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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAODISSERTAO DE MESTRADO

AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM NA CONCEPO DO PROFESSOR

ANDRIA OSTI

CAMPINAS2004

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAODISSERTAO DE MESTRADO

AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM NA CONCEPO DO PROFESSORAutora: Andria Osti Orientadora: Prof. Dr. Rosely Palermo Brenelli

Este exemplar corresponde redao final da dissertao defendida por Andria Osti e aprovada pela

comisso Julgadora. Data: ____/____/_____ Assinatura: ___________________________

Comisso Julgadora: ___________________________ ___________________________ ___________________________

CAMPINAS 2004

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2004 by Andria Osti, 2004.

Catalogao na Publicao elaborada pela biblioteca da Faculdade de Educao/UNICAMPBibliotecrio: Gildenir Carolino Santos - CRB-8/5447

Osti, Andria. Os7d Campinas, SP: [s.n.], 2004. Orientador: Rosely Palermo Brenelli. Dissertao (mestrado) Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educao. 1. Aprendizagem. 2. Dificuldade de aprendizagem. 3. Representao social. 4. Ensino. 5. Formao de conceitos. I. Brenelli, Rosely Palermo. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educao. III. Ttulo. 04-0081-BFE As dificuldades de aprendizagem na concepo do professor / Andria Osti. -

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RESUMO Este estudo teve como objetivo caracterizar o que dificuldade de aprendizagem na concepo do professor, considerando como ele a percebe no cotidiano da sala de aula e a que atribui sua causa. O tema chama a ateno em decorrncia do crescente nmero de encaminhamentos de alunos efetuado por seus professores solicitando que estes recebam atendimento especializado. Participaram deste estudo trinta professores do ensino fundamental da rede municipal da cidade de Campinas e Valinhos. Os dados foram coletados por meio de uma entrevista semi estruturada contendo oito questes, seguido de um parecer redigido pelo professor sobre um aluno com dificuldade de aprendizagem. Foi realizada uma anlise estatstica descritiva com apresentao dos resultados em frequncia absoluta (N) e relativa (%). Os resultados obtidos demostraram que os professores apresentam uma viso parcial do que seja a dificuldade de aprendizagem pois, para 40% ela surge em decorrncia de problemas emocionais, para 27% ela consequncia de problemas familiares, 7% consideraram a prtica docente como fator importante para a aprendizagem e apenas 3% identificaram que a postura do professor pode contribuir para o aparecimento da dificuldade no aluno. Nossos dados mostram que os professores no consideraram uma rede de fatores que envolvem a temtica da dificuldade de aprendizagem, depositando a maior responsabilidade famlia e ao prprio aluno, no considerando a correspondncia entre a metodologia, a relao do professor e sua prtica com a dificuldade do aluno. ABSTRACT This study was aimed at characterizing learning difficulties from the teachers perspective, considering how a students learning difficulties is perceived through daily classroom observation and what seems to be its cause. This topic is of interest because an increasing number of student referrals are made by teachers, seeking special education services for their students. Thirty elementary school teachers from both the municipal school systems of Campinas and Valinhos participated in the study. Data was collected by a semi-structured interview containing eight questions, followed by the teachers written description about a student with learning difficulties. A descriptive statistical analysis was performed with the results presented in absolute (N) and relative (%) frequency. The results obtained showed that teachers had biased views on the cause of a learning difficulties, since 40% of them thought that it was due to emotional problems, 27% believed that it resulted from family problems, 7% regarded the teaching practice as the most important factor in learning and only 3% identified that a teachers attitude may have contributed to the emergence of a students difficulty. Our data demonstrated that teachers failed to consider a network of factors involved in the theme of learning difficulties. They held the families and students themselves accountable for learning difficulties and did not consider the correspondence between methodology, the teachers rapport/ practice and the students difficulty.

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Foi assim que se construiu a cincia: no pela prudncia dos que marcham, mas pela ousadia dos que sonham. Todo conhecimento comea com o sonho. O conhecimento nada mais que a aventura pelo mar desconhecido, em busca da terra sonhada. (Rubem Alves)

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Aos meus pais, Ignez e Valdomiro, pela pacincia, compreenso e amor, pela incessante torcida e apoio, pela vibrao nos momentos de xito e aceitao nos momentos de perda.

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AGRADECIMENTOS minha orientadora, Dr. Rosely Palermo Brenelli, pela confiana, carinho, incentivo e ensinamentos. Pelo privilgio da convivncia durante todo perodo de elaborao deste trabalho. Por seu exemplo como pessoa, professora e orientadora. Por me mostrar o quanto a afetividade importante na relao professor e aluno, sobretudo valorizar o amor ao que se faz. professora Dr. Evely Boruchovitch, por suas valiosas contribuies no exame de qualificao, por tudo que aprendi como sua estagiria no programa de estgio docente. professora Dr. Orly Mantovani de Assis, por sua contribuio no exame de qualificao, suas ricas indicaes bibliogrficas e seu exemplo profissional. professora Dr. Jussara Cristina Barboza Tortella, que gentilmente aceitou participar deste trabalho, pela cuidadosa leitura e contribuio. professora Dr. Maria de Ftima Lukjanenko, por sua generosidade em aceitar ler este trabalho. Ao grupo de pesquisa GEPESP, em especial Fermino Fernandes Sisto, Rosely Palermo Brenelli, Evely Boruchovitch e Selma Martinelli, por me aceitarem no programa, pela oportunidade e felicidade de continuar meus estudos. Ana Anglica Jlio, que permitiu a coleta de dados, pela confiana, respeito e incentivo minha carreira. Margarete Montovani Canisella e Yamara Baptista Vassolli, diretora e coordenadora da E.M.E.F. Luiz Antoniazzi, por valorizarem meu trabalho. s professoras Eliane Nucci e Ana Cludia Montanari, pelo apoio inicial. Lucas Azevedo Abreu, pela amizade, companheirismo e pacincia. Aos professores que aceitaram participar da pesquisa. Aos funcionrios da biblioteca, da secretaria de ps-graduao e do xerox. Aos colegas Maria Jos, Nilton, Renata e Andreza, pelas importantes trocas e companheirismo durante o perodo em que estudamos juntos. Faculdade de Educao da Unicamp, onde conclui minha graduao e tive a alegria de retornar para realizar este trabalhovii

SUMRIOINTRODUO 01

CAPTULO I 1.1 Representao Social: conceituao 1.2 O professor frente a experincia escolar do aluno 1.3 Representaes sociais e a prtica educativa 07 19 25

CAPTULO II 2.1 Consideraes sobre desenvolvimento cognitivo e aprendizagem 2.2 O aspecto afetivo no desenvolvimento e na aprendizagem 29 41

CAPTULO III 3.1 Dificuldades de aprendizagem 3.2 Dificuldades de aprendizagem: definies 3.3 O professor frente a dificuldade de aprendizagem 47 51 61

CAPTULO IV - DELINEAMENTO DO ESTUDO 4.1 Problema e Justificativa 4.2 Objetivos 4.3 Mtodo 4.3.1 Participantes 4.3.2 Instrumentos 4.3.3 Procedimento de coleta de dados 4.3.4 Procedimento de anlise dos dados 69 71 71 71 71 75 77

ANLISE E DISCUSSO DOS RESULTADOS CONSIDERAES FINAIS REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ANEXO

79 127 139 149

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INTRODUONa rea educacional, o nmero de pesquisas e publicaes envolvendo o tema dificuldades de aprendizagem vm aumentando e chamando a ateno de educadores, pais e diversos especialistas (Almeida 1995, Bardelli 1986, Coll 2001, Collares 1992, Corsini 1998, Cruz 1999, Fernndez 1991; Fonseca 1984, Johnson 1987, Leal 1991, Pan 1985, Sisto 2000, 2001, Smith 2001, Weiss 2000). Desde 1980, com a fundao da Associao Brasileira de Psicopedagogia em So Paulo, um grupo de profissionais j atuantes na rea desenvolveram cursos de especializao e publicaes referentes temtica dos processos de aprendizagem, voltados mais especificamente anlise dos problemas de aprendizagem. Essa preocupao em compreender os processos e as dificuldades que afetam a aprendizagem de alunos concorre com a constante preocupao em tentar explicar o fracasso escolar, que tem sido definido como uma resposta insuficiente do aluno uma exigncia ou demanda da escola (Weiss, 2000). No Brasil, na dcada de 80, segundo levantamentos de Nutti (1996), aproximadamente trs milhes de crianas abandonaram a escola e seis milhes foram reprovadas, o que demonstra que o fracasso escolar um problema social. Foi nessa mesma poca, por volta de 1988, que vrios sistemas de ensino passaram a se organizar por ciclos, eliminando a reprovao na primeira srie. Todas essas mudanas no sistema educacional brasileiro buscavam a melhoria no ensino, bem como o combate evaso e ao fracasso escolar. Atualmente, um outro dado que vm chamando a ateno para o sistema educacional das sries iniciais, o crescente encaminhamento de crianas para atendimento especializado com queixa de dificuldades de aprendizagem (Tiosso, 1989; Pernambuco, 1992; Corsini, 1998; Weiss, 2000). O agravante nesse crescente nmero de encaminhamentos que grande parte dos alunos enviados com essa queixa no apresenta qualquer distrbio de aprendizagem (Tiosso, 1989; Corsini, 1998; Weiss, 2000) e1

talvez isso demonstre a impossibilidade do professor em lidar com as dificuldades dos alunos em sala de aula, sendo impelido encaminhar crianas que eles mesmos pr-diagnosticam (Keiralla, 1994), assim como as dificuldades podem estar diretamente relacionadas prtica pedaggica da escola (Tiosso, 1989; Pernambuco, 1992). Sabe-se que as escolas esperam por parte dos alunos um bom desempenho acadmico, por outro lado, o excessivo nmero de alunos por sala, escassez de material e recursos pedaggicos so variveis que afetam o desempenho de escolares. Fernndez (1991) define duas ordens de causas dos problemas de aprendizagem; a primeira nomeada de problema de aprendizagem reativa, em que o fracasso escolar resultado de uma ao educativa inadequada tendo sua origem relacionada instituio escolar como desadaptao, problemas relacionados ao professor e a metodologia usada. A segunda, chamada de problema de aprendizagem sintoma em que a causa do problema est no desenvolvimento afetivo e/ou cognitivo, sua dimenso ligase histria original e nica desse sujeito, constituda nas interaes sociais que estabelece com pais, familiares, grupos de amigos, colegas e professores. Pan (1985) delimita seus estudos em termos de perturbaes da aprendizagem que podem se apresentar sob duas formas de patologia. Na primeira, a perturbao da aprendizagem intrnseca do indivduo e resultante de uma disfuno intelectual envolvendo uma alterao do sistema nervoso central. A segunda, caracteriza-se por um pequeno desvio na capacidade de aprendizagem, mas sem determinantes orgnicos. Portanto, para esta autora, as perturbaes na aprendizagem so consideradas como algo que atenta contra a normalidade, seja em qualquer nvel cognitivo, isso quer dizer que os problemas de aprendizagem so aqueles que se superpem ao baixo nvel intelectual, no permitindo ao sujeito aproveitar as suas possibilidades. A presente pesquisa pretende investigar a concepo de professores acerca das dificuldades de aprendizagem, buscando revelar diferentes

