Benjamin no define essa violncia divina, mas num limiar emque se anuncia essa definio, seu ensaio transita para uma figura que suporte e portadora do nexo entre direito e violncia, cuja importnciadecisiva no teria recebido at hoje, segundo Agamben, a devida ateno

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  • do pensamento, a vida nua. ela, segundo Agamben, que sustenta onexo essencial entre a vida nua e a violncia jurdica. No somente odomnio do direito sobre o vivente coextensivo vida nua e cessa comesta, mas tambm a dissoluo da violncia jurdica, que em um certosentido o objetivo do ensaio,remonta culpabilidade da vida nua natu-ral, a qual entrega o vivente, inocente e infeliz, pena, que expia (shnt) asua culpa e purifica (entshnt) tambm o culpado, no porm de umaculpa, e sim do direito. (AGAMBEN, 2002, p. 73)

    O que gostaria de empreender agora uma aproximao que no meparece desautorizada pelo texto do prprio Agamben, a saber entre vidanua e vida sacra. E minha aproximao toma apoio tanto na ausncia deuma definio explcita e num uso diferenciado desse termo no HomoSacer, como tambm pela recusa de Agamben em determinar a exem-plo do que fez Benjamin com a idia de uma violncia divina comtraos mais distintos, o que seria uma poltica inteiramente emancipadado princpio jurdico-poltico da soberania, entendida como violnciaque funda o Direito.

    O elemento de ligao dado pela sacralidade, que institui algo daordem de uma cumplicidade entre a vida nua e o poder do direito.AquiAgamben recorre novamente a Benjamin, para quem em toda tentativade colocar em questionamento o domnio do direito sobre o vivente no de nenhuma utilidade o princpio do carter sagrado da vida, que nossotempo refere vida humana e, at mesmo, vida animal em geral.(AGAMBEN, 2002, p. 73 e ss)

    A instituio, como princpio, de um carter sagrado da vida, todavia,seria de datao recente, embora se nos tenha tornado to familiar quenos faz esquecer da total ausncia do mesmo entre as categorias funda-mentais da filosofia tico-poltica e jurdica da Grcia, que, na distinoentre a mera vida biolgica (zo) e as formas qualificadas de vida (bios)no reconhecia nenhum privilgio ou sacralidade da vida enquanto tal.

    Tais elementos fornecem uma interessante perspectiva, talvez inusita-da, para a reflexo atual a respeito dos direitos humanos precisamentenos termos propostos por Giorgio Agamben, pois corrente o entendi-mento dos mesmos como direitos sagrados e inalienveis do homem, oque lhes confere o estatuto de princpios cardinais das declaraes dedireitos nas constituies dos modernos estados liberais. Evidentemente,

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  • no se trata, de modo algum, de questionar a importncia fundamentaldas declaraes de direitos como garantia das liberdades pblicas, suafuno histrica de emancipao e resistncia ao arbtrio e tirania, seupapel decisivo na histria do constitucionalismo moderno. Pretendoapenas apontar o carter bifronte que nelas se pode reconhecer, como emtodo e qualquer acontecimento de efetiva relevncia histrica e poltica.

    E, nesse sentido, aquilo que talvez falte no debate atual sobre direitoshumanos e direitos fundamentais seja precisamente uma conscincia maisapurada no tocante a essa relao entre direito e violncia, soberania eestado de exceo. Quero dizer que, ao lado da funo emancipatria,seria tambm indispensvel perceber que as declaraes de direito inte-gram o dispositivo de abandono da vida nua violncia dos mecanismosde poder, mantendo-a excepcionada pelo bando soberano. Seria preciso,ento, deixar de considerar as modernas declaraes de direitos funda-mentais como proclamaes de valores eternos meta-jurdicos, parapoder fazer justia sua funo histrica real no surgimento das moder-nos Estados-Nao.

    As declaraes dos direitos, escreve Agamben, representam aquelafigura original da inscrio da vida natural na ordem jurdico-polticado Estado-nao.Aquela vida nua natural que, no antigo regime, erapoliticamente indiferente e pertencia, como fruto da criao, a Deus,e no mundo clssico era (ao menos em aparncia) claramente distintacomo zo da vida poltica (bios) entra agora em primeiro plano naestrutura do Estado e torna-se alis o fundamento terreno de sualegitimidade soberana. (AGAMBEN, 2002, p. 134)

    Desse modo, prossegue Giorgio Agamben, as modernas declaraes dosdireitos devem ento ser vistas como o local em que se efetua umapassagem da forma clssica da soberania rgia, de origem divina, novafigura histrica da soberania nacional.As declaraes de direitos assegu-ram a exceptio da vida na nova ordem estatal que dever suceder derro-cada do ancien rgime. Que, atravs dela, o sdito se transforme, como foiobservado, em cidado, significa que o nascimento isto , a vida nuanatural como tal torna-se aqui pela primeira vez (com uma transfor-mao cujas conseqncias biopolticas somente hoje podemos comeara mensurar) o portador imediato da soberania. O princpio da natividade