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aspectos referentes maneira como os professores percebem essas dificuldades no cotidiano da sala de aula, quais fatores atribuem como causas do problema e como se posicionam frente a tal questo. O interesse pelo desenvolvimento deste trabalho surgiu em razo do crescente encaminhamento de alunos do ensino fundamental para avaliao

especializada com queixa de dificuldade de aprendizagem. O tema chama a ateno em decorrncia das crescentes pesquisas na rea da

psicopedagogia, que vm enfatizar no s a elaborao de procedimentos de interveno e diagnstico das dificuldades de aprendizagem, mas tambm a preocupao sempre constante na rea educacional, no que tange os processos interativos que ocorrem em sala de aula. (Bossa 1994; Boruchovitch 2001; Brenelli 2000; Sisto 2000, 2001; Smith 2001; Weiss 2000). Posto estas consideraes, ainda que breves, a respeito das causas das dificuldades de aprendizagem, torna-se necessrio no presente estudo contextualizar trs principais pontos: a representao social, a aprendizagem e dificuldades de aprendizagem. Para estudar a concepo do professor, ser necessrio que se faa um levantamento do que representao, pois a concepo no deixa de ser um ponto de vista, que abrange uma representao que o sujeito faz da sua realidade, de suas idias e daquilo que ele interpreta. Para isso, o referencial terico utilizado para o estudo desse conceito ser o de Representao Social, baseado em Moscovici (1978), que evidencia a elaborao de comportamentos a partir dos valores e crenas do indivduo acerca do meio em que est inserido. O segundo tema - aprendizagem, ser enfocado por meio de uma perspectiva construtivista que compreende o desenvolvimento cognitivo como um processo de trocas ativas entre o sujeito e o objeto, fundamentado em quatro fatores como afirma Piaget (1991): a maturao, as experincias fsicas e lgico-matemticas, as interaes sociais e transmisses educativas e por ltimo, a equilibrao que coordena os fatores anteriores. O assunto dificuldades de aprendizagem ser enfocado com base nos autores citados

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anteriormente. (Kiguel, 1976; Pan, 1985; Tiosso, 1989; Corsini, 1998; Weiss 2000, dentre outros). Para todos que trabalham com educao de geral conhecimento que atualmente as salas de aula nas escolas pblicas esto cada vez mais lotadas, falta material de apoio pedaggico, h problemas de estrutura das prprias escolas e uma srie de outras variveis que podem afetar o desempenho tanto de alunos como de professores. Mas em que medida a viso e a concepo do professor pode influir sobre a dificuldade do alunado? Ser que quando o professor acredita na capacidade de seu aluno, mesmo ele apresentando uma dificuldade de aprendizagem, o professor poder auxili-lo na superao do problema? No objeto deste estudo questionar a postura ou didtica do professor, mas ao investigar, atravs de uma entrevista, o que a dificuldade de aprendizagem para o professor, como ele a percebe no cotidiano do exerccio de sua profisso, quais fatores indica como sendo a causa e a quem atribui a responsabilidade do problema, ser possvel talvez, inferir por meio das respostas, se os profissionais esto conscientes do leque que abrange o tema da dificuldade de aprendizagem, no apenas responsabilizando o aluno, mas se ele, o professor, se questiona sobre a metodologia, seu papel na aprendizagem, os recursos utilizados, dentre outros fatores. importante saber como o professor pensa a dificuldade de aprendizagem pois ao se ter conhecimento acerca dos fatores que esses sujeitos apontam como causas, motivos e conseqncias, poder ser possvel analisar, atravs de seu discurso, se a sua postura em relao a esse problema no acaba por agrav-lo ainda mais, na medida em que ele abandona o aluno margem de sua prpria dificuldade, ou ao contrrio, a preocupao do professor diante do problema potencializa a aprendizagem do aluno. Para Sisto (2000) ensinar no se resume em conhecer distintas metodologias de ensino e optar por uma ou outra, preciso compreender o aluno, as caractersticas de sua personalidade, as etapas de

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desenvolvimento na qual ele se encontra, do ponto de vista motor, emocional, cognitivo ou social, e a maneira pela qual ele aprende. Essas consideraes nos remetem formao dos professores, nesta perspectiva Macedo (1994) aponta quatro fatores fundamentais intimamente relacionados na formao docente. Primeiro, a conscientizao do professor em relao ao que ele faz ou pensa a respeito de sua prtica pedaggica; em segundo lugar o senso crtico considerando s atividades e

procedimentos na sala de aula e aos valores culturais de sua funo docente; em terceiro a adoo de uma postura de pesquisador e no apenas de transmissor, e por ltimo, o constante aprimoramento do conhecimento dos contedos escolares e das caractersticas do desenvolvimento e aprendizagem de seus alunos. O autor (ibid) tambm acredita que, quando o professor assume este tipo de postura e interesse, torna-se mais fcil compreender as dificuldades de aprendizagem de seus alunos, uma vez que, ao invs de ficar procurando culpados ou atribuindo ao aluno a causa do problema, ele se torna mais consciente do papel que exerce, podendo assim, contribuir para a superao da dificuldade. Levando em conta que cada ser humano nico e que cada criana tem sua famlia, seus modos e costumes particulares, importante destacar que tanto problemas de ordem fisiolgica, psicolgica e pedaggica quanto outros fatores, podem levar crianas a apresentarem dificuldades de aprendizagem, uma vez que cada indivduo sente e reage de modo diferente diante de determinadas situaes. Ao analisar o papel da educao e a postura do professor frente as disciplinas consideradas difceis - como o caso da matemtica para muitos, Piaget (1980) salienta que o aluno, quando persuadido de sua deficincia, muitas vezes permanece passivo e mesmo bloqueado na situao escolar, renunciando de antemo a todas as suas possibilidades de ultrapassar as dificuldades e dando-se por vencido interiormente. Diante dessas

consideraes, fundamental conhecer as concepes de professores frente

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s dificuldades de aprendizagem. Como o professor a percebe? Como se sente em relao ao problema? Como se posiciona frente a tal questo? preciso identificar as interaes que favorecem a construo do conhecimento e seu acesso para facilitar a vida do estudante com dificuldades de aprendizagem e para proporcionar a ele iguais condies de aprendizagem. A interveno do professor crucial no processo de aprendizagem e desenvolvimento de seus alunos, por isso importante analisar sua conduta frente aos estudantes com dificuldades. de extrema importncia a conscientizao de professores quanto ao reflexo de suas crenas e opinies sobre o desempenho dos alunos. A fim de um estudo mais aprofundado, julga-se necessrio uma investigao mais detalhada nesse campo de estudo, atravs da realizao de entrevistas com professores. Acredita-se que atravs do contedo verbal expresso nas respostas ser possvel extrair qual o tipo de atuao e atitude que o professor tem diante da dificuldade de seu aluno. O primeiro captulo deste trabalho trata do tema representao social, englobando seu conceito a partir da perspectiva de Moscovici (1978), relacionando as representaes sociais com a prtica educativa e as representaes do professor frente a experincia escolar do aluno. O segundo captulo compreende a aprendizagem versando sobre o

desenvolvimento cognitivo e os aspectos afetivos envolvidos na temtica da aprendizagem. No terceiro captulo, apresenta-se o tema dificuldade de aprendizagem, seu histrico e atuais definies, bem como pesquisas que relatam a experincia do professor frente ao problema. O quarto captulo refere-se ao delineamento do estudo; problemas, objetivos, dados

demogrficos dos sujeitos, descrio do processo de coleta e de anlise dos dados. No ltimo captulo sero apresentados a anlise e a discusso dos resultados, e a seguir explicitaremos nossas consideraes finais.

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CAPTULO I

1.1

REPRESENTAO SOCIAL: CONCEITUAOO conceito de representao social compreende a concepo que um

sujeito, um grupo ou uma sociedade tm sobre determinado tema ou assunto, estando presente tanto nas relaes sociais como no conjunto de opinies e comportamentos dos indivduos, refletindo em sua conduta e valores. Para realizar esta pesquisa, que aborda a concepo do professor no campo das dificuldades de aprendizagem, necessrio introduzir o tema representao social, tendo Moscovici (1978) como principal aporte, pois a concepo que o sujeito tem, como ele pensa, acredita e interpreta sua realidade, ou seja, suas concepes, so na realidade representaes sociais. Moscovici (1978) elaborou um mtodo de pesquisa aplicvel outras representaes sociais tais como a doena, a educao, a cincia, a criana, o mdico, conseguindo assim substituir um conceito terico e abstrato o da representao - pela anlise de um objeto real, diferenciado e complexo, mediante o qual a partir dos modelos psicolgicos latentes foi possvel averiguar numa determinada sociedade como seus membros pensam a sua experincia e o seu comportamento. O primeiro estudioso a propor a expresso representao coletiva, como lembra Moscovici (1978), foi Durkheim que procurou designar a especificidade do pensamento social em relao ao pensamento individual. Para Durkheim a representao individual um fenmeno psquico irredutvel atividade cerebral enquanto que a representao coletiva o primado do social sobre o individual, a soma das representaes dos indivduos que compem uma sociedade.

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O modelo de representao social, segundo Moscovici (1978), est baseado no pressuposto de que a imagem mental, que pode ser entendida como um modelo, uma crena, no se distancia da opinio do indivduo. Assim, a informao recebida filtrada atravs de cognies e de valores prximos percepo da realidade do indivduo. Essa concepo ocorre a partir dos valores e das crenas presentes no contexto em que o indivduo est inserido. As representaes so portanto formas de conhecimento, uma espcie de organizao psicolgica, cpias da realidade que circulam atravs de uma fala, um gesto, um encontro. A maioria das relaes sociais que so estabelecidas, os objetos produzidos ou consumidos so e esto impregnados de representaes. Ela constitui uma das vias de apreenso do mundo concreto e preciso encar-la como prpria da sociedade e da cultura. Toda representao composta de figuras e de expresses socializadas, ou seja, a representao social consiste numa organizao de imagens e linguagem, sendo assim, ela reala e simboliza atos e situaes que se tornam comuns. Ela acaba por modelar o que dado do exterior, na medida em que os indivduos e grupos sociais se relacionam com situaes, atos e objetos constitudos no decurso das interaes sociais. Ela produz e determina os comportamentos pois define a natureza dos estmulos (imagem ou modelo) que cercam e provocam, dando significado s respostas (reflexo de conduta), portanto, o sinal e a reproduo de um objeto socialmente valorizado. Nas palavras de Moscovici (1978: 26)a representao social uma modalidade de conhecimento particular que tem por funo a elaborao de comportamentos e a comunicao entre os indivduos. Ela est vinculada a um sistema de valores, de noo e prtica que faz com que os indivduos se orientem com base nessas formas no meio social em que vivem.

Uma das principais caractersticas do homem a capacidade de representar e de construir representaes precisas da realidade que permitam atuar sobre ela e antecipar o que vai ocorrer. De acordo com Delval (1994), a representao est relacionada a todas as atividades de8

interpretao da informao que o ambiente fornece e constitui um aspecto da capacidade que tem o sujeito para construir e organizar o mundo que est ao seu redor. Corsini (1998) tambm estudando este tema, define a representao como sendo uma representao de algo ou de algum, qual atribui-se um valor positivo, negativo ou neutro. Essas atribuies e expectativas frente a um dado conceito, so baseadas em crenas sociais mais amplas, valores, histria pessoal e um corpo de conhecimento construdo socialmente, num dado contexto histrico e determinado pelas relaes sociais, pela mediao entre o sujeito e o meio no qual ele est inserido. Um conjunto de opinies, comportamentos, valores, proposies, reaes, avaliaes, conceitos, que esto e so organizados dentro de uma classe, de uma cultura ou de um grupo compem a representao social. Portanto, em uma dada sociedade ser possvel constatar diversos universos de opinies, pois esses so proporcionais ao nmero de classes, grupos e culturas de uma mesma sociedade. Por exemplo, ao fazer uma pesquisa sobre a representao de educao ou de trabalho com um grupo de operrios, empresrios ou estudantes, certamente ser encontrado saberes correspondentes quantidade de conhecimento e informao que cada indivduo tem sobre o assunto, e a soma de todas as opinies representariam a idia do grupo. Sendo assim, a representao individual, que rene experincias, vocabulrio, conceitos e condutas prprias de cada indivduo, ir ampliar-se constituindo uma representao coletiva e essas

representaes fazem com que o mundo, assim como determinado contedo ou tema seja visto como a sociedade pensa que ele , ou como deve ser. A representao social uma preparao para a ao e, segundo Moscovici (1978), ela guia o comportamento, remodela e reconstitui os elementos do meio ambiente em que o comportamento deve ter lugar. As imagens e as opinies traduzem a posio e a escala de valores de um indivduo ou de uma coletividade. Quando se volta pesquisa das representaes, pode-se observar via questionrio ou entrevistas que as

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respostas dadas pelo sujeito nada mais so do que categorias escolhidas por ele que transmitem uma mensagem particular de seus valores, suas idias e opinies, ou seja, de sua representao sobre o tema tratado. Ao pensar na representao social no cotidiano das pessoas, possvel perceber que opinies, valores e idias so transmitidas atravs dos meios de comunicao como rdio, televiso, jornais e revistas, ou de organizaes sociais como igrejas, partidos polticos, associaes de bairro, grupos sociais da escola ou do trabalho. A informao recebida pelas pessoas, introjetada na conscincia individual e passa atravs dessas comunicaes a integrar a conscincia coletiva, reproduzindo assim uma imagem, um valor. Enesco (1995) destaca que nas ltimas dcadas diversos autores se interessaram por estudar como evolui o pensamento social infantil, suas idias sobre a sociedade em que vivem, as relaes que estabelecem nesse meio, e que atualmente, h uma crescente preocupao por aproveitar as descobertas desse campo no terreno da educao, buscando conhecer os aspectos envolvidos no conhecimento social. No mbito do conhecimento social, Enesco (ibid) apresenta a perspectiva de Moscovici, segundo a qual as representaes sociais so um tipo de conhecimento compartilhado pelos membros de um grupo social e que foi adquirido mediante a comunicao social. Tais representaes coletivas cumprem a funo de prover o indivduo de informao sobre quais as condutas desejveis ou indesejveis, por qu, quais so os problemas e sua possvel soluo. Portanto, essas representaes no so produto de uma construo do sujeito, mas sim um fenmeno social que se impe, de alguma forma, aos indivduos, no contendo apenas aspectos normativos e valorativos mas explicaes da realidade social. Tomando a psicanlise como exemplo, Moscovici (1978) declara que a formao de tipos de atitude ou de reaes, como dizer a respeito de um indivduo que ele neurtico, complexado, recalcado, ou seja, usar de conceitos psicanalticos para descrever uma pessoa, isso demonstra claramente a presena social da representao, que passa a ter um conjunto

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de valores onde essas categorias estabelecidas adquirem um carter simblico e acabam por remeter diretamente a uma realidade. O indivduo observado e compreendido atravs de traos prprios da tipologia dominante, exercendo-se por vezes uma presso coletiva para fazer coincidir o comportamento real com as categorias geralmente admitidas. Na pesquisa de Moscovici (ibid), uma das questes formuladas quem recorre mais a psicanlise demonstra bem claramente a representao que a sociedade faz dessa terapia. As repostas apontam a psicanlise como sendo uma medicina de classe, uma terapia de luxo, a qual os intelectuais e as mulheres so os que mais recorrem, por disporem de tempo e dinheiro para realiz-la. Esse tipo de concluso permite avaliar o quanto uma representao que se faz sobre determinada rea de conhecimento pode ser prejudicial a mesma, desvalorizando sua imagem, nesse caso a psicanlise. A representao, quando convertida num sistema de interpretao, torna-se uma ordenao das condutas na qual as informaes adquiridas penetram na vida cotidiana das pessoas e acabam por gerar

comportamentos adequados, fazendo com que mudem as relaes entre as pessoas e a maneira como essas relaes so vividas. Instituies como igrejas, grupos de movimentos populares, associaes de bairro, partidos polticos e similares, so organizados tendo como base doutrinas e critrios prprios e divulgam para os freqentadores seus ideais e valores, ou seja, sua representao de mundo. Sendo assim, a partir do momento que esses valores so introjetados e absorvidos pelos indivduos e pela comunidade, se faz um reforo do contedo e dos aspectos da representao desses rgos. Portanto, a representao que se faz acerca de algo ou algum vai depender do sistema de valores que esto orientando a percepo dos indivduos, pois esses valores que modelam a representao. No estudo das representaes sociais a linguagem tem papel fundamental, conforme relata Moscovici (1978) ela uma ferramenta para interpretar eventos e comportamentos e nela que se imprimem as significaes, o mundo dos conceitos e dos indivduos ou das coletividades.

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O vocabulrio corrente se ajusta aos contornos da representao pois por intermdio de outras significaes do mesmo termo se encontra o caminho que leva s formas de compreenso existentes. E, para se conhecer socialmente algo ou dado conhecimento necessrio que se consiga falar a respeito. A formao de uma representao social e sua generalizao acarretam uma ingerncia das noes e dos termos da lngua prpria, seu jargo nas trocas lingsticas correntes. A linguagem e o uso das palavras assinalam comportamentos, revelam caractersticas, classificam indivduos e acontecimentos, explicam o que desconhecido e conhecido. Atravs da linguagem as palavras saem do meio cientfico (como por exemplo os termos da psicanlise - complexo, represso, recalque, ou da fsica tomo, microcosmos, ou da biologia aminocidos, genoma, dentre outros) e passam a ser usadas na lngua comum, por meio da qual as pessoas apreendem esses termos cientficos e os utilizam cotidianamente para se referir uma pessoa (ele complexado) ou uma situao, e acabam por se estender designando uma realidade e fazendo parte do vocabulrio corrente. As pessoas se utilizam dessas palavras para explicar fatos, descrever pessoas ou situaes mesmo sem saber com preciso o significado da palavra. Na perspectiva de Moscovici (1978) a representao social um fenmeno psicolgico particular com uma funo especfica singular; a de contribuir para a gnese das condutas e comunicaes sociais. Os conceitos e idias passam para esquemas ou imagens concretas, num sistema de interpretao parcialmente automtico e por isso mesmo parte integrante do comportamento real e simblico. Pode-se concluir que a forma como um indivduo concebe determinado assunto, teoria ou conhecimento, afeta diretamente a maneira desse sujeito agir ou reagir. De acordo com Nucci (1997), a funo da representao social consiste na elaborao de comportamentos e a comunicao entre as pessoas na vida cotidiana, uma vez que as elaboraes mentais terminam por construir o pensamento no ambiente onde se desenvolve o cotidiano do

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indivduo. A representao social construda dentro do cotidiano. O indivduo se orienta na definio e interpretao de sua realidade externa atravs dessas construes mentais. Na interao que professor e aluno estabelecem na escola, os fatores afetivos e cognitivos influenciam esta relao, pois atravs das imagens construdas por alunos e professores a respeito um do outro, cria-se uma rede de expectativas recprocas entre professores e alunos, que pode ou no ser harmoniosa. Em outras palavras, a representao social uma forma de conhecimento elaborado e partilhado, construda no cotidiano do indivduo, que interpreta sua realidade externa a partir dessas construes mentais que, por sua vez, contribuem para elaborar o pensamento desse mesmo indivduo. Um exemplo da representao social na vida cotidiana demonstrada por Pan (1985), em que a educao no ensina a comer, a falar, a cumprimentar ou a andar, o que ela ensina so as modalidades dessas aes que esto regulamentadas pela norma do manejo dos talheres, a sintaxe, os cdigos gestuais da comunicao, o como andar. E, medida que o indivduo se sujeita essas leis e normas de conduta, ele se transforma num sujeito social, que se identifica com o grupo, que faz parte dele e que com ele se submete ao mesmo conjunto de normas. tambm atravs da ao desenvolvida e reprimida (como aprender a ler e escrever, ser respeitoso, no se atrasar, no chorar) que o sujeito incorpora uma representao de mundo, ao qual por sua vez se incorpora e sujeita. A representao de certa forma feita pela transmisso da cultura, que sempre ideolgica e seletiva, para conservar assim os modos peculiares de como ser e como agir em sociedade. Delval (2001) destaca que todos os indivduos formam em sua mente representaes da realidade e do mundo e que essas representaes abrangem diversos tipos de conhecimentos como a fsica, a biologia, o mundo social, at mesmo aspectos mais limitados e nem por isso menos importantes como o funcionamento de um carro, a organizao de uma escola, a postura que se deve ter durante uma reunio, em uma entrevista