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  • e o princpio da soberania, separados no antigo regime (onde o nasci-mento dava direito somente ao sujet, ao sdito), unem-se agora irrevo-gavelmente no corpo Estado-Nao. No possvel compreender odesenvolvimento e a vocao nacional e biopoltica do Estado modernonos sculos XIX e XX, se esquecemos que em seu fundamento no esto homem como sujeito poltico livre e consciente, mas, antes de tudo, asua vida nua, o simples nascimento que, na passagem do sdito aocidado, investido como tal pelo princpio da soberania.A fico aquiimplcita a de que o nascimento torne-se imediatamente nao, de modoque entre os dois termos no possa haver resduo algum. Os direitos soatribudos ao homem (ou brotam dele) somente na medida em que ele o fundamento imediatamente dissipante (e que, alis, no deve nunca vir luz como tal), do cidado (AGAMBEN, 2002, p. 135)

    Referi-me acima a uma perspectiva inusitada para o debate atual sobreo direito e a poltica.Aquilo a que gostaria de me referir seria a um desvioeventual da rota dominante atualmente nesse debate.Ao invs de persistirno tema da constitucionalizao do direito, pela via dos direitos funda-mentais, ou da juridicizao da poltica, talvez se pudesse pensar numaneutralizao possvel da violncia jurdica, que tem a forma moderna domonoplio estatal da fora, a partir de uma fundamentao filosfica queconcebe o estado como organizao jurdica da sociedade poltica.

    A partir da postura crtica de Benjamin e Agamben, talvez estejamoscolocados perante a tarefa indeclinvel de uma profanao do direito comocondio prvia para uma renovao dos quadros conceituais da poltica,para uma liberao da poltica de seu confisco no interior dos limitesfixados pela organizao jurdica do Estado; trata-se de uma tentativa dedesativao de procedimentos e comportamentos cristalizados, atreladosde forma rgida a uma finalidade inveterada, liberando-os para a inveno,necessariamente coletiva (vale dizer, poltica) de novos usos.

    A atividade que da resulta torna-se dessa forma um puro meio, ouseja, uma prtica que, embora conserve tenazmente sua natureza demeio, se emancipou da sua relao com uma finalidade, esqueceualegremente seu objetivo, podendo agora exibir-se como tal, comomeio sem fim.Assim, a criao de um novo uso s possvel aohomem se ele desativar o velho uso, tornando-o inoperante.(AGAMBEN, 2007, p. 74 e ss)

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  • Essa desativao pode ser obtida por meio do brincar, da dissoluo daseriedade e gravidade da poltica jurdico-estatal por meio de jogos diver-sos jogo de mobilizao e ao (ludus) e jogo discursivo, de palavras(jocus). E talvez, nesse cruzamento entre ludus e jocus esteja implicada nossaespecial vocao acadmica, como estudiosos do direito e da poltica. Esseseria o sentido poltico de um estudo atual do direito, parodicamentesrio: fazer do estudo, no da prtica do direito, uma porta de acesso justia essa seria uma profanao correspondente ao que Benjaminpensava como deposio do direito pela violncia pura, que o liberaria paraum novo uso, para exibio de sua pura condio medial, ser apenas a portade acesso justia.

    O sentido de um direito que sobreviveria, desse modo, sua propriadeposio, sendo profanado para um novo uso seria, segundo Agamben,comparvel ao que acontece lei aps sua deposio messinica, formadireito numa sociedade sem classes para citar os exemplos histricos doCristianismo paulino e do marxismo. No se trata, evidentemente, deuma fase de transio que nunca chega ao fim a que deveria levar, menosainda a um processo de desconstruo infinita que, mantendo o direitonuma vida espectral, no consegue dar conta dele. O importante aqui que o direito no mais praticado, mas estudado no a justia, mas sa porta que leva a ela. O que abre a porta para a justia no a anulao,mas a destivao e a inatividade do direito ou seja, um outro uso dele.(AGAMBEN, 2004, p. 97 e ss)

    Referi-me, por ltimo, no por acaso, deposio histrica ou esca-tolgica da lei e da forma-direito no Cristianismo e no advento (marxi-ano) da sociedade sem classes. Meu alvo, com isso, era evocar um traoanrquico-messinico na crtica de Agamben, na esteira de Benjamin,como, talvez melhor do que nenhum outro, o demonstrou Jacob Taubes;mas um messianismo que no se confunde com a instaurao (mesmorevolucionria) de um reinado celeste na Terra.