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para uma vaga de emprego ou em uma festa. Todos esses conhecimentos esto organizados dentro de modelos prprios de cada indivduo, e com base nesses modelos que se organiza a ao desses mesmos indivduos. Portanto, a representao faz parte da vida de todos os indivduos e envolve toda a sociedade, estando presente em qualquer tipo de situao social, como freqentar uma certa religio, votar nas eleies, comprar determinado produto, escolher uma escola para estudar, a imagem que se faz sobre tal pessoa, enfim, em todas as situaes a representao que o indivduo fizer com base em seus valores e idias, guiar o seu modo de agir, decidir e responder aos acontecimentos. Ao pensar na representao como parte integrante da vida de toda e qualquer pessoa, possvel observ-la em vrios momentos ao longo de todo o desenvolvimento humano. Um recm nascido, primeiro age sobre os objetos atravs de seus reflexos e posteriormente com os esquemas que elabora. Com o aparecimento da linguagem a criana comea a perguntar o por qu das coisas e com base nas informaes que recebe ir elaborar suas prprias explicaes. O adolescente procura sempre fazer parte de um grupo, pois tem a necessidade de pertencer e de ser aceito, costuma usar roupas como os colegas, ouvir o mesmo tipo de msica, acreditar e defender seus ideais, assim com questionar certas normas, tudo isso de certa forma, faz parte da representao que o jovem tem da sociedade. Um adulto ao ter conhecimento sobre determinado alimento por exemplo, pode consumir mais tal produto por que ele faz bem para a sade, ou parar de consumi-lo pois ele pode causar alguma doena. Esse tipo de atitude tambm se insere no campo da representao, nesse caso, a representao que ele faz sobre sade ou doena. A representao social portanto, abrange no somente o

conhecimento cientfico como todo tipo de conhecimento, envolvendo desde os mais elementares como referir-se ao crescimento e desenvolvimento de uma criana ou de uma planta, a funo de um carro, o nascer do sol, o significado da palavra amor, a influncia da mdia, at a importncia da

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coleta de lixo, os sintomas da menopausa, as conseqncias do apago, sobre o terrorismo, dentre muitos outros temas. vlido ressaltar que todas essas representaes vo sendo construdas ao longo da vida de cada pessoa e mudam conforme a idade e as experincias que cada um vive, assim como as informaes que cada indivduo adquire, seguindo sempre uma certa progresso, pois quanto mais conhecimento e informao sobre determinado contedo, mais elaborada a concepo que se tem sobre o mesmo. Por meio do estudo das representaes, Rangel (1993) esclarece que possvel entender como se formam e consolidam os conceitos que so socialmente veiculados e mantidos, pois ela manifesta a histria cultural da sociedade, comunicando valores e conhecimentos que variam de acordo com os grupos sociais que lhe atribuem significado. A importncia do estudo das representaes sociais no mbito escolar, se justifica pelo fato da representao se formar na prtica social, refletindo os pensamentos e sentimentos despertados, formados e consolidados na experincia diria daqueles que trabalham na escola e daqueles que a escola deve servir. De acordo com Coll (2001), as representaes que os professores fazem de seus alunos e vice-versa interferem na dinmica da sala de aula. A representao que o professor tem de seu aluno, as intenes e capacidades que lhe atribui, funcionam no s como um filtro que leva o docente a interpretar o que os estudantes fazem, mas tambm como um meio de valorizar as aprendizagens que eles realizam e a reagir de forma diferente ante seus progressos e dificuldades. Porm, em algumas ocasies, isso pode chegar inclusive a modificar o comportamento real dos alunos na direo das expectativas associadas a tal representao. Coll tambm acredita que a representao que alunos tm de seu professor condiciona em grande parte a interpretao deles de tudo aquilo que o docente diz e faz, e pode, em alguns casos, modificar o comportamento do professor na direo das expectativas associadas a essa representao.

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O comportamento do professor, segundo Sadalla (1997), em grande parte resultado de seu prprio pensamento, o que ele conhece, as suas estratgias para se apropriar da informao e para utiliz-la na resoluo de problemas, bem como o resultado de suas atitudes. Desta forma, todos os professores possuem alguma teoria pessoal sobre professores, alunos e classes, a qual freqentemente expressa como princpio de prtica e que acaba por influenciar suas escolhas pedaggicas. Com base nesses dois ltimos pargrafos, possvel perceber como as representaes que alunos e professores tm um sobre o outro podem vir a interferir na prtica educativa. Em relao temtica das dificuldades de aprendizagem, interessante pensar em como e quanto a representao que o professor faz sobre o assunto, quais fatores atribui como causa do problema, que apontamentos faz sobre os sentimentos que um aluno com dificuldade desperta nele, a que (ou a quem) atribui a responsabilidade do problema, pode indicar suas estratgias em sala de aula e revelar o modo como age diante da representao que faz. Tratando-se do tema representao social, vale situar, ainda que num contexto terico, o momento do desenvolvimento que possibilite ao sujeito a construo de suas representaes. Neste sentido, a teoria de Piaget sobre o desenvolvimento cognitivo traz aportes significativos para compreender a gnese das representaes. Em relao a representao social, importante destacar que a representao construda dentro do cotidiano de todo indivduo, ela envolve as atitudes e reaes desse indivduo, assim como a opinio que uma pessoa tem sobre determinado tema ou assunto, sendo essa opinio fruto no apenas de sua impresso ou conscincia individual, mas a unio de valores e crenas do meio em que est inserida. A seguir sero brevemente tratados os temas desenvolvimento cognitivo e aprendizagem, no existindo um aprofundamento maior nesse campo de estudo pois o objetivo da presente pesquisa a concepo de professores acerca das dificuldades de aprendizagem. Menciona-se esses dois assuntos pois para entender a dificuldade de aprendizagem

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necessrio um contraponto com a aprendizagem, para tanto, sero abordados os estgios do desenvolvimento cognitivo, a importncia da afetividade e a relao entre o professor e a experincia escolar do aluno. Espera-se contribuir de alguma maneira ao leitor, provocando uma certa curiosidade cientfica em aprofundar melhor estes campos de estudo.

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1.2

O PROFESSOR FRENTE A EXPERINCIA ESCOLAR DO ALUNOA anlise de pesquisas piagetianas indica a necessidade de serem

considerados pelos professores os diferentes nveis do desenvolvimento do aluno e as possibilidades de priorizar situaes que signifiquem melhores experincias para os alunos, tornando a experincia escolar um fator significativo para o desenvolvimento cognitivo. Seguindo esta linha de pensamento, Goldenberg (2000) salienta que cada aluno dentro de sua individualidade apresenta rendimento diferente, e isso deve ser respeitado, objetivando-se que o aluno aprenda o mximo possvel e que se possa repensar o processo a fim de atender todas as diferenas individuais. fundamental que fique bem claro que estas diferenas no devem ser pensadas apenas no que diz respeito ao cognitivo e/ou psicolgico, mas tambm no que diz respeito aos aspectos de natureza socio-econmica e cultural, que possuem fatores diretamente implicados nas condies do aluno e com relaes fundamentais com o processo ensino - aprendizagem. No que se refere postura do professor diante dos contedos escolares, Macedo (1994) esclarece que o docente deve conhecer bem a matria que ensina, pois assim ele conseguir transmitir e avaliar corretamente a disciplina. Ao dominar o contedo, o professor ter condies para discutir melhor com a criana, podendo localizar na histria da cincia o ponto correspondente ao pensamento dela, de modo a formular hipteses, fazer perguntas inteligentes e sistematizar contedos quando necessrio. de extrema importncia que o professor conhea seu aluno, saiba dados sobre sua realidade, sua famlia, que perceba e respeite as diferenas entre esses alunos em sala, tendo a sensibilidade para observar as dificuldades de alguns alunos e conseguir trabalhar essa dificuldades sem que o aluno se sinta diferente ou menos capaz que os demais. Ao conhecer seu aluno, o professor ser capaz de melhor distinguir as diferenas em sala, podendo adaptar certas atividades, como por exemplo, trabalhar em grupo19

colocando alunos com maior rendimento para auxiliar aqueles com dificuldades, objetivando sempre que os alunos aproveitem o mximo do que est sendo ensinado. Ao compreender e respeitar seu aluno, o professor ter maiores chances ao observar quando surgir uma dificuldade de

aprendizagem e talvez consiga distinguir entre uma dificuldade de aprendizagem real e um problema ou dificuldade momentnea de seu aluno, relacionado ao contedo ou ao mtodo. Segundo Davis (1994), quem ensina precisa incentivar os alunos a relacionarem o que foi aprendido na escola com outras experincias fora dela, e a propor outros temas e problemas que considerem relevantes. Aceitar como ponto de partida as preferncias, rejeies, estado de nimo dos alunos, possibilita ao professor criar condies para uma melhor compreenso de tais sentimentos no conjunto da situao e a resoluo daqueles que so obstculos construo dos conhecimentos. Amaral (apud Leite, 2001) diz ser necessrio que o professor reconhea seu aluno como capaz e inteligente e perceba-se tambm como participante desse dilogo, trazendo seu conhecimento de mundo para a troca, como forma de possibilitar que o aluno v alm de seus limites. Acredita-se que quanto mais o aluno confiar, se sentir apoiado e respeitado pelo professor, mais ele demonstrar suas dvidas e dificuldades, no se negando ou escondendo seus problemas. E o professor, poder sentir-se mais confiante e capaz no desenvolvimento de seu trabalho, pois contar com a verdade e transparncia no relacionamento com seus alunos, pois esses tero a liberdade de no apenas expor suas dvidas mas demonstrarem quando o mtodo ou atividade utilizada pelo professor no estiver atingido o objetivo proposto por ele. Antes de ingressar na escola, a criana j desenvolveu hipteses e construiu um conhecimento sobre o mundo, seus conhecimentos foram assimilados espontaneamente atravs de sua experincia cotidiana, da famlia, amigos, vizinhos e dos meios de comunicao. Mesmo quando uma

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criana entra pela primeira vez numa sala de alfabetizao, ela traz consigo uma concepo de escrita, uma idia da representao grfica. As investigaes de Ferreiro e Teberosky (1981) tm demonstrado que as atividades de leitura e escrita comeam muito antes do ingresso da criana escola, pois essa aprendizagem faz parte de uma realidade, de um mundo letrado e de letras, no qual a criana est inserida e tem contato dirio, seja por meio de anncios, revistas, letreiros, televiso, dentre outros. Entretanto, para Ferreiro (1981), no se pode atribuir a aquisio da leitura e escrita a uma influncia direta do meio. necessrio compreender que o meio fornece a reflexo sobre os objetos, suas propriedades, estruturas e modo de funcionamento, mas certos conhecimentos especficos sobre a lngua escrita, como saber que cada letra tem um nome, que letras so diferentes de nmeros, que necessrio escrever da esquerda para a direita, dentre outros, s podem ser adquiridos atravs da informao de um leitor que transmita essas informaes criana. indubitvel que essa reflexo comporta uma construo interna da criana, cujo processo e progresso no so aleatrios. Nesse sentido, a distncia de informao que separa um grupo social, como uma criana que tem pais leitores, contato direto e constante com a escrita, daquela que nunca pegou num livro, no podem ser atribudos a fatores puramente cognitivos. Para Ferreiro (1981) essa distncia x diferena diminui quando est em jogo o raciocnio da criana, mas aumenta quando se necessita contar com informao precisa do meio. Mesmo assim, no se pode atribuir uma dificuldade na leitura e escrita fatores como a pobreza ou a falta de contato direto com a escrita, pois esses fatores no impedem o aprendizado. Assim como Piaget (2002), que elaborou um quadro dos perodos do desenvolvimento cognitivo, Ferreiro e Teberosky (1981, 1998) tambm definem hipteses de leitura e escrita pelas quais as crianas passam at estarem alfabetizadas, pois durante a aprendizagem da leitura e da escrita a criana constri hipteses, vai testando, construindo e reconstruindo seu conhecimento at chegar a tornar-se alfabtica.

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De certa maneira, aprender para elas ter de reconstruir suas idias lgicas a partir do confronto com a realidade. E exatamente porque nem tudo o que elas tm de aprender lgico que constrem idias aparentemente absurdas, mas que so importantes no processo de aprendizagem. (Weisz, 2002: 42)

Como citado anteriormente, Ferreiro e Teberosky (1981) definem hipteses de leitura e escrita durante o processo de alfabetizao, no nossa inteno negligenciar a obra das autoras, mas neste trabalho estaremos apresentando brevemente apenas as fases da hiptese de escrita. Para Ferreiro e Teberosky (1981), aproximadamente desde os quatro anos uma criana possui critrios para admitir se uma marca grfica pode ou no ser lida, mesmo antes de serem capazes de ler textos que lhe so apresentados. Uma criana pode, por exemplo, ler um desenho ao interpretar o seu significado; na caixa de bolacha favorita a criana l bolacha pois associa o desenho, a embalagem, ao significado que aquilo trs. Essa fase em que a criana pensa que se escreve com desenhos chamada de hiptese pr silbica pois ela ainda no registra com a inteno de realizar correspondncia entre o sonoro e a escrita, ainda no compreende a relao entre o registro grfico e o aspecto sonoro da fala. Ao iniciar a tentativa de estabelecer relao entre o contexto sonoro da linguagem e o contexto grfico do registro, ao atribuir a cada letra o registro de uma slaba falada, observa-se que a criana est na etapa chamada de hiptese silbica. Nesta fase, a criana emprega

adequadamente sobretudo as vogais, tem a crena de que cada letra representa uma slaba e j escreve o prprio nome. A hiptese silbica alfabtica um momento de transio, em que a criana abandona a hiptese anterior, ensaia em alguns momentos a anlise da escrita em termos de fonemas, agrega mais letras a escrita, tentando aproximar-se da escrita alfabtica onde os sons da fala so registrados pelo uso de mais de uma letra. Ao chegar a hiptese alfabtica, cada um dos caracteres da escrita corresponde ao valor sonoro dos fonemas das22

palavras, h correspondncia termo a termo. principalmente atravs da mediao e interveno do adulto que a criana ir gradualmente identificar a natureza e as funes tanto da escrita como de outros conhecimentos, num processo cujo ritmo so determinados pela quantidade e qualidade das interaes do sujeito. funo portanto, da escola, dar continuidade, agora de forma sistematizada, a esse processo que vem se realizando naturalmente, por meio do qual a criana vem tomando contato tanto da escrita como de outros conhecimentos, pelas diversas prticas sociais que participa. A pesquisa de Gontijo (2001) aponta trs aspectos para os quais os professores devem estar atentos. Em primeiro lugar os professores necessitam avaliar a importncia de sua atuao na sala de aula, em segundo, o professor que atua diretamente com crianas deve estar atento aos esforos delas e, em terceiro, as relaes que so construdas em sala de aula, pois o dilogo que a criana estabelece com os colegas e como o professor essencial para que ocorra aprendizagem. Em relao a este ltimo aspecto apontado por Gontijo as relaes que so construdas em sala de aula, pode-se enfatizar o quanto importante a qualidade da relao estabelecida entre o professor e o aluno, pois sendo esta relao pautada na confiana e respeito, a criana certamente no temer o erro. Por outro lado, se a relao for baseada no medo, na punio, a criana poder no conseguir progredir no desenvolvimento de sua aprendizagem, pois ter medo, se sentir insegura ao fazer perguntas ao professor ou em tirar dvidas. No dizer de Macedo (1994), a partir do momento em que o professor est familiarizado com os meios pelos quais seus alunos raciocinam, isto , familiarizado com a linha de raciocnio deles, ele ter condies de melhor organizar a situao de aprendizagem e de interagir com seus alunos, o que contribui para um bom relacionamento com a classe. A seguir sero apresentados trabalhos que enfocam as

representaes sociais, suas implicaes e relaes com a prtica educativa.

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1.3

REPRESENTAES SOCIAIS E A PRTICA EDUCATIVASadalla (1997) em seus estudos, menciona uma pesquisa realizada

com professores da rea metropolitana de Nova York, que partia do pressuposto que as sugestes dos professores refletiam suas teorias de ensino-aprendizagem e nas habilidades dos estudantes. Concluiu-se que 50,9% dos professores consideravam que o problema de aprendizagem do aluno estava relacionado problemas fsicos, neurolgicos, ateno, concentrao, auto-estima e problemas emocionais; 62,7% relacionaram a causa famlia da criana e somente 9,1% apontaram a escola como principal responsvel pelo problema do aluno. Sadalla (ibid) conclui, com base nesses resultados, que a partir do momento que o docente indica a causa do problema como sendo somente do aluno, sua postura completamente diferente se, ao contrrio, considerasse a escola como tendo papel essencial no desempenho e no sucesso escolar desse aluno. Em outro estudo, Agne (1992 apud Sadalla 1997) aponta que os professores tendem a atribuir os resultados dos alunos a fatores externos, associando estes circunstncias que esto alm de seu controle. O comportamento do professor portanto, substancialmente influenciado por seus pensamentos. Azzi e Silva (2000), afirmam que a relao professor aluno, mais do que ser pautada pelas aes que um dirige ao outro, afetada pelas idias que um tem do outro, ou seja, pelas representaes mtuas feitas entre alunos e professores. A interao professor - aluno estabelecida na escola, influenciada por fatores afetivos e cognitivos, que intervm nesta relao atravs das imagens construdas por alunos e professores a respeito um do outro, dessa forma, as representaes construdas criam uma rede de expectativas recprocas entre professores e alunos, que pode ser ou no harmnica. A representao que o professor faz de seu aluno, isto , o que o docente espera, pensa e acredita em relao ele, segundo Nucci (1997), pode influenciar, e at certo ponto determinar os avanos cognitivos a serem

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alcanados pelos estudantes. No dizer de Delval (2001), as representaes construdas pelos professores a respeito de seus alunos e de sua prpria tarefa pedaggica, tm uma enorme importncia na (e para a) educao, pois elas interferem no ensino escolar na medida que esses conhecimentos cotidianos, trazidos pelos indivduos antes do ingresso na escola, integram a vida tanto de professores quanto de alunos, e adentram escola juntando-se ao conhecimento cientfico que o tipo de conhecimento trabalhado pela escola. Quando o professor no valoriza esses conhecimentos anteriores de seus alunos, ele dificulta de certa forma a aquisio e progresso de contedos mais especficos. De acordo com Davis (1994), para que a interao professor aluno possa levar construo do conhecimento, a interpretao que o professor faz do comportamento do aluno fundamental. O professor precisa estar atento ao observar o comportamento assumido por seus alunos, pois este pode ter muitas significaes. Alm disso, o professor precisa compreender que aspectos de sua prpria personalidade (desejos, valores, preocupaes, frustraes) influem em seu comportamento ao longo das interaes que ele mantm com a classe. Esclarece ainda, que os comportamentos do professor e dos alunos esto dispostos em uma rede de interaes envolvendo comunicao e complementao de papis, onde expectativas recprocas so colocadas. Nessas interaes importante que o professor procure colocar-se no lugar dos alunos para compreend-los, ao mesmo tempo que os alunos podem, com a ajuda do professor, conhecer as opinies, os propsitos e as regras que este busca estabelecer para o grupo, para a classe. A partir do momento que o professor est familiarizado com os modos pelos quais seus alunos raciocinam, conhecendo como eles pensam, este professor estar em posio de organizar a situao de aprendizagem, interagir com seus alunos e contribuir para um bom relacionamento com a classe. O professor precisa estar atento algumas condies para que ocorra a aprendizagem, ele deve ter claro sua metodologia, seus objetivos e

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propostas de ensino, levar em conta a realidade do aluno e da classe, suas caractersticas e habilidades. Deve se questionar sobre o por qu determinados alunos esto apresentando dificuldades, observar o

desempenho deste aluno e analisar sua produo continuamente, para se assegurar se h ou no realmente uma dificuldade ou se o aluno no domina apenas determinado contedo. Tambm precisa reavaliar sua prtica e estar atento sua prpria atuao, tentando identificar falhas e super-las, uma vez que ele igualmente responsvel por aqueles alunos que apresentam dificuldades, que no aprendem ou no progridem em determinados contedos. Para Leal (1991), o fracasso das crianas na primeira srie explicado por meio do termo distrbio de aprendizagem, em que a criana portadora de um problema, e sendo assim, a escola e o sistema escolar criam uma estrutura que os exima da responsabilidade frente s dificuldades de aprendizagem, deixando o problema a cargo de especialistas, centros de diagnstico e grupos de apoio, mantendo desta forma, um crculo vicioso que abandona o aluno a sua prpria sorte e contribui para a instaurao de um distrbio de aprendizagem. Com base em todos os apontamentos realizados sobre o tema das representaes sociais, sua relao e importncia na vida de todo e qualquer indivduo, torna-se claro o quanto imprescindvel conhecer as

representaes que os professores fazem sobre as dificuldades de aprendizagem de seus alunos, assim como a influncia dessa representao na sua prtica em sala de aula. Talvez na medida em que o conhecimento das representaes sociais venha tona, seja possvel conscientizar os profissionais da educao sobre a importncia de se deter um certo conhecimento acerca dessa rea, bem como gerar oportunidades e oferecer subsdios para que os professores possam compreender melhor suas aes, sua prtica e crenas, possibilitando assim, melhor acesso e melhores chances para aqueles que mais sofrem por apresentarem uma dificuldade de aprendizagem os alunos.