    Um messianismo que, como escreve Gagnebin,s vir no momen-to em que tiver conseguido tornar-se dispensvel.Tal Messias no vempara instaurar seu Reino, ao mesmo tempo consecutivo ao reinoterrestre e diferente dele. Ele vem justamente quando j no se precisadele, vir um dia depois de sua chegada, no vir no ltimo dia, mas noderradeiro, como escreve tambm Kafka. O Messias chega, portanto,

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  • quando sua vinda se realizou to integralmaente que o mundo j no profano nem sagrado, mas liberto, liberto sobretudo da separao entreo profano e o sagrado. Cabe lembrar aqui que os termos Erlsung,erlsen, Erlser remetem ao radical ls (no grego antigo luein, livrar oudesatar como o faz Dionisios, o lusos, que desasta os laos na ordemsexual ou familiar), indica a dissoluo, o desfecho, a resoluo ousoluo de um problema, por exemplo por seu desaparecimento bem-vindo. (GAGNEBIN, 1999, p. 198)

    Nessa chave, evocaria tambm nossa prpria klsis ou Beruf, comoacadmicos, uma vez que klsis indica a particular transformao quetodo estado jurdico e toda condio mundana sofrem pelo fato de serposta em relao com o evento messinico. No de indiferena esca-tolgica que se trata aqui, mas de uma mutao, quase do ntimoempostamento de toda condio mundana singular em virtude de seu serconvocada. (AGAMBEN, 2000, p. 28)

    Talvez seja essa a seriedade de nosso jogo, no qual brincaremos com odireito como as crianas brincam com os objetos fora de uso, no paradevolv-los a seu uso cannico e, sim, para libert-los definitivamentedele. O que se encontra depois do direito no um valor de uso maisprprio e original e que precederia o direito, mas um uso novo, que snasce depois dele.Tambm o uso, que se contaminou com o direito, deveser libertado de seu prprio valor. Essa libertao tarefa do estudo, oudo jogo. E esse jogo estudioso a passagem que permite ter acesso quelajustia que um fragmento pstumo de Benjamin define como um estadodo mundo em que este aparece como um bem absolutamente nopassvel de ser apropriado ou submetido ordem jurdica. (AGAMBEN,2004, p. 98)

    No entanto, talvez isso no seja to novo assim, talvez isso seja, nofundo, talvez seja apenas um convite para revisitar o direito e a lei que,desaplicados e desativados, confundem-se inteiramente com a vida.Quem sabe se isso no seria o sentido profundo de uma profanao dodireito e da prpria poltica, contaminada por seu enquadramento nodispositivo jurdico-estatal da violncia organizada como poder institu-cionalizado. Quem sabe se esse novo uso de bios como forma qualificadade vida produza tambm novos desdobramentos, que nos resgate a moti-vao poltica da prpria filosofia.

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  • O problema que deve afronta r a nova poltica precisamente esse:como uma poltica que seria voltada completa fruio da vida possvel nesse mundo? Mas no esse precisamente, olhando bem, oobjetivo mesmo da filosofia? E quando um pensamento polticomoderno nasce com Marclio de Pdua, este no se define com aretomada com fins polticos do conceito averrosta de vida suficiente ede bene vivere? Benjamin, ele tambm, no Fragamento Teolgico-Poltico, no deixa nenhuma dvida quanto ao fato de que a ordem doprofano deve ser orientada em direo idia de felicidade.A definiodo conceito de vida feliz (que, em verdade, no deve ser separado daontologia, porque do ser ns no temos outra experincia seno viver)permanece uma das tarefas essenciais do pensamento que vem.2

    1 Um homem que se torna impuro, maldito, execrvel.

    2 Cf. http:// geocities.yahoo.com.br/polis_contemp/polis_agamben.html.

    Referncias bibliogrficasAGAMBEN, G. 2004. Estado de Exceo. Homo Sacer II.Trad. Iraci D.Poleti. So Paulo: Boitempo Editorial.

    ____________. 2002. Homo Sacer. O Poder Soberano e a Vida Nua I.Trad.Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG.

    ____________. 2000. Il tempo che resta.Torino: Bollati Boringuieri.

    ____________. 2007. Profanaes.Trad. Selvino Jos Assmann. SoPaulo: Boitempo Editorial.

    GAGNEBIN, J-M. 1999. Teologia e Messianismo no Pensamento de W.Benjamin. In: Estudos Avanados 13 (37). So Paulo: Cebrap.

    GIRARD, R. 1990. A Violncia e o Sagrado.Trad. Martha Gambini, SoPaulo: Ed. Unesp.

    VON JHERING, R. 1942. O Esprito do Direito Romano.Trad. RafaelBenaion. Rio de Janeiro: Ed.Alba.

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