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Ao tratar da concepo de professores sobre as dificuldades de aprendizagem, objeto desta pesquisa, faz-se necessrio abordar no presente estudo o tema aprendizagem e desenvolvimento cognitivo. No prximo captulo sero descritas as fases do desenvolvimento cognitivo e suas principais aquisies, na sequncia apresentaremos a definio do que aprendizagem de acordo com a teoria de Piaget (1974), que distingue a aprendizagem strictu senso da latu senso, conforme veremos a seguir.

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C A P T U L O II2.1 CONSIDERAES SOBRE APRENDIZAGEM E

DESENVOLVIMENTO COGNITIVOOs estudos de Piaget (2001) mostram que a criana agente de seu prprio desenvolvimento, e que este ser construdo a partir de quatro determinantes bsicos; a maturao do sistema nervoso central, a estimulao do ambiente fsico, a aprendizagem social e a tendncia ao equilbrio. Todas as crianas passam por este processo, e seu

desenvolvimento seguir determinadas fases. Como a maturao um dos elementos bsicos de desenvolvimento, crianas de uma dada cultura amadurecem seus processos biolgicos e psicolgicos em faixas etrias aproximadas, por isso suas estruturas mentais e seus mecanismos funcionais acabam sendo comuns uma grande maioria de crianas de uma mesma idade cronolgica. Portanto, o desenvolvimento cognitivo comea no momento do nascimento e evolui acompanhando o crescimento orgnico, a maturidade dos rgos, terminando na idade adulta. Consiste num processo contnuo que obedece a uma ordem invarivel e seqencial de estgios, passando de um estado de menor equilbrio para um estado de maior equilbrio, caracterizado por uma equilibrao progressiva em que cada estgio ou perodo definido por uma estrutura de conjunto que determina todos os novos comportamentos caractersticos desta etapa. Na teoria de Piaget (1991, 2001), o equilbrio faz parte do desenvolvimento cognitivo, sendo uma propriedade intrnseca e constitutiva da vida orgnica e mental, enquanto a aprendizagem constitui um dos aspectos do desenvolvimento e se caracteriza pela modificao (equilibrada) do comportamento, em correspondncia com as aquisies advindas da experincia. Logo, o desenvolvimento passa por quatro etapas distintas que sero agora brevemente abordadas.

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O perodo sensrio-motor, anterior a linguagem, vai do nascimento at aproximadamente os dois anos, caracterizado pelas percepes sensoriais e esquemas motores da criana, que so construdos a partir de reflexos inatos (suco e preenso) usados pelo beb para lidar com o ambiente. A criana nessa fase est presa ao presente, ainda no dispe da capacidade de representao ou de pensamento, no evoca o passado nem planeja o futuro. Pode-se chamar esse perodo de inteligncia da ao ou de inteligncia sensrio-motora, e uma de suas funes nessa etapa ser de diferenciar os objetos do seu prprio corpo. A criana utiliza a percepo e os movimentos como instrumentos, preparando no terreno da ao, o que mais tarde ser convertido em operaes do pensamento refletido. O perodo pr-operatrio, dos dois aos sete anos, marcado pelo aparecimento da funo simblica (ou semitica), que possibilitar a capacidade de representar, tornando possvel criana, por meio da palavra, do gesto ou da lembrana, ser capaz de evocar objetos ou acontecimentos, passando a interiorizar suas aes. Esta fase caracterizada pelo egocentrismo da criana, ela s concebe a sua famlia tomando a si mesma como referncia, confunde-se com os objetos e pessoas atribuindo a eles o seus prprios pensamentos e sentimentos (animismo) e atribui causas humanas aos fenmenos naturais (artificialismo), em que o real e o fantstico se misturam nas explicaes dadas pelas crianas. Neste momento comea o pensamento com linguagem, o que possibilita criana representar, mas essa representao segundo Piaget (1991) consiste numa interiorizao progressiva das aes, entretanto essas aes interiorizadas ainda no atingem o nvel das operaes reversveis. Nesta fase, de acordo com Piaget (1991), graas a linguagem que a fonte do pensamento, os objetos e acontecimentos deixam de ser alcanados na perspectiva do imediato e passam a ser inseridos no quadro conceitual e racional, a criana torna-se ento capaz de evocar situaes no apenas atuais, essa novidade pode ser considerada como o comeo da representao. Ao falar sobre a representao, necessrio antes

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mencionar sobre a funo simblica ou semitica, pois essa funo que possibilitar a representao. A funo simblica (ou semitica) implica na diferenciao entre o significante (imagem mental e linguagem) e o significado. No perodo sensrio-motor a criana ainda no representa porque o significante e o significado encontram-se indiferenciados, melhor dizendo, intimamente associados. Portanto, a atividade sensrio-motora precede a representao. Segundo Piaget (2001) a representao inexistente no incio da vida, aparecendo ao longo dos 18 primeiros meses e tornando-se, por volta dos 2 anos com o incio da linguagem, o modo habitual de pensar, a evocao do real constitui a verdadeira representao. Nesse sentido, a funo simblica permite criana invocar uma situao ausente por intermdio de um significante, enquanto que a representao e a linguagem possibilitam aos sentimentos adquirir uma estabilidade e uma durao. Tortella (1996: 17) explica que:no momento em que a linguagem deixa de acompanhar um simples ato e reconstitui uma ao passada, h ento, um comeo de representao e a palavra torna-se a evocao do ato.

Relacionando a representao com a inteligncia, Barros (1996) explica que a inteligncia se constri atravs da organizao do vivido, e com base nessa organizao que a criana passa da ao representao, pois atravs da prtica, de um fazer prtico, ela pouco a pouco internaliza suas aes dando lugar a uma representao. A representao deriva, em parte, da prpria imitao, e a imitao constitui uma das fontes da representao, que fornece essencialmente seus significantes imaginados. Por outro lado, o jogo (ou atividade ldica) conduz igualmente da ao representao, na medida que evolui de sua forma inicial do exerccio sensrio-motor para a segunda forma de jogo simblico ou de imaginao. O jogo simblico fonte de representaes individuais, ao mesmo tempo cognitiva e afetiva, pois refere-se a um contexto ou uma situao apenas evocada, mas que constitui a caracterstica da representao.

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Piaget (1991) explica que tanto o jogo simblico como a imitao diferida (produzida pela primeira vez na ausncia do modelo correspondente) e a imagem mental (imitao interiorizada) so derivados da imitao, e esta portanto um dos possveis intermedirios entre as condutas sensrio motoras e as condutas representativas, independente da linguagem. Pode-se dizer ento, que a origem do pensamento deve ser procurada na funo simblica, mas tambm que a funo simblica se explica pela formao das representaes. A formao da funo simblica consiste em diferenciar os significantes dos significados, de modo que os primeiros permitam a evocao da representao dos segundos. A representao comea quando h, simultaneamente, a diferenciao e a coordenao entre significantes e significados. Os primeiros significantes so fornecidos pela imitao, e o significado fornecido pela assimilao que predomina no jogo. Depois do significado e significante progressivamente se dissociarem no plano sensrio-motor e de se desenvolverem, ultrapassando assim, o presente imediato, a assimilao e acomodao apoiam-se uma na outra, e nessa conjuno entre a imitao (efetiva ou mental de um modelo ausente), e as significaes fornecidas pelas diversas formas de assimilao que se permite a constituio da funo simblica. Conclui-se que a representao existe quando se imita um modelo ausente, assim como acontece no jogo simblico, na imaginao e at no sonho, sendo a capacidade de representar solidria ao desenvolvimento da linguagem. Brenelli (2000) esclarece que para Piaget, as funes da representao dizem respeito s vivncias representadas, em que a criana e a pessoa expressam-se representando a seu modo o vivido. Pode-se dizer que a origem da representao social provm das significaes fornecidas pelo ato assimilador do sujeito. No perodo operatrio concreto, que abrange em mdia as idades entre sete a doze anos, o interesse da criana passa da famlia para o grupo social, ampliando-se o campo da socializao e inserindo-se no mundo da

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criana outros grupos como o de amigos da escola, do clube, da rua, entre outros. O pensamento torna-se crtico apoiando-se nas operaes mentais marcadas pela reversibilidade, revelando a presena de estruturas lgicas. A criana compreende as regras do jogo e as pratica de forma coerente, percebe tambm que outras pessoas tm pensamentos e sentimentos diferentes dos seus, havendo portanto uma diminuio do egocentrismo. No perodo operatrio-formal, que se constitui a partir dos doze anos em diante (em mdia), o jovem passa agora a discutir, questionar os valores dos pais e construir os seus prprios. Torna-se mais consciente de seu prprio pensamento e consegue refletir sobre ele. capaz de raciocinar logicamente, formando esquemas conceituais abstratos como de amor, felicidade, fantasia, sonho. Pode-se chamar o pensamento dessa fase de pensamento hipottico dedutivo, pois o adolescente consegue pensar no apenas na realidade concreta mas na realidade possvel. perceptvel, por meio do estudo desses estgios, que aprender significa passar por etapas sucessivas, em que cada uma delas marcada pela acomodao e assimilao de certos conhecimentos, para ento avanar etapa seguinte. Aprender significa portanto, um processo constante de equilbrio e desequilbrio, uma reorganizao interna do que assimilado para posteriormente adquirir novos conhecimentos, consiste pois, na modificao dos esquemas cognitivos. De acordo com Macedo (1994), compreender, conhecer algo, um objeto, um tema, significa transferir para esse conhecimento, esse objeto, os contedos de ao do indivduo. Ou seja, a criana compreende o objeto (este deve ser entendido tanto como forma fsica ou contedo escolar) e por intermdio de suas aes, as coordena formando novos esquemas, dando utilidade, aplicabilidade ou construindo uma imagem acerca desse objeto. Piaget (1991) ressalta que no se conhece os objetos seno agindo sobre eles e neles produzindo alguma transformao. Nessa perspectiva, a aprendizagem obtida, apreendida, em decorrncia da experincia, podendo ser definida como aquisio de um conhecimento especfico. Refere-se a

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algo especfico como aprender a seriar, classificar, escrever, enquanto o desenvolvimento o responsvel pela formao dos conhecimentos, consistindo em uma aprendizagem no sentido amplo. Nesse sentido, a construo do conhecimento se d atravs de situaes em que os alunos possam agir, pensar, compartilhar o conhecimento que tm, refletir, interagir com o outro e superar desafios naquilo que objeto do conhecimento. Piaget e Grco (1974) fazem distino entre a aprendizagem no sentido amplo (latu) e no sentido restrito (strictu). No sentido restrito, compreende-se a aprendizagem na medida em que um resultado, seja ele conhecimento ou atuao, adquirido em funo da experincia. Portanto, necessrio reservar o termo aprendizagem a uma aquisio em funo da experincia, mas se desenvolvendo no tempo, quer dizer, mediata e no imediata como a percepo ou a compreenso instantnea. (Piaget e Grco, 1974: 53)

J a aprendizagem no sentido amplo, deve ser entendida como aquisies devidas a um processo dedutivo e que no se devem a experincia, sendo a partir do nvel operatrio que a deduo constitui uma fonte de aquisies independentes da experincia. Trata-se de aquisies dependendo dos processos de equilibrao, na medida que as

compreenses so graduais e no mais imediatas, mas tais que o confronto de duas afirmaes (a) e (b) d lugar a um resultado novo (c) (Piaget e Grco, 1974: 54). Entretanto, essas aquisies so devidas a um processo de equilibrao distinto de uma aprendizagem no sentido restrito. A aprendizagem ampla, por definio, a combinao entre a aprendizagem restrita (strictu) e a coerncia operatria. Concluindo, nas palavras de Piaget e Grco (1974: 26, 40) a aprendizagem no sentido restrito uma aquisio em funo da experincia enquanto que no sentido mais amplo, a aprendizagem um processo adaptativo se desenvolvendo no tempo, em funo das respostas dadas pelo sujeito um conjunto de estmulos anteriores e atuais.

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A palavra aprender, como explica Delval (2001), provm do latim apprehendere, que transmite a idia desse processo de colher, se apoderar de algo; e o oposto de aprender ensinar, que etimologicamente significa deixar uma marca ou sinal naquele que aprende. Assim, possvel pensar a aprendizagem dentro do ambiente da sala de aula como uma relao construda entre dois sujeitos - o que ensina e o que aprende, onde o que aprende traz conhecimentos anteriores e que sero re-organizados a partir da explorao e contato com o mundo a sua volta, enquanto aquele que ensina exerce o trabalho de mediar essa relao entre o sujeito que aprende e o objeto de conhecimento, orientando e criando situaes de descobertas e sistematizando os conhecimentos construdos. Sendo a sala de aula o local e o espao onde se desenvolvem as aprendizagens e se constri as relaes que iro influenciar alunos e professores, concentra-se nesse espao a dualidade aprender e ensinar, que estabelece a relao professor (aquele que deixa a marca, que ensina) e aluno (aquele que colhe o conhecimento). Estabelecida esta relao, iniciase o processo de ensino-aprendizagem, mas no se pode esquecer que esses papis no so imutveis, uma vez que professores e alunos, aprendem e ensinam um ao outro, constantemente, em todo o processo cognitivo. Nessa perspectiva, Pain (1985) explica que ensinar consiste em mostrar, estabelecer sinais, marcar como se faz e o que, ou como pode ser feito. O ato de aprender envolve um amplo processo que por um lado individual e particular a cada indivduo, e por outro, implica o meio social e cultural em que esse mesmo indivduo est inserido. O processo de aprendizagem escolar, envolve desde a habilidade motora para segurar um lpis, organizar o material, ter desenvolvido a lateralidade e sua motricidade, at os conhecimentos prvios da criana, sua histria de vida, a linguagem, expresso verbal, a motivao e interesse para aprender, auto estima, maturao emocional e biolgica, interao com os outros, meio social e cultural, dentre tantos.

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A aprendizagem, no contexto terico construtivista, est subordinada ao desenvolvimento, em outras palavras, a aprendizagem sempre provocada por uma situao e depende do desenvolvimento intelectual e da estrutura da prpria inteligncia. Pode-se dizer portanto, que a aprendizagem organizada atravs das interaes entre o sujeito e o objeto, sendo o objeto incorporado, assimilado aos esquemas de ao enquanto que o

conhecimento implica em agir sobre o real, transformando-o, so informaes tiradas do meio, a experincia adquirida. Ao falar sobre a formao da inteligncia e a natureza dos conhecimentos, Piaget (1970) afirma que as funes essenciais da inteligncia consistem em compreender e inventar, ou seja, a inteligncia implica em construir estruturas e estruturar o real, ela deriva da ao e consiste em executar e coordenar as aes, mas sob forma interiorizada e reflexiva. Estas aes interiorizadas so operaes lgicas e devem ser entendidas como aes enquanto processos de transformaes. J as estruturas consistem em organizar constantemente o real em ato ou pensamento. Em todos os estgios a inteligncia uma assimilao, por meio da qual as estruturas elementares da ao transformam-se em estruturas operatrias superiores. Para Piaget (1970: 45):

As operaes intelectuais constituem a expresso de coordenaes nervosas que so elaboradas, unicamente da maturao orgnica... mas tornar-se fcil mostrar que a maturao no o nico fator em jogo no desenvolvimento operatrio: a maturao do sistema nervoso central limita-se a abrir possibilidades, excludas at certos nveis de idade, mas preciso atualiz-las, o que supe outras condies, das quais a mais imediata o exerccio funcional ligado s aes.

Ao nascer, no dizer de Piaget (1973), a criana traz consigo conhecimentos hereditrios que esto ligados a questo de sua

sobrevivncia. Esses primeiros conhecimentos so os reflexos de preenso e suco, e a partir deles a criana ir construir novos conhecimentos. Sisto (1996), apoiado no sistema terico piagetiano, esclarece que um conhecimento construdo a partir de outros conhecimentos e os primeiros36

conhecimentos so aqueles que o indivduo traz consigo ao nascer, ou seja, so hereditrios. Portanto, o sistema cognitivo a ser construdo

necessariamente um prolongamento do sistema biolgico e a sua construo est essencialmente ligada sobrevivncia do indivduo, pois a construo do conhecimento, na sua origem, parte da necessidade de saber fazer ou ter os instrumentos necessrios para a sobrevivncia independente. A aprendizagem na perspectiva de Piaget compreendida segundo Sisto (1996), como um processo necessariamente desequilibrante, produto de conflitos cognitivos que o ser cognoscente vivencia e procura resolver, e nesse processo de resoluo que o indivduo cria as alternativas e os instrumentos intelectuais necessrios para atuar na situao em questo. A teoria de Piaget partidria desta concepo, sendo nesse contexto que a aprendizagem se interliga ao desenvolvimento, porque faz com que o sistema cognitivo encontre novas formas de interpretar a realidade enquanto aprende. Vale lembrar que os trabalhos e pesquisas de Piaget (1973, 1991, 2001) mostraram que o conhecimento construdo pelo sujeito em interao com o meio, e que o ser humano no nasce com um sistema cognitivo pronto, mas que este se constri na interao com o meio fsico e social, atravs do prpria atividade do sujeito. O conhecimento decorre portanto das relaes e interaes entre o sujeito e o objeto, sendo estas interaes dependentes desde o nascimento do afetivo e do emocional. Para Castro (1996: 30), as crianas se desenvolvem por suas prprias iniciativas e tambm por meio das experincias que a elas proporcionamos. O processo de aquisio do conhecimento, segundo Piaget (1991), se desencadeia por perturbaes que geram desequilbrios, fazendo com que o organismo reaja (regulao) a fim de anular ou neutralizar essas perturbaes (compensao) para atingir um equilbrio superior - reequilbrio (equilibrao majorante) e assim sucessivamente. Em toda equilibrao, intervm a necessidade de novas construes, acrescentando sempre transformaes no sistema cognitivo, afetivo, social e moral. Ocorrendo transformaes no sistema cognitivo, muda-se a forma de raciocinar, de

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resolver problemas, as compensaes e construes so aspectos, portanto, fundamentais do desenvolvimento. A aprendizagem escolar alm de lidar com os aspectos cognitivos e emocionais, lida tambm com relaes interpessoais vivenciadas em grupos sociais especficos. Segundo Frana (1996), a aprendizagem pode ser definida como uma inter-relao que compreende aspectos externos, pertinentes escola enquanto ensinante e; aspectos internos, pertinentes ao aluno enquanto aprendente, sendo que os dois aspectos so permeados pelo social. indubitvel que no contexto da sala de aula, no que tange aprendizagem escolar, o aluno traz consigo conhecimentos anteriores escola, ao mesmo tempo em que o professor trabalha contedos (pr) determinados pela instituio. nesse encontro de experincias aquilo que o aluno traz, sua vivncia e os conhecimentos a serem trabalhados pelo professor, que gradativamente o processo de aprendizagem ser construdo, e esse processo permeado pela relao social, sendo esta entendida como as relaes estabelecidas entre professores e alunos dentro da sala de aula, e ser nesse meio que iro surgir os desafios, os sucessos e os fracassos. Macedo (1994) ressalta que, ao conhecer as fases descritas por Piaget, os professores podero entender as dificuldades do aluno e orientarem-se quanto aos caminhos a serem percorridos, favorecendo a construo de esquemas quando a criana no os tem, por isso importante que o professor conhea as fases, em termos do desenvolvimento psicolgico que seu aluno se encontra. Tambm afirma que o professor precisa se conscientizar a respeito das relaes entre desenvolvimento e aprendizagem, tendo em vista as implicaes que isso representa em sua prtica pedaggica. Que no basta ao professor falar por meio da intuio, como dizer que determinada criana no est indo bem, ou quando acha que o aluno no vai aprender determinado contedo, que ele o professor, tematize essa intuio, que explique com melhor clareza seu ponto de vista, para que essa intuio no baste a si mesma e para que o professor adquira mais conscincia do modo como prev ou analisa seus alunos. E para

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cooperar com a aprendizagem de seu aluno, o professor deve preocupar-se mais com o processo de aprendizagem desses, valorizando a informao contextualizada e o modo como ela produzida pelo aluno, inventando novos recursos para a aprendizagem, valorizando o que o aluno sabe e trs para a sala de aula. A seguir ser abordado o aspecto afetivo e sua relao com a aprendizagem, acredita-se que a afetividade est presente em todos os momentos na vida de um indivduo, desde o seu nascimento e durante todo o seu desenvolvimento, assim como nas relaes estabelecidas numa situao de aprendizagem, dentro da sala de aula e no relacionamento professor e aluno, tendo portanto relao com a representao. Como mencionado no incio deste trabalho, a representao est presente em qualquer tipo de situao social, e envolve desde um valor que se atribui um objeto, imagem que se faz sobre determinada pessoa, e no caso da situao escolar, a imagem ou valor que um professor atribui seu aluno e vice-versa, influenciando as aprendizagens e a maneira de reagir frente s situaes escolares.

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2.2 O ASPECTO AFETIVO NO DESENVOLVIMENTO E NA APRENDIZAGEMPiaget esclarece em um artigo publicado no ano de 1920, que a ausncia de manifestaes afetivas por parte dos educadores to perniciosa quanto em demasia. Seguindo com seus estudos, Piaget em 1964 conclui que a afetividade constitui a fora propulsora do desenvolvimento pois ela atribui valor s atividades, regulando a energia. Portanto, a vida afetiva, assim como a vida intelectual, so adaptaes contnuas, paralelas e interdependentes. Nesse sentido, esclarece Barros (2002) que a afetividade est presente no interesse, no prazer, na dor, na alegria e tristeza, no sucesso ou no insucesso, logo, todos esses sentimentos fundamentais intervm como reguladores da ao da qual a inteligncia determina a estrutura, sendo a afetividade o motor do comportamento. Para Piaget (1933) os sentimentos e as operaes intelectuais no constituem duas realidades separadas e sim dois aspectos complementares de toda a realidade psquica, pois o pensamento sempre acompanhado de uma tonalidade e significado afetivo, portanto, a afetividade e a cognio so indissociveis na sua origem e evoluo (Barros, 2002: 59), constituindo os dois aspectos complementares de qualquer conduta humana, j que em toda atividade h um aspecto afetivo e um aspecto cognitivo ou inteligente. Nas palavras de Barros (2002: 86):

O sujeito no , por um lado, afectivo e, por outro, cognitivo, mas ambas as coisas ao mesmo tempo, com predominncia de um ou outro aspecto conforme os casos e salvaguardando a sua especificidade, mas sem detrimento da unidade e complementaridade, porque em todo o acto de inteligncia se encontra afectividade e vice-versa.

Tendo como base os estudos de Claparde (1940) pode-se afirmar que os alunos aplicam muito mais a inteligncia quando eles tm interesse em resolver o problema, quando esto interessados, apaixonados, motivados para realizar a atividade. Ao contrrio da criana que, para fazer uma tarefa41

tem que se esforar ao mximo, por que preciso se sacrificar a cada momento, renunciando ao que lhe seria agradvel. Seguindo essa perspectiva, Mery (1985) esclarece que impossvel forar a criana a usar sua energia numa atividade intelectual quando ela no est disponvel para este tipo de investimento, e que a aptido ou inaptido das crianas em ter domnio sobre a atividade intelectual que devem iniciar pode ser compreendida no com relao a seu potencial intelectual, mas sim com relao sua capacidade de investir na tarefa, de transferir a energia para a atividade em questo. Sobre o aspecto afetivo, como lembra Brenelli (2000), para Piaget todo comportamento humano envolve inteligncia e afetividade, sendo a afetividade correspondente aos sentimentos, emoes, valores e desejos. A afetividade, segundo Piaget (1983) intervm no funcionamento da

inteligncia, causando os comportamentos, podendo provocar aceleraes ou atrasos no desenvolvimento cognitivo. O mais importante lembrar que a afetividade indissociada, irredutvel e complementar inteligncia, pois uma forma de interesse, intrnseco ou extrnseco, constantemente presente, e que promove sentido para a realizao de uma ao.

Piaget afirmou muitas vezes: a energia para a ao de ordem afetiva. O primeiro postulado de sua teoria: todo esquema tende a assimilar todo objeto, adquire sentido quando se parte da afirmao anterior. Uma vez que a questo: o que leva o esquema a assimilar? S se poder responder: a necessidade, o impulso, o interesse, fatores esses de ordem afetiva. (Castro, 1996: 29)

A

afetividade

pode,

segundo

Barros

(2002),

ser

causa

de

comportamentos, podendo intervir no funcionamento da inteligncia, assim como ser causa de aceleraes ou atrasos no desenvolvimento intelectual, contudo ela no pode produzir nem modificar as estruturas cognitivas. Partilhando de mesma opinio, Dolle (1993) salienta que a afetividade pode tanto acelerar ou retardar o desenvolvimento cognitivo como bloque-lo de maneira fragmentria e localizada jamais totalmente e sobretudo, orient-

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lo em funo daquilo a que aspira o sujeito, daquilo que tem vontade de fazer, daquilo que o atrai ou repugna. Acredita-se que todas as relaes so permeadas pela afetividade, e que o aluno estando motivado e interessado, a aprendizagem ocorrer quase que espontaneamente. Essa afetividade portanto influencia a aprendizagem e a construo de novos conhecimentos, mas est subordinada relao estabelecida em sala de aula, por exemplo, se o professor motiva seus alunos e incita a descoberta, a curiosidade, permitindo ser questionado, dando espao para que o aluno se expresse, ter-se- um ambiente propicio aprendizagem. A afetividade nas relaes interindividuais no cessa de se exprimir e de revelar em mltiplas e diversas condutas, tais como o choro, o riso, gestos, carcias, olhares, que podem ser ternos e amigveis, ou tristes e raivosos. O gesto, at mesmo discreto, o brilho no olhar, so to expressivos quanto as palavras (Dolle, 1993: 120). A afetividade em ato, fala aquele que a recebe porque ela tem um sentido e informa sobre o estado daquele que a leva a falar, sobre suas intenes, seus julgamentos, sua disposio de esprito com relao ao outro, ao destinatrio. Portanto, na medida em que criamos vnculos afetivos com objetos e pessoas, a afetividade parece destinada a orientar as condutas em relao aos sujeitos. Destacando a importncia dos afetos na construo da inteligncia, Tortella (1996) ressalta; para que a inteligncia possa funcionar o sujeito deve estar interessado, motivado e afetivamente ligado a um determinado objeto, sendo este objeto entendido como um objeto fsico, um

acontecimento ou uma pessoa. Uma outra face da afetividade diz respeito s relaes interpessoais, pois as relaes afetivas so importantes na vida dos indivduos. No mbito escolar, o professor precisa estar atento a essas relaes, procurando entender o significado das condutas e manifestaes emotivas de seus alunos, encontrando caminhos que priorizem a construo do conhecimento de forma mais efetiva.

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Tassoni (2000: 19) relata que as conquistas intelectuais so incorporadas afetividade, dando-lhe um carter eminentemente cognitivo. Diante de tudo isso, pode-se afirmar que os aspectos afetivos influenciam no processo de aprendizagem e no desenvolvimento cognitivo. A afetividade aqui mencionada, pois acredita-se que est presente em todas as relaes sociais. E no h como negar que o vnculo afetivo entre professor e aluno influenciam nas relaes em sala, tornando o ato de aprender e de ensinar um processo harmonioso ou desastroso, dependendo das relaes construdas entre professores e alunos no ambiente da sala de aula. Segundo Brenelli (2000), na teoria de Piaget, os aspectos afetivos e cognitivos da ao so indissociveis, irredutveis e complementares. Esclarece ainda, que todo comportamento humano envolve inteligncia e afetividade.

A mensagem dos estudos piagetianos aponta para o papel da vida social na elaborao e aperfeioamento das estruturas cognitivas, deixando claro tambm que onde existem pessoas a afetividade est envolvida. (Castro, 1996: 31)

Lukjanenko (1995) acredita que o ambiente cooperativo ideal para a promoo da aprendizagem e para que um indivduo alcance os patamares mais elevados da organizao do pensamento, sendo este ambiente entendido como livre de tenses e coaes, mas disciplinado por normas que asseguram a reciprocidade na coordenao de pontos de vista conflitantes, criando assim um espao em que h oportunidades de troca de papis e de participao social, prevalecendo a justia, em que as idias dos envolvidos so respeitadas e conservadas, havendo reversibilidade e reciprocidade na comunicao. Nessa perspectiva, provvel que um ambiente rico em estimulaes provoque um maior nmero de variedades de interaes entre o aluno e seu meio, proporcionando dessa maneira, maiores oportunidades em assumir papis e superar conflitos cognitivos, elevando assim o nvel de desenvolvimento.

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Para Fanelli (2003) fundamental que os primeiros anos escolares sejam marcados por experincias positivas para que os alunos possam prosseguir em seus estudos com confiana. Segundo Bossa (1996), durante a escolaridade das sries iniciais a criana ir sustentar toda sua vida acadmica, pois nessa fase, dos 7 aos 11 anos, que o aluno est construindo a base de seu repertrio acadmico. tambm nesse perodo que a criana inaugura uma relao positiva ou no com a escola, e a qualidade dessa relao depende tanto dos recursos internos da criana como das condies internas e da formao do adulto.

Como especialistas no campo de aprendizagem, torna-se fundamental conhecer o conjunto de leis que regem o processo de construo do conhecimento em geral, bem como os inerentes construo de cada rea do conhecimento particular. Somente e na medida em que conhecemos as leis que caracterizam sua origem e evoluo, podemos diferenciar aquilo que se constitui como sintomtico, daquilo que faz parte das normas inerentes ao processo de construo. (Bossa, 1996: 9)

A citao acima indica a importncia do professor conhecer o desenvolvimento da criana, para assim conseguir situar as evolues e as no evolues de seus alunos, podendo desta forma, diferenciar o que se constitui um sintoma, daquilo que faz parte do processo de construo e do desenvolvimento. Ao tratar da afetividade, dos vnculos professor e aluno vale, a pena mencionar o papel do erro no contexto educativo. O modo como o professor lida com o erro reflete diretamente na disposio do aluno em arriscar-se, melhorando sua autoconfiana, como adverte Tassoni (2000). Neste sentido, ressalta Macedo (1994) que o erro se faz presente no momento da aprendizagem, assim como os aspectos afetivos, cognitivos e sociais esto presentes no aluno simultaneamente e determinam, mesmo que o professor no tenha conscincia disso, os efeitos de sua ao. Mesmo quando o professor trabalha em uma aula a matemtica (aspecto cognitivo) os outros aspectos afetivo e social esto presentes e tm uma influncia atual, seja esta implcita ou explcita.45

Sobre o erro no contexto construtivista, Macedo (1994) alerta que no trabalho em sala de aula, o erro relativo pois o que errado em um contexto pode estar certo em um outro. Por esta razo, na perspectiva do processo de desenvolvimento, o que deve realmente interessar ao professor uma reviso constante de suas idias ou teorias, pensamentos ou aes. Torna-se necessrio ento, desenvolver uma viso relativista do erro e do acerto, integrando o contedo escolar que est ensinando, considerando as caractersticas psicolgicas do aluno e transmitindo conhecimentos de uma forma metodologicamente correta, levando em conta que o ensino uma arte, uma construo cuja realizao deve ser pensada como ponto de chegada. O construtivismo no exige rigor ou complacncia com o erro, pois o conhecimento ter que ser construdo. O importante observar, quando o aluno errar, por qu e como o erro aconteceu, lembrar que o erro um processo em reviso, que ele faz parte do processo de aprender, e que at necessrio. Ele deve ser problematizado, transformando-se assim em uma situao de aprendizagem. por meio da observao e da convivncia em sala de aula que o professor pode identificar os processos cognitivos de seus alunos, os auxiliando no processo de aquisio de conhecimento. Em consonncia com Oliveira (1996), muito importante que o professor demonstre carinho e aceitao integral ao aluno para que este passe a confiar mais em si mesmo. imprescindvel que o professor entenda o erro de seus alunos e veja neles uma forma para conhecer o seu pensamento.

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C A P T U L O III3.1